0 ao direito sumarios desenvolvidos 2008-2009

89
 INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos INTRODUÇÃO AO DIREITO Sumários desenvolvidos Introdução A possibilidade de, como juristas, interpelarmos directamente o direito. A  pergunta dirigida ao quid jus orientada por uma intenção normativa — distinta da exigência de dist anci ação metanormativa imposta por uma abo rda gem analíti co- -epistem ológica, por uma determinação sociológica ou por uma reconstrução semiótica (todas elas a pos tul ar em o dir ei to como objecto investigável ) ... ma s ta mbém inconfundível com a preocupação reflexiva radical da interrogação filosófica [esta última a remeter-nos ao originarium do sentido «civilizacional» do direito, nas suas condições, funções e fundamento material]. Algumas especificações indispensáveis. 1. O contraponto com os problemas de quid juris (questões suscitadas na  perspectiva do direito e que o postulam como «perspectiva investigante» ou como intenção). 2. A recusa de uma abordagem que distinga os problemas de direito e o  problema do direito confiando-os a «territórios» estanques (para admitir que só os  primeiros importam hoje ao  jurista). A nossa circunstância a exigir uma interpenetração cada vez ma is exigen te dos refer idos «territórios» ou das que stões a que estes respondem. 3. A intenção normativa (capaz de orientar uma  perspectiva interna ) e o seu  problema-desafio no nosso contexto prático-cultural: (a) a procura de uma perspectiva interna distinta daquela que o discurso jurídico do século XIX nos ensinou a reconhecer (remissão para um dos temas capitais do nosso curso…e que o justifica enquanto tal!); 1

Upload: bruno-nadais

Post on 11-Jul-2015

179 views

Category:

Documents


3 download

TRANSCRIPT

Page 1: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 1/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

INTRODUÇÃO AO DIREITO

Sumários desenvolvidos

Introdução

A possibilidade de, como juristas, interpelarmos directamente o direito. A

 pergunta dirigida ao quid jus orientada por uma intenção normativa — distinta da

exigência de distanciação metanormativa imposta por uma abordagem analítico--epistemológica, por uma determinação sociológica ou por uma reconstrução semiótica

(todas elas a postularem o direito como objecto investigável )  ... mas também

inconfundível com a preocupação reflexiva radical da interrogação filosófica [esta

última a remeter-nos ao originarium do sentido «civilizacional» do direito, nas suas

condições, funções e fundamento material].

Algumas especificações indispensáveis.1. O contraponto com os problemas de quid juris (questões suscitadas na

  perspectiva do direito e que o postulam como «perspectiva investigante» ou como

intenção).

2. A recusa de uma abordagem que distinga os problemas de direito e o

 problema do direito confiando-os a «territórios» estanques (para admitir que só os

 primeiros importam hoje ao jurista). A nossa circunstância a exigir uma interpenetração

cada vez mais exigente dos referidos «territórios» ou das questões a que estesrespondem.

3. A intenção normativa (capaz de orientar uma  perspectiva interna) e o seu

 problema-desafio no nosso contexto prático-cultural:

(a) a procura de uma perspectiva interna distinta daquela que o discurso jurídico

do século XIX nos ensinou a reconhecer (remissão para um dos temas capitais do nosso

curso…e que o justifica enquanto tal!);

1

Page 2: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 2/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

(b) a procura de uma perspectiva interna num contexto de multiplicação

(fragmentação) das perspectivas de compreensão do direito (a superação do paradigma

do normativismo legalista e a impossibilidade de reconstruir um paradigma alternativo);

(c) a procura de uma perspectiva interna num contexto de reconhecimento e de

valorização dos «códigos» linguísticos e extralinguísticos que distinguem os grupos ou

 pequenas comunidades (de advogados, de juízes, de «académicos»)…

4. A antecipação (meramente alusiva) de uma resposta: uma experiência da

autonomia do direito que vê neste direito uma prática-procura (comprometida com um

exercício de demarcação humano/ /inumano) … mas então também um sentido-

exigência e uma experiência continuada de realização (apoiados num discurso

culturalmente autónomo). Ora uma prática- procura que encontra a sua «claridade

matinal» (plenamente assumida) na experiência da civitas romana (e na  praxis de

responsa que a ilumina). Uma prática-procura comprometida com uma «civilização»

(greco-romana, judaico-cristã e europeia)? [Uma acentuação esta última que nos

autoriza a compreender que o nosso problema seja também o do «sentido

civilizacional» do direito].

 

 Elementos de estudo:

 — A. CASTANHEIRA NEVES, « Relatório...», in Curso de

 Introdução ao Estudo do Direito — Textos compilados (Textos

de introdução ao estudo do direito), cit. (na  Bibliografia

 principal ), pp. 7-17 (pontos 2., 3. e 4.), 32-34 (pontos 7. e 8.),

58—65 (pontos 12 e 13)

 — Fernando José BRONZE, Lições de Introdução ao direito,

2º edição, Coimbra 2006, pp. 11-29.

2

Page 3: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 3/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

Primeira ParteO direito como dimensão da nossa

prática: o problema do seu «sentido

civilizacional»

Capítulo IO sentido geral do «projecto humano» do direito

1.  A experiência imediata da controvérsia concreta traduzida numa

abordagem perfunctória do seu contexto-correlato comunicacional: a reconstrução

analítica da ordem jurídica.

1.1. A controvérsia como problema prático mergulhado no mundo (o

originarium da comunicação-compreensão).

Os elementos da controvérsia juridicamente relevante:

α) a situação histórico-concreta partilhada;

β) o contexto-ordem (e a dogmática integrante que o estabiliza num sistema dereferências) [um horizonte integrante de fundamentos e de critérios estabilizados num

sistema]

γ) os sujeitos na sua autonomia-diferença [diversas posições sobre a mesma

situação histórico-concreta (a assumir no mesmo horizonte de fundamentos e critérios)];

δ) a exigência de «tratamento» (ou de assimilação) desta diferença [a

impossibilidade de ficar por uma resposta que se limite a confrontar ou a esclarecer 

afirmações possíveis da subjectividade-autonomia].

A controvérsia como litígio (versus diferendo) e a experiência de tratamento que

a (o) assimila. A convocação de um terceiro imparcial : a «tercialidade» que se exprime

num autêntico sujeito-julgador (que não é  parte!) e aquela que corresponde à

 pressuposição de um sistema de fundamentos e de critérios  jurídicos (e que nos liberta

assim de um decisionismo arbitrário).

3

Page 4: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 4/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

1.2. A pressuposição da ordem e a analítica que lhe corresponde.

1.2.1. Uma tectónica determinada por três grandes linhas estruturais (a assumir 

uma significativa herança de especificações das intenções à normatividade, se não

mesmo das dimensões da justiça): α) ordo partium ad partes; β) ordo partium ad

totum; γ) ordo totius ad partes.

Uma consideração atenta dos equilíbrios manifestados nesta estrutura (e nas suas

três linhas):

 —  a constância dos desempenhos relacionais e da intersubjectividade

que lhes corresponde (a conexão direitos / deveres) ;

 —  as diversas «qualidades» dos sujeitos ( privados e  públicos,

 privados e socii);

 — algumas especificações do equilíbrio paritário (primeira linha) e

da intenção à justiça (comutativa e correctiva) que nele se manifesta;

a) A «troca» nas «transacções particulares voluntárias» (na «troca de

 bens feita de livre vontade»), iluminada pelas categorias da «perda» e

do «ganho» e associada a uma dinâmica de  participação — uma

dinâmica sustentada numa exigência de igualdade das prestações e

das expectativas que lhe correspondem... mas nem por isso menos

compossível com o «lucro» (e nestes sentido também a admitir o

risco do «prejuízo»). O exemplo paradigmático do contrato  privado.

b) As «transacções particulares involuntárias» e a pretensão-

exigência de repor o equilíbrio (de integração)  perturbado [«De tal

sorte que o justo nas transacções involuntárias [seja] o que está no

meio termo entre um certo lucro e um certo prejuízo: é ter antes e

4

Page 5: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 5/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

depois uma parte igual»]. O exemplo da responsabilidade civil :  o

objectivo de tornar o lesado indemne (sem dano, na situação em que

estaria se não tivesse ocorrido o dano).

A lição da Ética a Nicómaco de ARISTÓTELES (Livro V, IV, 1131-1132)

 —  as distintas «máscaras» do sujeito comunitário (da comunidade

de valores ou de «bens jurídicos» à societas-providência) [uma breve alusão

(remissiva) a duas imagens da societas politicamente organizada em Estado:

(a) aquela em que o «estatuto» universal da cidadania é dominado pela

garantia da compossibilidade dos arbítrios (Estado demo-liberal) e... (b)

aquela em que o mesmo estatuto é dominado pela efectividade da expansão-generalização dos benefícios (Estado social ou Estado Providência)].

  — os compromissos práticos implicados (que autonomia? que

responsabilidade?) [remissão];

 —  o esboço plausível de uma representação da justiça ou das

intenções que a determinam ( justiça comutativa e correctiva / justiça geral e

 protectiva / justiça distributiva).

Excurso (a desenvolver nas «aulas práticas»): o contraponto direito público /direito privado e os critérios tradicionais da distinção.

 Elementos de estudo:

 —  A.CASTANHEIRA NEVES, « O direito (O problema dodireito)/O sentido do direito...»,in Curso de Introdução ao Estudo do

 Direito — Textos compilados, 1-13.

 —  Fernando José BRONZE, Lições de Introdução ao direito,cit., 31-58.

 Excurso:

 —  MOTA PINTO, Teoria geral do direito civil , 4ºed.,Coimbra Editora 2005, pp. 35-46.

  Leitura recomendada:

5

Page 6: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 6/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

J. BAPTISTA MACHADO,   Introdução ao direito e aodiscurso legitimador, Coimbra 1983 (sucessivamente reeditado),63-77 (capítulo III).

Proposta de trabalho

Considere com atenção as seguintes proposições normativas, procurando fazer 

corresponder às linhas de estrutura da ordem jurídica as exigências e os tipos de

 problemas nelas considerados≈ :

(a) «Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou

 propalar factos inverídicos, capazes de ofenderem a credibilidade, o prestígio ou

a confiança que sejam devidos a pessoa colectiva, instituição, corporação,

organismo ou serviço que exerça autoridade pública, é punido com pena de

 prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias»

(b) « Quem no seu próprio interesse utilizar quaisquer animais responde pelos danos

que eles causarem, desde que os danos resultem do perigo especial que envolve

a sua utilização.»

(c) «Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família,

no seu domicílio ou na sua correspondência..»

(d) «É nulo o testamento em que o testador não tenha exprimido cumprida e

claramente a sua vontade, mas apenas por sinais ou monossílabos, em resposta a

 perguntas que lhe fossem feitas. »

(e) «Beneficiam de uma redução do Imposto sobre o Rendimento (IRS ou IRC)

todas as a pessoas singulares ou colectivas que apoiem, através da concessão de

donativos, entidades públicas ou privadas que exerçam acções relevantes para o

desenvolvimento da cultura portuguesa.»

(f) «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem (..)

fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.»

  Na sua resposta não deixe de caracterizar as intenções que sustentam cada uma das

linhas em causa.

6

Page 7: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 7/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

(g) «Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo,

  por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou,

determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa,

 prejuízo patrimonial, é punido com pena de prisão até 3 anos»

(h) «O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e

será único e progressivo...»

(i) «Têm direito de sufrágio todos os cidadãos maiores de dezoito anos.»

1.2.2. Uma tradução  funcional : (a) a função primária ou prescritiva (o direito

como princípio de acção e critério de sanção).

1.2.2.1. A especificidade (-objectividade) mundanal-social dos problemas jurídicos. O mundo como o «meio em que decorre a existência humana» (a natureza

assimilada e transformada numa intenção vital  / os artefactos e as obras produzidos

numa intenção instrumental  / os sentidos e os referentes culturais criados e

reproduzidos numa intenção comunicativa e na interacção que lhe corresponde). A

mediação positiva e negativa dos outros.

1.2.2.2. O confronto moralidade (ética) / direito (mas também, e no limite, o problema do confronto entre as relações jurídicas e as relações intimamente pessoais, de

amizade e de amor) experimentado na «estrutura» imediata de determinação dos seus

 problemas.

1.2.2.2.1. A intersubjectividade ou bilateralidade atributiva dos problemas

 jurídicos como nota distintiva capital (uma nota que podemos convocar mesmo quando

se trate de assumir uma compreensão da moralidade determinada por uma exigência de

7

Page 8: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 8/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

universalidade formal-racional ou de qualquer modo traduzida em critérios-regras

abstractamente formulados).

(a) A conexão exterioridade /ponto de vista externo.

A proposta de KANT:A moralidade a garantir a liberdade interna do sujeito e a impor umamotivação pelo dever (uma «adesão íntima e profunda da consciência aos motivos do agir»). A

 juridicidade a garantir a liberdade externa e a exigir apenas uma conformidade exterior da

acção ao critério-norma..

«A legislação que faz de uma acção um dever e simultaneamente desse dever um móbil é ética.

Mas a que não inclui o último na lei e que, consequentemente, admite um móbil diferente da

ideia do próprio dever é jurídica (…) A mera concordância ou discordância de uma acção com

a lei, sem ter em conta os seus móbiles, chama-se legalidade–  Legalität  (conformidade com alei), mas aquela em que a ideia de dever decorrente da lei é ao mesmo tempo móbil da acção

chama- -se moralidade- Moralität (eticidade) da mesma. Os deveres decorrentes da

legislação jurídica só podem ser deveres externos...» (KANT, Metafísica dos costumes, 1797,

Introdução, III «De uma divisão da metafísica dos costumes»)

(b) A conexão intersubjectividade (bilateralidade atributiva) /exigibilidade/ 

executabilidade [A intersubjectividade em DEL VECCHIO e COSSIO: ver com muita

atenção C. NEVES, «O direito (O problema do direito)/O sentido do direito...»,cit., pp.20 e 21, nota 18].

«O que nos permite começar a ver aqui a nota decisivamente diferenciadora do direito

 perante a moral — esta poderá ser apenas ad alterum e de sentido puramente imperativo (i.é, com a

exclusiva categoria do dever), mas o direito não poderá deixar de se manifestar numa

“bilateralidade atributiva” (i. é, com as correlativas categorias de direito e de dever ou obrigação).

Pelo que se poderá dizer que o princípio da moral está nos deveres — no ponto de vista do outro ou

no rosto do outro que me interpela (LEVINAS) — e o princípio do direito está simultaneamente nosdireitos (no ponto de vista do eu) e nos deveres (no ponto de vista do outro e dos outros) pela

mediação do comum da vida social.» (CASTANHEIRA NEVES, O problema actual do direito.

Um curso de Filosofia do Direito, Coimbra-Lisboa 1994)

«A bilateralidade atributiva distingue sempre o Direito, porque a relação jurídica não toca apenas a um

sujeito isoladamente, nem ao outro, mesmo quando se trate do Estado, mas sim ao nexo de polaridade e

de implicação dos dois sujeitos. Existe conduta jurídica porque existe medida de comportamento que nãose reduz nem se resolve na posição de um sujeito ou na do outro, mas implica concomitante e

8

Page 9: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 9/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

complementarmente a ambos. (…) Se dizemos que uma conduta jurídica não se caracteriza, nem se

qualifica somente pela perspectiva ou pelo ângulo deste ou daquele sujeito, mas pela implicação de

ambos, compreenderemos a possibilidade daquilo que chamamos exigibilidade. Tratando-se de uma

conduta que pertence a duas ou mais pessoas, quando uma falha (voluntariamente ou não),à outra éfacultado exigir. Da atributividade decorre a exigibilidade...» (Miguel REALE,  Filosofia do direito, 9ª

edição, São Paulo, 1982, pp.687-688),

O exemplo de PETRAZISKY reconstituído por Miguel REALE: «Petrasisky imagina que

um grande senhor, ao sair de seu palácio para tomar um coche, se encontre com um velho

 postado à sua porta, à procura de auxílio. Poucos rublos bastariam, para atender à sua aflição, mas

o nobre prossegue indiferente e imperturbável o seu caminho. Toma o coche e, ao chegar ao seu

destino, recusa-se a pagar o preço do serviço prestado.» O confronto entre imperatividade pura eimperatividade atributiva: «A moral determina que se faça mas ao destinatário do comando cabe

fazer ou não; ao passo que o direito se caracteriza porque ordena e ao mesmo tempo assegura a

outrem o poder de exigir que se cumpra...» ( Ibidem, p.691)

1.2.2.2.2. A comparabilidade ou tercialidade exigida pelas controvérsias

  jurídicas (uma nota distintiva que se torna particularmente importante quando

confrontamos o universo do direito com o das experiências pessoais de amor ou deamizade... mas também, hoje muito especialmente, quando invocamos compreensões da

ética ou da justiça ligadas à experiência de uma singularidade irrepetível).

A infungibilidade do sujeito eticamente (e também pessoalmente) relevante — 

mergulhado num horizonte «simbólico-cultural» e não obstante preservado como

absoluto, na integridade irrepetível das suas dimensões — e a «fungibilidade»-

correlatividade do sujeito jurídico — criado pela mediação constitutiva do mundo e

assim determinado pela posição relacional que os modos situacionalmentecomunicativos desse mundo (ao assegurarem uma trama de direitos e de obrigações) lhe

impõem [A autonomização do direito como prática comunitariamente  prudencial  (na

experiência dos jurisconsultos romanos) reconstituída a partir do «isolamento» dos seus

sujeitos e destes como máscaras de direitos e deveres intersubjectivamente

sustentados].

O confronto exemplar entre uma ética da incomparabilidade e da

singularidade e a exigência de comparação inscrita na estrutura da controvérsia juridicamente relevante (os exemplos decisivos das parábolas do  filho pródigo e

9

Page 10: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 10/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

dos trabalhadores da vinha). A mediação-interrupção do terceiro ou do tertium

comparationis (quer enquanto sujeito imparcial , quer sobretudo enquanto sistema

de fundamentos e critérios): a mediação que nos obriga a comparar e que converte

os únicos e incomparáveis em sujeitos relacionais de direitos e de deveres [Aquelamediação-tertiallité interrompe o  face-à-face e condena-nos a submeter os rostos

nus às “formas plásticas” da “representação” e da “objectividade”: muito

simplesmente porque nos obriga a “comparar” os únicos e incomparáveis e a

escolher entre eles. Uma escolha que perturba originaria e irremediavelmente o

“continuum” ético-prático de um “duelo de rostos” e que nos obriga assim a

frequentar  os lugares que a assunção de uma responsabilidade  puramente ética

deve evitar] .

1.2.2.3. A institucionalização normativa dos meios capazes de garantir a «eficácia»

social que o nexo intersubjectividade/ exigibilidade/ executabilidade impõe (e

determina): o problema da sanção. A bilateralidade atributiva dos problemas jurídicos

cria (performativamente) realidades novas. As sanções positivas (promocionais) e

negativas (repressivas): as primeiras a «potenciar as efectivas possibilidades de

realização da intersubjectividade social», as segundas como «restrições e proibições que

acrescentam à negatividade do ilícito a sua própria negatividade real» (a sanção a

autonomizar-se da estatuição da norma-critério).

Excurso I: a estrutura lógica da norma 

A articulação hipotético-condicional  se...→então [hipótese ou previsão →

estatuição ou injunção:  se ocorrerem determinados acontecimentos na realidade — 

delimitados na sua relevância problemática e comprovados na sua referencialidade —...→ então a resposta-solução do direito será esta...]

O problema da coacção (um esboço introdutório do problema das relações

direito/poder). A exigência de considerar a coacção apenas como um meio-instrumento

entre outros meios-instrumentos de efectivação prática da normatividade jurídica. A

impossibilidade de partir da experiência (limitada) deste meio para identificar o

universo do direito. A exigência de recusar uma caracterização do projecto prático-

10

Page 11: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 11/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

-cultural do jurídico que mobilize as notas da coercitividade (coacção actual, efectiva)

ou mesmo da coercibilidade (coacção virtual ou possível)

Excurso II: uma consideração exemplar de alguns tipos de sanções.

a) Sentido das sanções reconstitutivas e compensatórias.

b) Modalidades de ineficácia..

c)  Penas e medidas de segurança

d) Sanções preventivas

e) A especificidade dos ónus

 Elementos de estudo:

 —  A.CASTANHEIRA NEVES, « O direito (O problema dodireito)/O sentido do direito...»,in Curso de Introdução ao Estudo do Direito, cit., 14-35. —  Fernando José BRONZE, Lições de Introdução ao direito,cit., 60-76

 Excurso II 

 —  A. SANTOS JUSTO,  Introdução ao estudo do direito, 3ªed., Coimbra Editora 2006, pp. 158-163.

1.2.2. Uma tradução funcional : (b) a função secundária ou organizatória .

A exigência de construção-estabilização da ordem traduzida num plano explícito

de auto-observação — já também (digámo-lo com TEUBNER!) de autodescrição e

autoconstituição reflexiva. A constituição-estabilização de situações institucionais

específicas (a exigência de um cosmos prático-cultural).

11

Page 12: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 12/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

1.2.2.1. O momento da  procura de unidade (a «modalidade» sistemática).A

 possibilidade de estabelecer critérios secundários ou de segundo grau que procurem

assegurar essa procura (ou torná-la menos complexa). Alguns problemas possíveis.

(a) A concorrência sincrónica de critérios primários — também, como veremos

à frente, o confronto entre as soluções-respostas prescritas ou consagradas por estes

critérios (legais, jurisdicionais ou dogmáticos) e as exigências ou compromissos

assumidos pelos princípios fundamentos. O problema das antinomias. Alusão a alguns

critérios-regras que se preocupam em solucionar este problema, quando estão em causa

normas legais situadas em patamares hierarquicamente diferentes (lex superior derogat 

legi inferiori)… ou normas situadas no mesmo patamar, mas relacionáveis em termos

de regime geral /regime especial (lex specialis derogat legi generali).

A acentuação de que muitos destes problemas de convergência-conflito só

 podem ser tratados em concreto na perspectiva do caso. De tal modo que a procura de

unidade passa então a ser reflexivamente traduzível apenas num plano metodológico — 

desencadeando eventualmente (ainda que não necessariamente!) um problema de

construção-objectivação de possíveis regras-cânones, explícitas ou implícitas , ditas

regras e /ou esquemas de juízo (por exemplo, o «cânone» de que deve ser dada

 prevalência às intenções dos princípios-fundamentos).

(b) A concorrência no espaço (a plurilocalização dos elementos do problema-

-controvérsia a conexionar diversas ordens nacionais). As normas de Direito

Internacional Privado como critérios secundários.

(c) A convergência-concorrência diacrónica dos critérios (e muito especialmente

das normas legais). O problema da « “aplicação” das leis no tempo» (remissão)

 Elementos de estudo:A.CASTANHEIRA NEVES, « O direito (O problema do direito)/O sentido dodireito...»,in Curso de Introdução ao Estudo do Direito, cit., 36-39.Fernando José BRONZE, Lições de Introdução ao direito, cit., 77-83

1.2.2.2. O momento de assunção da dinâmica histórica (dito de desenvolvimento

constitutivo). O contraponto entre estabilização dogmática e mutação. A novidade

irredutível dos casos, a exigir respostas que não estão pré-determinadas.

Exemplos de critérios secundários associáveis a este momento:

12

Page 13: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 13/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

(a)as prescrições que se propõem enfrentar (num plano-perspectiva

 político-constitucional) o problema das fontes do direito [v. artos. 1º a 4º

do Código Civil] ;

(b) os critérios ou cânones da doutrina que tematizam este mesmo

 problema (nesta ou noutras perspectivas);

(c) as normas legais que enfrentam o problema do começo e da cessação

da vigência das leis [alusão às categorias da vacatio legis («o tempo que

decorre entre os momentos da publicação e da entrada em vigor da

norma legal»), da caducidade e da revogação (expressa ou tácita, global

ou específica, total ou parcial) associáveis ao problema da vigência

 formal da lei (ver artºs 5º e 7º do Código Civil)].

Uma primeira alusão aos problemas das normas caducas e obsoletas

(enquanto normas  formalmente vigentes), a exigirem já uma mediação reflexiva

metodologicamente assumida (que também aqui poderemos especificar em cânones

ou regras de juízo).

1.2.2.3. O momento da realização orgânica: os critérios que criam formalmente

orgãos e que lhes atribuem poderes e competências (definindo o círculo de problemas

relevantes que estes podem enfrentar), na mesma medida em que hierarquizam as suas

relações. Exemplos extraídos da parte III da Constituição («Organização do poder 

 político»).

1.2.2.4. O momento da determinação-realização procedimental que, sendo

indissociável do anterior, corresponde não obstante a uma autonomização de regras de

 processo — aquelas que o  jogo ou modus operandi das tomadas de decisão  juridicamente relevantes (a começar decerto por aquelas que tais orgãos assumem)

deverá constitutivamente respeitar.

O momento institucional-processual como condição adjectiva do juízo decisório

(a institucionalizar um percurso-iter de tomada de decisão e o modus que este deverá

assumir): um confronto com as condições normativas  substantivas — asseguradas pelos

fundamentos e critérios materiais do ordenamento jurídico (enquanto prosseguem

nuclearmente uma função primária) — e com a especificidade dos cânones e esquemasde juízo (justificados pelo problema e pelo discurso metodológicos).

13

Page 14: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 14/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

Partindo do exemplo de uma controvérsia entre as  partes A e B — na qual

A se diz proprietário de um prédio rústico encravado e como tal titular de um

direito potestativo (do direito de exigir a constituição de uma   servidão de passagem sobre o prédio de B)… e B se recusa a reconhecer esta faculdade… —,

admita que, para responder juridicamente a esta controvérsia, o juiz-terceiro se

confronta com os seguintes critérios:

(a) «Os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via

 pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou

dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem

sobre os prédios rústicos vizinhos» (Código Civil, art. 1550, nº 1)

(b) «Concluída a discussão do aspecto jurídico da causa, é o processo

concluso [i.e, enviado, com termo de conclusão] ao juiz, que proferirá sentença

dentro de 30 dias» (Código do Processo Civil, art. 658º)

(b)’ «A sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio,

fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar» (Código do Processo

Civil, art. 659 nº1)

(c) «A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a

 partir dos textos o pensamento legislativo… » (Código Civil, art. 9 nº1)

Prescindindo de uma apreciação destes critérios — veremos que o último

enfrenta um problema que não compete afinal ao legislador (porque é antes da

competência da reflexão metodológica e do pensamento jurídico que criticamente

a assume)! —, procure mostrar porque é que se pode dizer que o critério (a)

corresponde a uma função primária e os outros três a uma função secundária, mas

também porque é que os critérios (b) e (b)’ identificam regras de procedimento e

o critério (c) uma regra de juízo ou de  julgamento (entenda-se, um cânone

metódico).

14

Page 15: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 15/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

Excurso-Leitura  (HART e TEUBNER e as regras

secundárias)¥

Leia com atenção este excerto deThe Concept of Law

(1961) de Herbert HART(1907-1992), uma obra capital do pensamento jurídico do século XX. Procure depois

reflectir sobre a caracterização das funções secundária da ordem jurídica com que

este texto nos confronta (corresponderão as notas invocadas a todos os momentos

que autonomizámos? que outras dimensões lhe parecem relevantes? e que dizer da

distinção nele proposta entre regras primárias e secundárias?).

«Se quisermos fazer justiça à complexidade de um sistema jurídico, é preciso distinguir dois tipos de

regras diferentes, embora relacionados. Por força das regras do primeiro tipo, que bem pode ser 

considerado primário ou básico, é exigido aos seres humanos (quer estes queiram quer não!) que realizem

ou se abstenham de realizar certas acções. As regras do outro tipo são por assim dizer  parasitas ou

 secundárias em relação às primeiras: porque asseguram que os seres humanos possam criar, extinguir ou

modificar as regras anteriores, ou determinar de diferentes modos a sua incidência ou fiscalizar a sua

aplicação. As regras do primeiro tipo impõem deveres (regras de comportamento), as regras do segundo

tipo atribuem poderes, públicos ou privados (regras de reconhecimento, de transformação e de decisão-

 julgamento). As regras do primeiro tipo dizem respeito a acções que envolvem movimento ou processos

de mudança físicos; as regras do segundo tipo tornam possíveis actos que conduzem não só a um

movimento ou a processos de mudança físicos mas também à alteração de deveres ou obrigações. (…) O

direito pode ser caracterizado (…) como uma união de regras primárias e secundárias…» (HART, The

Concept of Law, capítulo V)

Para poder fazer um comentário mais conseguido a este texto, importará de resto

saber um pouco mais sobre as regras secundárias autonomizadas por HART.

  Tratando-se assim de distinguir três planos ou degraus analíticos: o primeiro

ocupado pela (importantíssima) regra de reconhecimento (uma regra «raramente

formulada de forma expressa na vida quotidiana de um sistema jurídico»!) e os

outros (respectivamente) pelas regras de mudança-transformação e de decisão-

 julgamento.

¥ Só mais tarde estaremos em condições de perceber que a caracterização das normas secundárias proposta por HART e por TEUBNER  se nos impõe indissociável das compreensões do direito que osautores em causa explicitamente assumem (se não mesmo como «sinais» claríssimos dessas concepções)!

15

Page 16: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 16/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

(a) A regra de reconhecimento (rule of recognition) [e as regras que a especificam]:

uma regra (última!) que, uma vez aceite, combate a incerteza que pode resultar da

convocação das regras primárias (ditas de comportamento)…(a)’ enquanto indica-identifica autoritariamente — por referência a uma certa

característica geral possuída por tais regras primárias (por exemplo, o «facto» de

terem sido prescritas por um determinado orgão legislativo ou construídas por uma

certa experiência consuetudinária ou judicial) — quais são os critérios de

comportamento-acção que devem ser (validamente) reconhecidos como jurídicos e

como tal dotados de autoridade- potestas…

(a)’’… mas também enquanto hierarquiza e unifica estes critérios (ordenandoas respectivas características gerais, se porventura for indicada mais do que uma)

[definindo um critério de superioridade que beneficie uma delas].

•«Ao conferir uma marca dotada de autoridade, a regra de reconhecimento

introduz, embora de forma embrionária, a ideia de sistema jurídico; porque as

regras [primárias] não são agora apenas um conjunto discreto e desconexo, mas

estão, de modo simples, unificadas…» (HART, The Concept of Law, capítulo V, 3.)

•• «Onde quer que uma tal regra de reconhecimento seja aceite, tanto oscidadãos particulares como as autoridades dispõem de critérios dotados de

autoridade para identificar as regras primárias de obrigação…» (Ibidem, cap.VI, 1.)

••• «Dizer que uma determinada regra é válida é reconhecê-la como tendo

passado todos os testes facultados pela regra de reconhecimento…» (Ibidem,

cap.VI, 1.)

(b) As regras de alteração ou transformação (rules of change) [(Ibidem, capítulo V,

3.)]: regras que combatem o estatismo do regime de regras primárias, conferindo

 poder a um «indivíduo» ou a um «corpo de indivíduos» para introduzir novas regras

primárias («dirigidas à vida do grupo») e eliminar as regras antigas.

  b)’ «É à luz de tais rules of change que as ideias de acto legislativo e de

revogação devem ser compreendidas...» [Sem esquecer que as regras secundárias

em causa poderão então «especificar quais são as pessoas que devem legislar»,

mas também e muito significativamente «definir» («em termos mais ou menosrígidos») o processo ou modus operandi que a construção das leis há-de «seguir»].

16

Page 17: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 17/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

b)’’  É no entanto também à luz de tais regras que podemos entender o

exercício da autonomia privada: «vendo nos actos de celebração de um contrato ou

de transferência de propriedade» um exercício   por indivíduos de «poderes

legislativos limitados» (the exercise of limited legislative powers by individuals) .

(c) As  regras de decisão-julgamento (rules of adjudication) [(Ibidem, capítulo V,

3.)]: regras que combatem a ineficácia das  regras primárias (ou da sua «pressão

social difusa»), dando poder «aos indivíduos» (a certos indivíduos) para  julgar ,

entenda- -se , para responder autoritariamente (através de uma decisão-

 julgamento) ao problema de saber se uma regra primária foi ou não violada numa

circunstância concreta específica.Estas regras identificam os «indivíduos» que «devem julgar», na mesma

medida em que determinam o «processo a seguir». Abrem-nos assim as portas para

um universo de conceitos ou categorias indispensáveis («os conceitos de juiz ou

tribunal, jurisdição e sentença»).

As vantagens sociais das regras secundárias: certeza e confiabilidade

(reliability), flexibilidade (na capacidade de mudança), eficácia (efficiency). Sem

elas os sistemas de regras primárias seriam incertos, estáticos (inflexíveis) e

ineficazes. Procure perceber porquê, fazendo corresponder a cada uma destas

vantagens sociais as diferentes regras secundárias analisadas por HART.

Há uma tradução portuguesa disponível de The Concept of Law:

O conceito de direito, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian,

1ª ed., 1986 (da 1ª ed. inglesa de 1961),...., 5ª ed., 2007 (esta última da 2ª ed. inglesa de 1994)

Segundo TEUBNER, são as regras secundárias que nos permitem passar de uma fase de um

direito socialmente difuso (na qual o direito se distingue dificilmente das outras

comunicações sociais que assumem uma pretensão normativa) para a fase do direito

 parcialmente autónomo. O papel que estas desempenham é assim o de uma indispensável

17

Page 18: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 18/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

autodescrição  ~ do sistema (capaz de distinguir as componentes do sistema jurídico das

componentes da interacção social corrente). Vale a pena dar-lhe a palavra:

«As “normas secundárias” analisadas por H. L. A. Hart constituem o exemplo mais célebre

da autodescrição do direito. Estas descrevem a operação pela qual o sistema jurídicoobserva na perspectiva de uma comunicação plausível as suas próprias componentes e as

transforma em artefactos semânticos. Hart só se autoriza a falar de direito a partir do

momento em que as normas secundárias de identificação e de procedimento organizam-

distribuem e regulam as normas primárias de comportamento. Segundo Hart, “se (...)

considerarmos a estrutura que resultou da combinação-articulação de regras primárias de

obrigação e de regras secundárias de reconhecimento, de transformação e de decisão-

  julgamento, é evidente que teremos (...) o coração do sistema jurídico”…» (Recht alsautopoietisches System, 1989, cap. III)

Há uma tradução portuguesa de Recht als autopoietisches System, Frankfurt, Suhrkamp, 1989:

O Direito como sistema autopoiético, , Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1989

 Elementos de estudo:A.CASTANHEIRA NEVES, « O direito (O

  problema do direito)/O sentido do direito...»,inCurso de Introdução ao Estudo do Direito, cit., 39--43.

Fernando José BRONZE, Lições de Introdução aodireito, cit., 84-92

 Leituras recomendadas: o citado capítulo V de O conceito de direito de HART(«ODireito como união de regras primarias e secundárias»). Para uma reconstituição da

 proposta de HART ver ainda Mário REIS MARQUES, Introdução ao Direito, vol. I,Coimbra, Almedina, 2007, 2ª ed., pp. 455-459 (2.)

Propostas de trabalho

I

1. Reconstituindo por palavras suas o exemplo de PETRAZISKY evocado supra, procure

mostrar a importância da intersubjectividade (enquanto bilateralidade atributiva) na

compreensão do problema–controvérsia que distingue o direito.

~ Só quando as normas secundárias (autonomizadsa pelo discurso jurídico universitário) sãousadas operacionalmente no funcionamento das decisões das práticas legislativa e  jurisdicional  é que

TEUBNER  nos fala de autoconstituição. A passagem da autodescrição à autoconstituição dá-se quando asreferidas práticas passam a servir-se daquelas autodescrições (e das normas secundárias que elasdistinguem).

18

Page 19: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 19/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

2. Releia a parábola dos trabalhadores da vinha (São Mateus 20:1-16) e construa um

texto desenvolvido em que procure mostrar a importância da tercialidade na

compreensão do problema–controvérsia que distingue o direito [A justiça que os

trabalhadores invocam («Os últimos só trabalharam uma hora... e deste-lhes tanto como a

nós, que suportamos o peso do dia e do calor... ») não é seguramente aquela que o

 proprietário assume («Porventura vês com maus olhos que eu seja bom? »].

3. Faça um comentário desenvolvido ao texto seguinte:

«A ordem jurídica distingue-se das outras ordens sociais não tanto porque mobilize

sanções quanto porque é caucionada pela coercibilidade...»

II

1. Considere de novo as proposições normativas (a), (b), (d), (e), (f) e (g) propostas

 supra, na pág. 6, procurando agora reconhecer a estrutura lógica das normas que estas

objectivam e a especificidade (se quisermos, o tipo) da sanção que lhes corresponde.

2. Considere depois estas outras proposições:

(a) «Os cônjuges devem escolher de comum acordo a residência da familia.»

(b) «Não tendo os cônjuges a mesma nacionalidade, as relações entre estes são

reguladas pela lei da sua residência habitual comum.»

(c) «Compete ao Governador civil, como representante do Governo na área do distrito,

velar pelo cumprimento das leis e regulamentos por parte dos orgãos autárquicos.»(d) «Concluída a discussão do aspecto jurídico da causa, o juiz proferirá sentença dentro

de 30 dias, devendo discriminar os factos que considera provados e fundamentar a

decisão final.»

(e) «Quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for 

revogada por outra lei.»

(f) «Todos têm direito à fruição e criação cultural, bem como o dever de preservar,

defender e valorizar o património cultural.»

19

Page 20: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 20/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

(g) «A lei hierarquicamente superior deve ter prevalência sobre aquela que se integra

num escalão inferior.»

(h) «A lei só dispõe para o futuro...»

(i) «As leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais são publicados no

 jornal oficial, Diário da República...»

(j) «O juiz presidente informa o arguido de que tem direito a prestar declarações em

qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objecto do processo,

sem que no entanto a tal seja obrigado e sem que o seu silêncio possa desfavorecê-

-lo...»

(k) «É direito dos trabalhadores criarem comissões de trabalhadores para defesa dos

seus interesses e intervenção democrática na vida da empresa...»

(l) «O Conselho de Estado é o orgão político de consulta do Presidente da República,

competindo-lhe assim pronunciar-se sobre a dissolução da Assembleia da República

e a demissão do Governo.

(m) «O método correcto da interpretação da lei é aquele que corresponde a uma

investigação histórica dos comandos e dos interesses...»

(n) «Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são

directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas...»

(o) «A sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do

falecimento deste...»

(p) «Os tribunais são os orgãos de soberania com competência para administrar a justiça

em nome do povo»

(q) «O tribunal pode, quando o considerar necessário à boa decisão da causa, deslocar-

se ao local onde tiver ocorrido qualquer facto cuja prova se mostre essencial e

convocar para o efeito os participantes processuais cuja presença entender 

conveniente...»(r) «Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos

análogos...»

(s) «As testemunhas depõem na audiência final, presencialmente ou através de

teleconferência, devendo o juiz procurar identificá-las e perguntar-lhes se são

  parentes, amigos ou inimigos de qualquer das partes, se estão para com elas

nalguma relação de dependência e se têm interesse, directo ou indirecto, na causa.»

20

Page 21: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 21/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

Distinga as proposições que lhe parecem corresponder ao desempenho de uma

função primária e de uma função secundária.

• Na sua justificação comece por mostrar em que linha da tectónica da ordem

 jurídica se integram as proposições primárias que reconheceu.

•• Concentre-se depois nas proposições ditas secundárias e procure descobrir 

qual é o momento (de unidade sistemática, de desenvolvimento constitutivo, de

realização orgânica e de determinação procedimental) a que cada uma delas

 principalmente corresponde.

••• Complementarmente, sempre que lhe pareça adequado, procure socorrer-se

da analítica da função secundária proposta por HART.

2. Dificuldades e perguntas… ou uma grande questão condutora : porque é

que (ou até que ponto é que) a analítica até agora ensaiada (e que poderíamos

 prosseguir!ℵ) se mostra insuficiente (nos planos objectivo e normativo) se quisermos

compreender o projecto-procura que prático-culturalmente distingue o direito?

2.1. Será indispensável ver no direito um projecto com um determinado sentido

(ou uma experiência cultural com uma identidade e continuidade reconhecíveis)? Não

se nos exporá tal direito hoje como um mero regulador  socialmente contingente,

disponível para assumir (e projectar normativamente, em termos sancionatoriamente

eficazes) quaisquer intenções e finalidades (aquelas nomeadamente que uma prática

Para explorar desde logo as características e os efeitos-resultados: ver, numa leituracomplementar, CASTANHEIRA NEVES, «O direito (O problema do direito)/O sentido do direito...»,inCurso de Introdução ao Estudo do Direito, cit., pp. 43-52.

21

Page 22: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 22/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

económica, uma ética ou uma política dominantes estiverem em condições de lhe

impor)?

Que necessidade será a sua… senão a da institucionalização de uma ordem

 social  — e (ou) de uma ordem que possa responder ao problema da «indeterminação»

ou «inespecialização» da espécie homem░ ? Não será esta necessidade (e apenas esta!)

aquela que o aforismo «ubi societas, ibi jus» está hoje em condições de acentuar? Se

assim for, não teremos afinal que reconhecer que faz pouco sentido falar d’ o direito

enquanto tal e que devemos antes reconhecer (diacronica e sincronicamente) muitos e

inconfundíveis direitos, direitos que não terão em comum senão uma experiência (mais

ou menos lograda) de partilha do mundo e de ordenação da(s) intersubjectividade(s) (o

direito da civitas romana, o direito medieval, o direito moderno… mas também o

direito islâmico e judaico▣… o direito das favelas e dos «novos movimentos sociais»…

o direito da União Europeia e do comércio internacional)? 

Será no entanto que podemos (que devemos) hoje repetir  acriticamente este

aforismo? Constituirão todas estas institucionalizações normativas (e em todas as suas

dimensões regulativas) autêntico direito? Admitirá a nossa circunstância presente (e o

contexto cultural que lhe corresponde) que nos resignemos a descobrir na máscara

direito apenas um nome (capaz de identificar toda e qualquer experiência de

institucionalização mundano-social)?

Reparemos que os exemplos de HART e TEUBNER — a que o nosso excurso-

-leitura deu atenção ( supra, pp.14-16) — não foram seleccionados por acaso. É que

estes exemplos ajudam-nos (como que num contraponto negativo) a reformular a nossa

 pergunta principal. Trata-se de querer saber se, para identificar uma ordem de direito,

nos basta afinal descobrir uma coordenação institucionalmente lograda de regras

  primárias e secundárias, capaz de satisfazer exigências de certeza,  flexibilidade e

eficácia (HART)…

░  Para perceber bem o que significa esta inespecialização ou inacabamento (mas também aabertura ao mundo) da espécie homem (em confronto com as espécies animais plenamente adaptadas), ler com toda a atenção Fernando BRONZE,  Lições de Introdução ao direito, cit., pp. 116-119 (incluindo asnotas 2-6).

▣ A propósito destas experiências cultural-civilizacionalmente distintas da nossa (que não se nosoferecem afinal como autênticas civilizações de direito), ver também Fernando BRONZE,  Lições de Introdução ao direito, cit., pp. 153-157 (incluindo as notas 21-31).

22

Page 23: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 23/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

  …ou então de garantir a autodescrição que leva sério esta coordenação

autoconstitutivamente   projectada na prática ╝ (e acompanhada formalmente por uma

 pretensão de juridicidade╞ ) [TEUBNER].

2.2. Uma convocação exemplar de distintas experiências de institucionalização

de ordens (ditas) eficazes:

 —  uma convocação que nos confronta com experiências-limite associáveis

à organização macroscópica (experiências que constituíram sempre um

desafio para o discurso jurídico e filosófico-jurídico!)[ver  infra, p. 22,

(e)]…

 —  uma convocação que sobretudo nos permite — numa fronteira marcada

 pela interpenetração do jurídico e do social, do formal e do informal, do

 público e do privado, do deliberado e do espontâneo, do central e do

  periférico, do macroscópico e do microscópico, do dominante e do

subversivo — invocar as lições do «novo» pluralismo dos nossos dias

 para surpreender uma «face oculta» (ou uma «face» menos visível) da

normatividade socialmente vigente (looking at the dark side of the

majestic rule of law!● ) … 

Reproduzamos a nossa pergunta, dirigindo-a sucessivamente:

(a) às ordens da mafia e do gang ;

(b) aos «códigos» e «situações institucionais das sociedades secretas… e das

organizações clandestinas;

(c) à «nova» lex mercatoria (ou pelo menos à «ordem» das relações comerciais

internacionais);

Brevíssima alusão ao sentido e possibilidades da arbitragem ligada aos «interesses docomércio internacional» [e muito especialmente à faculdade das partes escolherem osàrbitros-«julgadores» e o «direito» (a ordem jurídica) «aplicável ao mérito da causa»].

 

 ╝ Ver  supra, p. 16, nota ~ .╞  Pretensão de juridicidade que TEUBNER (assimilando LUHMANN) associa à determinação

de um código com duas valências (Recht/Unrecht), melhor dizendo, um código que prevê-projecta umavalência positiva (lícito, legal, «justo»…→→   juridicamente positivo)  e uma valência negativa (ilícito,ilegal, «injusto»...→→ juridicamente negativo, «contra o direito»). Especificação que não nos deveráagora ocupar. Bastando-nos ter presente que este código, assim enunciado, tem um carácter formal-

 procedimental (livredeexigências ou determinações materiais).● A expressão é precisamente de TEUBNER: «The Two Faces of Janus: Rethinking LegalPluralism», in TUOR I / /BANKOWSKI / UUSITALO (ed.), Law and Power , Liverpool 1997, 119 e ss.

23

Page 24: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 24/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

(d) ao «cosmos regulativo» das organizações terroristas;

(e) às experiências (macroscópicas) de uma ordem estadual totalitária

(ideologicamente sustentada… mas também científico-tecnologicamente justificada);

• O exemplo do «sistema totalitário denão direito

»(totalitäres Unrechtssystem)

construído pelo Estado Nacional-Socialista entre 1933 e 1945, dominado pelo «dogmaideológico» de uma «política de raça» (mitológico-narrativamente justificada) e por umarevisão drástica dos modos de constituição da «juridicidade» (uma revisão que transformaos «factores»-experiências da «raça», da «nacionalidade»- sangue, da «vontade do chefe-- Führer » e do «programa do partido» em «fontes de direito vinculantes») [O juiz e a

  prioridade da «ordem concreta»: a exigência de submeter interpretativamente toda a«legislação» (aquela que é prescrita pelo novo Estado e aquela que sobrevive dasexperiências anteriores) à mundividência nacional-socialista, tal qual ela se exprime no«programa do partido» e nas «afirmações»- Äußerungen do  Führer ] [A nova versão

 proposta para o § 1º do BGB (o Código Civil Alemão): «Sujeito da comunidade jurídica éaquele, e só aquele, que é compatriota; compatriota é o que tem (o que é) sangue

alemão» (Rechtsgenosse ist nur, wer Volksgenosse ist: Volksgenosse ist, wer deutschen Blutes ist)].

•• Os exemplos das narrativas de ficção: a ordem de necessidade do «Big Brother» de1984  ▀ ... e a ordem de ciência (ainda que não de   sociedade aberta!) determinada pelaengenharia social do  Brave New World [sem esquecer a ordem dos «bombeiros» ou dos«queimadores de livros» denunciada em   Fahrenheit 451... e a ordem dos habitáculos--casulos (e da humanidade virtualmente programada) evocada em Matrix].

(f) aos sistemas estatutários de contrôle e de disciplina (correctiva e punitiva)

que — através de regras explícitas ou de práticas exemplares — operam nas (e que sãoem parte autonomamente construídos pelas) instituições, organizações ou grupos (a

«justiça privada» das associações e das empresas);

(g) às experiências de regulação colectivamente negociada (às ordens das

convenções colectivas e dos acordos ou pactos normativos);

(g) às situações institucionais (com um carácter negocial) do direito dos

 privados (criadas dispositivamente pela dinâmica de autodeterminação e de participação

dos sujeitos jurídicos privados);

(h) à ordem-rede da (desterritorializada) economia da informação (as a

transformation of the legal system in internet economy)…

Sem esquecer por fim que o referido novo pluralismo (com uma intenção

sociológica descritivo-explicativa ou compreensiva e/ou assumindo um programa

crítico de emancipação☼) nos obriga ainda a dirigir a mesma pergunta a outras ordens

 ▀  Ler BRONZE, cit., pp.140-141.☼  Precisamente aquele que nos permite falar de um direito achado na rua, de um direito

alternativo, de um direito insurgente (um direito que importará invocar para denunciar os compromissos político-ideológicos e as vinculações económicas do direito dominante ou da sua consagração estadual).

24

Page 25: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 25/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

normativas  — temporal e territorialmente concorrentes (ou pelo menos coexistentes)

com a ordem jurídica estadual — … nas quais a experiência instituinte (e condutora) é

menos a da pura associação- societas de interesses do que a de uma identidade

comunitária (relativamente restrita) e a das comunicações que a distinguem. Tratando-se

de dirigir a mesma pergunta… a que ordens?

(i) À ordem prático-normativa das  favelas («A favela é um espaço territorial,

cuja relativa autonomia decorre, entre outros factores, da ilegalidade colectiva da

habitação à luz do direito oficial brasileiro»);

Ler Boaventura de SOUSA SANTOS, «Notas sobre a história jurídico-social de Pasárgada», inSOUTO / FALCÃO (org.), Sociologia e Direito. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, pp. 107-117, disponível em.http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/boaventura/boaventura1d.html. 

(j) às práticas e critérios de interrelação narrativamente autonomizados (e

espontaneamente reinventados) pelas «minorias» rácicas, étnicas, sexuais, religiosas ou

culturais na sua interacção com a(s) repectiva(s) maioria(s) (o problema do

multiculturalismo);

(k) às práticas consuetudinárias das pequenas comunidades (o exemplo das

comunidades indígenas da América do Sul… mas também de Rio de Honor ∩);

(l) à normatividade construída pelos «novos movimentos sociais» e pelas suasidentidades colectivas difusas… mas também e muito especialmente pelo processo de

intervenção militante que explicitamente assumem (Movimento dos Trabalhadores

 Rurais Sem Terra,  Mães da Praça de Maio, movimentos ecologistas e feministas,

movimentos de libertação das minorias sexuais, movimentos pós-coloniais)…

A possibilidade de descobrirmos em todas estas ordens articulações socialmente

logradas de critérios primários e secundários...

2.3. O diagnóstico de insuficiência objectiva e a procura de um critério de

demarcação ou dos sinais que o manifestam. A resposta oferecida pelo critério da

estadualidade e a desadequação desta resposta [ver com muita atenção

CASTANHEIRA NEVES, «O direito (O problema do direito)/O sentido do direito...»,in

Curso de Introdução ao Estudo do Direito, cit, pp. 58 (b))-71 e Fernando José

BRONZE, Lições de Introdução ao direito, cit., pp. 157-169].

 Ver BRONZE, cit., p.159.

25

Page 26: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 26/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

2.4. A oportunidade-exigência de reconhecermos ainda uma insuficiência

normativa... que é também a de recusarmos a solução (alternativa àquela que o critério

da estadualidade nos oferece) de um nominalismo ou de um  pluralismo acríticos (a

solução que atribuiria o «nome» direito a todas as situações institucionais de partilha do

mundo... que pudéssemos dizer socialmente eficazes!)

A acentuação do carácter prático-cultural do direito (e o desafio de reconhecer as

duas vozes-interlocutores inconfundíveis que alimentam o compromisso-promessa do

 Estado-de-direito∪… ) a abrir-nos a possibilidade-exigência de identificar um  projecto

autónomo e a sua  pre-ocupação condutora [Para uma acentuação do «desafio» do

 Estado-de-direito (enquanto exige que a juridicidade-validade «que nele se manifesta»

seja «autónoma do poder político») ver F. BRONZE,  Lições de Introdução ao direito,

cit., pp. 166-168 ea s notas 63-71].

Uma preocupação condutora que (enquanto modo específico de criação e

recriação de sentidos comunitários) se precipita numa certa prática-procura — num

exercício, permanentemente renovado, de experimentação de um específico homo

humanus… e no processo de demarcação humano / inumano que lhe corresponde (mas

então também na pressuposição-experimentação-realização de uma validade)? Importa

reconhecê-lo. E reconhecê-lo... compreendendo que tal preocupação condutora emergiu

de um processo historicamente situado de autonomização- Isolierung …

  — aquele (precisamente aquele!) que a civitas romana pôde assumir... enquanto

inventou o «nome» humanitas (e com ele o primeiro dos humanismos conhecidos!), mas

também enquanto permitiu que este humanismo (nas suas exigências de sentido e no seu

 percurso de realização) se inscrevesse na nossa herança civilizacional (e assim mesmo

 passasse a interpelar-nos!) como contexto e correlato de uma  praxis de respostas a

controvérsias ou casos-problemas («no princípio era o caso!») [a  praxis de responsa

dos jurisconsultos, sustentada numa auctoritas (numa legitimidade prático-cultural e na

adesão comunitária que esta suscita)... e não numa autoridade- potestas (na mobilização

efectiva de um poder e das vontades ou decisões que o tornam actuante)...].   Uma

Sem uma voz autónoma do direito a institucionalização estadual tem o caminho aberto para seconverter na ordem de necessidade de um poder — e então e assim (para o dizermos com R ADBRUCH)

num autêntico  Estado de não-direito ou   Estado-contra-o-direito ( Und so hat die Gleichstellung von  Recht und vermeintlichem oder angeblichem Volksnutzen einen Rechtsstaat in einen Unrechtsstaatverwandelt  ).

26

Page 27: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 27/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

 preocupação condutora que esta experiência acendeu como uma das piras fundadoras da

nossa identidade civilizacional… cujos sinais-rastos — permanentemente sulcados e

convertidos (mas nem por isso menos indeléveis) — nos expõem assim (ainda hoje) a

uma experiência privilegiada de continuidade.

A insuficiência normativa de uma analítica que reduzisse o direito aos traços

identificadores de uma ordem objectivada.

•A exigência de compreender que o projecto autónomo do direito (na sua referência

normativa a valores) se constrói assumindo o modo-de-ser de uma vigência — uma

vigência que invoca uma validade comunitária (e a adesão prático-cultural que esta

exige)... na mesma medida em que exige um discurso de fundamentação (uma vigência

que enquanto tal  é irredutível a uma pura eficácia ou ao núcleo  gerador  de uma

autoridade- potestas)…

••A exigência de compreender que esse projecto de demarcação humano / inumano se

cumpre na prática histórica como um continuum constituendo (com uma dimensão de

realização-experimentação que é indissociável da própria validade e dos sentidos

comunitários que a distinguem) [como se a novidade dos problemas-casos, inscrita emcontextos de realização sempre distintos, nos impusesse uma reinvenção permanente de

tal validade e do projecto que a assume… sem no entanto pôr em causa a continuidade

do projecto (e a possibilidade de a reconhecermos)]…

••• A exigência de reconhecer que, se este projecto identifica uma dimensão

inconfundível da nossa prática — aquela em que nos expomos como sujeitos

comparáveis de direitos e de deveres (inscritos numa teia de bilateralidades atributivas)

 —, é decerto porque nos oferece uma oportunidade de criação-realização de  sentidoscomunitários específicos (constitutivos da experiência de um certo homo humanus de

autonomia e de responsabilidade) —  sentidos que só poderemos compreender se (e na

medida) em que reconhecermos uma (não menos específica) intenção à validade e a

experiência de integração que esta assegura e que é diferente das (embora não

indiferente às) outras experiências de integração (que constituem outras dimensões da

nossa prática) [Como se tratasse afinal de descobrir-construir um commune diferente

daqueles communia que outros eixos de articulação-composição da identidade colectiva

nos proporcionam (um commune diferente daqueles communia que os sistemas político

27

Page 28: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 28/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

e económico mas também as experiências éticas e religiosas, estéticas e filosóficas nos

oferecem)... ]

Direito e intenção à validade. A resposta de RADBRUCH à pergunta que formulámos supra (dirigidaexplicitamente à ordem de necessidade de um Estado totalitário) [ supra, pp. 21-22 (e)]:« Direito é [significa o mesmo que] vontade e desejo de Justiça. Justiça, porém, significa: julgar semconsideração de pessoas; medir todos pelo mesmo metro [comparar mobilizando o mesmocritério-padrão, se quisermos, o mesmo tertium comparationis  ( an gleichem Maßealles messen )]Quando se aprova o assassínio de adversários políticos e se ordena o de pessoas de outra raça, ao

mesmo tempo que acto idêntico é punido com as penas mais cruéis e afrontosas se praticado contracorrelegionários (  gegen die eigenen Gesinnungsgenossen), isso é a negação do direito e da justiça.Quando as leis conscientemente desmentem essa vontade e desejo de justiça, como quando por exemplo concedem ou negam arbitrariamente os direitos do Homem a certos homens ( Wenn Gesetzeden Willen der Gerechtigkeit bewußt verleugnen, zum Beispiel Menschenrechte Menschen nachWillkür gewähren und versagen) , então carecerão tais leis de qualquer validade, o povo não lhes

deverá obediência, e os juristas deverão também ter a coragem de lhes recusar o carácter de jurídicas( dann müssen auch die Juristen den Mut finden, ihnen den Rechtscharakter abzusprechen )...»[Gustav RADBRUCH, "Cinco Minutos de Filosofia do Direito" (Setembro de 1945), Terceiro minuto]

Ora é precisamente a experiência de continuidade desta específica procura do

homo humanus — e esta convocada (interrogada) nuclearmente como uma experiência

de realização autónoma (com diversas dimensões e diversos palcos) — que o próximo

capítulo irá explorar... enquanto se propõe reflectir sobre o   sentido específico do

direito... Com um esforço de concentração inevitável, que nos obrigará a privilegiar os palcos mais recentes (e os ciclos que lhes correspondem).

 

 Elementos de estudo (pp. 20-27)A. CASTANHEIRA NEVES, « O direito (O

  problema do direito)/O sentido do direito...»,inCurso de Introdução ao Estudo do Direito, cit., 52--89 (todo o ponto 2.).Ver também todas as pp. das Lições deF. BRONZE indicadas expressamenteneste sumário desenvolvido (e nas suasnotas).

Capítulo II

28

Page 29: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 29/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

A experiência do sentido específico do direitoreconstituída num diálogo crítico com o

positivismo normativista do século XIX ou osdesafios e possibilidades de uma representação

pós-positivista

1. O grande arco pré-moderno.1.1. Um direito que se descobre e autonomiza sucessivamente...

α)...como sentido e como especulação filosófica [O holismo metafísico-ético- político grego a assumir e a integrar-assimilar o jurídico como direito natural teoreticamente determinável...];

β)...como prática jurisprudencial [A experiência romana a impor a autonomiacomunitária do jurídico enquanto tarefa de assimilação judicativa(respondere/cavere/agere) de controvérsias-casos («No princípio era o caso») e adescobrir nesta assimilação uma explicitação correctiva (prudencial) de umaordem materialmente pressuposta: o jurista-jurisconsulto como intérpreteautêntico da comunidade sustentado numa auctoritas e na articulação de virtudesmorais e intelectuais que esta determina.];

γ)...como domínio cultural universitariamente reconstituído e comunicado [Atrindade   sapientia /prudentia /scientia. A Scientia Juris como interpretatio. Areconstrução prática (hermenêutico-dialéctica) dos textos de autoridade (doCorpus iuris civilis mas também do Corpus iuris Canonici): o métodoescolástico.].

1.2. Um contexto prático comunitariamente indisponível .

α) A  polis grega [O Ser como ordem pressuposta, definitiva e perfeita; ohomem como zoon politikon; a referência ontológico-metafísica ao ser cósmico, aidentidade ser/valor .].

β) A civitas romana [ A ordem materialmente pressuposta, descoberta (comoum «cosmos de instituições hipostasiadas») na experiência ontológica do caso ena tipologia substancializada que a traduz: o direito natural como a ipsa res justa(o justo natural concreto, autêntico  jus lido na «natureza das coisas» pela

 prudentia dos jurisprudentes «segundo a situação e o curso das coisas humano-

sociais, nas suas condições e situações particulares»).].γ) A respublica christiana medieval [A ordem da criação: a «transcendência»com um «nome pessoal». A ontologia teológico-metafísica.].

1.3. A unidade reflexiva da filosofia prática (iuris naturalis scientia): a intençãofilosófica e a intenção prática; a relação integrada direito natural/direito positivo.

« O “direito natural” foi sempre pensado na  scientia que a ele se dirigia (...), numadupla intenção. Numa intenção filosófica, de compreensão essencial e absoluta dodireito pela explicitação dos seus constitutivos fundamentos ontológicos (fosse umaontologia metafísica nos gregos, fosse uma ontologia já de sentido teológico-metafísico,

 já mais cingida à “natura rerum”, na Idade Média cristã (...)), que logo se projectavanuma intenção normativa ― intenção normativa esta que, tendo naquela outra primeira

29

Page 30: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 30/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

o seu fundamento regulativo, se traduzia na determinação de uma normatividade válida  por si mesma, porque referida àquele fundamento ontológico e filosófico-especulativamente explicitado. Normatividade que procurava objectivar-se [em

 princípios e critérios] (...) e que constituiria tanto o cânone regulativo como o critério davalidade de qualquer ordem histórica de convivência prática. Ou seja, o direito era

nestes termos imputado a uma filosofia que definia anteriormente a nomos da prática, eque ia compreendida no seu sentido e função como uma normativa “filosofia prática”.Com duas notas mais a ter em conta. Por um lado, essa filosofia, se era prática na suaintenção de validade e na sua projecção normativa, era manifestamente teorética nosentido da sua fundamentação – pois a fundamentação seria atingida(...) em termos (...)ontológico-normativos(...), pelo conhecimento do ser (com uma teleologia essencial) ou

 pelo conhecimento de uma certa “natureza”. Aliás, não era isso senão directa expressãodo pensamento clássico, enquanto procurava ele, para o que quer que fosse, o sentido eo fundamento no ser e compreendia a inteligibilidade sempre como verdade – comocorrespondência a uma pressuposta auto-subsistência material. Para o jusnaturalismoclássico em sentido estrito ou pré-moderno o “direito natural” (“dikaion physikon”, “iusnaturalis” ou “lex naturalis”) era verdadeiramente, não um direito a concorrer comoutro ou outros direitos, mas “o direito absoluto”, já que, se o direito positivo (“dikaionnomikon” ou “thesei dikaion”, “lex temporalis”, “lex humane”, “ius positivum”) eradecerto reconhecido, e na sua contingência histórico-social e política, não deixavatambém de ser pensado como elemento de um sistema normativo hierárquico eintegrado, que teria no “direito natural” o seu fundamento normativamente constitutivoe também regulativo e perante o qual lhe cabia tão-só a função de uma histórico-social,e portanto variável, determinação e concretização» (CASTANHEIRA  NEVES, O

 problema actual do direito. Um curso de Filosofia do Direito, Coimbra-Lisboa 1994)

1.2. A especificidade jurisprudencial e a autonomia material do direito: o direito como

 juris-prudência que assume (ora mais  judicativamente ora mais hermenêutico-

dialecticamente) a prática comunitária : a unidade intencional direito/pensamento

 jurídico. O direito como tarefa prática de resolução de controvérsias. A pluralidade dos

modos de constituição do direito.

 Elementos de estudo (pp. 27-28):Fernando José BRONZE, Lições de Introdução aodireito, cit., 308-315

 Leitura especialmente recomendada:A. CASTANHEIRA NEVES, «O problema dauniversalidade do direito – ou o direito hoje, nadiferença e no encontro humano-dialogante dasculturas»,  Digesta, vol. 3º, Coimbra, CoimbraEditora, 2008, pp. 111-114 (pontos 1.-3.)

30

Page 31: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 31/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

Outras leituras:A. CASTANHEIRA NEVES, «A imagem dohomem no universo prático»,  Digesta, vol. 1º,Coimbra, Coimbra Editora, 1995, volume 1º, 319-323 (II 1.).

2. Os factores determinantes do legalismo e do normativismo positivistas reconstituídos

no contexto prático-cultural do pensamento moderno-iluminista.

2.1. O factor antropológico:

A narrativa de uma criação ex nihilo: o homem desvinculado anterior a qualquer vínculo social... mas também livre de qualquer tradição

(a) Da comunidade —  dada enquanto dimensão

integrante da ordem natural indisponível (na qual o homem se

inscreve-integra como homo institutionalis) — à  sociedade

(enquanto artefacto construído prático-culturalmente pelo

homem).

(b)O auto-projecto regulativo (a ideia) do homem desvinculado,

onerado com a invenção-construção da  societas ― o homem do

estado de natureza, «composto» pelas dimensões irredutíveis dos

interesses, da liberdade-voluntas e da razão-ratio

(axiomaticamente autofundamentante).

Os «papéis» distintos que estas dimensões desempenham (ou os diversos

equilíbrios de institucionalização que histórico-culturalmente propiciam):

α) o homem dos interesses emancipados (das necessidades subjectivas) como

núcleo de reinvenção-construção da societas: a lição de HOBBES (de pensar a societas-

artefacto e o Estado- Leviathan a partir do dado do homem dos interesses egoistas e do

«[The] project of founding a form of social order in which individuals could emancipatethemselves from the contingency and particularity of tradition by appealing to genuinely universal,

tradition-independent norms was and is not only, and not principally, a project of philosophers. It was andis the project of modern liberal, individualist society…» (MACI NTYRE, Whose Justice? Which Rationality?, London, Duckworth, 1988, p. 335)

31

Page 32: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 32/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

seu ius omnium in omnia, se não já da «guerra de todos contra todos»), uma lição que só

o utilitarismo de BENTHAM (com outros pressupostos e em nome de um outro projecto)

virá a prosseguir... e que, prolongada pelo pragmatismo norte-americano do século XIX

(PEIRCE, JAMES, HOLMES), encontrará no  funcionalismo pragmático (e pragmático-

económico) do nosso tempo a sua expressão mais acabada.

●«And therefore if any two men desire the same thing, which nevertheless they cannot bothenjoy, they become enemies; and in the way to their end (which is principally their ownconservation, and sometimes their delectation only) endeavour to destroy or subdue oneanother.(…) To this war of every man against every man, this also is consequent; that nothingcan be unjust. The notions of right and wrong, justice and injustice, have there no place. Wherethere is no common power, there is no law; where no law, no injustice…» [Thomas H OBBES,

 Leviathan (1651) part I, Of Man, Chapter XIII («Of the natural condition of mankind as concerningtheir felicity and misery»)]

●●«It is true that certain living creatures, as bees and ants, live sociably one with another (which are therefore by Aristotle numbered amongst political creatures), and yet have no other direction than their particular judgements and appetites; nor speech, whereby one of them cansignify to another what he thinks expedient for the common benefit: and therefore some manmay perhaps desire to know why mankind cannot do the same. To which I answer, (…) theagreement of these creatures is natural (…), that of men is by covenant only, which is artificial:and therefore it is no wonder if there be somewhat else required, besides covenant, to make their agreement constant and lasting; which is a common power to keep them in awe and to directtheir actions to the common benefit. The only way to erect such a common power (…) is toconfer all their power and strength upon one man, or upon one assembly of men, that mayreduce all their wills, by plurality of voices, unto one will. (…) This is more than consent, or 

concord; it is a real unity of them all in one and the same person, made by covenant of everyman with every man, in such manner as if every man should say to every man: I authorise andgive up my right of governing myself to this man, or to this assembly of men, on this condition;that thou give up, thy right to him, and authorise all his actions in like manner. This done, themultitude so united in one person is called a Commonwealth; in Latin, Civitas. This is thegeneration of that great  Leviathan, or rather, to speak more reverently, of that mortal god towhich we owe, under the immortal God, our peace and defence. » [Thomas H OBBES, Leviathan(1651) part II, Of Commonwealth, Chapter  XVII («Of the causes, generation, and definition of aCommonwealth»)]

Para ler estes ou outros capítulos do Leviathan, ver http://oregonstate.edu/instruct/phl302/texts/hobbes/leviathan-

contents.html.

β) A autonomia da voluntas e (ou) da ratio (e da concertação que estas

autorizam) hipertrofiada num individualismo e secularizada na imanência [ver 

CASTANHEIRA NEVES, «O pensamento moderno-iluminista como factor 

determinante do positivismo jurídico (A origem moderno-iluminista do legalismo)», pp.

3-5 αα)].

γ) A secularização e o secularismo [ibidem, pp. 5-7 ββ)].

32

Page 33: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 33/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

A Razão já não como «serva da Revelação» mas como «fonte autárquica do conhecimento do justo»: a validade do direito que a razão conhece impor-se-ia nos mesmos termos «ainda que pudéssemos admitir – o que não pode conceber-se sem um grave pecado! – que Deus não existeou que não se ocupa dos assuntos humanos» [Hugo GRÓCIO, De Jure Belli ac Pacis (1625),Prolegomena, 11.].

2.2. A emancipação dos interesses (e do sistema económico) e a condição social em

que esta se traduz [CASTANHEIRA NEVES, «O pensamento moderno-iluminista...», cit.,

13-16 β)].

A emergência do capitalismo A «descentralização das perspectivas de

compreensão do mundo» que autonomiza o  sistema económico e o seu discurso

instrumental-estratégico (HABERMAS), discurso este sustentado numa intenção deeficiência (se não explicitamente numa demarcação custo /benefício e na operatória de

maximização que esta exige)┿.

2.3. Uma nova concepção da razão: a identidade teorético-epistémica do logos (um

empobrecimento das modalidades da razão!) e a conversão da techné — que deixa de

estar associada à  poiesis (a virtude intelectual da criação) para se converter numa

operatória da episteme-ciência. O sujeito racional e o mundo dos factos empíricos e

discretos (que a subjectividade intencional deste sujeito irá submeter a uma

reconstrução racional, capaz de reconhecer uma ordem de causalidade e as

regularidades que a manifestam).

A especificidade de uma concertação discursiva determinada por três planos:

 —  a pressuposição axiomática;

 —  a construção hipotético-explicativa (o método indutivo vinculado à

comprovação empírica); —  a desimplicação lógico-formal (a consistência lógico-dedutiva).

A «ideia» moderna de ciência (os modelos polarizadores da analítica

matemática e da experimentação física). O declínio da racionalidade prático-prudencial

e dos domínios que a convocavam-especificavam (tópica, retórica, dialéctica).

[CASTANHEIRA NEVES, «O pensamento moderno-iluminista...», cit., 7-8 β)]

 ┿ Ver ainda BRONZE, cit, pp. 240 ( nota 13), 242-243, 328-330.

33

Page 34: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 34/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

2.4. O jusracionalismo a descobrir a juridicidade como uma normatividade

sistematicamente explicitante de um auto-projecto humano [ibidem, 8-10]

«O direito natural moderno foi pensado – em consonância com o racionalismotambém moderno e a sua razão axiomático-demonstrativa ou sistemático-dedutiva,que em LEIBNIZ foi elevada filosoficamente à ideia de “sistema” – igualmente emsistemas de uma normatividade abstractamente deduzida de axiomas teológicos e ético-racionais (F. SUAREZ) OU a partir de certos postulados antropológico-racionais (assim emGRÓCIO, PUFENDORF, THOMASIUS, WOLF, etc.), convertendo-se desse modo num

  jusracionalismo que definia um sistema construído e concluso de normas, como umdireito ideal  e um sistema normativo-crítico contraposto ao direito real  ou histórico-social e político, o direito positivo. Daí a dualização do universo jurídico consequenteao jusnaturalismo moderno-iluminista – não haveria já um único sistema integrado por vários níveis de normatividade e numa sucessiva especificação, desde a “natural” ou

essencial normatividade fundamentante à positiva normatividade determinada econcretizadora, mas dois direitos com sentido, constitutividade e realidades diferentes, o“direito natural” e o “direito positivo”. E foi este o ponto decisivo para a evolução quenos importa considerar. É que este “direito natural” moderno ou os seus sistemasnormativos jusracionalistas haviam perdido, como já o denunciava o seu própriodualismo, a vinculação ao ser enquanto tal – não se inseriam com o direito positivo numsistema integrante que globalmente radicaria no ser –, pois não eram verdadeiramentemais do que sistemas racionalmente construídos, embora invocando como base axiomase postulados que se pretendiam “naturais” na sua evidência ética. E daí,

 paradoxalmente, que esse direito natural moderno não fosse afinal verdadeiramentedireito. É que também para o direito, ou particularmente para o direito como entidade

 prática, a “essência” não comprova nem garante a “existência”: o direito não o é (não édireito) sem um particular modo de “existência”, sem um específico modo-de-ser. Paraque o direito possa reconhecer-se como tal não basta a sua intencionalidade normativa,há que revelar-se determinante dimensão da  praxis – desde logo em termos devinculante validade para a acção ou a inter-acção. Que tanto é dizer que o direito não

 pode ser tão-só intencionalmente prático, terá de ser efectivamente prático. Não temosdireito apenas porque pensamos a essência jurídica ou porque construímos um sistemade normatividade jurídica – teremos assim tão-só pensado a juridicidade ou quandomuito construído uma possibilidade jurídica e nada mais. Para que tenhamos direitoimporta ainda que a normativa juridicidade, além da sua característica intencionalidadeou de uma específica possibilidade, se possa reconhecer histórico--socialmentevinculante e, portanto, dimensão determinante da prática social – só a determinação evinculação práticas transformam a juridicidade em direito. Nesse sentido é, pois, exactodizer-se que “a positividade é uma característica irrenunciável do direito” (H.WELZEL)...»(CASTANHEIRA NEVES, O problema actual do direito. Um curso de Filosofia do

 Direito, Coimbra-Lisboa 1994)

2.4.1. Uma classificação possível:

34

Page 35: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 35/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

α) A excepcionalidade do jusracionalismo «existencial» ou «empírico» de

Thomas HOBBES (1588-1679)...

O ius omnium in omnia (direito de todos sobre todas as coisas) e as laws of 

nature do  status naturalis (concentradas na regra  pacta sunt servanda). Asuperação do bellum omnium contra omnes conduzida pela  societas-

-máquina do  Leviathan. A definição avant la lettre de um sentido

 pragmático-instrumental, se não mesmo já estratégico, de lei (que só o nosso

tempo vai estar em condições de assumir)...

β) O jusracionalismo comum, alimentado por uma construção racional

nuclearmente apriorística («inteiramente sincronizado com as exigências políticas e jurídicas do seu tempo»):

β)’... o ciclo do direito racionalmente natural  ― no qual o direito

natural  («aquele que a razão conhece») determina autênticas exigências de

conteúdo ao direito positivo ou voluntário («aquele que a vontade cria») [«o

direito não é sem a sua expressão na vontade mas o seu conteúdo é

racionalmente constituído»];

Hugo GRÓCIO (1583-1645)Samuel PUFENDORF (1632-1694)

Christian THOMASIUS (1655-1728)

Christian WOLF (1679-1754)

β)’’... o ciclo do direito racional ou do direito formalmente racional ― no

qual a razão intervém apenas formalmente, impondo exigências estruturais à

composição da vontade legislativa e ao texto em que esta se exprime.

Jean-Jacques R OUSSEAU (1712-1778)Emmanuel K ANT (1724-1804)

2.4.2. O ponto de partida : a «natureza do homem» experimentada e assumida na

sua inteligibilidade (na sua «evidência») ético-empírica: a possibilidade de «descobrir»-

-isolar nesta ― e no  status naturalis ou  status primaevus que lhe corresponde (sendo

este  status a representação hipotética do «estado ou da situação do homem individual

desvinculado, anterior à sua convivência social e política») ― um traço decisivo, que seconstitui-constrói e reconstrói racionalmente.

35

Page 36: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 36/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

Assim nos contemporâneos GRÓCIO e HOBBES: com a representação do

appetitus societatis do primeiro a contrapor-se ao modelo antropológico do homo homini

lupus justificado pelo segundo. Assim em John LOCKE (1632-1704) e PUFENDORF (por 

sua vez também entre si rigorosamente contemporâneos!): de tal modo que o modelo

antropológico de um homem já naturalmente social assumido pelo primeiro ― com a

especificidade de um   status naturalis já sustentado numa ordem de direitos subjectivos

naturais (reason teaches all mankind who will consult it, that, being all equal and 

independent, no one ought to harm another in his life, health, liberty or possessions) ―

se contraponha agora à representação da debilidade, vulnerabilidade ou desamparo

(imbecillitas) assumida pelo segundo ― sendo certo não obstante que esta debilidade

aparece já ligada à possibilidade-faculdade da sociabilidade (socialitas)…

«To understand political power right, and derive it from its original, we mustconsider, what state all men are naturally in, and that is, a state of perfectfreedom to order their actions, and dispose of their possessions andpersons, as they think fit, within the bounds of the law of nature, withoutasking leave, or depending upon the will of any other man. A state also of equality, wherein all the power and jurisdiction is reciprocal, no one havingmore than another (…). But though this be a state of liberty, yet it is not astate of licence: though man in that state have an uncontroulable liberty todispose of his person or possessions, yet he has not liberty to destroyhimself, or so much as any creature in his possession, but where somenobler use than its bare preservation calls for it. The state of nature has alaw of nature to govern it, which obliges every one: and reason, which isthat law, teaches all mankind, who will but consult it, that being all equaland independent, no one ought to harm another in his life, health, liberty, orpossessions: …» [LOCKE, Second Treatise of Civil Government  (1680-1690),cap. II («Of the State of Nature»)]

Para ler mais , ver http://www.constitution.org/jl/2ndtr02.htm e http://www.saywhatistruth.com/locke.htm 

«The state of men is either natural or adventitious. The natural state can beconsidered under three heads, so far as mere reason lights the way; either in relationto God the Creator, or in relation to individual men, as regards themselves, or as

regards other men. (…) In the second way we can consider the natural state of man, if we imagine what his condition would be, if one were left entirely to himself, withoutany added support from other men, assuming indeed that condition of human naturewhich is found at present. Certainly it would seem to have been more wretched thanthat of any wild beast, if we take into account with what weakness man goes forth intothis world, to perish at once, but for the help of others; and how rude a life each wouldlead, if he had nothing more than what he owed to his own strength and ingenuity. Onthe contrary, it is altogether due to the aid of other men, that out of such feeble-nesswe have been able to grow up, that we now enjoy untold comforts, and that weimprove mind and body for our own advantage and that of others. And in this sensethe natural state is opposed to a life improved by the industry of men…» [PUFENDORF,De officio hominis et civis juxta legem naturalem libri duo (1682), cit.na trad. Inglesa

On The Duty of Man and Citizen, Livro II, capítulo I («On the Natural State of Man»)]

36

Page 37: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 37/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

Para ler mais , ver http://www.constitution.org/puf/puf-dut_201.htm

 

Assim também de THOMASIUS («a apetência de felicidade») a R OUSSEAU («a

 bondade como que associal do bom selvagem»)... mas já não em K ANT! K ANT recusa a

  possibilidade de encontrar os princípios da filosofia prática numa «antropologia»

empírica e fenoménica (num qualquer conhecimento da natureza do homem) e propõe-se

compreender estes princípios na sua autonomia noménica, transcendental e ideal-

regulativa («como autênticas leis a priori que o Homem atingiria enquanto ser racional»):

ao ponto de reconhecer que o abandono do estado natural deve ser entendido já como um

dever ético («um postulado racional prático que se deduz do próprio conceito de direito»).

KANT

 Estado de natureza: um  status de «liberdade externa desprovida de leis» onde encontramosum modo de determinação do «meu e do teu exterior » com um carácter puramente provisório — umdireito privado  baseado na «posse física», ou mais rigorosamente, um «modo de ter» que goza da«presunção jurídica» de se «poder converter em jurídico» [A posse física só se converterá plenamenteem modo de ter jurídico mediante a «união com a vontade de todos numa legislação pública»: noestado de natureza a sua  juridicidade é potencial e cumpre-se como uma antecipação-expectativa do

  status civilis («tem comparativamente o valor de uma posse jurídica enquanto se aguarda por um talestado»)] (§ 9 da Doutrina do Direito, Primeira Parte da Metafísica dos costumes)

Pacto social ►►Constituição civil ▬ Passagem para o status civilis ou «estado jurídico»

«O estado jurídico é aquela relação dos homens entre si que engloba tanto as condições sob as

quais exclusivamente pode cada um participar do seu direito quanto o princípio formal do mesmodireito, considerado de acordo com a ideia de uma vontade legisladora universal...» ( Ibidem, § 41)

«Do direito privado no estado de natureza surge então o postulado do direito público: deves,numa relação de coexistência inevitável com todos os outros,  sair do estado de natureza para entrar num estado jurídico...(...) A razão para isso pode explicar-se analiticamente a partir do conceito dedireito na relação externa, por contraposição à violência. Os homens (...) cometem uma injustiça emúltimo grau ao querer estar e permanecer num estado que não é jurídico, num estado, entenda-se, emque ninguém está seguro do seu contra a violência» » ( Ibidem, § 42)

«O conjunto de leis que precisam de ser universalmente promulgadas para produzir um estado jurídico é o direito público. Este é portanto um sistema de leis para um povo, quer dizer, para umconjunto de homens, ou para um conjunto de povos que, achando-se entre si numa relação deinfluência recíproca, necessitam do estado jurídico sob uma vontade que os unifique, ou seja de umaconstituição (constitutio), para se tornarem participantes daquilo que é de Direito...» ( Ibidem, § 43)

Ler estes e outros parágrafos de  Die Metaphysik der Sitten (1797-1798)na tradução portuguesa de José LAMEGO,

 A metafísica dos costumes, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2004

2.4.3. O sistema de consistência axiomático-dedutiva... que não obstante a

concepção maximalista de direito natural que assume (exigindo como que um

continuum de consistência lógico-proposicional entre o direito racional  e o direito

37

Page 38: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 38/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

voluntário) acaba por se esgotar num direito puramente pensado (apenas «essência

racional» ou «projecto normativo»...«mas não, só por isso direito») e por impor uma

cisão efectiva entre um direito ideal e um direito real [ler atentamente supra o texto da

 pág. 32]: cisão sobretudo visível porque o direito real  desafiado por estes projectos

filosófico-políticos prolongava-continuava (não obstante algumas correcções

 progressivas, determinadas sobretudo pela codificação do despotismo iluminado mas

também pela assimilação do cânone da interpretação do direito positivo segundo a

recta razão) a prática (e o sentido da prática) do ius commune.

« A verdade do direito positivo, como a do direito natural, pode demonstrar-se com precisão e clareza e isto na medida em que há uma relação entre todas as obrigações etodos os direitos e de tal modo que é possível deduzir um do outro mediante uma cadeiaininterrupta de raciocínios: as verdades que assim se relacionam entre si constituem um

sistema.» (WOLF) 

2.4.4. A concepção normativista: o direito como um sistema autónomo de

normas com uma realidade e um modo de existência racional-abstractos (o direito existe

nas suas proposições normativas e existe independentemente da sua realização concreta,

que nada há-de poder acrescentar-lhe no plano da normatividade-juridicidade). A

  possibilidade-exigência de cumprir positivamente este direito numa legislação

sistemática, num código. A exigência constitutiva e transformadora dos códigos  jusracionalistas (que não se limitam a declarar-especificar ou a «ordenar» ou a

«melhorar»-reformar um direito já vigente mas que constituem um direito novo e que

com este e com a mediação deste determinam uma «planificação global da sociedade»).

Os códigos do despotismo iluminado (o Código prussiano e o Código civil austríaco) e

os códigos napoleónicos pós-revolucionários (o modelo inexcedível do Code Civil ).

2.5. A subjectividade auto-constitutuinte da modernidade a assumir o problema

teleológico-político da invenção da societas.

2.5.1. A dimensão da autonomia-liberdade como «dimensão e categoria prática

originária» (the state of perfect freedom within the bounds of the law of nature) a

 projectar-se numa representação dos direitos subjectivos («a conversão do direito em

direitos») [ «Direitos que se diziam “naturais” para assegurar um sentido individualista

 pré-social que os preservasse da disponibilidade pelo poder político...» (CASTANHEIRA

 NEVES)]. A excepção de HOBBES…

38

Page 39: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 39/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

2.5.2. A recuperação do contratualismo   já não como o  pactum histórico

homologador da convivência político-comunitária mas como «acordo racional de

vontades»: a criação-constituição de um novo poder que resultasse da liberdade e fosse

 por ela legitimado.

A sucessão de dois pactos: o pactum unionis que constitui o cosmos social ou a

associação e o pactum subjectionis que constitui o poder político ou Estado. A

construção exemplar de GRÓCIO e mais uma vez a excepção de HOBBES…[«que

dissolve desde logo o contrato social no  pacto de submissão, pelo qual a sociedade

abandona imediatamente os seus direitos naturais a favor do soberano, de tal modo que,

como resultado, só restam um estado de natureza desprovido de direito e um direito

 positivo absoluto...» (WIEACKER ) ].

O  status civilis (social, político ou jurídico) como status adventitius («que vem

depois», que «não é natural», que é «acidental») [PUFENDORF].

A concentração exemplar do problema em R OUSSEAU: «Encontrar uma forma

de associação que defenda e proteja (...) a pessoa e os bens de cada associado e pela

qual cada um, ao unir-se (e enquanto se une) a todos os outros não obedeça no entanto

senão a si próprio e permaneça tão livre como antes. Tal é o problema fundamental

 para o qual o contrato social representa a solução...» [ Du Contrat social ou principes du

droit politique (1762), Livre premier, Chapitre VI («Du pacte social»)]

«L’homme est né libre et partout il est dans les fers. Tel secroit le maître des autres, qui ne laisse pas d’être plusesclave qu’eux…» [ Ibidem, Livre premier, Chapitre I ]

2.5.3. O novo poder ? Que novo poder? Não certamente o do  Leviathan de

HOBBES (Estado absolutamente soberano a quem todos os súbditos entregam o seu

direito à autodeterminação). Mas então que poder? Numa primeira fase (ligada á

experiência do direito racionalmente natural e a THOMASIUS e a WOLF em particular)

decerto o poder do despotismo esclarecido. Depois (e muito especialmente!), numa

concertação exemplar dos contributos de LOCKE e de R OUSSEAU ou das ideologias

liberal e democrática que traduzem (e de certo modo empobrecem) estes contributos — 

e então e assim exigindo uma ruptura revolucionária! —, o poder do  Estado demo-

liberal . Uma atenção particular a esta especificação ideológica e às exigências de

liberdade e de igualdade [ver BRONZE, ob.cit., pp. 335-341]

39

Page 40: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 40/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

2.6. A condição jurídica [ver C. NEVES, «O pensamento moderno iluminista...», cit.,

 pp.19-22 δ)]: uma nova concepção da lei como expressão de um poder legislativo (de

uma voluntas legítima) que só se constitui na sua juridicidade quando o seu texto

assimila a estrutura racional de uma norma. Uma racionalidade que resulta:

 —  da articulação hipotético-condicional se...→então;

 —  da universalidade racional das suas formulações [generalidade

/abstracção/ formalidade em sentido estrito];

►«Actos de todo o povo para (e sobre) todo o povo...» ( generalidade) «...que

tratam de uma matéria comum...» (abstracção)... [R OUSSEAU].

«Mais quand tout le peuple statue sur tout le peuple il ne considèreque lui-même, et s'il se forme alors un rapport, c'est de l'objet entiersous un point de vue à l'objet entier sous un autre point de vue, sansaucune division du tout. Alors la matière sur laquelle on statue estgénérale comme la volonté qui statue. C'est cet acte que j'appelle uneloi. Quand je dis que l'objet des lois est toujours général j'entends quela loi considère les sujets en corps et les actions comme abstraites,

 jamais un homme comme individu ni une action particulière. Ainsi la loipeut bien statuer qu'il y aura des privilèges, mais elle n'en peut donnernommément à personne; la loi peut faire plusieurs classes de citoyens,assigner même les qualités qui donneront droit à ces classes, mais ellene peut nommer tels et tels pour y être admis; elle peut établir un

gouvernement royal et une succession héréditaire, mais elle ne peutélire un roi ni nommer une famille royale; en un mot toute fonction quise rapporte à un objet individuel n'appartient point à la puissancelégislative…» (Du Contrat social , cit., Livro II, cap. VI)

Ler todo este capítulo no Material de apoio (ROUSSEAU)

►... mas também actos da vontade legisladora geral que enquadram a acção sem lhe

imporem previamente um conteúdo (antes confiando este à livre autodeterminação dos

interesses e dos fins de cada sujeito) {A exigência de abstrair do arbítrio, do «fim que

cada um se pode propor no que quer», para se considerar «apenas a  forma na relação

dos arbítrios» e a forma que confere a estes a sua «liberdade racional»: «Age de tal

modo que a máxima da tua vontade possa sempre ser considerada como um princípio de

legislação universal» (princípio da moralidade) / «Age exteriormente de tal sorte que o

livre uso do teu arbítrio possa concordar com a liberdade do outro segundo uma lei geral

de liberdade» (princípio do direito) [K ANT]}.

«O conceito de Direito (...) diz respeito , em primeiro lugar, à relação

externa (...) . [Em] segundo lugar (...) à relação do arbítrio pura e

simplesmente com o arbítrio do outro. Em terceiro lugar, nesta relação

40

Page 41: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 41/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

recíproca dos arbítrios não se atende, de todo em todo, à matéria do

arbítrio, quer dizer, ao fim que cada qual se propõe com o objecto que quer;

por exemplo, não se pergunta se alguém pode ou não retirar benefícios da

mercadoria que me compra para o seu próprio negócio, mas pergunta-se

apenas pela forma na relação entre os arbítrios de ambas as partes, na

medida em que tais arbítrios são considerados simplesmente como livres, e

se, com isso, a acção de cada um se pode conciliar com a liberdade do outro

segundo uma lei universal...» (Metafísica dos costumes, cit., Introdução à

doutrina do direito, § C.)

 —  do fundamento imanente que o sistema das normas (na sua unidade

horizontal por coerência) lhe proporciona (remissão).

Dois contrapontos paralelos :

α ) A volonté génerale em ROUSSEAU — inconfundível com as vontades

empíricas, reais (determinadas por um interesse privado) [volonté particuliére, volonté

de tous, (volonté de la majorité)] e então e assim a impor-se como uma «racionalização

da volonté de tous» (a lei como a «a mais sublime das instituições»... e o carácter 

«extraordinário» do autêntico legislador).

β ) A liberdade em KANT — inconfundível com o arbítrio e a contingência

material deste («O direito como o conjunto das condições por meio das quais o arbítrio

de cada um pode concordar com o de outro segundo uma lei geral da liberdade»).

  Breve alusão ao sentido do êxito histórico imediato destes pensamentos e ao

modo como a recepção liberal destes os empobrece. A impossibilidade individualístico-

-liberal de fazer justiça ao  personalismo ético de KANT: aquele que se traduz narepresentação de um Reino dos Fins [«Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto

na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e

nunca simplesmente como meio...» (Fundamentação da metafísica dos costumes)]

2.7. Duas condições epistemológicas — já no limite do contexto iluminista (a primeira

de resto em contraposição directa com este!)... e não obstante decisivas para a a

consumação deste no positivismo jurídico do século XIX...

41

Page 42: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 42/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

2.7.1. O historicismo a posteriori da Escola Histórica: a pressuposição (ainda

que não imposição) do direito-dado e a distinção entre o elemento político (o elemento

material que vincula o direito à «vida geral» da «comunidade»- povo) e o elemento

técnico (que determina uma autêntica ciência do direito) [ver CASTANHEIRA  NEVES, «O

 pensamento moderno-iluminista como factor determinante do positivismo jurídico...», cit., pp.

10-13 δδ); ver também BRONZE, ob. cit ., pp.342-348].

2.7.2. O cientismo  positivista, a hipertrofiar os discursos e os tipos de

racionalidade que considerámos acima ( supra, 2.3.) [ver BRONZE, ob cit .,  pp. 348- 351].A

conversão do direito num objecto do pensamento jurídico (ou deste enquanto ciência do

direito) [remissão].

 Elementos de estudo (pp. 29-40)A. CASTANHEIRA NEVES, «O pensamentomoderno-iluminista como factor determinante do

 positivismo jurídico (A origem moderno-iluministado legalismo)», 23 pp., in Curso de Introdução ao

 Estudo do Direito, cit. (a mesma colectânea que até agoratemos mobilizado).Fernando José BRONZE, Lições de Introdução ao

direito, cit., 315-351.Outras leituras  (para além daquelas já indicadas nosumário)CABRAL DE MONCADA,  Filosofia do direito edo Estado, vol I (Parte histórica), §§ 24 (R OUSSEAU)e 25 (K ANT).A. CASTANHEIRA NEVES, O instituto dos

  Assentos e a função jurídica dos SupremosTribunais, Coimbra 1983, pp. 525 e ss., 539-562,562 e ss.

J. BAPTISTA MACHADO,  Introdução ao direitoe ao discurso legitimador,cit., pp. 79-82, 91-93.

3. O positivismo legalista reconhecido nas suas coordenadas caracterizadoras.

3.1. Coordenada político-institucional: o Estado-de-Direito de legalidade e os princípios

da separação-divisão dos poderes , da legalidade e da independência judicial .

42

Page 43: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 43/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

A especificidade de um  Estado de representação parlamentar — de cidadãos

que se assumem como «vozes do dever» e participantes na vontade geral e que assim

(«obedecendo a si mesmos») se afirmam simultaneamente como  soberanos e súbditos,

vontades livres e limitadas   — no qual a função legislativa se reconhece e

institucionaliza como único poder «supremo e soberano» ou como «monopólio

normativo deste poder» (the supreme power in every commonwealth).

3.1.1. A separação-divisão dos poderes...:

  — autonomizada primeiro (por MONTESQUIEU... mas também e ainda

  parcialmente por LOCKE!) no seu sentido «pragmaticamente» negativo (estritamente

 político)...

...enquanto resultado e correlato de uma «prudência política» justificada por argumentos de responsabilização e de eficácia (ou pelo modo como estesconvergem na construção de um pouvoir moderé «socialmente equilibrado»)...

A faculdade de «impedir»-empêcher que cada um dos poderes da societas-Estado exerce sobre o outro

• Um «sistema de pesos e contrapesos» (no qual o «poder trave o poder»): aexperiência exemplar da democracia inglesa, construída paulatinamente (sem rupturas esem uma planificação racional prévia).

•• A exigência de confiar a um só (ao monarca) o   poder executivo e a de permitir que as diferenças de nascimento (de «estado») dos «nobres» e do «povo»(consagradas por diferentes ordens normativas e jurisdições) se projectem na partilha do

 poder legislativo (entregues a dois corpos e às respectivas assembleias)...••• O poder judicial como um poder invisível e nulo: «os juízes da nação»

(enquanto «seres inanimados») «não são senão a boca que pronuncia as palavras da lei»

  «La liberté politique ne se trouve que dans les gouvernements

modérés. Mais elle n'est pas toujours dans les États modérés; elle n'yest que lorsqu'on n'abuse pas du pouvoir; mais c'est une expérienceéternelle que tout homme qui a du pouvoir est porté à en abuser ; il va jusqu'à cequ'il trouve des limites. Qui le dirait! La vertu même a besoin delimites Pour qu'on ne puisse abuser du pouvoir, il faut que, par ladisposition des choses, le pouvoir arrête le pouvoir. (...)Lorsque, dans la mêmepersonne ou dans le même corps de magistrature, la  puissance législativeest réunie à la  puissance exécutrice, il n'y a point de liberté; parce qu'onpeut craindre que le même monarque ou le même sénat ne fasse deslois tyranniques pour les exécuter tyranniquement. Il n'y a point encore de

liberté si la puissance de juger n'est pas séparée de la puissance législative et del'exécutrice. Si elle était jointe à la puissance législative, le pouvoir surla vie et la liberté des citoyens serait arbitraire: car le juge serait

43

Page 44: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 44/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

législateur. Si elle était jointe à la puissance exécutrice, le jugepourrait avoir la force d'un oppresseur. Tout serait perdu, si le mêmehomme, ou le même corps des principaux, ou des nobles, ou dupeuple, exerçaient ces trois pouvoirs: celui de faire des lois, celui d'exécuter lesrésolutions publiques, et celui de juger les crimes ou les différends des particuliers.

(...)Ainsi, la  puissance législative sera confiée, et au corps des nobles, et aucorps qui sera choisi pour représenter le peuple, qui auront chacun leursassemblées et leurs délibérations à part, et des vues et des intérêtsséparés.(...) La puissance exécutrice doit être entre les mains d'un monarque, parceque cette partie du gouvernement, qui a presque toujours besoind'une action momentanée, est mieux administrée par un que parplusieurs; au lieu que ce qui dépend de la puissance législative estsouvent mieux ordonné par plusieurs que par un seul. Que s'il n'yavait point de monarque, et que la puissance exécutrice fût confiée àun certain nombre de personnes tirées du corps législatif, il n'y aurait

plus de liberté, parce que les deux puissances seraient unies; lesmêmes personnes ayant quelquefois, et pouvant toujours avoir part àl'une et à l'autre. (...) Des trois puissances dont nous avons parlé, celle de juger esten quelque façon nulle. (...) La puissance de juger ne doit pas être donnéeà un sénat permanent, mais exercée par des personnes tirées ducorps du peuple dans certains temps de l'année(...). De cette façon, lapuissance de juger (...)devient, pour ainsi dire, invisible et nulle. Onn'a point continuellement des juges devant les yeux; et l'on craint lamagistrature, et non pas les magistrats. (...) Les juges de la nation ne sont(...) que la bouche qui prononce les paroles de la loi; des êtres inanimés qui n'enpeuvent modérer ni la force ni la rigueur(...).»

(MONTESQUIEU, De L’esprit des lois, excertos do Livro XI, capítulos IV e VI)Para ler mais, ver 

http://classiques.uqac.ca/classiques/montesquieu/de_esprit_des_lois/partie_2/de_esprit_des_lois_2.html.Ver ainda a síntese proposta em http://maltez.info/biografia/Obras/montesquieu%20espritl%20des.pdf  

 — ... antes de (com R OUSSEAU e K ANT) se converter num «corolário

institucional» (livre de qualquer consideração  pragmática) da concepção moderno-

-iluminista da lei e do «Estado ideal» e «autónomo» («segundo os puros princípios do

Direito») que esta concepção promete (enquanto «situação a que a razão nos obriga a

aspirar por via de umimperativo categórico

»).«Um Estado (...) é a união de um conjunto de pessoas sob leis jurídicas. Na

medida em que estas, como leis a priori, são necessárias, ou seja, resultam por si dosconceitos do direito externo em geral (...), a sua forma é a forma de um Estado em geral,i.e., do Estado ideal, tal como ele deve ser segundo os puros princípios do Direito, ideiaessa que serve de norma (...) a toda associação efectiva dirigida a constituir um corpo

 político (...).Qualquer Estado contém em si três  poderes, quer dizer, a vontade geralunificada que se ramifica em três pessoas (trias politica): o poder soberano (soberania)na pessoa do legislador, o poder executivo na pessoa do governante (em observância àlei) e o poder judicial (que atribui a cada um o que é seu, de acordo com a lei) na pessoado juiz ( potestas legislatoria, rectoria et iudiciaria), à semelhança das três proposiçõesde um silogismo prático: a premissa maior, que contém a lei daquela vontade, a

44

Page 45: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 45/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

 premissa menor, que contém o preceito de proceder em conformidade com a lei, isto é,o princípio de subsunção à lei, e a conclusão, que contém a decisão judicial (a sentença),sobre o que é de Direito em cada caso.

(...) Existem, assim, três diferentes poderes (...) graças aos quais o Estado tem asua autonomia, quer dizer, se estrutura e conserva segundo leis de liberdade. — Na sua

união reside a salvação do Estado (...); salvação essa pela qual não devemos entender nem o bem estar dos cidadãos nem a sua felicidade, pois que esta pode ocorrer noestado de natureza (como afirma R OUSSEAU) ou mesmo sob um governo despótico,

 porventura de modo muito mais cómodo e apetecível; mas sim a situação da máximaconcordância entre a Constituição e os princípios do Direito, situação a que a razão nosobriga a aspirar por via de um imperativo categórico...»

(KANT, §§ 45 e 49 da Doutrina do Direito, Primeira Parte daMetafísica dos costumes, cit.)

«Pois a lei assim entendida distingue-se logicamente tanto da execução concreta como da aplicação particular, e

o poder legislativo, que só poderá prescrever normas gerais e abstractas, postula, já por isso, institucionalmente,diferentes poderes-funções de execução e de aplicação da sua legislação: um   poder executivo chamado àiniciativa de governo e de administração, segundo um princípio de legalidade ou no quadro da lei, e um  poder 

 judicial com a função exclusiva da aplicação da mesma lei aos casos particulares da sua previsão abstracta (...).Excluída qualquer forma de determinação do direito para além da lei (...), seria impensável que à função

  jurisdicional se atribuísse ou ela assumisse qualquer modalidade normativamente legislativa. Quer dizer, asfunções legislativa e jurisdicional, deixando de ter perante o direito e a ordem jurídica objectivos análogos — como haviam tido nos sistemas políticos pré-modernos —passam a ser intencional e institucionalmentecontrárias (uma delimita e exclui do seu campo funcional a outra), embora não contraditórias (a sua distinção éfuncionalmente complementar) e numa marcada relação de função exclusivamente soberana e criadora (a

  função legislativa) para função subordinada e estritamente aplicadora (a função judicial)...» (CASTANHEIRA

 NEVES, O instituto dos «Assentos» e a função jurídica dos Supremos Tribunais, Coimbra 1983, págs. 580-584)

3.1.2. O princípio da legalidade: as exigências da supremacia ou prevalência da lei

(Vorrang des Gesetzes) e da reserva da lei (Vorbehalt des Gesetzes) — a primeira a

  projectá-la como «acto da vontade estadual que prevalece ou tem preferência sobre

todos os outros actos do Estado» e a segunda a levá-la a sério como imperativo-norma

constitutivo da juridicidade (aqui e agora capaz de confundir a delimitação dos

«âmbitos de matérias» que lhe estão reservados com a determinação do território do

direito) — enquanto traduções institucionais convergentes...:  —…de uma concepão representativa da legitimidade…(se não de uma

concepção que transforma esta em  soberania, em «poder autónomo

contratualmente instituinte e constituinte»)...

«A submissão da administração à lei é uma condição necessária dalegitimidade da sua actuação (...) . Os órgãos executivos não sãodirectamente representativos, não participam qua tale na formação--manifestação da volonté générale. Para assegurar a legitimidade das

suas decisões, é necessário que se ajustem aos critérios geraisestabelecidos nas normas...» (ESTÉVEZ ARAUJO, J.A.)

45

Page 46: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 46/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

A articulação entre as promessas de uma constituição limitada e limitadora (limited and limiting Constitution) — construída pelo dispositivo da  separação dos poderes — e agarantia da liberdade individual  (contra o arbítrio da autoridade)  — consumada numa

 juridicização do poder: uma articulação que se determina exigindo que os representantesque detêm a autoridade legislativa não façam senão critérios gerais e abstractos

(LOCKE).A liberdade racional dos cidadãos (membros da societas civilis,entenda-se, do Estado) de «não obedecer a nenhuma outra lei senãoàquela a que (através do exercício do poder legislativo) deram o seuconsentimento»:«O poder legislativo só pode caber à vontade unida do povo. Uma vez que dele devedecorrer todo o direito, não pode ele causar com a sua lei injustiça absolutamente aninguém. (...) Daí que só a vontade concordante e unida de todos, na medida em quedecide cada um o mesmo sobre todos e todos decidem o mesmo sobre cada um, por conseguinte, só a vontade geral colectiva do povo pode ser legisladora...» (KANT, §

46 da Doutrina do Direito,  Primeira Parte da Metafísica doscostumes, cit.)):

Ainda o confronto com MONTESQUIEU (e com o modelo da Constituiçãoinglesa:«Daí que a chamada Constituição estadual moderada, como Constituição do Direito interno doEstado, seja um absurdo e que, em vez de fazer parte do Direito, seja um princípio de prudência...»(KANT, Anotação geral, ponto A.,inscrita a seguir ao § 49 da Doutrina doDireito, Primeira Parte da Metafísica dos costumes, cit.)

 —… e do «duplo postulado do legalismo»…

«A lei é todo o direito... e toda e qualquer lei é direito... Não há direito fora da lei; não há não-direito no interior da lei. Ou o que é o mesmo: não há normas vigentes que não sejam legais enão há normas legais que não sejam vigentes... Eis o duplo postulado do legalismo...»(LOMBARDI VALLAURI)

 —… mas também e muito especialmente da concertação exemplar 

das opções normativista e legalista [«Não há leis que não sejam normas

nem normas jurídicas que não sejam leis…» / «O direito é um sistema de

normas gerais e abstractas prescrito pela vontade legisladora enquanto

“vontade geral colectiva do povo”…»]

Reparemos que as compreensões legalista e normativista do direito não têm necessariamente quecoincidir:

(a) assumir uma compreensão legalista significa ver na lei o modo exclusivo (ou pelo menosdominante e determinante) da constituição e objectivação do jurídico (jurídico assim mesmoimputado a uma voluntas prescritiva político-constitucionalmente institucionalizada);

(b) assumir uma concepção normativista significa pensar o jurídico como um sistema denormas racionalmente auto-subsistentes — e exigir que todo o discurso juridicamente relevanteenvolva como sua dimensão irrenunciável a possibilidade de universalização associada à ratio danorma-regra (enquanto proposição de dever-ser  geral e abstracta).

Se pusermos o problema no nosso contexto actual… podemos dizer com efeito…

46

Page 47: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 47/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

▬… que é possível ser-se-legalista sem se ser normativista [reconduzir a constituição dodireito à voluntas do poder ou dos poderes legislativos… admitindo que as leis assim prescritas nãose exprimam todas através de normas-regras ou de programas condicionais («se→…então»)… oureconhecendo que, mesmo quando se exprimem através de normas gerais e abstractas, tais

 prescrições devem ser tratadas racionalmente como estratégias ou programas finais),▬… na mesma medida em que é possível sustentar uma opção normativista sem defender 

no plano (dito) das fontes uma opção legalista, antes e em contrapartida reconhecendo diversosmodos de constituição do direito (legislativos, jurisdicionais, consuetudinários e até doutrinais)…[por exemplo, dar todo o relevo às decisões judiciais enquanto precedentes ou pré-juízos paradecisões futuras… exigindo simultaneamente (para que estas possam ser pensadas eexperimentadas-realizadas  juridicamente) que se reconstrua a norma geral e abstracta que taisdecisões introduzem ou especificam (a norma geral e abstracta implícita na solução concreta eindividual que estas decisões exprimem); ou então… aceitar que a doutrina é hoje uma «fonte dedireito», exigindo simultaneamente que os seus critérios possam ser pensados e reconstituídosintegralmente como programas condicionais… (se não como condições da exploração-interpretação

racional de tais programas)…].Importando então concluir que o que aconteceu no contexto prático-cultural do Iluminismo — esustentou todo o processo de institucionalização do Estado demo-liberal, para encontrar a suaexpressão culminante (não sem dificuldades embora◙!) no Método Jurídico do século XIX —, foi

  precisamente uma conjugação-concertação (reciprocamente constitutiva) de legalismo e denormativismo (a de um legalismo que é incondicionalmente normativista… e a d e u mnormativismo exclusivamente alimentado por um legalismo).

3.1.3. A independência judicial assegurada na e pela estrita obediência à lei. As normas

legais como «critérios normativos» racionalmente universais e não como «imposições

ou intenções concretas de decisão».

Uma reinvenção (muito mais luminosa) da imagem do juiz (e do poder judicial).

[Ainda aqui um confronto com MONTESQUIEU !]. Ser apenas a «boca que pronuncia

as palavras da lei» (ser independente e neutro) passa a significar antes de mais libertar-

-se da «sujeição a poderes ou forças politico-socialmente contingentes» (àqueles

 poderes e forças que actuam nos comandos-imperativos singulares, com destinatários

individualizados e reacções-respostas construídas para situações concretas)... para

garantir que as prescrições da vontade geral se cumpram em cada caso (perante cada

 problema-controvérsia) sem quaisquer restrições na sua universalidade racional . Sendo

  precisamente a pressuposição desta normatividade universal (assumida na sua

completude e deixada intocada na sua auto-subsistência ideal) que garante a

◙ Dificuldades resultantes de um processo de construção muito complexo (no qual a «teoria » dasfontes do historicismo constitui decerto um elemento tão relevante quanto perturbador!)… processo aoqual aludiremos infra, na última parte do nosso curso

47

NORMATIVILEGALISM Positivismo  jurídico do

Page 48: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 48/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

racionalidade plena (a inevitabilidade racional) da resposta que o julgador há-de dar 

«sobre o que é de Direito em cada caso» (a resposta que «atribui a cada um o que é seu»

de acordo com a lei e pronunciando sem restrições as suas palavras). Só pressupondo

esta normatividade (plenamente dominada na sua unidade, como um autêntico sistema

de normas) estará tal resposta em condições de se libertar da contingência e do arbítrio.

O paradigma da aplicação:

(a) o direito-lei pré-determinado (reconstruído racionalmente e

interpretado em abstracto) sem qualquer interferência do mundo dos

casos concretos (ou da perspectiva que estes autorizam) [a exigência

do julgador abstrair do problema que o pré-ocupa para poder 

interpretar a norma em abstracto, garantindo a esta a sua plena

inteligibilidade racional e a  juridicidade que resulta da sua

universalidade (infra, na última parte deste curso, compreenderemos

de que interpretação se trata e quais são os cânones que a

explicitam)];

(b) a exigência de reconduzir o mundo dos casos-acontecimentos a um

acervo de factos empíricos desarticulados (factos discretos),  factos

que o juiz-sujeito irá «organizar» à luz da perspectiva de relevância e

das exigências de articulação que a hipótese da norma lhe oferece (o

contraponto normas /factos);

(c) o esquema lógico-dedutivo do   silogismo subsuntivo a garantir a

relação entre o geral e o particular sem implicações normativas.

PREMISSA MAIOR

A proposição normativa reconhecida na sua estrutura (hoje diríamosno seu  programa condicional ): à hipótese H («se...») corresponde aconsequência (-solução) jurídica C («então...»)

PREMISSAMENOR

  A subsunção propriamente dita(cujo núcleo é ainda e por sua vezconstituído por um silogismológico): o problema P (determinado ecomprovado na sua factualidadeempírica) é uma espécie (é umexemplar) do género H —  entenda-se, é assimilado pelas possibilidadesde «representação» ou de «previsão»

da norma em causa (ou pela tra-dução sistemático-categorialmente

48

 

• H está caracterizado demodo pleno pelas notas(-qualidades) x , y e z .•• P apresenta as notas (-qualidades) x , y e z .••• Logo P é um caso singular e concreto inscrito na hipótesegeral e abstracta H

Page 49: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 49/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

 plausível, e não obstante única,destas possibilidades).

CONCLUSÃO

Para o problema concreto P vigora (impõe-se-nos) a solução tipificada C(ou uma desimplicação lógica desta)

A institucionalização deste modelo de separação dos poderes (iluminado pelo horizonte

de um «Estado ideal» e «autónomo», construído «segundo os puros princípios do

Direito») cumpre-se porém introduzindo dinâmicas perversas (que a evolução posterior 

virá a confirmar e a submeter a um diagnóstico implacável de fracasso): decerto porque

a promessa de  juridicização integral dos poderes do   status civilis se cumpre (se

consuma) afinal esvaziando materialmente o jurídico… e entregando-o à pura

contingência da vontade política (cada vez menos claramente sustentada pela luz davolonté générale).

«Reparemos no entanto que houve aqui uma evolução... que superou-transformou osentido originário destas exigências.(...) A ideia liberal do  Estado-de-direito,(...) queassumia uma função privilegiada de garantia dos cidadãos (...), vinculada a umaexperiência de certeza do direito (...), converte-se pouco a pouco, por excesso deconfiança, na ideia do direito do Estado. A doutrina da divisão dos poderes, interpretadano sentido de libertar o juiz de toda e qualquer função normativa — para conferir esta

integralmente ao órgão da vontade geral e (...) assim garantir racionalmente aindependência do aplicador do direito perante os homens e as políticas —, acaba por seesgotar na prescrição de um discurso lógico-dedutivo (...) e por impor aos juízes e aos

 juristas em geral uma formação que os entrega a um legalismo passivo e formalístico...»(LOMBARDI VALLAURI)

3.2. Coordenada estritamente jurídica: as duas dimensões imprescindíveis da lei.

α) A lei enquanto imperativo ou   formale legis   — comando, prescrição ou

estatuição normativa, que tem a «sua fonte na vontade do povo» e no poder soberanoque a representa, e que como tal se impõe (e nos vincula).

β) A lei enquanto norma  racionalmente universal —  geral, abstracta e  formal 

[com o sentido que já explorámos  supra, 2.6., pp.37-39] mas também  permanente ou

estável  (se não já imutável), entenda-se, «subtraída à contingência e mutabilidade do

individual histórico-concreto, à relatividade histórico-concreta».

A importância da normatividade constitucional e da organização da legalidade

 sub specie codicis (a pretensão de unidade e de completude).

49

Page 50: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 50/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

3.3. Coordenada axiológico-jurídica: a racionalidade da lei a «consubstanciar» as

exigências normativas da juridicidade («a justiça racional da universalidade-igualdade e

da segurança»).

α) A generalidade a fundar-se na liberdade (que inventa a societas) mas também

a excluir o arbítrio e os «privilégios» e a consumar (na sua auto-subsistência) uma

exigência de igualdade.

β) A abstracção a assimilar o comum racionalmente parificador (outra das

dimensões da igualdade) mas também a «atingir o futuro e a assegurar a permanência».

γ) A formalidade a definir o « status ou o quadro normativo» das possibilidades

de actuação-autodeterminação dos sujeitos («as estruturas genérico-abstractas ou

objectivo-formais dos direitos e liberdades, fossem os direitos e liberdades

fundamentais, fossem os direitos e liberdades comuns, e igualmente as obrigações e

responsabilidades») sem impor fins, antes permitindo a cada um a prossecução dos seus

fins ( subjectivamente emancipados) e a realização lograda dos seus arbítrios: a lei a

afirmar a pureza jurídica da sua intencionalidade enquanto norma (a «assegurar 

negativamente a garantia dos direitos, protegendo os direitos de cada um contra os

ataques dos outros») e então e assim a desempenhar uma função  político-socialmente

estatutária de  garantia (a garantir a ordem das «liberdades» de um «modo igual e

objectivo, permanente e seguro»).

δ) A permanência enquanto condição da  segurança. Os dois sentidos da

segurança —  através do direito e do direito — e a acentuação privilegiada que o

liberalismo individualista (na mesma medida também em que hipertrofia o pólo dos

direitos subjectivos e a liberdade dos fins) acaba por conferir à primeira. A conexão

aproblemática entre a previsibilidade (obtida «através de uma regulamentação genérica

e tendencialmente formal») e a segurança através do direito. [Ler com muita atenção

CASTANHEIRA NEVES, Curso de Introdução ao estudo do direito (extractos), polic.,Coimbra, 1971-1972, pp. 68-72♦].

3.4. Coordenada funcional: a especificidade dum  pensamento jurídico formalista.

A cisão intencional entre um direito-objecto pressuposto (positum) — cuja

criação ou constituição se imputa a um poder estadual (ou pelo menos a um elemento

 político) — e o pensamento jurídico (intencionalmente teorético e só como tal

 juridicamente autónomo) que se lhe dirige.Ver elementos de estudo indicados na pág. 49.

50

Page 51: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 51/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

A ruptura que este entendimento, aberto pelo objectivismo historicista,

representa [Antes desta ruptura todos os degraus do pensamento jurídico (sem esquecer 

aquele assumidamente especulativo da filosofia prática, dita iuris naturalis scientia)

eram orientados por intenções prático-normativas… intenções como tal circular e

indissociavelmente partilhadas pelo projecto-procura do direito].

« Se para o positivismo jurídico o direito era só o direito positivo, isto é, odireito  posto (im posto) pelas prescrições do órgão ou órgãos político-socialmente legitimados para tanto, isto significava que o direito eraentendido como criação autónoma do legislador  político, segundo a suateleologia político-social, e variável em função das circunstâncias histórico-sociais condicionantes dessa mesma teleologia. Uma vez porém desse modocriado e posto, o direito passaria a ser  objecto de um pensamento que se

 pretendia puramente jurídico e assumido assim pelo “jurista enquanto tal”

(WINDSCHEID), pois que o seu objectivo metodológico seria exclusivamentecognitivo (a analítico-interpretativa reprodução e conceitualização dessedireito positivo, não de qualquer modo a reconstituição ou coprodução dasua normatividade) e a sua intenção noética estritamente formal  — se olegislador  cria o direito positivo, o jurista com o seu pensamentoexclusivamente jurídico conhece-o na sua estrutura lógico-formal e aplica-otambém lógico-formalmente ou lógico-dedutivamente, constituindo nestestermos o que se viria a designar o estrito Método Jurídico...»(CASTANHEIRA NEVES,«A redução política do pensamento metodológico-

 jurídico...», Coimbra 1993).

O confronto entre a contingência prático-material e político-ideológica que

sustenta o processo de criação do direito (e as decisões em que este culmina) e a pureza

formalmente jurídica do processo cognitivo e da ciência do direito que o torna possível.

A procura de uma perspectiva puramente jurídica desenvolvida ao longo do século XIX

enquanto procura de cientificidade (a construção de uma ciência jurídica de normas,

sustentada num cognitivismo-objectivismo normativista e na exigência de determinar 

um direito-dogma, imputado à auto-inteligibilidade racional de um sistema de institutos

e de conceitos).

O equilíbrio construção conceitual /sistematização /interpretação e as cisões

interpretação/integração, interpretação/aplicação; a aplicação como momento prático-

-técnico (exterior ao Método) [remissão para a última parte do nosso curso].

A pretensão de dominar teoreticamente a prática enquanto condição de

racionalidade. A «neutralidade científica» a levar implícita uma intenção axiológico-

  jurídica de «universalidade racional» (a neutralidade da ciência jurídica a «concorrer 

 para o êxito e consumação da última intenção axiológica daquele direito-lei que se

51

Page 52: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 52/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

recebia como mero objecto de conhecimento») [Ler com muita atenção CASTANHEIRA

 NEVES, Curso de Introdução ao estudo do direito (extractos), polic., Coimbra, 1971-

-1972, pp. 12-13⊇]

3.5. Coordenada epistemológico-metodológica (remissão): a (contingente) assimilaçãoexegética dos sentidos e a sua tradução em (invariantes) estruturas conceitual-

sistemáticas (mediatizadas pela determinação de um direito-dogma).

 Elementos de estudo (pp. 40-49)Fernando José BRONZE, Lições de Introdução aodireito, cit., 353-376.A. CASTANHEIRA NEVES,  Curso de Intro-dução ao estudo do direito (extractos), polic.,Coimbra, 1971-1972⊇ , pp. 3-17.

[ponto 3.2. do nosso  sumário] ID., «O pensamentomoderno-iluminista como factor determinante do

 positivismo jurídico (A origem moderno-iluministado legalismo)», in Curso de Introdução ao Estudodo Direito, cit., pp. 19-22 [δ].[ponto 3.3. δ)] ID., Curso de Introdução ao estudodo direito (extractos) ⊇ , polic., Coimbra, 1971-1972,

 pp. 67-77.

4. Uma primeira abordagem do universo pós-positivista concentrada numa

experimentação antropológica e no modo como esta corresponde a uma compreensão

(hoje plausível) do sentido específico do direito (ou mais rigorosamente, à pré-

-determinação fundamentante de uma tal compreensão, considerada no seu momento

regulativo).

4.1. O processo de superação do positivismo legalista. O diagnóstico de uma crise (já

anunciada nas três últimas décadas do século XIX) e este diagnóstico concentrado-

-simplificado em seis sintomas (ou núcleos de sintomas) exemplaresℵ.

. Colectânea de extractos (189 págs) disponível na Sala de leitura G-4-2.

A identificação destes  sinais (na medida em que nos remete para temas que virão a ser 

desenvolvidos em  Introdução ao direito II ) mereceu nas aulas teóricas uma alusão relativamente breve.Aqueles que foram considerados com mais autonomia e desenvolvimento (e que exigem neste momentoum especial cuidado!) são os que correspondem aos nºs 4.1.2. e 4.1.5. (infra, pp. 51-53, 55-58).

52

Page 53: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 53/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

4.1.1. A crítica metodológica a mostrar-nos numa perspectiva analítica que o juízo

  jurisdicional concreto (que soluciona controvérsias práticas) é irredutível ao

esquema silogístico-subsuntivo exigido pelo   paradigma da aplicação... e então e

assim a pedir uma verdadeira revisão metodológica (alternativa)... alimentada por 

uma outra racionalidade.

A problematização da cisão interpretação (em abstracto) / aplicação (em

concreto) conduzida pela autonomização progressiva de uma interpretação

normativo-teleológica (remissão).

O reconhecimento dos «verdadeiros problemas», que o Método Jurídico do

século XIX pressupõe resolvidos e oferecidos nas premissas (e que como tal se

abstém de tematizar): a construção do caso (e a determinação da sua relevância

  jurídica); a procura do critério normativo (a selecção da «norma aplicável»); o

confronto da relevância do caso com a relevância da norma.

A importância (a força) da decisão e da sua (irredutível!) componente

volitiva mas também das ponderações práticas, dos juízos de valor e das

considerações teleológicas que nela interferem (que a condicionam e constrangem,

mas que também a constituem, exigindo assim que a juridicidade deixe de se

identificar com a legalidade racionalmente reconstruída em abstracto).

O isolamento progressivo de um Método idealmente pré-determinado (e

como tal prescrito) e as resistências da realidade: não nos podemos esquecer com

efeito que o êxito da ciência do direito dogmática assumida pelo positivismo

normativista (muito especialmente por aquele positivismo normativista que, como

veremos, levou a sério a assimilação-superação da herança da Escola Histórica!)

dependia afinal da autonomização-consagração (irreversível) de um «direito»

 puramente pensado — um direito que se pretendia direito-dogma e que era então eassim entendido como uma versão- Fassung , integrantemente racional, do direito

 positivo interrogado por esta ciência!

4.1.2. A exigência de superar o normativismo como um pensamento jurídico

formalista e de abrir as portas a um discurso finalista (teleológico).

Uma superação em duas frentes complementares:

53

Page 54: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 54/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

 — no plano do direito [para que este deixe de ser o estatuto-ordem, universalmente

racional, da compossibilidade relacional entre os arbítrios (ao qual só a  forma na

relação entre os arbítrios importava)];

 — no plano do pensamento jurídico [para que este deixe de ser uma ciência jurídicade normas-textos (preocupada apenas com a estrutura categorial  que sustenta a

relação horizontal dos significantes e significados das normas)].

Uma alusão à conhecida classificação de K ANTOROWICZ [em  Die Epochen

der Rechtswissenshaft (1914)]:

 —  o pensamento jurídico formalista a partir de uma estrutura dogmática

auto-subsistente (norma-texto, sistema de conceitos) e a «procurar um

sentido para a fórmula dada» (e então e assim a fechar o direito numsistema formalmente autónomo)...

«O formalismo parte de uma norma jurídica enunciada, que é quase sempreum texto legislativo» e pergunta-se “como devo interpretar este texto parame ajustar à vontade que o formulou?”; partindo dessa vontade constrói, por 

 procedimentos aparentemente lógicos, um sistema cerrado de conceitos e de princípios gerais dos quais deverão resultar em termos necessários a decisãode qualquer questão jurídica real ou imaginada»

 —  ... o pensamento jurídico finalista a partir de um «sentido» (da

realidade material  dos fins, exigências e compromissos práticos, que podem ser também valores comunitários) e a «procurar uma fórmula»

 para a solução (-«sentido material») que encontra (ou experimenta)... e

então e assim a assumir a conexão direito/realidade social (nas suas

dimensões política, económica, ética, científica, cultural, axiológica...).

«O finalismo parte do”sentido” e não do livro, parte da realidade, dos fins edas necessidades da vida social, espiritual e moral e pergunta como devomanejar e modelar o direito para dar satisfação aos fins da “vida”; e

ajustando-se a esses fins, resolve as inumeráveis dúvidas do direito formal e preenche as suas incontáveis lacunas...»

Uma alusão à diversidade de caminhos que este teleologismo pode percorrer,

com dois pólos de atracção claríssimos:

(a) o primeiro a atender exclusivamente a fins... e a exigir novos palcos para

a institucionalização da  societas (e das relações desta com o Estado e

com o direito) — palcos diferentes daqueles que o Estado demo-liberal

consagrou [Veremos em breve quais!]

54

Page 55: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 55/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

(b) O segundo a atender a fins e a valores... e a exigir uma compreensão do

direito em que se volte a falar de validade comunitária (de um regresso

da communitas, diferente embora daquela que o arco pré-moderno

consagrara!)... mas então também a exigir que se leve a sério o

contraponto sociedade / comunidade.

NECESSIDADES SUBJECTIVAS ► INTERESSES(RELAÇÃO COM OS «OBJECTOS»-RECURSOSFUNCIONALMENTE APTOS A SATISFAZÊ-LAS)►ESCASSEZ DOS OBJECTOS (O OUTRO SUJEITOCOMO MEIO E COMO OBSTÁCULO)  ►FINS-OBJECTIVOS (ANTECIPAÇÕES PROGRAMADAS DEORDENS DE PREFERÊNCIAS) ►EQUIVALÊNCIA DOSFINS► EXIGÊNCIA DE DECISÕES QUE

HIERARQUIZEM OS FINS ►RACIONALIDADEINSTRUMENTAL-ESTRATÉGICA (MEIS-FINS /ALTERNATIVAS DE DECISÃO ORIENTADAS POREFEITOS)  SOCIETAS

CONVICÇÕES-PROJECTOS ►COMPROMISSOS PRÁTICOS TRANS-INDIVIDUAIS ►O OUTRO COMO SUJEITO NUMMUNDO PRÁTICO DE COMUNICAÇÃO-INTERRELAÇÃO►VALORES► TAREFAS►RESPONSABILIDADES ►VÍNCULOS INTEGRANTES

  ►HIERARQUIZAÇÃO DOS FINS ►RACIONALIDADEPRÁTICA SUJEITO / SUJEITOCOMMUNITAS

«Se os valores referem uma transindividual vinculação ético-normativa que responsabiliza e queconvoca a prática para o desempenho irrenunciável de “tarefas” (...) em que se projecta essasua vinculação ou compromisso, os fins desvinculados pelo “mecanicismo” moderno dateleologia ontológica, são agora tão-só opções decididas pela subjectividade que programa osseus objectivos (...), decerto sempre condicionados por um certo contexto mas em último termo

 justificados por interesses e em vista deles – comunga-se nos valores, diverge-se nos fins e nosinteresses...» [CASTANHEIRA NEVES, Teoria do direito (versão em fascículos), pp. 154-155 , (versão em A4), pp.85-86]

Ora estes caminhos vão-se separar (ao ponto de hoje serem protagonizados  por verdadeiros interlocutores-oponentes)! Bastando-nos por agora perceber o

sentido da diferença entre  fins e valores... mas também que a acentuação exclusiva

dos fins leva inevitavelmente a uma concepção instrumental do direito e a uma

renúncia à autonomia deste — a uma compreensão do direito como prática-

-instrumento, ao serviço de finalidades transjurídicas (políticas, económicas, mesmo

éticas).

55

Page 56: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 56/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

4.1.3 A exigência de superar o legalismo (de recuperar a distinção direito/lei)

compreendida em dois planos distintos (cujo desenvolvimento nos vai ocupar nos

 próximos capítulos).

α) A experiência, assumida na realização concreta do direito, dos limites

normativos da lei, acompanhada pela recompreensão do direito jurisprudencial

(judicial e doutrinal)[O problema dos limites normativos da lei (e da perspectiva

microscópica que o reconhecimento destes limites exige) será tratado infra, no

capítulo das Fontes do direito].

β) A convocação-especificação dos elementos (critérios mas sobretudo

fundamentos) constitutivos de uma «normatividade jurídica diferente da lex».

«Um desses elementos ou, se quisermos, um primeiro pólo dessa diferente normatividadetranslegal é o actual reconhecimento dos “direitos fundamentais” acima e independentemente da leie numa incondicional prioridade jurídica perante esta. Trata-se da universal proclamação dessesdireitos igualmente como “direitos do homem” (na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de1948, e em todas as Declarações e Convenções da mesma índole, quer gerais, quer regionais que se lheseguiram), e do seu também universal reconhecimento, no pensamento jurídico em geral e em todasas constituições contemporâneas. Não é já a lei a dar validade jurídica a direitos, enquanto direitossubjectivos, são os direitos, afirmados como fundamentais, a imporem-se à lei e a condicionarem a suavalidade jurídica (cfr., desde logo, o art. 18.º da Constituição da República Portuguesa).

Um outro elemento, a impor-se como um outro pólo de uma diferente normatividade jurídica,têmo-lo no actual reconhecimento de  princípios normativos a transcenderem também a lei, e a suaestrita legalidade, convocados como fundamentos normativo-jurídicos da juridicidade e que a própria

lei terá de respeitar e cumprir – e em grande parte obtidos como um resultado normativamenteconstitutivo e final de “jurisprudência” a que fizemos referência. (...)[Sendo certo] que esses direitos (os direitos do homem ou fundamentais) e esses princípios, se

não podem compreender-se hoje a exprimirem um qualquer “direito natural” – a pressuposição jáontológica (ontológico-metafísica), já antropológica do direito natural, na procura de um fundamentoabsoluto de normatividade jurídica, estaria culturalmente superada –, [não deixam de afirmar] umareferência normativo-juridicamente material em que se haveriam de ver os critérios actuais(histórico-culturalmente actuais) da justiça (não certamente em sentido apenas político) e assim, nãoobstante a superação do jusnaturalismo, [de desempenhar] uma  função análoga à do clássico direitonatural: a função capital de afirmarem os fundamentos de validade e as possibilidades normativo-

  juridicamente críticas relativamente à legalidade positiva.»  (CASTANHEIRA NEVES,   A criseactual da filosofia do Direito no contexto actual da crise da filosofia)

A atenção prioritária que a crítica ao legalismo normativista concedeu ao

  problema dos limites objectivos da lei (o qual, na imanência do mesmo

normativismo e da sua representação sistémica, continua a impor-se-nos sob a

designação tradicional de problema das lacunas). Numa especificação problemática

célebre (na qual converge também uma consideração do que viremos a dizer os

limites normativo-intencionais da lei) KANTOROWICZ, um dos corifeus do

Movimento do Direito Livre, virá mesmo a concluir que o sistema ordinatum dasnormas legais tem «tantas lacunas como palavras...» [Ler com muita atenção

56

Page 57: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 57/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

CASTANHEIRA NEVES, Curso de Introdução ao estudo do direito (extractos), polic.,

Coimbra, 1971-1972, pp. 26-30]

 

4.1.4. As novas exigências do princípio da igualdade reconstituídas a partir de uma

«referência-limite aos pressupostos sociais e às situações reais da concreta e efectiva

realização do direito». A crítica à pressuposição aproblemática da igualdade do

cidadão  perante a lei — determinada pela perspectiva da norma-ratio e pela auto-

inteligibilidade (se não auto-suficiência) da característica textual da  generalidade...

mas também pela necessidade de considerar tal igualdade e o seu sentido abstraindo

da solução materialmente contingente consagrada pela voluntas legislativa [«Autre

motif d’orgueil, que d’être citoyen! Cela consiste pour les pauvres à soutenir et à

conserver les riches dans leur puissance et leur oisiveté. Ils y doivent travailler 

devant la majestueuse égalité des lois, qui interdit au riche comme au pauvre de

coucher sous les ponts, de mendier dans les rues et de voler du pain…» (Anatole

FRANCE)]. O sentido de uma igualdade perante o direito que é também a

 possibilidade de distinguir as perspectivas político-ideológica e axiológico-jurídica

da igualdade material — a primeira a transformar a igualdade no compromisso de

um Estado social (que intervém «nos processos económicos e sociais para eliminar 

as situações de carência ou de dependência de certos grupos ou sectores da

sociedade») , a última a realizar-se (se não exclusivamente, também) no «processo

 judicial» enquanto «correcção microscópica» (mas não menos fundamentada) das

injustiças (a conciliar a intenção de unidade do sistema com a novidade irredutível

dos problemas concretos)… e então e assim a conceber a igualdade como uma

intenção fundantemente normativa que a própria lei (se a quisermos ver como um

autêntico critério jurídico) «é chamada a cumprir» (uma intenção que se nos impõe

logo que nos confrontamos com a experiência da controvérsia prática ereconhecemos a igualdade dos sujeitos- partes na manifestação relevante de posições

distintas).

Para que o «direito que no processo e através do processo se manifesta e cumpre [nãoseja] deste modo apenas o resultado de uma redução lógica do geral das normas

 pressupostas ao particular do objecto a julgar e sim aquele direito específico do casoconcreto que se constituirá, com apoio nas normas e outros critérios jurídicos, atravésdo diálogo normativamente participante de todas as entidades que concorrem no litígioa decidir — o tribunal e as próprias partes do caso decidendo» (CASTANHEIRA

57

Page 58: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 58/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

 NEVES, O instituto dos «Assentos» e a função jurídica dos Supremos Tribunais,Coimbra 1983, págs 125-126).

4.1.5. As transformações político-institucionais reconhecidas em dois núcleos temáticos

 possíveis.

4.1.5.1. A reinvenção do princípio da separação dos poderes: brevíssima alusão.

A «separação como constitucionalização, ordenação e organização do poder 

do Estado tendente a decisões funcionalmente eficazes e materialmente justas» e

assim a conferir ao princípio um sentido positivo (o de um «esquema relacional de

competências, tarefas, funções e responsabilidades dos órgãos constitucionais da

soberania») : de tal modo que se possa normativamente justificar uma «“compar-

timentação de funções” não coincidente com uma rígida separação orgânica»

[pense-se por exemplo na atribuição de funções legislativas ao poder executivo

(ConstRP, art. 198º)](G.CANOTILHO).

Sendo certo... — e é este o ponto que nos importa acentuar!— que esta

reinvenção não pode (ou não deve!) comprometer a diferença (ainda que uma nova e

radicalmente distinta compreensão da diferença!) que separa a função de progra-

mação legislativa (de uma política) da função de realização judicial (do direito).

Ao ponto de podermos falar da «tarefa construtiva» de um autêntico Estado-

de-Direito-de-Jurisdição, quando não mesmo de um  Estado-de-Justiça? Ao ponto

 pelo menos de, com CASTANHEIRA NEVES, podermos...

...«[exigir que] a índole política (comprometidamente  política) da função legislativa

(...) [possa] ter o seu contra-pólo na índole  jurídica (autonomamente  jurídica) da

função jurisdicional...»

«O compromisso político que corresponde hoje à lei, a fazer dela um instrumento jurídico-políticode governo, não pode deixar de implicar para a sua normatividade a parcialidade e mesmo a

 partidarização que são próprias do compromisso político numa sociedade dividida e plural. (...) Se aevolução do sentido da lei é forçosa, ela própria convoca, e com o mesmo carácter forçoso, umcontrapeso, um poder chamado a garantir o respeito pelos valores fundamentais da ordem jurídica edo direito. (...)As funções legislativa e jurisdicional, no actual sistema político-jurídico, não sócontinuam a não ser análogas, como voltam a ser contrárias: e se igualmente não são contraditórias,

 pois uma não nega a validade e a autonomia específica da outra, o certo é também que deixaram deser simplesmente complementares nos termos em que o eram no sistema moderno-iluminista (a

58

Page 59: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 59/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

complementaridade da criação genérica e da aplicação particular de um direito-norma geral ), paraserem antes concorrentes, como duas dimensões, intencional e institucionalmente contrapostas, deuma dialéctica entre um  poder de programação politicamente constituinte e um contra-poder que

 postula a validade do direito e é convocado unicamente à sua realização...» (CASTANHEIRA NEVES, O instituto dos «Assentos» e a função jurídica dos Supremos Tribunais, Coimbra 1983,

 págs. 604 a 611)

Que contra- pólo? Como veremos nos próximos capítulos...

  —... não só aquele que se afirma como um contrôle explícito da

constitucionalidade das leis...

 — ...mas também aquele que, para além do primeiro, se propõe reconstituir estas

leis na perspectiva da sua ratio juris (como autênticos critérios jurídicos capazes de

assimilar a relevância de controvérsias concretas... mas então também como critériosque objectivam fundamentos prático-comunitários especificamente jurídicos).

4.1.5.2. O ciclo do Estado providência (Welfare State)

4.1.5.2.1. Uma nova imagem do homem (homo socialis) convertida em projecto da

 societas e do Estado.

O projecto-promessa de institucionalização de uma justiça distributiva e da

igualdade mas também da «libertação da carência» que a especificam.

O processo de  socialização. A hipertrofia de uma racionalidade finalística

(estratégico-táctica). A felicidade «medida pela qualidade da vida e do bem-estar»

(pela maximização dos benefícios e redução dos custos).

4.1.5.2.2. A intervenção estadual determinada por uma planificação selectiva dos

fins — que não o é menos a de uma previsão cientificamente informada dos efeitos

e das diversas alternativas que lhes correspondem (o legislador estratega) — e por 

uma concepção holística da realidade social (que descobre a sociedade como uma

espécie de sujeito individual macroscópico, a seleccionar as necessidades-fins e a

mobilizar os meios e as alternativas de decisão eficientes).

4.1.5.2.3. A superação do conceito iluminista (jurídico) de lei-norma (uma nova lei

que «deixa de querer ser o mero estatuto formal das liberdades»... e que renuncia à

generalidade e à abstracção... mas também à permanência): o exemplo das leis-

-plano e das leis-medida.

59

Page 60: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 60/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

A lei-plano enquanto mobilização explícita de uma intenção transformadora: que

especifica um «programa final» (e assume o vector finalidade como sua dimensão

constitutiva) na mesma medida em que, levando a sério os limites de estabilização

táctico-estrategicamente desejáveis, se mostra capaz de escolher alternativas (ou de asinscrever numa ordem de preferências) para assim mesmo estruturar–condicionar os

comportamentos dos seus destinatários.

A lei-medida ou lei-providência (Massnahmegesetz) como uma

opção justificada rationis necessitatis pela agonia do   Estado demo-

-liberal  e pelas «transformações sociais, políticas e culturais» que, no

final da 1º Guerra Mundial, desmascararam essa agonia. A distinção lei-

-norma/lei-medida (C.SCHMITT, E. FORSTHOFF).

►► A lei-medida como um comando-imperativo que nasce de uma

situação real (concreta, contingente, irrepetível) de necessidade... e que

 permanece vinculado a essa situação... De tal modo que o critério gerado

se nos apresente... ↓

 —  ... como um enunciado particular [e particular tantona titularidade quanto na determinação dos

destinatários]: não pretendendo constituir um «acto de

todo o povo para todo o povo» mas uma prescrição

autoritária (primeiro de um legislador extraordinário

em estado de necessidade e depois do legislador 

ordinário) que como tal se imputa a um determinado

contexto de oportunidade estratégico-social e àdecisão que lhe corresponde... para se dirigir a um

grupo de cidadãos (ou a um só cidadão)... ↓

 —  ... mas também (e/ou também) como uma

resposta directa a uma «situação concreta»

(«anómalo caso particular ou situação

conjuntural perturbadora de uma acção

  planificada») , que se considera e pressupõe

60

Page 61: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 61/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

normativamente qua tale (como a «lei de um

único caso»)... ↓

 —  ... mas ainda como uma solução que «joga

em pleno o jogo da mutabilidade e da

relatividade histórica», descobrindo-se

como uma opção temporária ou pro-

visória (als Zeitgesetz)....

►►Sendo certo que estas Massnahmegesetze hão-de ter como limites vinculantes

tanto o princípio da separação dos poderes (ainda que na sua dimensão positiva e

como  princípio normativo autónomo)[que declare inconstitucional a «utilização

reiterada de “leis concretas” (G.CANOTILHO)] quanto o princípio da igualdade

[«...na medida em que este princípio lhes recusa a validade para quaisquer medidas

ou diferenciações que não sejam, no sentido desse princípio ou pelo equilíbrio social

que ele postula, materialmente justificadas...» (CASTANHEIRA NEVES)]

4.1.5.2.4. A crise do  Estado providência — que é desde logo a da sua eficiência mas

que não é menos a da sua matriz ideológica (pelo modo como esta pretendeu traduzir as

exigências de igualdade e solidariedade) — e as diversas propostas de «solução», a abrir 

outras tantas portas à recompreensão da legalidade — da «fuga para a frente» das

autênticas engenharias sociais (que se pretendem ideologicamente neutras), às opções

neo-liberais, passando pelas possibilidades da reprocessualização sistémica.

4.1.6. As transformações culturais simplificadas em dois núcleos decisivos: brevíssima

alusão÷ .

4.1.6.1. Uma nova concepção da ciência: ciência que — nos seus processos de

«construção», «selecção» e «eliminação» dos objectos, dos «enunciados» e dos

«expedientes de formulação» mas então também dos «conceitos» (que

«interpretam» os dados) e das «teorias» (que os «explicam») ... sem esquecer as

Pontos meramente aludidos (cuja leitura se recomenda, mas que não constituem enquanto talnúcleos temáticos obrigatórios).

61

Page 62: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 62/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

operatórias da comprovação empírica e os sentidos desta — se descobre a si própria

como  prática, histórico-contextualmente vinculada às opções metódicas de uma

comunidade de investigadores, com as suas rupturas e mudanças de  paradigma... e

então como um possível «jogo de linguagem», se não mesmo como uma «simples

tradição entre outras tradições»...

A multiplicação das epistemologias (e das gnoseologias) críticas (que

superam internamente o positivismo cientista e os vários neo-positivismos).

As lições de POPPER, ALBERT, K UHN, QUINE, LAKATOS ...mas também de

WITTGENSTEIN, RORTY, PUTNAM, CANGUILHEM e FEYERABEND

«Precisamos de uma redescrição do liberalismo, segundo a qual este seja a esperança de a cultura noseu todo poder ser “poetizada” e não, como era esperança do Iluminismo, de poder ser “racionalizada” ou tornada científica. Isto é, precisamos de substituir a esperança de que todossubstituam “a paixão” ou a fantasia pela “razão” pela esperança de que as oportunidades de realizaçãode fantasias idiossincráticas possam ser niveladas ou equiparadas...» (R ORTY)

... que traduz muito especialmente (e em várias frentes) a superação do

monismo cientista da razão moderna... abrindo-nos a possibilidade de recuperar e de

levar a sério um pluralismo de racionalidades.

A reabilitação da poiesis (aisthesis)[virtude intelectual da criação (de um objecto

exterior ao sujeito)] e da praxis (-phronesis, prudentia) [virtude intelectual da acção e da

decisão num mundo humano e num contexto comunicacional intersubjectivamente situado

e problematicamente concreto] enquanto universos racionalmente específicos.

A racionalidade prática a realizar-se numa acção comunicativa e no horizonte

dogmático de uma comunidade de comunicação sob o modus de um pensamento que é

constitutivamente problemático (integralmente perspectivado pela situação ou problema

concreto) e como tal sustentado num esquema sujeito/sujeito — com uma estrutura

dialógico-argumentativa e uma índole dialéctica (dinamizada pela diferença).

4.1.6.2. Uma nova concepção do homem, com quatro vértices ou núcleos

centrífugos (e muitas outras ideias-imagens intermédias).

α) O homo socialis da racionalidade estratégica, que a reacção à crise do  Estado

 Providência (ou uma das frentes de reacção possíveis, dominada pela absolutização

do mercado perfeito) vai converter em unidimensional homo economicus.

62

Page 63: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 63/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

β) O homo ludens da «estética da existência» e das guerras (e jogos) das linguagens,

fragmentado em diferenças e diferendos... a entregar-se à impotência de um

relativismo consumado e irresistível... (a encontrar na singularidade irrepetível do

  juízo estético o «vestígio de inteligibilidade» que caracteriza a sua condição

 presente...).

γ) O homo humanus da compaixão e responsabilidade infinitas (mas também da

hospitalidade incondicional) assumido pela ética da alteridade (e pela celebração da

singularidade que esta assume).

δ) O sujeito prático-hermenêutico existencialmente concreto, que é capaz de se dar 

conta da sua finitude (da sua condição de elemento-parte num todo que o transcende

e integra) para assim mesmo — numa pressuposição autoconstitutiva da validade e

desta como criação cultural — se comprometer com a transfinitude das valores

comunitários (e com estes como   projectos de ser constituídos e realizados na

 praxis)...

 Leituras recomendadas [ponto 4.1.] (pp. 50-60)

CASTANHEIRA NEVES, Curso de Introdução ao estudo do direito (extractos), polic.,

Coimbra, 1971-1972, pp. 24[β]-30. 

F. BRONZE, ob. cit., pp. 393 (último parágrafo)-398↵, 433-438ℵ.

Outra leitura:A. CASTANHEIRA NEVES, «A imagem dohomem no universo prático»,  Digesta, vol. 1º,Coimbra, Coimbra Editora, 1995, volume 1º, 331-335 (III 1.).

4.2. Os processos de superação do homo juridicus e do   formalismo ateleológico

concentrados no exemplo do direito privado: numa recompreensão (em diversas frentes)

do princípio da autonomia da vontade mas muito especialmente no problema do

exercício dos direitos subjectivos (e dos seus limites).

4.2.1. O princípio da autonomia da vontade ou autonomia privada enquanto condição

normativa de possibilidade do direito privado: e certamente porque o compromisso-

exigência que este princípio traduz — o (a) de uma autodeterminação e o (a) de uma

vinculação auto-responsabilizante que conferem ao sujeito privado a possibilidade de

Pontos 4.1.4. e 4.1.5.2. do nosso sumário. Ponto 4.1.4. do nosso sumário.

63

Page 64: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 64/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

constituição e de composição-especificação das relações em que participa — é

indissociável da compreensão-experimentação de um tal domínio do direito (ao ponto,

como veremos, de poder falar aqui de um princípio transpositivo de direito privado).

A compreensão individualista deste compromisso-exigência concentrada numa

«subjectividade constitutivamente distanciada» (Pietro BARCELLONA), entenda-se,

numa inteligibilidade do sujeito como categoria universal, indiferente às determinações

que o individualizam e diferenciam, às práticas (e aos poderes) com que se compromete,

às situações-acontecimentos que constroem a(s) sua(s) identidade(s), aos fins (e aos

interesses) cuja prossecução assume... e aos efeitos sociais que as suas acções-decisões

desencadeiam.

O paradoxo de um individualismo assumido em abstracto, no qual o homem concreto dos

interesses aparece submetido à máscara universalizante do indivíduo-cidadão participante na

vontade geral (l’homme placé sous la généralité des lois): o paradoxo, se quisermos, de uma

“particularidade”-”generalidade” (la particularité d’un individu du genre humain) [LEVINAS]

Mas então sustentada numa inteligibilidade do  sujeito que descobre na

autonomia-liberdade (e na esfera-mónada que a realiza) a «categoria prático-jurídica

originária» e que, subalternizando a responsabilidade, exclui do «poder de livre

exercício dos direitos ou do livre gozo dos seus bens pelos particulares» uma autêntica

(e fundante) «referência comunitária».

A PROCURA DE UM EQUILÍBRIO SUUM / COMMUNE

QUE SE CUMPRE PARADOXALMENTE

HIPERTROFIANDO O PÓLO DO SUUM (OU A

ORDEM QUE O ASSUME NA SUA UNIVERSALIDADE

RACIONAL).

A superação dessa compreensão individualista... e as suas diversas frentes (elas

 próprias em tensão manifesta umas com as outras):

(a) a superação determinada pelas exigências específicas de um projecto-programa

de institucionalização da societas  — pelo novo palco do Estado Providência e

  pela especificação finalístico-estratégica do interesse comum que este exige;

(b) a superação  facticamente experimentada pela crescente fragmentação da

sociedade em  grupos (profissionais, partidários, de pressão, de interesses) comexpectativas e objectivos conflituantes e distintas interpretações do interesse

64

Page 65: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 65/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

comum (quando não dominados pelos interesses do grupo e neste sentido

incapazes de compreender tal interesse público partilhado);

A conversão dos direitos individuais em posições de interesses convergentes,quando não explicitamente em processos de reivindicação (político-socialmente

legitimados).A insensibilidade ao interesse comum a favorecer um novo individualismo: já

não o do cidadão da vontade legislativa universal e da universalidade racional mas o dohomem dos interesses «rasteiramente egoísta e pragmático» (CASTANHEIRA NEVES)

(c) a superação comprometida com o regresso da comunidade e o horizonte de

validade que esta exige — uma superação paulatina... muitas vezes prosseguida

sob a máscara de uma correcção parcelar (especial, se não mesmo excepcional).

Uma concentração privilegiada no universo exemplar dos contratos e na evolução

que este tem vindo a assimilar. O princípio da liberdade contratual como especificação

normativa∇ — esta a merecer uma objectivação  positiva no critério do artº 405 do

Código Civil — do princípio da autonomia privada. A possibilidade de — sem escapar 

à ambiguidade denunciada supra, 4.1.2. (e então e assim sem escapar aos riscos de uma

instrumentalização- funcionalização da autonomia em causa) — se falar de uma

«efectiva materialização do princípio»...

Uma materialização que nos permite levar a sério a exigência de reconstituir o domínio de relevância assumido pelo contrato, descobrindo neste um«núcleo de conformação bilateral-interactivo», que só a pressuposiçãorealizadora de um commune de sentidos práticos nos permitirá entender — commune de resto que se imporá como condição de possibilidade efundamento determinante da própria autonomia da vontade, superando a«relação de tensão» (muitas vezes reconhecida e diagnosticada) que umacompreensão do princípio da autonomia como «autodeterminação de cadaum segundo a sua vontade» poderia impor a um princípio da liberdadecontratual justificado pela «bipolaridade dos interesses»...

Tenhamos presente que a possibilidade de realização de negócios jurídicos — enquanto actosde vontade juridicamente relevantes, com resultados-efeitos  jurídicos (constitutivos, modificativos ouextintivos de relações jurídicas) desencadeados por  declarações de vontade e a coincidir nuclearmentecom o «teor declarado» da intenção (que tais declarações realizam) — é, na perspectiva das exigênciasem que o princípio da autonomia privada se traduz, o domínio de experimentação privilegiado. Ora oscontratos são precisamente negócios jurídicos bilaterais, constituídos por duas ou mais declarações devontade com direcções opostas mas convergentes, que tendem à produção de um resultado jurídicocomum, ainda que com um significado distinto para cada uma das partes (sempre compostos por uma proposta-oferta e por uma aceitação, ainda que possam gerar obrigações principalmente, se nãoexclusivamente, para uma das partes) [Quando o negócio jurídico é constituído por uma declaração devontade ou por várias declarações de vontade «paralelas», que assumem «a mesma orientação», diz-seunilateral ; quando o contrato gera obrigações para ambas as partes diz-se  sinalagmático ou bilateral (segera obrigações para uma das partes apenas diz-se contrato unilateral ).]. Experimente esta

classificação elementar confrontando os critérios dos artigos 185º-186º, 458º,940º,1154º, 1157º e 1170º nº1, 1569º, 1577º, 1698º e 1701º nº 1, 2062º, 2179º doCódigo Civil (ou as noções que estes critérios integram ou em que se esgotam).

65

Page 66: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 66/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

 

«Não se trata de autodeterminação isolada, mas já funcionalmente, de um uso comum da autonomia (...).A subjectividade é aqui sempre intersubjectividade, a autonomia conjuga-se necessariamente no plural...»(SOUSA R IBEIRO ,O problema do contrato..., Coimbra 1999, pp.51 e ss.(3.))

«Importa compreender a relação contratual como um esquema prático de sentido...(...) que articula e vincula acçõesnormativamente ordenadas... (...) sem que as estruturas internas destas acções (...) ou o seu desempenho funcional (...)se possam compreender inteiramente  através da disciplina  normativa exigida pelo consenso das partes...»(G.TEUBNER )

 

A intenção de realizar uma juridicidade  social e comunitariamente (ainda que

 por vezes apenas colectivamente)  fundada. Alguns exemplos possíveis (entre muitos

outros...).

α) As restrições às chamadas liberdade de contratar ψ  e liberdade de modelação

do conteúdo do contrato ∏  ... enquanto exigências de controlar institucionalmente as

condições reais do acordo.

Procure «experimentar» esta distinção liberdade decontratar / /liberdade de modelação do conteúdo do contrato ecompreender o sentido social e (ou) comunitário (mais ou menosexplícito, ainda que com gradações diversas) das restrições emcausa considerando os exemplos dos critérios que integram osartigos 280º nº2, 282º nº1, 577º e 579º nº 1, 877º no 1, 928º,946ºnº1, 953º, 1025º, 1142º e 1146º nº1, 1245º, 2028º do CódigoCivil

▼▼

►►Não deixe de se dar conta da importância crescente dos chamadoscontratos normativos, aqueles que constroem em termos gerais e abstractosuma autêntica «disciplina imperativa comum» (parificadora), à qual se vão

A liberdade de celebração ou conclusão dos contratos traduz-se na exigência seguinte: «A ninguém podem ser impostos contratos contra a sua vontade ou aplicadas sanções por força de uma recusa decontratar nem a ninguém pode ser imposta a abstenção de contratar...» (a formulação é de Carlos A.MOTA PINTO, cuja Teoria Geral do Direito Civil , I Parte, Capítulo II, § 3º, se recomenda como leituracomplementar)[ver 4ª ed. (por António PINTO MONTEIRO e Paulo MOTA PINTO), Coimbra, CoimbraEditora, 2005, pp. 102-116].Procure descobrir nos critérios que integram o artº 405º (nº 1 e 2) as diversas especificações da liberdadecontratual como «liberdade de fixação do conteúdo do contrato»... : a) a possibilidade de «realizar contratos com as características dos contratos previstos e regulados na lei, bastando nessa hipótese, paradesencadear a produção dos respectivos efeitos, indicar o respectivo “nomen juris” (venda,arrendamento), sem necessidade de convencionar a regulamentação correspondente» (contratos típicosou nominados); b) a possibilidade de «celebrar contratos típicos aos quais  se acrescentam as claúsulas

que lhes aprouver , eventualmente conjugando-se dois contratos diferentes» (contratos mistos); c) a possi- bilidade de «concluir contratos diferentes dos contratos expressamente disciplinados na lei» (contratosatípicos ou inominados) [ Ibidem, pp. 109-110].

66

Page 67: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 67/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

submeter todas as futuras relações contratuais (ditas individuais) que secelebrem no âmbito correspondente...

São contratos normativos (integrados na subespécie dos contratoscolectivos) as convenções colectivas de trabalho (vinculantes para todos ostrabalhadores que nelas «se enquadrem», independentemente de estes teremou não participado na construção do acordo)...

Alusão ao problema da «concorrência» possível entre normaslegais (de direito do trabalho), claúsulas das convençõescolectivas e claúsulas dos contratos individuais de trabalho. Osentido do princípio do favor laboratoris (do tratamento maisfavorável do trabalhador) a permitir-nos compreender que odireito do trabalho assume uma exigência de compensação-correcção da «assimetria típica da relação laboral».

O critério do art. 4º nº1 do novo Código do Trabalho (Agosto de 2003)≠  a frustrar  parcialmente as intenções deste princípio (a possibilidade de a negociação colectiva poder consagrar uma alteração in pejus, quer dizer uma alteração que desfavoreça otrabalhador). «Em suma, também neste campo — no campo da concorrência earticulação das fontes juslaborais — estamos perante um Direito do Trabalho maisflexível (palavra mágica dos nossos tempos, por mais imprecisa que seja a respectivanoção no plano jurídico), em que a contratação colectiva já não é concebida como uminstrumento vocacionado para melhorar as condições de trabalho relativamente à lei,mas antes como um puro mecanismo de adequação da lei às circunstâncias e àsconveniências da organização produtiva...» (ver LEAL AMADO, «Tratamento maisfavorável e art. 4º, nº 1, do Código do Trabalho português: o fim de um princípio?»,

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9997). ▼▼

►►... Considere ainda o núcleo problemático (relacionado principalmente com o processo

de «fornecimento massificado de bens e serviços») onde convergem os chamados contratos

de adesão ou por adesão (contratos em que «uma das partes formula prévia e unilateralmente

as cláusulas negociais» e a outra parte «aceita essas condições», «mediante a adesão a um

modelo a ou um impresso» ou as rejeita, não sendo possível modificar o ordenamento

negocial apresentado») e as cláusulas contratuais ou condições negociais gerais (enquanto pré-determinações normativas gerais e abstractas de conteúdos contratuais, assim mesmo

«uniformizadoras de uma multiplicidade de contratações futuras»)... ou este núcleo na

  «1 - As normas deste Código podem, sem prejuízo do disposto no número seguinte, ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, salvo quando delas resultar ocontrário.

2 - As normas deste Código não podem ser afastadas por regulamento de condições mínimas.

3 - As normas deste Código só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando esteestabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador e se delas não resultar o contrário...» (Código doTrabalho, artº 4º)

67

Page 68: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 68/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

 pluralidade das intenções que nele se cruzam (a exigir outros tantos processos de correcção

ou de contrôle).

Leitura recomendada: MOTA PINTO, ob. cit., pp. 113-116 (IV)

Sem que, no contexto aberto pelo   Estado Providência  —   num processo de

multiplicação dos riscos que o é também da sua progressiva socialização ou repartição-

assimilação social  ( e então e assim no processo de uma assumida «substituição da

responsabilidade pela reparação») —, possamos esquecer  o exemplo dos contratos de

seguro — nos quais, e à custa de uma remuneração ( prémio), se cumpre a transferência

do risco  de um «evento futuro e incerto»... de uma pessoa (segurado)  para outra

(seguradora). Contratos estes...

 —... que são por vezes de celebração obrigatória...

  —... e que quase sempre se nos impõem  como contratos de adesão [cabendo ao

segurado (que beneficia do seguro), aceitar como que em bloco as «condições da

apólice» (unilateralmente propostas e determinadas pela seguradora, a maior parte das

vezes de resto num modelo ou formulário uniforme)].

β) A exigência de submeter a formação do contrato — nas fases negociatória e

decisória (incluindo esta última a proposta e a aceitação) — e a execução deste

(enquanto exercício dos direitos e cumprimento das obrigações que dele derivam) ao

 princípio da boa fé... e o modo como esta exigência (de «agir de modo honesto»,

«diligente» e «leal», de «prestar todas as informações exigíveis», de atender às

circunstâncias, de corresponder às expectativas de confiança depositadas nessa

acção) se projecta numa recompreensão–enriquecimento da relação obrigacional

complexa (na consagração não tanto de uma teia de deveres  secundários de

  prestação quanto de deveres acessórios de conduta)... mas também numa

 progressiva (mas nem sempre reconhecida...) convocação da prioridade metódica

do caso concreto.

Considere os exemplos dos artigos 239º e 762º nº2 e muitoespecialmente do art. 227º nº1 do Código Civil (este último aconsagrar legislativamente o critério dogmático daresponsabilidade pela culpa na formação dos contratos ou culpa in

contrahendo) [uma responsabilidade que se impõe tanto no caso deconclusão como de não conclusão do contrato em causa].

68

Page 69: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 69/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

γ) A concordância prática entre por um lado  as exigências  dos princípios da

força vinculativa e da estabilidade do contrato, especificadas nos critérios da

 pontualidade, irretractabilidade ou irrevogabilidade dos vínculos e na

intangibilidade do seu conteúdo (pacta sunt servanda) e por outro lado as

exigências do princípio da imprevisão (reconhecidas na claúsula rebus sic stantibus

e assimiladas pelas doutrinas da pressuposição e da base negocial mas também pela

correcção desta última iluminada pelo princípio da boa fé). Uma alusão às cláusulas

de hardship (incluídas em contratos internacionais ou de elevado valor).

Considere os exemplos dos artigos 406º nº1, 837º, 763º do Código

Civil em confronto com a solução proposta pelo critério do artº

437º do mesmo Código.

A possibilidade de «eventos imprevistos (ruína da moeda, alteraçãoda legislação, acontecimentos políticos)» converterem «as relaçõesde ambas as partes numa “grosseira não relação”, de tal modo queo contrato não satisfaça já o seu sentido como contrato de troca...Desta forma, deixando de ser inteiramente válido o dogma dacristalização da vontade no contrato, em termos de este só poder ser alterado por um novo pacto, e admitindo-se a sua resolução ou

modificação por força de um critério objectivo [ou transsubjectivo](a boa fé), perdeu o contrato o carácter de exclusiva lex privata das

 partes, assumindo caracteres mais conformes com uma concepçãosocial do direito...» (MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil ,II Parte, III, Título II, Subtítulo III, Capítulo VI considerando asolução exemplar de MANUEL DE A NDRADE e o modo como estacorresponde ao critério do 437º).

Leitura recomendada: MOTA PINTO, ob. cit., pp. 604-613

δ) A relevância jurídica de «auto-vinculações» sem a «pré-existência de umatransparente declaração de vontade» (expressa ou tácita) a impor-nos o universo das

relações jurídico-contratuais fácticas...

«Estamos aqui perante casos de uma relevância jurídico-materialque só restritivamente (i.e., de modo restrito ou limitado) realiza arelevância jurídico-contratual, mas no entanto em termossuficientemente (nuclearmente) análogos para justificar como seucritério jurídico as normas contratuais...» (A. CASTANHEIRA

 NEVES)

69

Page 70: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 70/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

ε) Por fim, numa determinação fundamentante que ilumina todos os exemplos

anteriores, a superação objectivista do (subjectivista)  dogma da vontade — um

dogma centralizado na vontade real  do declarante (esta embora sob a máscara do

abstracto homo juridicus) ...

Uma superação aberta pela consagração objectivista do princípio da declaração

 — e muito especialmente pelo critério dogmático da impressão do destinatário («a

declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na

 posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria»)...

Mas uma superação sobretudo que culmina num núcleo privilegiado de

concordância prática (que em rigor supera a própria compreensão objectivista). Que

concordância prática? Aquela que convoca as exigências da confiança (objectiva-

mente recíproca) e da  participação ( positivamente autónoma, enquanto

«concorrência constitutiva autodeterminada com os outros») ou esta concordância

traduzida num princípio de auto-responsabilidade.

 Elementos de estudo [ponto 4.2.1. ] (pp. 61-67 do nosso sumário)

A. CASTANHEIRA NEVES, Curso de Introdução ao Estudodo Direito, Coimbra 1971-72 (extractos), 19[2)]-24, 52(«Mas onde

a autonomia...»)-64 .

Fernando José BRONZE, ob. cit., 404-425

  Ter ainda em atenção as pp. de MOTA PINTOexpressamente recomendadas no texto

4.2.2. O problema do abuso do direito.

4.2.2.1. O contraponto direito objectivo / direito subjectivo: sentido comum da

distinção.

70

Page 71: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 71/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

(a) O direito enquanto ordem social , enquanto  sistema de fundamentos e critérios,

enquanto dimensão da nossa prática, enquanto domínio prático-cultural  (que

 pode ser «estudado» e reflexivamente «reconstituído»).

(b) O direito enquanto poder ou faculdade exercidos por um sujeito…

4.2.2.2. O problema do abuso do direito (direito em sentido subjectivo!) denunciado

 pela jurisprudência judicial francesa: o do exercício de um direito subjectivo que,

respeitando embora a estrutura formalmente definidora desse direito (a

compossibilidade-forma na relação entre os arbítrios), se nos impõe  juridicamente (e

não apenas ética ou  socialmente) como um desempenho abusivo — que importa

«sancionar» enquanto tal (ferindo de invalidade o acto concreto correspondente ou

impondo ao sujeito-agente um dever de «indemnização pelos danos abusivamente

causados»). Uma experiência problemática que começa por ser exemplarmente

dominada pelo exercício do direito de propriedade («le Code civil de 1804 fait du

droit de propriété un droit absolu, et a priori comme tel insusceptible d’être exercé

dans des conditions abusives»).

4.2.2.3. A autonomização de um critério dogmático que, reflectindo a experiência

constituinte de uma tal casuística, possa assimilar a especificidade deste problema

(superando a antinomia aparente entre direito subjectivo e exercício abusivo)... e

tornar explícita a normatividade das soluções ensaiadas. O ponto de partida: a

théorie (dite) de l’abus des droits de Louis JOSSERAND (já em  De l’abus des

droits de 1905).

« On conçoit que la fin puisse justifier les moyens, du moins lorsque ceux-ci sontlégitimes en eux-mêmes ; mais il serait intolérable que des moyens, mêmeintrinsèquement irréprochables, pussent justifier toute fin, fût-elle odieuse etinconcevable. C'est précisément contre une telle éventualité que se dresse la thèse del'abus des droits qui a pour ambition et pour raison d'être d'assurer le triomphe del'esprit des droits, et, par là, de faire régner la justice, non point seulement, ce qui estrelativement aisé, dans les textes des lois et dans des formules abstraites, mais, cequi est un idéal plus substantiel, dans leur application même et jusque dans la réalitévivante» (JOSSERAND).

4.2.2.4. A objectivação normativo-legal de um critério possível: o artº 334º do

Código Civil.

4.2.2.5. A reinvenção do princípio da autonomia da vontade — e da concepção dos

direitos subjectivos — que a experimentação deste problema e o processo de

71

Page 72: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 72/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

especificação-objectivação (mas também e indissociavelmente de realização

  jurisdicional) do(s) seu(s) critério(s) (casuísticos, dogmáticos e normativo-legais)

nos permite surpreender e assumir.

►►Uma compreensão privilegiada da dinâmica do sistema mas também da dialéctica problema/sistema que distingue e autonomiza o discurso jurídico(remissão).▼▼

O problema do abuso de direito a manifestar exemplarmente o novo «sentido normativo

e metodológico assumido pelo pensamento jurídico»:

(a) o reconhecimento de princípios e compromissos normativos materiais (de um

autêntico jus vigente);

(b) a exigência de uma «ponderação ou apreciação jurídica em concreto» (histórico--concretamente situada)

►►«Desde que se abandone a ideia de direitos subjectivos formal-conceitualmenteabsolutos e se veja nestes direitos uma função normativa, teleológico-materialmentefundada,(...) o abuso de direito não pode deixar de ser juridicamente assimilado.(...)Trata-se com efeito de compreender os direitos subjectivos (...) como uma intençãonormativa que apenas subsiste na sua validade jurídica enquanto cumpre concretamenteo fundamento axiológico-normativo que a constitui. Um comportamento que tenha aaparência de licitude jurídica — por não contrariar a estrutura formal-definidora (legal

ou conceitualmente) de um direito, à qual mesmo externamente corresponde — e, noentanto, viole ou não cumpra, no seu sentido concreto-materialmente realizado, aintenção normativa que materialmente fundamenta e constitui o direito invocado, ou deque o comportamento realizado se diz exercício, é o que  juridicamente se deveráentender por exercício abusivo de um direito...» (A. CASTANHEIRA NEVES)

 Elementos de estudo:

[ponto 4.2.2.1. ] A. CASTANHEIRA NEVES, Curso de Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra

1971-72 (extractos), pp. 155-158 [α)]

[ponto 4.2.2.2 –4.2.2.5.]: F. BRONZE, ob.cit., pp. 426(segundo parágrafo) –433.

4.2.3. O recurso, cada vez mais frequente, a conceitos indeterminados e a claúsulas

gerais. Um problema que a consideração atenta dos critérios dos artigos 227º

nº1[ supra,4.2.1. β)], 437º[ supra,4.2.1. γ)] e 334º [ supra,4.2.2.4.] do Código Civil —...

72

Page 73: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 73/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

não tanto destes quanto dos «recursos» ou «instrumentos» de formulação a que eles

recorrem — já nos permitiu compreender... mas que agora importa autonomizar!

É certo que toda a linguagem mobilizada pelas normas sofre de indeterminações

significativas (especificamente linguísticas), que a analítica da linguagem nos ensina a

reconhecer.

 Excurso (brevíssima alusão):

 São estas indeterminações:

 —  as ambiguidades (equivocidades ou plurivocidades) que afectam a intensão ou

conteúdo intencional das expressões, entenda-se, as «qualidades» que estas

expressões ou os seus enunciados atribuem aos «objectos possíveis a que se

dirigem»...

Para compreender por exemplo as expressões «É ilegítimo», «Sãonulos...», «É  juridicamente inexistente...» que integram as estatuiçõesrespectivamente dos artigos 334º, 1628º e 1939ºdo Código Civil eutenho que convocar contexto(s) de significação específico(s)... e comdiversos graus de dificuldade! [ A expressão mais indeterminada écertamente a primeira...]

 —  as vaguidades, que dizem respeito à extensão ou ao(s) objecto(s) referido(s)enquanto dúvidas relativamente a «fenómenos conhecidos»...

Eu só posso determinar a extensão das expressões « prédioencravado», «via pública», «excessivo incómodo ou dispêndio»(artigo 1550º do Código Civil) enquanto (e na medida em que) paraalém de invocar determinados contextos de significação (que me sãooferecidos pelas linguagens jurídicas ou pela linguagem comum)experimento um certo contexto de concretização-realização: quandoavalio a situação concreta do Sr. A... e concluo que neste plano ou emrelação a cada um destes elementos o referido critério assimila (ou

não assimila!) a relevância material da controvérsia que tenho queresolver... É que a norma em abstracto não é «unilateralmente pré-determinante do seu próprio campo de aplicação ou da sua concretaextensão...»

«Só na aplicação concreta da própria norma se descobrirá afinal se ocaso a decidir é um caso da própria norma ou não...»  (HASSEMER)

 —  as porosidades ou vaguidades potenciais, que têm a ver com a extensão

também... mas agora enquanto dificuldades provocadas pela constante

mutação das «situações e dos contextos práticos» e também pela «possível

73

Page 74: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 74/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

alteração ou novidade dos problemas» (indeterminação relativamente a

«fenómenos ainda não conhecidos»)1.

«Contra a porosidade não há remédio nenhum...» (KOCH) O que aquireconhecemos com efeito é o confronto entre a norma como critério

formalmente abstracto e a novidade imprevisível e indominável dassituações concretas... ▼

►►Recordemos a célebre decisão do Tribunal do Reich que, invocando o §211 do CódigoPenal alemão e o modo como este tipifica o crime de  furto (aquele que «subtrai a outrem umacoisa móvel  alheia com o intuito de ilicitamente se apropriar dela»), se «achou impedido dequalificar e punir como furto o desvio não autorizado de energia eléctrica através de umaderivação subreptícia da corrente a partir do cabo condutor...»▼▬▬▬ ▼▬▬▬▬▬▬▬▼

►►«Com HECK, podemos distinguir nos conceitos jurídicosindeterminados um núcleo e uma auréola conceituais. Sempre que temos

uma noção clara do conteúdo e da extensão de um conceito, estamos nodomínio do núcleo conceitual. Onde as dúvidas começam, começa aauréola do conceito.(...) É fora de toda a dúvida que os imóveis, osmóveis, os produtos alimentares, são coisas; mas outro tanto se não

 poderá dizer (...) da energia eléctrica...» (ENGISCH)

A «diferença» que nos permite falar de conceitos indeterminados é assim, antes

de mais, uma diferença de grau: um «conceito indeterminado [melhor dizendo, mais

indeterminado] é aquele cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos»

(E NGISCH).

Se a fórmula ou enunciado em causa não permite obter uma resposta

determinativa que culmine (ou que admita traduzir-se) numa decantação categorial,

remetendo-nos antes para um fundamento normativo (extralegal , se bem que não

forçosamente extrajurídico) de apreciação — na mesma medida em que nos seus limites

renuncia deliberadamente a uma hipótese tipificadora (ou a um núcleo significante de

tipificação-circunscrição)... mas também em que exige do intérprete-realizador umavaloração explícita (sustentada no referido fundamento) — podemos falar de cláusulas

 gerais.

Uma exploração desta diferença, que contrapõe à claúsula geral da boa fé o

conceito indeterminado as demais circunstâncias do caso. Ainda aqui... uma mera

diferença de grau (justificada pelo carácter mais ou menos explícito da valoração).

1 Para um desenvolvimento ver CASTANHEIRA NEVES, «O princípio da legalidade criminal...», Digesta, vol.1º, 435 e ss.

74

Page 75: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 75/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

Experimente à luz desta diferenciação as seguintes expressões ou enunciados (todos doCódigo Civil):estado ou situação de «boa fé» (artigos 179º, 184ºnº2, 243º, 892º, 1648º),

 princípio da «boa fé» (artigos 227º nº1, 239º, 334º, 437º nº1, 762º nº1),«bons costumes» e«ordem pública» (artigos 271º nº1, 280 nº2, 2230º), «exercício de um direito», «excedamanifestamente»,«fim social e económico do direito» (artº 334º) «diligência de um bom pai de

família» e «circunstâncias do caso» (artº 487 nº1), «grau de culpabilidade», «situaçãoeconómica do agente e demais circunstâncias do caso» (artº494º) «escassa importância» (artº802 nº 2). Cfr. também o critério que compõe o artigo 473º nº1 do Código Civil e ainda algunsenunciados mobilizados pelo Código Penal: «especial censurabilidade ou perversidade doagente» (artº132º nº1), «os bons costumes» (artº149º) «escarnecer ou ofender outrem de maneira

 baixa, vil ou grosseira» (artº220o nº1), «interesse público legítimo» e «boa fé» (164º nº2).

A importância decisiva destes «recursos de formulação», enquanto

correspondem a uma exigência de materialização do discurso jurídico e a uma

acentuação decisiva da importância do caso concreto e da situação de realização [não

nos esqueçamos no entanto de que estas exigências não são univocamente assumidas,cumprindo-se antes à luz dos dois grandes caminhos que esboçámos  supra, na pág. 52

destes sumários (invocando por um lado um  paradigma pragmático-funcionalista de

decisão e por outro um paradigma jurisprudencialista de juízo)].

 Elementos de estudo:

A. CASTANHEIRA NEVES, Curso de Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra 1971-72 (extractos),

 pp. 22-25, 58-60

F. BRONZE, ob.cit., pp. 415-423.

Outras leituras:J. BAPTISTA MACHADO,  Introdução ao direito e ao discurso legitimador, cit.,capítulo IV, secção II, §3.).K. ENGISCH,   Introdução ao pensamento jurídico, trad. de BAPTISTAMACHADO, ed. da Fundação Gulbenkian, Lisboa, todo o cap.VI.

4.3. O reconhecimento axiológico da pessoa enquanto compreensão-experimentação da

validade jurídica (na sua auto-referencialidade e autotranscendentalidade prático-

-culturais).

75

Page 76: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 76/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

Mais do que celebrar a vocação integradora (de   sentido comunitário) que a

resposta direito assume — enquanto participa da praxis- poiesis de um integrante mundo

humano —, trata-se com efeito de reconhecer a especificidade do commune que esta

resposta constrói… e o modo ou forma de vida que este nos incita a prosseguir… e que

assim mesmo (e enquanto tal) deverá cruzar-se e inter -relacionar-se com outras

identidades colectivas e outros horizontes de integração (sociais ou comunitários)…

O direito como um «projecto»-procura prático-culturalmente «situado» (a

  procura de um homo humanus de autonomia e responsabilidade e do equilíbrio

dialéctico que o constitui): um equilíbrio que os diferentes ciclos históricos e os

diversos contextos prático-culturais (na sua teia de factores condicionantes) irão

compreender e experimentar (mas também estabilizar-institucionalizar) em termos

muito diferentes.

A especificidade da normatividade jurídica compreendida no seu momento

regulativo e na pré-determinação fundamentante deste sentido (mas nem por isso menos

dominada por uma historicidade constitutiva) — a consciência jurídica geral 

(CASTANHEIRA NEVES).

4.3.1. A consciência jurídica geral  enquanto objectivação histórico-

-comunitária do (que se poderá dizer o)  princípio normativo do direito (ou deste como a

exigência que ilumina a procura-invenção do homo humanus da autonomia e da

responsabilidade): a «síntese de todos os valores e fundamentos que nessa comunidade

dão sentido ao direito como direito» (CASTANHEIRA NEVES). As três objectivações

intencionais desta síntese axiológico-jurídica.

4.3.1.1. O primeiro nível. A codeterminação contextual de uma espécie de consensus

omnium... no qual a realidade histórico-social, através das suas intenções normativo-culturais («valores, princípios éticos, exigências morais, intenções ético-culturais,

concepções sociais sobre o válido e o inválido, etc., que informam o ethos de uma

determinada comunidade num certo tempo») se revela a informar a normatividade

 jurídica e a ser (ainda que não unilateralmente) assimilada por esta.

«Trata-se do que se poderá considerar o consensus omnium ou a normativaconscience publique da comunidade de que se trate e em que será lícito ver 

como que o costume ético-social da mesma comunidade, posto que porventura a diferenciar-se em função dos grupos sociais a que vai referido — desde os grupos económicos, profissionais, científico-técnicos, artísticos,

76

Page 77: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 77/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

religiosos, etc., até à sociedade em geral — e lhes prescreve os seus padrõesde acção ou modelos de comportamento inter-relacional, já no seio do grupo,

 já perante outros grupos ou a sociedade também em geral, e permite ajuizar dessas acções e desses comportamentos como válidos, correctos, exigíveis,razoáveis ou aceitáveis, etc — como a conduta social correcta dessa

categoria ou dos “tipos normais” desses grupos. Nestes termos se invocarão, p. ex., os “usos do tráfego” os “usos do comércio”, se faz referência aodiligens pater familias, à “concorrência leal”, à “informação permitida” (...),aos “bons costumes” (enquanto tipicidade social eticamenteaprovada)...»(CASTANHEIRA NEVES Metodologia jurídica. Problemas

 fundamentais, Coimbra 1993, 280 e ss)

O exemplo do compromisso prático dos «bons costumes», «originariamente»

vinculado a um acervo de padrões pré-jurídicos (à experiência de uma «tipicidade social

eticamente aprovada») e não obstante continua e constitutivamente submetido a uma

assimilação-transformação  jurídica — uma assimilação que lhe confere uma

inteligibilidade inconfundível e um sentido normativamente autónomo e que é por assim

dizer protagonizada pelas diversas comunidades de juristas (e pelas inter-relações que

estas assumem mas então também pelo mundo prático que se descobre como contexto-

correlato funcional destas inter-relações). Numa espécie de continuum sem soluções que

assimila e «confunde» (resta saber até que ponto... e com que possibilidades

transformadoras) as experiências distintas de uma pressuposição-condicionamento

material e de uma autotranscendência fundamentante.O confronto entre a experiência de uma sociedade «tendencialmente integrada e

estabilizada» (que apaga a «diferença entre o ideológico e o axiológico») [«When an

ideology is uncontested it is not even perceived to be an ideology but rather is treated as

common sense...» (POSNER )] e de uma sociedade «plural e conflituante» (na qual esta

diferenciação se torna simultaneamente vulnerável e indispensável ... sob pena de termos

que renunciar à autonomia intencional do jurídico). A experiência da ruptura

revolucionária: cairá o direito «na sua totalidade»?

Alguns exemplos de exigências e de compromissos práticos (traduzíveis em princípiosou especificações de princípios) que descobrimos comprometidos com este nível (nãoimediatamente jurídico) de assimilação do «costume ético-social» mas também com a

teia de poderes e de resistências que o seu ethos mobiliza ou está autorizado a mobilizar 

77

Page 78: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 78/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

(numa convocação possível de uma concepção ou mundividência ideológica dominante,quando não de uma intenção político-ideológica condutora):

● a assimilação normativa do sistema político ou das exigências que esteintroduz [considere os artigos 1º, 2º e 91º da Constituição da RepúblicaPortuguesa (e confronte-os com as suas redacções anteriores)];

●● a disciplina normativa do direito de propriedade (o problemada função  social  da propriedade e do seu sentido e limites) e(ou) a possibilidade de autonomização dos chamados «direitos edeveres económicos» [cfr.os artigos 58º-62º da Constituição];

●●● a representação da igualdade e das «diferenças» ou da exigência de as superar nouniverso específico do Direito da Família [cfr.o artigo 36º nºs 3 e 4 da Constituição].

►O Código Civil de 1966 («interpretando» o § 2º do art. 5º da Constituição de 1933 e a suaconvocação em relação à mulher  das «diferenças» resultantes da «natureza» e do «bem da

família»∅... mas também a compreensão da instituição família consagrada nos artºs 12º e19º) preservava, com efeito, uma representação «tradicional» (implacavelmente discriminatória») do  papel da mulher: poder-se-á mesmo dizer que assumia neste sentido uma exigência-- princípio de preponderância do marido (nas relações pessoais e patrimoniais entre os cônjugese com os filhos)... — disciplina normativa que (associada à representação de uma concepçãodominante ou à aparência desta) a ruptura revolucionária de 74 ou esta projectada naConstituição de 1976 puseram directamente em causa, determinando a revogação de parteimportante das normas legais de Direito da Família...

►►Procure dar-se conta da contingência e da vulnerabilidadehistórica desta exigência ou deste compromisso normativo dediferenciação dos papéis dos cônjuges e da concepção da família queele traduz. Parta de uma consideração de três normas do Código Civilna sua redacção «primitiva»:

• «O marido é o chefe da família, competindo-lhe nessa qualidade representá-la edecidir em todos os actos da vida conjugal comum (...).» (artº1674º)•• «A administração dos bens do casal, incluindo os próprios da mulher e os bens dotais,

 pertence ao marido, como chefe da família.» (artº1678ºnº1)

••• «Compete especialmente ao pai, como chefe da família:...e)

autorizar (...) [o filho] a  praticar os actos que, por determinação da lei, dependam do consentimento dos pais;... g)administrar os seus bens.»(artº1881ºnº1)

Leia estas normas à luz da especificação do  princípio da igualdade objectivadanos artigos 13º nº2 e 36º nº 3 da Constituição. Não deixe também de as confrontar coma redacção em vigor (introduzida pelo DL nº 496/77) dos artigos 1671º, 1674º, 1678º,1878º,1885º do mesmo Código Civil.

Formulação que seria parcialmente alterada pela revisão de 1971.

78

Page 79: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 79/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

►►E que dizer do   princípio da distinção (juridicamente relevante) entre filhos

legítimos e ilegítimos que as normas do Código Civil de 66 (na sua redacção inicial) nos

 permitem reconstituir (como princípio simultaneamente positivo e contingente)? ↓↓↓↓

→→ Parta também aqui de uma consideração de duas normas do Código Civil, na suaredacção «primitiva»:•«Presume-se legítimo o filho nascido ou concebido na constância do matrimónio damãe(...)»(artº 1801 nº1)••«A partilha entre filhos faz-se por cabeça, dividindo-se a herança em tantas partesquantos forem os herdeiros(...).Concorrendo à sucessão filhos legítimos ou legitimadose filhos ilegítimos, cada um destes últimos tem direito a uma quota igual a metade da decada um dos outros.» (artº2139º)

→→Leia depois estas normas à luz da especificação do princípio da igualdade objectivada no artigo 36º nº 4 da Cons-tituição. Não deixe de as confrontar com a redacção em vigor dos artos 1796º e 2139º do Código Civil.

4.3.1.2. O segundo nível. A determinação do sentido do direito pelos  princípios

 fundamentais e esta como a experiência histórica de uma aquisição «humana

autenticamente reveladora» que, em cada ciclo, se justifica e assume como «universal».

Alguns exemplos destes  princípios. Uma consideração exemplar das exigências do

 princípio da legalidade criminal e da sua representação como princípio  fundamental e

transpositivo⊕ 

«...  São exemplos destes  os princípios do Estado-de-Direito e da legalidade em geral, os princípios da

independência judicial, da defesa, do contraditório, da não retroactividade da lei penal e da culpa, os

 princípios da responsabilidade pelos danos, de pacta sunt servanda, da  fides (a vinculação à palavra dada, o

dever de honradez e o dever de lealdade, da boa fé), da censura do “abuso de direito”. Acrescem as

exigências normativas próprias de certas instituições, como o casamento e a família (com o seu valor 

específico e os deveres, nesse sentido fundados, que vinculam os respectivos membros), a própria nação

(com os valores da “ordem pública”, os deveres de fidelidade), etc. Muitos destes valores e princípiosobtiveram consagração nas declarações dos direitos do homem, nos «direitos, liberdades e garantias dos

cidadãos», nos princípios materiais das várias constituições nacionais. Mas seria um erro

pensar que esses mesmos valores e princípios jurídicos fundamentais,

que ao direito indefectivelmente importam, se reduzem aos dessa

forma reconhecidos ou que só mediante esse reconhecimento poderão

ser juridicamente relevantes. Até porque a última expressão da

Logo no início da  Introdução ao direito II  voltaremos aos princípios e ao sentido de umaclassificação destes segundo a posição que ocupam na «consciência jurídica geral» (bastando-nos agorauma alusão brevíssima).

79

Page 80: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 80/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

  juridicidade não pode, desde logo, identificar-se com a legalidade

constitucional...»  (CASTANHEIRA NEVES, Metodologia jurídica. Problemas

 fundamentais, Coimbra 1993, 282)

Partindo dos exemplos que a leitura deste texto lhe propõe (e sem

deixar de ter em atenção a reserva enunciada supra, no último excerto

citado), considere atentamente as objectivações normativas propostas

nos artigos 12º, 13º, 18º nº2 (ⁿ), 19º nº2(ⁿ), 20º( 28ײ), nº2(ⁿ), 29º nºs

1, 3 e 4, 32º nºs 2(‡), 5 e 7(▫), 37º nº1, 119º(), 266º, 268º nº3, e 272º

nº2(ⁿ) da Constituição. Sem deixar de ter presentes os exemplos

desenvolvidos supra,4.2. a propósito do princípio da autonomia privada

e dos referentes comunitários com que hoje o assumimos.

(ⁿ)Pode falar-se aqui de um princípio de

proibição do excesso ou de justa medida (se

quisermos, de uma especificação normativa de um

princípio de proporcionalidade).

 Elementos de estudo [pontos 4.3.1.1. e 4.3.1.2.]

A. CASTANHEIRA NEVES, «A revolução e o direito» , Digesta, vol. 1º, Coimbra, Coimbra Editora,

1995, pp. 208-212 [a)- b)]; F. BRONZE, ob.cit., pp. 475-489.

4.3.1.3. O terceiro nível. O «princípio normativo» do direito enquanto normatividade

radicalmente fundamentante. A pessoa e a sua dialéctica.

A assunção da pessoa como aquisição axiológica

cujo reconhecimento é verdadeiramente

especificante do direito como direito

A distinção fundamental entre o sujeito-originarium como entidade antropo-lógica e a pessoa como aquisição axiológica. O salto decisivo do reconhecimento

recíproco ou a assunção de uma ordem (de integração comunitária ) que reconheça a

cada homem a dignidade de sujeito ético. O exemplo-limite do escravo, tratado como

sujeito e muitas vezes celebrado como autor... e não obstante recusado como «fonte de

 pretensões, ou titular de direitos e de deveres» («Não há direito para os escravos, tal

como não o há para seres inteiramente disponíveis perante uma qualquer 

heteronomia...»).

80

Princípios…

do...(ײ) acesso ao

direito...

(‡)…in dubio pro reo…

(▫)... do juiz natural...

 

Page 81: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 81/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

CASTANHEIRA NEVES, excerto de Apontamentos complementaresde Teoria do Direito (1988/89)«

Assim, será imprescindível distinguir o  sujeito (o homem-sujeito) da  pessoa (o homem- pessoa). O primeiro é uma entidade antropológica, o segundo uma aquisição axiológica. O homemé sujeito enquanto é um originarium, a possibilidade da novidade no mundo que exclui anecessidade (tanto na determinação da acção como da sua realização). Que o mesmo é dizer:

 postula um initium, um início que essencial e continuamente se retome na existência. Cada homemcomo sujeito é novo (um homem diferente) e novador (uma fonte de novidade). Afirmou-o tambémS. AGOSTINHO – initium ergo est esset creatus est homo, ante que nullus fuit – e comenta HANNAH ARENDT: “este começo é coisa diferente do começo do mundo; não é o aparecer de qualquer coisa,mas de alguém, que é ele mesmo um novador”. Podia dizer-se de outra forma: o homem-sujeito é ohomem-autor , i. é, aquele que pode falar e agir em nome próprio, assumindo-se como um eu, já

  perante si próprio na ipseidade, já perante os outros na identidade. O que implica decerto o problema da liberdade e a possibilidade da sua negação – mas desse ponto capital não podemostratar.

O “homem soberano não semelhante senão a si próprio” de NIETZSCHE está aqui. Mas ohomem-sujeito ou o homem-autor com o seu eu não está só – está com os outros (Mitsein), ele é umser-com-outros. Isto é desde logo condição da correlatividade das próprias ipseidade e identidade.Mas a nível mais profundo ainda, a nível constitutivo: a coexistência comunicativa com os outros étanto condição de existência (pense-se na  Lebenswelt e na linguagem), como condição empírica(pense-se na situação de carência e a necessidade da sua superação pela complementaridade e a

  participação dos outros), como ainda condição ontológica (pense-se no nível cultural e daexistência, a nível de ser, que a herança e integração histórico-comunitárias oferecem). Tudo

converge, pois, na simultaneidade e na dialéctica constitutiva do eu e do nós, ou das dimensõesconstitutivamente irredutíveis da existência autónoma e da existência comunitária do homem. Pontoda maior importância, mas sobre o qual nos teremos de bastar com estas sumárias alusões.

Pois bem, com tudo isto não abandonámos o plano estritamente antropológico e ainda nãotemos perante nós a pessoa. Pois ser livre ou autónomo na originalidade e na autoria não exclui,quer a não assunção da intencionalidade e do compromisso éticos, quer o domínio e a objectivantefruição que os outros possam exercer sobre esse eu-autor. De outro modo, o ser “eu” em termosantropológicos e essencialmente livres na afirmação da minha originalidade e autoria não exclui a

  possibilidade da minha real condição de escravo. Mesmo quando os escravos sejam tratados benevolamente e como homens (como sujeitos), nem por isso deixam de ser escravos – susceptíveisde apropriação e alienação, objectos jurídicos, recusados como “entes de pretensões, ou titulares de

direitos e de deveres e obrigações”, para o dizermos com R AWLS. Numa palavra, verdadeiramentecoisas e não  fins em si (“algo que não pode ser usado como simples meio”) em que K ANT viu aessência diferenciadora da  pessoa, naquele seu absoluto a que, por isso mesmo, se imputadignidade (não instrumentalidade ou preço). Só que “dignidade” é uma categoria axiológica, nãoontológica, e apenas emerge e se afirma pelo “respeito” (para o dizermos com K ANT) ou peloreconhecimento (para o dizermos com HEGEL) – daí a verdade da palavra justamente de HEGEL, “ Der Mensch ist Anerkennen”. Insistamos, agora com CALOGERO: a “lei moral” não se funda na “teoria doconhecimento”, mas na “teoria da nossa prática”, o bem e o dever “há-de ser qualquer coisa mais doque verdadeiro, haverá de ser querido”. E di-lo também expressamente ARTHUR  K AUFMANN: “ascriaturas humanas só se personalizam quando elas se reconhecem reciprocamente como pessoas”.Por isso será errada a concepção substancialista de pessoa em BOÉCIO ( persona est rationalis

naturae individua substantia), o ser do logos ou que tem logos, e não muito diferentemente tantoem S. TOMÁS como em SUÁREZ, e não menos a tentativa de uma sua dedução pragmático-

81

Page 82: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 82/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

-transcendental em referência à comunicação (APEL) ou ao discurso (ADELA CORTINA) – acomunicação só o será autenticamente entre pessoas, é certo, mas são estas que instituem acomunicação, e não a comunicação que fundamenta constitutivamente as pessoas. Problemáticavasta que só assim não fica, decerto, decidida – mas por agora temos de ficar por aqui.

Importando apenas, e a mais, inferir desse reconhecimento, enquanto confere ele ao homem

dignidade e, portanto, um estatuto ético, que o homem assim não só ascende, enquanto pessoa, àaxiologia e se faz participante e sujeito do “reino dos fins”, do mundo dos valores, como temsentido e fundamento já o comprometer-se (ético) perante os outros –o “prometer” de que nos fala

 NIETZSCHE –, já a interpelação (ética) dos outros perante ele.Havendo todavia de ter presente que o reconhecimento eticamente instituinte da pessoa não

se verificaria sem a base de possibilidade que a qualidade de sujeito lhe oferece – como que ocorpus da espiritualidade dessa instituição e em que temos, digamo-lo com HÖFFE, “moral maisantropologia” – assim como, do mesmo modo, as relações de compromisso e de interpretaçãotambém éticas encontram a sua possibilidade, e mesmo a sua exigência, na referência comunitáriado homem. Por um lado, a pessoa manifesta-se em relação, a relação que a reconheceu como tal,

 por outro lado, o seu mundo é a comunidade, a comunidade em que assim se realiza...»

4.3.1.3.1. O pólo do  suum (eu pessoal, proprium) assimilado num princípio

suprapositivo de igualdade. A garantia normativa de uma reserva de possibilidades de

autodeterminação (tão irrecusável quanto irredutível às exigências comunitárias). «A

igualdade entre os sujeitos-pessoas e no todo comunitário (fundada no valor absoluto da

 pessoa e nas suas indisponibilidade e infungibilidade éticas).»

α) Implicação axiológico-normativa negativa (um modo negativo que se cumpre-

-constitui determinando-realizando limites ou proibições dirigidas aos outros e à

comunidade como um todo): o respeito incondicional da dignidade da pessoa

traduzido numa exigência normativa de autonomia, aqui e agora reconhecida em

termos negativos, se não passivos («a dignidade como um valor, indisponível para

o poder e para a prepotência dos outros»). ↓↓

NEMINEM LAEDERE

COEXISTÊNCIA

β) Implicação axiológico-normativa positiva:

PACTA SUNT SERVANDA

CONVIVÊNCIA

82

Page 83: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 83/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

β)’ O espaço de reserva jurídica da pessoa: os direitos subjectivos e os

«direitos do homem» ou os direitos fundamentais.

   A relação entre os direitos fundamentais e os princípios: cfr. o texto proposto

 supra, pág. 53. Estamos agora em condições de concluir...:↓↓

«Entre os direitos e os princípios... —... [nem temos que descobrir uma] básica antinomia, com os direitos (como“direitos individuais”) a manifestarem uma social ou comunitariamente “forçadesagregadora” ou “desintegradora” e os princípios a afirmarem “a tendência àintegração, à justiça” (assim G. ZAGREBELSKI)...

 —… [nem estamos vinculados a sustentar] uma sua última e normativa identidade — [o que significaria por ex. assumir a lição de] DWORKIN e da sua conhecidarights thesis para considerar que os arguments of principle (em contraste com osarguments of policy) são chamados a justificar as decisões sempre pela invocaçãode direitos e pela invocação destes como fundamentos...

[O que temos que reconhecer ...e que levar a sério é antes] uma dialécticaconvergência dinamizada pela normativa axiologia da pessoa com a suaresponsabilidade comunitária, em que os direitos e os  princípios são facesaxiológico-normativamente diferenciadas, mas correlativas, de uma última unidade(unidade dialéctica) só compreensível segundo a perspectiva do homem-pessoa(uma unidade de resto que essa perspectiva implica)...» (CASTANHEIRA NEVES,

 A crise actual da Filosofia do Direito)

β)’’ As possibilidades de realização da pessoa enquanto mobilização

dinâmica da sua «reserva» de direitos subjectivos e de direitos fundamentais

e esta traduzida em dois compromissos práticos suprapositivos: o  princípio

da autonomia na sua dimensão ou na sua face positiva ou activa e o

  princípio da participação   — de tal modo que a autodeterminação do

 proprium garantida normativamente pelo primeiro se projecte-desenvolva na

concorrência constitutiva justificada pelo segundo e neste já como uma

articulação plausível de exigências comunitárias (ou da dialéctica com o

 suum que estas impõem ).Que concorrência constitutiva? A que descobrimos

nos contratos [ supra, 4.2.1.ε)], nas formas de associação, na representação

legislativa, nos modos institucionalmente informais de cooperação. Pacta

sunt servanda.

4.3.1.3.2. O pólo do commune assimilado num princípio suprapositivo de

responsabilidade.

83

Page 84: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 84/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

Ter presente o modo como o individualismo moderno se confrontava com a

responsabilidade, a qual nos aparecia apenas como correlato do

exercício das liberdades... e nunca como uma categoria prática

originária [ver supra,4.2.1.].

A comunidade como condição vital, como condição existencial e como condição«ontológica»...

... como condiçãovital... ––––––––––––––––––––– «A realidade na qual seafirmam:

 — as carências e as re-lações interindividuaisdos interesses...

  —...e a mediação po-  sitiva dos outros [asrespostas da comple-mentaridade (divisão dotrabalho e dos sexos,especialização) e da co-laboração (associação)]

 —...mas ainda os meiostécnico-materiais e cul-turais de que carecemos

  para vencer a nossanecessidade e usufruir o

  padrão de civilizaçãoque cada momentohistórico postula...»A comunidadecomo condiçãoempírica... eentão aindasobretudo comosocietas 

 Nota: todos os princípios (que veremos  suprapositivos) imputados ao pólo docommune serão estudados no próximo capítulo, o primeiro de Introdução II — pelo quenos basta aqui e agora esta alusão brevíssima.

α) Implicação axiológico-normativa negativa : um modo negativo que se cumpre-

constitui impondo limites... às exigências comunitárias ou às proibições que estas

introduzem. Que limites? Os de um verdadeiro discretum normativo — que possa

interromper o continuum (se não já a hipertrofia) da responsabilidade.

84

... como condição existencial...

«O mundo circunstante e quotidiano davida em que estamos mergulhados e que

  pressupomos... e que é simultaneamentecorrelato funcional da nossa actuação ecomunicação e o seu meio-ambiente...»A experiência pré-reflexiva de umpatrimónio de possibilidadescomuns...Um apriori daconvivência...

 

...enquantocomunica-ção →→apalavra e alinguagem

...enquantosignificação↓↓↓a pressuposiçãodos valores,sentidos efundamentos

... como condição«ontoló- gica» oude realização pessoal«Só me realizo plena-mente (só constituo-manifesto as minhas

  possibilidades de ser)

quando contribuo paraum (e sobretudo quando participo num) trans- pessoal  —  capaz deultrapassar a negativi-dade do eu individual ede assim mesmo sub-sistir para além do merocorrelato formal das re-lações interindividuais,como que emergindomaterialmente da comu-nicação intersubjectiva. 

O intercâmbio com os outros a concorrer para nossomodo de existência comunitária

«Serei tanto mais rico (de riqueza humana)quanto mais ricos o forem no mesmo

Page 85: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 85/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

α)’O  princípio do mínimo (quoad substantiam) ou o(s) limite(s) dos limites

no plano material. A justificação dos impedimentos («aqueles e apenas

aqueles que se reconheçam e justifiquem como condições comunitariamente

indispensáveis para a realização pessoal de cada um»).

α)’’ O  princípio de formalização (quoad modum)  ou o(s) limite(s) dos

limites no plano da institucionalização formal. A exigência da determinar um

esquema objectivo capaz de pré-demarcar os (ou de controlar a realização

dos) limites materialmente intencionados.

β) Implicação axiológico-normativa positiva: as três modalidades da

responsabilidade jurídica (corresponsabilidade lato sensu).

β)’ A responsabilidade perante as condições gerais da existência comunitária:

 —  a responsabilidade de preservação traduzida no   princípio da

corresponsabilidade (stricto sensu);↓↓

HONESTE VIVERE

[Alusão ao problema da tutela- protecção dos bens jurídico-criminais]

 —  a responsabilidade de contribuição traduzida no   princípio da

 solidariedade.↓↓

SUUM QUIQUE TRIBUERE→→ O problema dos deveres jurídicos de  solidariedade (o exemplo

  paradigmático dos deveres fiscais e as exigências específicas dochamado   princípio do Estado social ) [Cfr.o nº1 do artigo 103º daConstituição].

β)’’ A responsabilidade por reciprocidade: comutativa em geral e contratual em

 particular. A exigência de auto-responsabilidade a impor uma «normatividade

mais extensa e profunda» do que aquela que vemos traduzida no princípio  pacta

 sunt servanda. →→EXECUTIO IUSTI

85

Page 86: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 86/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

β)’’’ A responsabilidade pelo equilíbrio da integração (pelo dano, pelo

 prejuízo, por situações de acção antinómica). ↓↓ 

HOMINIS AD HOMINEM

PROPORTIO

4.3.2. A identidade (autonomia, mas também continuidade) do projecto do direito

compreendida a partir das exigências da dialéctica   suum /commune (e do homem de

liberdade-autonomia e de responsabilidade que esta constrói). Uma procura situada, a

retomar-reinventar em cada circunstância histórica e em cada horizonte cultural (sob o

fogo-cruzamento de distintos factores).

 Elementos de estudo [pontos 4.3.1.3.-4.3.2.]

CASTANHEIRA NEVES, «A revolução e o direito» , cit., 215-217; ID., Curso de introdução....

(extractos), cit.,185-189[α α)].; F. BRONZE, ob.cit., pp. 489-502, 534-540

Propostas de trabalho (temas sumariados nas pp 20-83)

I

Comente desenvolvidamente cada um dos textos seguintes:

(a) «Só a característica objectiva da estadualidade nos permite distinguir a ordem

 jurídica das outras ordens sociais...»

(b) «Se estiver perante uma ordem social que articule logradamente (com suficiente

diferenciação institucional e comprovada eficácia) regras primárias esecundárias, estarei certamente a reconhecer-experimentar uma ordem de direito

(e então e assim a levar a sério as exigências do novo pluralismo jurídico)...»

(c) «O que aconteceu no contexto prático-cultural do Iluminismo — e sustentou

todo o processo de institucionalização do Estado demo-liberal — foi

  precisamente uma conjugação-concertação (reciprocamente constitutiva) de

legalismo e de normativismo (a de um legalismo que é incondicionalmente

normativista… e a de um normativismo exclusivamente alimentado por umlegalismo)...»

86

Page 87: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 87/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

II

Considere atentamente as seguintes questões:

1. «Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja (...) a pessoa e os

 bens de cada associado e pela qual cada um, ao unir-se (e enquanto se une) a

todos os outros não obedeça no entanto senão a si próprio e permaneça tão livre

como antes. Tal é o problema fundamental para o qual o contrato social 

representa a solução...»  Partindo do problema-desafio assim enunciado por 

ROUSSEAU procure mostrar em que termos se pode dizer que «o homem

moderno superou uma certa representação-experiência da comunidade  para

assumir a exigência teleológico-política da invenção da societas». Não deixe de

mostrar que a recuperação do contratualismo nos aparece com um sentidoclaramente distinto daquele que era possível no contexto pré-moderno.

2. Identifique as características da lei a que os seguintes textos principalmente se

referem, mostrando também em que termos estas se projectam nas exigências

normativas da juridicidade assumidas pelo legalismo normativista do século

XIX: (a) «Quando todo o povo estatui sobre todo o povo, não considera senão a

si próprio...»; ((b) «Na relação recíproca dos arbítrios não se atende, de todo em

todo, à matéria do arbítrio...»; (c) «Ao tratar de uma matéria comum, a lei nãoconsidera nunca as situações concretas...».

3. Distinga claramente as duas concepções do princípio da separação dos poderes

 propostas nestes dois textos: (a) «Para que não se possa abusar do poder, é

 preciso que (..) o poder detenha (arrête) o poder...»; (b) «Na união dos três

diferentes poderes (...) reside a salvação do Estado (...). [Esta corresponde à]

situação da máxima concordância entre a Constituição e os princípios do direito,

situação a que a razão nos obriga a aspirar por via do imperativo categórico...».4. «É precisamente a pressuposição desta normatividade universal (assumida na

sua completude e deixada intocada na sua auto-subsistência ideal) que garante a

racionalidade plena (a inevitabilidade racional) da resposta que o julgador há-de

dar “sobre o que é de Direito em cada caso” (a resposta que “atribui a cada um o

que é seu” de acordo com a lei e pronunciando sem restrições as suas

 palavras)...» Identifique o problema a que o texto se refere, mostrando em que

sentido é que um certo  paradigma da aplicação

(que deverá reconstituir)expressamente lhe corresponde.

87

Page 88: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 88/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

5. «A utilização reiterada de leis concretas viola os princípios da igualdade e da

separação de poderes...» A que leis concretas se refere este texto? Que outras

características devemos ter em atenção para reconhecer estas leis (e que contexto

 político-constitucional as tornou possíveis)? Está de acordo com a afirmação do

Autor?

6. Partindo das exigências do princípio da autonomia privada (e da sua

especificação num princípio de liberdade contratual), procure mostrar a que

dimensões (mas também a que compreensão) destas exigências se referem os

critérios seguintes: (a) «É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando

alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza,

dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste,

 para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou

injustificados. » (b) «As  partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo

dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir 

nestes as claúsulas que lhes aprouver...» Na sua resposta socorra-se das

especificações que a dialéctica autonomia / responsabilidade (através dos

 princípios associados aos pólos do suum e do commune) o ajudam a determinar.

7. «Nos contratos de adesão não há restrições à liberdade de contratar. O

consumidor do serviço, se não está de acordo com as condições constantes do

modelo elaborado pelo fornecedor, é livre de rejeitar o contrato...» Que

comentário lhe merece esta afirmação?

8. Invocando a dialéctica autonomia / responsabilidade  (e os princípios que lhe

 pareçam pertinentes associáveis aos pólos do  suum e do commune), procure

compreender os problemas que os critérios seguintes tipificam: (a) «É ilegítimo

o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites

impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económicodesse direito... »; (b) «Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão

de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à

resolução do contrato, ou à modificação dele segundo  juízos de equidade, desde

que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os

 princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato...»

9. «O uso deliberado de formulações legislativas indeterminadas compromete

significativamente as possibilidades de uma aplicação racionalmente autónoma

88

Page 89: 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009

5/11/2018 0 AO DIREITO Sumarios Desenvolvidos 2008-2009 - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/0-ao-direito-sumarios-desenvolvidos-2008-2009 89/89

 

INTRODUÇÃO AO DIREITO  Sumários desenvolvidos

da lei...» Está de acordo com esta afirmação? A que formulações indeterminadas

lhe parece este texto aludir?

89