04 regime de ocupacao

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Captulo 4: Regime de OcupaoCaptulo 4: Regime de Ocupao..........................................................................................................1 Captulo 4: Regime de Ocupao..........................................................................................................2 4.1 Introduo ....................................................................................................................................2 4.2 As Foras Armadas indonsias e o seu papel em Timor-Leste................................................3 Introduo ......................................................................................................................................3 Antecedentes das Foras Armadas indonsias...........................................................................4 Estruturas organizacionais das Foras Armadas indonsias em Timor Leste...........................9 4.3 Militarizao da sociedade timorense.......................................................................................20 Introduo ....................................................................................................................................20 Militarizao de Timor-Leste no perodo pr-Indonsia ............................................................21 Militarizao indonsia de partidos polticos timorenses anterior ocupao.........................22 Constituio de batalhes de combate timorenses ...................................................................23 Primeiros paramilitares, 1976/81 ................................................................................................24 Paramilitares na dcada de 1980 ...............................................................................................25 As foras de defesa civil..............................................................................................................26 Militares em trs meses, Milsas 1989/92.................................................................................28 Auxiliares de operaes (TBO)...................................................................................................28 Intel espies timorenses .......................................................................................................29 Dcada de 1990 e a ateno sobre os jovens...........................................................................31 Esquadres de morte ..................................................................................................................32 Milcias, 1998/99..........................................................................................................................33 4.4. Administrao civil ....................................................................................................................42 O Governo provisrio de Timor Leste ........................................................................................42

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Captulo 4: Regime de Ocupao4.1 Introduo1. Os militares indonsios comearam a intervir no futuro poltico de Timor-Leste logo nos primeiros dias aps a Revoluo dos Cravos, que teve lugar em Portugal, em Abril de 1974, no * incio do processo de descolonizao. As Foras Armadas indonsias impuseram solues militares aos problemas polticos emergentes, o que resultou em consequncias desastrosas para o povo de Timor-Leste. As preocupaes da Indonsia relativamente ao emergente TimorLeste ps-colonial nunca teriam resultado numa interveno militar, se as chefias militares de linha dura no tivessem desempenhado um papel to importante no regime da Nova Ordem do Presidente Suharto. As ABRI, tendo determinado a interveno militar, tiveram um papel preponderante durante os primeiros anos da ocupao: recorrendo ao aumento da violncia militar, procuravam alcanar os objectivos polticos da pacificao e da integrao. Para alcanar esse objectivo, as ABRI propagaram o conflito a todos os nveis da sociedade timorense, envolvendo homens, mulheres e crianas nas aces de combate, de servios de informao, e na tortura e assassinatos, como forma de controlar a populao. No final da dcada de 80, quando o conflito militar generalizado deu lugar resistncia clandestina levada a cabo por uma nova gerao de jovens timorenses, os militares indonsios, uma vez mais, procuraram solues violentas para o problema. Os esquadres de morte e os paramilitares de meados dos anos 90, foram os precursores dos grupos de milcias que surgiram em 1998/99 e se espalharam por todo o territrio. Entre 1974 e 1999, verificou-se a existncia de um padro consistente na formao de foras armadas paramilitares, constitudas por timorenses que agiram impunemente com o apoio das ABRI. 2. Esta estratgia militar teve consequncias graves e de longa durao para o povo de Timor-Leste. A escalada de violncia teve um efeito multiplicador e foi levada at s aldeias mais pequenas de todo o territrio. O medo e a desconfiana foram semeados nas comunidades medida que timorenses eram virados contra timorenses, particularmente em resultado das operaes de informao e de vigilncia. A impunidade dos perpetradores e a ausncia de qualquer tipo de sistema eficaz que respeitasse o Estado de direito, implicava que o povo de Timor-Leste no podia confiar na polcia ou nos mecanismos da administrao civil para proteco. Ao longo de toda a ocupao, a administrao civil manteve-se de facto subserviente perante as Foras Armadas enquanto instituio e perante os poderosos comandantes militares. Muitos dos postos-chave da administrao civil, tanto a nvel distrital como subdistrital, foram ocupados por militares ou por antigos militares. Esta situao comprometia a capacidade da administrao civil de funcionar e implementar objectivos nacionais de desenvolvimento. 3. Este captulo incide sobre o enquadramento dos sistemas militar e de governao indonsios aplicados em Timor-Leste durante todo o perodo da ocupao. O seu propsito constituir uma referncia que possa contribuir para a compreenso do contexto das violaes de direitos humanos relatadas noutros captulos.

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As ABRI, acrnimo para Angkatan Bersenjata Republik Indonesia (Foras Armadas da Repblica da Indonsia), existiram at Abril de 1999, altura em que a Polcia foi separada dos outros trs ramos Exrcito, Marinha e Fora Area - que adoptaram a designao conjunta de Tentara Nasional Indonesia (o Exrcito Nacional Indonsio), ou TNI.

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4.2 As Foras Armadas indonsias e o seu papel em Timor-Leste*Introduo4. As Foras Armadas indonsias desempenharam um papel de liderana na interveno indonsia e nos 24 anos de ocupao de Timor-Leste. Em 1974/75, aps a Revoluo dos Cravos, em Portugal, ter aberto as portas descolonizao de Timor Portugus, a Bakin, agncia militar indonsia de coordenao dos servios de informao, e o grupo de reflexo civil a ela estreitamente associado, o Centro de Estudos Estratgicos e Internacionais (CSIS), foram co-mentores de operaes secretas e de uma campanha de desestabilizao do territrio. A partir do final de 1974, estes grupos iniciaram o armamento e treino de timorenses, em Timor Ocidental, estendendo deste modo o conflito para o interior da sociedade timorense. Esta prtica foi um contnuo at 1999. 5. A Comisso ouviu o testemunho de um quadro superior do CSIS, Yusuf Wanandi, que afirmou que os militares de linha dura dominaram o debate quando a Indonsia decidiu a interveno e invaso militares em larga escala, em 1975. Caracterizaram partida a interveno em Timor-Leste como uma cruzada herica anticomunista, associando-a ideologia e aos antecedentes histricos do regime da Nova Ordem com o objectivo de atrair o apoio ocidental no contexto ento prevalecente de Guerra Fria. A invaso de Timor-Leste foi um exerccio militar em larga escala. Os elementos de linha dura das ABRI convenceram a liderana indonsia e os seus apoiantes internacionais que a absoro de Timor-Leste seria uma questo simples e rpida de resolver. Tratava-se de um empreendimento em que o investimento estava centrado na credibilidade das ABRI. Quando a vitria militar no surgiu com a rapidez e facilidade esperadas, as ABRI procuraram, e conseguiram, o apoio militar internacional que lhes 1 permitiu intensificar as operaes. 6. Se bem que as ABRI pudessem reivindicar deter o controlo militar de Timor-Leste a partir de finais da dcada de 1970, nunca conseguiram eliminar a resistncia armada. Quando a Resistncia passou a adoptar uma estratgia que dependia primordialmente das redes clandestinas, dos protestos urbanos e de campanha diplomtica internacional, as A B R I recorreram a medidas opressivas para subjugarem essa resistncia. As ABRI estabeleceram um domnio invasivo sobre a sociedade e a economia timorenses. A sua estrutura territorial foi estendida at ao nvel de aldeia, paralelamente estrutura da administrao civil e dominando-a. Durante os 24 anos de ocupao, mantiveram redes de servios de informao em todo o territrio e mobilizaram civis timorenses para as foras paramilitares, que culminaram nas milcias de 1999. At Abril de 1999, mantiveram controlo orgnico sobre a polcia. Tambm criaram no territrio poderosos interesses de negcios e monoplios, que a exemplo das suas restantes actividades, tiveram um impacto nocivo no quotidiano dos timorenses (ver Subcaptulo 7.9: Direitos Econmicos e Sociais). A invaso de Timor-Leste e a subsequente incapacidade dos militares indonsios de esmagarem a resistncia sua ocupao, transformaram este territrio, durante os 24 anos de ocupao, no principal teatro de operaes onde os soldados indonsios adquiriam experincia de guerra anti-sublevao e de combate. Vrias geraes de oficiais utilizaram a experincia de combate adquirida em Timor Leste na promoo das suas carreiras. Operando numa provncia distante, situada na periferia do arquiplago indonsio, os militares indonsios realizavam a sua aco praticamente sem qualquer tipo de escrutnio externo, inserindo-a num sistema onde a administrao civil carecia de poder para contrabalanar e controlar as aces dos militares. As Foras Armadas indonsias agiram com impunidade. 7. Os subcaptulos que incidiram sobre as violaes de direitos humanos, includos no Captulo 7 do presente Relatrio, debruaram-se sobre as consequncias das aces das*

Esta seco debrua-se sobre o papel militar convencional das ABRI. O papel scio-poltico das ABRI aparece debatido em 4.4 Administrao Civil.

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Foras Armadas indonsias sobre os timorenses e sobre a vivncia dos timorenses num sistema dominado pelos militares indonsios. Este captulo proporciona informao sobre os militares indonsios e as suas operaes em Timor-Leste, de forma a contextualizar os subcaptulos sobre as violaes cometidas.

Antecedentes das Foras Armadas indonsiasAntecedentes histricos das ABRI e do TNI2

8. Primeiro os neerlandeses e posteriormente os japoneses recrutaram indonsios para as suas Foras Armadas. Os oficiais do Exrcito Real das ndias Neerlandesas (KNIL) eram, maioritariamente, neerlandeses, mas os soldados eram indonsios, treinados por neerlandeses. A invaso japonesa decorreu em Maro de 1942, e no final do ano, os japoneses j tinham estabelecido a Heiho como unidade auxiliar encarregada da vigilncia. A 3 de Outubro de 1943, os japoneses formaram uma unidade de combate mais formal, conhecida por Peta (Fora Voluntria para a Defesa da Ptria), para nela se apoiarem caso as foras aliadas desembarcassem. Durante o perodo de transio entre o controlo japons e o reconhecimento da Indonsia como nao independente surgiram diversas organizaes armadas. Estes grupos reflectiam uma gama alargada de ideologias, de muulmanos que lutavam pela criao de um Estado islmico, a nacionalistas radicais e comunistas at aos que defendiam a criao de um Estado secular. A 22 de Agosto de 1945, a Comisso Preparatria para a Independncia (PPKI) formou o Corpo Popular de Segurana (BKR), constitudo, maioritariamente, por antigos oficiais e soldados da unidade de combate Peta. Na sequncia da chegada de tropas aliadas no final de Setembro de 1945, o BKR transformou-se no Exrcito Popular de Segurana (TKR) a 5 de Outubro de 1945, sob um comando centralizado. Por decreto assinado por Sukarno, a 26 de Janeiro de 1946, o Exrcito Popular de Segurana tornou-se no Exrcito da Repblica da Indonsia (TRI). O TRI foi consolidado em meados de Maio de 1946 e, a 26 de Junho de 1946, a Fora Area e a Marinha, que em vez de ficarem sob a tutela do ministro da Defesa, foram colocadas sob o comando de Sudirman, o comandante-em-chefe do TRI. A 5 de Maio de 1947, Sukarno associou o TRI a outros grupos armados (laskar) e formou o Exrcito Nacional Indonsio (TNI). Durante a dcada de 50, os comandantes do Exrcito, da Fora Area e da Marinha estiveram sob o comando do Presidente mas, na sequncia de sublevaes e assassnios generalizados em 1965, estes ramos, juntamente com a Polcia, foram consolidados em Dezembro de1965 e passaram a constituir as Foras Armadas da Repblica da Indonsia (ABRI), sob o comando do Comandante-em-chefe das Foras Armadas. Em Abril de 1999, com a separao da Polcia, das Foras Armadas, as ABRI transformaram-se em TNI. As Foras Armadas como salvadores da nao 9. A luta pela independncia da Indonsia do regime colonial neerlands foi longa e complexa. A sua fase armada, aps a II Guerra Mundial, mobilizou vastas camadas da sociedade indonsia no desalojar dos neerlandeses, que tentavam reafirmar a sua autoridade colonial no seguimento da rendio dos japoneses. O Exrcito da Repblica da Indonsia (Tentara Republik Indonesia, TRI) e, posteriormente, o Exrcito Nacional Indonsio (Tentara Nasional Indonesia, TNI), foi constitudo para liderar esta luta e desempenhou um papel central para forar a sada dos Pases Baixos, aps a revoluo de 1945/49. Durante este perodo, nem sempre foi fcil o relacionamento das Foras Armadas com os polticos e os numerosos grupos de milcias civis que tinham surgido para lutar por aquilo que era designado por Revoluo. Apesar da liderana civil indonsia ter adoptado uma constituio democrtica em 1950, o Exrcito considerou, desde logo, que tinham um papel central a desempenhar no futuro poltico da Indonsia. 10. Nos anos que se seguiram independncia, a consolidao do poder militar foi marcada por alguns acontecimentos determinantes que permitiram a autopromoo dos militares a

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salvadores da nao. Durante a maior parte da dcada de 1950, as Foras Armadas estiveram envolvidas no combate a movimentos separatistas e islmicos. Em 1957 e 1958, a Indonsia enfrentou duas revoltas federalistas, uma em Samatra (Pemerintah Revolusioner Republik Indonesia, PRRI) e outra em Sulawesi (Perjuangan Semesta, Permesta). As duas revoltas foram sustentadas em apoios slidos, incluindo de alguns militares. O Presidente Sukarno declarou a lei marcial em 1957 e os militares, chefiados pelo major Abdul Haris Nasution, esmagaram ambas as rebelies. Confiantes por estas vitrias e pelo controle das empresas neerlandesas nacionalizadas quase na mesma altura, os militares indonsios adoptaram uma poltica local cada vez mais agressiva no final da dcada de 1950, inicialmente contra os partidos polticos e, posteriormente, contra o prprio sistema democrtico. Com o apoio dos militares, Sukarno abandonou a democracia parlamentar em 1959, restaurou a Constituio de 1945 e instituiu aquilo que denominou de Democracia Orientada, que atribuiu maiores poderes ao Presidente. A Democracia Orientada tambm conferiu aos militares, enquanto um dos vrios grupos 3 funcionais, o direito de participarem na poltica. 11. Aps um perodo tumultuoso no incio da dcada de 1960, em que Sukarno presidiu a uma Indonsia cada vez mais dividida, o Exrcito, sob o comando do major-general Suharto, deps, efectivamente, o Presidente e iniciou uma depurao violenta direccionada contra o seu principal rival poltico, o Partido Comunista Indonsio (Partai Komunis Indonesia, PKI). Com o apoio activo dos militares, em 1965/66, foram mortas entre 250.000 e 1 milho de pessoas sob suspeita de serem comunistas e muitos outros militantes de esquerda e apoiantes de Sukarno 4 foram encarcerados em prises e em campos de deteno. Na Nova Ordem de Suharto, os militares foram novamente representados como tendo salvado a nao, desta vez do comunismo. 12. Em 1974, os militares indonsios usaram a ameaa do comunismo para justificarem o seu envolvimento em operaes secretas em Timor Leste (ver Captulo 3: Histria do Conflito). No apogeu da Guerra Fria, este era um smbolo poderoso para os aliados internacionais da Indonsia, especialmente tendo em considerao que os Estados Unidos da Amrica procuravam controlar a expanso do comunismo no Sudoeste Asitico. Apesar de no existirem provas de que o comunismo fosse uma fora de relevo na poltica de Timor-Leste, ou que as naes comunistas estivessem a apoiar activamente os dirigentes polticos de Timor-Leste, as Foras Armadas viam a possibilidade de um Timor-Leste independente como uma ameaa estabilidade da Indonsia. Durante anos aps a invaso de 1975, as ABRI continuavam a instar 5 que lutavam contra um inimigo comunista em Timor-Leste. Doutrina das Foras Armadas 13. A doutrina bsica das Foras Armadas indonsias conhecida por Sistema de Defesa e Segurana de Todo o Povo (Sistem Pertahanan Keamanan Rakyat Semesta, Sishankamrata), segundo a qual todos os cidados tm um papel a desempenhar na defesa nacional. O conceito surgiu a partir da guerra pela independncia, durante a qual as Foras Armadas dependeram do 6 apoio da populao. Inicialmente, o conceito baseava-se na ideia de que toda a nao tinha de resistir a um inimigo externo, se o poderio deste fosse superior ao das Foras Armadas regulares. Ao longo do tempo, este conceito alterou a origem da ameaa, uma vez que as Foras Armadas passaram a considerar a ameaa interna como a mais importante para a segurana nacional. 14. O papel desempenhado pelas Foras Armadas indonsias na vida poltica nacional foi significativamente alterado quando, em 1959, o Presidente Sukarno proclamou a Democracia Orientada e conferiu s Foras Armadas o direito de participarem na poltica. Sob a liderana do general Abdul Haris Nasution, as Foras Armadas desenvolveram uma poltica de funo dupla (dwifungsi), reivindicando para si um papel nas reas da segurana e scio-poltica.

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15. A partir de 1965 e com o advento do regime da Nova Ordem do Presidente Suharto, as ABRI preocuparam-se quase exclusivamente com a segurana nacional interna. Esta preocupao articulava-se com uma vasta gama de polticas e de conceitos, destinados a justificar o seu envolvimento em todas as esferas da vida da nao. Por exemplo, em 1966, 7 adoptaram o conceito abrangente de ipoleksos - ideologia, poltica, economia e social. A consolidao da estrutura territorial, que proporcionou uma presena fsica em todo o pas (ver abaixo), reflectiu a preocupao de controlo interno. 16. Durante o regime da Nova Ordem, a intolerncia perante a dissidncia interna atingiu o ponto em que qualquer crtica dirigida ao regime era considerada uma ameaa segurana do Estado. A Lei de Defesa de 1982, delineou o papel scio-poltico das ABRI, afirmando que: A defesa e a segurana nacionais englobam a defesa perante ameaas externas e internas e podem dirigir-se contra a liberdade e a soberania nacionais, contra a unidade e solidariedade nacionais, contra a integridade da nao e a jurisdio nacional, e contra os valores da 8 ideologia nacional, a Pancasila e a Constituio. Estrutura territorial das Foras Armadas indonsias 17. A estrutura das Foras Armadas indonsias encontra-se dividida em duas seces operacionais principais: o comando de combate e o comando territorial. A estrutura territorial uma caracterstica especfica das Foras Armadas indonsias, enraizada na luta pela independncia, quando as Foras Armadas indonsias eram compostas por unidades locais no profissionalizadas, que mantiveram uma guerra do tipo guerrilha contra os neerlandeses. Estas unidades locais desenvolveram-se, dando origem estrutura territorial que existe actualmente e equivalente estrutura administrativa civil. Do ponto de vista operacional, no topo desta estrutura encontra-se o Comando Militar Regional (Komando Daerah Militer, Kodam), que * supervisiona alguns Comandos Sub-regionais (Komando Resort Militer, Korem). A este nvel, os comandos militares nem sempre correspondem s unidades administrativas existentes no arquiplago. As provncias mais populosas de Jacarta e de Java Ocidental, Central e Oriental tm os seus prprios Comandos Regionais e, no caso das ltimas trs provncias, os Comandos Sub-regionais abrangem vrios distritos. No entanto, a maioria dos Comandos Regionais abrange mais do que uma provncia, enquanto os Comandos Sub-regionais cobrem o territrio de uma nica provncia. Este foi o caso de Timor-Leste, durante a maior parte do perodo da ocupao (ver mais frente). Abaixo do Korem, a estrutura corresponde, invariavelmente, s unidades administrativas civis: cada distrito dispe de um Comando Militar Distrital (Kodim) e cada subdistrito dispe de um Comando Militar Subdistrital (Koramil). Na maioria das aldeias existe um oficial da classe de sargentos para a orientao da aldeia, denominado Babinsa (Bintara Pembina Desa). As Foras Armadas indonsias tambm dispem de foras de defesa civil sob o seu comando, designadas Wanra (Perlawanan Rakyat, Resistncia Popular) e Ratih (Rakyat Terlatih, Civis Treinados). Estes grupos paramilitares so recrutados entre a populao civil das aldeias e representam uma maneira financeiramente eficaz de alargar o controlo militar e de alistar o cidado comum para o cumprimento de tarefas de segurana (ver, abaixo, pontos sobre a militarizao da sociedade timorense). O resultado desta estrutura foi o de constituir uma instituio capaz de exercer o poder sobre o governo e sobre a populao, a todos os nveis da sociedade, e de criar um exrcito permanente que, em 1993, enquadrava um soldado em cada 9 900 indivduos. 18. Durante os anos iniciais do regime da Nova Ordem do Presidente Suharto, esta estrutura territorial foi consolidada e ampliada. As ABRI passaram a ser o ncleo central do regime e, atravs da sua estrutura territorial, capaz de recorrer a um conjunto de mtodos para assegurar* At 1985, os grupos dos Kodam estavam sob o comando de uma unidade territorial superior, o Kowilhan (Comando de Defesa Sectorial). O Kowilhan foi abolido, porque ser considerado redundante.

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o seu domnio. Institucionalizaram um sistema de consulta com quadros superiores da administrao civil e da Polcia, designado, ao nvel de provncia e de distrito, Muspida (Musyawarah Pimpinan Daerah, Consulta da Liderana Regional) e a nvel de subdistrito, Tripika (Tri Pimpinan Kecamatan, Triunvirato de Liderana Subdistrital). Noutros sectores, a Nova Ordem apresentava-se ao mundo com uma face eminentemente civil. Por exemplo, exortava o pblico a afirmar a lealdade ao Estado ao assegurar a participao popular na celebrao do nacionalismo indonsio. No mbito da sua funo dupla (dwifungsi), as A B R I tambm implementaram projectos de obras pblicas como o designado ABRI Entram na Aldeia (ABRI Masuk Desa). Foras Armadas indonsias e a Polcia 19. Durante todo o regime da Nova Ordem, a fora de Polcia indonsia fazia parte da estrutura militar. Esta longa histria de subservincia efectiva liderana das Foras Armadas teve um efeito profundo na independncia da Polcia e na sua capacidade de zelar pela aplicao da lei e manter a ordem. Estes antecedentes contriburam ainda para a impunidade que as Foras Armadas desfrutaram, bem como aqueles que com elas trabalharam. A doutrina da fora de Polcia, fundamentada no pressuposto de que a responsabilidade pela segurana de toda a populao, muito semelhante das Foras Armadas. De acordo com o seu Sistema de Segurana Local (Sistem Keamanan Lingkungan, Siskamling), os membros da comunidade 10 desempenham um papel na manuteno da segurana da sua localidade. Tal como os militares, tambm a fora de Polcia mantm uma estrutura territorial, incluindo a presena ao nvel de aldeia (Bintara Polisi Daerah, Binpolda). Para alm das suas funes habituais, a Polcia mantm uma diviso armada denominada Brigada Mvel (Brimob). Inicialmente, a Brimob era responsvel pela segurana interna, contudo, medida que os militares assumiram o desempenho desta funo durante a Nova Ordem, esta diviso especializou-se no controlo de motins e foi amplamente utilizada com esta finalidade. Financiamento das Foras Armadas indonsias e o seu papel na economia indonsia 20. Desde a sua constituio, as Foras Armadas indonsias desempenharam um papel na economia indonsia. Esta situao ficou, em grande parte, a dever-se ao facto de a afectao 11 oramental destinada s Foras Armadas ser considerada inadequada, pelo que os militares se 12 viam forados a angariar fundos para si prprios. Tal prtica de financiamento extra13 oramental tornou-se enraizadamente institucionalizada. 21. Durante a Revoluo, as Foras Armadas viram-se foradas a improvisar para abastecer as suas tropas, mas o seu envolvimento profundo na economia data do final da dcada de 1950, quando os militares passaram a desempenhar um papel central em todos os aspectos da vida nacional. Em 1957, a nacionalizao de empresas estrangeiras proporcionou aos militares o controlo sobre alguns bens estatais, que utilizaram para proveito institucional e pessoal. Foram ainda nomeados oficiais superiores para ocuparem posies de poder em instituies-chave pertencentes ao Estado, como a Agncia Nacional de Logstica (Badan Urusan Logistik, 14 Bulog), responsvel pela distribuio de bens de primeira necessidade. Este foi o incio do papel institucionalizado das Foras Armadas, enquanto fonte de domnio econmico dentro da nao. 22. Durante o regime da Nova Ordem, o Presidente Suharto reduziu a dotao oramental, 15 das Foras Armadas, de quase 30% das despesas do governo para menos de 10%. Ele foi louvado por aquilo que parecia ser uma reduo do papel dos militares na sociedade. No entanto, simultaneamente, as ABRI aumentavam a sua dimenso global, a sua abrangncia territorial e desenvolviam o seu papel nos assuntos de Estado. A reduo no financiamento do 16 governo era compensada pelos seus empreendimentos econmicos.

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23. Os objectivos de desenvolvimento da Nova Ordem proporcionaram a justificao para o 17 papel econmico das ABRI. O conceito de kekaryaan (nomeao para cargos civis no Estado, nas agncias governamentais e nas empresas nacionalizadas) sancionou o papel das ABRI na 18 economia nacional. Esta situao estava intimamente ligada a um outro conceito militar chave, nomeadamente, que a orientao, tal como exemplificada pela disciplina e integridade militares, era vital para o progresso de toda a nao. De forma a poderem coordenar estas funes, as 19 ABRI tinham um Gabinete para os Assuntos Sociais e Polticos (Kasospol). O resultado foi a 20 existncia de uma classe de oficiais civis que, em 1992, ascendia a 14.000 (ver, mais frente, discusso sobre a Administrao Civil). 24. O controlo militar sobre bens-chave do Estado permitiu-lhes garantirem a concesso de contratos lucrativos a negcios ligados s ABRI. Desta situao resultava, frequentemente, a gesto ineficaz de agncias do Estado em prol dos lucros dos militares. Um exemplo claro foi a situao de pr-bancarrota do conglomerado estatal de petrleo, Pertamina, em meados da dcada de 1970, aps ter acumulado uma enorme dvida e se ter transformado num Estado 21 dentro do Estado que s respondia perante o Presidente Suharto. A crise da Pertamina coincidiu com os preparativos tendentes interveno em Timor-Leste e, inicialmente, contribuiu para a hesitao dos militares sobre a viabilidade do lanamento de uma invaso do territrio em 22 larga escala. 25. Para alm do seu papel formal na burocracia e nas empresas estatais, os oficiais das ABRI tambm exerciam diversas actividades para alm dos parmetros legais. Tinham a possibilidade de usarem as suas posies para operarem enquanto intermedirios de empresrios dispostos a pagar para usufrurem de acessos privilegiados. Muitos dos empresrios eram investidores indonsios de origem chinesa que contribuam com o seu capital e capacidade de gesto financeira, enquanto os oficiais das ABRI prestavam a influncia poltica 23 e, quando necessrio, a fora militar. Um membro influente deste grupo foi Liem Soe Liong, um aliado prximo de Suharto mesmo antes da Nova Ordem. Investidores estrangeiros entravam em 24 parcerias semelhantes. Por exemplo, nas minas de ouro e cobre da PT Freeport da Papua Ocidental, os militares indonsios foram contratados para prestarem os servios de segurana * da empresa mineira . A reorganizao da Nova Ordem e as Foras Armadas 26. Durante o perodo de presidncia de Sukarno, os quatro ramos militares (Exrcito, Marinha, Fora Area e Polcia) foram rivais e as chefias do Estado-Maior no os conseguiram 25 coordenar de forma eficaz. No final da dcada de 1950 e durante a dcada de 1960, atingiu-se maior unidade e centralizao e, em 1967, o Presidente Suharto utilizou a Nova Ordem para colocar os servios militares sob o comando de um nico departamento, o Ministrio da Defesa e 26 Segurana (Departmen Pertahanan dan Keamanan, Hankam). Desde 1967 at ao final do regime da Nova Ordem, a posio de comandante-em-chefe das ABRI foi ocupada por generais do Exrcito. A autoridade operacional foi transferida dos chefes de servio para o ministro da Defesa e Segurana, cargo normalmente desempenhado pelo comandante-em-chefe das ABRI. Estas alteraes vieram a confirmar o domnio, de facto, das ABRI.

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Artigo do jornal Jakarta Post , de 13 de Maro de 2003, que afirma que a Freeport-McMoran Copper and Gold Inc. Enviou um documento confidencial ao New York City Controllers Office e US Security and Exchange Commission, a informar que, no ano de 2001 foram liquidados 4,7 milhes USD pela contratao de cerca de 2.300 funcionrios de segurana do Governo indonsio. O jornal The Australian Herald (em artigo de Sian Powell), de 15 de Maro de 2003, afirma que a Freeport informou ter efectuado pagamento no valor de 11 milhes USD ao TNI, relativos aos dois anos anteriores. A Freeport afirmou que a mina Grasberg foi classificada pelo Governo indonsio como sendo vital para os interesses nacionais. Esta classificao resulta do papel significativo que os militares desempenham na proteco da rea de operaes da empresa. A declarao da Freeport refere que liquidou despesas relativas a segurana relacionada com o governo das operaes da mina, no valor de 5.8 milhes USD em 2001 e de 5.6 milhes USD em 2002 (ver: http://www.minesandcommunities.org/Action/press127.html).

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27. Durante a Presidncia de Suharto, o sector dos servios de informao foi assumindo uma posio de poder no contexto militar. Os servios de informao tornaram-se num dos aspectos nucleares das operaes de segurana nacional, que incluam ainda operaes 27 territoriais, de combate e da lei e ordem. A represso de dissenses internas era a uma funo primordial das Foras Armadas. Este sector crescente dos servios de informao, em conjunto com a nova estrutura centralizada de comando, teve um impacto significativo na poltica e no comportamento dos militares. 28. O Presidente Suharto chegou ao poder numa poca turbulenta e uma das primeiras estruturas que criou para assegurar a sua posio foi o Comando Operacional para a Restaurao da Segurana e da Ordem (Komando Operasi Pemulihan Keamanan dan Ketertiban, Kopkamtib). Suharto exercia controlo directo sobre esta instituio que, no incio, no 28 estava consagrada na Constituio e era extremamente poderosa. Os seus propsitos eram predominantemente anticomunistas e a sua misso era a de: Restaurar a segurana e a ordem em consequncia da revolta de G30S/PKI (o alegado golpe de 1965), assim 29 como de outras actividades extremistas ou subversivas. 29. Em 1966, o Organismo Central dos Servios de Informao (BPI) foi designado Coordenao dos Servios Nacionais de Informao (KIN), tendo ficado sob a tutela do Presidente Suharto, atravs do Kopkamtib. A unidade de Operaes Especiais do general Ali Murtopo era um rgo mais informal que desempenhou um papel de relevo no perodo inicial da Nova Ordem indonsia, nomeadamente, na assistncia s eleies de 1971 e, atravs de operaes secretas, na resposta a alguns desafios como pr termo confrontao com a 30 Malsia e, em 1969, na instrumentalizao do Acto de Livre Escolha na Papua Ocidental. Em 1974, a unidade de Operaes Especiais trabalhou em estreita parceria com o grupo de reflexo civil, Centro para os Estudos Estratgicos e Internacionais (CSIS), no desenvolvimento de uma estratgia que conduziria tomada de Timor-Leste (ver Captulo 3: Histria do Conflito). 30. Em 1974, depois dos distrbios generalizados, conhecidos por caso Malari, denunciarem a insatisfao generalizada relativamente Nova Ordem e a existncia de divises graves entre os prprios militares, Suharto reforou e centralizou os servios de informao e o aparelho de segurana interna. O major-general Benny Murdani chefiava os servios de informao do Ministrio da Defesa e Segurana, mantinha a segunda posio de chefia da Bakin (Badan Kordinasi Intelijen, Agncia Coordenadora dos Servios de Informao) e liderava ainda o Centro dos Servios de Informao Estratgica de Segurana do Ministrio da Defesa e da Segurana. O sistema de mecanismos de controlo militar e poltico, que poderia restringir a aco dos servios de servios de informao, foi anulado pelo que os servios de informao alcanaram um nvel de poder e de influncia sem precedentes. Os generais Murtopo e Murdani e as respectivas redes de servios de informao, desempenharam um papel-chave no desenvolvimento e na implementao da poltica relativamente a Timor-Leste em 1974/75.

Estruturas organizacionais das Foras Armadas indonsias em Timor Leste31. O objecto da anlise que segue, incide sobre a forma como as estruturas de comando militar das Foras Armadas indonsias, ao longo dos 25 anos de interveno, invaso e ocupao de Timor-Leste, tiveram de se ajustar s estruturas existentes na Indonsia. Contudo, a natureza do conflito forou a Indonsia a lidar com Timor-Leste, durante todo o perodo da ocupao, enquanto um caso especial e extremo. 32. Ao longo do perodo de 24 anos de ocupao, ocorreram diversas alteraes estruturais e de poltica na forma como os militares indonsios se organizaram em Timor Leste. Estas alteraes foram influenciadas pela natureza do conflito em Timor-Leste, pelos nveis de assistncia internacional, por vezes pelo nvel de escrutnio internacional e, em ltima anlise,

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pela presso internacional sobre a Indonsia para retirar do territrio. As fases de envolvimento militar indonsio em Timor Leste foram as seguintes: Operaes dos servios de informao em 1974, enquanto aco de preparao do assalto militar em larga escala e da ocupao; O estabelecimento de uma estrutura de comando regional para Timor Leste por um perodo de transio que se prolongou at final da dcada de 1970, medida que as ABRI procuravam consolidar a sua posio e esmagar a resistncia armada; Transferncia do comando para uma estrutura de comando regional convencional, a partir do momento em que as ABRI declararam Timor Leste pacificado; A expanso da estrutura territorial das ABRI aps 1979, para controlo da populao civil medida que descia das montanhas e era reinstalada em campos e nas aldeias; A formao de estruturas paralelas de comando territorial e de combate durante a dcada de 1980; A deciso de lidar com Timor Leste enquanto provncia normal, medida que a Indonsia abria parcialmente Timor Leste no final de 1988; A mudana para uma poltica centrada em operaes dos servios de informao e no recurso polcia antimotim, Brimob, para conter a disseminao de actividade clandestina e as manifestaes na dcada de 1990; O destacamento de tropas do Comando Estratgico Reservista do Exrcito (Komando Strategis Angkatan Darat, Kostrad) no final de 1998, medida que eram formadas as milcias; A criao de uma estrutura de comando especial aps a Consulta Popular, quando o Presidente Habibie declarou a lei marcial em Timor Leste; A abolio da estrutura de comando especial no final de Setembro de 1999 e a sua substituio por uma Fora de Interveno para Timor Leste, com o intuito de coordenar a retirada da Indonsia com a entrada da Fora Internacional para Timor Leste (Interfet).

33. Esta sntese visa apresentar um enquadramento para o Captulo 7, sobre as violaes de direitos humanos, e para o Captulo 8: Responsabilidade e Responsabilizao, do presente Relatrio. No pretende formular uma anlise exaustiva de todos os factores que contriburam para as mudanas estruturais ou polticas nas Foras Armadas indonsias, e suas consequncias. O seu propsito realar os acontecimentos-chave relativos s preocupaes centrais da Comisso.Table 1 Data Final de 1974 Incio de 1975 Comando Operasi Khusus (Opsus)31 Assistente I/Departamento de Defesa e Segurana dos Servios de Informao, com o apoio do Comando de Foras Especiais (Kopassandha)32 Comando da Fora de Interveno Conjunta da Operao Seroja (Kogasgab Seroja)33 Comando Regional de Defesa e Segurana em Timor Leste (Kodahankam) Comando da Fora de Interveno Conjunta da Operao Seroja (Kogasgab Seroja) Comando Sub-regional 164/Wira Dharma (Korem 164) (Comando territorial) Comando das Operaes de Segurana para Timor Leste (Koopskam Timor Timur)

Comandos militares em Timor LestePrincipais Operaes Conhecidas Operasi Komodo Operasi Flamboyan

31 de Agosto de 1975 Agosto de 1976 Outubro de 1978 26 de Maro de 1979 1984

Operasi Flamboyan Operasi Seroja (invaso) Operasi Seroja Operasi Seroja Operasi Skylight Operasi Keamanan Operasi Kikis Operasi Persatuan Operasi Watumisa 1 Operasi Watumisa 2

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Maio de 1990 Maro de 1993

(Comando de Combate e dos Servios de Informao) Comando para a Implementao de Operaes em Timor Leste (Kolakops Timor Timur) Comando Sub-regional 164 (Korem 164)

No foram realizadas operaes formais, apesar da presena permanente de foras de combate em Timor Leste

7 de Setembro de 1999 23 Setembro de 1999

Comando da Autoridade da Lei Marcial em Timor Leste (Komando Penguasa Darurat Militer Timor Timur) Fora de Interveno Indonsia para Timor Leste (Satuan Tugas Indonesia di Timor Timur)

Fonte: Investigao e compilao da CAVR Comando da Fora de Interveno Conjunta da Operao Seroja, Agosto de 1976 34. O envolvimento militar indonsio em Timor Leste teve incio em meados de 1974, quando a unidade de Operaes Especiais (Opsus) do major-general Ali Murtopo comeou a trabalhar confidencialmente na Operasi Komodo. No incio de 1975, a Operasi Komodo foi dada por terminada e substituda pela Operasi Flamboyan, sob o comando do major-general Benny Murdani, responsvel pelos servios de informao do Ministrio da Defesa e Segurana. A nova operao contou com recursos adicionais e o envolvimento de unidades das Foras Especiais (Kopassandha). Esta operao incluiu um conjunto de actividades mais vasto do que a Operao Komodo, nomeadamente a desestabilizao, a recolha de informao e o treino paramilitar de recrutas timorenses. No dia 31 de Agosto de 1975, o general Panggabean, comandante-emchefe das Foras Armadas e ministro da Defesa e Segurana, formou o Comando da Fora de 35 Interveno Conjunta da Operasi Seroja (Kogasgab Seroja). Desta forma, o envolvimento militar indonsio no Timor Portugus ficou sob o controlo directo e o comando central das ABRI. 35. O Comando da Fora de Interveno Conjunta era chefiado pelo brigadeiro-general Suweno, que dirigiu a invaso generalizada em Dezembro de 1975, conhecida por Operasi Seroja. Tratou-se de uma operao militar conjunta, que envolveu tropas de todos os ramos, incluindo: O Comando da Reserva Estratgica do Exrcito (Komando Strategi Angkatan Darat, Kostrad). O Comando de Guerra Especial (Komando Pasukan Sandhi Yudha, Kopassandha). O Comando das Foras de Aco Rpida da Fora Area (Komando Pasukan Gerak Cepat, Kopasgat) Batalhes da marinha e da infantaria de diversos comandos regionais.34

Agosto de 1975 a

36. Apesar do Comando da Fora de Interveno Conjunta da Operasi Seroja deter o comando directo sobre todas as tropas, as operaes foram conduzidas pelo Comando da Reserva Estratgica (Kostrad), inicialmente pelo Comando de Segundo Combate (Kopur II) e, a partir de Maro de 1976, pelo Comando de Combate Aerotransportado (Kopur Linud). 37. No incio de 1976, o Comando Seroja dividiu Timor Leste em quatro sectores operacionais. O Sector A inclua Dli e o enclave de Oecusse, o Sector B inclua os distritos de Bobonaro, Covalima, Ermera e Liquia, o Sector C inclua Aileu, Ainaro, Manufahi e Manatuto e,

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o Sector D inclua Baucau, Viqueque e Lautm. excepo do sector A (Dli), foi designada uma unidade conjunta, o Regimento de Equipas de Combate (Resimen Tim Pertempuran, RTP), para supervisionar as operaes em cada sector. Cada Regimento de Combate compreendia seis a oito batalhes territoriais, que apoiavam unidades de artilharia, cavalaria e engenharia, conhecidas por unidades de apoio de combate (Banpur). Comando Militar Regional de Timor Leste, Agosto de 1976 a Outubro de 1978 38. Pouco tempo depois do Parlamento indonsio aprovar a lei que integrava Timor Leste na Repblica da Indonsia, em Julho de 1976, as ABRI reorganizaram a estrutura militar em Timor Leste, de forma a incorporar na estrutura militar convencional as operaes no exterior. A 14 de Agosto de 1976, o Ministrio da Defesa e Segurana transformou a operao em Timor Leste numa operao interna atravs da institucionalizao do Comando Regional de Defesa e Segurana de Timor Leste (Komando Daerah Pertahanan dan Keamanan Timor Timur, Kodahankam Timor Timur). De acordo com documentos do ministrio, o papel definido para este comando, durante o que designaram por perodo de transio, foi o de consolidar a posio militar: O Comando Regional de Defesa de Timor Leste foi estabelecido com o objecto de lanar os alicerces para a Orientao e o Desenvolvimento da Defesa e Segurana de Timor Leste durante o perodo de transio, que vigorar at ao final do Segundo Plano de Desenvolvimento (em 1979), e de implementar a Poltica de Orientao e Desenvolvimento da Defesa e Segurana 36 Nacionais. 39. As mudanas foram extensas:

*

* A Indonsia ajustou os limites geogrficos de alguns distritos (Zumalai fazia inicialmente parte de Bobonaro/Ainaro, no de Covalima) e alterou alguns nomes no final da dcada de 1970 (Same passou a designar-se Manufahi; Lospalos passou a designar-se Lautm).

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Os militares iniciaram a organizao de um sistema territorial de Comandos Militares Distritais (Komando Distrik Militer, Kodim) e de Comandos Militares Subdistritais (Komando Rayon Militer, Koramil). Os Kodim foram, inicialmente, numerados de 01 (Dli) a 13 (Oecusse). A instruo de Fevereiro de 1977, relativa organizao do Comando de Defesa Regional, visava colocar as operaes de oito Kodim sob o comando de um Comando Militar Sub-regional (Korem), enquanto os restantes cinco operariam independentemente e responderiam directamente ao Comando de Defesa Regional. No entanto, como o Comando Militar Sub-regional 164 s foi constitudo em Maro de 1979, todos os Kodim permaneceram, de facto, sob o comando e o controlo directo de um Comando de Defesa Regional e, entre Outubro de 1978 e Maro de 1979, do seu sucessor, o Comando da Fora de Interveno Seroja (Kogasgab). O Comando de Defesa Regional detinha o comando sobre vrios tipos de unidades de combate. Continuando a adoptar as prticas do seu antecessor, o Comando de Defesa Regional destacou Regimentos de Equipas de Combate (RTP) para os sectores em que decorriam operaes. No final de 1976 e incio de 1977, o RTP 16 foi destacado para o sector B, o RTP 13 para o sector C e o RTP 15 para o sector D. Foram igualmente destacados Batalhes de Combate Independentes e Batalhes Independentes/no RTP de Apoio de Combate que compreendiam artilharia, cavalaria, engenharia e outras tropas especializadas. O Comando de Defesa Regional inclua uma unidade denominada Fora de Interveno dos Servios de Informao/Unidade de Implementao (Satuan Tugas/Badan Pelaksanaan Intelijen, com as abreviaturas Satgas/Balak Intel, ou apenas Satgas Intel). Esta unidade desempenhou um papel de relevo na represso interna, que se prolongaria pelas duas dcadas seguintes. A Polcia Militar foi destacada para Dli e para outros centros urbanos principais. Os indcios disponveis sugerem que a Polcia Militar desempenhou um papel activo na extenso do estabelecimento do sistema de centros de detenes e de instalaes prisionais. A CAVR no dispe de qualquer prova que indicie que a Polcia Militar tenha desencadeado medidas disciplinares contra pessoal militar durante esse perodo. Nesta fase foram criadas as unidades provinciais, distritais e subdistritais da Polcia, ainda que operassem directamente sob o comando do Comando de Defesa Regional por alguns anos. A burocracia militar tambm se expandiu de forma significativa.* 37

40. Durante este perodo, as ABRI estiveram envolvidas em operaes militares de larga escala contra as Fretilin/Falintil, que controlavam reas significativas do interior e uma proporo considervel da populao civil. O equipamento militar internacional, em particular dos Estados Unidos da Amrica, desempenhou um papel crucial ao conferir s ABRI a capacidade para destruir as bases da Fretilin na montanha e no mato e de pr termo a esta fase da resistncia. Comando da Fora de Interveno Conjunta da Operasi Seroja, Outubro de 1978 a Maro de 1979 41. A 12 de Outubro de 1978, foi constitudo um novo Comando da Fora de Interveno 38 Conjunta da Operao Seroja (Kogasgab Seroja). A Fora de Interveno Conjunta Seroja foi colocada sob o controlo do Comando Militar Regional XVI/Udayana (Kodam XVI/Udayana), que*

Para alm do pessoal militar habitual j presente em Timor Leste, o comandante do Comando de Defesa Regional de Timor Leste tambm era servido por diversos servios especializados (informao, finanas, desenvolvimento mental, histria, direito e psicologia), por servios complementares (comunicaes e electrnica, Polcia Militar, sade, administrao de pessoal, logstica do comando, centro naval e base da fora area) e por unidades operacionais (Brigif/RTP, uma fora de interveno dos servios de informao, batalhes independentes, unidades territoriais, foras de interveno da Marinha e da Fora Area, etc.)

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inclua as provncias indonsias de Bali e de Nusa Tenggara Oriental e Ocidental. Um ms mais tarde, o controlo operacional de Timor Leste foi transferido do Ministrio da Defesa e Segurana (que, at ento, administrara directamente o territrio) para o Comando de Defesa Regional II (Kowilhan II), que abrangia Java, Bali e toda a provncia de Nusa Tenggara. Estas alteraes assinalavam a avaliao feita pelas ABRI de que fora alcanada a vitria militar sobre as Fretilin/Falintil e em breve, a normalizao seria uma realidade. O decreto ministerial que constitua o novo comando afirmava: A partir do momento da sua constituio e no perodo de tempo mais breve possvel, o Comando da Fora de Interveno Conjunta da Operasi Seroja [dever] destruir os elementos remanescentes do Bando de Perturbadores da Segurana (Gerombolan Pengacau Keamanan), manter e consolidar a segurana na regio e apoiar a preparao da normalizao do funcionamento da administrao civil, levando a cabo operaes de 40 Segurana Interna na provncia de Timor Leste. 42. O brigadeiro-general Dading Kalbuadi, que liderara o Comando de Defesa Regional desde 1976, foi nomeado comandante do Comando Regional XVI/Udayana e, a partir de ento, passou a deter o comando directo das operaes militares em Timor Leste. 43. Sob o comando do coronel Sutarto, o Comando da Fora de Interveno Conjunta Seroja supervisionou as fases finais da Operasi Seroja em Timor Leste no final de 1978 e no incio de 1979 (ver Captulo 3: Histria do Conflito). Com a queda das ltimas bases da Fretilin no Monte Matebian (em Novembro de 1978), no Monte Kablaki (por volta de Janeiro de 1979), em Fatubessi, Ermera (em Fevereiro de 1979) e em Alas, Manufahi (em Maro de 1979), as ABRI alcanaram o controlo nominal de todo o territrio de Timor Leste. A morte do presidente da Fretilin, Nicolau Lobato, a 31 de Dezembro de 1978, proporcionou razo acrescida para que os militares indonsios pensassem que a guerra tinha terminado. Estes acontecimentos prepararam o caminho para a reorganizao das estruturas militares em Timor Leste. Comando Militar Sub-regional 164/Wira Dharma, 1979/99 44. Ao declarar que Timor Leste fora pacificado, as ABRI terminaram a Operasi Seroja e, a 26 de Maro de 1979, constituram o Comando territorial sub-regional 164/Wira Dharma (Korem 41 164). Tratava-se de um de quatro comandos sub-regionais sob a tutela do Comando Militar Regional XVI/Udayana com sede em Denpasar, Bali. A estrutura territorial foi expandida paralelamente rendio da populao civil e sua reinstalao em campos de deteno e, posteriormente, em aldeias. Os sargentos responsveis pela orientao de aldeias (Babinsa) estenderam o alcance dos militares at ao nvel das aldeias. Na dcada de 1990, o nmero de 42 oficiais de orientao de aldeias excedia o nmero total de aldeias em Timor Leste. 45. Ao conduzir as operaes, o comandante sub-regional era simultaneamente comandante do Comando de Implementao de Operaes (Kolakops). Esta denominao era apenas mais uma forma para designar o comando sub-regional, ainda que com a adio de 43 tropas no orgnicas. 46. Em 1979, o Ministrio da Defesa e Segurana emitiu uma instruo sobre as operaes de combate na Indonsia a vigorar em 1979/80. O objectivo das operaes em Timor Leste foi explicado da seguinte forma:

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a) Aniquilar a actividade e capacidade remanescente da resistncia armada do Bando de Perturbadores da Segurana, para que deixem de ter significado estratgico, particularmente no que diz respeito resistncia poltica por elementos do Bando de Perturbadores da Segurana no exterior. b) Isolamento de Timor Leste, para impedir que o Bando de Perturbadores da Segurana escape do territrio ou que faam entrar clandestinamente no territrio de Timor Leste apoio material proveniente do exterior. c) Prestar assistncia ao programa de reabilitao de infra-estruturas e normalizao das actividades da 44 populao. Comando das Operaes de Segurana de Timor Leste, 1984/90 47. Em 1984, as ABRI estabeleceram uma nova estrutura de comando de combate, 45 denominada Comando das Operaes de Segurana de Timor Leste (Koopskam Timor Timur). Esta estrutura era liderada pelo comandante da 1 Diviso de Infantaria do Comando da Reserva Estratgica do Exrcito (da Kostrad), e os seus funcionrios preenchiam os quadros desta nova estrutura de comando. 48. Ao longo de todo este perodo existia uma relao hierrquica entre o Comando Subregional (Korem) e o Comando das Operaes de Segurana (Koopskam). O Comando das Operaes de Segurana era o comando hierarquicamente superior com a responsabilidade pelas operaes de combate e de informao, enquanto o Comando Sub-regional 164 era responsvel pelos assuntos territoriais. O responsvel pelo Comando das Operaes de Segurana tinha a patente de brigadeiro-general e, por consequncia, mais elevada do que a de coronel, do comandante do Comando Sub-regional. 49. Durante este perodo, o Comando de Guerra Especial (Kopassandha) e o Comando da Reserva Estratgica do Exrcito (Kostrad) desempenharam um papel importante de combate em Timor Leste. Os oficiais nomeados para chefiar o Comando das Operaes de Segurana (Koopskam) em meados da dcada de 1980, acumulavam esta funo com o posto de comandantes da 1 Diviso de Infantaria do Comando da Reserva Estratgica do Exrcito * sediado em Java ocidental. Esta nomeao dupla facilitava a coordenao entre o Comando de Guerra Especial (Kopassandha) e as tropas da 1 Diviso de Infantaria do Comando da Reserva Estratgica do Exrcito (Divif I/Kostrad) sediado em Java Ocidental. 50. Em Julho de 1988, a 2 Diviso de Infantaria do Comando da Reserva Estratgica do Exrcito foi nomeada para substituir a 1 Diviso de Infantaria na estrutura do Comando das Operaes de Segurana em Timor Leste. A histria militar indica que, na altura da transferncia, as ABRI consideravam que as Falintil estavam enfraquecidas, mas reconheciam a sua capacidade para organizar operaes e para influenciar a populao.

* Pode ser confirmado no caso do brigadeiro-general Sugito (c. 1983/85), do brigadeiro-general Warsito (1985/87) e do brigadeiro-general Mantiri (1987/88); tambm ser, possivelmente, o caso do brigadeiro-general Sutarto (data da nomeao desconhecida/83).

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Os elementos remanescentes do G P K (Gerombolan Pengacau Keamanan, Bando de Perturbadores da Segurana), que continuam nas florestas de Timor Leste, particularmente nos sectores Central e de Leste, no ultrapassam os 244 efectivos. Possuem cerca de 217 armas de diversos tipos, ligeiras, de pequeno e longo alcance. Este grupo composto por antigos lderes e membros da Fretilin, e simpatiza com ideologias comunistas, marxistas e leninistas. Ainda conseguem dar sinal da sua existncia. Recorrendo a meios diversificados, influenciam um grupo minoritrio de pessoas a apoiarem a existncia de uma 46 nao independente da Repblica da Indonsia. Comando de Implementao de Operaes (Kolakops) Timor Timur, 1990/93 51. Em Dezembro de 1988, em resposta a solicitao apresentada pelo governador Mrio Viegas Carrascalo no incio do ano, o Presidente Suharto emitiu o Decreto Presidencial n 62, de 1988, que concedia provncia de Timor Leste um estatuto igual ao das restantes 26 provncias da Indonsia. O Decreto n 62 permitia uma circulao mais livre dentro da provncia, autorizava os cidados indonsios provenientes de outras reas da Indonsia a entrarem em Timor Leste, concedia vistos de entrada em Timor Leste a turistas estrangeiros e autorizava visitas a Timor Leste de jornalistas estrangeiros (sujeita a aprovao oficial). Tratou-se de uma tentativa concebida com o objectivo de transmitir uma imagem mais simptica da ocupao militar indonsia do territrio. Em 1989, o comandante sub-regional (Korem), o coronel Rudolf Samuel Warrouw, anunciou uma nova operao designada Operasi Sorriso, que visava reduzir as restries de circulao, libertar alguns prisioneiros polticos e eliminar a utilizao de tortura durante os interrogatrios. 52. A deciso de lidar com Timor Leste enquanto provncia normal implicou uma alterao adicional estrutura militar. Em Maio de 1990, o Comando das Operaes de Segurana em Timor Leste transitou novamente para o Comando da Implementao de Operaes em Timor 47 Leste (Kolakops Timor Timur). O comandante do Korem, o coronel Warrouw, foi promovido a brigadeiro-general e nomeado comandante do Kolakops em substituio de Mulyadi, um brigadeiro-general da linha dura. 53. No entanto, este perodo coincidiu com o levantamento de jovens urbanos e do movimento clandestino da Resistncia e ainda com o recurso a manifestaes pblicas contra o regime indonsio (ver Captulo 3: Histria do Conflito). A 12 de Novembro de 1991, os militares indonsios foram filmados enquanto massacravam manifestantes pacficos no cemitrio de Santa Cruz, em Dli (ver Captulo 3: Histria do Conflito e Subcaptulo 7.2: Mortes Ilcitas e Desaparecimentos Forados). Apesar da convocao de um Painel de Honra Militar e de alguns militares terem sido dispensados do servio activo, e de alguns oficiais da classe de sargentos e cabos terem sido julgados em Tribunal Militar, no foi realizada qualquer alterao s estruturas militares em Timor Leste. Comando Sub-regional 164/Wira Dharma (Korem 164), 1993/99 54. Apesar da condenao internacional dos militares indonsios aps o massacre de Santa Cruz, as ABRI acreditavam ter conseguido controlar a Resistncia. Em documento militar, datado Agosto de 1992, afirmava-se que: As aces repressivas do Governo da Repblica da Indonsia fracturaram uma parte significativa da rede 48 clandestina, quer dentro quer fora de Timor Leste

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55. A confiana dos militares foi ainda acrescida com a captura de Xanana Gusmo a 20 de Novembro de 1992 e de Mau Hunu (Antnio Manuel Gomes da Costa) a 3 de Abril de 1993. 56. Os esforos dos militares centravam-se gradualmente no controlo e na represso da 49 resistncia juvenil, com o Comando de Foras Especiais (Kopassus) a liderar as operaes. Quando o Comando de Implementao de Operaes em Timor Leste (Kolakops) foi abolido, a Unidade Conjunta dos Servios de Informao (SGI) foi transferida para o Comando Subregional 164 e designada Fora de Interveno dos Servios de Informao (Satgas Intel). No final de 1994, em contraste com a poltica oficial de normalizao do estatuto de Timor Leste e da diminuio da presena militar, o coronel Prabowo Subianto e o Comando de Foras Especiais (Kopassus) iniciaram operaes psicolgicas de intimidao e terror contra a populao timorense, incrementaram o treino militar de funcionrios pblicos e de estudantes 50 universitrios, alargaram os grupos paramilitares e criaram novas organizaes de milcias. 57. A centralizao de esforos na represso da resistncia urbana durante a dcada de 1990 foi igualmente assinalada por uma presena significativa, e utilizao generalizada, da 51 polcia antimotim, Brimob. O nmero de unidades da polcia antimotim era extremamente elevado, quer comparativamente dimenso da populao, quer com o que era prtica corrente * na Indonsia nesse perodo. Em Agosto de 1998, foram destacados para Timor Leste aproximadamente 7.400 polcias antimotim, conhecidos pelo recurso que faziam violncia; encontravam-se divididos em unidades territoriais (com 214 efectivos) e em unidades transferidas do exterior do territrio (7.156 efectivos) (ver Subcaptulo 7.4: Priso, Tortura e Maus-Tratos). Presena continuada de tropas de combate 58. Em Maro de 1993, o Comando de Implementao de Operaes (Kolakops) foi abolido e as suas funes foram transferidas para o Comando Militar Sub-regional (Korem). As 52 operaes de combate no esto, normalmente, a cargo de comandos territoriais. Os Sectores de Combate A e B em Timor Leste foram transferidos para o Comando Sub-regional 164 e as ABRI continuaram a destacar um elevado nmero de efectivos de tropas de combate. A partir de 1998, graas disponibilizao de documentos militares confidenciais enviados para o exterior, 53 possvel dispor de informao exacta sobre o destacamento de efectivos. Torna-se visvel a partir destes documentos que as tropas de combate foram extensivamente destacadas; em Agosto de 1998, encontravam-se em Timor Leste cinco batalhes de combate de infantaria, assim como diversos outros contingentes de operaes especiais. Acresce que, encontravam-se ainda presentes unidades de treino do Comando das Foras Especiais (Kopassus), o que comprova a utilizao de Timor Leste enquanto campo de treino para as tropas de elite das 54 ABRI. 59. Entre 1993, altura da extino do Comando de Implementao de Operaes de Timor Leste e 1999, as Foras Armadas indonsias continuaram a destacar para Timor Leste, entre outras, unidades do Comando da Reserva Estratgica do Exrcito (Kostrad), do Comando de Foras Especiais (Kopassus), e de infantaria. Entre 1993 e 1997, estiveram destacados em Timor Leste, em simultneo, uma mdia de cerca de seis batalhes vindos do exterior. Os dados recolhidos pela Comisso revelam que o Comando da Reserva Estratgica do Exrcito destacava para Timor Leste um s batalho de cada vez. Em 1995, as ABRI deram incio a destacamentos especiais de tropas estratgicas para Timor Leste. O primeiro contingente destas tropas, com o nome de cdigo Rajawali (Falco), foi destacado em 1995 para os sectores de 55 combate sob o Comando Sub-regional 164. Os seus efectivos provinham, principalmente, do Comando da Reserva Estratgica e tudo indica que prestavam comisses de servio de 12*

A razo entre tropas da Brimob e civis na Indonsia era de 1:20 .000 (Lowry, p. 94); em Timor Leste, esta ascendia a 1:700 (dados baseados em 1.013 efectivos da Brimob em 1998; censo de 1990: 747.557). Diferente do Rajawali do Kopassus.

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meses. No final de 1998, foram destacados efectivos das unidades dos servios de informao e de contra terrorismo do Comando de Foras Especiais. Estas tropas encontravam-se adstritas Fora de Interveno Conjunta dos Servios de Informao (coloquialmente designada pela sua denominao anterior, SGI). Em 1998, o nmero total de batalhes externos presentes em Timor 56 Leste aumentou para, pelo menos, 12. Comando Militar da Lei Marcial em Timor Leste, Setembro de 1999 60. Na sequncia da violncia aps a realizao da Consulta Popular e perante intensa presso internacional para que fosse autorizada a entrada de uma fora de manuteno da paz externa para Timor Leste, o general Wiranto enviou uma carta ao Presidente B. J. Habibie, datada 6 de Setembro de 1999, sobre o desenvolvimento continuado da situao em Timor 57 Leste e as recomendaes polticas sobre o modo como lidar com a mesma. Wiranto explicava que a situao de segurana se tinha deteriorado, tornando-se brutal e anrquica e conduzido perda de vidas e de propriedade. De entre as razes por ele citadas, encontram-se a decepo dos grupos pr-integrao causada pela imparcialidade da UNAMET e o equvoco por parte dos grupos pr-integrao, que acreditam ser possvel alterar o resultado do referendo pelo recurso fora. A presso internacional encorajou o Presidente B. J. Habibie a agir na sequncia desta carta, tendo emitido o Decreto Presidencial n 107, de 1999, que declarou a lei marcial em Timor Leste com incio meia-noite do dia 7 de Setembro de 1999. 61. Aps a declarao da lei marcial, o general Wiranto emitiu uma directiva do comando, delineando o estabelecimento do Comando da Autoridade da Lei Marcial em Timor Leste (Komando Penguasa Darurat Militer Timor Timur) a partir da meia-noite do dia 7 de Setembro de 58 1999. Os objectivos declarados deste comando eram o restabelecer a segurana em Timor Leste, no mais curto espao de tempo possvel, dar garantias de segurana para que os resultados da Consulta Popular pudessem ser implementados e manter a credibilidade do Governo da Repblica da Indonsia, assim como das Foras Armadas da Indonsia e da Polcia Nacional. 62. O major-general Kiki Syahnakri foi nomeado comandante da lei marcial. Ele e outros oficiais superiores recentemente nomeados (muitos dos quais eram oficiais do Comando das * Foras Especiais), tinham servido em Timor Leste durante a dcada de 1990 e alguns tinham assumido postos de comando no perodo que antecedeu a realizao do referendo. Por conseguinte, foi uma liderana predominantemente oriunda das tropas do Comando das Foras Especiais (Kopassus) que liderou as tropas do Comando da Reserva Estratgica durante o perodo da lei marcial. Wiranto pode ter pretendido assegurar posies de comando aos oficiais do Comando das Foras Especiais para minimizar o golpe sofrido pelos efectivos das Foras Especiais que tinham desempenhado um papel primordial na organizao das milcias, e evitar o surgimento de tenses inter-armas. As violaes dos direitos humanos mais horrendas ocorreram durante este perodo de lei marcial. Extino do comando da lei marcial: Fora de Interveno indonsia para Timor Leste 63. A ONU e alguns Estados membros chave, avisaram a Indonsia de que dispunha de tempo limitado para provar a eficcia da lei marcial no restabelecimento da lei e da ordem (ver Captulo 3: Histria do Conflito). Quando se tornou evidente que no aconteceria, o Presidente Habibie sucumbiu presso e solicitou a assistncia da ONU. O Conselho de Segurana aprovou a Resoluo n 1264 a 15 de Setembro de 1999 e a Interfet, a quem foi conferida todos os poderes estipulados no Captulo VII, foi destacada a 20 de Setembro para restaurar a paz. No dia 23 de Setembro de 1999 ou pouco tempo depois, o Presidente B. J. Habibie terminou a 59 vigncia da lei marcial em Timor Leste. O Comando de Operaes da Lei Marcial em Timor*

Os que tinham servido em Timor-Leste eram Kiki Syahnakri, Amirul Isnaeni, Gerhan Lentara e os que vieram do Comando das Foras Especiais, Amirul Isnaeni, provavelmente Liliek Kushardinato e Irwan Kusnadi.

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Leste foi extinto e criado um novo comando de segurana designado Fora de Interveno para Timor Leste (Satuan Tugas Indonesia di Timor Timur). Esta fora de interveno era liderada pelo brigadeiro-general J. D. Sitorus, da Polcia, comandada pelo coronel Sahala Silalahi e o seu adjunto, coronel Suryo Prabowo. A Fora de Interveno indonsia para Timor Leste deveria coordenar a sua aco com a Interfet.

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4.3 Militarizao da sociedade timorense*Introduo64. Ao longo do perodo de ocupao indonsia, a sociedade timorense sofreu considervel militarizao. Apesar da extenso e intensidade da militarizao ter variado ao longo dos 24 anos de ocupao, no cmputo global foi invasiva e teve um impacto profundo na vida de todo o povo timorense. 65. Pouco depois da Revoluo dos Cravos de Abril de 1974, os militares indonsios incrementaram o foco de ateno dos seus servios de informao sobre a situao em TimorLeste com o objectivo de apoiarem a Apodeti, um partido pr-integrao. No final de 1974, j realizavam operaes secretas no territrio (ver Captulo 3: Histria do Conflito), e forneciam 60 armamento e administravam treino militar aos membros da Apodeti, em Timor Ocidental. Os servios militares indonsios de informao foram os principais arquitectos da tomada de TimorLeste. Conduziram a campanha diplomtica para afirmar o estatuto da Indonsia enquanto parte interessada, o que determinou a tomada de deciso, em Outubro de 1975, de invadir TimorLeste. 66. As operaes dos servios de informao constituram uma parcela importante das operaes militares da Indonsia ao longo dos diferentes perodos do conflito. Os servios de informao desempenharam um papel preponderante iniciado com as operaes secretas de 1974/75, continuando nos primeiros anos da ocupao dos principais centros urbanos e, posteriormente, durante as rendies em massa e a reinstalao de civis em 1977/78 (ver subttulo anterior: As Foras Armadas indonsias e o seu papel em Timor Leste; Captulo 3: Histria do Conflito). Aps as rendies em massa, a Resistncia alterou a sua estratgia e comeou a desenvolver redes clandestinas nos locais onde a populao civil fora instalada. Os servios de informao indonsios recorreram a espies timorenses para tentarem fracturar as redes, causando a destruio do sentimento de confiana e de coeso social nas comunidades de Timor Leste. 67. A Indonsia invadiu Timor-Leste com a ajuda dos, por si, denominados Partidrios, i.e., membros da Apodeti, da UDT e de outros partidos que tinham fugido para Timor Ocidental em meados de 1974. Os Partidrios estabeleceram o precedente para utilizao, por parte dos militares indonsios, de procuradores timorenses. Durante a situao de guerra generalizada no final da dcada de 1970, a Indonsia criou batalhes e grupos paramilitares timorenses. Tambm mobilizou foras de defesa civil e pressionou homens e rapazes a proverem apoio logstico s tropas de combate. No incio da dcada de 1980, os militares indonsios foraram um elevado nmero de civis a marchar por toda a ilha com o objectivo de erradicar as foras de resistncia remanescentes (ver Captulo 3: Histria do Conflito). 68. A estrutura de administrao que a Indonsia imps a Timor Leste era, em si mesma, fortemente militarizada. Trata-se de uma das consequncias do amplo envolvimento das Foras Armadas na poltica e na economia indonsias, durante o regime da Nova Ordem do Presidente Suharto (ver ponto anterior: As Foras Armadas indonsias e o seu papel na administrao civil de Timor Leste). Em Timor Leste, os militares indonsios desempenharam um papel ainda mais invasivo do que na Indonsia da Nova Ordem. Estiveram directamente envolvidos no estabelecimento da provncia de Timor Leste e, a partir desse momento dominaram a sua*

Este ponto debate os diferentes tipos de foras paramilitares destacadas para Timor-Leste pelos militares indonsios. Neste ponto o termo fora de defesa civil utilizado para descrever os Hansip, Ratih, Wanra, etc., grupos que incluem timorenses recrutados pelas Foras Armadas indonsias; o termo paramilitar utilizado para referir unidades coadjuvantes timorenses criadas pelas ABRI ao longo da ocupao e o termo milcias utilizado para referir grupos constitudos no perodo que antecedeu o referendo, em 1999. Foras coadjuvantes o termo genrico utilizado para descrever colectivamente estes grupos diferentes.

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administrao (ver ponto sobre a Administrao Civil do presente captulo). Ao longo da ocupao de Timor Leste pela Indonsia, a provncia foi uma zona de conflito, que variou entre a guerra generalizada durante os primeiros anos e o conflito de baixa intensidade durante a maior parte dos anos 80 e 90. Timor Leste representou um caso extremo, quando comparado com outras provncias indonsias onde as Foras Armadas tambm estiveram envolvidas em conflitos. Ao contrrio dessas provncias, Timor Leste passou a constituir parte da Indonsia apenas devido invaso, anexao e ocupao. Era diferente da Indonsia e as Foras * Armadas tiveram de adoptar mtodos diferenciados para subjugarem o territrio. Para alm disso, Timor Leste foi uma aquisio externa. Por estes motivos, Timor Leste era claramente distinto da Indonsia. Foi este o contexto em que ocorreu a forte militarizao de Timor Leste pelas autoridades indonsias. 69. Na dcada de 1990, a juventude timorense aumentou a sua determinao em protestar contra a ocupao indonsia. A resposta principal foi a mudana da estratgia militar de guerra contra as Falintil para a guerra dos servios de informao contra a crescente resistncia clandestina. 70. O movimento de escuteiros, os grupos de artes marciais e os rgos de estudantes nas escolas e universidades, tinham por objectivo instilar na juventude timorense, disciplina e lealdade para com a Indonsia. A Indonsia colocou grande nfase na sua ideologia nacional (Pancasila) e na ritualizao nacionalista atravs de cerimnias do tipo militar e de outros eventos destinados a celebrar os feriados nacionais. 71. Se estas actividades tinham um carcter insidiosamente militarista, o recrutamento, em meados da dcada de 1990, de jovens timorenses para integrarem grupos paramilitares, foi brutal. Estes grupos, sob a proteco do Comando das Foras Especiais (Kopassus), perpetravam actividades de crime organizado durante o dia e faziam desaparecer apoiantes da independncia noite. Estes grupos de jovens foram os precursores das milcias que foram rapidamente constitudas pelas ABRI/TNI em 1998/99. Tal como acontecera em 1974/75, os militares indonsios utilizaram novamente timorenses para criarem uma situao de negao plausvel perante o papel desempenhado na violncia pelas tropas no timorenses. No obstante, em 1999, as milcias eram visivelmente uma extenso do TNI.

Militarizao de Timor-Leste no perodo pr-Indonsia72. Timor-Leste um pas montanhoso que, ao longo da histria, foi dividido em vrios reinos regionais. A maioria dos reis regionais tradicionais (liurai) mantinha exrcitos constitudos 61 por homens locais que, de tempos em tempos, lutavam com exrcitos de reinos vizinhos. No seu relacionamento com os reis timorenses, os portugueses recorreram a uma estratgia de dividir para reinar, recorrendo frequentemente, s foras armadas de reis amigos para esmagar a dissenso de outros (ver Captulo 3: Histria do Conflito). Este padro de utilizao por uma potncia exterior, de reis timorenses enquanto intermedirios para organizar foras em defesa dessa potncia, foi replicado pela Indonsia durante a sua actividade clandestina em 1974/75 e durante os anos subsequentes de ocupao. 73. A II Guerra Mundial trouxe inicialmente ao territrio neutro de Timor portugus, tropas australianas e britnicas e, posteriormente, as foras de ocupao japonesas. Muitos timorenses correram grandes riscos para apoiarem os poucos efectivos australianos na sua actividade de guerrilha, enquanto outros alinharam com os japoneses ou ficaram encurralados entre as foras internacionais beligerantes. Estima-se que durante a ocupao japonesa tenham morrido cerca 62 de 40.000 civis timorenses e a guerra causou profundas divises.

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A Comisso assinala a existncia de paralelismos noutras zonas de conflito na Indonsia, nomeadamente na Papua Ocidental e no Aceh.

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74. Quando Portugal regressou uma vez terminada a II Guerra Mundial, manteve no territrio uma fora armada profissional, constituda por soldados portugueses e recrutas provenientes das suas colnias africanas. A polcia fazia tecnicamente parte destas foras armadas. As Foras Armadas tambm recrutaram timorenses, ainda que poucos detivessem posies superiores aos escales inferiores. Durante os anos do regime autoritrio de Salazar, no se verificou grande resistncia autoridade colonial portuguesa. A PIDE, (Polcia Internacional e de Defesa do Estado) polcia secreta portuguesa, monitorava qualquer sinal de 63 oposio proveniente de timorenses e a sua reputao era temvel. Esta situao suprimia a liberdade de expresso, a possibilidade de formar associaes polticas ou de manter um debate poltico. Comparativamente experincia subsequente com a Indonsia, o impacto das Foras Armadas na sociedade foi mnimo. 75. Quando o Movimento das Foras Armadas tomou o poder em Lisboa, a 25 de Abril de 1974, os timorenses rapidamente formaram partidos polticos (ver Captulo 3: Histria do Conflito). A Comisso escutou depoimentos de dirigentes dos dois principais partidos polticos, a Fretilin e a UDT, que afirmaram terem recorrido fora e violncia durante as respectivas 64 campanhas, e no esforo para adquirirem influncia junto da comunidade. Quando a UDT tomou o poder, a 11 de Agosto de 1975, f-lo com armas da fora policial. Quando a Fretilin respondeu, o factor decisivo para a sua vitria foi o apoio de membros timorenses das Foras Armadas portuguesas e as suas armas. Tanto a UDT como a Fretilin distriburam indiscriminadamente armas aos seus membros civis, contribuindo grandemente para a escalada 65 de violncia durante o conflito interno. Apesar do conflito armado interno ter sido relativamente breve, intensificou divises j existentes e criou novas divises que marcaram a sociedade timorense ao longo dos anos da ocupao indonsia. Estas divises foram manipuladas pelos militares indonsios no seu esforo para esmagar a Resistncia, que inclua estratgias de militarizao da sociedade timorense.

Militarizao indonsia de partidos polticos timorenses anterior ocupao76. A Comisso escutou o depoimento de Toms Gonalves, filho do dirigente da Apodeti, Guilherme Gonalves, rei de Atsabe (Ermera), sobre a forma como os militares indonsios 66 implementaram a estratgia de armar e treinar jovens filiados no partido, no final de 1974. As ABRI designaram este grupo por Partidrios. Em Outubro de 1974, Toms Gonalves viajou para Jacarta e encontrou-se com militares indonsios de alta patente. Estes encontros ocorreram pouco tempo depois do ministro dos Negcios Estrangeiros indonsio, Adam Malik, se encontrar com o representante dos negcios estrangeiros da Fretilin, Jos Ramos-Horta e garantir-lhe que a Indonsia respeitaria o direito de Timor-Leste autodeterminao e independncia. As ABRI iniciaram a elaborao da sua estratgia de preparar grupos coadjuvantes armados num momento em que Portugal tentava conduzir um processo ordeiro de descolonizao. 77. Em Novembro de 1974, quando Toms Gonalves regressou, foram mobilizados 216 jovens de Atsabe (Ermera) e enviados para Timor Ocidental onde receberam treino militar bsico e lhes foram entregues armas por operacionais das ABRI, incluindo, membros do Comando das 67 Foras Especiais (Kopassus). Alguns desses homens foram obrigados a participarem pelos 68 dirigentes da Apodeti. Toms Gonalves afirmou Unidade de Crimes Graves, apoiada pela ONU, em Timor-Leste: Fui nomeado comandante supremo dos Partidrios no dia 2 de Dezembro de 1974. Existia um comandante supremo, eu prprio, dois comandantes de companhia, oito comandantes de peloto e 16 comandantes de equipa. Ao todo, ramos 216 combatentes. Eu estava sob o comando de Yunus [Yosfiah da Equipa Susi, um comando das Foras Especiais que fazia parte da Operasi Flamboyan 69 realizada pela Indonsia].

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78. Foram destacados cerca de 50 Partidrios para cada uma das trs equipas das Foras 70 Especiais - Susi, Umi e Tuti e colocados nas suas terras de origem. Depois da tentativa de golpe da UDT, em 11 de Agosto de 1975, as ABRI iniciaram, juntamente com membros destas foras de Partidrios, as incurses transfronteirias a partir de Timor Ocidental. As trs equipas conduziram incurses transfronteirias ulteriores em meados de Setembro, ainda que de 71 sucesso limitado. Estas incurses envolveram o recrutamento forado de timorenses para 72 73 servirem nos Partidrios e o perpetrar de alguns assassinatos. 79. Aps a derrota na guerra civil, as foras armadas da UDT e os seus apoiantes recuaram at fronteira e, no final de Setembro, para Timor Ocidental. Segundo o dirigente militar da UDT, Joo Carrascalo, mais de 500 dos 3.000 efectivos das tropas da UDT que atravessaram a 74 fronteira estavam armados. Estes efectivos foram absorvidos nas foras dos Partidrios. As incurses transfronteirias posteriores das ABRI, em meados de Outubro, envolveram um nmero mais elevado de Partidrios e receberam melhor apoio da artilharia naval, possibilitando 75 a captura de Batugad, Balib (Bobonaro) e de outras vilas na fronteira. Segundo Toms Gonalves, no ataque estiveram envolvidos 216 Partidrios da Apodeti, 450 efectivos indonsios 76 e 350 homens sob o controlo de Joo Tavares. Este ltimo grupo era conhecido por Halilintar. O Halilintar ressurgiu em 1994 com a misso de suprimir o crescente movimento clandestino no distrito de Bobonaro e, em 1998/99, tornou-se num dos principais grupos de milcias. Para alm de proporcionarem um valioso conhecimento local sobre Timor Portugus s unidades de comando indonsias, os Partidrios constituram uma parte vital da estratgia continuada de negao plausvel. As ABRI criaram o mito de que os soldados indonsios envolvidos nestas operaes eram meros voluntrios, que prestavam apoio ao regresso dos timorenses para 77 assumirem o controlo da sua ptria. No entanto, Toms Gonalves afirmou Comisso que a planificao e a implementao das operaes foram dirigidas por militares indonsios e os 78 Partidrios timorenses utilizados como tropa de apoio, guias e fonte de informao. 80. Aparentemente, alguns membros seleccionados dos Partidrios participaram na invaso 79 de Dli e outros estiveram envolvidos no desembarque em Baucau, trs dias mais tarde. Aps a invaso, os Partidrios participaram em ataques em regies mais interiores. Ainda que, em geral, as ABRI tenham reorganizado a utilizao que faziam dos grupos coadjuvantes timorenses, mantiveram algumas unidades de Partidrios ao longo de todo o perodo de ocupao, como foi 80 o caso de um grupo em Ermera que, em 1999, contava com 130 efectivos.

Constituio de batalhes de combate timorenses81. Em 1976, com o envio de 60 Partidrios para Java, as ABRI iniciaram a administrao de treino militar formal a timorenses. Em Junho de 1977, foram enviados mais 400 timorenses, alguns dos quais j tinham servido como Partidrios. A 1 de Outubro de 1977, estes homens terminaram a sua formao com o posto de cabo e, a 24 de Janeiro de 1978, o comandante militar de Timor Leste, coronel Dading Kalbuadi, constituiu formalmente o Batalho de Infantaria 744/Satya Yudha Bhakti. O novo batalho de 460 efectivos, estava subdividido em quatro 81 companhias, sob o comando geral do major Yunus Yosfiah. No incio de 1977, em Tacitolu, a Oeste do aeroporto de Dli, estas tropas receberam treino para realizarem raides e foram ento declaradas prontas para o combate. Um segundo grupo de mais de 500 recrutas timorenses recebeu treino em 1978 e constituram o Batalho 745/Sampada Yudha Bhakti, institudo em Setembro de 1978, sob o comando do major Theo Syafei. Os planos para a constituio de um terceiro batalho, o 746, foram abandonados depois dos novos recrutas terem sido declarados 82 inaptos. 82. Os batalhes foram inicialmente constitudos com a inteno de serem inteiramente compostos por timorenses. No entanto, este objectivo nunca foi alcanado. Entre os soldados timorenses enquadravam-se soldados indonsios de Infantaria e das Foras Especiais e os 83 oficiais eram indonsios, at ao nvel de peloto. Durante a ocupao, os dois batalhes faziam parte da estrutura territorial permanente do Comando Militar Regional (Korem) em Timor Leste e

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foram amplamente utilizados em operaes de combate e em aces de segurana interna. Construram uma reputao de grande brutalidade. O antigo Partidrio Toms Gonalves descreveu os primrdios do Batalho 744: Os Partidrios s se tornaram perversos depois do [Batalho] 744 ter sido formado pelo Yunus [Yosfiah] e depois de se tornarem membros do 744. O 744 inclua javaneses e comandos, de todos os tipos. Durante todo o perodo em que Yunus foi comandante do 744, verificavam-se constantes execues extrajudiciais, 84 massacres. 83. As ABRI tambm recrutaram timorenses para a estrutura territorial regular. Alguns efectivos haviam servido anteriormente no exrcito colonial portugus. Outros eram antigos membros de defesa civil (Hansip) recrutados pelas ABRI no programa de treino militar de trs meses (ver ponto sobre Milsas, no presente Relatrio). Em Julho de 1998, 6.097 timorenses serviam nas ABRI, dos quais 5.510 estavam no Exrcito e os restantes 569 na Polcia. A probabilidade de um timorense se tornar oficial ou sargento era bem menor do que a de um indonsio. Os dados demonstram que, em Julho de 1998, apenas 0,4% dos timorenses que serviam nas Foras Armadas indonsias eram oficiais, menos de 24% eram oficiais da classe de sargentos, e 76% eram cabos. Dos 17.834 efectivos indonsios das Foras Armadas em Timor Leste nessa altura, a proporo era muito diferente: 5,6% eram oficiais, 34,1% eram oficiais da 85 classe de sargentos e apenas 60.4% eram cabos.

Primeiros paramilitares, 1976/8184. partida, as Foras Armadas indonsias visaram o envolvimento de timorenses no conflito de Timor-Leste. Recrutaram efectivos timorenses para as Foras Armadas e recorreram a grupos paramilitares constitudos por timorenses, para a realizao de operaes clandestinas. No final da dcada de 1970, os militares indonsios mobilizaram timorenses, com o objectivo especfico de lutarem contra a Fretilin/Falintil. Os paramilitares desempenhavam um papel diferente dos Partidrios, que eram tratados mais como carregadores de bagagem ou pessoal de apoio de combate do que como tropas da linha da frente. Em geral, os paramilitares criados no final da dcada de 1970 e na dcada de 1980, tinham uma ligao prxima com o Comando das Foras Especiais (Kopassandha). 85. Em Setembro de 1976, foi formada uma das primeiras foras paramilitares quando o major-general Benny Murdani concedeu pessoalmente autorizao ao capito do Comando das Foras Especiais, A. M. Hendropriyono, para formar um peloto especial em Manatuto, constitudo por timorenses (Peleton Khusus, Tonsus). A unidade foi recrutada a partir de um ncleo inicial de membros da Apodeti em Laclubar (Manatuto) e liderada por Joo Branco, ex* membro das Falintil. Atingiu rapidamente uma dimenso superior de um peloto. A Tonsus estava bem armada e destacava timorenses para operaes especiais de combate no Sector 86 Central. A Tonsus foi uma iniciativa de xito, que reconhecia os timorenses enquanto iguais e no como inferiores. Apesar do seu sucesso, a unidade foi extinta em 1978 e as A B R I retomaram o recurso a timorenses para tarefas de pessoal auxiliar, como assistentes de logstica 87 e no como combatentes da linha da frente. 86. No final da dcada de 1970, as A B R I recrutaram timorenses para diversas outras equipas. Um dos grupos, denominado Equipa Nuclear (Tim Nuklir), operava em Moro (Lautm),*

Toms Gonalves (entrevistado pela SCU (Unidade de Crimes Graves) no dia 8 de Agosto de 2000) relatou que os homens de Joo Branco tinham sido treinados em Dli. [CAVR, Perfil comunitrio de Pairara, Moro (Lautm), 28 de Maro de 2003].

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sob o comando do administrador subdistrital, Edmundo da Conceio da Silva. No ataque ao Monte Kablaki, em Junho de 1977, estiveram envolvidos antigos elementos dos Partidrios, conhecidos por voluntrios do comando militar regional ou Skadam (Sukarelawan Kodam). Esta 89 designao parece ter implcita a sua incorporao formal na estrutura das ABRI.

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Paramilitares na dcada de 198087. Em 1979, as ABRI criaram a Tim Morok (Equipa Selvagem), em Manatuto, sob o 90 comando de Filomeno Lopes. Composta por ex-membros da Apodeti e da UDT, a Equipa Morok operou em Manatuto durante a dcada de 80. Uma segunda equipa, denominada Equipa Asahan, foi criada em 1980 pela seco de servios de informao do Comando Militar do Distrito de Manatuto. Esta equipa foi colocada sob o comando de Domingos (Apai) da Silva e 91 de Antnio Doutel Sarmento, mas s operou durante um ano. Em 1981, coincidente com a Operao Segurana (Operasi Keamanan), foi formada uma terceira equipa denominada Alap92 alap, utilizada essencialmente no apoio s tropas de combate. 88. Na dcada de 1980, as ABRI criaram alguns grupos paramilitares bem treinados. Um dos primeiros grupos foi a Equipa Relmpago (Tim Railakan), criado por volta de 1980 ou 1981 e operava em Baucau sob o comando de um cabo das ABRI, Julio Fraga, um timorense de 93 Quelicai (Baucau). A Equipa Relmpago esteve envolvida em diversas tarefas, como a deteno, o interrogatrio e a tortura de pessoas suspeitas de pertenceram rede clandestina e participou em operaes de busca das Falintil. Por volta de 1983, o grupo foi renomeado Equipa Saka (Satuan Khusus Pusaka, Unidade Especial Tesouro de Famlia). Julio Fraga continuou a comandar o grupo at ao seu assassinato em Baucau, em 1995. A Equipa Relmpago/Saka foi 94 ocasionalmente vista a trabalhar directamente com a Kopassus e actuava regularmente como 95 intermediria na efectivao de detenes por ordem do Comando Militar Subdistrital (Koramil). Em 1985, na mesma altura em que a denominao da Equipa Relmpago foi alterada para Saka, estabelecia-se em Baucau um grupo paramilitar irmo, a Equipa Sera. Esta operava, principalmente, na rea de Baucau-Vemasse-Venilale, sob o comando de Sera Malik, exdirigente das Falintil. A Equipa Alfa, um outro esquadro paramilitar desta mesma poca, foi criada em Lautm pelo capito da unidade de Foras Especiais, Luhut Panjaitan, provavelmente 96 em 1986. 89. Os grupos paramilitares serviam diferentes finalidades, tais como a participao em ofensivas e em operaes. Um depoente afirmou CAVR: O major Sinaga formou a Equipa Papagaio (Tim Lorico), na aldeia de Oestico Loilubo (Vemasse, Baucau), a partir de ex-membros das Falintil. Utilizava-os em operaes no mato e, depois de eles encontrarem um esconderijo das Falintil, as tropas das ABRI iam l e disparavamDepois de Sinaga ter sado de Timor Leste, os membros da Tim 97 Lorico desapareceram um a um. 90. Os grupos paramilitares tambm desempenharam funes que reflectiam a sua proximidade com o Comando das Foras Especiais (Kopassus), como operaes clandestinas e operavam como agentes dos servios de informao. Estas equipas instituram a tradio do relacionamento estreito entre as ABRI, em particular as Foras Especiais, e as unidades paramilitares timorenses. No caso de indivduos-chave, estas relaes foram frequentemente 98 mantidas ao longo dos vrios anos do conflito.

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As foras de defesa civil91. Uma das pedras angulares da ideologia militar indonsia o conceito do Sistema de Defesa e Segurana de Todo o Povo (Sistem Pertahanan Keamanan Rakyat Semesta, conhecido como Sishankamrata), segundo o qual todo o civil tem um papel a desempenhar na * defesa nacional. Teoricamente, os civis indonsios podem ser seleccionados para serem submetidos a treino militar bsico, aps o qual passam a ser designados Civis Treinados (Rakyat Terlatih, Ratih). A partir dos membros do grupo Ratih, pode ser realizada uma seleco ulterior para constituir (a) a Fora de Defesa Civil (Pertahanan Sipil, Hansip), responsvel pela proteco de civis em caso de desastre natural ou guerra, (b) a Fora de Segurana Popular (Keamanan Rakyat, Kamra), responsvel pela assistncia Polcia e (c) uma Fora de Resistncia Popular (Perlawanan Rakyat, Wanra), responsvel pela assistncia s Foras Armadas. Apesar de todas estas trs categorias estarem, teoricamente, sob a tutela do Departamento do Interior (Departemen Dalam Negeri, Depdagri), no caso de Timor Leste estes grupos operaram 99 directamente sob o comando e controlo dos militares. 92. O recrutamento de civis timorenses para servirem nas foras de defesa civil, em Timor Leste durante o conflito um exemplo de como as A B R I adaptaram a sua estratgia padronizada ao territrio. Em Timor Leste, as ABRI utilizaram as foras de defesa civil para desempenhar um papel de segurana territorial convencional, mas tambm para realizar operaes de combate, de vigilncia e de recolha de informao. Na Indonsia, cabe ao Ministrio do Interior a tutela das foras de defesa civil; contudo, em Timor Leste, logo nos primeiros anos do conflito, estas ficaram directamente sob o controlo e o comando dos militares indonsios; s na dcada de 1980 que essa responsabilidade transitou para o Ministrio do 100 Interior. 93. A utilizao generalizada das foras de defesa civil timorenses teve um impacto dramtico na vida dos timorenses, tendo transportado o conflito e os militares para o quotidiano da populao. Ao terem as comunidades por base, os membros da defesa civil eram utilizados como elos de ligao entre a populao civil e os militares. A recolha de informao era uma actividade invasiva e os membros das foras de defesa civil, em conjunto com os militares indonsios ou isoladamente, estiveram frequentemente envolvidos directamente na violao de direitos da populao e, sob a proteco das ABRI, gozavam de alguma impunidade pelos seus actos. A Comisso recolheu inmeros testemunhos e escutou muitos depoimentos sobre actos de violncia cometidos por membros da comunidade que integravam as foras de defesa civil dos militares (ver, respectivamente, Subcaptulo 7.7: Violncia Sexual, Subcaptulo. 7.2: Mortes Ilcitas e Des