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    Ultramontanismo

    Apalavra ultramontanismo deriva do latim, ultramontes, que significa para alm dos montes,isto , dos Alpes. A verdadeira origem do termo seencontra na linguagem eclesistica medieval, quedenominava de ultramontano todos os Papas no

    italianos que eram eleitos.1

    A palavra foi novamente empregada depois dareforma protestante, entre os governos e os povos

    do norte europeu, onde se desenvolveu umatendncia a considerar o papado como uma potn-cia estrangeira, de modo especial quando o Papainterferia nas questes temporais. O termo ultra-montanismo tambm foi utilizado na Frana paraidentificar os defensores da autoridade pontifciaem contraposio s liberdades da igreja galicana.O termo era utilizado de forma difamatria, pois

    tambm sugeria a falta de apego prpria nao.No sculo XVII, o ultramontanismo foi associa-

    do queles que defendiam a superioridade dospapas sobre os reis e os Conclios, mesmo em

    questes temporais. Neste perodo, a Companhiade Jesus foi fortemente identificada com o ultra-montanismo. Na Alemanha, no sculo XVIII, o con-ceito se ampliou e passou a ser usado para identi-ficar os defensores da Igreja em qualquer conflito

    entre os poderes temporais e espirituais (Igreja-

    Estado).2

    O ultramontanismo, no sculo XIX, se caracte-rizou por uma srie de atitudes da Igreja Catlica,num movimento de reao a algumas correntes

    teolgicas e eclesisticas, ao regalismo dos estadoscatlicos, s novas tendncias polticas desenvolvi-das aps a Revoluo Francesa e secularizao dasociedade moderna. Pode-se resumi-lo nos seguin-

    tes pontos: o fortalecimento da autoridade pontif-cia sobre as igrejas locais; a reafirmao da escols-

    tica; o restabelecimento da Companhia de Jesus(1814); a definio dos perigos que assolavam aIgreja (galicanismo, jansenismo, regalismo, todos os

    tipos de liberalismo, protestantismo, maonaria,desmo, racionalismo, socialismo, casamento civil,liberdade de imprensa e outras mais), culminandona condenao destes por meio da EncclicaQuanta cura e do Slabo dos Erros, anexo mesma, publicados em 1864.3

    O fortalecimento da autoridade pontifcia, con-solidado com a definio da infalibilidade papal nos

    pronunciamentos ex-cathedra durante o Vaticano I(1869-1870), foi um dos momentos culminantes davitria ultramontana no mbito eclesistico, masno nas suas relaes com os Estados do sculo

    XIX. O processo de separao entre os dois pode-

    1HASTENTEUFEL, Zeno. DomFeliciano na Igreja do Rio Grande do Sul .Porto Alegre: Acadmica, 1987, p. 88nota 18.

    2 Cf. MARTINA, Giacomo. Storia dellaChiesa: dal Lutero ai nostri giorni.Brescia: Morcelliana, 2001, vol. III;SCHATZ, Klaus. Storia della Chiesa.Brescia: Editrice Queriniana, 1995, vol.III e HASTENTEUFEL, Zeno. DomFeliciano na Igreja do Rio Grande do Sul .Porto Alegre: Acadmica, 1987, p. 88nota 18.

    3VIEIRA, David Gueiros. O protestan-tismo, a maonaria e a questo religiosa

    no Brasil. Braslia: Ed. EditoraUniversidade de Braslia, 1980, p. 32.

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    Temporalidades - Revista Discente do Programa de Ps-graduao em Histria da UFMG, vol. 2, n. 2, Agosto/Dezembro de 2010 - ISSN:1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temp oralidades

    Uma questo de reviso de conceitos:

    Romanizao Ultramontanismo Reformatalo Domingos Santirocchi

    Doutor em Histria/Pontifcia Universidade [email protected]

    Resumo: Este artigo pretende chamar a ateno sobre a necessidade de uma reviso do conceito de Romanizao, considerado,atualmente, como consolidado na historiografia sobre a Igreja Catlica no Brasil, no perodo que vai, aproximativamente, entre ametade do sculo XIX e a terceira dcada do sculo XX. Tal movimento foi realizado por catlicos de tendncia ultramontana, encon-

    trando como adversrios: o clericalismo liberal, o regalismo imperial (at 1889) e o liberalismo poltico. Este movimento reformadorbuscou demarcar a prpria identidade e autoconscincia dos catlicos, neste sentido atingiu tambm as prticas religiosas popularesherdadas da tradio lusitana, quando buscou integr-las as diretrizes dos Conclios de Trento e Vaticano I. Pretende-se chamar aateno dos pesquisadores sobre os limites do referido conceito de romanizao e convid-los a uma sria reavaliao do mesmo,procurando outros que sejam mais abrangentes e englobem toda a complexidade do perodo histrico e dos seus agentes, como porexemplo o de Reforma Catlica.

    Palavras-chaves: Romanizao, Ultramontanismo, Reforma Catlica.

    Abstract: This article approaches the necessity of a revision about the concept of Romanization, considered today as a consolida-ted concept in the historiography of the Catholic Church in Brazil during the mid-nineteenth and early twentieth centuries. Such amovement was undertaken by catholics of the ultramontanatendency, facing adversaries such as the liberal clericalism, imperial rega-lism (until 1889) and political liberalism. This reform movement aimed to demarcate catholics identity itself, affecting also popular reli-

    gious practices, inherited from the Lusitan tradition, in an effort to integrate them in the directives of the concilia of Trento and VaticanI. The intention is to call the attention of researchers to the limits of the concept of Romanization and also to invite them to a seriousre-evaluation of this concept, in a search for others that may be broader in scope, covering the entire complexity of the historicalperiod and of its agents, such as, for example, the concept of Catholic Reformation.

    Keywords: Romanization, Ultramontanism, Catholic Reformation.

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    res, o indiferentismo estatal, o anticlericalismo, oregalismo exacerbado tolhendo a liberdade da ins-

    tituio eclesistica e a autoridade de sua hierar-quia, teve como contrapartida a busca de um cen-

    tro que tivesse melhores condies e interesses

    em proteger os membros da comunidade clerical.E qual centro poderia ser este seno o Papa, omais tradicional chefe da Igreja Catlica?

    A partir dessa tica compreensvel que setenha difundido uma eclesiologia que fortalecia afuno e as prerrogativas do Sumo Pontfice, consi-derando-o, praticamente, como a fonte dos ensina-mentos da Igreja e como a autoridade da qual ema-navam, de modo indiscutvel, todas as decises.Essa centralizao, na prtica, levou a uma inter-

    veno mais sentida das congregaes romanas navida de cada diocese e uma maior uniformizao da

    disciplina eclesistica.4

    No entanto, no se pode desconsiderar que omovimento no foi de mo nica, pois a prpriapiedade religiosa reforou essa tendncia de modoespontneo, buscando, mais intensamente, desen-

    volver na comunidade catlica o sentimento depertencimento Igreja Universal, abandonando as

    tendncias de catolicismo bairristas ou nacionalis-tas. O maior exemplo disso foi o nascimento devrias novas Ordens Religiosas em diversos pases,durante o sculo XVIII e XIX, que buscavam forta-lecer a autoridade pontifcia e reformar a comuni-dade na qual se desenvolviam, no sentido de se ali-

    nharem ao catolicismo ortodoxo, que via em Romao seu centro doutrinal e disciplinar.5

    Outro exemplo de espontaneidade do ultra-montanismovindo de baixo D. Antnio Joaquimde Mello (1791-1861), simples padre de Itu, que seformou durante o episcopado do regalista D.Manuel Joaquim Gonalves de Andrade (1775-1847), recebendo influncia direta do catolicismo

    tradicional e iluminista, e tendo como colega o libe-ral, poltico e heterodoxo padre Diogo AntnioFeij (1784-1843). O episcopado ultramontano deD. Antnio Mello foi uma reao s invases rega-

    listas do Estado no mbito eclesistico e s vriascorrentes de catolicismo nacionalista e barrista quese desenvolviam em So Paulo e no Brasil. D.

    Antnio buscou em Roma as diretrizes para inte-grar o catolicismo paulista aquele universal, fortale-cendo a identidade de Catlico Apostlico Romanodefronte s tendncias heterodoxas e descentrali-

    zantes.6

    No seu processo de desenvolvimento o ultra-montanismo expurgou as tendncias liberais que sedesenvolviam no seu interior, principalmentedaquelas provenientes da Alemanha. Isto ocorreu

    de forma mais decidida a partir da encclica Mirarivos (15-8-1832). Daquele momento em diante aIgreja tomou um posicionamento defensivo contrao avano da mentalidade do tempo, marcadapelo liberalismo, positivismo e pelo progresso da

    secularizao; mas, como no podia ignorar a reali-dade social e poltica circundante, teve de usar denovos meios, tais como associaes, imprensa epartidos, para atuar junto sociedade. Isso levou auma aliana fiis-hierarquia Catlica, que teve

    suas origens na Alemanha a partir da Confernciados bispos de Wrzburg,7 em 1848, e do nasci-mento das associaes catlicas pr Papa Pio IX. Oapelo populao simples e sua mobilizao, noque as mulheres tiveram um papel importante, foium trao fundamental do movimento ultramonta-

    no.8

    O choque entre o ultramontanismo e os outrosismos do sculo XIX era inevitvel e se mani-festou nos mais diversos mbitos da sociedade oci-dental. A luta, s vezes, assumiu aspectos de con-fronto violento, especialmente na Itlia, onde o li-

    beralismo se misturou com as aspiraes italianasde unificao poltica. Pelo menos, em um pas lati-no-americano (a Guatemala) as primeiras lutasentre o liberalismo e o ultramontanismo resultaram

    em guerra religiosa.9

    Esse contexto reforou, ao interno da Igreja,uma tendncia a se auto-considerar uma fortalezaassediada, fechando-se ao mundo moderno, oque encontrou sua mxima expresso no Syllabusde 1864. Entretanto, desde 1850, em todos ospases as teorias papais se haviam consolidado tantono direito cannico quanto na teologia. Isso no

    aconteceu sem intervenes coerentes e miradaspor parte de Roma, sobretudo, por meio dos seusNncios. Porm, se tratou de uma evoluo que foiintensamente sustentada pelas igrejas locais, pormeio de suas necessidades e esforos, com algumascaractersticas prprias nos vrios pases e dioce-

    ses.10

    difcil estabelecer com exatido a data em queentrou no Brasil a corrente de pensamento que nosculo XIX se chamou de ultramontanismo. certoque, entre os primeiros ultramontanos deste pero-do estavam os religiosos da Congregao das

    Misses, ou lazaristas, de carisma vicentino, que seestabeleceram na provncia de Minas Gerais no in-cio do sculo XIX. O primeiro bispo foi provavel-mente D. fr. Jos da Santssima Trindade (1762-1835), da diocese de Mariana, pertencente tam-bm referida provncia de Minas. O ultramonta-nismo, entretanto, no encontrou, neste perodo,um clima muito favorvel no Brasil, j que desde osdias de Pombal e da expulso dos jesutas do Reinoportugus, as ideias jansenistas e um forte regalis-mo poltico tinham dominado o cenrio brasileiro,desaparecendo quase que por completo o escolas-

    ticismo do currculo das escolas brasileiras.11

    O ultramontanismo foi algo que cresceu vagaro-samente no Brasil, porm, em menos de um scu-lo conseguiu o controle da Igreja no pas. DavidGueiros Vieira defende que a referida corrente

    4 Tal caracterstica do movimento ultra-montano levou alguns estudiosos da his-tria da Igreja Catlica no Brasil, nasegunda metade do sculo XX a ressus-citarem o termo romanizao, para des-crever o processo de reforma que tevecomo agentes os ultramontanos. Estetema ser retomado logo a seguir [ndr.].

    5MARTINA, Giacomo. Storia dellaChiesa: dal Lutero ai nostri giorni.Brescia: Morcelliana, 2001, vol. III, p.106.

    6

    Cf. FONTOURA, Ezechias Galvo da.Vida do exmo. e Revmo. Senhor D.Antnio Joaquim de Mello bispo de So

    Paulo. So Paulo: Escola Tip. Salesiana,1898; CAMARGO, Paulo Florncio daSilveira. A Igreja na Histria de SoPaulo. So Paulo: IPHAR, 1952-53, vol.VI; WERNET, Augustin.A Igreja Paulistano sculo XIX. A reforma de D.Antnio Joaquim de Melo. So Paulo:tica, 1987.

    7 De 22 de outubro a 16 de novembrode 1848, foi realizado e Wrzburg, umaconferncia dos bispos alemes, com aparticipao de alguns prelados austra-cos, entre eles o Cardeal de Viena,Joseph John Schwarzenberg (1809-1885). A assemblia foi realizada sobsugesto do Nncio Apostlico na us-tria. Michele Viale Prel (1799-1860) e

    por iniciativa do engenhoso Joahannesvon Geissel (1796-1864), Arcebispo deColnia. Duas preocupaes domina-ram o evento: a reivindicao da liber-tas Ecclesiae frente aos velhos e novoregimes e a reorganizao da Igreja naAlemanha de acordo com as diretrizesromanas e as exigncias do tempo. Emum amplo memorial que serviu de basepara a discusso, Geissel chamou aateno sobre as relaes entre Estadoe Igreja, sobre o problema das escolas,sobre as relaes com os acatlicos,sobre os snodos diocesanos, sobre aorganizao dos catlicos e sobre aao social. Geissel conseguiu, graas sua crescente influencia, fazer prevale-cer os seus pontos de vista, conseguin-do a desaprovao geral do placet e dopadroado e a afirmar a necessidade deorganizar um ensino catlico livre,tomando como exemplo a Blgica. Osdocumentos produzidos pela confern-cia dos bispos alemes influenciaram asrelaes entre Igreja e Estado tanto naAlemanha quanto no Imprio Austraco[Sobre a conferncia dos bispos deWrzburg ver: Atti de vescovi diGermania congregati in Wrzburg lanno

    1848. Tradotti dal tedesco, Praga:Haase, 1849; FELICIANI, Giorgio. Leconferenze episcopali. Bologna: IlMolino, 1974, p 17-18; AUBERT, Roger.Il pontificato di Pio IX (1846-1878).Torino: S.A.I.E., 1969, p. 101-102].

    8 SCHATZ, Klaus. Storia della Chiesa.Brescia: Editrice Queriniana, 1995, vol.III, p. 58-69.

    9VIEIRA, David Gueiros. O protestan-tismo, a maonaria e a questo religiosa

    no Brasil, p. 32-33.

    10 SCHATZ, Klaus. Storia della Chiesa,vol. III, p. 6.

    11VIEIRA, David Gueiros. O protestan-tismo, a maonaria e a questo religiosa

    no Brasil, p. 32-33.

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    entrou no pas por meio da influncia estrangeira, eque tais ideias algumas vezes eram trazidas por cl-rigos oriundos da Europa, e noutros casos, tambmse estabelecia graas atuao de clrigos brasilei-ros formados no continente europeu. No entanto,

    os dois focos de ultramontanismo citados acima,apesar de provenientes de Portugal, chegaram aoBrasil no tempo em que o pas ainda fazia parte doReino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, ouseja, ainda era parte dos domnios da Metrpole,no sendo, portanto, estrangeiros, ainda maisporque aderiram independncia e se tornaram,

    efetivamente, brasileiros.12

    Os clrigos que tomaram parte na Constituinte(1823), e depois foram eleitos para o Parlamento,de 1826 em diante, se dividiram em duas cor-rentes, uma inicialmente mais numerosa, influen-

    ciada pelo liberalismo e fortemente regalista, eoutra, que paulatinamente adotou postura bemdiversa. Eram os ultramontanos. Eles se afirmaramneste perodo, envolvendo-se, como os demais, napoltica, nos cargos eletivos e na imprensapolemista. Dois bispos se destacaram nas suashostes: D. Romualdo Antnio de Seixas (1787-1860), Arcebispo da Bahia e D. Marcos Antnio deSouza (1771-1842), bispo do Maranho. Os pu-blicistas mais importantes foram os padres LusGonalves dos Santos (Padre Perereca, 1767-1844)e o ingls William Paul Tilbury (?-1862).13

    Os ultramontanos brasileiros durante o

    Segundo Imprio atuaram principalmente por meiodo episcopado, que logo formou um grupo depadres reformados que os coadjuvavam com mui-

    tos leigos. Eles, no entanto, no atuaram sozinhos,pois tiveram grande ajuda dos representantes pon-

    tifcios, das ordens religiosas reformadas, como oslazaristas, capuchinhos e jesutas, bem como decongregaes femininas como as Filhas da Caridadee as Irms de So Jos. A partir do final do primei-ro Imprio se presenciou no Brasil um esforo con-

    tnuo, por parte dos ultramontanos, para reformara Igreja brasileira e lev-la plena ortodoxia deacordo com a Igreja Catlica Apostlica Romana, a

    qual pertenciam.14

    Reforma catlica ou romanizao?Ao contrrio da Europa, onde as reformas defi-

    nidas pelo Conclio tridentino no sculo XVI era umfato antigo, no Brasil, at o incio do sculo XIX,

    tais inovaes se resumiram a tentativas. A primei-ra delas foi levada a cabo pelos jesutas, ordemimbuda do esprito reformador trindentino. Eleschegaram Amrica portuguesa em 1549, e logoedificaram uma igreja em Salvador da Bahia, dedi-cada a Nossa Senhora da Ajuda. Isso se repetiriaem Porto Seguro, onde outro jesuta, pe. FranciscoPires, ergueu mais um templo de igual invocao.15

    Ao pe. Pires sucedeu o pe. Manoel da Nbrega,que com outros vultos da Companhia de Jesus,

    como os padres Igncio de Azevedo, Jos deAnchieta e Gabriel Malagrida, de norte a sul do pasestenderam seu campo de ao aos engenhos e

    fazendas, e aos ndios das misses e redues.16

    Rapidamente os frutos desse labor se manifestaram

    numa grande quantidade de capelas, igrejas e nascentenas de santurios marianos que a piedade dajovem terra levantou. Criaram, tambm, colgios eseminrios para educarem e catequizarem a popu-lao colonial como um todo. Todas imbudas deestreita observncia diretrizes da reforma tridenti-

    na.17

    Os jesutas foram expulsos, pelo Marqus dePombal, dos domnios portugueses em 1759, mas,nesse meio tempo, uma segunda tentativa deimplementao da reforma tridentina havia sidorealizada pelo bispo D. Sebastio Monteiro da Vide

    (1643-1722) que tentou realizar um SnodoProvincial, mas na impossibilidade, realizou apenasum Snodo Diocesano em 1707, elaborando asConstituies Primeiras do Arcebispado da Bahia, pri-meiro cdigo cannico brasileiro e nico at o fimdo Imprio. Realizadas sob os preceitos tridentinos,estas constituies regeram todas as dioceses bra-sileiras durante todo o Perodo Imperial, sendoconstantemente citadas pelos bispos e na legislao

    civil. A obra foi reeditada em 1853.18

    No entanto, sem a presena dos jesutas, e sobos influxos do pombalismo, o regalismo de inspi-

    rao jansenista se infiltrou largamente na Igrejabrasileira, ao que se juntou uma forte influncia doiluminismo e, posteriormente, na primeira metadedo sculo XIX, tambm do liberalismo. Quando oultramontanismo comeou a prevalecer no episco-pado brasileiro, a tendncia de adaptar a Igreja nopas aos ditames tridentinos foi retomada. Fizeram-no, porm, em sintonia com o esprito do seu

    tempo, razo pela qual, sucessivamente, se alinha-ram com as orientaes do Papa Pio IX contidas naQuanta Cura, Syllabus. O mesmo aconteceu emrelao ao Conclio Vaticano I. Em suma: as basesda reforma eclesial conduzida pelo clero no Brasil

    foram os preceitos tridentinos e o ultramontanismodesconfiado de certos aspectos da modernidade.19

    Durante o decorrer do sculo XIX, os eclesis-ticos ou leigos catlicos opositores do liberalismo edo regalismo no Brasil, eram chamados pejorativa-mente pelos seus adversrios de ultramontanos ejesutas (ou jesutas disfarados). Eles aceitaram adenominao de ultramontanos, aps esboaremalguma resistncia, quando entenderam que issosignificava plena adeso ortodoxia e fidelidade aoPapa. Foram eles os agentes da implementao dareforma eclesistica que vingou, enquanto falhara

    aquela de cunho liberal-regalista intentada peloliberalismo eclesistico liderado pelo pe. Feijdurante a Regncia e pelo regalismo Imperial. Daque os termos ultramontanismo e reforma foramaceitos e utilizados por ambas as partes por todo o

    12VIEIRA, David Gueiros. O protestan-tismo, a maonaria e a questo religiosa

    no Brasil, p. 33.

    13VIEIRA, David Gueiros. O protestan-tismo, a maonaria e a questo religiosa

    no Brasil, p. 34-35.

    14VIEIRA, David Gueiros. O protestan-tismo, a maonaria e a questo religiosa

    no Brasil, p. 36-38.

    15 LEITE, Serafim. Histria daCompanhia de Jesus no Brasil. Rio deJaneiro: Instituto Nacional do Livro,1838-1850, vol. I, p. 22-205; PIMEN-TEL, Alberto. Histria do culto deNossa Senhora em Portugal. Lisboa:Guimares Libnia e Cia, 1899, 217.

    16 LEITE, Serafim. Monumenta Brasile.Roma: Monumenta Storica SI,1956,vol. II, p. 62-64; LEITE, Serafim.Histria da Companhia de Jesus no

    Brasil, vol. IV, 242-247.

    17 LIMA, Fernando de Castro Pires de.A Virgem e Portugal. Porto: EdiesOuro, 1967, vol. I, p. 219.

    18 Cf. VIDE, D. Sebastio Monteiro da.Constituies Primeiras do Arcebispado

    da Bahia. So Paulo: Tip. 2 deDezembro, 1853.

    19 Um recente trabalho sobre a refor-ma da Igreja nessa linha : VIEIRA,Dilermando Ramos. O processo deReforma e reorganizao da Igreja no

    Brasil (1844-1926). Aparecida: EditoraSanturio, 2007.

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    sculo XIX.20

    No entanto, na dcada de 1870, outro termofoi introduzido, ainda que pouco difuso na poca. Asua popularidade chegou somente no sculo suces-sivo, nas dcadas de 1950-60. Este termo era o deromanizao da Igreja brasileira. O criador destepejorativo neologismo foi o telogo alemo Johann

    Joseph Ignaz von Dllinger (1799-1890), sacerdoteda Baviera. Entre 1850 e 1870, ele publicou umasria de artigos nos jornais alemes Allgmeine

    Zeitung e Nuue freie Press, contendo restries ao

    magistrio pontifcio e ao pontificado de Pio IX.21

    Sua crtica era dirigida principalmente contra o queele definia como romanizao da Igreja alem,propondo como alternativa a instituio de umaigreja nacional sob a autoridade de um primaz, comsnodos diocesanos, provinciais e nacionais. As suas

    Papstfabeln des Mittelalters (1863) foram condena-das pela Santa S, mas ele no se retratou, pelocontrrio, publicou outras obras sobre o mesmo

    tema. A mais famosa delas Der Papst und dasKonzil (O Papa e o Conclio) criticava veemente-mente a proposta de transformar em dogma a infa-libilidade papal, sem se esquecer de repetir que oideal dos ultramontanos era a romanizao decada uma das igrejas. Ele enviou uma cpia destelivro assembleia conciliar reunida em Roma em

    1870, por ocasio do Conclio Vaticano I.22

    A tentativa foi intil, j que a definio dogmti-

    ca sobre a infalibilidade pontifcia foi aprovada noConclio Vaticano I. Dllinger a refutou e acabousendo excomungado em 1871. Seu pensamento,contudo, atravessou o Atlntico e foi instrumentali-zado em beneficio de um objetivo que, provavel-mente, ele nunca havia previsto: a defesa da sub-misso da Igreja no Brasil ao regalismo instituciona-lizado do Segundo Imprio. O autor desta proezafoi Rui Barbosa de Oliveira (1849-1923), que tradu-ziu o Der Papst und das Konzil em 1875, escrevendouma introduo duas vezes maior que a prpriaobra. Ele se serviu do termo romanizao para legi-

    timar o regalismo liberal vigente no Imprio do

    Brasil. Rui atacou tudo aquilo que supunha ser ossustentculos da reforma eclesistica que vinhaacontecendo no pas e que tinha rompido com a

    tradio regalista entre elas, o jesuitismo, oromanismo, a repugnante ortodoxia romanista,e o sacerdcio romanista, vistos como manifesta-es da doena universal ultramontana.Superando Dllinger em agressividade verbal, elelevou a sua defesa da autocefalia eclesial as ltimasconsequncias:

    A crena tradicional no Catolicismo, crena atpor declaraes pontifcias justificada mais de

    uma vez, de que o Papa capaz de resvalar heresia e de que a soberania eclesistica que estnos conclios perpetuou-se na mais ilustre dasigrejas nacionais, a Igreja Galicana. No houve

    talvez, antes da sua recente romanizao (o grifo

    do autor), um snodo importante que ali no afir-masse a subalternidade dos papas autoridadedo Conclio Geral. (...) O episcopado abdicou, certo, afinal, conscincia e ao dever aos ps dodolo ultramontano. (...) A primeira conseqnciadessa nova fase, aparentemente religiosa, a

    absoro da Igreja pelo papado.23

    Joaquim Saldanha Marinho (1816-1895), o gro-mestre maom do Grande Oriente do Vale dosBeneditinos, no Rio de Janeiro, sabendo do trabalhoque estava sendo realizado por Rui Barbosa, o pro-curou e lhe ofereceu a cifra de 50 contos de reis ea promessa de adquirir 1500 exemplares da obra

    para a sua loja manica, se ele a publicasse.24 RuiBarbosa, ento um exaltado jovem de 27 anos,aceitou imediatamente e, em 1877, o livro foiimpresso no Rio de Janeiro pela Brown & Evaristoeditores. No entanto, no trouxe para a maonariaos frutos esperados e a Rui Barbosa trouxe somen-

    te desprazeres: Saldanha Marinho no lhe pagou os50 contos prometidos, a loja manica devolveu350 volumes do total enviado e Rui Barbosa rece-beu a oposio poltica dos catlicos at o final doImprio. Mais tarde, reconciliado com o catolicis-mo, Rui Barbosa renegou a referida obra, fazendouma confisso de desconcertante sinceridade:Escrevi aquilo [O Papa e o Concilio] no inicio daminha vida para sustentar minha esposa. OSaldanha Marinho me prometeu cinqenta contos,

    que seria uma fortuna para mim. Recebi imediata-mente o castigo, j que o Saldanha nunca me

    pagou.25

    A partir de 1950, alguns estudos acadmicosressuscitaram o termo romanizao, com a intenode se fazer uma analise sociolgica da Igreja Catlicano Brasil. Os responsveis por isso foram os brasi-lianistas: o socilogo francs Roger Bastide (1898-1974) e o historiador estadunidense Ralph DellaCava, professor da Universidade de Colmbia. Aromanizao discutida no artigo clssico de Roger

    Bastide, Religion and the Church in Brasil. Ralph Della

    Cava a partir dos aportes de Roger Bastide apresentoue desenvolveu o seu conceito de ultramontanismo e

    romanizao.26

    Roger Bastide usa a expresso igreja romaniza-da, que seria a afirmao da autoridade de umaigreja institucional e hierrquica estendendo-sesobre todas as variaes populares do catolicismo.No Brasil ela vem atravs do movimento reformis-

    ta do episcopado, em meados do sculo XIX, paracontrolar a doutrina, a f, as instituies e a educa-o do clero e laicato, levando a uma dependnciacada vez maior, por parte da Igreja brasileira, de

    padres estrangeiros, principalmente dasCongregaes e Ordens missionrias, para realizara transio do catolicismo colonial ao catolicismouniversalista, com absoluta rigidez doutrinria emoral. Na busca destes objetivos o episcopado

    20Para encontrar estes termos em utili-

    zo na poca, basta um rpida consultanos Anais do Parlamento Brasileir o,quando se discutia qualquer tema reli-gioso, sem falar nos vrios jornais cat-licos ou anticatlicos que circulavam napoca. No decorrer da dissertaovrios trechos dosAnais do Parlamentocontendo estes termos sero apresen-tados [ndr.].

    21ALBERTAZZI, Liliana et al.Dizionario dei teologi dal primo secolo ad

    oggi. Casale Monferrato: EdizioniPieme, 1998, p. 390.

    22VON SRBIK, Heinrich. Cultura e sto-ria in Germania dallumanesimo ad oggi.Roma: Jouvence Societ Editoriale,1996, vol. II, p. 533-534.

    23 BARBOSA, Rui. O Papa e o Conclio.Rio de Janeiro: Brown e EvaristoEditores, 1877, p. 11-12,46,73,76, 91-167.

    24VIANA FILHO, Luiz. Rui & Nabuco.Rio de Janeiro: Jos Olympio editora,1949, p 133-134.

    25VIANA FILHO, Luiz. Rui & Nabuco, p.134. Sobre a divulgao do conceito deromanizao no Brasil por Rui Barbosae as suas conseqncias polticas paraseu formulador consultar: VIEIRA,Dilermando Ramos. O processo deReforma e reorganizao da Igreja no

    Brasil (1844-1926), p. 294-296.

    26BASTIDE, Roger. Religion and theChurch in Brazil. SMITH, T. L.; MAR-CHANT, A. Brazil: Portrait of HalfContinent. New York: The DrydenPress, 1951, p. 334-335; DELLACAVA, Ralfh. Milagre em Juazeiro. Riode Janeiro: Paz e Terra, 1976, p.31-34,43-44; Cf. PARENTE, FranciscoJosnio Camelo.A f e a razo na pol-tica: conservadorismo e modernidadedas elites cearenses. Fortaleza:UFC/UVA, 2000, p. 36-37.

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    agiu independentemente e mesmo contra os inte-resses polticos locais, que se baseavam no regalis-

    mo de tradio lusitana.27

    Segundo Luciano Dutra Neto, Roger Bastidedava nfase identidade e universalidade do catoli-cismo,

    termo que em sua conotao primeira() encerra tal significado. Deixa claro

    tambm que o esforo reformista buscava umaabsoluta rigidez doutrinria e moral deixandoentender a inexistncia de tal identidade. de se registrar, entretanto, que a adoo donome romanizao [grifo do original] paradenominar o esforo de reforma catlica ocorri-da no Brasil, traz em seu nascedouro a marca deum estudioso que, como protestante, denomina-

    va os catlicos de romanistas, em sentido franca-

    mente pejorativo.28

    Ralf Della Cava no seu celebre livro Milagre doJuazeiro, refora e amplia o sentido acenado porRoger Bastide. Para ele, D. Luis Antnio dosSantos, primeiro bispo do Cear (1854), foi aencarnao dos ideais da romanizao. Segundo oautor o objetivo era: Restaurar o prestgio daIgreja e a ortodoxia de sua f e remodelar o clero,

    tornando-o exemplar e virtuoso, de modo que asprticas e crenas religiosas do Brasil pudessemficar de acordo com a f catlica, apostlica eromana de que a Europa se fazia ento estandar-

    te.29 Como observa muito bem Luciano DutraNeto:

    Aqui j se pode notar que o autor deixa de des-tacar a identidade e universalidade da Igrejacomo primeiro objetivo da romanizao [grifodo original] para enfatizar a restaurao do pres-

    tgio da Igreja e a adequao das prticas e cren-as religiosas com a f catlica. Evidencia-se comisto que o autor prepara-se para colocar o movi-mento reformista como algo que h de se oporao milagre em Joazeiro, no qual privilegiar odevocionismo, as crenas populares e, at

    mesmo a indisciplina hierrquica.30

    Roger Batiste ressalta a centralizao da IgrejaCatlica em torno do pontfice, o reaparelhamentoda sua burocracia administrativa e a clara definioda sua doutrina e disciplina, eliminando interpreta-es heterodoxas que nasciam das ingernciasestatais e polticas, definindo assim os traos de suaidentidade perante o mundo moderno, traos estesque deveriam ser comuns em qualquer lugar domundo, ou seja, universal.

    Della Cava, ao invs, dando menor considera-

    o a definio da identidade do catolicismo, ressal-ta os mecanismo utilizados para adequar as prticase crenas religiosas locais ortodoxia catlica,enfatizando a disciplinao do clero, como porexemplo o combate ao seu envolvimento em pol-

    tica partidria, com os potentados locais, com ocomrcio e os padres concubinrios. Na sua anali-se, Della Cava coloca o movimento de reformaultramontana como a europeizao da cultura reli-

    giosa brasileira, que buscava eliminar os traos

    nacionais e populares do catolicismo, fazendo tam-bm parte destes a indisciplina clerical. Nessa linhade oposio entre o catolicismo romanizado e ocatolicismo nacional, popular ou tradicional, segui-r o desenvolvimento do conceito de romanizao.

    Atualmente grande parte da historiografia pro-duzida no Brasil utiliza o termo romanizao comolugar-comum nos estudos acerca do catolicismodurante os sculos XIX e XX.31 A difuso do con-ceito romanizao no ambiente catlico, aconteceuna dcada de 1960, quando existia uma certaoposio entre certa corrente eclesistica e teol-

    gica que se desenvolvia no Brasil e a Santa S. Estacorrente foi a Teologia da Libertao, que teve umacentuado envolvimento com movimentos polti-cos e sociais de tendncias socialistas e marxistas.Um dos primeiros a reutilizar o conceito emquesto foi o sacerdote belga radicado no Brasil, e

    telogo da libertao, Jos Comblin, no seu texto

    Situao histrica do catolicismo no Brasil, de 1966. 32Este autor defende que existiu uma progressiva

    europeizao das elites brasileiras a partir de 1822at meados do sculo XX, e que um processo simi-lar aconteceu com o Catolicismo, ou seja, umaeuropeizao cultural e religiosa. Na sua aborda-

    gem ele distingue um Catolicismo urbano, afinadocom a europeizao da religio e da cultura laica, eum catolicismo rural, no qual resiste o Catolicismo

    tradicional.33

    A partir da, o conceito de romanizao, de umacaracterstica da reforma eclesial, foi-se transfor-mando, praticamente, em sinnimo do mesmoprocesso, ou at mesmo, em sinnimo de ultra-montanismo. Isso aconteceu por meio dos filiados CEHILA (Comisso de Estudiosos de Histria daIgreja na Amrica Latina) que pretenderam analisar

    a histria das religies na Amrica Latina a partirdo pobre, dos membros do CERIS (Centro deEstatstica Religiosa e Investigao Social) e em publi-caes da REB (Revista Eclesistica Brasileira).Partindo da analise sociolgica de Roger Bastide,continuada por Ralph Della Cava e Jos Comblin,autores como Jos Oscar Beozzo, Pedro A. Ribeirode Oliveira, Riolando Azzi e outros, implementa-ram a hegemonia do conceito de romanizao.

    Na REB, em 1974, Riolando Azzi publicou umartigo intitulado O movimento brasileiro de reforma

    catlica durante o sculo XIX,34 no qual descreve

    que uma das caractersticas da reforma realizadapelos bispos ultramontanos era de ser um movi-mento romanista. Esta era a sua definio:

    Durante os sculos XVIII e XIX os catlicos da

    27 DELLA CAVA, Ralfh. Milagre emJuazeiro , p. 43, citando BASTIDE,Roger. Religion and the Church in Brazil,p. 334/355

    28 DUTRA NETO, Luciano. Das terrasbaixas da Holanda s montanhas de

    Minas: Uma contribuio histria das

    misses redentoristas, durante os pri-meiros trinta anos de trabalho emMinas Gerais. Juiz de Fora: UFJF,Tesede Doutorado, 2006, p. 30-31.

    29 DELLA CAVA, Ralfh. Milagre emJuazeiro, p. 33

    30 DUTRA NETO, Luciano. Das terrasbaixas da Holanda s montanhas de

    Minas, p. 31.

    31RIBEIRO, Emanuela Souza. IgrejaCatlica e Modernidade no Maranho.Recife: UFPER, [Tese], 2003, p. 33.

    32 COMBLIN, Jos. Situao histrica docatolicismo no Brasil. REB, vol. XXVI,fasc. 3, p. 575-601.

    33 COMBLIN, Jos. Situao histrica do

    catolicismo no Brasil. REB, vol. XXVI,fasc. 3, p. 595.

    34AZZI, Riolando. O movimento brasi-leiro de reforma catlica durante osculo XIX. REB, vol. XXXIV, fasc.135, 646-662.

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    Europa se cindiam em dois grupos: os chamadoscatlicos regalistas, galicanos ou jansenistas, quedefendiam as interesses de uma igreja mais vincu-lada sua nao, sob certa dependncia dopoder civil e com cunho de ao marcadamentepoltico, e os designados como catlicos roma-nos ou ultramontanos, que apregoavam umaadeso incondicional ao Papa, dentro de umaIgreja de carter universal, mas sob a orientao

    exclusiva da Santa S.35

    Ele explicou o desenvolvimento desse movi-mento desta maneira:

    No Brasil, a vinculao com Roma fora muitodbil no perodo colonial, pela forma que a Igrejaassumiu dentro do regime de padroado. Mas, apartir do sculo passado, espacialmente porinfluencia do novo esprito trazido pelos lazaris-

    tas, a Igreja do Brasil passa a proclamar sua ade-so total ao Papa, tentando desvincular-se daspoderosas malhas do padroado imperial. Essecunho romanista [grifo do autor do artigo] quemarca a renovao catlica, representa umaopo consciente dos bispos reformadores. para Roma que D. Vioso envia seus melhoresalunos e colaboradores, afim de completar a for-mao sacerdotal, capacitando-se para a direodos seminrios [...] tambm em Roma que seforma D. Macedo Costa, o grande lder da

    Reforma da Igreja no Brasil.36

    Riolando Azzi por muitas vezes se referiu aomovimento que teve como agentes os ultramonta-nos e que se iniciou em meados do sculo XIX,como um movimento de reforma e, tambm, sereferiu aos bispos que o conduziam como bisposreformadores. Isso porque ele tinha plena conscin-cia que durante quase toda a histria religiosa doBrasil, desde a implantao do primeiro bispado em1951 at o primeiro conclio plenrio brasileiro em1939, o episcopado teve como ao pastoral prio-ritria a implantao da reforma tridentina, comoacenado precedentemente. Neste movimento secolocava nfase na vida sacramental e os bispos

    mantiveram em geral uma atitude de reserva comrelao ao catolicismo tradicional do Brasil, que,alm de haver um carter marcadamente devocio-nal, era fundamentalmente marcado pelo regalismo,ou seja uma grande interveno do Estado emmbito eclesistico. Ambas as caractersticas herda-das de Portugal. Os bispos reformadores do sculopassado buscavam a reforma da Igreja do Brasil,para mold-la aos princpios tridentinos, colocandonfase na organizao hierrquica eclesistica e napraxe sacramental, levado-a avante nas diversasclasses de membros que compunham a estrutura

    da Igreja: clero, ordens religiosas e leigos.37Mas foi Jos Oscar Beozzo, em seu artigoIrmandades, Santurios, Capelinhas de beira de estra-

    da, quem decretou o domnio do conceito romani-zao quando, em 1977, afirmou que:

    J se tornou clssico chamar de romanizao

    [grifo do autor do artigo] o processo a que foisubmetida a Igreja do Brasil entre 1880 e 1920,processo que j encontra suas razes na ao dosbispos reformadores, tendo frente Dom Viosode Mariana, e que j se inicia praticamente em

    torno dos anos cinqenta. Este processo encon-tra sua contrapartida na deciso de Roma de cui-dar melhor da Amrica Latina, atravs de umaformao mais acurada e romana de seu clero eque se traduziu pela fundao em 1854 doColgio Pio-Latino-Americano em Roma ondeser formada boa parte do episcopado latino-

    americano das dcadas posteriores.38

    Como nota Luciano Dutra Neto, ele avanaainda mais na conceituao de romanizao levandoo conceito ao quase paroxismo de uma luta den-

    tro do Catolicismo.39 Beozzo afirma que: umadas descobertas fundamentais do atual debatesobre a Histria da Igreja no Brasil o aspecto cru-cial de que se revestem as transformaes por quepassou a Igreja num curto perodo que vai de 1880a 1920 e delimita um novo perodo histrico,acentuando o aspecto do que acredita ser o aspec-

    to crucial que envolveu tais transformaes:

    Podemos dizer que neste perodo rompe-se oequilbrio entre o abrasileiramento do catolicis-mo pela sua convivncia com a senzala e o ndio,pelo cruzamento de tradies reinis e da terra ,catolicismo mestio e barroco, convivendo comreizados e congadas, com Irmandades de NossaSenhora dos Pretos e So Benedito e a suaeuropeizao embutida na luta por uma catoli-cismo mais puro, mais branco, mais ortodo-

    xo, mais prximo de Roma. Dizemos que o equi-lbrio se rompeu pois um dos dois catolicismospassa a ser considerado ilegtimo e supersticioso,um mal a ser extirpado enquanto o outro impe-se como o nico legtimo e reconhecido pela hie-

    rarquia da Igreja.40

    A esta viso contra argumenta Luciano Dutra

    Neto:

    A viso de Beozzo deixa entrever que as medi-das, antes vistas por Bastide como uma busca deidentidade doutrinria e moral, desaguariamnuma quebra de equilbrio, numa luta em que ocatolicismo mais puro, isto menos sincretista,mais branco, isto menos ligado s religiesafricanas, mais ortodoxo, mais prximo deRoma, isto mais identificado doutrina catli-ca, e que, por fim, sufocaria o catolicismo mesti-o e barroco. Ora, no desenvolvimento de seuartigo em que explicita as medidas atravs dasquais a hierarquia pretendeu sufocar o catolicis-

    mo mestio e barroco o autor destaca as medi-das disciplinares que visavam a identidade doutri-nria e moral do catolicismo. No se pode afir-mar categoricamente que a Igreja considerou asmanifestaes populares e autctones como um

    35AZZI, Riolando. O movimento brasi-leiro de reforma catlica durante osculo XIX. REB, vol. XXXIV, fasc.135, 649.

    36AZZI, Riolando. O movimento brasi-leiro de reforma catlica durante osculo XIX. REB, vol. XXXIV, fasc.135, 649.

    37AZZI, Riolando. O episcopado doBrasil frente ao catolicismo popular.Petrpolis: Vozez, 1977, p. 111-112.

    38BEOZZO, Jos Oscar. Irmandades,Santurios, Capelinhas de Beira deEstrada. REB, vol. XXXVII, 1977,p.745

    39DUTRA NETO, Luciano. Das terrasbaixas da Holanda s montanhas de

    Minas, p. 31.

    40BEOZZO, Jos Oscar. Irmandades,Santurios, Capelinhas de Beira de

    Estrada p. 743.

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    mal a ser extirpado. As medidas apontadas porBeozzo, no artigo acima citado, visavam princi-palmente coibir abusos que, ao longo do tempo,buscou-se eliminar em tais manifestaes.Entretanto, esto a as congadas, os reizados, asromarias, os leiles, as procisses, a devoo aossantos, as promessas, as salas de milagres anexasaos centros de devoo e outras mais o quecomprova que os nos ditos abusos no estavamcompreendidas manifestaes populares e atmesmo folclricas da religiosidade popular. Parafacilitar a compreenso do termo abusos

    valho-me de Abreu41: bem verdade que algu-mas festas religiosas tradicionais foram condena-das, mas, significativamente, poucas vezes. E,alm do mais, no em seu aspecto de cultoexterno e entusiasmo do povo, mas nos perigosde no possuir autorizao clerical ou reunir mui-

    tas barracas de jogos, bebidas, como j vimos.42

    Em 1979, em uma tese de doutorado intituladaReligio e dominao de classe: Gnese, estrutura e

    funo do catolicismo romanizado no Brasil, de PedroRibeiro de Oliveira, procurou desenvolver umahiptese sociolgica que explicasse a romanizaocomo um processo de transformaes religiosascondicionados pelas transformaes econmicas,

    polticas e sociais.43 Na sua analise ele afirma que:

    Este processo de reestruturao do aparelhoreligioso catlico tem um duplo aspecto. Por umlado, os bispos brasileiros reforam seus laoscom a Santa S e fazem vir da Europa numerosascongregaes religiosas masculinas e femininas(...) por outro lado eles pautam sua atividade pas-

    toral pela adaptao do catolicismo brasileiro aomodelo romano, travando acirrado combatecontra o catolicismo popular tradicional (...)Dada a influncia marcante da Santa S nesseprocesso j que Roma envia agentes religiosos

    para o Brasil e d o modelo religioso a ser aqui

    implantado [grifos do autor deste artigo] ele

    tem sido chamado de romanizao.44

    Pedro Ribeiro de Oliveira passou a colocar a

    romanizao como um movimento que pretendeusufocar o catolicismo popular:

    Analisando a romanizao, vimos que o con-junto de transformaes operadas por seus agen-

    tes [grifos do autor deste artigo] tem por fim areestruturao do aparelho religioso, colocadosob o controle clerical, e a substituio do catoli-cismo popular pelo catolicismo romano.45

    Contra a posio de Oliveira so os resultadosdas pesquisas de Luciano Dutra Neto, que estudoua ordem religiosa dos redentoristas, ou seja, uma

    destas congregaes que supostamente seriamagentes de Roma. Ele percebeu a estreiteza doconceito romanizao, no vendo em tais religiososenviados romanos com ordens pr-estabelecidas,mas missionrios que criaram solues derivadas

    do ambiente social, religioso e polticos que encon-traram no Brasil:

    Tal choque foi vivido com as naturais hesitaes,dvidas e incertezas de homens que no traziam

    frmulas prontas e definitivas o que lhes permiti-ram incorporar, ou seja, inculturar aquilo quemuitas vezes se lhes apresentava como estranhoou, at mesmo, inaceitvel [...] Ao se enquadraro fato das santas misses num esquema gene-ralizante como de romanizao corre-se o riscode no perceber as motivaes internas de seuspromotores, as especificidades e meandros, bemcomo, o ethos missionrio da Congregao doSantssimo Redentor [...] Por qu identificar a

    vinda dos religiosos que aportaram ao Brasil deento como agentes da romanizao, comoenviados de Roma para sufocar o catolicismopopular? A verdade que muitos estudiosos tm

    apontado a vinda de missionrios estrangeirospara o Brasil, dentre eles os redentoristas, comoagentes da romanizao. Quando se afirma que osmissionrios estrangeiros vieram como agentesda romanizao da Igreja no Brasil, pretende-sedesfigurar seu trabalho e mesmo, desconheceros projetos internos que marcam a histria de

    cada instituto [grifo do original].46

    O conceito de romanizao apareceu j formu-lado no tomo II/2 da clssica obra Histria da Igreja

    no Brasil, publicado em 1980.47 Riolando Azzi,Oscar Beozzo e Pedro Ribeiro se apoiaram neste

    conceito para desenvolverem uma linha de racioc-nio que evidencia um suposto antagonismo entre oCatolicismo tradicional e popular predominante atmeados do sculo XIX, e o Catolicismo renovado,cujo carter, segundo eles, era nitidamente roma-no. Mais que isso, o conceito romanizao foi assu-mido dentro de uma concepo sociolgico-hist-rica que no dispensava certa inspirao marxista, aqual, em alguns casos, se tornava comprometida emilitante. Partindo deste pressuposto, oCatolicismo tradicional era entendido como prove-niente dos pobres e do povo, e o Catolicismoultramontano ou romanizado, como oriundodas elites e dos ricos, aliados da Igreja romana.Tal interpretao simplista induzia a crer quedurante o Segundo Imprio, por exemplo, houveuma real e premeditada aliana entre o Trono e o

    Altar, para controlar e dominar o povo.48

    Em um trabalho recente, que entrou direta-mente no tema de metodologia da Histria daIgreja no Brasil, Antnio Lindvaldo Sousa, num arti-

    go intitulado Da Histria da Igreja Histria dasReligiosidades no Brasil: uma reflexo metodolgica,

    trata do conceito de romanizao. Ele aceita passi-vamente o processo que sofreu o termo, passando

    de uma caracterstica da reforma, a significar umsinnimo de ultramontanismo ou, pior ainda, sin-

    nimo da reforma num sentido ainda mais amplo.49

    E no s: o autor coloca o conceito na pena de

    41ABREU, Martha. O Imprio do Divino,Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p.329.

    42DUTRA NETO, Luciano. Das terrasbaixas da Holanda s montanhas de

    Minas, p. 31-33.

    43Posteriormente publicada pela edito-ra Vozes: Cf. OLIVEIRA, Pedro Ribeirode. Religio e dominao de classe:Gnese, estrutura e funo do catoli-cismo romanizado no Brasil. Vozes,Petrpolis 1985.

    44 OLIVEIRA, Pedro Ribeiro de. Religioe dominao de classe: Gnese, estru-tura e funo do catolicismo romaniza-do no Brasil, p.12.

    45 OLIVEIRA, Pedro Ribeiro de. Religioe dominao de classe: Gnese, estru-tura e funo do catolicismo romaniza-do no Brasil, p. 326-327.

    46 HOORNAERT, Eduardo (org.),

    Histria da Igreja no Brasil Segundapoca, Petrpolis: Vozes, Tomo II/2,1983, p. 9,144.

    47 Cf. AZZI, Riolando. Catolicismopopular e autoridade eclesistica naevoluo histrica do Brasil. Religio eSociedade. n.1, p. 125-149.

    48 Cf. AZZI, Riolando. O catolicismopopular no Brasil e a Autoridade

    Eclesistica na evoluo histrica do

    Brasil Religio e Sociedade. SoPaulo: Paulinas, 1992; Cf. AZZI,Riolando. O Altar unido ao Trono: umprojeto conservador . So Paulo:Paulinas, 1992; Cf. OLIVEIRA, PedroRibeiro de et al. Evangelizao e com-

    portamento religioso popular. Rio deJaneiro: Vozes, 1978; Cf. BEOZZO,Jos Oscar. Irmandades, Santurios,Capelinhas de Beira de Estrada. R.E.B,vol. 37, 1977; Cf. BEOZZO, JosOscar. A Igreja do Brasil. Petrpolis:Vozes, 1994.

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    Augustn Wernet, dizendo que ele estudou aspec-tos do processo de romanizao, enquanto esteautor no usa tal conceito em seu trabalho. O pr-prio Lindvaldo, alis, confessa logo a seguir que

    Wernet optou por uma abordagem que entende a

    histria eclesistica como a histria de sucessivasautocompreenses.50

    por esse caminho que vai Maurlio Csar deLima, quando defende que romanizao umaexpresso no propriamente feliz, a substituir-se,

    talvez, por auto-conscientizao, que para ele nadamais que um sutil movimento verificado na Igrejado Brasil, liderado por figuras destacadas do clero,que se afastava das normas e mentalidade da Igrejalusitana (ainda mantidas) e assumia uma posturamais aproximativa de Roma. Ao contrrio deLindvaldo, que aceita o forado alargamento do

    conceito de romanizao, Csar Lima o analisa nasua portada original, ou seja, como uma caracters-tica do processo de reforma e, mesmo assim, cons-

    tata a sua inadequao.51

    interessante citar um documento sobre oenvolvimento em poltica do bispo D. Romualdo

    Antnio de Seixas e outros bispos, que ajuda a per-ceber que o inicio da reforma no sculo XIX no foiuma simples implementao de ordens provindasde Roma, um movimento espontneo. O

    Arcebispo foi louvado tanto pelo Estado quantopela Santa S pelas suas atuaes polticas. Em rela-

    o a Cria, frente a algumas reclamaes doInternncio Mons. Campodonico de que a partici-pao dos bispos em poltica prejudicava a adminis-

    trao eclesistica das dioceses, pela longa ausnciados respectivos prelados, o Cardeal Lanbruschini,Secretrio de Estado, em um despacho, expressouquais eram as instrues e opinies da Cria sobeste ponto. O despacho de 22 de maro de1842, e assim instrua:

    E eis que venho quelas suas reclamaesque se referem a longa ausncia dos Bisposdas prprias Dioceses por motivo da parti-

    cipao deles na Cmara e no Senado. Semdvida a referida ausncia pode provocar

    graves danos ao rebanho a estes bispos con-fiados, entretanto, como acenei antes, no pequeno o bem que se pode esperar da par-

    ticipao dos Prelados nas Sesses dasCmaras Legislativas. responsabilidadedeles conciliar as coisas em modo que

    venham, seno excludos, pelo menos mini-mizados os males provenientes da ausnciadeles das respectivas Dioceses. Isso sepoderia conseguir, no meu parecer, com a

    nomeao de um ou mais Vigrios [Gerias],segundo a vastido de cada Diocese, com osquais permanea a administrao diocesanadurante a ausncia do seu respectivo Pastor.

    Voc pode compreender sozinho a substn-

    cia do que foi at que referido, devendoatuar junto aos Bispos e prudentementefaz-los notar que a verdadeira misso deles atender ao governo espiritual das suasDioceses, como pais e pastores eles so em

    conscincia obrigados a no ausentarem-se,a no ser que seja momentaneamente,quando no tiverem os meios de deixarem

    seu rebanho convenientemente assistido.52

    Pode-se notar, deste documento, que o desejo daSanta S era que os bispos continuassem a aproveitar odireito de ocupar cargos eletivos na Cmara e no Senado,sem, no entanto, deixar de prover adequadamente ao

    governo das suas dioceses. Este documento de 1842 e apartir de 1844 os bispos reformadores renunciariam a par-

    ticipao poltica, contrariamente a estas instrues da

    Santa S, o que reflete que este posicionamento dos bis-pos brasileiros no foi devido a uma ordem vinda decima, mas de um desejo que nasceu das prprias circuns-

    tncias da Igreja nacional.Este documento ajuda a demonstrar o quanto seria

    inadequado o conceito de romanizao, que tende a favo-recer a interpretao de que a reforma catlica iniciada nosculo XIX, tenha sido um movimento de mo nica, quepartia da Santa S e era cumprido pelos bispos. A necessi-dade de afastar a si e a seu clero da poltica partidria foisentida por D. Vioso bispo de Mariana, de formao laza-rista e ultramontana, mas tambm pelo bispo de SoPaulo, D. Antnio Joaquim de Mello, citado anteriormen-

    te, que se formou e exercitou seu sacerdcio dentro docatolicismo tradicional, sendo ele a maior contradio sexplicaes simplistas dos defensores da romanizao.

    Todavia o documento citado no o nico neste sen-tido, pois vrios outros podem ser encontrados na tesesde doutorado de: Dilermando Ramos Vieira, O processo deReforma e reorganizao da Igreja no Brasil (1844-1926),defendida em 2005 na Pontifica Universidade

    Gregoriana,53 Luciano Dutra Neto, Das terras baixas daHolanda s montanhas de Minas. Uma contribuio hist-

    ria das misses redentoristas, durante os primeiros trinta anos

    de trabalho em Minas Gerais, defendida pela Universidade

    Federal de Juiz de Fora em 2006 e na tese de taloDomingos Santirocchi, Os Ultramontanos no Brasil e oRegalismo do Segundo Imprio, que esta prestes a ser defen-

    dida pela Pontifcia Universidade Gregoriana.54

    interessante notar que quase contemporaneamen-te, em dois pontos geogrficos muitos distantes e emescolas histricas muito diferentes: a PontifciaUniversidade Gregoriana e a Universidade Federal de Juizde Fora, pesquisadores, mesmo se por necessidadesdiversas, comearam a advertir a inadequao do concei-

    to romanizao aos resultados produzidos pelas suas res-pectivas pesquisas. Dilermando Ramos Vieira, suspeitoso

    de tal conceito, foi resgatar as suas origem no Brasil, par-tindo do inicio da utilizao de tal conceito a partir da obrao Concilio e o Papatraduzido por Rui Babosa, como j foiapresentado acima. Luciano Dutra achou tal conceitoestreito e condicionador em relao aos redentoristas por

    49 Lindvaldo Sousa define da seguintemaneira o conceito romanizao: Otermo romanizao, necessrio

    destacar, assemelha-se ao ultramonta-nismo, que inicialmente significava avinculao dos catlicos franceses Santa S. Posteriormente, seu significa-do ampliou-se, indicando, em qualquerparte do mundo, a obedincia e a defe-sa dos interesses da Cria Romana.Por outro lado, a romanizao podeser considerada um extenso do ultra-motanismo, constituindo-se em umapoltica elaborada pelo Vaticano eposta em prtica em todos os pasescatlicos, numa tentativa de retomaros valores tridentinos abrandados oudeturpados ao longo do tempo paraenfrentar as inovaes do mundomoderno e, em especial, o liberalismo.Um outro aspecto fundamental para o

    entendimento da poltica de romaniza-o diz respeito ao estabelecimento,portanto, um reforo teologia triden-tina. De acordo com Riolando Azzi, aautoridade papal passou a ser o grandecentro irradiador da verdade de salva-o para o mundo inteiro. Portanto, jno se difundia mais aqueles ideais desalvao incorporados nao, masuma salvao incorporada instituioeclesistica. O leitor deve notar queLindvaldo coloca o processo, do queele chama de romanizao, comosendo de mo nica Santa S Igrejaslocais, o que no condiz com os fatos,que demonstram uma via de modupla. [SOUSA, Antnio Lindvaldo. DaHistria da Igreja Histria das

    Religiosidades no Brasil: uma reflexometodolgica. BEZZERA, CceroCunha et al. Temas de Cincias daReligio. So Cristvo: UFS, 2007, p.251-267].

    50 SOUSA, Antnio Lindvaldo. DaHistria da Igreja Histria das

    Religiosidades no Brasil: uma reflexometodolgica. BEZZERA, CceroCunha et al. Temas de Cincias daReligio. So Cristvo: UFS, 2007, p.251-267.

    51 M. C. LIMA. Breve Histria da Igrejano Brasil, p.123; A. L. SOUSA, DaHistria da Igreja Histria dasReligiosidades no Brasil: uma reflexometodolgica, em C. C. BEZZERA al., Temas de Cincias da Religio, 251-267.

    52Arquivo Secreto Vaticano, Nuncia-tura Apostlica Brasil, Despacho, 22 demaro de 1842, Caixa 18, fascculo 76,documento 78, folha 178 rectus -178versus.

    53VIEIRA, Dilermando Ramos. O pro-cesso de Reforma e reorganizao da

    Igreja no Brasil (1844-1926).Aparecida: Editora Santurio, 2007.

    54Alguns dos argumentos e documen-tos da minha tese podem ser consulta-dos em: SANTIROCCHI, taloDomingos. A ao da Santa S nosNegcios Eclesisticos da Provncia doBrasil durante o Segundo Imprio.Sociabilidades Religiosos: mitos, ritos eidentidades. Anais Eletrnicos do XISimpsio Nacional da Associao

    Brasileira de Histria das Religies .Goinia: UCG/UFG/ZUTTO, 2009.At a data da redao deste artigo,infelizmente, os anais ainda no tinhamsido publicados, tambm, no site daABHR, como de costume, o que facili-taria a consulta ao leitor.

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    ele pesquisado. talo Santirocchi, estudando as relaesdos ultramontanos com o Estado e com a Santa S perce-beu no que existiam ordens pr-estabelecidas vindasde Roma ou agentes da romanizao enviados pelaSanta S, mas uma constante troca de informaes e dis-

    cusso entre bispos, Governo e Santa S (e ao interno daestrutura desta ltima, entre os Cardinais das vrias SacrasCongregaes e da Secretria de Estado), sobre cada umdos aspectos da religiosidade no Brasil, exatamente comintuito de tomar decises que fossem de acordo com asexigncias e especificidades locais de cada diocese brasilei-ra e tambm do Brasil como um todo.

    Luciano Dutra, lembra que a Igreja Catlica eApostlica nem sempre enfatizou o gentlico Romana,tanto que no Credo Niceno/Constantinopolitano (Ano381) o crente refere-se to somente a: unam, sanctam,catholicam et apostolicam Ecclesiam. O termo Romana

    foi incorporado identificao da Igreja Catlica bem pos-teriormente, (embora desde Sto. Irineu e Santo Incio deAntioquia existam afirmaes sobre a hegemonia da igre-ja de Roma sobre as demais, pela excelncia de suas ori-

    gens) para opor o catolicismo que reconhecia o primadode Pedro e de seus sucessores em Roma, aos que o nega-

    vam. Tal termo se instaurou ainda mais forte aps a sepa-rao entre a Igreja Catlica Romana e aquela orientalOrtodoxa. Posteriormente veio a reforma protestante eestes passaram a designar os catlicos de romanistas ou

    papistas, de forma pejorativa e contestatria e as oposi-es doutrinrias por diversas vezes descambaram para ocampo emocional e at mesmo ao cmulo de guerras de

    religio.55O termo romano para designar o primado pontifcio

    antigo e cheio de significados, porm o conceito romaniza-o comeou a ser formulado na segunda metade dosculo XIX e foi retomado quase cem anos depois, comofoi referido. A viso que dele derivou constituiu-se noparadigma sob o qual todos os fatos relativos reforma daIgreja no Brasil, de meados do sculo XIX e das primeirasdcadas do sculo XX, passaram a ser vistos. Este pero-do vem sendo alvo de leituras condicionadas pela idia deromanizao de modo a constituir um senso comumacadmico, criando verdadeiras simplificaes e oferecen-

    do uma chave de fcil leitura para toda a complexidade dofenmeno marcado pela reforma do catolicismo brasileirono referido perodo. Tal conceito, provavelmente, satisfezas necessidades e as perguntas dos historiadores da dca-da de 50 at o inicio do sculo XXI, porm no se susten-

    ta frente aos novos questionamentos que vem surgindo,como no caso das trs teses referidas anteriormente.

    O conceito de romanizao, simplista por supervalori-zar um aspecto ao ponto de torn-lo o todo, tambm estdemasiadamente dependente das posies polticas esociais dos perodos histricos em que foi elaborado. Nadcada de 1870 usado no Brasil para criticar a reforma

    eclesial em andamento e defender os interesses da mao-naria e do regalismo. Na segunda metade do sculo XX,sua re-apropriao aconteceu dentro de um contexto dedisputa teolgica e eclesial entre a Teologia da Libertao eo Vaticano, e a nvel poltico, entre a mesma Teologia da

    Libertao e a Ditadura Militar, transformando-se, porextenso, em oposio ao capitalismo, quando se aproxi-mou ao marxismo poltico. O termo romanizao, quemuitas vezes tem sido empregado por um simples modis-mo, sem dvida, traz em sua semntica ares pejorativos de

    imposio e de perseguio, portanto, de improprieda-de.56

    No se busca aqui desacreditar a produo historio-grfica e sociolgica desenvolvida por tal corrente de pen-samento, mas apenas se tenta demonstrar como este con-ceito restritivo e que, alm de no englobar a complexi-dade do processo histrico ao qual se refere, est excessi-

    vamente carregado de interpretaes que extrapolampara posicionamentos ideolgicos e polticos empenhados.Por este motivo, se pretende propor no seu lugar o con-ceito de reforma, principalmente por ter sido aceito pelosultramontanos, pelos regalistas e pelos liberais, e tambm

    por ser mais abrangente, permitindo uma viso mais com-plexa e menos condicionada por ideologias polticas.57

    Pesquisando no Arquivo Secreto Vaticano, ao confron-tar as instrues e as ordens enviadas por Roma ao seurepresentante no Brasil e aos bispos brasileiros, encontreium cenrio muito diverso daquele pregado pela romaniza-o, me deparei com bispos que haviam ideias prpriaspara reformar a Igreja. Tais ideias surgiam das exignciasreais e palpveis nascidas da normal administrao das suasdioceses. E no s, existiram resistncias a algumas ordense instrues vindas de Roma, existiram ordens que noforam cumpridas e, o que mais importante, muitos posi-cionamentos da Santa S no partiram de ideiaspr-concebidas, mas de uma atenta analise dos of-cios, cartas e documentos enviados pelos seusrepresentantes, pelos prelados e por laicos brasi-leiros, numa tentativa de compreender a especifici-dade brasileira e do desenvolvimento do catolicismo

    no nosso pas.58

    Existiram,inclusive,mudanas de postura por parte deRoma que derivaram dos posicionamentos dos bispos emalgumas questes eclesisticas, e estas questes eramdiversas, como: a educao do clero e do povo, a adminis-

    trao dos sacramentos, o matrimnio, as irmandades reli-giosas, as festas populares, o padroado, o regalismo, a reu-

    nio dos bispos em snodo ou em conferncia, as ordensreligiosas, os bens das referidas ordens, a maonaria, oposicionamento em relao a Repblica e a reorganizaoda Igreja frente a separao entre a Igreja e o Estado.

    Nem os bispos ultramontanos, nem as ordens religio-sas vindas da Europa, nem mesmo os leigos como: JosSoriano de Souza (1833-1895), Brs Florentino Henriquede Souza (1825-1870), Cndido Mendes de Almeida(1818-1881), Zacarias de Gis e Vasconcelos (1815-1877), Tarqunio Brulio de Souza Amaranto (1829-1894),

    Antnio Manuel dos Reis (1840-1889), Samuel WallaceMac Dowell (1843-1908), foram agentes de Roma.

    Eram Catlicos Apostlicos Romanos que queriam forta-lecer a sua prpria identidade como tais e de sua Igrejafrente as vrias outras religies e correntes de pensamen-

    to do sculo XIX e XX. Eles no eram simples executo-res de ordens vindas de cima, mais sim complexos per-

    55 DUTRA NETO, Luciano. Das terrasbaixas da Holanda s montanhas de

    Minas, p. 27-28.

    56 DUTRA NETO, Luciano. Das terrasbaixas da Holanda s montanhas de

    Minas, p. 36.

    57 O conceito ultramontanismo chegoutambm a receber algumas crticasdevido ao seu sentido geogrfico (almdos montes), como no sendo ideal aoBrasil, sugerindo-se que seria melhorutilizar romanizao, por vir de Roma.No entanto, no sculo XIX este con-ceito j estava praticamente desvincu-lado desta idia geogrfica, existindoultramontanos mesmo dentro deRoma, representando, ento, um con-junto de ideais polticos, eclesisticos,teolgicos e dogmticos[ndr.].

    58 Cf. SANTIROCCHI, talo Domingos.A ao da Santa S nos NegciosEclesisticos da Provncia do Brasildurante o Segundo Imprio.Sociabilidades Religiosos: mitos, ritos eidentidades.

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    sonagens histricos que dialogaram constantemente como centro da sua Igreja, que era a Santa S, e juntos, mas nosem divergncias e maus entendimentos, implementaramuma reforma e um claro posicionamento frente a socieda-

    de do seu tempo.59

    difcil no concordar com Luciano Dutra Neto quan-do ele diz que no pretende reduzir ou at mesmo ani-quilar os valores de tal viso [da romanizao], seno ofe-recer ao estudioso de histria do catolicismo brasileirouma tica que possa cobrir a insuficincia de tal conceito econtrapor, ao que tornou-se paradigma, uma nova possi-bilidade de enxergar o passado, neste sentido o autordefende que, ao fugir de uma viso una e supostamentecompleta, a viso da romanizao, estarei dialetizando,diversificando e colocando alternativas para uma melhorcompreenso dos fatos que marcaram uma fase da hist-ria do Catolicismo no Brasil, o que representa uma contri-

    buio ao esprito cientfico.60Ou seja, devemos rever os conceitos. No se podenegar que muito mais fcil usar um conceito j elabora-do, simplista e dualista, do que tentar elaborar ou re-ela-borar outros que sejam mais adequados e abrangentes. Eo que ainda mais complicado, e talvez mais desencora-jante para muitos pesquisadores, questionar um concei-

    to re-elaborado muito recentemente (a partir da segundametade do sculo XX) e por estudiosos que ainda atuamneste campo historiogrfico. Question-los, aferi-los, pois, um projeto que requer dedicao e, sobre-

    tudo, honestidade cientfica,61 nas palavra de

    Luciano Dutra, e no posso no concordar com ele, prin-cipalmente quando cheguei as mesmas concluses estu-dando um tema por muitos versos diferente do seu e sem

    ter o menor conhecimento das suas pesquisas at algunsmeses atrs, quando ao criticar o conceito de romanizaono XI Simpsio Nacional da Associao Brasileira deHistria das Religies na UFG, em maio de 2009, me infor-maram sobre a sua dissertao. Enquanto os questiona-mentos de Dilermando Ramos Vieira sobre a romanizaoj eram por mim muito bem conhecidos e condivididos.

    O movimento de reforma da Igreja Catlica, buscan-do uma identidade prpria, ou uma autoconscincia, nopode ser apresentado somente como repressor como

    insinua o conceito romanizao, porque fundamentalmen-te no o era. Por que chamar as ansiedades de fortaleci-mento da identidade Catlica de romanizao? Em outros

    tempos ocorreram reformas similares na Histria daIgreja, como por ocasio da reforma promovida pelo PapaGregrio VII, pela reforma tridentina e pela mais recentereforma do ps-Vaticano II. Chamar a reforma de romani-

    zao ainda traz dentro de si o mesmo nacionalismo exa-cerbado que existia nas primeiras dcadas aps a indepen-dncia do Brasil, quando se queria nacionalizar tudo, atmesmo a religio catlica, ao ponto de se querer pratica-mente protestantiz-la numa Igreja nacional em estiloanglicano. A Igreja Catlica no Brasil, bem como em diver-

    sos outros pases, passou por reformas semelhantes nofinal do sculo XIX e reformar sempre foi uma preocupa-o das autoridades eclesisticas. Chamar tais movimen-

    tos de romanizao e seus promotores de agentes de

    Roma reflete, sem dvida, uma certa tendncia a rejeitarque a Igreja tenha uma hierarquia qual cabe zelar pela

    identidade da f e de suas manifestaes.62

    Pergunta Luciano Dutra Neto:

    Por que no denominar tal esforo de reforma daIgreja? Por que esta estranha simpatia por um gen-

    tlico de origem contestatria, restringente e atmesmo pejorativa? Por que ligar a tal movimentoexageros isolados de alguns representantes doclero e generaliz-los como emanados da SantaS? (...)Quando se fala em reforma, est implcito no con-ceito a conservao do existente e a retirada dealgo que descaracteriza o objeto ou, de detalheslhe tiram a originalidade ou mesmo a eficincia.Isso torna evidente que a reforma do catolicismo,promovida no perodo em questo, retirou-lheexageros, desvios, enfim, aspectos que o desca-

    racterizavam como tal pela ausncia, quase totalde uma identidade doutrinria. Entretanto aque-les aspectos que no o desfiguravam, tais como,manifestaes externas da f, devoo aos santos,solenidades e festividades despidas de abusos,

    foram mantidos.63

    Termino este artigo condividindo estes questio-namentos, no com intuito de polemizar pelo sim-ples gosto de polemizar, mas com o objetivo dechamar a comunidade cientifica a rediscutir seria-mente e honestamente alguns conceitos que vemsendo usados e repetidos de forma pouco critica,

    criando um lugar comum que somente empobre-ce a riqueza de todo um perodo histrico da IgrejaCatlica e do Brasil.

    59 SANTIROCCHI, talo Domingos. Aao da Santa S nos NegciosEclesisticos da Provncia do Brasildurante o Segundo Imprio.Sociabilidades Religiosos: mitos, ritos eidentidades.60 DUTRA NETO, Luciano. Das terrasbaixas da Holanda s montanhas de

    Minas, p. 29, 258.

    61 DUTRA NETO, Luciano. Das terrasbaixas da Holanda s montanhas de

    Minas, p. 46.

    62 DUTRA NETO, Luciano. Das terrasbaixas da Holanda s montanhas de

    Minas, p. 37.

    63 DUTRA NETO, Luciano. Das terrasbaixas da Holanda s montanhas de

    Minas, p. 37-38.

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