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Capítulo 4 A Dinâmica em Oposição à Teoria Mecanicista contece, às vêzes, que podemos ser conservadores e estar certos, ao mesmo tempo. Parece, porém, muito pouco provável que nossa jovem ciência esteja certa mantendo pontos de vista conservadores, quando êsses pontos de vista são constantemente contrariados pela experiência real e devem, a todo momento, ser protegidos por meio de artifícios tais comõ a hipótese empírica. Uma vez submetidos a exame rigoroso, os argumentos da escola da introspecção se mostram muito pouco convincentes. Em um de nossos exemplos, uma experiência de movimento ocorreu, quando a epiderme do sujeito foi tocada em dois pontos sucessivamente. Essa experiência não foi admitida como fato sensorial verdadeiro, porque o movimento tinha a forma de uma curva através do espaço vazio, da qual apenas as extremidades eram sentidas na epiderme (cf. pág. 49). Por que motivo, porém, devem as experiências nascidas do estímulo de um órgão sensorial, invariàvelmente estar localizadas no lugar em que êsse órgão sensorial está localizado como objeto experimentado? Na visão, êste não é o caso; as formas e as côres não são vistas onde sentimos estar nossos olhos. Também os sons, em sua maior parte, não são ouvidos onde localizamos os nossos ouvidos. Por trás do argumento dos partidários da introspecção parece haver alguma confusão dos processos periféricos, causados pelo estímulo com as experiências sensoriais que se seguem e, portanto, também, do local fisiológico da primeira com a localização experimentada das segundas. Êsse exemplo mostra que a aparente evidência de tais argumentos impede que êles sejam examinados criticamente. No exemplo presente, qualquer exame dessa natureza destrói de pronto aquela evidência. Neste capítulo, procurarei mostrar que a mesma coisa se dá no que diz respeito às principais presunções da introspecção e do behaviorismo. Essas presunções não são, de modo algum, axiomáticas, embora estejam de acôrdo com um preconceito muito generalizado e que existe talvez há mais de mil anos. Vimos que aquelas convicções só podem sobreviver enquanto são defendidas por explicações empíricas de fatos opostos. Ora, muito trabalho experimental sôbre as experiências discutidas no capítulo anterior se baseiam nessas explicações. Assim, por exemplo, a fim de saber que, algumas vêzes, o branco é prêto e vice- versa, um indivíduo necessitaria, evidentemente, de tempo e de muitas lições,

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Capítulo 4

A Dinâmica em Oposição à Teoria Mecanicista

contece, às vêzes, que podemos ser conservadores e estar certos, ao mesmo tempo. Parece, porém, muito pouco provável que nossa jovem ciência esteja certa mantendo pontos de vista conservadores, quando êsses pontos de vista são constantemente contrariados pela experiência real e devem, a todo momento, ser protegidos por meio de artifícios tais comõ a hipótese empírica. Uma vez submetidos a exame rigoroso, os argumentos da escola da introspecção se mostram muito pouco convincentes. Em um de nossos exemplos, uma experiência de movimento ocorreu, quando a epiderme do sujeito foi tocada em dois pontos sucessivamente. Essa experiência não foi admitida como fato sensorial verdadeiro, porque o movimento tinha a forma de uma curva através do espaço vazio, da qual apenas as extremidades eram sentidas na epiderme (cf. pág. 49). Por que motivo, porém, devem as experiências nascidas do estímulo de um órgão sensorial, invariàvelmente estar localizadas no lugar em que êsse órgão sensorial está localizado como objeto experimentado? Na visão, êste não é o caso; as formas e as côres não são vistas onde sentimos estar nossos olhos. Também os sons, em sua maior parte, não são ouvidos onde localizamos os nossos ouvidos. Por trás do argumento dos partidários da introspecção parece haver alguma confusão dos processos periféricos, causados pelo estímulo com as experiências sensoriais que se seguem e, portanto, também, do local fisiológico da primeira com a localização experimentada das segundas. Êsse exemplo mostra que a aparente evidência de tais argumentos impede que êles sejam examinados criticamente. No exemplo presente, qualquer exame dessa natureza destrói de pronto aquela evidência.

Neste capítulo, procurarei mostrar que a mesma coisa se dá no que diz respeito às principais presunções da introspecção e do behaviorismo. Essas presunções não são, de modo algum, axiomáticas, embora estejam de acôrdo com um preconceito muito generalizado e que existe talvez há mais de mil anos. Vimos que aquelas convicções só podem sobreviver enquanto são defendidas por explicações empíricas de fatos opostos. Ora, muito trabalho experimental sôbre as experiências discutidas no capítulo anterior se baseiam nessas explicações. Assim, por exemplo, a fim de saber que, algumas vêzes, o branco é prêto e vice-versa, um indivíduo necessitaria, evidentemente, de tempo e de muitas lições, principalmente porque teria de aprender isso tão completamente que, afinal, os produtos de seu aprendizado apareceriam em seu campo visual como matizes específicos do brilho que substituem os verdadeiros fatos sensoriais. Seria de esperar, assim, que sujeitos muito jovens ou muito ignorantes não deveriam mostrar a constância do brilho, em grau muito elevado. No entanto, fazendo a experiência com pintos, verifiquei que êles possuem, aproximadamente, uma constância do brilho quase tão boa quanto eu próprio. 1 Experiências semelhantes sôbre a constância do tamanho, realizadas com crianças (de dois anos para cima) e com jovens macacos, também deram resultados positivos. 2 Embora seja difícil demonstrar que o aprendizado não tem influência alguma sôbre os fenômenos em questão, parece agora muitíssimo pouco provável que tais fenômenos sejam inteiramente efeito do conhecimnto prèviamente adquirido. Repetindo: não nego que a experiência objetiva esteja impregnada de outras características adquiridas. Quando, porém, não se prova, realmente, que essa influência existe, nenhum argumento indireto pode ser aceito em lugar de uma demonstração naquele sentido. Como, nesses casos, a explicação empírica perdeu muito de sua plausibilidade, parece ser inevitável uma mudança radical dos princípios fundamentais. Em outras palavras: os fenômenos que examinamos aqui, tais como as constâncias de tamanho, formato, localização, velocidade e brilho, o movimento estroboscópico, as bem conhecidas ilusões óticas, etc., merecem receber a mesma consideração, para compreendermos os processos sensoriais, que recebem as sensações “normais” dos partidários da introspecção. Admitimos sem relutância que, a uma dada distância e em um fundo homogêneo, o tamanho visual depende principalmente do tamanho retiniano, que (a não ser partindo do contraste e de outras exceções semelhantes), com determinada iluminação, o brilho depende da intensidade retiniana, e assim por diante. Nesses casos, o tamanho, o brilho, etc., variam com as propriedades do estímulo local, porque as influências exercidas pelos estímulos do ambiente não são de molde a interferir nessa simples relação. Pelo mesmo motivo, quando é adotada 1 “Optische Untersuchungen am Schimpansen und am flaushuhn”. Abh.andi. 4. Preuss. AJcad. 4. Wiss., 1915. 2 Op. clt. Frank, Psych.ol. Forsch., 7, 1926; 10, 1927. Beyrl, Zeitsch. 1. Psychøl..

100, 1926.

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a atitude de introspecção, podem ser encontradas experiências que correspondem ao estímulo local, porque essa atitude analítica pode suprimir, temporàriamente, a influência dos estímulos do ambiente. De modo algum, todavia, admitimos que êsse isolamento de fatos locais represente uma situação mais “normal”. Ao contrário, se, na experiência objetiva, as observações forem tomadas em seu valor aparente, nossas presunções fundamentais a respeito dos processos que formam a base de tais experiências devem-se opor às premissas das escolas da introspecção e do behaviorismo. Nosso ponto de vista será que, em vez de reagir aos estímulos locais por meio de fenômenos locais e mtuamente independentes, o organismo reage ao padrão de estímulos aos quais está exposto, e que essa reação é um processo unitário, um todo funcional, que oferece, na experiência, uma cena sensorial e não um mosaico de sensações locais. Sômente partindo dêsse ponto de vista podemos explicar o fato de, com um estímulo local constante, verificarem-se variações nas experiências locais, quando o estímulo do ambiente se transforma. “Processos unitários” e “um todo funcional” são, contudo, expressões que podem parecer um tanto vagas para a maior parte dos cientistas. Parece, portanto, aconselhável apresentar a nossa tese mais pormenorizadamente. Êsse estudo será muito facilitado se, antes de mais nada, indagarmos a nós mesmos porque os pontos de vista ora dominantes pareceram tão profundamente convincentes a uma geração após a outra. O motivo principal parece provir do fato de a experiência sensorial apresentar-se de maneira bem ordenada e o mesmo se dar no que diz respeito ao comportamento que ela provoca. Ora, desde os primeiros dias da ciência européia, o homem se convenceu de que, quando entregues ao que se chama, muitas vêzes, de sua cega liberdade de ação, os processos naturais jamais produzem resultados bem ordenados. Por acaso o intercâmbio acidental de fôrças no mundo físico deixa de produzir por tôda a parte o caos e a destruição? A ciência conseguiu formular algumas leis que os processos isolados seguem sempre, mas, onde operam muitos fatôres ao mesmo tempo, parece não haver razão para que as coisas se movam na direção da ordem e não do caos. Por outro lado, sabemos que o caos pode ser impedido e a ordem imposta, se não aplicadas de fora para dentro contrôles adequados aos fatôres atuantes. Tão logo o homem começa a restringir as possibilidades de uma função, por meio de rígidas condições coercitivas, à sua escolha, pode obrigar as fôrças da natureza a executar um trabalho bem ordenado. Mas, geralmente, admite-se como certo que êste é o único meio pelo qual se pode impor a ordem aos fenômenos físicos. Esta parece ter sido a concepção que o homem teve da natureza durante milhares de anos, e, em nossos dias, ainda impomos ordem à natureza da mesma maneira, ao construir e pôr em operação as máquinas de nossas fábricas. Nessas máquinas, permite-se que a natureza cause o movimento, mas a forma 64

e a ordem dêsse movimento são prescritas pela anatomia das máquinas, fornecidas pelo homem e não pela natureza. Partindo dêsse ponto de vista, uma ciência jovem é levada a pressupor a existência de recursos coercitivos especiais, sempre que a distribuição de processos na antureza se mostra bem ordenada. A Astronomia aristotélica é um bom exemplo. O movimento das estrêlas apresenta uma ordem notável, tão diferente da que se espera ocorrer na natureza livre, que a presunção de dispositivos de contrôle pareceu necessária aos teóricos gregos. Evidentemente, pensavam êles, a possibilidade de uma estrêla se mover desordenadamente ou de um planêta se extraviar é excluída por algo que exerce uma ação coercitiva sôbre o seu curso. Na teoria aristotélica, as estrêlas se encontram, portanto, fixadas em rígidas esferas de cristal, que giram, levando-as consigo. Não é de admirar, portanto, que as estrêlas tenham órbitas regulares. Até mesmo mecânicos aparecem no quadro: Aristóteles fala de divindades estelares que asseguram o bom funcionamento da maquinaria. Há trezentos anos, essa concepção ainda era encarada por muitos com reverência. E, no entanto, a significação funcional de suas esferas de cristal era a mesma, graças à qual é imposta a ordem ao funcionamento das máquinas de uma fábrica. O homem tem uma tocante inclinação pelo descanso e pela segurança. Durante muito tempo, essa necessidade se satisfez com as hipóteses primitivas da Astronomia aristotélica, por mais grosseiras e acanhadas que hoje ela nos possam parecer. Que houve de tão chocante nas descobertas astronômicas de Galileu? O fato de ter êle descoberto que acontecia tanta coisa no céu e que, em conseqüência, a ordem astronômica era muito menos rígida do que, felizmente, tinham os homens sido capazes de acreditar antes. Se o céu começasse a mostrar essa falta de rigidez digna de confiança, se se aproximasse da incerteza das condições terrestres, quem poderia sentir-se tranqüilo em suas crenças mais importantes? Assim, o mêdo primitivo inspirou os furiosos ataques que os aristotélicos da época lançaram contra Galileu. Ë bem provável que a exaltação que produziu a descoberta da circulação do sangue por William Harvey, contivesse semelhante elemento de mêdo, porque a descoberta perturbou, de súbito, a concepção do homem como uma estrutura rígida. Com tanta agitação em seu interior, não iria a vida, em seu conjunto, tornar-se algo de muito precário? O mesmo motivo expressou-se na tendência das antigas concepções biológicas para explicar tôdas as notáveis características da vida orgânica, e, acima de tudo, sua surpreendente ordem, por meio de recursos especiais que poriam em

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vigor essa ordem. A interpretação “mecânica” das funções orgânicas, apresentada por Descartes, pode ter parecido bastante ousada, sob alguns aspectos, mas não passava êle de um conservador na presunção de que — além da influência de um só maquinista, a alma — o jôgo bem ordenado dos processos no organismo é pôsto em prática por meio de recursos, conexões e canais. Figurada65

mente, podemos dizer que o organismo era, para êle, o que o céu tinha sido para Aristóteles: cheio de esferas de cristal. É bem verdade que êle não conhecia as leis da dinâmica. Mas, embora nós as conheçamos bastante, as principais alterações da teoria biológica dos tempos de Descartes até hoje parecem antes aperfeiçoamentos de sua maneira de pensar do que descobertas de conceitos essencialmente novos, a respeito da ordem da função na biologia. Qual é a nossa própria situação nesse campo? Sem dúvida, a concepção mecanicista da vida é encarada hoje com certo cepticismo. Por outro lado, os biólogos não parecem ter explicação muito melhor da ordem orgânica. As possibilidades de outra explicação serão mais fàcilmente reconhecidas, se procurarmos obter um quadro mais preciso da teoria mecanicista, tal como surgiu na Astronomia e na Biologia. Em um sistema físico, os fenômenos são determinados por duas espécies de fatôres. À primeira categoria, pertencem as fôrças e outros fatôres inerentes aos processos do sistema. Chamaremos a êstes, determinantes dinâmicos de seu destino. Na segunda categoria, temos as características do sistema que sujeitam seus processos a condições restritivas. Chamaremos tais determinantes de fatôres topográficos. Em uma rêde condutora, por exemplo, as fôrças eletrostáticas da corrente representam o aspecto dinâmico. Por outro lado a configuração geométrica e a constituição química da rêde são as condições topográficas que restringem o jôgo daquelas fôrças. Veremos sem demora que, ao passo que em todos os sistemas da natureza estão em ação fatôres dinâmicos, a influência das condições topográficas especiais pode ser mínima em um caso e predominante em outro. Em um condutor isolado, as cargas elétricas podem distribuir-se livremente em qualquer direção que respeite os limites dêle. Se, na realidade, as cargas assumirem uma distribuição particular que represente um equilíbrio, isto acontece por motivos de ordem dinâmica. Em uma máquina a vapor, por outro lado, o pistão pode mover-se apenas de uma maneira que é determinada pelas rígidas paredes do cilindro. Somos levados, assim, a uma classificação de sistemas físicos que tem a maior relevância para o nosso problema. Presumimos que, em todos os sistemas que nos interessam, os processos são rigorosamente determinados por fatôres de alguma espécie. Devemos, porém, sempre lembrar-nos de que os sistemas variam grandemente, no que diz respeito à influência relativa das condições topográficas limitadoras de um lado, e dos fatôres dinâmicos, de outro. Quando as condições topográficas forem rigidamente estabelecidas e não puderem ser mudadas por fatôres dinâmicos, sua existência significa a exclusão de certas formas de função e a restrição dos processos às possibilidades compatíveis com aquelas condições. O caso mais extremo é o de um sistema, no qual as disposições topográficas pré-estabelecidas excluem tôdas as possibilidades, exceto uma. Como exemplo dêsse tipo, acabamos de mencionar o caso de um pistão, cujo movimento é determinado pelas paredes

de um cilindro. Neste caso, o vapor do cilindro que tende a se expandir em tôdas as direções, mas, devido às coerções topográficas, só pode atuar em uma direção, aquela em que o pistão se pode mover. Em tal sistema, sàmente o movimento em si mesmo é determinado dinâmicamente. A direção do movimento é determinada pelo cilindro. Esta relação extrema entre fatôres dinâmicos e condições topográficas impostas é quase ou inteiramente realizada em máquinas típicas. É enorme a variedade de diferentes funções de sentido único que pode ser aplicada em um ou outro sistema. O princípio geral, porém, é o mesmo em qualquer parte. Às vêzes, é verdade, goza a dinâmica de um pouco mais de liberdade que a do mínimo absoluto. De qualquer maneira, não construímos máquinas em que os fatôres dinâmicos sejam os determinantes principais da forma de operação. Sem dúvida alguma, foi uma máquina dêsse tipo que Aristóteles pensou, quando considerou a ordem dos movimentos celestes. Suas esferas eram as condições topográficas que êle supunha manterem aquela ordem. Desde Descartes, os neurologistas trabalharam baseando-se em presunções semelhantes, sempre que a função neural nos animais e no homem apresentava uma ordem notável. Segundo afirmam, a dinâmica neural em si mesma jamais executaria uma função coordenada. Assim, a presunção de condições anatômicas especiais tornou-se uma questão, um fato indiscutível, em qualquer caso em que o sistema nervoso apresentava um comportamento bem ordenado. Nestas circunstâncias, não é de admirar muito que tanto os adeptos da introspecção, quanto os do behaviorismo baseiem seus estudos em premissas nas quais o tipo mecanicista de função é tàcitamente aceito

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como certo. Vejamos o caso da visão, por exemplo. Muitos estímulos afetam a retina em uma ocasião determinada. No entanto, em geral não há confusão no campo visual. Um objeto aparece aqui, outro ali, aparentemente da mesma maneira pela qual estão dispostos no espaço físico. Pontos que são vizinhos no espaço físico também são vizinhos no campo visual. O centro de um círculo no espaço físico aparece como meio de uma figura igualmente simétrica na visão, e assim por diante. Tôda esta ordem é tão notável quanto necessária ao nosso comércio com o mundo. Ora, a ordem em que as imagens dos objetos são apresentadas na retina é fàdilmente explicada pela existência da pupila, do cristalino, etc. Que acontece, porém, com os processos transmitidos da retina ao cérebro e que ali determinam a experiência visual? Uma vez que essa experiência ainda parece mostrar a mesma ordem, deve haver fatôres que impeçam a confusão em tôda a parte. Apenas uma espécie de fatôres parece capaz de conseguir tal coisa: o sistema nervoso visual deve consistir de disposições topográficas em enorme número e essas disposições devem manter, em tôda a parte, a funçao nervosa no caminho certo. Se, de cada ponto da retina, impulsos nervosos são conduzidos ao longo de rotas determinadas, em direçao a pontos terminais no cérebro, também determinados, e, se

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na totalidade dêsses pontos terminais, a geometria dos pontos retinha- nos é repetida, os fatôres dinâmicos ficam completamente impedidos de influenciar a distribuição do fluxo neural e, assim, o resultado será a ordem. Essa ordem é uma questão de anatomia, e não de fatôres inerentes ao fluxo. No caso do tacto e da audição, considerações semelhantes conduzirão a resultados semelhantes. Trataremos, agora, dos fatos da aprendizagem e da formação de hábitos. Ao tentar explicar tais fatos, têm afirmado os psicólogos que, em algumas partes do sistema nervoso — entre os setores visuais e auditivos, por exemplo — os caminhos não são fixados de uma vez por tôdas nos primeiros anos. De acôrdo com êsse ponto de vista, ou não há, a princípio, caminho para a condução ou, então, de um ponto do tecido, diversos caminhos levam os processos de maneira igualmente satisfatória a diversas direções, de sorte que não é determinada qualquer ordem particular. No adulto, contudo, são estabelecidas muitas associações entre os dois setores, e a precisão da reestruturação mostra que novos acontecimentos ocorrem de um modo dirigido e bem ordenado. A coisa que temos diante de nós na mesa é chamada livro e suas partes, páginas. Trata-se de sério sintoma patológico o fato de uma pessoa não conseguir se lembrar dêstes nomes, quando os objetos se encontram diante dela como fatos visuais. A ordem normal no jôgo das associações sugere esta explicação: onde a princípio não havia vias de condução, ou havia várias vias de igual condutividade, o aprendizado destacou uma via, tornando-a melhor condutora do que tôdas as outras. Em conseqüência, os processos passarão a seguir agora esta via. Se, por enquanto, deixarmos de lado a questão de saber até que ponto essa espécie de coisa constitui um aprendizado, a ordem da associação e da reestruturação é explicada pela presunção. Evidentemente, a explicação é fornecida de acôrdo com as condições topográficas. É verdade, no caso presente, que não se supõe que essas condições existam na infância; é verdade, também, que as mudanças, graças às quais as condições são estabelecidas, permanecem um tanto obscuras; mas, uma vez admitindo-se que elas estão estabelecidas, quando as associações se formam, a direção dos acontecimentos torna-se tão rgidamente mantida e tão independente de fatôres dinâmicos quanto é, em si mesma, a condução do fator visual. Da mesma maneira que um trem fica nos trilhos porque êstes constituem o caminho de menos resistência, e, da mesma maneira que a enorme potência da locomotiva não tem influência sôbre a direção do trem, assim também a ordem na associação e na reestruturação é uma questão de rotas, e a natureza dos processos que se movimentam sôbre essas rotas não tem influência sôbre sua trajetória. Passaremos, agora, a examinar as conseqüências dêste ponto de vista. Em primeiro lugar, tôda ordem que é encontrada em fenômenos mentais passa a ser explicada como disposições mecânicas herdadas ou como coerções adquiridas secundàriamente. Assim, se uma determina-

da atuação não é um exemplo de aprendizado em si mesmo, deve basear-se, ou nas condições topográficas originais, ou no aprendizado passado, isto é, nas alterações adquiridas de tais condições.3 Veremos que essa alternativa coincide com as explicações dos nativistas e empíricos. 4 As discussões entre nativistas e empíricos não deixam dúvida de que uma explicação nativista implica sempre uma explicação em função de fatos anatômicos herdados. Se, em dado caso, tal explicação não parecer aceitável, resta, então, apenas uma outra possibilidade, isto é, a do aprendizado. Jamais ocorreu aos autores em questão a idéia de que a função poderia ser bem ordenada, sem que disposições herdadas ou adquiridas do sistema nervoso fôssem responsávis pelo fato. Freqüentemente, a admissão de tal possibilidade é encarada com profunda desconfinaça, como se estivesse iminente a introdução de idéias vitalistas. O que acontece na extremidade de um beco sem saída depende do que se passou em sua entrada um pouco antes. De acôrdo com o quadro presente da função sensorial, a experiência objetiva deve ser composta de fatos sensoriais puramente locais, cujas características são estritamente determinadas pelos estímulos periféricos correspondentes. Por amor da

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manutenção da ordem, processos de rotas individuais e de células correspondentes do cérebro foram separados um do outro e do tecido circundante. Disso resulta que nenhum processo em outra parte do sistema nervoso pode alterar a experiência sensorial e, mais particularmente, que a experiência sensorial não pode ser alterada por qualquer mudança da atitude do indivíduo observado. Se enumerarmos as qualidades intensivas e qualitativas que os elementos do campo apresentam em determinado momento, o resultado deve ser uma completa descrição do campo. Assim, a experiência sensorial é um simples mosaico, uma agregação de fatos inteiramente aditiva, e êste mosaico é exatamente tão rígido quanto sua base fisiológica. Temos todos os motivos para acrescentar que, nesse quadro, a experiência sensorial é também incrivelmente “pobre”. Torna-se impossível qualquer função pela qual as diferentes partes do campo possam intercalar-se. Os únicos fenômenos dinâmicos que podem suceder estão localizados nos elementos, e sua distribuição, como um todo, não passa de um modêlo geométrico. Na teoria mecanicista do sistema nervoso, as conexãos entre as células cerebrais e os órgãos motores (como os músculos, por exemplo) são do mesmo tipo que as conexões entre pontos dos órgãos sensoriais e aquelas células. Nestas condições, seria a seguinte uma fórmula perfeitamente adequada às pesquisas na Psicologia: temos de descobrir 3 Na primeira categoria, poderemos incluir disposições anatômicas que não estão completas por ocasião do nascimento, mas vão-se desenvolvendo, pouco 5 Pouco, por amadurecimento até sua forma final. 4 A expressão “empírico” não tem, naturalmente, a mesma significação de empirísta». Ao passo que a última se refere ao filósofo Que afirma aue todo Conhecimento vem da experiência externa, a outra se refere ao psicólogo que procura explicar máximo de fenômenos mentais pelo aprendizado anterior.

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que reações dos órgãos motores se combinam com determinados estímulos. É a conhecida fórmula estímulo-reação, que durante longo tempo gozou de considerável prestígio na Psicologia norte-americana. Ela concorda inteiramente com o ponto de vista de que o sistema nervoso é destituído de quaisquer processos característicos própríos. O fato de, nesta teoria, o fator dinâmico ser reduzido a uma importância diminuta ainda tem outra conseqüência. Na Física, as inter-relações dinâmicas dependem dos processos e materiais inter-relacionados. Assim, por exemplo, em uma solução que contém Na2 S04 e BaC12, será precipitado BaSO4, devido a certas características de Ba, SO’ e H20 que, por suas mútuas relações, determinam o que acontecerá na mistura. Duas correntes elétricas provocam atração recíproca de seus condutores, se ambas têm a mesma direção, mas ocorre a repuisão se as correntes têm direções opostas. A regra geral é que “características em relação”, como exemplificadas nestes casos, são decisivas para a interação. É evidente que, uma vez que a teoria mecanícista exdui quaisquer inter-relações dinâmicas entre as partes de um campo, tal campo pode ser disposto de qualquer maneira arbitràriamente escolhida. Em um simples mosaico, cada elemento é de todo indiferente à natureza de seus vizinhos. Nenhuma outra conseqüência da teoria mostra mais claramente o que está envolvido na exclusão das inter-relações dinâmicas. Com efeito, acabamos de compreender que, se existem tais inter-relações, os fatos físicos não podem ser, certamente, insensíveis às características de outros fatos ocorridos em sua vizinhança. Êste ponto será ainda mencionado, quando examinarmos a associação e a reestruturação em outro capítulo. Quando apresentarmos aos psicólogos êste quadro de suas presunções acêrca das funções fisiológicas, a maior parte dêles hesitará em concordar. Afirmará que as suposições preliminares a respeito dos processos do sistema nervoso não podem ser tomadas no sentido demasiadamente literal. Quem não admitirá — observarão êsses psicólogos — que, em algumas partes do tecido, há soluções de continuidade das conexões condutoras? A isso, eu retrucaria que, se a primeira tentativa de descrever a função nervosa usar analogias sômente de uma espécie, o tipo mecanicista quer dizer que outras analogias provàvelmente jamais ocorreram aos teóricos. Preliminar ou finalmente, é com uma imagem mecanicista que estamos aqui tratando e jamais se menciona qualquer princípio essencialmente diferente. Quanto à questão das soluções de continuidade, a contribuição dessa idéia não é maior que certa falta de função precisa na máquina. Ainda pressupõe, como no caso normal, que a ordem é mantida pela separação de fenômenos locais, e ela está longe de apontar conseqüências positivas que a falta de completa separação teria. Dêsse modo, nossas idéias acêrca dos pro f Q flP1IJflÇ1Ç (IA L111P 11fl’i

afinal de contas, se em todos os condutores há uma pequena falha em certo ponto? Os processos locais não se misturariam? Se não, qual a outra coisa que os teóricos esperam que aconteça? Receio que êles tenham dificuldade em responder a esta pergunta. Comparemos, mais uma vez, a teoria com a observação. Ficou-nos perfeitamente claro que a constância do brilho e a constância do tamanho são, como fatos, incompatíveis com as presunções da teoria mecanicista, pois, em ambos êsses casos, a experiência sensorial não é, com tôda a certeza, determinada apenas pelos estímulos locais correspondentes. Precisamente devido a essa dificuldade, lembramos, recorreu-se às explicações empíricas. Como porém, neste meio tempo, a psicologia animal oferecía sólidas provas contra essas explicações, deve-se presumir, agora, que não podem ser corretas nem a presunção empírica nem a nativista. Devemos, assim, tentar encontrar uma espécie de função que seja bem ordenada e, ao mesmo tempo, não inteiramente submetida às disposições herdadas ou adquiridas. Se existir tal alternativa, teremos de aplicá-la também a outras observações, tais como as constâncias do formato, velocidade, localização, etc., que

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são, em seu conjunto, tão semelhantes às constâncias do brilho e tamanho, que uma explicação satisfatória para estas, provàvelmente também será satisfatória para aquelas. Isso significa, naturalmente, que pode ser geralmente mal interpretada a alternativa entre as presunções nativista e empírica. A tese dos adeptos da introspecção, no sentido de que mudanças de atitude não têm influência sôbre a verdadeira experiência sensorial, também é incompatível com fatos reais. A tese quase que corresponde a uma definição arbitrária da verdadeira experiência sensorial. Graças à observação pura, podemos, “por introspecção”, transformar em dois cinzentos semelhantes o branco que se encontra na sombra e o prêto que se acha vivamente iluminado. Dificilmente poderia haver mais radical influência de atitude sôbre a experiência sensorial do que essa transformação. O mesmo é verdade no que diz respeito a todos os exemplos em que a introspecção destrói a experiência natural e encontra, assim, suas verdadeiras sensações. É amplamente reconhecido que isto é o que acontece na introspecção, pelo menos com referência a uma observação. Quando analisamos um som musical, podemos ouvir várias notas sucessivas que emergem da unidade original. Muitos admitem que, nesse caso, uma atitude especial transforma um dado sensorial em outro, e que o som ouvido como um só é um fato sensorial tão significativo como os sons harmônicos que aparecem durante a análise. Se isso fôr verdade, porém, como poderemos objetar contra experiências semelhantes em outros casos? Quanto à afirmação de que a experiência sensorial é um mosaico de fatos puramente locais, no sentido de que cada ponto de um campo sensorial depende exclusivanient “ 1

tica acêrca do que deve ser a natureza das coisas, apesar das experiências em contrário. Até onde alcança a observação, o estímulo retiniano local não determina sàzinho quais devem ser o tamanho, a forma, a localização e o brilho da experiência local, nem a velocidade retiniana sàzinha determina a velocidade vista, como seria o caso, se apenas a geometria dos fatos retinianos determinasse as experiências espaciais. No que diz respeito à observação, podem ser citadas muitas das chamadas ilusões, para mostrar que os processos locais dependem de conjuntos de estímulos. Até certo ponto, esta controvérsia acabará sendo resolvida por princípios pragmáticos: vencerá o lado cujos princípios se mostrarem mais fecundos para o maior progresso da Psicologia. Num caso de observação, quase todos os psicólogos estão de acôrdo que a experiência sensorial local não é determinada apenas pelo mero estímulo local. Ëste caso é o do contraste de côr, que, presentemente, a maior parte dos psicólogos supõe ser um efeito da interação no sistema nervoso. Aqui, a correlação ponto por ponto entre o estímulo retiniano e a experiência sensorial já não é mais defendida, porque é por demais evidente a determinação da experiência local por condições de uma área maior. Depois dessa concessão, porém, como poderemos continuar como se nada de sério houvesse acontecido? A ciência levou algum tempo para aceitar a evidência indiscutível, mesmo neste caso. Helmholtz negou-se a fazê-lo. Para salvar sua premissa fundamental, isto é, a determinação ponto por ponto dos fatos sensoriais locais pelos estímulos locais, êle, naturalmente, lançou mão de hipóteses empíricas. Em nossos dias, porém, depois de ter sido dado o primeiro passo, devemos compreender não sàmente que uma teoria do contraste cedeu lugar a outra, como também que já não pode ser sustentado um princípio fundamental em todo o campo da experiência sensorial. Quando, no futuro, verificar-se que uma experiência está em desacôrdo com o estímulo local, teremos de considerar a possibilidade de que, do mesmo modo que se dá com o contraste, tal experiência depende de um conjunto de estímulos e não apenas do estímulo local. Da mesma maneira, poderemos afinal compreender porque, em alguns casos, atitudes particulares do sujeito afetam a experiência sensorial. Uma vez tendo sido provado que a experiência sensorial em dado lugar é influenciada pelo estímulo em uma área maior, não há, naturalmente, motivo para que tal influência também não seja exercida por processos que acompanham uma atitude particular. Nos capítulos seguintes, estudaremos novos fatos que se voltam para a mesma direção. Há, em primeiro lugar, o que é geralmente chamado de organizaçao da experiência sensorial. A expressão refere-se ao fato de campos sensoriais terem, de certo modo, sua própria psicologia social. Tais campos não se apresentam nem como contínuos, uniformemente coerentes, nem como modelos de elementos redprocamente indiferentes, O que realmente percebemos consiste, antes de mais nada, em entidades específicas, tais como coisas, figuras, etc., e também grupos

de que essas entidades fazem parte. Isto demonstra a operação de processos em que o conteúdo de certas áreas é unificado e, ao mesmo tempo, relativamente segregado de seu ambiente. A teoria mecanicista, com seu mosaico de elementos separados, é, naturalmente, incapaz de explicar uma organização nesse sentido. Além disso, mostrou-se que muitas experiências sensoriais não podem ser relacionadas com condições puramente locais de estímulo, porque tais condições locais jamais dão origem a qualquer coisa semelhante àquelas experiências. Os fatos a que estou aludindo são atributos apenas de certas áreas do espaço e certas extensões na dimensão do tempo. Ora, processos físicos ampliados, cujas partes são funcionalmente inter-

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relacionadas, também podem ter características próprias, que não podem ser relacionadas com condições meramente locais. A teoria mecanicista do sistema nervoso, porém, exclui essa possibilidade, porque a presunção de processos ampliados com partes funcionalmente inter-relacionadas é incomparável com os principais dogmas de sua teoria. Na teoria mecanicista, como vimos, qualquer fato sensorial local é estritamente determinado pelo estímulo. Conseqüentemente, as características dos estímulos, em suas relações uns com os outros, não podem participar da determinação de experiência sensorial local, a não ser que os processos cerebrais tenham liberdade de exercer ação recíproca. A interação em Física, convém lembrar, depende inteiramente das “características em relação” dos fenômenos que atuam uns sôbre os outros. Ora, se passarmos em revista o conhecimento disponível no campo da experiência sensorial, verificamos que, em incontáveis exemplos, os dados da experiência sensorial local dependem da relação entre os estímulos locais e os estímulos nas vizinhanças. Isto é verdade no caso do contraste e da fusão tonal e também no das observações que foram discutidas no capítulo anterior. A constância do brilho, por exemplo, depende da relação da iluminação e do brilho no campo circundante com o brilho do objeto observado. Tornar-se-á, sem demora, claro que a organização, tal como definida há pouco, também depende das características locais, em suas relações umas com as outras. Em vista dêstes fatos, não estaremos, sem dúvida alguma, exagerando, se dissermos que a teoria mecanicista do sistema nervoso é de todo incapaz de justificar a natureza da experiência sensorial. Tudo nesse campo aponta para uma teoria, cujo aspecto principal reside em fatôres dinâmicos, e não em condições anatômicamente determinadas. Além disso, em muitas observações a dinâmica do campo é quase diretamente revelada ao sujeito. Tal é o caso, por exemplo, quando um estímulo súbito, ou uma alteração do estímulo, é seguida por eventos e não estados sensoriais. Suponhamos que uma figura brilhante surja de repente no escuro. Tal figura não apresenta imediatamente nem seu tamanho completo, nem sua localização exata. Aparece como um movimento energético de extensão, assim como de aproximação. E,

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quando desaparece de súbito, o faz com um movimento de contração e retrocesso. De acôrdo com a teoria mecanicista, tais observações são de todo incompreensíveis. Vejamos, ainda, o fato de que, no que se refere ao tacto, assim como à visão e à audição, objetos e fenômenos mudam de localização, quando são acrescentados outros objetos e fenômenos. O fisiologista Von Frey mostrou que, quando dois pontos do mesmo braço são tocados, ao mesmo tempo, à distância entre êles é muito menor do que a que corresponde às suas localizações, quando apresentadas isoladamente. Scholz e Kester mediram, ambos, a atração recíproca que apresentam duas luzes ou dois sons, em certas condições. Sem o grande prestígio histórico que a teoria mecanicista ainda goza, ninguém hesitaria em aceitar tais observações como prova da interação dinâmica, O movimento estroboscópico, que evidentemente pertence à mesma categoria, é hoje, em geral, conhecido como o fato no qual Max Werteheimer baseou seu primeiro protesto contra a teoria de mosaico da experiência sensorial.5 Se dois estímulos são sucessivamente projetados sôbre pontos diferentes da retina, o sujeito geralmente vê um movimento que começa do local do primeiro e termina na região do segundo (c/. Cap. III). Em condições favoráveis, os sujeitos não se referem a duas impressões, e, sim, a uma coisa que se estaria movendo de um lugar para outro. Como poderá explicar tais observações uma teoria que interpreta os campos sensoriais como mosaicos de fenômenos locais independentes? O movimento estroboscópico tem sido amplamente discutido e, como é natural, os argumentos empíricos desempenharam grande papel nos debates. Já não há dúvida, contudo, quanto ao ponto principal: se as condições objetivas e a atitude do observador não são inteiramente inadequadas, o movimento estroboscópico é um fenômeno notável. Afinal de contas, a arte cinematográfica se baseia no efeito estroboscópico. Há, é certo, gente que não confia na observação quando esta contradiz os postulados da teoria mecanicista. Talvez êstes opositores se convençam diante do fato de que, quando repetidos em determinada área, os movimentos estroboscópicos apresentam pós-imagens negativas de sua ocorrência, do mesmo modo que os movimentos comuns. Histàricamente, as pesquisas de Westheimer constituíram o comêço da Psicologia da Gestalt. Neste estudo, estou seguindo outra linha apenas porque duvido que o movimento estroboscópico represente o melhor material para ser usado como primeira introdução.6 Há, naturalmente, vários argumentos que têm servido para defender a oria mecanicista. Tem-se dito, algumas vêzes, que esta teoria apresenta uma imagem particularmente clara e simples da função nervosa, imagem que todo 5 Zeitschr. /. Psyc!Loi., 61, 1912. 6 Benussi contribuiu valiosamente para a pesquisa dêsses problemas. Sua obra sôbre fatos semelhantes no campo do tacto foi mencionada acima. Algumas características importantissimas do movimento estroboscópico foram 4eacobertas Dor Wertheimer e Ternus (PsVelwl. Forsch., 1926).

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o mundo pode compreender, uma vez que a ordem, na vida prática, é, por tôda parte, imposta por disposições ad hoc. Devo confessar que tal política de esfôrço menos científico me parece inaceitável. Quando uma questão se refere à

verdadeira natureza de certa matéria sob estudo, não devem ser levados em conta, de modo algum, o bem-estar e os hábitos do cientista. Além disso, sàmente os psicólogos, neurologistas e fisielogistas economizam tempo e esfôrço com presunções que explicam a ordem por disposições coercitivas do tecido. Seu problema é, apenas, empurrado para outros, pois, sempre que um problema de função é interpretado como sendo de disposições coercitivas, a ciência da evolução biológica da ontogenia e da filogenia é implicitamente solicitada a explicar a origem das disposições histológicas. Assim, o fato de evitarem-se dificuldades em algumas ciências significa mais dificuldades em outras ciências. Além disso, mais cedo ou mas tarde, problemas funcionais terão que ser encarados do ponto de vista funcional. Talvez seja possível explicar a ontogenia de estruturas anatômicas por disposições especiais que operam no ôvo e no germe, mas ninguém tentará explicar a filogenia por disposições que a tenham forçado a tomar determinado rumo. Outro argumento que poderia ainda ser apresentado é o de que, como é evidente na Anatomia, o organismo contém disposições especiais que asseguram a função adequada. Certamente tais fatos não podem ser negados. Um exemplo: o fato é provado pela simples existência de fibras conectivas entre os órgãos sensoriais e as partes correspondentes do cérebro. Não nos esqueçamos, contudo, que há outro sistema condutor do organismo que mostra claramente as limitações da teoria mecanicista. Nos vasos sanguíneos, muitíssimas substâncias são constantemente transportadas de certos lugares para outros. Sem dúvida, os vasos sanguíneos constituem um dispositivo “de transporte”, mas, dentro dêsse sistema, não existe dispositivo especial para transportar cada componente do líquido ao lugar adequado. Neste caso, a seleção e a ordem dependem apenas da relação entre as várias partes químicas do sangue e o estado dos vários tecidos na ocasião. Portanto, a existência de grandes órgãos no sentido anatômico da expressão não prova que todos os pormenores da função sejam mantidos em ordem por dispositivos mecânicos. Ouvimos dizer freqüentemente que as fibras dos nervos são na realidade condutores separados, pelos quais se movimentam impulsos essencialmente independentes. Duvido, porém, que ainda possamos admitir que os impulsos em várias fibras de determinado nervo se movimentem de maneira inteiramente independente uns dos outros. Além disso, pesquisas fisiológicas já não deixam dúvida de, no tecido ganglionar, as funções de células nervosas individuais são dinâmicamente inter-relacionadas. Se os fenômenos da experiência sensorial não podem ser explicados por disposições herdadas, nem por disposições adquiridas, qual é o fator decisivo na função sensorial? Voltemos à nossa observação de que, nos sistemas físicos, varia enormemente a influência relativa das condições topográficas, por um lado, e dos fatôres puramente dinâmicos, por outro. Nas máquinas típicas, o papel das condições topográficas prevalece a tal ponto que os fatôres dinâmicos servem apenas para provocar deslocamentos, ao longo de um caminho estabelecido por aquelas condições. Tais máquinas, contudo, representam um tipo especialissimo de sistema físico. Fora do estreito mundo das máquinas construídas pelo homem, há inúmeros outros sistemas físicos, nos quais a direção do processo de modo algum é completamente determinada pelas disposi’ ções topográficas.

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Consideremos uma gôta em uma corrente de água que se move por um tubo estreito. Por que se move a gôta? Se deixarmos de lado a inércia, concluímos que ela se move porque a pressão sôbre a água é mais forte à retaguarda da gôta que à sua frente. Enquanto as paredes do tubo excluírem tôda outra possibffidade, essa diferença de pressão só pode ter efeito em uma direção. Suponhamos, contudo, que não haja tubo e que a gôta faça parte de um volume muito maior de água. Nesse nôvo ambiente, a gôta também se moverá, provàvelmente, mais. Contudo, em tal situação, estará exposta a muitos gradientes de pressão e seu movimento terá a direção do gradiente resultante. Êsse movimento é, naturalmente, determinado de maneira tão rigorosa quanto era o movimento no tubo, mas não existem, agora, disposições coercitivas particulares em cada ponto que determinem sua direção. Na nova situação, qualquer gôta dentro da corrente segue sua trajetória particular, por motivos de ordem dinâmica; segue a fôrça resultante, em cada momento e em todos os lugares. Como são, porém, essas próprias fôrças determinadas em cada ponto? São determinadas por todos os deslocamentos e correspondentes mudanças de pressão, que ocorreram no momento anterior. De fato, até certo ponto também são determinadas pela trajetória em que uma gôta determinada se vem movendo. Tudo isso quer dizer, naturalmente, que é livre a interação entre as partes da água de que seu fluxo depende em cada ponto. Sem dúvida, em algum ponto de tal sistema os deslocamentos são, habitualmente, submetidos a rigorosas condições de limitação, como, por exemplo, por paredes que forçam a superfície do líquido a se mover ao longo de sua própria superfície. Se, contudo, não existirem tais condições coercitivas no interior do volume, caberá apenas à interação determinar o que acontecerá em cada ponto. Naturalmente, nada pode acontecer em determinado ponto que seja incompatível com a restrição imposta na superfície. Esta é, porém, a única maneira pela qual as condições limitadoras influenciam o fluxo. Sua influência se faz sentir pelo

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comportamento forçado do fluxo em sua vizinhança imediata e pelas conseqüências dinâmicas dêsse comportamento em tôdas as outras partes do volume. Fenômenos dêsse tipo é que são quase completamente impedidos nas máquinas, e as teorias neurológicas, ora dominantes, presumem que são êles também impedidos no sistema nervoso. A Psicologia da Gestalt não vê fundamentos convincentes para tal presunção. Ao contrário, sustenta que tais processos são de importância capital na Fisiologia e na Psicologia. Em um tubo, uma gôta de água se move em uma direção que leva à uniformização das diferentes pressões. Tal é a atuação de fôrças em todos os pontos de todos os sistemas. Quando a gôta é cercada por um maior volume de água, não sàmente seu próprio movimento, mas também o da corrente em seu conjunto, comprova a mesma regra. Agora, porém, a direção do fluxo em cada ponto também depende da

tendência dos fatôres dinâmicos de levar a cabo a uniformização das pressões. É possível construir tubos de tal maneira que, virtualmente, qualquer ordem particular pode ser imposta ao fluxo corrente em todo o sistema. Em tal caso, a ordem resultante é imposta pela exclusão do comportamento livre, isto é, dinâmicamente determinado. Naturalmente, devemos indagar se também pode resultar a ordem, quando a distribuição dos fenômenos depende do jôgo da livre interação. Terão tido razão os aristotélicos e os teóricos da função neural, ao presumirem que a livre interação conduz invariàvelmente à desordem? A princípio, o que acontece na natureza em tôrno de nós parece corroborar essa opinião: quando fôrças e processos se encontram cegamente, o resultado é, na maior parte, o caos e a destruição. Mas as situações em que isto se dá são, habitualmente, mais ou menos dêste tipo: no comêço, vemos uma coisa em repouso ou um processo que se desenrola de maneira uniforme. De súbito, nôvo fator, vindo de fora, atua sôbre a coisa ou o processo; pouco depois, outro elemento perturbador, independente do primeiro, se faz sentir, e assim por diante. Em tais circunstâncias, é verdade, pode suceder quase qualquer coisa, e o resultado final de tais acidentes acumulados será, provàvelmente, a destruição. Esta é, na minha opinião, a imagem que a maior parte dos homens tem em mente, quando se referem ao livre jôgo de fôrças na natureza — como se o impacto acidental fôsse a única forma de interação. Em nosso presente estudo, contudo, outras situações são muito mais interessantes. Por exemplo: se, em grande vaso, a água se move de uma maneira ou outra, haverá, em determinado momento, certa quantidade de pressão em cada ponto, e em tôda a parte as diferenças entre as pressões locais tendem a mudar a distribuição de água e seu fluxo. Suponhamos agora que o próprio vaso não se mude e que nenhum fator externo afete o sistema acidentalmente. Que resultará da constante interação entre as partes da água? Se tentássemos responder à pergunta, imaginando a água dividida em pequenos volumes, cada um dos quais se move com o grandiente resultante da pressão em seu lugar e, portanto, muda êste grandiente; se deduzirmos que, dessa maneira, o tipo do fluxo não permanecerá, geralmente, o mesmo, ainda que por diminuta fração de segundo, sentir-nos-emos logo inclinados a deixar de lado a tarefa, por estar além de nossa capacidade, e a concluir que não poderá resultar mais ordem nessa situação do que no caso em que os fenómenos dependem de acidentes acumulados. A êsse respeito, contudo, estaremos inteiramnte equivocados. Estaremos apenas projetando a nossa própria confusão no curso de acontecimentos objetivos, tornando-nos, assim, culpados de antropomorfismo. Os físicos adotam, diante da situação, um ponto de vista d todo diferente. Tanto a observação como o cálculo teórico os levam a concluir que, em geral, a interação dinâmica dentro de um sistema tende a estabelecer distribuições bem ordenadas.

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Voltemos ao exemplo que foi mencionado no comêço dêste capítulo. A notável ordem dos movimentos astronômicos parecia, aos teóricos aristotélicos, inexplicável sem a presunção de rígidas coerções, mediante as quais as estrêlas eram mantidas nas .justas trajetórias. Nos tempos modernos, ninguém acredita nas esferas de cristal, imaginadas antes, para servir a tais coerções. No entanto, os planêtas continuam a se mover em suas órbitas regulares. Evidentemente, não aprenderam a se mover dessa maneira bem ordenada. Segue-se que, muito à parte das coerções pré-estabelecidas ou adquiridas, deve haver outros fatôres que servem para estabelecer e manter essa notável ordem da função. Segundo a concepção moderna do sistema solar foi, naturalmente, o jôgo livre dos vetores gravitacionistas que causou, e ainda mantém, a ordem dos movimentos planetários. Se diversos fios retos são suspensos, irregularmente distribuídos, apontando para diferentes direções, uma corrente elétrica, que por êles passe, lhes dará, imediatamente, direções paralelas. É um resultado bem ordenado da interação eletrodinâmica. Suponhamos, ainda, que seja despejado óleo em um líquido, com o qual não se mistura. Apesar da violenta interação das moléculas na superfície comum dos líquidos, o limite permanece nftidamente definido. Evidentemente essa distribuição ordenada não é imposta por quaisquer formas rígidas de coerção; resulta,

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pelo contrário, precisamente dos fatôres dinâmicos que atuam na região delimitadora. Se a densidade específica de ambos os líquidos fôr a mesma, as fôrças superficiais mudarão a forma do óleo até que se forme uma pequena esfera, que flutua no outro liquido. Poderiam ser acrescentados fàcilmente inúmeros outros exemplos. Não há dúvida de que, enquanto a dinâmica não fôr perturbada por impactos acidentais vindos do exterior, sua tendência é no sentido de estabelecer distribuições bem ordenadas. Qual a explicação dessa tendência? Procurarei oferecer uma resposta em poucas palavras. Em tais sistemas há, em determinada ocasião, certa fôrça resultante em cada ponto. Tôdas essas fôrças resultantes constituem, juntas, uma forma contínua de tensão. Para o sistema em seu conjunto, o efeito imediato só pode ter uma direção: tôdas as mudanças locais devem ser tais que, quando consideradas em sua totalidade, levam o sistema mais perto do equilíbrio de fôrças. O fator da inércia, é verdade, pode causar desvios temporários dessa simples regra, mas, em muitos sistemas, as velocidades inertes são de pronto destruídas pelo atrito, de sorte que o verdadeiro desenvolvimento apresenta a regra em sua forma pura e um equilíbrio bem ordenado é logo atingido. (É importante saber que isso se aplica ao sistema nervoso. Não há processos em tal sistema que sejam influenciados por velocidades inertes), O fato de o resultado final constituir sempre uma distribuição bem ordenada foi explicado com simplicidade por Ernst Mach: nas distribuições bem ordenadas, a disposição de fôrças é tão regular quanto é a distribuição do material. É claro, porém, que, nas disposições regula- 78

res, as fôrças são mais bem equilibradas do que nas distribuições irregulares. Assim, uma vez que a interação não perturbada atua na direção do equili’brio, deve ela atuar no rumo da distribuição bem ordenada tanto de fôrças como de materiais. A autodistribuição dinâmica nesse sentido é o tipo de função que a Psicologia da Gestalt acredita ser essencial na teoria neurológica e psicológica. De modo mais particular, presume-se que a ordem de fatos em um campo visual constitui, em grau elevado, o resultado de uma tal autodistribuição de processos. De acôrdo com êsse ponto de vista, um campo visual estacionário corresponde a uma distribuição bem ordenada de processos ocultos. Quando as condições mudam, os desenvolvimentos resultantes serão sempre na direção do equili’brio. Como se relaciona êste ponto de vista com o fato de dependerem os processos visuais do estímulo retiniano? As autodistribuições de processos, devemos lembrar, não ocorrem geralmente sem coerções impostas. Em nosso caso particular, as disposições dos estímulos retinianos estabelecem disposições semelhantes de reações £otoquímicas no ôlho. Os neurologistas afirmam que, entre a retina e o setor visual do cérebro, a condução é, mais ou menos, uma questão de caminhos separados e que, como conseqüência, as disposições dos processos retinianos são, até certo ponto, repetidas no cérebro visual. Se isto é verdade, as autodistribuições dinâmicas aí começam, e as condições a que estão sujeitas constituirão as disposições que os impulsos procedentes da retina impõem ao córtex visual. Não temos motivos para negar que a tarefa que esta teoria enfrenta é enormemente mais difícil do que qualquer coisa que a teoria mecanicista tem de tratar. Quando qualquer indagação sôbre a distribuição de processos é respondida em função de disposições anatômicas, não serão necessários muitos conhecimentos acêrca da natureza dos processos envolvidos. Por outro lado, uma teoria em que a dinâmica desempenha um papel essencial não pode ser formulada sem conhecimento dos princípios de auto-distribuição em geral, ou sem hipóteses acêrca da natureza dos processos participantes. Na ausência de provas fisiológicas suficientes, relativas a êsses processos, as hipóteses sôbre sua natureza só podem derivar de fatos da experiência sensorial. Na situação agora apresentada, tais hipóteses também só podem ser verificadas por meio de novas observações nesse campo. Será necessário ainda algum tempo antes de podermos pisar terreno firme. Deve ser lembrado, contudo, que quaisquer perplexidades que possamos encontrar em nosso caminho, de modo algum devem ser relacionadas com o conceito fundamental da autodistribuição dinâmica. Elas podem ser causadas por hipóteses errôneas a respeito de processos particulares, aos quais êsse conceito deve ser aplicado, no caso do cérebro humano. A dinâmica desempenha um papel tão apagado na teoria contemporânea, que as expressões usadas nos parágrafos anteriores podem parecer um tanto misteriosas a muitos psicólogos. Em conseqüência, haverá

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suspeitas quanto às intenções da Psicologia da Gestalt. Por êsse motivo, parece conveniente fazer-se, neste ponto, o seguinte esclarecimento: os conceitos aos quais nos referimos neste capítulo, de modo algum estão relacionados com as

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noções vitalistas. Ao contrário, futuramente nossas concepções dinâmicas poderão servir para enfrentar as objeções que o vitalismo apresentou à interpretação científica da vida. Se isso acontecer, as teorias mecanicistas da vida perderão terreno; afinal de contas, os argumentos vitalistas contra essas teorias são, às vêzes, bastante convincentes. O vitalismo, porém, não irá tirar proveito, pois, de suas objeções contra as teorias mecanicistas concluiu êle errôneamente que os principais problemas de biologia não podem ser resolvidos dentro da ciência natural. Nossas concepções sugerem novos meios de estudar aquêles problemas precisamente em tais condições. BIBLIOGRAFIA K. Koffka: The Growth o! the Mmd. 1924. W. Kôhler: Gesta,ltprobleme und Anfange einer Gestctlttheorie. 1924. W. Kihler: “Komplextheorie und Gestalttheorie” Psijclwl. ForBch. 6, 1925. W. KoMer: Die plvyeischen Ge8talten in Ruhe und im stationiren Zu8tand. 1920. W. Kôhler: The Place of Vcrlue in a World of Fats (Cap. VIII) 1938.

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