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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
MARIA MARIA MARTINS SILVA STANCATI
ADMINISTRAÇÃO DE CONFLITOS NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
EXTRAJUDICIAL: SUBSÍDIOS DOUTRINÁRIOS SOBRE SUA
POSSIBILIDADE.
RIO DE JANEIRO
2016
MARIA MARIA MARTINS SILVA STANCATI
ADMINISTRAÇÃO DE CONFLITOS NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
EXTRAJUDICIAL: SUBSÍDIOS DOUTRINÁRIOS SOBRE SUA
POSSIBILIDADE.
Dissertação apresentada como requisito para a
obtenção do título de Mestre em Direito, pela
Universidade Estácio de Sá
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Fernanda Duarte.
Co-orientador: Prof. Dr. Rafael Mário Iorio Filho.
RIO DE JANEIRO
2016
RESUMO:
Visando apresentar uma doutrina sobre o tema Jurisdição Voluntária Extrajudicial,
este trabalho será construído utilizando-se do filtro da Antropologia pelo sistema de
estranhamento do objeto para sua elaboração, a fim de evidenciar as insuficiências
doutrinárias existentes atualmente sobre o tema, propondo assim, novos subsídios doutrinários
para este. Por isso, no seu início foi necessário desconstruir a forma como se produz doutrina
atualmente por meio da crítica à doutrina brasileira, seguida da exposição eurocentrista de
ensino e de produção acadêmica e sequencialmente, pela introdução dos doutrinadores
italianos entendidos como verdades absolutas no processo civil. Num segundo momento, fez
uma análise, do tipo densa, do que a doutrina brasileira entende por Jurisdição Voluntária
Judicial e Extrajudicial. Para tanto foram selecionados seis autores buscando explicitar a
forma de construção de seu texto, as taxonomias, recorrências, repetições e bricolagens. Por
último é explorado o tema pela ótica do Direito Notarial e Registral onde são introduzidas o
conceito da função pública exercida pela Serventia Extrajudicial e as formas como ela
administra conflitos pela Jurisdição Voluntária Extrajudicial. O trabalho se finda com uma
construção doutrinária mais aberta à influência de outras áreas das ciências sociais para olhar
o tema sob novas perspectivas incluindo a noção de Jurisdição Voluntária Extrajudicial como
forma de acesso à justiça e o fenômeno da desjudicialização por este meio.
PALAVRAS-CHAVE: Administração de Conflitos; Jurisdição Voluntária Extrajudicial;
Desjudicialização.
ABSTRACT:
Aiming to present a doctrine on the subject Jurisdição Voluntária Extrajudicial, this
work will be built using the anthropological filter by estrangement system object to its
preparation in order to highlight the existing doctrinal shortcomings currently on the topic, so
proposing new subsidies for this doctrine. So at the beginning it was necessary to deconstruct
the way that we doctrine produced currently through the criticism of the Brazilian doctrine,
followed by Eurocentric exposure of teaching and academic research and sequentially, the
introduction of Italian scholars understood as absolute truths in civil proceedings. Secondly,
was made an analysis of the dense type, the Brazilian doctrine meant by Jurisdição Voluntária
Judicial and Extrajudicial. Therefore, were selected six authors to explain how to build your
text, when the taxonomies, repetitions and bricolage happens. Finally, the theme was explored
from the perspective of the Notarial Law and Registral where they are introduced the concept
of public function performed by the Serventia Extrajudicial and the ways it manages conflicts
for Jurisdição Voluntária Extrajudicial. The work ends with a doctrinal construction more
open to influence from other areas of the social sciences to look at the issue from new
perspectives including the notion of Jurisdição Voluntária Extrajudicial as a means of access
to justice and the desjudicialização phenomenon hereby.
KEY-WORD: Conflict Management; Jurisdição Voluntária Extrajudicial; Reduced judicial
involvement.
AGRADECIMENTOS:
Agradeço à São José, pela sua intercessão nesta caminhada, desde minha inscrição
no programa até o presente momento. E, a N. S. de Guadalupe que sempre se mostrou
presente para dizer que tudo daria certo.
Agradeço à meus pais, pelo amor, dedicação e apoio contínuo na elaboração e
financiamento dessa dissertação.
Agradeço à Victor, apoio de todas as horas, que inúmeras vezes debateu o tema dessa
dissertação comigo, instigando-me a encontrar novos questionamentos.
Agradeço aos professores do PPGD-UNESA/RJ e aos funcionários, pelo
acolhimento desde o primeiro dia de aula auxiliando meu crescimento profissional e pessoal.
Aos amigos que conheci no mestrado. No meu coração sempre haverá lugar para vocês.
Agradeço à minha orientadora e a meu co-orientador, por tantas conversas pós grupo
de pesquisa que me ensinaram a ver meu objeto de pesquisa com outros olhares. Também por
todas as vezes que me acalmaram quando a apreensão se instalava e pelos desafios que
propuseram auxiliando-me a amadurecer como profissional do direito.
Prólogo – Diário de bordo
Aterrissar no mestrado com a formação da graduação em direito nada introdutória na
pesquisa gerou uma dificuldade imediatamente seguida de ruptura no pensamento dogmático
até então entendido. Antes havia uma névoa que tornava a visão turva, mas compreensível. O
preto era preto e o branco era branco. Apesar de haver muito cinza, este não era percebido.
Entender como se forma o direito pelo bom dissenso e não pelo mau como é
proposto pela doutrina da graduação foi uma das grandes barreiras transpassadas; bem como
aprender a olhar o direito pelo filtro da antropologia, sociologia, filosofia e história. Muitas
vezes o tom amarronzado dos óculos escuro traz uma visão mais bela da paisagem. O mesmo
ocorre com o direito visto por outros filtros.
O aluno ingressa no mestrado cru, com ideias mirabolantes imaginando que mudará
o mundo, quando, na verdade, ele só auxilia a entender o mundo. Apresentar o direito por
mais um filtro já será um trabalho recompensador e inovador, num ambiente impregnado de
repetições, o diferente se destaca.
Demorei um ano para amadurecer e entender como pesquisar sobre o foco diverso da
dogmática tradicional. Esse é um fato: quando o aluno compreende o que de fato é o
mestrado, já se passou metade do curso ou mais. Quando ele entende que não precisa fazer
um novo tratado sobre direito civil, bastando apenas indicar uma nova forma de ver uma
característica deste direito, ele já teve seu precioso tempo desperdiçado com tentativas
desnecessárias.
Demora-se para entender que num tronco de árvore, o aluno não precisa esculpir uma
bela canoa; basta esculpir uma pequena flor. E, ele não está preso a formas e formalidades.
Pelo contrário, a liberdade criativa deve surgir fazendo nascer um outro olhar sobre o mesmo.
O importante não é a canoa, mas a flor aos olhos do pretenso pesquisador. Se ele conseguir
esculpir a flor mesmo que torta, futurista, à moda antiga, já terá esculpido um novo olhar do
direito.
Então, lanço-me no mar do desconhecido em busca de novas aventuras, novos
olhares. Quem sabe assim, não acabo me desconhecendo e percebendo que o avesso pode ser
o direito visto por novos filtros. Da mesma forma que o errado pode se tornar o certo e o cinza
se tornar mais interessante do que o preto ou o branco. Respeito pelo filtro alheio, acima de
tudo, deve sempre existir. Medo de divergir, jamais. Diálogo, sempre!
SUMÁRIO
Introdução:..................................................................................................................................8
Capítulo I – Considerações sobre a doutrina e a cultura jurídica brasileira:............................14
1.1 – O papel da doutrina no sistema de fontes de Direito:..................................................15
1.2 – Cultura jurídica da repetição na produção doutrinária e no ensino jurídico:
Eurocentrismo.......................................................................................................................20
1.3 – Exemplo de Matrizes Estrangeiras utilizadas no ensino eurocentrista brasileiro com
relação à Jurisdição:..............................................................................................................33
1.3.1 – Chiovenda:.............................................................................................................33
1.3.2 – Carnelutti:..............................................................................................................35
1.3.3 – Alcalá-Zamora:......................................................................................................39
2.1 – Os conceitos de Jurisdição Voluntária:........................................................................52
2.1.1 - José Frederico Marques:........................................................................................55
2.1.2 - Alfredo de Araújo Lopes da Costa:........................................................................66
2.1.3 - Edson Prata:............................................................................................................72
2.1.4 - José Maria Rosa Tesheiner:...................................................................................79
2.1.5 - João Paulo Lucena:.................................................................................................85
2.1.6 - Leonardo Greco:.....................................................................................................97
2.2 - Diferenciação entre a Jurisdição e outros Atos por quadros-comparativos: mais do
mesmo.................................................................................................................................103
2.2.1 - Atividade Jurisdicional x Ato Legislativo:...........................................................103
2.2.2 - Atividade Jurisdicional x Atividade Administrativa............................................105
2.3 – As Classificações dos Procedimentos de Jurisdição Voluntária: uma tentativa de
simplificação do Direito......................................................................................................108
2.3.1 - Athos Gusmão Carneiro e Guerra Filho:.............................................................108
2.3.2 – João Paulo Lucena:..............................................................................................112
2.3.3 - Frederico Marques e Lucena,:..............................................................................113
2.3.4 - José Maria Tesheiner:...........................................................................................113
2.3.5 - Leonardo Greco:...................................................................................................114
Capítulo III – Uma proposta sobre a Administração de Conflitos e Desjudicialização pela
Jurisdição Voluntária Extrajudicial: superando lacunas.........................................................117
3.1 – Notas Introdutórias:....................................................................................................117
3.2 – Intervenção do Estado na vontade privada: um exercício de Função Pública pelo
Titular da Serventia (Notário ou Registrador):...................................................................120
3.3 – Administração de conflito e Serventias Extrajudiciais: um panorama da prática pelo
olhar teórico.........................................................................................................................134
3.4 – Desjudicialização na Jurisdição Voluntária Extrajudicial como forma de acesso à
justiça..................................................................................................................................146
Conclusão:...............................................................................................................................165
Bibliografia:............................................................................................................................168
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Introdução:
Desde pequena acompanho a rotina cartorária extrajudicial. Conheci esta instituição
antes mesmo de aprender a ler e escrever. Este mundo se apresentava, a mim, em cores
sóbrias, cheios de regras a serem seguidas. Um misto de burocrático1 e enigmático. À medida
que fui crescendo, minha vontade de colorir este mundo para que eu pudesse enxergá-lo com
mais clareza foi aumentando. Eu perguntava para que servia cada carimbo, cada folha
timbrada. Eu queria entender a importância daquele local. Porque as pessoas precisavam ir à
ele para terem alguns atos de sua vida atestados.
Nesta época, o cartório extrajudicial fazia parte da estrutura do Judiciário, sendo
fiscalizado pelo Juiz responsável pela Comarca. Até por este motivo a nomenclatura cartório,
diferenciando o que processava os autos de processo de cartório judicial e os que constituíam
os atos da vida civil, de extrajudicial. Havia, ainda, a figura dos cartórios mistos que exerciam
função judicial e extrajudicial. Esse cenário sofreu grande mudança com a Promulgação da
Constituição de 19882, separando da estrutura organizacional, os cartórios extrajudiciais dos
judiciais.
Os cartórios extrajudiciais passaram a ser chamados de Serventias ou Serventias
Extrajudiciais, mantendo a numeração de 1º, 2º ou 3º Ofício da Atribuição X conforme já
existiam. Os Cargos de Titularidade dessas Serventias e seu corpo de funcionários, que até
então era composto por membros do Poder Judiciário sob a administração do Juiz responsável
pela Comarca passaram a ser preenchidos por candidatos aprovados em concurso de provas e
títulos aplicada especialmente para este fim. Saíram os analistas ou técnicos judiciários
componentes do quadro do Tribunal de Justiça e chegaram os concursados para serem
Titulares. O restante do quadro dos funcionários deveria ser concretizado pelo novo Titular.
Assim, a função foi instituída trazendo a necessidade de aprovados no concurso
público para exercerem-na, mas ainda não estava regulamentada. Eis que em 19943, o
1 No sentido de acesso difícil; permitido apenas a poucos; lugar necessário para os atos da vida civil que mais atrapalhava do que ajudava as pessoas. 2 Art. 236, CRFB/88. 3 Lei. 8.935/1994 – Lei dos Notários e Registradores (LNR) ou Lei dos Cartórios – Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro.
9
regulamento ansiado pela comunidade jurídica foi emitido. Virou lei. Para gerenciar uma
Serventia, só concursado para tal fim.
Foi 1998 que ocorreu o auge do movimento da privatização dos cartórios. Minha
memória deste período tem o véu juvenil porque eu tinha quinze anos, e nesta idade nosso
mundo é desprovido de imperfeição. Lembro do afastamento de Titulares que receberam a
Serventia por herança. Lembro também, da opção que foi dada aos Serventuários da Justiça,
que tinham feito concurso público para escrivão após serem aprovados e integrarem os
quadros do Judiciário, de manterem-se nas Serventias já que mesmo antes da Constituição de
1988 haviam ingressado via concurso.
Um mundo novo e desconhecido se abria batendo nas portas do direito de nosso
ordenamento jurídico. Como proceder com este instituto que ganhou força e sempre integrou
a estrutura estatal brasileira. Desde a descoberta do Brasil até os dias atuais, a Serventia esteve
presente nos atos da vida civil. Herda-se de Portugal o costume de ter um terceiro imparcial
atestando os atos e fatos jurídicos chancelados pelo seu carimbo e selo impregnados de fé
pública, validade e veracidade. Não se contesta um documento emitido pelo Titular da
Serventia, pois é um “documento do cartório carimbado e assinado”; vulgo “de papel
passado”.
Durante a faculdade de direito voltei a ter um contato superficial com a matéria. Digo
superficial porque eu conhecida a rotina, sabia de sua importância, mas não conhecia sua
forma doutrinária de ser. Pelo estudo do direito percebi que os atos do cartório passeavam
pelos principais atos da vida civil. Agora eu estava agregando o conhecimento prático com o
conhecimento jurídico. Mas, ainda sim, eu me permitia certa resistência ao tema. Com
resquício de minha visão infantil achava essa prática muito burocrática4 e complicada. Essa
visão lugar comum que impregna o meio jurídico acadêmico ou judiciário prático, também
era compartilhado por mim. A matéria Registros Público se transparecia como uma grande
perda de tempo. Os cartórios deveriam ser extintos, pois só servem para arrecadar dinheiro;
pensava.
Um dia, durante uma aula no curso preparatório para a Defensoria Pública meu pai
me ligou e disse:_ Te inscrevi no concurso de cartório do Rio de Janeiro. Você tem que
estudar para esse concurso e não adianta reclamar. Já está inscrita. Respirei fundo e pensei. 4 No mesmo sentido da burocracia anteriormente citada.
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Agora é a hora. Despi-me dos resquícios de função atrasada e debrucei sobre a doutrina
Notarial e Registral. Para minha surpresa, quanto mais eu estudava, mas dúvidas eu tinha, e
mais eu queria estudar. As minhas barreiras foram caindo pouco a pouco abrindo espaço para
o mundo do ensino. Sim, estou estava estudando Notarial e Registral mesmo tendo renegado
essa matéria durante tantos anos.
O estudo, a cada dia, passou a ser mais consciente. Eu conseguia fazer conexões com
outros ramos do direito e fui percebendo a importância desse instituto na vida social. A visão
estava mais madura, sem a beleza do mundo infanto-juvenil. Era crítica, argumentativa, e
principalmente curiosa. A todo tempo me perguntava e até hoje continuo me perguntando, o
porquê dessa matéria nãos ser ensinada nas universidades dada sua importância. E, os
contornos da burocracia que antes tinha um aspecto negativo começo a ganhar aspetos
positivos no sentido de necessária a organização do Estado.
Nesse caminhar, da saída da universidade até hoje prestei várias provas de concurso
de cartório viajando por vários Estados como: Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais (onde
obtive aprovação e escolhi a Serventia de Protesto de Títulos de Eugenópolis), Ceará e Rio
Grande do Sul, ocasião que também ministrei aula num curso preparatório uma semana antes
da prova. Fruto desse estudo compulsivo, dogmático e isolador, as dúvidas pipocavam a cada
edital e um grande assunto me chamou a atenção: Jurisdição Voluntária Extrajudicial.
Praticamente inexistente nos manuais e livros de doutrina acadêmicos, mas discutido
e aceito pelos Titulares de Serventia, percebi que este seria meu objeto de investigação na
pesquisa. Iniciei o estudo pelos livros clássicos de Processo Civil e Registral e Notarial.
Elaborei projetos de pesquisa para participar dos processos seletivos de mestrado. Fui a
diversas palestras sobre Notarial e sempre indagava sobre esse tipo de jurisdição. Cada vez
minha curiosidade estava mais aguçava e cada vez a resposta ficava mais longe.
Ao ingressar no programa de PPGD da UNESA/RJ iniciei meu convívio acadêmico
participando do grupo de pesquisa NEDCPD – Núcleo de Estudos sobre Direito, Cidadania
Processo e Discurso. Logo veio a indicação da minha orientadora e a missão de desconstrução
de um conhecimento que ainda viria a ser construído. A ótica do grupo é pensar direito por
outras formas, dialogando com outras áreas e inovando ao estudá-lo através da análise do
discurso ou dos filtros das ciências sociais, como a Antropologia. A estranheza por entender o
direito de modo diverso da dogmática doutrinária foi o primeiro obstáculo. Descortinar as
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barreiras e desnudar a forma clássica de compreender o direito, eis um dos desafios
acadêmicos que esta dissertação me propôs.
Apesar do choque inicial, o estranhamento já estava presente em meu estudo na
matéria de Notarial e Registral. Eu fazia confrontações entre a teoria e prática a todo tempo,
tanto que dessas observações com o filtro do estranhamento, meu objeto de pesquisa de
mostrou claro. O olhar da empiria, proposto por minha orientadora e trabalhado no grupo
serviu para que eu pudesse melhor compreender as lacunas que eu já visualizada. Serviu para
olhar sobre a doutrina produzida e enxergar uma brecha a fim de trazer novas proposições
sobre um mesmo assunto visto pelos mesmos olhos, mas com outro filtro.
Este trabalho não é empírico. Ele se serviu do olhar do estranhamento. É um trabalho
dogmático doutrinário que visa construir uma doutrina sobre o tema Jurisdição Voluntária
Extrajudicial através de revisão bibliográfica a fim de evidenciar as insuficiências da doutrina
brasileira sobre o tema apresentando subsídios doutrinários para superar essas lacunas que
foram encontradas.
Delimitado o assunto e definido o marco teórico debrucei sobre a leitura e tentei me
apropriar ao máximo dos textos, observando a forma como foram construídos, seu grau de
inovação, a quantidade de recorrência e a bricolagem. Num silêncio houve o estranhamento:
como algo até então natural se torna um objeto novo, era como se eu tivesse olhando aquele
assunto pela primeira vez. Percebi que minha mente, apesar de já possuir o conhecimento
jurídico se assemelhava a uma “tábua rasa”. Pelo novo filtro que a meu olhar foi posto, o
direito se apresentou de outra forma. Uma forma rica, sem traços pré-determinados e
obrigatórios. Uma forma, simplesmente, diferente.
O tema Jurisdição Voluntária Extrajudicial não é um simples tema afeto as
Serventias Extrajudiciais, que detém uma conotação negativa no imaginário comum
brasileiro. Pelo contrário, é um tema que toca várias áreas do Direito, principalmente quando
se fala em desjudicialização; palavra em voga no momento, mas que se mostra um fenômeno
antigo quando olhado pelo Direito Notarial e Registral.
Estudar a desjudicialização que é efetivada na Jurisdição Voluntária Extrajudicial é
estudar o modo como se administra conflitos neste plano fora do Judiciário. Assemelha-se a
mesma inovação de se compreender a conciliação, mediação e arbitragem. A
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desjudicialização surgiu como um quarto meio alternativo de resolução de conflitos, todavia,
cresceu e ganhou corpo permitindo englobar os outros três meios acima citados em seu bojo.
Logo, estudar Jurisdição Voluntária Extrajudicial é estudar uma das modalidades de
se administrar conflitos fora do Poder Judiciário. Desta afirmação surgem algumas
indagações: a) a Jurisdição Voluntária Extrajudicial pode ser considerada jurisdição? b) O
Poder Judiciário detém o monopólio de resolver os conflitos? c) Os atos emitidos pelas
Serventias Extrajudiciais geram acesso à justiça? d) O art. 3º, NCPC diz que não se exclui da
apreciação jurisdicional lesão ou ameaça à direito, assim, a Jurisdição Voluntária
Extrajudicial poderia ser entendida como jurisdição para fins de gerar esse acesso à justiça5.
Esses questionamentos nortearam a dissertação pois quando foi elaborada a revisão
bibliográfica procurei exatamente as lacunas do tema. Os ditos e não ditos, as taxonomias,
bricolagens, as repetições acríticas e a forma eurocentrista de se escrever. E, percebi, que essa
doutrina existente não respondia aos questionamentos propostos para a dissertação. Por isso,
propus fazer algo diferente; Elaborei uma doutrina que dialoga com a realidade, que vê a
matéria pelo filtro do Processo Civil, do Direito Administrativo, do Direito Notarial e
Registral juntamente com o olhar das ciências sociais de estranhamento.
Permiti-me a elaboração de uma doutrina que chamo de reflexiva, porque para sua
elaboração, ela não se prendeu a repetições e recorrências, citando vários autores, indicando
suas posições e aderindo à corrente “A” ou “B”. Pelo contrário. Busquei meu próprio
caminho. Utilizei meu olhar de estudante de Registro Público; de quem já foi aprovada neste
concurso e conhece a realidade de uma Serventia Extrajudicial na prática. Tentei responder
aos questionamentos norteadores de forma a indicar um caminho aos operadores de direito
que trabalham nesta área.
Investiguei os problemas e propus novas formas de ver o mesmo visando a
compreender o que seria a Jurisdição Voluntária Extrajudicial, tema dessa dissertação, bem
como analisei o fenômeno da desjudicialização e sua importância apontando as formas como
são administrados os conflitos nas Serventias Extrajudiciais.
5 A proposta nesta indagação é um releitura do princípio constitucional da inafastabilidade do Poder Judiciário a lesão ou ameaça de lesão à direito, ampliando sua extensão para não somente o Judiciário, mas a outras estruturas que detenham a jurisdição; nesta dissertação, a Serventia Extrajudicial que detém a Jurisdição Voluntária Extrajudicial.
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O tema é vasto e essa dissertação é apenas o pontapé inicial para estudar esse
instituto e seu modo de prestar acesso à justiça aos jurisdicionados. Por isso, ela vai se conter6
em, no primeiro capítulo apresentar a forma de elaboração da doutrina brasileira, bem como
as críticas a esta e ao ensino jurídico que “fabrica” mais operadores do direito repetidores de
conteúdos e de forma solenes de execução dos atos judiciários; será, também, apresentado as
matrizes estrangeiras mais utilizadas no ensino do Processo Civil brasileiro, seguido de um
autor, que não é utilizado, porém constrói seu texto na mesma estrutura doutrinária reflexiva
proposta nesta dissertação.
O segundo capítulo, maior em número de páginas que os outros, foi desenhado para
demonstrar como a doutrina brasileira doutrina. Nele são explorados seis autores brasileiros
que possuem um livro em que o título contenha os verbetes Jurisdição Voluntária. Preferi
fazer a análise desses autores, um a um, num modelo de descrição densa de sua obra para
expor a forma como a doutrina é construída embasada em repetições, descontextualizações,
não ditos, bricolagem, e que, não responde aos questionamentos propostos nesta dissertação.
Também neste capítulo será apresentado os quadros comparativos do estudo no tema
jurisdição, encontrados em praticamente todos os livros indicados nesta bibliografia e as
várias formas de se classificar os procedimentos de Jurisdição Voluntária, para, a argumento
dos autores trabalhados nesta, facilitar a compreensão do tema.
E, por último, o capítulo terceiro é dedicado a doutrina, por mim, elaborada. Início
com a introdução sobre os pontos nos quais vou construir um saber, seguido da noção de
função pública exercida pelo Titular da Serventia e as formas em que ela administra os
conflitos que o jurisdicionados entregam. Termino o capítulo explorando a desjudicialização
como forma de acesso à justiça proposto pela Serventia Extrajudicial através do uso da
Jurisdição Voluntária Extrajudicial, indicando a posição, que esta é a genuína Jurisdição
Voluntária, pois pela heterogeneidade de seus conteúdos, fica a cargo do poder legislativo, a
indicação do que seria a Jurisdição Voluntária Judicial ou Extrajudicial. A escolha é
discricionária de tal forma que, procedimentos de Jurisdição Contenciosa estão sendo
desjudicializados para serem emitidos pela Jurisdição Voluntária Extrajudicial.
Capítulo I – Considerações sobre a doutrina e a cultura jurídica brasileira:
6 Apesar de não aparentar, tive que conter minhas palavras, pois escrever é como respirar para mim e se houvesse espaço, com certeza essa dissertação teria bem mais que 178 páginas.
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A intenção deste capítulo é situar o tema Jurisdição Voluntária Extrajudicial de
acordo com o que a doutrina estrangeira a compreende. Tal posição será tomada de forma
crítica para demonstrar que a estrutura da doutrinária clássica7, com a exposição da posição
alienígena seguida da nacional, não basta para explicar o tema. Este, quando situado do
ordenamento jurídico brasileiro se constitui de inúmeras peculiaridades, que serão
apresentadas em capítulo posterior, de tal forma que a simples imposição da posição
administrativista de Chiovenda, ou jurisdicional de Carnelutti ofusca a beleza do instituto.
Assim, este capítulo se iniciará com a descrição do papel da doutrina no sistema de
fontes de Direito Brasileiro, depois seguirá a crítica que vem sendo feita ao estudo do Direito
no Brasil incluindo as influências eurocentristas, cultura manualesca e falta de ensino da
cultura local8. Se o doutrinador saísse do campo das ideias e olhasse para o campo prático,
sem se importar com a tradição de estrutura de texto doutrinário clássico ele poderia produzir
doutrinas que responderiam a problemas práticos.
Na terceira parte deste capítulo será descrita a teoria de Chiovenda e Carnelutti sobre
a Jurisdição Voluntária9, para demonstrar que apenas se posicionar pela corrente de um ou
outro não resolve o problema, no Brasil. E, fechando-o será descrita a teoria de Alcalá-
Zamora, espanhol que enfrentou o problema da Jurisdição Voluntária sendo, um dos poucos, a
trazer expressamente em seu texto, a existência da Jurisdição Voluntária Extrajudicial.
1.1 – O papel da doutrina no sistema de fontes de Direito:
7 O sentido para o vocábulo doutrina clássica, nesta dissertação é do texto doutrinário erudito, rebuscado, onde são citadas aos posições dos estrangeiros mais conhecidos, seguidos dos brasileiros que pensam no mesmo sentido, sempre se posicionando sobre uma ou outra corrente estrangeira, não inovando no tema, mas repetindo o conteúdo. Ou caso inove no tema, ainda sim, repete o conteúdo do alienígena, ficando com a posição deste. 8 Local como sinônimo de brasileiro, mas de uma localidade ou região.9 Eles não citam a Jurisdição Voluntária Extrajudicial.
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Pela dissertação se propor a problematizar, no plano doutrinário, o que seria a
Jurisdição Voluntária Extrajudicial, sendo o trabalho desenvolvido através de uma revisão
bibliográfica para evidenciar as insuficiências da doutrina brasileira sobre o tema, inicia-se
essa com uma breve explanação sobre o papel da doutrina como fonte de Direito.
Miguel Reale (2002, p. 175), em sua obra Lições Preliminares de Direito indica que a
doutrina, a qual Savigny denominava de Direito científico ou Direito dos juristas, não é uma
fonte de Direito direta posto que não se desenvolve na estrutura de poder, que seria um
requisito essencial no conceito de fonte. É uma fonte reflexa, porque através dela que o juiz
produz sua jurisprudência, supre a lacuna em conceitos jurídicos vagos e delimita os
princípios gerais do Direito. Ele faz a diferenciação entre as fontes que produzem modelos
jurídicos prescritivos das que produzem modelos dogmáticos.
Quanto as primeiras, são derivadas das estruturas normativas dos ordenamentos,
mantendo o caráter obrigatório, disciplinando as várias modalidades existentes de relações
sociais. Já o segundo modelo, são tratados como esquemas teóricos com as seguintes
finalidades: “a) como as fontes podem produzir modelos jurídicos válidos; b) que é que estes
modelos significam; c) como eles se correlacionam entre si para compor figuras, institutos e
sistemas, ou seja, modelos de mais amplo repertório.” (REALE, 2002, p. 176)
Modelos dogmáticos ou doutrinários podem ser entendidos como o trabalho
científico dos juristas que é antecedente lógico e necessário para a aplicação da lei como fonte
mais geral do Direito correspondendo “ao momento culminante da Ciência do Direito”
(REALE, 2002, p. 178) como um desdobramento da significação dos modelos jurídicos. A
Dogmática Jurídica se destina ao estudo sistemático das normas, ordenando-as de acordo com
seus princípios. O trabalho consiste na interpretação visando a aplicação das normas ao
fenômeno social.
Para nós, a Dogmática Jurídica não é um outro nome da Ciência do Direito, nem tampouco se reduz a um simples processo artístico. No nosso modo de entender a Dogmática Jurídica corresponde ao momento culminante da aplicação da Ciência do Direito, quando o jurista sem eleva ao plano teórico dos princípios e conceitos gerais indispensáveis à interpretação, construção e sistematização dos preceitos e institutos de que se compõe o ordenamento jurídico. (REALE, 2002, p. 323).
Por isso, o jurista deve observar a lei, interpretando o texto, externando suas
conclusões, sistematizando-a de forma a visar sua aplicação, cuja intenção é evitar
16
contradições internas no sistema, entregando uma direção a ser seguida de acordo com a
realidade em que a lei foi produzida.
O termo dogma, do vocábulo Dogmática Jurídica, aponta a verdade absoluta não da
interpretação, mas sim da norma em si. Como o jurista constrói seu trabalho científico a partir
das normas que serão aplicadas do casos práticos, há uma verdadeira confusão no que seria a
verdade incontestável. Que, neste caso, é a norma jurídica, desde que formal e materialmente
válida, a qual o cidadão não pode escusar seu desconhecimento.
Contudo, a confusão da terminologia dogmática/doutrina, como acima explicada é
mais profunda a ponto dos operadores do Direito utilizarem as posições doutrinárias como
verdades absolutas que devem ser seguidas como se leis fossem. Doutrina virou sinônimo de
dogma e sua produção, atualmente, não se ocupa em interpretar a lei produzida no sistema
normativo vigente, mas em repetir conceitos, não inovando nem propondo soluções, e sim
mais discussões repetidoras.
A doutrina deveria ocupar um papel onde sugeriria intepretação pertinente do
ordenamento jurídico sendo a responsável pela integração dos operadores do direito com os
símbolos e representações trazidas neste. (DUARTE; IORIO FILHO, 2011, p. 7036-7037) Ou
seja, a ela caberia a explicitação do saber jurídico, com valores locais, frente a norma
produzida, que também é fruto que uma cultura local10.
Todavia, o contrário ocorre. Ao invés de criar sugestões de interpretação com
confluem com as características do ordenamento onde a doutrina é inserida, cria-se standards
e lugares comuns (STRECK, 2011, p. 96) em manuais simplificando o ensino jurídico que é
repetido em salas de aulas, cursos preparatórios, fóruns e tribunais. Há uma crise na
elaboração da doutrina e no próprio ensino dela, que se inicia com os livros doutrinários, cuja
repetição é tamanha a ponto de apenas trazerem exemplos antiquados para a realidade atual
que acabam por atrapalhar o ensino e não facilitar11.
Cada vez mais a doutrina doutrina menos; isto é, a doutrina não é mais doutrina; é, sim, doutrinada pelos tribunais. É nisto que se baseia o casuísmo didático: a partir da
10 Exemplifico com a pena de morte, que no Brasil só é permitida em tempos de guerra, enquanto em alguns estados do EUA, é permitida para certos tipos de crimes. 11 Lenio Streck (2011, p. 99) traz o exemplo do estado de necessidade, que até hoje se utiliza da figura de Tício e Caio que sofreram um naufrágio em alto-mar e lutam pela tábua que madeira que significará sua salvação. Ele indaga porque não exemplificar com um menino pobre que entra no Carrefour para subtrair um pacote de bolacha, a mando de sua mãe, que não tem nada o que comer em casa.
17
construção de “categorias”, produzem-se raciocínios “dedutivos”, como se a realidade pudesse ser aprisionada no “paraíso dos conceitos do pragmatismo positivista dominante”. (STRECK, 2011, p. 97)
Os próprios exemplos utilizados em sala de aula ou de determinadas obras jurídicas estão desconectados do que acontece no cotidiano da sociedade. Isso decorre de uma cultura estandardizada, no interior da qual a dogmática jurídica trabalha com prêt-à-porters significativos. Há uma proliferação de manuais, que procuram “explicar” o Direito a partir de verbetes jurisprudenciais a-históricos e atemporais (portanto, metafísicos). (STRECK, 2011, p. 99).
Frente a crítica de uma doutrina que não doutrina, repetidora de conceitos,
estandardizada, o tema dessa dissertação surgiu. Como estudar a Jurisdição Voluntária
Extrajudicial se ela inexiste nos manuais de Processo Civil? Porém, ela existe no mundo dos
fatos podendo ser verificada nos atos emitidos pela Serventia Extrajudicial. E, cada vez mais
procedimentos estão sofrendo a chamada desjudicialização, sendo entregues essas Serventias
para serem executados sob o crivo desse modelo de Jurisdição Voluntária.
Visando lançar uma luz sobre esse instituto para chamar atenção a seu estudo
sistematizado que esta dissertação se presta. Percebe-se um vácuo na doutrina sobre o assunto,
porém ele existe. Mas esse estranhamento doutrinário não é simples de ser percebido pela
comunidade jurídica doutrinada com standards. Ele é fruto o olhar de estranhamento das
ciências sociais, em especial da Antropologia que auxiliou neste trabalho.
Ver o Direito por um outro filtro é compreender minúcias que refletem as distorções
entre a doutrina sobre o tema e realidade fática no qual ele se insere. A não repetição acrítica
de conceitos, muitas vezes alienígenas que são impostos como verdades absolutas, posto que
doutrinários dogmáticos, deixa espaço a problematizar no plano doutrinário um certo tema. A
tentar extrair novas sugestões e orientações de como aplicar a norma jurídica norteando a
forma de viver o direito.
O questionamento se deu no sentido da natureza do instituto Jurisdição Voluntária
Extrajudicial; se através dos atos dele nasce um direito, ele exerce jurisdição? Se exerce qual
tipo? E, nele se insere várias formas de matérias desjudicializadas. Seria ele um mecanismo
de meio alternativo de resolução de conflitos? Afinal, onde se insere a Jurisdição Voluntária
Extrajudicial no Direito Brasileiro.
Pela autora deste trabalho, já havia uma indagação sobre o tema, e numa pesquisa
anterior ao ingresso no programa de pós graduação stricto sensu percebeu-se que a doutrina
18
não comtemplava a realidade, havendo um espaço a ser preenchido. Inicialmente, as posições
do Professor Doutor Roberto Kant de Lima e a Professora Doutora Bárbara Gomes Lupetti
Baptista, especialmente com seu texto O Desafio de Realizar Pesquisa Empírica no Direito:
Uma Contribuição Antropológica12, serviram para aclarar o campo de forma que o tema
deveria ser estudado, nos trechos:
“O fazer antropológico pressupõe a relativização de verdades consagradas enquanto o fazer jurídico através delas se reproduz, sendo este contraste metodológico um significativo obstáculo ao diálogo destes campos. Exercitar a aproximação destes saberes é a nossa proposta e fazê-lo neste espaço, da Ciência Política, assume especial relevância, não só pela interdisciplinaridade, mas também porque nos parece, definitivamente, que as respostas prontas e padronizadas que o Direito oferece para problemas dinâmicos e diferenciados enfrentados pelos Tribunais está causando uma grave crise de legitimidade do Judiciário”. (pág. 2)
“O olhar antropológico é, essencialmente, um olhar marcado pelo estranhamento, mas não no sentido de suspeição. Trata-se, na verdade, de uma forma peculiar de ver o mundo e as suas representações, partindo sempre, necessariamente, de um surpreender-se com tudo aquilo que, aos olhos dos outros, parece natural. Relativizar categorias e conceitos e desconstruir verdades consagradas é, pois, um importante exercício antropológico e pode ser, igualmente, um importante exercício jurídico, de grande valia para promover as consequentes transformações pelas quais o Judiciário vem lutando e necessita concretizar, caracterizando-se também como um esforço importante para se tentar romper com as formas tradicionais de produção, legitimação e consagração do saber jurídico”. (pág. 3)
A postura desses autores contribuiu na pesquisa onde eles mostram uma nova forma
de pesquisar através de um olhar pelo filtro do estranhamento proposto pela pesquisa empírica
antropológica. Essa forma de olhar por um novo filtro é comum entre os novos Titulares das
Serventias que ingressaram por concurso público, pois pelo estudo para a prova de ingresso
percebem que a lei fria não basta para suprir as lacunas da realidade prática do trabalho.
Porém, esse novo Titular se sente perdido quando busca o tema da doutrina porque ela não
responde seus questionamentos.
O Titular deve ter o olhar do estranhamento para conjugar a prática com a teoria e o
tema que mais chama a atenção é a Jurisdição Voluntária Extrajudicial, pois ela é o
procedimento padrão imposto na Lei de Registro Público que rege a atividade Notarial e
Registral sendo pouco trabalhado na doutrina. É uma espécie de comunidade melanésia
12 KANT DE LIMA, Roberto; GOMES, Bárbara Gomes Lupetti. O desafio de realizar pesquisa empírica. Disponível em: <http://www.uff.br/ineac/sites/default/files/o_desafio_de_realizar_pesquisa_empirica_no_direito.pdf>. Acesso em 12 ago.2014.
19
existente no arquipélago de Trobriands13 a espera de um pesquisador para descrevê-la. Daí
vem a importância do trabalho doutrinário diverso do que hoje se encontra nas prateleiras.
Na construção da dissertação haverá críticas tanto na forma como os doutrinadores
elaboram seus textos, como na forma em que o tema Jurisdição Voluntária Extrajudicial é
abordada. A todo o momento será contextualizado com a doutrina Notarial e Registral, onde
essa jurisdição é exercida, o pensamento do autor que se está trabalhando tanto no aspecto
positivo quando no negativo para se construir o conhecimento sobre o tema.
Essa dissertação se mostra uma via de mão-dupla porque ao mesmo tempo que ela
apresenta uma inovação doutrinária ao trabalhar a Jurisdição Voluntária Extrajudicial e
desconstrói o sentimento de burocrático do serviço no aspecto negativo. A formulação num
sentido e a destruição noutro sentido são características próprias do estudo do Registro
Público.
Estudar Notarial e Registral é estar na contramão do direito doutrinário escrito
clássico, pois se trata de um campo de estudo formado, principalmente, pelo conhecimento
oral, passado de Titular para serventuário, de Titular-professor para aluno... Até pouco tempo,
os autores desta matéria poderiam ser contados nos dedos de uma das mãos. Hoje há uma
explosão de livros de Registro Público, porém a maioria se resume a copiar a lei e explicar o
escrito nela. Pouco se traz em como refletir essa matéria. A estrutura da construção de
pensamento nesses livros se assemelha ao tradicional manual de direito.
Essa mistura do olhar empírico e teórico é típico dos estudiosos de Notarial e
Registral posto que já se encontravam ambientados no conhecimento transmitido oralmente
depreendendo, assim, a necessidade de construção do saber doutrinário como forma de
compilação e reflexão do saber oral. E por ser uma matéria que não é tipicamente ensinada
nas Universidades, mostrando diferenciada nos outros ordenamentos jurídicos dos quais se
importam doutrinas para o Brasil, é que o saber específico desta se mostra ainda mais
importante.
Doutrinar de forma reflexiva sobre qualquer assunto em Notarial e Registral é um
ganho para a cultura jurídica brasileira, cujo objeto de pesquisa possui um campo próprio e
peculiar de atuação. Ele não é parte do Judiciário, mas por este é fiscalizado. Nem faz parte
13 Alusão ao trabalho de Malinowski retratado no livro Crime e Costume na Sociedade Selvagem.
20
do legislativo, tão pouco do executivo, mas integra a estrutura do Estado Brasileiro. É uma
delegação de serviço público personalíssima ao aprovado em concurso público, mas não se
trata da delegação de direito administrativo apesar de exercer função administrativa. Sui
generis se encontra como sua melhor definição.
1.2 – Cultura jurídica da repetição na produção doutrinária e no ensino jurídico:
Eurocentrismo.
Neste trecho da dissertação, pretende-se explorar a cultura jurídica da repetição, tanto
na produção doutrinária, quanto no ensino jurídico fundamentado nesta repetição. Perde-se
oportunidade de apreciar o direito contextualizado com a realidade local quando o ensino se
fixa em conceito estanques de alienígenas que não escrevem nem para o local (Brasil), nem
para a cultura brasileira.
Fica claro a repetição sem responder aos problemas aventados quando se propõe,
como objetivo nesta dissertação, demonstrar que existe a chamada Jurisdição Voluntária
Extrajudicial, pouco explorada pela doutrina processualista, mas faticamente exercida pelas
Serventias Extrajudiciais. Esse tema dificilmente é encontrado em livros, por
desconhecimento da matéria que é de cunho processual, mas trabalhada pela doutrina
Registral e Notarial. Poucos autores se prestam a falar desta diferenciação e não percebem que
o conceito da concepção administrativista da Jurisdição Voluntária pode servir, também para
conceituar a Jurisdição Voluntária Extrajudicial, sem precisar descontextualizar a fala do
jurista.
A estrutura de pensamento alienígena sobre esta matéria foi desenvolvida com base
na definição da natureza jurídica da Jurisdição Voluntária (concepção) para que ela pudesse
ser alocada no Processo Civil. Inicialmente Zanobini (1918) a trabalhava no direito
administrativo. Mais tarde, Wach seguido por Chiovenda (1903), que por sua vez é seguido
por Allorio (1963) e pela Teoria Administrativista Brasileira utiliza-se da concepção
Administrativista da Jurisdição Voluntária.
21
Essa posição apesar de predominante hoje, à época foi rebatida por Carnelutti14
(1919) criando a concepção Jurisdicionalista e mais tarde por Micheli (1959), que mantém a
mesma posição do antecessor. A última tentativa de entender a Jurisdição Voluntária foi de
Fazzalari e Alcalá-Zamora que criaram a concepção Autonomista, indicando que este tipo de
jurisdição é algo próprio em si, devendo ser estudado como categoria separada da jurisdição
simples.
Mesmo optando por fazer menção as matrizes estrangeiras do pensamento sobre
Jurisdição Voluntária ressalta-se a crítica feita ao pensamento eurocentrista, que cai muito
bem nesta dissertação.
Os italianos Chiovenda e Carnelutti serviram para cunhar uma concepção do tema
alocando-a na área administrativista e na área jurisdicionalista. Assim, apresentando o
resquício do quanto eurocentrista se constrói a doutrina, os brasileiros necessariamente, em
seus textos, citam os italianos, se posicionando em uma das duas concepções.
Contudo, essas doutrinas europeias foram produzidas em época diversa da que se
trabalha o tema Jurisdição Voluntária Extrajudicial hoje, num cunho social diferente e com
ordenamento jurídico distinto. No século em que Chiovenda viveu, o sistema registral e
notarial era diverso do brasileiro atual, assim pergunta-se: porque deve-se manter a mesma
forma de estudar o instituto? Citá-los como referencias iniciais é situar o tema no tempo, mas
usá-los como verdade absoluta que deve ser obedecida mesmo em sistema jurídico distinto, é
abraçar a doutrina clássica da verdade absoluta.
Evidentemente, carregamos, ainda uma carga muito forte de eurocentrismo, dado que todo esse modelo de academia exclusivista foi gerado no mundo europeu, que se via como homogêneo etnicamente. Dito em termos antropológicos mais soltos, havia uma etnia dominante, tanto na Europa Central, como na Inglaterra e na França: os brancos. As minorias de outras línguas que não as línguas coloniais, estavam fora desse jogo político e acadêmico. Tratava-se, na verdade, de um mundo branco, ocidental, que funcionava como se não tivesse fraturas internas de visão de mundo, que se autoproclamava universal. (CARVALHO, 2004, p. 8) (grifo meu)
Assim, o ensino do Direito deve respeitar o ordenamento jurídico local ao invés de
impor teorias estrangeiras como verdades absolutas. Deve-se buscar os aspectos positivos de
outros sistemas e agregar ao brasileiro respeitando as diferenças não forçando-o a ser aceito
sem questionamentos. Na distinção da sociedade que diz: você sabe com quem está falando?
14 Pela doutrina de Carnelutti ser bem mais complexa do que a de Chiovenda, a ele será dedicado um espaço maior para a explicação desta.
22
(DaMatta, 1986 e 1997) como infundir concepções de Jurisdição Voluntária italianas que não
explicam a existência de duas Jurisdições Voluntárias: a Judicial e a Extrajudicial, onde
ocorrem os procedimentos desjudicializados atualmente.
As Serventias Extrajudiciais são uma realidade estatal, social e cultural brasileira,
seja ela vista como boa ou estrutura que atrapalha o avanço social. O fato da existência deste
instituto da sociedade, por si só, já seria o bastante para afastar concepções de Jurisdição
Voluntária que não englobam esta forma de resolver conflitos no extrajudicial. Mas ainda sim,
a imposição das concepções dos italianos é necessária para validar o texto doutrinários.
A cultura não só jurídica, como social, que de acordo com Roque Laraia (2001,
p.14)15 pode ser determinada por fatores biológicos e geográficos traz em seu bojo uma série
de especialidades que podem ser compreendidas não só pelos nativos mas também por
estrangeiros que vem observar essa cultura16. Contudo, os alienígenas citados em
ensinamentos eurocentristas não observaram a realidade onde estão sendo citados. Pelo
contrário, eles falam de seus próprios lugares para seus lugares.
A Serventia Extrajudicial que cuja concepção do instituto foi introduzida no Brasil
com o Tratado de Tordesilhas17 quando dividiu as terras do além-mar entre Portugal e
Espanha mesmo antes de seu descobrimento, seguida das ordenações Manoelinas e Afonsinas
no pós-descobrimento, constitui um traço cultural de como o Estado intervém em certos
assuntos da vida civil sem a necessidade do Poder Judiciário, Executivo ou Legislativo.
Os Brasileiros convivem com este instituto desde a descoberta, passando pela
colonização e povoamento do território. Os termos “cartório”18, “escrivão”, “tabelião”,
“registrador” estão presentes no cotidiano e integrados na cultura nacional revelando um traço
característico desta cultura de desnecessidade de intervenção Judicial em alguns atos
15 Este ponto se presta apenas a apresentar o conceito de cultura trazido na obra de Laraia, não visando exaurir o tema. “No final do século XVIII e no princípio do seguinte, o termo germânico Kultur era utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituais de uma comunidade, enquanto a palavra francesa Civilization referia-se principalmente às realizações materiais de um povo. Ambos os termos foram sintetizados por Edward Tylor (1832-1917) no vocábulo inglês Culture, que "tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade". (LARAIA, 2001, p. 14)16 Como ocorreu com Boaventura dos Santos que estudou a favela no Rio de Janeiro, que recebeu o nome de Pasárgada para ocultar sua identidade, na década de 70, objeto de sua tese de doutoramento na Universidade de Yale que foi publicada sobre o nome de Direito dos Oprimidos. 17 Neste Tratado pode-se dizer que o Brasil ganhou sua primeira matrícula registraria, cujo conteúdo se referia a todo território nacional, sem suas modificações atuais. 18 Atualmente se utiliza o verbete Serventia Extrajudicial para cartório.
23
negociais ou da vida civil, administrando conflitos, formalizando juridicamente a vontade das
partes, criando e desfazendo obrigações entre particulares. Sendo, este instituto ora aclamado,
ora repudiado, mas sempre presente.
Logo, se a cultura no geral, em especial a brasileira é algo distinto com caracteres
próprios, como sobrepor um ensinamento baseado em uma cultura sobre a outra? Essa
intenção se assemelha ao etnocentrismo (LARAIA, 2001, p. 38), (QUIJANO, 2005, p. 5)
onde se acredita que a própria sociedade é o centro da humanidade ou mesmo a única
expressão do certo. Significa impor sua cultura sobre as outras acreditando que somente esta é
a correta.
Boaventura dos Santos, na obra Cartografia simbólica (1988a, p. 141) indica que o
modo como se imagina o real espaço pode tornar-se a matriz das referências como são
imaginadas os demais aspectos da realidade, que nada mais são do que os conceitos que a
representa constituindo as ciências sociais e suas especializações como a sociedade, o Estado,
o indivíduo, a comunidade, as classes sociais, a produção e a cultura, o direito, os movimentos
sociais, a identidade nacional, todos conceitos com textura espacial, física e simbólica que são
instrumentos analíticos para compreender as relações sociais tecia em cada conceito.
Se o real espaço do instituto da Jurisdição Voluntária Extrajudicial é ocupado por
delegação personalíssima do serviço público estando presente na estrutura estatal, intervindo
na formação de negócios jurídicos de pessoas físicas ou jurídicas de diversas classes sociais,
produzindo a cultura da intervenção do Estado na atividade privada pela administração de
interesses, criando direitos e legitimando vontade, sua matriz de referência deve ser nacional
por se tratar de um instituto local.
Em se tratando de influências estrangeiras, deveria procurar sua raiz, primeiramente
no Sistema Português, de onde foi trazida para o Brasil, mostrando a transformação do
lusitano para o brasileiro, depois no sistema Latino geral para entender como foi criada a
função notarial e registral, não no sistema processual civil italiano como sinônimo de sistema
latino, pois “O eurocentrismo é um modo de distorcer a percepção da experiência atual e
histórica e como consequência impede resolver nossos problemas, salvo de modo parcial e
distorcido”. (QUIJANO, 2006, p. 9)
24
De acordo com Aníbal Quijano, sociólogo que desenvolveu o conceito de
colonialidade do poder, o eurocentrismo tem suas origens na colonização, com o formação
das relações sociais dos colonizados na ideia de raça, criando identidades sociais
historicamente novas como os índios, negros e mestiços:
Assim, termos com espanhol e português, e mais tarde europeu, que até então indicavam apenas procedência geográfica ou país de origem, desde então adquiriram também, em relação às novas identidades, uma conotação racial. E na medida em que as relações sociais que se estavam configurando eram relações de dominação, tais identidades foram associadas às hierarquias, lugares e papéis sociais correspondentes, com constitutivas delas, e, consequentemente, ao padrão de dominação que se impunha. (QUIJANO, 2005, p. 1-2)
E este se aperfeiçoou com o capitalismo quando a Europa se tornou o centro do
capitalismo mundial tendo o controle do mercado impondo seu domínio colonial sobre
regiões e populações criando um padrão específico de poder. Para que o colonialismo do
poder e consequentemente o eurocentrismo pudesse insurgir, inicialmente expropriaram, das
populações colonizadas seus descobrimentos culturais; depois reprimiram as formas de
produção de conhecimento dos colonizados, através de acordos, assim como seus padrões de
produção de sentidos, universo simbólico, padrões de expressão e objetivação da
subjetividade. E, por último, forçaram os colonizados a aprender tudo que fosse útil do
colonizador para reproduzir a dominação. (QUIJANO, 2005, p. 5)
Desta forma, sufocada a produção do conhecimento local, haveria um terreno fértil
para inserir o eurocentrismo tendo o etnocentrismo colonial e a classificação racial universal
como suportes, pois os europeus seriam naturalmente superiores, pela mítica binária
eurocentrista de: Oriente-Ocidente, primitivo-civilizado, mágico/mítico-científico, irracional-
racional, tradicional-moderno, Europeu-não europeu. (QUIJANO, 2005, p. 5-6)
O eurocentrismo trabalhado nesta dissertação é o eurocentrismo da modernidade, que
de acordo com Enrique Dussel (2005, p. 5-7) data de 1492, quando se tem o início da
operação sistema-mundo que criando um conceito de história mundial, pois antes eram várias
histórias convivendo.
... poder-se-á compreender que, ainda que toda cultura seja etnocêntrica, o etnocentrismo europeu moderno é o único que pretende identificar-se com a ‘universalidade-mundialidade’. O ‘eurocentrismo’ da modernidade é exatamente a confusão entre a universalidade abstrata com a mundialidade concreta hegemonizada pela Europa como ‘centro’. (DUSSEL, 2005, p.7)
25
Desta forma percebe-se que o eurocentrismo não basta para explicar o direito em
qualquer contexto, principalmente quando se trata de institutos locais que nasceram da
peculiaridade e necessidade social local, a qual o colonizador, detentor do poder, não tinha
como prevê-lo por este não estar presente em seu contexto social. Contudo, como
compreender esta diferença? Para tanto deverá ser explorado, mesmo que superficialmente, o
que seria o Direito.
Uma das questões mais difíceis de se compreender é delimitar o que seria o direito.
Talvez seja mais compreensível se visualizado pelas suas fontes, podendo ser o costume e/ou
a jurisprudência, em especial nas sociedades regidas pelo common law (HART, 1961); pode
ser a lei em sentido lato e stricto nas sociedades de civil law; ou que seja leis, jurisprudências,
costumes e saberes locais (GEERTZ, 1997), até porque:
(...) Direito não é uma “coisa” fixa, parada, definitiva e eterna, mas um processo de libertação permanente. Como já dissemos, o Direito não “é”; ele “vem a ser”. Por isso mesmo é que o revolucionário de ontem é o conservador de hoje e o reacionário de amanhã. (LYRA FILHO, 1982, p. 53)
Sendo, ainda, uma pluralidade de ordenamentos que podem vigorar, de forma oficial
ou não, num mesmo espaço jurídico.
Numa sociedade que assim se divide em classes e grupos, de interesses conflitantes, o direito não pode ser captado, em sua inteireza, sob a exclusiva ótica da classe dominadora. Nem há, em todo caso, um só conjunto de normas sociais, sem contradições. Há, pelo contrário, uma pluralidade de ordenamentos que aspiram a definir o que é propriamente jurídico, isto é, o direito válido, eficaz, e corretamente formalizado. Esses ordenamentos lutam pela hegemonia, cujas condições de triunfo ou legitimidade sempre dependem da natureza dos posicionamentos e interesses que as normas refletem. (LYRA FILHO, 1980, p. 6)
Boaventura, (1988a, p. 141) em seu texto cartografia simbólica, para explicar o
Direito, utilizando como método facilitador de compreensão, ele compara-o a um mapa,
afirmando que o direito seriam as leis, as normas, os costumes, as instituições jurídicas, ou
seja, um conjunto de representações sociais que indica um modo específico de imaginar a
realidade, assim como os mapas imaginam a realidade de um dado território.
Logo, se o Direito é tão plural, composto de inúmeras influências, se tornando um
caso particularizado em cada sociedade pois se trata de algo em movimento que espelha a
representação social de uma realidade, porque que um tema jurídico não pode ser analisado
pelos olhos do doutrinador local, sem necessitar de citação de obras alienígenas para se tornar
26
uma obra jurídica a ser respeitada? Seria uma espécie de convenção19 tácita entre os autores,
ou apenas uma formalística aprendida e repetida sem questionamentos para a confecção do
texto jurídico?
Se o direito é fruto de uma cultura e representa a realidade social, qual a explicação
da imposição, no caso trabalhado nesta dissertação, da visão de Chiovenda, que viveu num
contexto social diverso, onde as Serventias, se existissem nos moldes como hoje é o
brasileiro, ainda sim seriam dispares, pode ser o ponto central para classificar um instituto
brasileiro que teve mudanças cruciais no pós constituição de 1988? Taxar a Jurisdição
Voluntária Extrajudicial de Administrativista ou Jurisdicionalista não responde a pergunta
principal sobre sua real natureza.
Essa estrutura textual doutrinária brasileira tem suas raízes no modo como se
reproduz o conhecimento pelas universidade, que atualmente é um direito reproduzido, sendo
rapidamente esquecido posto que não foi produzido, pensado, elaborado. A recorrência dos
conteúdos mostra a repetição e não a pesquisa. Boaventura chama a atenção para esse
esquecimento do direito que pode gerar algo grave que seria o esquecimento do “lugar no
interior do próprio objeto teórico do direito.” (SANTOS, 1988b, p. 4)
Desta forma, para compreender o direito em movimento que não está sendo
pesquisa/estudado, mas reproduzido sem acompanhar sua evolução, ou quando
acompanhando mantendo a repetição de conteúdo20, que se faz necessária o entendimento
sobre a crítica ao ensino jurídico universitário. Essa crítica passa desde o Direito que é
ensinado de maneira errônea até a forma que a universidade tomou com o passar dos anos.
Como já indicava Roberto Lyra Filho, duas críticas podem ser feitas ao ensino
jurídico: quanto a metodologia de ensino que não faz o aluno pensar, mas repetir; e a visão
eurocentrista na transmissão de conteúdo, pois existe um equívoco geral e estrutura na própria
concepção do direito que se ensina.
O Direito que se ensina errado pode entender-se, é claro, em pelo menos, dois sentidos: como o ensino do direito de forma errada e como errada concepção de
19 Boaventura de Sousa Santos, em sua obra cartografia simbólica, na página 147, faz uma comparação entre o direito e o mapa, indicando, quanto aos mapas: “Por exemplo, convencionou-se usar linhas para designar estradas e fronteiras e círculos de diferentes tamanhos para designar vilas e cidades.”20 Percebe-se claramente a repetição com a proliferação de livros que reproduzem o texto da lei e explicando reescrevendo, a lei, em outras palavras.
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direito que se ensina. O primeiro se refere a um vício de metodologia; o segundo, à visão incorreta dos conteúdos que se pretende ministrar. (LYRA FILHO, 1980, p. 5)
Frente a pluralidade de ordenamentos num mesmo espaço geográfico, a metodologia
do ensino jurídico deve-se adequar a essa característica para que o ensino não priorize a
transmissão do conhecimento da lei da classe dominante, mas também da classe dominada, do
direito achado na rua (Cristovam Buarque). Desta forma, o ensino sairá do patamar de
produzir apenas mão de obra especializada para produzir um estudante que pense o direito
com independência econômica e liberdade político-social. (LYRA FILHO, 1980, p. 8)
Utilizando o exemplo do brasil colônia já era indicado, por Hespanha, que este
detinha uma ordem jurídica própria, diversa da lei portuguesa aplicada, contando com uma
autonomia de um direito não decorria, em essência, da existência de leis próprias, todavia,
muito mais, da capacidade local de preencher os espaços jurídicos de abertura ou
indeterminação existentes na própria estrutura do direito comum, mesmo se tratando de
direito colonial brasileiro, que era chamado de direito das índias. (HESPANHA, 2005, p. 1)
(...) é que a concepção de “direito das Índias” como complexo de leis da coroa foi substituída por uma concepção de direito construído pela prática - eventualmente, pela prática dos tribunais – nos espaços que o direito comum clássico deixava à regulamentação local, consuetudinária ou judicial. (HESPANHA, 2005, p. 1)
Esse particularismo da ordem jurídica colonial brasileira21, é produto da cultura local,
como já explorado por Laraia, sendo uma “dinâmica de fatores locais, de ordem geográfica,
ecológica, humana e política” (HESPANHA, 2005, p. 11). Se quando a Coroa exercia o
controle do direito já existia o saber local aplicado, porque hoje há a necessidade da inversão,
ou seja, da aplicação do saber do colonizador?
Assim, deveria, nas universidades haver matérias obrigatórias ou eletivas de acordo
com as peculiaridades locais, visando a formação de um profissional apto a pensar o direito de
forma regionalizada, focando nos problemas típicos, livre das algemas do direito da classe
dominante. Essa tese é defendida pelo Prof. Dr. José Jorge de Carvalho (UNB), seguida por
outros professores que criticam o ensino eurocentrista:
Pela mesma lógica, na Universidade Federal do Amazonas eu poderia fazer cursos de tukano, baniwa, tuyuka, tikyna, nheengatu, mas esses idiomas não são oferecidos na UFAM. Semelhantemente, a UFRGS deveria ensinar kaingang, guarani, xokleng, iorubá, mas tal não sucede. (CARVALHO, 2004, p. 8)
21 Pelo contrário, fornecia uma série de princípios doutrinais e de modelos de funcionamento normativo que se acomodavam bem a uma situação como a do sertão brasileiro.
28
O segundo tema que me preocupa particularmente é a falta de abertura das universidades para os saberes não europeus, bem assim, como para os saberes europeus ainda não legitimados pela nossa academia. (CARVALHO, 2004, p. 3)
Como seria bom se o ensino jurídico pudesse seguir a mesma lógica. Imagine-se uma
universidade no Rio de Janeiro que tivesse em sua grade curricular o “direito de laje”22; em
São Paulo o “direito das quebradas”23; no Amazonas fosse ensinado o direito indígena; nos
Estados com grandes extensões de rios, o direito dos ribeirinhos. Porém tal grade curricular
extensiva não ocorre, como menciona Boaventura, quando critica a universidade:
Aliás, tal impreparação, mais do que conjuntural, parece estrutural, na medida em que a perenidade da instituição universitária, sobretudo no mundo ocidental, está associada à rigidez funcional e organizacional, à relativa impermeabilidade às pressões externas, enfim, à aversão à mudança. (SANTOS, 1989, p. 11)
O que leva a utilização do ensino eurocentrista em detrimento da emancipação da
doutrina nacional nada mais é que um conjunto de fatores desde da objetificação
(CARVALHO, 2004, p. 4) até a explosão e proliferação de universidades ocasionando um
aumento da população estudantil e do corpo docente. O fenômeno de expansão levou a um
atrofiamento da universidade com a desprivilegiação do seu conteúdo com o objetivo de
produzir indivíduos aptos ao mercado de trabalho, não pensadores.
O critério utilizado para essa abertura foi a exigência sócio-política da
democratização e da igualdade de oportunidade em detrimento da hierarquização do saber
especializado. (SANTOS, 1989, p. 12-14) Isso ocorreu porque num dado momento, a procura
pelo universidade deixou de ser uma procura por excelência, passando a ser uma procura por
democracia e igualdade. (SANTOS, 1989, p. 38)
Carvalho (2004, p. 4-5) chama atenção que as universidades públicas brasileiras se
qualificam como herdeiras (auto-representação) das universidades europeias do princípio do
século XIX, especialmente as portuguesas, francesas e alemãs. E, na maioria dos cursos deste
modelo tido por clássico, havia uma divisão qualitativa e ideológica, onde, de um lado
ficavam os cursos técnicos destinados a qualificar as classes trabalhadoras; e do outro lado os
cursos destinados as classes dominantes cujo ensino era de saber não prático sustentado em si
mesmo.
22 Direito surgido em locais onde há construções independentes sobre a laje de outras construções. Uma família casa um de seus filhos e permite que o mesmo construa sua casa na laje da família, com entrada independência, água, luz e outros serviços básicos. Quando este filho se separa, o ex-cônjuge ajuizada em face deste seu direito a metade da laje. Esta realidade é comumente enfrentada pelos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro.23 Outra denominação para comunidades (RJ) ou favelas.
29
Contudo mesmo as universidade herdeiras contém grades fechadas quanto aos cursos
das classes dominantes, quiçá, quanto aos cursos técnicos. Existe o regime de classe rígido,
fluxograma de cursos privativo que quem cursa determinado curso, bem como número certo
de aulas e de docentes, sem intercâmbio entre outras universidades e outros saberes. Não há
espaço para o saber especializado local, como uma aula de capoeira ou com um pajé, ou ainda
com raizeiros e benzedeiras (CARVALHO, 2004, p. 15). Mantém-se a tradição eurocentrista
do modelo homogêneo etnicamente, onde tudo que não faz parte do dominante está fora do
jogo acadêmico.
Mantendo essa estrutura, hoje a universidade sofre uma crise de hegemonia posto
que sua condição social deixou de ser considerada como necessária, única e exclusiva. O
‘saber especializado’ não se encontra mais nela, porque ela não se presta a ensiná-lo. Os
universitários saem pseudo-preparados para o mercado de trabalho, como se fosse um curso
tecnólogo, sem que neles estejam incutidos valores que Boaventura denomina de:
“...valores positivos perante o trabalho e perante a organização econômica e social de produção, regras de comportamento que facilitam a inserção social das trajetórias pessoais, formas de sociabilidade e redes de inter-conhecimento que acompanham os estudantes muito depois da universidade e muito para além do mercado de trabalho...” (SANTOS, 1989, p. 16)
Aliado à crise de hegemonia da universidade, Carvalho (2004, p. 9) chama atenção
ao fenômeno da (des)orientação dos alunos. Segundo o autor, quando estes ingressam na
universidade, ao invés de desfrutarem de um ambiente aberto ao saber, são na verdade
orientados a limitar suas escolhas, ou seja são desorientados a cursar somente as matérias
específicas do curso escolhido e pressionados a terminá-las num determinado número de anos,
fechando a universalidade do saber, ao invés de produzi-lo como reflexo da cultura.
Apesar da crise, a universidade ainda ocupa um lugar privilegiado que deve ser
referenciado para se produzir dois tipos de conhecimentos: a produção da alta cultura e a
produção da cultura popular. Quanto a primeira, se constitui no saber elitizado, especializado,
acessível a poucos e quanto ao último, “é uma cultura-objeto das ciências emergentes, de
etnologia, do folclore, da antropologia cultural, rapidamente convertidas em ciências
universitárias.” (SANTOS, 1989, p. 18) A exigência da cultura popular na universidade é algo
atual que surge com o questionamento da cultura de massa e abertura dos saberes
especializados, não sendo estes mais privilégio das elites, por conta da democratização no
ensino.
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A exigência posta no trabalho universitário, a excelência dos seus produtos culturais e científicos, a criatividade da atividade intelectual, a liberdade de discussão, o espírito crítico, a autonomia e o universalismo dos objetivos fizeram da universidade uma instituição única, relativamente isolada das restantes instituições sociais, dotada de grande prestígio social (...). (SANTOS, 1989, p. 17)24
E, mesmo com essa virada de pensamento sobre a Universidade, ela não foi
concretizado como se pretendia, criando uma nova diferenciação, onde, segundo Boaventura
(1989, p. 19):
A produção da alta cultura permaneceu em grande medida controlada pelas universidades mais prestigiadas, enquanto que as universidades de massa se limitam à distribuição da alta-cultura ou, quando a produziram, baixaram o nível de exigência e degradaram a qualidade.
A essa produção de conhecimento em massa, inspirado na alta cultura, que se tem o
eurocentrismo, que não privilegia a cultura popular. Na hegemonia da universidade está
presente a dicotomia educação-trabalho. Com relação a universidade da alta cultura era só
educação, assim, quem participava do mundo ilustrado não participaria do trabalho. Com a
universidade de massas, a educação passou a englobar não só a alta cultura, mas também a
educação para o trabalho, o ensino de conhecimento utilitários, ensino de aptidões técnicas
especializadas aptas a responder os desafios tecnológicos do espaço de produção. (SANTOS,
1989, p. 21) O trabalho, deixou de ter sua conotação de força física, passando a também
encorpar a força intelectual qualificada.
Hoje essa dicotomia educação-trabalho é questionada por dois fatores, indicados por
Boaventura (1989, p. 22) como sendo: a aceleração na transformação dos processos
produtivos fazendo com que a educação deixe de ser anterior ao trabalho para ser
concomitante, e a concepção de trabalho e emprego como diferencial fazendo com que as
pessoas invistam no emprego, não no trabalho.
Contudo, apesar da universidade ter saído do geral para o particular, ela acaba por
regressar ao generalismo tendo em vista as incertezas do mercado de trabalho, por isso deve
oferecer ao estudante formação sólida e ampla, trazendo uma visão global de mundo
desenvolvendo um espírito crítico, a criatividade, a ambição pessoal, a inovação. Mas nada
disso será possível se continuar, o ensino, a manter o estilo eurocentrista.
24 Para este autor, a universidade continua um local de saber privilegiado destinado as elites, como consta no final da citação.
31
Se ele primasse pela cultura popular as descobertas seriam no âmbito da cultura
local, o que levaria a um melhor aprimoramento do conhecimento ao invés da imposição de
posições teóricas já consolidadas. Porém isto não ocorre não só pelo eurocentrismo mas
porque o “O quantitativismo está intimamente ligado com o economicismo, que por sua vez
consiste em conceber o produto universitário como um produto industrial”. (SANTOS, 1989,
p. 44) É vender o ensino para a massa sem se importar com o tipo de saber/cultura que se está
disseminando.
Diante do explorado, se para o ensino das matérias centrais do direito, quer dizer as
matérias de direito processual, civil e penal há a necessidade de sair do eurocentrismo para
explorar os conteúdos de modo local, pois elas são frutos do Poder Legislativo, que nada mais
faz do que compilar o saber local, imagina-se para os direitos especiais, como no caso do
Direito Notarial e Registral. Assim, deve ser privilegiado o saber dos doutrinadores brasileiros
com suas opiniões próprias sobre cada instituto, e não uma reprodução do saber estrangeiro
gerado num outro contexto cultural, por se tratarem de sociedade diversas (SANTOS, 1988a,
p. 148).
Como se não bastasse a questão cultural, social e geográfica, há o pluralismo
jurídico, aqui utilizando o sentido indicado por Boaventura (1988a, p. 164) e Hespanha (2005,
p. 2) de sobreposição, articulação e interpenetração de vários espaços jurídicos misturados
exercido pelas várias instituições existentes, diversas do Estado para gerir conflitos aplicando
direito oficiais ou extraoficiais, que nesta dissertação é exemplificada pelo Direito Registral e
Notarial.
O Registro Público era um direito pulverizado, quase que costumeiro, exercido por
igrejas, capitães de capitanias hereditárias, tabeliães, regido por diversas leis e decretos, como
a exemplo do Lei 601/1850 (Lei de Terras) e o Decreto 4.857/39 do fólio pessoal; que foi
unificado, quanto aos atos de RCPN (Registro Civil de Pessoas Naturais), RCPJ (Registro
Civil de Pessoa Jurídica), RGI (Registro de Imóveis), RTD (Registro de Títulos e
Documentos, em 1973, com a Lei 6.015 (Lei de Registros Públicos – LRP), e com relação aos
demais atos, deveres e responsabilidades na Lei. 8.935/94 (Lei de Notários e Registradores –
LNR).
Contudo, sua particularização, e nisto entra os atos costumeiros, é feito em cada
Estado, pelas consolidações normativas. Nelas constam costumes como o horário de
32
funcionamento das Serventias, feriados25... é o que Boaventura (1988a, p. 149) chama de
direito local. Assim, por se tratar de ordens jurídicas diversas porque projetam diferentes
realidades sociais não se pode unificar a sua explicação com base no direito do colonizador,
mas sim no direito criado pelo colonizado. Ou se usado o direito do colonizador deve, ao
menos, contextualiza-lo apresentando as semelhanças e diferenças que compõe cada sistema.
As formas de direito distinguem-se também segundo o tipo de projeção da realidade social que adotam. A projeção é o procedimento através do qual a ordem jurídica define as suas fronteiras e organiza o espaço jurídico no interior delas. Tal como a escala, e pelas mesmas razões, a projeção não é um procedimento neutro. Tipos diferentes de projeção criam objetos jurídicos diferentes e cada objeto jurídico favorece um a certa formulação de interesses e uma concepção própria dos conflitos e dos modos de os resolver. (SANTOS, 1988a, p. 155)
E, mesmo com toda crítica já tecida e revolvida busca-se entender a manutenção do
discurso e ensino eurocentrista na academia jurídica26. Manter o uso dos italianos pode ser um
argumento retorico, como Boaventura explica, utilizando a persuasão para os participantes do
discurso do direito, tornando a doutrina válida se mencionado estes, e posicionado sobre uma
de suas concepções. O uso da retórica nesses textos imprime a característica de uma classe no
momento de elaboração da obra. (SANTOS, 1988b, p. 86)
Mas nada impede que o texto seja produzido por pessoas fora da classe, no sentido
mencionado acima, ou por pessoas da classe que queiram inovar e não repetir os conteúdos. A
persuasão do discurso acadêmico se fixa no eurocentrismo como forma de construção do
conhecimento repetido. Porém, o discurso dos brasileiros pode ser persuasivo quando ele se
utiliza da liberdade e do conhecimento de estar inserido na sociedade da qual se fala, com a
proposta de argumentos mais convinventes que as teorias italianas (SANTOS, 1988b, p. 94).
1.3 – Exemplo de Matrizes Estrangeiras utilizadas no ensino eurocentrista brasileiro
com relação à Jurisdição:
Diante toda a crítica já exposta, traz-se os conceitos de Chiovenda e Carnelutti para
ilustrar as concepções, não para indicar que suas doutrinas devem ser seguidas, até porque,
perante a estrutura do Direito Brasileiro, elas não bastam para explicar a Jurisdição Voluntária 25 A exemplo, no Rio de Janeiro, é quase que inconcebível que a Serventia abra entre a sexta-feira de carnaval até a quarta-feira de cinzas. Para outros estados, trabalhar na sexta, segunda e terça de carnaval pode ser um hábito comum. O mesmo pode ocorrer em outros Estados durante festivais locais. 26 Apesar do discurso eurocentristas atingir outras academias, nesta dissertação ela se resumirá a jurídica.
33
Extrajudicial menos ainda para explorar esse lugar como que nele possa se administrar um
conflito fora do Poder Judiciário, mas apenas como indicação de marco inicial do estudo da
matéria.
1.3.1 – Chiovenda:
Chiovenda, jurista italiano, foi discípulo de Wach e opta pela concepção
administrativista da Jurisdição Voluntária diferenciando-a da Jurisdição comum, posto que
entende que a última é o primeiro pressuposto processual da demanda, definindo Jurisdição da
seguinte forma:
“Pode definir-se jurisdição como a função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva.” (CHIOVENDA, 2002, p. 8)
Para ele, Jurisdição deve ser entendida como função do Estado/soberania do Estado,
emanando exclusivamente deste. É atividade substitutiva pois substitui a atividade alheia pela
atividade pública de forma definitiva e obrigatória da atividade intelectiva do juiz à atividade
das partes e de todos os cidadãos ao afirmar se existe ou não uma vontade concreta da lei. É,
ainda, atividade secundária ou coordenada diverso da administração que é atividade primária
ou originária.
Provando que o ensino jurídico brasileiro é eurocentrista, este conceito de Chiovenda
é citado exatamente como no trecho acima, por Prata (1979, p. 52), Lucena (1996, p. 33),
Tesheiner (1992, p. 13), Carneiro (1980, p. 28) e (2007, p. 5 e 8), Greco (2010, p. 71),
Pacheco (1977, p. 120).
Outros autores não reproduzem o conceito como citação, mas indicam-no ora
ressaltando um aspecto, ora descrevendo com suas palavras: Theodoro Júnior (2011, p. 17-18)
– descreve o conceito com suas palavras, mantendo o sentido do original; Guerra Filho (1993,
p. 34) – indica ser atividade substitutiva; Rossetti (1990, p. 191) – atividade de substituição;
Borges (1978, p. 49) – fim constitutivo da Jurisdição Voluntária; Menezes (1975, p. 117) –
34
caráter constitutivo pois tende a estabelecer negócios jurídicos novo ou desenvolver relações
jurídicas existentes; Pacheco (1977, p. 118) – escopo constitutivo; Porto (1983, p. 82) – poder
de aplicar a lei ao caso concreto; Greco (2003, p. 15) – natureza jurídica de direito
administrativo da Jurisdição Voluntária; Lopes da Costa (1961, p. 26) – natureza de ato
administrativo; Marques (2000, p. 158) – explica a teoria de Chiovenda.
As citações realizadas pelos autores brasileiros, independente de cópia do conceito
acima indicado, de explicação deste, paráfrase ou apenas ressaltar algum aspecto do conceito,
não como marco inicial do estudo, mas como obra a ser seguida e declarada como adepto a
esta corrente, que hoje trazida como majoritária, traçando o ensino que privilegia o saber
alienígena ao nacional.
Já a Jurisdição Voluntária:
Não se insere correlativamente entre as atividades jurisdicionais, a denominada jurisdição voluntaria, a qual, de feito, não é jurisdição no sentido que explanamos. Por consequência, a contraposição tradicional de jurisdição voluntária e contenciosa é já hoje imprópria. Qualificou-se com o nome romano iurisdictio vonluntaria na doutrina e na prática do processo italiano medieval, aquele complexo de atos que os órgãos judiciais realizavam em face de um único interessado, ou sob acordo de vários interessados, in volentes; e o nome passou a designar também aqueles dentre tais atos que vieram, com o tempo, a transferir-se da competência dos juízes ordinários para a dos notários. Dos processos simulados perante o juiz passou-se a constituição de instrumentos de cláusula de garantia, outorgada pelos notários, chamados por isso de iudices chartularii. (grifo meu) (CHIOVENDA, 2002, p. 22 e 23)
Quando Chiovenda conceitua a Jurisdição Voluntária percebe-se nitidamente o
caráter administrativo da função, tanto que ele afirma que esses atos foram transferidos para a
competência dos notários, que no sistema italiano exerce função semelhante ao sistema
brasileiro, ou seja, formaliza juridicamente a vontade das partes na qual não há lide. São
simples atos de mera administração de interesses.
“A Jurisdição Voluntária é, por conseguinte, uma forma especial de atividade do Estado, exercitada em parte pelos órgãos judiciários, em parte pelos administrativos, e pertencem à função administrativa, embora distinta da massa dos atos administrativos, por certos caracteres particulares.” (grifo meu) (CHIOVENDA, 2002, p. 23)
Assim, os atos decorrentes da Jurisdição Voluntária não são atos judiciais quando
efetivados fora do judiciário, que quando exercidos neste são atos judiciais, porém com
caráter administrativo. Mas em ambas hipóteses esse administrativo é diverso do ato
administrativo da Administração Pública. Eles não produzem coisa julgada, mas podem ter
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coação27, tem o fim repressivo ou preventivo28, e tendem sempre a ter um escopo constitutivo,
pois constituem estados jurídicos novos ou cooperam no desenvolvimento dos existentes.
Indica, ainda como característica da Jurisdição Voluntária que há o contraditório,
mas não há partes, e sim requerentes, como o exemplo citado por ele, do pai que requer ao
juiz o provimento de autorização no interesse do filho menor. Neste caso se trata da
administração do interesse do menor, não do pai, que não é parte e sim requerente.
Interessante notar que a teoria de Chiovenda se centra em alguns pilares: a
substitutividade como caraterística da jurisdição, por esse motivo a modalidade voluntária não
seria jurisdição e sim atividade administrativa porque não há vontade a ser substituída; a
atuação da julgador na vontade concreta da lei, que não se aplica a voluntária porque este não
julga nada; e a possibilidade de execução desta jurisdição ser exercida, também, por órgão
administrativo já que se trata de função administrativa.
1.3.2 – Carnelutti:
Carnelutti percebe a Jurisdição de forma muito diversa da de Chiovenda. Suas
escolas processuais eram rivais na Itália. Enquanto Chiovenda, adepto da teoria
Administrativista, divide a Jurisdição entre Voluntária e Contenciosa, Carnelutti entende que
não há essa divisão porque o ius dicti não é privilégio do juiz, sendo adepto da teoria
Jurisdicionalista.
Ele divide o processo jurisdicional em processo de acertamento (certeza) e processo
dispositivo (juízo de equidade). No primeiro, é ainda dividido em processo declaratório, que
por sua vez se divide em acertamento constitutivo (Jurisdição Voluntária) e simples
acertamento (Jurisdição Contenciosa); e processo condenatório (pretensão + lesão).
27 Chiovenda cita o exemplo do provimento de Tutela cuja nomeação do tutor é ato obrigatório. 28 “(...) é inexato dizer-se que o escopo dos atos de jurisdição contenciosa é a repressão; e o dos atos da jurisdição voluntária, a prevenção.” (CHIOVENDA, 2002, p. 26)
36
Para melhor entender a posição desse jurista, deve iniciar-se a explicação pelo
conceito de interesse: “Interesse, não significa um juízo, mas uma posição do homem, ou mais
exatamente: a posição favorável à satisfação de uma necessidade.” (CARNELUTTI, 2004, p.
55). Quando esse interesse, ou seja, a satisfação de uma necessidade conflita com o interesse
de outro indivíduo, e este resiste é que a lide aparece.
Pode haver a satisfação de uma necessidade por A e B, mas essas necessidades não
necessariamente sempre se colidem. Porventura, ocorre a necessidade de um vender um
terreno e do outro de adquiri-lo. Assim, as necessidades se confluem não gerando lide.
Contudo, Carnelutti, em sua obra, fixa a trazer exemplos de conflitos indicando as soluções
pacíficas destes como interesse coletivo, afirmando:
“A influência que faz desdobrar o interesse externo para determinar a composição espontânea dos conflitos nem é pequena, nem pode ser desprezada. Pelo contrário, uma observação profunda sobre os regimes dos conflitos interindividuais, intersindicais e internacionais parece-me que deve levar a comprovar que, à medida em que a civilização progride, há menos necessidade do Direito para atuar a solução pacífica do conflito, não apenas porque cresce a moralidade, como também, e mais por tudo, porque aumenta a sensibilidade dos homens perante o supremo interesse coletivo.” (CARNELUTTI, 2004, p. 63)
O Jurista não distingue o que ocorre no Judicial do que ocorre no Extrajudicial. Ele
exalta a importância de pacificar o conflito em qualquer esfera que este esteja inserido, pois se
trata de interesse coletivo a diminuição de interesses conflitantes. Se houver um conflito, uma
regra deve ser chamada para resolvê-lo. A cada conflito é imposto um mandato e da
combinação de regra e mandato, para ele, que surge o Direito.
Da regra, surgem dois tipos de mandatos: o concreto e o abstrato. Será do primeiro
tipo quando se referir a dois sujeitos de uma relação jurídica e não a qualquer pessoa da
sociedade. Será do segundo tipo, quando se referir a qualquer pessoa da sociedade, pois seus
conhecimento é prévio visando uniformizar a conduta. Assim: “O mandato concreto é mais
mandato do que regra; o mandato abstrato, pelo contrário, é mais regra que mandato.”
(CARNELUTTI, 2004, p. 67)
Carnelutti entende que função jurisdicional e função processual são coisas diversas
afirmando: “Nem todo processo implica exercício de jurisdição...” (2004, p. 222). Para ele, há
o processo não jurisdicional e a jurisdição não processual. Ou seja, um interesse pode estar
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submetido num processo que não quer dizer que esteja submetido a uma jurisdição e um
interesse pode estar submetido a uma jurisdição sem estar contido num processo.
“Se por um lado, existe, com efeito, um processo não jurisdicional, por outro há que se admitir uma jurisdição não processual. À luz do bom sentido aparece indubitável que ius dicti não apenas o juiz quando e mediante a sentença decidir uma questão para compor um litígio, como também o legislador, quando formar uma lei e inclusive, por outro lado, os contratantes, quando, a teor do art. 1.123 do Código Civil, façam do contrato lei entre eles. Em resumo, esse poder corresponde, não apenas ao juiz, como a toda a pessoa cuja declaração possua o caráter de fonte de Direito.” (grifo meu) (CARNELUTTI, 2004, p. 222 e 223)
Claro que os textos de Chiovenda e Carnelutti não trabalham a Jurisdição Voluntária
Extrajudicial como proposta nesta dissertação pois este não fazia parte do contexto jurídico da
época, mas percebe traços de possibilidade de sua ocorrência, principalmente nos exemplos
trazidos por ambos autores quando tratam de emancipação, habilitação de casamento,
inventário e partilha.
E, com relação ao processo de acertamento, acertamento significa, para Carnelutti,
certeza indicando que o processo serve para duas finalidades: acertar um estado jurídico
existente ou constituir um estado jurídico que ainda não existe, onde estado jurídico significa
um conflito de interesse. Mais uma vez, o jurista preocupa-se, em especial com a lide e não
com a confluência de interesses, por isso é difícil comparar as teorias de Chiovenda e
Carnelutti porque são visões diversas do processo. Pode-se comparar pelas diferenças tendo
em vista que as semelhanças são pequenas posto que trabalhem na lógica do dissenso e não do
consenso.
Se há uma norma material para a composição do conflito, o juiz se limita a acertá-la
aplicando-a de forma obrigatória e vinculativa. Caso não haja esta norma material, a norma
instrumental permite, ao juiz, o poder de compor esse conflito de interesse formando um
mandato concreto para esta composição. “Aqui, portanto, o juiz não declara, e sim, cria
Direito.” (CARNELUTTI, 2004, p. 224). Essa segunda forma de composição que constitui a
relação, Carnelutti chama de processo dispositivo ou juízo de equidade. “Chama-se, com
efeito, equidade à justiça quando reveste a forma de um mandato concreto e se adapta desse
modo ao caso singular (justiça no caso singular).” (CARNELUTTI, 2004, p. 225).
Sobre o que se poderia entender por Jurisdição Voluntária na doutrina de Carnelutti
está o processo de Acertamento Constitutivo onde as partes buscam a intervenção do juiz
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acerca da relação jurídica delas pois pela realização de alguns pressupostos pretende a
modificação desta relação.
“As normas materiais determinam tanto a constituição quanto a modificação das relações jurídicas, estabelecendo seus pressupostos. Isto posto, pode acontecer o caso de que para excluir toda incerteza em relação à modificação, não se consinta esta se a aplicação da norma que a afeta não se faça pelo juiz e, portanto, sem este não verifica seus pressupostos. Em tal caso, o processo opera não apenas um acertamento, como, além disso, uma modificação do estado jurídico preexistente.” (CARNELUTTI, 2004, p. 237)
Carnelutti exemplifica este processo de acertamento constitutivo com a separação de
cônjuges, que em nosso ordenamento, hoje recebe a crítica se ainda persiste ou não, e que
pode ser efetivado tanto pelo judicial quanto pelo extrajudicial. Ele indica que não basta que
os requisitos sejam cumpridos, mas a relação deve ser acertada para que se produzam efeitos.
E, neste caso:
“... o juiz não faz mais que declarar a existência dos pressupostos previstos em lei, da qual deriva, e não da vontade do juiz, a modificação da relação, pelo que cabe dizer que enquanto no processo dispositivo o juiz tem as mãos livres, aqui as tem atadas.” “... sua atividade é meramente declaratória.” (grifo meu) (CARNELUTTI, 2004, p. 238)
A sentença que declara a existência dos pressupostos e acerta a relação tem eficácia
declaratória porque declarou os fatos nela presentes, mas também tem eficácia constitutiva
porque constituiu uma relação jurídica que existia somente entre as partes. Após o provimento
jurisdicional ela passa a valer contra terceiros. O mesmo ocorre nos negócios jurídicos
efetivados na Jurisdição Voluntária Extrajudicial. Cláusulas que apenas valiam perante as
partes integrantes do negócio, passam a valer perante terceiros não integrantes da relação que
derivou o negócio.
“... a separação dos cônjuges não pode se obter pelo simples consentimento destes, se não que faz falta, mesmo mediando o consenso, que funcione um verdadeiro e autentico processo, enquanto que para a homologação do açodo das partes basta um decreto do juiz (art. 158 do Código Civil), que, em tal caso, intervém segundo as formas de Jurisdição Voluntária.” (CARNELUTTI, 2004, p. 240)
Em geral, os autores, quando citam Carnelutti, não trabalham a explicação, nem as
diferenciações acima, se atendo, somente as questões de lide, conflito de interesses e
pretensão. Ocasionalmente ligam a eficácia constitutiva do provimento de Jurisdição
Voluntária a sua teoria. Normalmente, indicam-na como algo solto na matéria, e não fazem a
39
diferenciação dos tipos de ações existentes em sua teoria, menos ainda que a Jurisdição
Voluntária é um processo de acertamento constitutivo.
Assim, novamente o ensino eurocentrista de repetição de conceitos e não
compreensão da matéria é também encontrado quando se cita Carnelutti, em especial por
Carneiro (2007, p. 5); Greco (2010, p. 72) – descreve o conceito mas não cita a fonte;
Theodoro Júnior (2011, p. 15) – cita a preexistência do litígio como pressuposto da ação;
Tesheiner (1992, p. 19); Lucena (1996, p. 38); Guerra Filho (1993, p. 35) – atividade de
prevenção da lide; Rossetti (1990, p. 191) – jurisdição = lide, pretensão e resistência; Borges
(1978, p. 49) – Jurisdição Contenciosa compõe a lide, a voluntária previne-a; Menezes (1975,
p. 117) – a Jurisdição Voluntária previne a lide em si mesma, tornando impossível o conflito
de interesses; Dias (1991, p. 2) por um juízo para compor o conflito de interesse; Greco
(2003, p. 15) – natureza jurídica jurisdicionalista da Jurisdição Voluntária; Lopes da Costa
(1961, p. 26) – natureza de ato jurisdicional; Marques (2000, p. 168) – explica a teoria de
Carnelutti.
1.3.3 – Alcalá-Zamora:
Dentre os autores estrangeiros, o espanhol29 Niceto Alcalá-Zamora y Castillo foi o
doutrinador que apontou a diferenciação entre a Jurisdição Voluntária Judicial e Extrajudicial
expressamente. Sua obra não se fecha a repetir os conceitos sobre Jurisdição Voluntária dos
italianos. Pelo contrário, ele busca a fundo os problemas dessa jurisdição desde sua finalidade
até sua terminologia, utilizando exemplos da sua lei local (espanhola) contextualizando o
tema a sua realidade. Apesar de muito citada nas textos sobre o tema, a doutrina deste
espanhol é pouco estudada a fundo.
Citando o espanhol se encontram: Carneiro (1980, p. 41) e (2007, p. 44) – utiliza a
teoria deste para concluir que é atividade administrativa; Lucena (1996, p. 65); Prata (1979) –
em vários trechos de seu livro; Guerra Filho (1993, p. 37); Theodoro Júnior (2012, p. 354);
Borges (1978, p. 48); Porto (1983, p. 82-83) – cita o conceito e não cita a fonte;
29 Apesar de europeu, sua obra descrita foi lançada pela Editora da Universidade do México em 1992.
40
Seu texto Premisas para determinar la índole de la llamada jurisdicción voluntaria
foi, primeiro, publicado no livro Studi in onore Enrico Redenti de 1951, mais tarde vindo a
integrar seu livro Estudios de teoría general del proceso, de 1992, é um texto aclamado sobre
o tema. Nele Alcalá-Zamora enfrenta a questão da finalidade do instituto, seu nome, seu
conteúdo e onde este é exercido. Rico estudo sobre o tema que foge da repetição dos
conceitos já trabalhados.
Todavia, o autor é franco afirmando que o texto se trata de um ensaio não se
propondo a elucidar os vários problemas da Jurisdição Voluntária, mas instando a pensar
sobre o instituto, pois a teorias existentes não se prestam a responder as indagações do tema,
por isso, ele busca uma solução no aspecto negativo ou positivo, mas que olhe o instituto do
jeito que deve ser visto.
Afirma que os atuais estudos sobre essa jurisdição não indagam quanto a “... su
extrema diversidad de contenido, frente a la que correrían el riesgo de estrellarse las más
sugestivas construcciones abstractas.” (Alcalá-Zamora, 1992, p. 129). Conclui que os autores
preferem tratar de teorias abstratas se ocupando, apenas, dos procedimentos de Jurisdição
Voluntária reconhecidos pelo legislador atual. Não investigam sua natureza ou criticam a
nomenclatura; se mantém na conduta de repetir as correntes existentes no plano teórico
analisando as formas desse procedimento presente no Código de Processo Civil.
Outro problema que o autor percebe é tentar entender a Jurisdição Voluntária como
um assunto imutável independentemente do local onde ele seja exercido. É o que denomina de
‘miopia nacionalista’ (Alcalá-Zamora, 1992, p. 152), pois os doutrinadores expõe legislações
de vários países, muitas vezes já revogadas, utilizando alguns nomes como uma regra a
seguir, acarretando um ganho em profundidade, mas uma perda no horizonte pois as
indagações que surgem são inaproveitáveis para as perguntas nacionais. Apesar de europeu
ele indica, com outras palavras, o eurocentrismo na doutrina.
En ambos casos, el erróneo enfoque se traduce en la multiplicación y no en la unificación del concepto: junto a una jurisdicción voluntaria alemana, habría una italiana, una española, una francesa, etc., con olvido de que si los códigos son nacionales, la Ciencia jurídica debe aspirar, si no a la universalidad de la Biología, la Física, la Química o las Matemáticas, ya que sobre ella influyen factores históricos, políticos, sociales y económicos variables en el espacio, sí, desde luego, a influir y a guiar más allá del Estado en que surja. (Alcalá-Zamora, 1992, p. 153)
41
Inicialmente Alcalá-Zamora trabalha o tempo e a finalidade do instituto. Afirma que
em 1855, a lei processual civil espanhola já adotava a distribuição de matérias entre a
jurisdição contenciosa e voluntária. Haviam, ainda, os juízos universais que transitavam entre
as duas jurisdições criando um terceiro setor que ele chama “la jurisdicción mixta”
(ALCALÁ-ZAMORA, 1992, p. 116).
Hoje a Jurisdição Mista pode ser encontrada nos procedimento de inventário
extrajudicial quando se trata da transição entre a Jurisdição Voluntária Extrajudicial e a
Contenciosa, quando a questão necessitar ser ultimada em juízo. O mesmo ocorrerá com a
Usucapião Extrajudicial quando o NCPC entrar em vigor. E entre as modalidades de
Jurisdição Voluntária, há o exemplo do divórcio, que poderá ser Voluntária Extrajudicial ou
Judicial.
Os exemplos acima de Jurisdição Mista estão fundados em leis novas. Contudo, a
LRP é recheada de exemplos desta. Um deles é o Procedimento de Dúvida que se trata de
procedimento administrativo entregue ao Juiz de Direito que deve decidir quem tem a razão
da dúvida, cuja decisão não faz coisa julgada apesar de apelável, nem impedindo que a mesma
questão seja levado à juízo em procedimento ordinário.
Tanto a peculiaridade de tipos de jurisdição, quanto da diversidade de procedimentos
que ela abarca, faz o doutrinador espanhol refletir sobre as doutrinas já elaboradas acerca do
assunto que não respondem os anseios dessa jurisdição. Para ele, a Jurisdição Voluntária é
algo a ser estudado sobre a sua própria ótica não fazendo comparações entre ela e a
contenciosa posto sua diversidade que não pode levar a comparação que não seja pela
diferença.
Unos han originado falsas sensaciones de afinidad entre ella y la contenciosa y ostros han convertido sus dominios en un intrincado labirinto, donde el capricho del legislador se ha entretenido en frustrar todas las soluciones y casi en hacer imposible la salida. (ALCALÁ-ZAMORA, 1992, p. 117).
Quanto ao nome, o autor indica ser inadequado ressaltando que apesar dessa
construção jurídica ser plurissecular e plurinacional ele se encontra em terreno movediço.
Essa denominação criada no código de Marciano atravessou séculos e perdura até hoje para
denominar algo que o significado não encontra com o significante, posto que os interesses
tutelados por essa jurisdição são interesses privados e não jurisdicionais, logo não poderia ser
chamada de jurisdição.
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Outra crítica de Alcalá-Zamora é contra a denominação voluntária tendo em vista
que para concluir o negócio jurídico firmado entre as partes a intervenção estatal pela
Jurisdição Voluntária é obrigatória. Assim, para ele, a Jurisdição Voluntária não seria nem
jurisdição, nem voluntária, apesar do nome persistir com base na tradição e pelo fato da
doutrina ignorar a questão da nomenclatura dificulta chegar a uma convergência sobre a
divergência do tema.
No es jurisdicción, porque en la variadísima lista de negocios que la integran será difícil encontrar alguno que satisfaga fines jurisdiccionales en estricto sentido; y mucho menos es voluntaria, porque con frecuencia la intervención judicial resulta para los interesados en promoverla tan necesaria o más que en la jurisdicción contenciosa (...) (ALCALÁ-ZAMORA, 1992, p. 117).
Segundo ele, a nomenclatura Jurisdição Voluntária na modalidade Judicial, que seria
própria da Jurisdição Contenciosa cria uma falsa impressão de semelhança e união quando, na
verdade, se trata de objetos legais diferentes gerando uma confusão no instituto. Se assemelha
a tratar de coisas distintas utilizando a mesma medida.
Igual crítica à nomenclatura, o autor, assim como alguns brasileiros fazem, as
expressões sinônimas como Jurisdição honorária ou graciosa. Não se trata nem de honra, nem
de caridade concedida. Se trata do Estado intervindo na esfera privada, seja por meio do Poder
Judiciário, seja por meio direto através das Serventias Extrajudiciais. Inclusive, no nome
Jurisdição Graciosa Alcalá-Zamora afirma trazer a ideia de regime totalitário com a
monarquia absolutista e não do Estado democrático baseado no princípio da igualdade.
Convergindo na mesma dificuldade de nomear o instituto se encontra o legislativo
quando decide quais matérias integrarão a Jurisdição Voluntária e quais a Contenciosa.
“Como si un nombre inadecuado no suscitase ya suficiente perturbación, a él se suma la
desorientación legislativa acerca lo que se ala jurisdicción voluntaria.” (ALCALÁ-
ZAMORA, 1992, p. 117). Não se tem uma definição clara e precisa do que seria Jurisdição
Voluntária. No Brasil, essas matérias tem características semelhantes, contudo atos de
Jurisdição Contenciosa estão sendo desjudicialização para a Jurisdição Voluntária
Extrajudicial sem nenhum critério específico.
Além de todas as dificuldades acima, Alcalá-Zamora afirma que o conteúdo
heterogêneo sob o qual se formam as matérias afetas à Jurisdição Voluntária influenciam
diretamente na dificuldade de se extrair uma característica essencial e comum aos vários
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procedimentos impedindo de definir o instituto. Assim, para ele, os processualistas em geral,
se contentam em atribuir a Jurisdição Voluntária ao âmbito do direito positivo sem chamar a
atenção para a heterogeneidade do instituto que dificulta em sua conceituação.
Explica, ainda, que os doutrinadores se limitam a indicar o obstáculo sem superá-lo
não investigando, como pesquisadores, a forma como se dá a escolha das matérias que serão
afetas à Jurisdição Voluntária por parte do legislador. Nesse ponto ele cita Álvarez-
Castellanos Rael: “...se ha integrado un número considerable de negocios de la naturaleza y
las finalidades más diversas, que hacen imposible agrupar-los bajo un punto de vista general
sistematizador.” (ALCALÁ-ZAMORA, 1992, p. 124).
A fim de tentar amenizar o ‘divórcio legislativo-doutrinal’ nas palavras do autor, ele
propõe que as matérias de Jurisdição Voluntária sejam agrupadas em três grupos. Essa
tentativa de classificação é comum entre os doutrinadores pois eles tentam achar algo que
pode ser agrupado para que se insira essa jurisdição num lugar só dela.
a) los que de manera preventiva, preparatoria o cautelar enlazan con eventualidades procesales, aunque el proceso no llegue en definitiva a surgir;
b) los que al margen de toda perspectiva o propósito procesal, tienen por objeto rodear de mayores garantías la tramitación de expedientes en que la autorización, la homologación o la dación de fe judiciales (no jurisdiccionales) se reputen por el legislador indispensables, o, por lo menos, preferibles a las emanadas de funcionarios de otros órdenes, y;
c) aquellos en que, no sólo sin la menos dificultad, sino también, con las máximas ventajas, el juzgador puede y debe ser sustituido por notarios, registradores del estado civil e de la propiedad, corredores de comercio, etc. (ALCALÁ-ZAMORA, 1992, p. 125). (grifo meu)
Frente a todas as dificuldades já trazidas por Alcalá-Zamora, ele acaba por tentar
explicar a Jurisdição Voluntária a partir de várias dúvidas que serão expostas partindo dos
conceitos e institutos do Direito Processual que servem para certificar se elas pertencem ou
não ao âmbito processual tentando dissipar as incertezas. Essa forma de ver o tema em
discussão parte da determinação de sua natureza
Jurisdição Voluntária x Jurisdição Contenciosa: Alcalá-Zamora entende que “no son
ángulos opuestos por el vértice” (1992, p. 126), posto que o contrário de contencioso é não
contencioso e de voluntário, é necessário. Apesar dessa diferenciação não ter força suficiente
para elucidar, ainda sim não cabe o antagonismo total e irredutível já que ambas pertencem à
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jurisdição, mesmo que de forma diversa. A imposição de limitação entre contenciosa e
voluntária, para o autor é um ponto de dúvida que atrapalha ao estudo do tema.
Se a atenção fosse deslocada para entender se a contenciosidade ou litigiosidade
constituem ou não o elemento essencial da Jurisdição Contenciosa, a necessidade de limitação
das jurisdições poderia tomar novos contornos. Neste momento, ele cita Pero Grullo e a
crítica que os doutrinadores antigos, guiados pelo citado tiveram pensamentos mais claros que
os contemporâneos. Esse mesmo fenômeno ocorreu quando se trabalha os doutrinadores
brasileiros. Quando mais antigo, melhor trata do tema sem a necessidade de repetição
exacerbada de conceitos há muito citados criando recorrência da citação.
No foco pela contenciosidade, o litígio e a contrariedade, frequentemente, andam
juntos no processo sem significar que são inseparáveis. Tanto não o são que o autor cita
exemplos de contenciosidade sem contrariedade no procedimento monitório e no
contraditório pós formado ao embargo preventivo. Da mesma pode ocorrer contrariedade sem
contenciosidade, podendo, inclusive se manifestar na forma de Jurisdição Voluntária.
Como exemplo brasileiro se encontra o inventário judicial de comum acordo das
partes. Há contenciosidade porque o procedimento é assim classificado, mas não há
contrariedade posto que as partes já acordaram. Num divórcio litigioso, haverá contrariedade
sem contenciosidade, porque o procedimento de divórcio se encontra na Jurisdição Voluntária
pelo CPC/1973.
Assim, antigos doutrinadores, por Alcalá-Zamora não trazem a contenciosidade
como característica essencial da jurisdição contenciosa pois a ausência de contenciosidade por
ser mera hipóteses de falta de contraditório; mas trazem a voluntariedade como característica
da Jurisdição Voluntária mantendo a mesma ideia da passagem de Marciano.
Como característica Jurisdicional da Jurisdição Voluntária, o autor propõe três
caminhos para indicar a concepção jurisdicional dessa jurisdição, contudo afirma que nenhum
deles lhe parece convincente. O primeiro seria utilizar o verbete jurisdição em sentido amplo e
improprio sendo sinônimo de “esfera de acción o conjunto de atribuciones de órganos,
entidades y funcionarios de diferentes órdenes, aunque no ejerzan verdadera potestad
jurisdiciente.” (ALCALÁ-ZAMORA, 1992, p. 127). Neste momento, cabe falar em órgãos
não jurisdicionais exercendo a jurisdição, o que seria dizer que esta não é monopólio do Poder
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Judiciário. Explicações maiores sobre a primeira proposição será explicada quando tratar dos
autores brasileiros.
O segundo caminho seria reduzir a jurisdição a mera cognição. Essa redução
significaria que a jurisdição seria exercida não somente na Jurisdição Voluntária, mas também
no campo administrativo e legislativo. Alcalá-Zamora cita Carnelutti, em nota de ropadé para
exemplificar que a atuação no legislativo se dá na elaboração da lei e do administrativo com a
elaboração de um contrato pelo Código Civil. Este contrato pode ter cunho administrativo
relativo à Administração Pública ou privado. Contudo, o autor afirma que “...la genuina
jurisdicción no se limita a la cognitivo, ni tampoco la voluntaria se circunscribe a ella;”
(ALCALÁ-ZAMORA, 1992, p. 127).e
E, o terceiro caminho se dá no sentido de aderir as teorias subjetivistas da jurisdição
analisando desde o momento que os processos de Jurisdição Voluntária são confiados ao
Judiciário até o momento que se convertem, de fato, em jurisdicionais. Essa visão é criticada
pois um mesmo ato varia de natureza de acordo com o órgão que recebe a atribuição deste.
O autor exemplifica com o matrimonio civil. Na Espanha é ato jurisdicional
voluntário, na França é ato administrativo. Na Argentina, apesar de ser procedimento
voluntário se efetiva na forma administrativa. E, no Brasil, é ato de Jurisdição Voluntária
Extrajudicial caso não haja menor em idade núbil entre as partes. Se houver, o juiz deve
opinar no processo de habilitação de casamento, embora não retire seu caráter administrativo
do procedimento.
Assim, Alcalá-Zamora tenta descrever a Jurisdição Voluntária atribuindo-a o nome
de pseudo Jurisdição Voluntária, posto que inicialmente já concluiu não ser nem jurisdição,
nem voluntária, mas existente necessitando de ser estudada e explicada com as peculiaridades
que esta possui. Ele percebe que trabalhar essa pseudo jurisdição pelos elementos da
atribuição e competência pode ser um caminho viável para compreender o instituto.
Mas como ninguno de esos derroteros lleva a puerto, hay que convenir que en la seudojurisdiccíon voluntaria el elemento jurisdiccional se halla ausente, y que los conceptos a que ella responde serían, por una parte, el de atribución y, por otra, el de competencia, este último, huelga decirlo, no monopolizado por ele proceso, aunque dentro de él haya sido estudiado con mayor profundidad y detenimiento. (ALCALÁ-ZAMORA, 1992, p. 127 e 128).
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Já quanto a Jurisdição Notarial: a pergunta que Alcalá-Zamora tenta responder é:
¿cabe hablar de jurisdicción notarial y reivindicar para el notario el ejercicio íntegro de la
jurisdicción voluntaria? (ALCALÁ-ZAMORA, 1992, p. 128 e 129). Essa reflexão é fruto do
estudo deste autor sobre os regulamentos do Notariado Espanhol, da utilização do verbete
jurisdição no sentido impróprio como já explicado, da antiga aspiração notarial de exercer a
Jurisdição Voluntária, também pela fato da fé pública que era concentrada nas mãos dos
escribas cujo exercício, em 1862 era tanto judicial quanto extrajudicial (como notário),
possuindo a mesma denominação do juidicius chartularis.
A questão do Notário e Registrador exercer a Jurisdição Voluntária é ventilado,
apesar de o ser de maneira sutil. Para grande parte dos autores brasileiros30, dentre os atos
presentes na LRP exercidos pelos Titulares das Serventias, vários são próprios da Jurisdição
Voluntária. Alguns exercidos exclusivamente pelo Titular; outros, quando este não conseguir
conciliar as partes é remetido ao Juiz de Direito e outros pelo Juiz de Paz, que para alguns,
deveria ser cargo privativo do Notário ou Registrador.
Mesmo estando ciente que a Jurisdição Voluntária não é jurisdição, nem voluntária, a
Serventia Extrajudicial exerce um tipo de pseudojurisdição, na melhor das denominações que
está sendo indicada como Jurisdição Voluntária Extrajudicial. O problema continua a ser no
nome que se dá a essa jurisdição.
Inicialmente, Alcalá-Zamora opta por não entregar o exercício da Jurisdição
Voluntária integral ao Notário, sem a necessidade de rebaixar a importância da função
notarial posto de desprovida de jurisdição. Ele é partidário da entrega, ao Notariado, dos
procedimentos de Jurisdição Voluntária onde o juiz pode perfeitamente ser substituído pelo
Notário, classificado, por ele, como pertencente ao terceiro grupo de atos integrantes dessa
jurisdição conforme já exposto.
La misión del notariado es tan importante, útil y noble como la de la judicatura, y no tiene necesidad de disfraces ni de usurpaciones, que a ello equivaldría calificarla de jurisdiccional, aun en el caso de transferirle por completo el conocimiento de la jurisdicción voluntaria, puesto que ésta carece de índole jurisdiciente.
En otras palabras, partiendo de la distinción de la jurisdicción voluntaria en judicial y extrajudicial, paralela a la que se establece entre las dos ramas de la dación de fe (al fin y al cabo, en aquélla hay mucho de ésta), al notario se le
30 Que serão citados e explorados em capítulo próprio.
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asignaría la mayor parte (aunque no la totalidad) de la segunda. (ALCALÁ-ZAMORA, 1992, p. 129)
Interessante notar que o autor reserva parte da Jurisdição Voluntária Extrajudicial
para o juiz, diverso do que se pretende apresentar com este trabalho, mas reforça que esta
jurisdição será entregue ao Notário ou Registrador quando o juiz puder ser substituído por
estes. A ideia da substituição é exatamente o que essa dissertação defende, pois nestes casos,
transferir a Jurisdição Voluntária do Judicial para o Extrajudicial não acarretaria nenhum
prejuízo às partes, pelo contrário, busca-se os benefícios dessa transferência de poder.
Seria entregar algo não jurisdicional, conforme já entendido especialmente pelo
pensamento de Alcalá-Zamora e de acordo com os autores brasileiros que serão expostos,
para um órgão não jurisdicional dotado de fé pública tendo seus atos a característica de
eficácia, autenticidade, publicidade e segurança31, que exerce a Jurisdição Voluntária na forma
Extrajudicial.
E, qual seria o pressuposto da Jurisdição Voluntária não importando ser Judicial ou
Extrajudicial? Para Alcalá-Zamora, o pressuposto seria a ideia de negócio, utilizando a teoria
carneluttiana, no qual este renova sua noção de litígio. Esta mudança de pensamento ocorre
porque o autor traduziu a affare32 de Carnelutti de acordo com suas próprias palavras que
afirmou ser um interesse ou um grupo de interesses, que mesmo conflitantes, deve ser
realizado um negócio para se assegurar um direito.
Partindo da ideia de negócio para a Jurisdição Voluntária e litígio para a Jurisdição
Contenciosa, o autor propõe quatro caminhos da tomar33: a) há que se falar em processo
voluntário e não jurisdição; b) há que se intercalar entre o processo contencioso e voluntário,
um processo sem litígio; c) se concede ao processo penal a natureza voluntária; d) deve-se
assinalar um novo pressuposto: a controvérsia.
Apesar do nome Jurisdição Voluntária, Alcalá-Zamora lembra da necessidade de um
ato provocatório da ação para iniciar este tipo de jurisdição. E, sequencialmente critica o
termo ação pelas características típicas da Jurisdição Voluntária, posto que a esta não se
aplicaria. Ele atenta, frente a incongruência da ação (imposição) na Voluntária, de haver uma
31 Arts. 1º e 3º da LNR.32 Também citado em Guerra Filho (1993, p. 35). 33 Logo a frente, o autor apresenta objeções as caminhos propostos para melhor aplica-los. Nesta dissertação se decidiu falar apenas doa caminhos.
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denominação especial que destacaria a divergência terminológica e de conteúdo entre essas
terminologias.
Ahora bien: si en ella no hay litigio de que emane, ni proceso en que se ejercite, ni jurisdicción a la que se dirija, ni partes que sean sus titulares, ni juzgador en sentido funcional que pronuncie sobre la misma, parece inadecuado hablar de acción en tales circunstancias. (ALCALÁ-ZAMORA, 1992, p. 144)
Superado o problema da terminologia e aplicabilidade da ação na Jurisdição
Voluntária, o autor debruça sobre o segundo problema: a classificação das ações contenciosas
em declarativas, constitutivas e condenatórias se poderia ser estendido para as ações
voluntárias. Quanto as declarativas e constitutivas não paira dúvida posto que a finalidade da
Jurisdição Voluntária é constituir estados jurídicos novos. Quanto a condenatória34 não
caberia, apesar de na Voluntária poder haver imposição de sanções e mediação de execução,
ela, na forma contenciosa não seria simultaneamente a favor do vencedor e contra o vencido,
como deveria ser se fosso aceita pela Jurisdição Voluntária.
O próximo problema apontado por Alcalá-Zamora seria em qual ramo processual que
a Jurisdição Voluntária se manifestaria. Normalmente ele é abordado como um problema
interno do Direito Processual Civil. Contudo, pela pluralidade de procedimentos que este se
compõe, seria possível que ele se espalhasse em vários ramos do Direito, estando presente em
vários códigos, exemplificando com atos de conciliação (cível, criminal ou trabalhista), no
direito internacional, direito canônico, mercantil, em processos administrativos contra a
Fazenda Pública e no direito processual constitucional. No Brasil, os exemplos acima podem
ser aproveitados adicionando a esses os procedimentos regidos pela Lei de Registros Públicos.
Enfim, como a Jurisdição Voluntária se mostra uma instituto peculiar com
caraterísticas próprias e extenso âmbito de atuação, classifica-lo como contraposição da
Jurisdição Contenciosa é asfixiar um instituto rico e amplo que pode ser utilizado em qualquer
ramo do direito para mediar conflitos, constituir ou declarar atos negociais e estados jurídicos
novos, inclusive das pessoas, sem a necessidade da intervenção do Poder Judiciário, contudo
podendo ser efetivado por ele.
34 Interessante refletir o instituto da Transação Penal brasileiro. Nele caberia a característica de simultaneidade que Alcalá-Zamora demonstra, pois quando o Ministério Público oferece a condição para que o processo seja suspenso durante o cumprimento das condições impostas, cabe ao autor do fato aceitar ou não. Na verdade ocorre uma mediação de interesses, mesmo que imposta; e se a Jurisdição Voluntária não é nem voluntária, nem jurisdição, como esta manifestação é entre o Ministério Público e o autor do fato, não haveria o conceito típico de jurisdição que vem sendo discutido. http://core.ac.uk/download/pdf/20033026.pdf
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Por isso, Alcalá-Zamora pesquisa uma solução para entender o tema. Como ele
próprio afirma, utilizou o vocábulo pesquisa (búsqueda) e não encontrar (hallazgo) porque
não apresenta a pretensão de ter achado a chave num matéria onde tantos bons doutrinadores
tem tomado o curso errado. Assim, ele apresenta o seu “grano de arena” para auxiliar a
compreender a Jurisdição Voluntária.
Sobre a natureza da Jurisdição Voluntária ele indica que inúmeras e diversas teorias
foram idealizadas para explicá-la, mas nenhuma delas, mesmo que as atuais, conseguiram a
proeza. Entretanto, a explicação que reuniu mais adeptos foi a concepção administrativa posto
a força de seus argumentos. Utilizando-a, pode-se dividir a Jurisdição Voluntária em Judicial
e Extrajudicial, porém ela não é solução definitiva para o problema. No entender do autor, as
causas do fracasso são a tendência de definições ou caracterizações a priori e o enfoque
nacionalista do tema.
En el primer sentido, varias de las doctrinas acerca de la jurisdicción voluntaria producen la impresión de llamativas etiquetas fijadas sobre ella sin haberse preocupado antes de examinar su contenido heterogéneo ni haberse cuidado luego de comprobar si el supuesto rasgo esencial era aplicable a todos los procedimientos voluntarios o sólo a los dos o tres tenidos en cuenta por el fabricante del rótulo en el momento de lanzarlo al mercado. (ALCALÁ-ZAMORA, 1992, p. 150)
Quanto a finalidade da Jurisdição Voluntária, esta seria preventiva, contrapondo a
Contenciosa que seria repressiva. Mais uma vez o autor critica a contraposição pura e simples
entre as jurisdições criando distinções como esta. Contudo, prevenção e repressão são ideias
cujo alcance se referem a controvérsia e conflito. Assim, a prevenção do litígio é fácil
comprovar em procedimento de Jurisdição Voluntária, porém ele não ocorre em todas as
modalidades, servindo para classifica-los, mas não para caracterizá-los como um conjunto.
Alcalá-Zamora (1992, p. 151) propõe a seguinte divisão, dos procedimentos de
Jurisdição Voluntária, de acordo com a ordem da finalidade preventiva: a) negócios de
Jurisdição Voluntária em que o direito é evidente e direto35; b) negócios de Jurisdição
Voluntária em que o direito é duvidoso e indireto36; c) negócios de Jurisdição Voluntária
completamente alheios a ideia de prevenção litigiosa37; d) negócios de Jurisdição Voluntária
que, ao invés de prevenir o processo contencioso, servem para fazê-lo possível38.
35 Ex. do autor: conciliação pré-processual.36 Ex. do autor: declaração de incapacidade, protocolização de testamentos.37 Ex. do autor: adoção, escolha de tutor.38 Ex. do autor: habilitação para comparecer em juízo, nomeação de defensor judicial, de curador especial.
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A outra finalidade da Jurisdição Voluntária é a constitutiva de negócios jurídicos
novos, contudo, o autor faz quatro objeções quanto a esta: a) esta finalidade não é especial da
Jurisdição Voluntária, se manifestando também na Contenciosa, sendo essa distinção entre as
jurisdições algo demasiadamente sutil para server de limite entre elas; b) e, mesmo quando se
trata de ação constitutiva, esse conceito não é entendido de igual modo pelos juristas. Há
divergências em classificar quais ações são constitutivas e quais não são; c) contudo, todos os
procedimentos iniciados em Jurisdição Voluntária são constitutivos, alguns declarativos; d)
constituir estados jurídicos não é privativo da jurisdição tanto contenciosa, quanto voluntária.
Como forma de concluir tudo que foi ventilado por Alcalá-Zamora, este propõe três
caminhos para resolver o problema da distinção entre a Jurisdição Voluntária e a Contenciosa.
Seriam eles: o pressuposto, a atividade desenvolvida e a definição de uma e de outra. Como
um bom ponto de partida estão presentes as noções de litígio e negócio para distinguir as
jurisdições.
No tocante ao pressuposto, pela heterogeneidade de assuntos que a Jurisdição
Voluntária aborda, ela não poderia ter um pressuposto apenas. Assim, num sentido negativo o
autor informa que nesta, o litígio está ausente, às vezes latente, mas nunca presente. Neste
primeiro caminho, “la jurisdicción voluntaria no sería más que actividad judicial (no
jurisdiccional), extraprocesal o extralitigiosa.” (ALCALÁ-ZAMORA, 1992, p. 158)
Quanto a atividade desenvolvida, ou seja, a jurisdição, o autor propõe duas direções:
a positiva e a negativa. A primeira consiste em determinas as caraterísticas que concebem a
verdadeira jurisdição para que se possa diferenciar a Contenciosa da Voluntária. Já a segunda
serve para fixar a noção da genuína jurisdição definindo-a como presente na Contenciosa,
excluindo a Voluntária.
El camino negativo, llevará a la conclusión de que la jurisdicción voluntaria la
integra una serie de procedimientos que, sin ser jurisdiccionales, se atribuye en
mayor o menor medida (puesto que existe una jurisdicción voluntaria extrajudicial)
al conocimiento de funcionarios judiciales, quienes entonces no se conducen como
auténticos juzgadores. (ALCALÁ-ZAMORA, 1992, p. 159)
Como terceiro caminho, da definição de uma e outra, se encontra a coisa julgada, que
se objetiva no processo contencioso, estranha ao procedimento voluntário pela
reformabilidade de seus acordos. A coisa julgada existe porque se mediou um litígio num
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processo jurisdicional o qual culminou na imutabilidade da decisão. Já a Jurisdição Voluntária
“(...) son um continuo tejer y destejer (...)” (ALCALÁ-ZAMORA, 1992, p. 159), alcançando
a estabilidade em alguns casos, podendo ser um reflexo do direito ou do fato.
Alcalá-Zamora, de forma profunda, analisou o tema saindo do estilo de ensino
eurocentrista (que ele também critica) enfrentando o problema da Jurisdição Voluntária de
frente, ou seja, que ela deve ser estudada como uma matéria a parte, por si só, sem
contraposições ou comparações visto a peculiaridade do instituto, que pode ser executado
tanto na esfera judicial, quanto na extrajudicial sem modificar o instituto.
52
Capítulo II – A doutrina Brasileira e o estado da arte sobre a Jurisdição Voluntária.
2.1 – Os conceitos de Jurisdição Voluntária:
Para se compreender Jurisdição Voluntária é preciso, antes entender a própria
jurisdição, e conceitua-la sempre foi um problema enfrentado pelos autores processualistas
civis que se propõe a fazerem39, posto que o delimitam com base numa doutrina repetitiva de
conteúdos sem tecer as devidas críticas para contextualizar o instituto com a realidade no qual
é inserido. Alguns conceitos tocam no ponto comum das atividades que não integram a
jurisdição propriamente dita, e assim o são por política legislativa, como o caso da atividade
executiva e cautelar, outros indicam a coisa julgada como diferenciador; há ainda os adeptos
da imparcialidade do juiz como característica fundamental.
Grande parte dos textos lidos para esta dissertação, exceto as matrizes doutrinárias
estrangeiras possuem uma estrutura comum de exposição do tema, ressalvada a retórica e
estilo linguístico de cada autor, que, no entanto, tem leves diferenciações tendo em vista a
construção do texto jurídico segue padrão linguístico para ser validade como produção
jurídica doutrinária. A construção do texto tem resquícios de eurocentrismo, iniciando,
sempre, com as doutrinas estrangeiros italianas devendo, o autor se filiar a uma das correntes
para depois emitir sua opinião ou conceituação própria avalizada por outros autores
brasileiros
Os textos se iniciam com a explicação de Jurisdição e a diferenciação do tipo
Voluntária para a Contenciosa. Em seguida, citam as matrizes estrangeiras com citações, no
corpo do texto de Chiovenda, Carnellutti e Alcalá-Zamora ou Fazzalari, quando citam estes
últimos, porque em alguns casos é apenas mencionado ou simplesmente omitido. Em ato
contínuo, citam autores brasileiros, também incluindo no texto trechos de seus livros, para
avalizar a posição adotada.
Nas obras escolhidas para serem analisadas nessa dissertação, como formalística
comum no texto encontra-se a comparação entre atos de jurisdição e atos administrativos e
39 Os autores estão mencionados na bibliografia dessa dissertação.
53
legislativos, citação das características da jurisdição voluntária e contenciosa com o clássico
quadro comparativo entre essas jurisdições. Alguns indicam as modalidades de intervenção da
jurisdição voluntária apontando a possibilidade de realização pela Jurisdição Voluntária
Extrajudicial, alguns nem citam a existência desse tipo de Jurisdição. Porém quando
exemplificam os atos de Jurisdição Voluntária indicam os atos de Jurisdição Voluntária
Extrajudicial40.
Neste ponto faz-se uma análise dos Doutrinadores Brasileiros que possuem um livro
específico sobre o tema Jurisdição Voluntária, quais sejam: Alfredo de Araújo Lopes da
Costa, Edson Prata, João Paulo Lucena, José Frederico Marques, José Maria Rosa Tesheiner e
Leonardo Greco, utilizando o foco da descrição densa visando a analisar o texto de cada autor,
buscando os ditos e não ditos, as recorrências, taxonomias, bricolagem, e a compreender
como o autor entende a Jurisdição Voluntária Extrajudicial ou como poderia entendê-la se ele
estivesse escrevendo o livro nos dias atuais. Haverá um contextualização entre o texto original
do autor e como este poderia ser interpretado pela doutrina notarial e registral.
A escolha desses autores se deu por conta da doutrina nacional não trabalhar o tema
em livros do tipo Manual de Processo Civil ou Curso de Processo Civil, mesmo se tratando de
autores renomados. Nessas obras, os autores não fazem a distinção da Jurisdição Voluntária
Judicial para a Extrajudicial, nem citam exemplos desta última. Eles se preocupam mais em
fazer os quadros comparativos da Jurisdição Contenciosa e Voluntária, e da Jurisdição com os
Atos Administrativos e Legislativos.
Como o conhecimento dessas obras, sobre o tema proposto nesta dissertação, era
raso passou-se para a busca de artigos em revistas jurídicas. Os artigos trouxeram resultados
positivos, mas ainda assim, não satisfatórios ao ponto de dissertar sobre o tema baseando-se
apenas nesses. A solução foi o texto do trabalho se apoiar, principalmente, nos autores que
possuíam um livro específico sobre o tema Jurisdição Voluntária, pois sobre a Jurisdição
Voluntária Extrajudicial não havia livros específicos na época da confecção desta dissertação.
Descrevendo os autores brasileiros escolhidos, percebeu-se que todos tratam da
Jurisdição Voluntária Extrajudicial sem perceber que está falando desta ou conceitua-la.
Apenas alguns explicam a diferenciação entre a Jurisdição Voluntária e Contenciosa. A
40 Mais à frente haverá um item só trabalhando os autores brasileiros escolhidos para essa dissertação onde será apontado quem opta ou não pela nomenclatura de Jurisdição Voluntária Extrajudicial.
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maioria não cita a diferença, porém quando exemplifica os atos de Jurisdição Voluntária,
dentre os exemplos se encontram os atos de Jurisdição Voluntária Extrajudicial.
Outra característica interessante entre os autores abaixo, é que de todos pode-se
extrair o conceito de Jurisdição Voluntária Extrajudicial sem precisar descontextualizar a fala
do autor ou fazer uma bricolagem. Normalmente esse conceito é semelhante, quiçá igual ao
conceito da Jurisdição Voluntária pela concepção administrativista. Transparece que o
conceito de Jurisdição Voluntária Judicial adotado pelo CPC/73 e CPC/15 pode servir tanto
para descrever a Jurisdição Voluntária Judicial quanto a Extrajudicial. Apesar de parecerem
iguais são coisas diferentes.
Para analisar o tema serão descritos o que cada autor pensa acerca da Jurisdição
Voluntária e da possibilidade desta na modalidade Extrajudicial, por isso esse capítulo não
terá a mesma proporção de páginas em relação aos demais. Ao invés de texto único, cada
autor será tratado em separado utilizando como ordem o ano de publicação da obra. A escolha
desse critério se deu para que a percepção do tema seja melhor explorada. Quando se passeia
pelas obras utilizando o critérios do ano de publicação, percebe-se que a discussão era mais
profunda na primeira obra vindo a se tornar rasa nas últimas obras.
Ao invés de pesquisar o tema e propor soluções para à discussão existente, os autores
se preocuparam em copiar os conceitos e se posicionar ante uma das concepções já pré-
existentes. Nenhum autor propôs outro nome para a Jurisdição Voluntária. Todavia, houveram
várias proposições de classificação das matérias que seriam afetas ou não à Jurisdição
Voluntária, bem como quadros esquemáticos que buscavam explicar o tema pelas diferenças,
como os esquemas que diferenciam a Jurisdição Voluntária da Contenciosa, a primeira de Ato
Legislativo e Executivo.
Questiona-se ante a boa e robusta doutrina brasileira sobre o tema que os autores
nacionais ainda teimem em usar a estrutura típica de pensamento chiovendiano, carnelutiano e
quadros esquemáticos para explicar a Jurisdição Voluntária sem adentrar nas questões trazidas
pelos doutrinadores que se irá trabalhar. O pensamento dos autores abaixo é avançado e
minucioso trazendo dúvidas inteligentes que aprimoram o pensar sobre a Jurisdição
Voluntária.
55
2.1.1 - José Frederico Marques41:
Traço marcante do texto: ato judiciário. Filia-se à corrente Administrativista, sendo
seu principal expoente na doutrina brasileira. Primeiro nacional42 a ter uma obra dedicada
exclusivamente sobre a Jurisdição Voluntária. Sua obra é derivada da dissertação produzida
para a disputa da cátedra de Direito Judiciário Civil da Faculdade Paulista de Direito da PUC
de São Paulo, no ano de 1952. A escolha do assunto da dissertação se deu quando Frederico
Marques era juiz substituto pois detinha ampla competência para a Jurisdição Voluntária e
restrita para a contenciosa. Fato este que o obrigou a estudar essa modalidade de jurisdição
com mais intensidade.
Sua obra se propõe a ser um ensaio sobre a Jurisdição Voluntária: “Nosso trabalho é
apenas uma tentativa destinada a procurar diminuir algumas dessas obscuridades e incertezas,
ensaiando uma construção doutrinária que possa contribuir para a realização de tal objetivo.”
(MARQUES, 2000, p. VI). Para tanto ele debruça sobre a doutrina dos italianos Chiovenda e
Carnelutti, não desprezando Cristofolini, Redenti, Calamandrei, Allorio, Micheli, Liebman,
Zanobini, Mortara e indicando expoentes como Alcalá-Zamora, Fazzalari e Couture. Dentre
os brasileiros cita Paula Baptista, Bonumá, Pimenta Bueno, Buzaid, Almícar de Castro, Lopes
da Costa, Pedro Lessa, João Mendes Júnior, João Monteiro e outros.
Frederico Marques possui uma linguagem suave, com explicações didáticas e
exemplos que levam o leitor a ter uma compreensão profunda de sua obra, mesmo que na
primeira leitura. Nele é facilmente identificável os pontos críticos do tema onde a leitura
merece atenção redobrada. A estruturação de sua obra também é feita de modo a facilitar a
compreensão, pois primeiro se apresenta o tema, sua natureza e funções, sua forma de atuação
41 Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Catedrático de Direito Judiciário Civil da Faculdade Paulista de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Livre-docente de Direito Judiciário Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual Civil. O professor José Frederico Marques nasceu em Santos, no dia 14 de fevereiro de 1912, filho do Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado Dr. Frederico José Marques e de Dona Nancy Novais Marques. Em 1929, ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo e em 5 de janeiro de 1933, colou grau de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, com a idade de 21 anos. Ingressou na Magistratura paulista, no ano de 1938. Em fevereiro de 1956, foi indicado para o cargo de Desembargador, por decisão unânime de todos os integrantes do Tribunal de Justiça, vindo a ser promovido em 3 dezembro de 1957. Se tornou o mais jovem Juiz do Tribunal de Alçada e mais jovem Desembargador, contando com 46 anos de idade ao ser nomeado. (http://www.millenniumeditora.com.br/josefredericomarques/index.html - Acesso em: 07 ago 2015)42 Com base na pesquisa bibliográfica que fiz para esta dissertação.
56
para depois trabalhar as doutrinas da Jurisdição Voluntária que são imediatamente seguidas de
uma apreciação crítica.
Vale ressaltar que com relação a Jurisdição Voluntária Extrajudicial, Frederico
Marques cita-o em vários trechos de sua obra. Ele percebe a importância de se discutir os atos
que ocorrem nas Serventias Extrajudiciais e como estes são importantes para que se viabilize
um negócio jurídico. Contudo, após exaltá-los, ele opta por dizer que estes atos não podem ser
classificados como Jurisdição Voluntária Extrajudicial pois não pertencem à Jurisdição. Logo,
devem possuir outro nome dada sua importância para o ordenamento jurídico brasileiro.
Para iniciar o estudo da Jurisdição Voluntária, Frederico Marques indica o sentido
proposto do administrativista italiano Guido Zanobini, construindo o conceito de Jurisdição
Voluntária como sendo função estatal de administração pública do direito privado. Afirma
que apesar do nome Jurisdição não se trata de atividade jurisdicional podendo ser atribuída à
órgãos não judiciários, como exemplifica Alcalá-Zamora pela existência da Jurisdição
Voluntária Judicial e Extrajudicial.
Ainda no primeiro capítulo de sua obra, o autor já traça a problemática da Jurisdição
Voluntária revelando os problemas a serem enfrentados para o estudo do tema bem como as
possibilidades de sua atuação. Trajeto traçado antes mesmo de falar em teorias ou concepções
da Jurisdição Voluntária. Dessa informação pode-se depreender que o nomen iuris do instituto
leva a erros no tocante a sua conceituação, ser função estatal e não judicial e pode ser exercida
por órgãos judiciários ou não.
Frederico Marques esboça que por tradição, o controle administrativo dos direitos
privados é exercido pelo Poder Judiciário, cuja atividade principal é a função jurisdicional.
Daí vem a confusão da Jurisdição Voluntária ser classificada como ato de Jurisdição e não
como ato de administração de interesses. Por isso, alguns autores afirmam ser atividade
materialmente administrativa e formalmente jurisdicional. O ato é de caráter administrativo
dos interesses, mas a forma é jurisdicional por ser entregue na estrutura do Judiciário. Se fosse
entregue em outro órgão seria formal e materialmente administrativa.
Confinar a Jurisdição Voluntária à doutrina processual e ainda baseando sua origem
no Digesto de Marciano é criar um instituto inexplicável. Só haverá discussões para explicar
57
essa jurisdição. Não se chegará a nenhum consenso posto que a alocação do instituto não
permite tal resposta.
Todavia, o assunto desborda do campo do Direito Processual, onde realmente não deveria situar-se, pois seus pressupostos estão fixados, na verdade, em normas de direito privado em que se cristalizam as limitações que resultam da intervenção administrativa do Estado. (MARQUES, 2000, p. 17)
Frederico Marques afirma que a Jurisdição Voluntária deve ser estudada pelas
normas constitucionais que regulam as funções do Poder Judiciário e seus naturais reflexos
sobre as garantias e direitos individuais. Para tanto inicia o tema pela Separação dos Poderes.
Ao Poder Judiciário é atribuído a resolução dos conflitos visando restabelecer o
equilíbrio das relações de direito violadas ou ameaçadas, aplicando a lei no caso concreto.
Mas e ele, também é resguardado o poder de declarar direitos de modo solene para assegurar
contra futuras lesões. Essa afirmação de Frederico Marques é baseada nas posições de Paulo
de Lacerda, Pedro Lessa e Pontes de Miranda.
Porém, ele vai mais afundo e pergunta se o Poder Judiciário teria outras funções além
da de aplicação da lei em casos litigiosos. Responde com João Mendes Júnior que indica a
função jurisdicional como causa específica do Poder Judiciário exercida pela sentença com
autoridade de coisa julgada formal. Contudo, com a evolução política e histórica, o Judiciário
recebeu, além do poder de julgar, o de administrar e de estabelecer fontes normativas do
direito, que são denominadas funções judiciárias. Essa é a posição de Carré de Malberg citada
pelo autor
Assim, Frederico Marques fecha seu objeto de estudo e passa a considerar a
Jurisdição Voluntária como: “função secundária do Poder Judiciário, cujo caracteres são os
seguintes: função, material e formalmente, administrativa, e, organicamente, judiciária.”
(MARQUES, 2000, p. 23). Ou seja, a Jurisdição Voluntária apesar de não ser ato de
jurisdição, é ato judiciário de caráter administrativo tanto na matéria quanto na forma e que se
encontra na estrutura organizacional do Poder Judiciário.
Uma vez que o sistema constitucional brasileiro ligou ao Poder Judiciário atribuições destinadas ao amparo dos direitos individuais, tanto que o direito à jurisdição está incluído no capítulo em que se declaram os direitos e garantias individuais, não é de se estranhar-se que a função administrativa que se consubstancia nos atos de jurisdição voluntária venha conferida legalmente, em grande parte, à Magistratura. (MARQUES, 2000, p. 39)
58
Explica, o autor, que na Jurisdição Contenciosa, onde ocorre a atividade jurisdicional
se dá com a aplicação da lei nos casos concretos onde o interesse de agir se encontra na
afirmação de lesão a um direito individual ou de incerteza sobre as relações jurídicas em que
esse direito se inclui. Já na Jurisdição Voluntária, a tutela do direito subjetivo se dá no tocante
a propiciar o nascimento ou exercício deste direito. Em ambos os casos, se tutela mediata ou
imediatamente o direito subjetivo. Na opinião do autor a atribuição desta tutela administrativa
dos direitos individuais não fere o princípio da separação dos poderes.
A função jurisdicional existe para que o Estado, através do Poder Judiciário, indique
qual interesses deve prevalecer sobre o outro visando atingir o fim de um conflito. O Estado
faz a justiça quando indica o interesse prevalente. Na Jurisdição Voluntária não há conflito
nem prevalência de interesses. Há convergência de vontades, logo, a função jurisdicional já
seria de plano descartada. O ato judicial administrativo é bem mais acertado para intervir na
negociação servindo de base para a efetivação do direito desejado.
O juiz não precisa substituir as partes em litígio, como na Jurisdição Contenciosa,
porque na Voluntária não há litígio. Contudo não só de decidir quais direitos subjetivos que
prevalecem que a função jurisdicional foi instituída. Ela também o foi a manter a ordem
jurídica que deve ser observada pelo interessados no direito. O juiz decide na função
jurisdicional e mantém a ordem na função judicial. Como exemplos desta última, nos atos de
Jurisdição Voluntária: documentação da vontade jurídica das partes, segurança do ato,
validade contra terceiros, imparcialidade na intervenção da vontade.
Esses exemplos tanto servem para os atos judiciais quanto para os atos exercidos na
Jurisdição Voluntária Extrajudicial, posto que estes não gozam de coisa julgada material.
Porém, para Frederico Marques só serão atos de Jurisdição Voluntária:
(...) quando traduzam o exercício concomitante de um função judiciária, ou seja, de uma função subjetivamente qualificada como judiciária em consequência de estar exercida por órgão que a Constituição prevê como integrante do Poder Judiciário. (MARQUES, 2000, p. 56)
A dúvida surge na Jurisdição Voluntária Extrajudicial brasileira quando se trabalha
seu exercício antes e depois da Constituição de 1988. Antes, as Serventias Extrajudiciais
integravam a estrutura do Poder Judiciário, e seus funcionários eram serventuários do
Tribunal de Justiça alocados na função de escrivão ou escrevente. Apesar dos atos não serem
59
emanados pelo juiz, havia nítido caráter judiciário na função. Logo, o conceito de Jurisdição
Voluntária era plenamente cabível de acordo com a teoria de Frederico Marques.
No pós-constituição, as Serventias se desvencilharam da estrutura do Judiciário
ficando por esta vinculadas por meio da fiscalização, aplicação de penalidades e organização
do concurso para o provimento na carreira. Neste caso, pode-se falar que ainda há o caráter
judiciário na função, ou ela passa a ser totalmente estatal? Mantendo o caráter judiciário, a
nomenclatura Jurisdição Voluntária ainda persiste? Senão, há que se dar outro nome a função.
E, a Serventia Extrajudicial ainda é órgão judiciário ou após 1988 ganhou o caráter de órgão
estatal puro por ser serviço público delegado?
A impropriamente denominada Jurisdição Voluntária, que não é voluntária nem jurisdição, constitui função estatal de administração pública de direitos de ordem privada, que o Estado exerce, preventivamente, através de órgãos judiciários, com o fito e objetivo de construir relações jurídicas, ou de modificar e desenvolver relações já existentes. (MARQUES, 2000, p. 59)
Tanto na Jurisdição Contenciosa quanto na Jurisdição Voluntária, o Estado participa
da relação jurídico-privada pelo Judiciário aplicando a lei à situação Jurídica com natureza
constitutiva e preventiva. O questionamento se dá quando o órgão que exercer a Jurisdição
Voluntária não fizer parte do Judiciário. Como classificar este ato como ato judiciário, porque
jurisdicional já se sabe que não o é. E, não sendo ato judiciário ainda seria Jurisdição
Voluntária com todas as críticas à nomenclatura?
Retornando a Jurisdição Voluntária Judicial, Frederico Marques (2000, p. 63) cita
Zanzucchi para esclarecer que a Jurisdição Voluntária é zona limítrofe entre a função
jurisdicional e a função administrativa, pois se trata de atividade administrativa que o juiz
exerce nos casos previstos em lei, onde o Estado, em razão do interesse público, intervém nos
negócios para substituir a vontade dos particulares quanto a constituição e modificação das
relações jurídicas de interesse dos sujeitos privados, buscando dar certeza a essa relação e não
a dirimir conflitos.
Como se vê, a definição de Jurisdição Voluntária serve para explicar a Jurisdição
Voluntária Extrajudicial, trocando apenas a figura do Juiz pelo Titular da Serventia. A
atividade continua a ser administrativa, de intervenção do Estado no negócio jurídico
particular. Em outras palavras: a definição é a correta, o nome do instituto que atrapalha.
60
E, na época que foi escrita a obra de Frederico Marques ele não poderia visualizar a
Jurisdição Voluntária Extrajudicial nos moldes como se está sendo desenhado a descrição e
crítica de sua doutrina porque nesta época não havia a distinção constitucional das Serventias
Extrajudiciais como integrantes da estrutura do Estado fora do Poder Judiciário.
Continuando a explorar o tema, o autor indica a denominação de Zanobini, de 1918,
de administração pública dos interesses privados. Os atos pertencentes a esta classe seriam
jurisdicionais porque lhes faltava a natureza discricionária da atividade administrativa. Seriam
atos de natureza vinculada. Assim, os atos de Jurisdição Voluntária apesar de administrativos,
eram afetos ao Judiciário posto que não tinha a caraterística de administrativos da
Administração Pública. Neste mesmo sentido é que o serviço na Serventia Extrajudicial
ocorre. O Titular deve cumprir o que a lei prevê, não cabendo juízo de conveniência e
oportunidade. Preenchidos os requisitos legais, o ato de ser efetivado.
Cristofolini, de acordo com Frederico Marques (2000, p. 68), chama a atenção para o
fato da tutela administrativa poder recair sobre o interesse público, pois algumas vezes os
direitos tutelados na Jurisdição Voluntária podem, ao invés do caráter privado, serem
públicos. Ele exemplifica com a naturalização. Hoje, no Brasil, após a EC. 54/2007, o
procedimento de nacionalização de brasileiro nascido no estrangeiro, de pai ou mãe brasileira
que não esteja a serviço do país ocorre diretamente na Serventia Extrajudicial, no Livro E do
1º Ofício do Registro Civil, desde que tenha sido feito o registro da criança em repartição
diplomática ou consular.
O procedimento de Jurisdição Voluntária só ocorrerá perante o Juiz Federal caso a
criança não tenha seu registro em repartição diplomática ou consular e venha a residir no
Brasil, optando pela nacionalidade brasileira após atingida a maioridade. Mais uma vez, se
torna confuso distinguir os procedimentos de Jurisdição Voluntária Judicial da Extrajudicial
pela tentativa de classifica-los como coisas diversas.
Se a Jurisdição Voluntária Judicial é ato judiciário e a Jurisdição Voluntária
Extrajudicial é ato estatal, como explicar que em ambos os casos o efeito pretendido e
conseguido será o mesmo: nacionalidade brasileira com prova pela certidão de nascimento. E,
mais, após o procedimento perante o Juiz Federal enquanto não for emitida uma certidão de
nascimento em nome do nacional, este não poderá fazer prova de sua nacionalidade. Neste
61
caso, mesmo que o direito seja entregue via Jurisdição Voluntária Judicial, só será oponível
contra terceiros após percorrer a Jurisdição Voluntária Extrajudicial.
A tutela administrativa dos interesses privados, quer quando se realiza judicialmente (como na Jurisdição Voluntária), quer quando se desenvolve através de órgãos não judiciários, é função estatal que projeta o interesse público em harmonia com os interesses privados. O Estado intervém, através dessa atividade tutelar, justamente porque certos interesses privados, pela relevância que apresentam, precisam estar fora da inteira disponibilidade das vontades individuais, a fim de que não produzam reflexos prejudiciais à ordem pública. (MARQUES, 2000, p. 79)
Frederico Marques exemplifica com o contrato de compra e venda de imóvel em que
o Estado tem interesse no negócio jurídico. Seu interesse repercute na propriedade
imobiliária, pois se trata de interesses coletivos. Há o interesse na ordenação na terra, na
distribuição da propriedade, na liberdade de propriedade, nos impostos recolhidos da
transação, na organização da urbanização para a estrutura das cidades e outros mais. A
intervenção estatal visa prevenir futuras lesões criando um documento autêntico, válido contra
terceiros, eficaz e com publicidade. Para ele, a intervenção se dá, pela Jurisdição Voluntária
Extrajudicial em dois momentos: na formalização do contrato (Notas) e na tradição da
propriedade (RGI).
Porém, o dito autor, apesar de citar a Jurisdição Voluntária Extrajudicial, entende que
não pode ser exercida, com o nome de Jurisdição Voluntária em órgão diverso do Judiciário:
A administração pública dos interesses privados, a que largas referências se fazem na conceituação e no estudo da Jurisdição Voluntária, tem sido confundida com esta última, a ponto de alguns autores entenderem que não só os juízes, mas também os notários, os oficiais de registro de imóveis, os tabeliães de protestos e outros serventuários do foro extrajudicial são órgãos da Jurisdição Voluntária. (MARQUES, 2000, p. 93)
Cita Prieto Castro quando indica que o conteúdo doutrinário da Jurisdição Voluntária
não se encontra nas leis de processo civil que só regulam os atos judiciais atribuídos aos
juízes e tribunais, não jurisdicionais. Alguns atos são atribuídos aos Juízes, outros aos
Notários e Registradores. O mesmo pensamento é compartilhado por W. Kisch que indica ser
somente uma parte da Jurisdição Voluntária atribuída aos Tribunais, ficando a outra parte com
autoridades diversas, como os Notários e Registradores.
Como a Jurisdição Voluntária se projeta em vários ramos do direito se torna difícil
conceitua-la pela sua pluralidade de atos, formas e hipóteses.
62
Em consequência dessa variedade de atos, a administração pública dos direitos privados pode corresponder ou ao conceito de serviço público, ou ao de função pública: de serviço público, quando o Estado organiza o aparelhamento de atividades destinadas a cerificar a existência e prática de atos jurídicos, que os particulares são livres de procurar ou não procurar para a solenização e prova de seus negócios; e de função pública, quando o negócio jurídico não pode ser formado sem a intervenção do órgão público, embora com caráter certificante e, em alguns casos, deliberativo. (MARQUES, 2000, p. 97)
Frederico Marques (2000, p. 99) aponta os órgãos incumbidos da administração
pública dos interesses privados como sendo: a) órgãos judiciários; b) órgãos administrativos
dependentes da autoridade judiciária, ou órgãos de foro extrajudicial; c) órgãos
administrativos não dependentes do judiciário. E indica que a Jurisdição Voluntária só será
exercida nos órgãos judiciários, pois o caráter judiciário dos atos administrativos praticados
pelo juiz atribui a esta jurisdição traços específicos.
Com relação aos atos de foro extrajudicial (MARQUES, 2000, p. 99), podendo ser
entendidos como os atos da Jurisdição Voluntária Extrajudicial emitidos pelos Notários e
Registradores, eles têm características próprias diversas dos atos de Jurisdição Voluntária,
estando sujeitos à imediata apreciação judiciária por meio de recursos disciplinares através da
jurisdição censória que a magistratura exerce sobre o foro extrajudicial mediante correições.
Na época em que a obra de Frederico Marques foi elaborada, esta visão poderia ser
aceita, não devendo prevalecer hoje, tal entendimento. Os atos do foro extrajudicial possuem,
sim, características diversas dos judiciais, mas quando se trata de Jurisdição Voluntária, as
características são semelhantes pois são atos que não geram coisa julgada, mas são autênticos,
válidos e eficazes contra terceiros emitidos por um agente imparcial.
Os atos de Jurisdição Voluntária Extrajudicial não se sujeitam a imediata apreciação
do Judiciário. Pelo contrário, eles valem desde o momento de sua confecção não necessitando
de qualquer homologação judicial. E, com relação a esses, sua desconstituição pode ser
requerida, a qualquer tempo, de forma judicial caso tenha se efetivado mediante vício ou se
trate de ato nulo. As penalidades disciplinares e correicionais emitidas, pelos Juízes, às
Serventias Extrajudiciais nada interferem na validade dos atos, salvo se específico para este,
não fazendo com que a fiscalização do juiz na Serventia Extrajudicial seja um elemento a
desqualificar seus atos de modo que eles percam sua validade.
63
E, mais uma vez, Frederico Marques oscila entre aceitar a Jurisdição Voluntária
Extrajudicial e repudiá-la como integrante da Jurisdição Voluntária. Num momento, ele exalta
as Serventias Extrajudiciais dizendo que uma das mais importantes leis que disciplinam a
Jurisdição Voluntária é a Lei de Registros Públicos (MARQUES, 2000, p. 101), em outros
momentos afirma que por estar vinculada à fiscalização do Judiciário, ao foro extrajudicial
não deve ser atribuída à Jurisdição Voluntária.
Os tabeliães ou notários, como órgãos da determinada fé pública, estão estreitamente ligados à Jurisdição Voluntária, não só porque os atos que praticam se filiam também à administração pública dos direitos privados, como porque, na evolução histórica desse instituto, verifica-se que, em muitas ocasiões, assumindo mesmo a qualidade de juízes, notários e tabeliães tinha preponderante atuação como órgãos, a que, de modo preferencial, se ligavam as questões de Jurisdição Voluntária. (MARQUES, 2000, p. 107)
A importância do notariado, no tocante à Jurisdição Voluntária, deriva das funções que exerce, bastando dizer que alguns sustentam a existência de um poder certificante do Estado, de que os tabeliães seriam órgãos. (MARQUES, 2000, p. 110)
O autor traz o ensinamento de Pietro Carusi na expressão negócio jurídico notarial
onde o Estado intervém diretamente na regulamentação privada dos interesses sob a tutela
administrativa exercida pelo Notário. E conclui ser função pública filiada à atividade genérica
da administração estatal dos interesses privados pertencente à Jurisdição Voluntária.
Contudo, mais à frente, embora no mesmo capítulo ensina que a função notarial não
pode ser considerada como Jurisdição Voluntária porque não é exercida por órgão
exclusivamente judiciário e que a fé pública e a atividade notarial não pode ser compreendida
nesta modalidade de jurisdição. E, como o tabelião está subordinado as instruções dos
corregedores judiciais não sendo independente no exercício de sua função.
Tudo isso mostra que o ato notarial, apesar da relevante importância que tem na constituição dos negócios privados, não pode ser assimilado à Jurisdição Voluntária, porque praticado por órgão que não possuem a independência que caracteriza a magistratura.
A função do notário é de administração pública de interesses privados, e se exerce sob a fiscalização das autoridades judiciárias, muito embora seus atos se classifiquem entre os denominados atos forenses extrajudiciais. (MARQUES, 2000, p. 113)
Percebe-se que para Frederico Marques, ao Notário e Registrador não há
independência na feitura do ato, apesar da vinculação com o Poder Judiciário ser de caráter
64
fiscalizatório. Nos moldes atuais há a independência da função conforme o art. 28, Lei
8.935/94 (LNR).
Art. 28. Os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei. (grifo meu)
Portanto, esta posição do autor deve ser relida frente a lei de regulamentou ao art.
236, CRFB/88, dispondo sobre os serviços notariais e de registro. Se o empecilho era a
independência, tal como a Magistratura, essa já caiu por terra, valendo ressaltar que hoje, a
magistratura sofre o poder fiscalizatório do Conselho Nacional de Justiça, tal como fiscaliza o
foro extrajudicial, nem por isso perdendo sua independência funcional.
Para Frederico Marques, a questão da Jurisdição Voluntária se encontra pacificada
sendo a nomenclatura jurisdição só no verbete e afirma que no Brasil a discussão de
Jurisdição Voluntária e Contenciosa se mantém por força da tradição da doutrina e da
legislação. Indica a denominação de Alcalá-Zamora: pseudo-jurisdição voluntária com sendo
uma expressão mais adequada.
Ensina que o exercício da Jurisdição Voluntária é ato subjetivamente complexo pois
se trata de uma conjugação de atividade pública e privada em que não há atividade
substitutiva por parte do juiz, pois ele integra o negócio jurídico não se colocando no lugar da
pessoa para a realização do ato. Para ele, como características da Jurisdição Voluntária pode
ser classificada como: a) função estatal com natureza administrativa do ponto de vista
material e ato judiciário do ponto de vista subjetivo ou orgânico; b) quanto a finalidade, tem
função preventiva e constitutiva.
E, novamente, o autor conceitua a Jurisdição Voluntária, mas dessa vez como uma
conclusão da sua opinião que foi formada na construção de sua obra:
Em conclusão, pode-se dizer que os atos de Jurisdição Voluntária são atos de direito público, praticados a pedido de interessados e que o órgão judiciário realiza para reconhecer, verificar, autorizar, aprovar, constituir ou modificar relações jurídicas. (MARQUES, 2000, p. 218)
Percebe-se que mais uma vez, a conceituação de Jurisdição Voluntária Judicial pode
ser aplicada a Jurisdição Voluntária Extrajudicial sem perder suas características. São atos
públicos posto que emitidos por pessoa que recebeu a delegação personalíssima de serviço
65
público com características de fé-pública, autenticidade, segurança, publicidade e eficácia.
São praticados a pedido do interessado, por órgão extrajudicial (única diferença pós
constituição de 1988), para reconhecer, constituir ou modificar relações jurídicas.
Indica, ainda, que como a Jurisdição Voluntária é composta por uma série de atos
variados, sua regulamentação se encontra em vários ramos do direito, como no direito civil,
administrativo e no Registro Público: “Em nossa legislação, além do Código Civil e do
Código Comercial, leis especiais existem disciplinando a matéria, sendo das mais importantes
aquela que regulamenta os registros públicos.” (grifo meu - MARQUES, 2000, p. 101)
E, mais uma vez, Frederico Marques aponta no liminar entre aceitar a Jurisdição
Voluntária Extrajudicial ou não quando afirma que a Jurisdição Voluntária é um dos temas
mais complexos e difíceis da ciência do direito pois é onde o processo e o direito
administrativo se entrecruzam, sendo também, a zona comum entre o direito público e
privado.
“O oficial do registro que faz a matrícula, ou o notário que lavra a escritura de
compra e venda, estão praticando atos de todo semelhante ao que o magistrado togado leva a
efeito quando homologa uma separação consensual. (MARQUES, 2000, p. 320)” Talvez se o
autor estivesse escrevendo sua obra nos dias atuais, ele iria aceitar a Jurisdição Voluntária
Extrajudicial posto que percebe a importância dos Registros Públicos para o ordenamento
jurídico brasileiro.
Após ter ensaiado sobre a Jurisdição Voluntária Judicial e Extrajudicial utilizando o
critério diferenciador da independência do magistrado, de se tratar de ato judiciário emitido
em órgão afeto ao Poder Judiciário e de trabalhar o conceito de administração pública do
interesse privado de Zanobini, Frederico Marques inicia o estudo das doutrinas clássicas sobre
a Jurisdição Voluntária apontando os expoentes de cada concepção, seja administrativista,
jurisdicionalista ou autonomista fazendo a apreciação crítica de cada autor. Essa mesma
estrutura de estudo é seguida por Lucena que abaixo será descrita.
Para tanto ele inicia o estudo pela Jurisdição Voluntária no Direito Romano,
passando o direito Intermédio, chegando na doutrina clássica. Nesta última aponta as posições
de Wach e Chiovenda pela concepção administrativista, fazendo a crítica pela doutrina de
Cristofolini, e Liebman. A seguir expõe a concepção jurisdicionalista de Carnelutti, que é
66
criticada com base em Zanzucchi, Alcalá-Zamora e Prieto Castro. Além dos italianos, ele
indica a doutrina francesa com posições de René Morel, Vizioz e Germain Brulliard, passa
pela doutrina Iberica e Neo-Ibérica com o pensamento de Alcalá-Zamora, Jame Guasp,
Manuel Della Plaza, David Lascano, Manuel Urrutias Salas e pelo português José Alberto dos
Reis.
Já na doutrina brasileira cita Conselheiro Ribas, Teixeira de Freitas, Paula Baptista,
Pimenta Bueno, Ramalho, João Monteiro e João Mendes Júnior, Luís Eulálio Bueno Vidigal,
Almícar de Castro, Pontes de Miranda. Essas doutrinas conforme a visão de Frederico
Marques não serão citadas neste trabalho, posto que a doutrina do autor com suas posições
pessoais que será objeto dessa pesquisa.
2.1.2 - Alfredo de Araújo Lopes da Costa43:
Traço marcante do texto: conceito administrativo de Zanobini. Filia-se à corrente
Administrativista. Lopes da Costa escreveu sua obra em 1961 intitulada a Administração
Pública e a Ordem Jurídica Privada (Jurisdição Voluntária), se tornando a segunda obra de
peso produzida pela doutrina brasileira. A primeira foi Frederico Marques, com Ensaio sobre
a Jurisdição Voluntária de 1952.
O texto de Lopes da Costa foi escrito para os juristas da época podendo transparecer
dificultosa a leitura nos dias atuais. Em muitas passagens, ele usa a técnica do não dito,
43 Nascido na cidade do Rio de Janeiro, em 15 de setembro de 1885, filho do Dr. Alfredo de Souza Lopes da Costa e de D. Augusta de Araújo Lopes da Costa. Estudou no Pedro II. Formou-se Bacharel em letras no ano de 1902 e, em seguida, matriculou-se na Faculdade de medicina do Rio de Janeiro. Deixou, porém, o curso médico e passou a estudar na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais, também do Rio de Janeiro. Foi repórter da “Gazeta de Notícias”, conferente de revisão na Imprensa Nacional e amanuense do Ministério da Justiça. A pedido do Dr. Mendes Pimentel, o Dr. Mello Viana, então Presidente do Estado de Minas Gerais, nomeou-o Juiz de Direito da Comarca de Caldas, em 24 de agosto de 1926, sendo que em 10 de março de 1928 foi promovido para a Comarca de Alfenas. Foi professor da extinta faculdade Livre de Direito da cidade de Alfenas, onde também lecionou lógica e psicologia no Ginásio Municipal e no Colégio do sagrado Coração, tendo igualmente iniciado a redação do seu tratado de “Direito Processual Civil Brasileiro”. Em 11 de Janeiro de 1946, foi promovido ao cargo de Juiz de Direito da Comarca de Varginha e Desembargador em 1948. Em 1949, compôs-se a Diretoria da Faculdade Mineira de Direito. (http://advedsonalexandre.jusbrasil.com.br/artigos/112287168/lopes-da-costa-historia-e-vida - Acesso em: 07 ago 2015)
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deixando a cargo do leitor a complementação do pensamento. Ele aponta os temas sem se
preocupar em responde-los com profundidade. Assim como Greco e Prata, não se utilizou da
estrutura clássica de explicação da Jurisdição Voluntária, mas citou Chiovenda, Carnelutti e
Fazzalari. Também não costuma usar citações descritivas ao longo de seu texto.
O traço marcante na obra de Lopes da Costa é a presença da Jurisdição Voluntária
Extrajudicial. A todo tempo ele exemplifica como o Tabelião ou Registrador age e como seu
ato pode ser classificado integrante da Jurisdição Voluntária, mas sem nomeá-la como
Extrajudicial. A abordagem desse autor se dá pelo critério da Administração Pública do
Direito/Interesse Privado de acordo com a doutrina da Zanobini. Sua obra é densa mas parecer
superficial quando se lê apressadamente, pois ele não responde as questões, ele inspira a
pensar sobre os problemas.
Lopes da Costa tenta compor o primeiro conflito com relação à matéria que está em
sua nomenclatura (...) presta-se confusões, pois o termo jurisdição não está ali empregado em
seu sentido próprio e estrito, mas no significado geral de administração da justiça. (1961, p.
21). Por isso afirmar que existe a Jurisdição Voluntária Judicial e Extrajudicial não fere o
termo jurisdição porque o direito é dito por meio da administração da justiça, não por fruto de
decisão intelectual do juiz.
Mantendo esta definição, a jurisdição poderia ser classificada como gênero, da qual
são espécies a contenciosa e a voluntária. Para tanto cita Biondi, Rosenberg, Schoenke, João
Monteiro e Pontes de Miranda. “A prestação da atividade do juiz na Jurisdição Voluntária não
é uma liberalidade, uma graça, uma mercê. É ato de ofício.” (LOPES DA COSTA, 1961, p.
23)
Aliada a essa crítica ele também chama atenção ao termo Voluntária, informando que
nem o juiz nem a parte estão agindo de forma facultativa, pelo contrário, eles são obrigados a
agir seja por provocação, seja de ofício. Para ilustrar o fato, ele traz a doutrina de Mortara e
Niceto Alcalá-Zamora que informam que a Jurisdição Voluntária não é nem Jurisdição, nem
voluntária.
E, conclui: “Apesar de muitos séculos haverem decorrido após o famoso texto
romano do Digesto, a Jurisdição Voluntária é ainda uma coisa à procura de um nome.”
(LOPES DA COSTA, 1961, p. 24). Por conta de não haver uma nomenclatura que expresse
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realmente o cerne da Jurisdição Voluntária que o autor prefere utilizar o termo jurisdição no
sentido geral: “Como vimos, já se disse que o conceito de Jurisdição Voluntária pode entrar
no conceito de jurisdição, desde que este último termo se empreste o sentido geral de
administração da justiça.” (LOPES DA COSTA, 1961, p. 25).
Utilizando a acepção de jurisdição como sinônimo de administração da justiça, fica
claro que pode ser exercido por órgão não jurisdicional. No caso, a Jurisdição Voluntária
Extrajudicial se encaixaria perfeitamente, podendo, inclusive dizer que o Tabelião ou
Registrador exerce jurisdição.
Contudo, se utilizada a acepção de declarar o direito, a Jurisdição Voluntária só
poderia ser considerada jurisdição desde que emanada pelo juiz? Para o autor, a jurisdição não
perde seu sentido mesmo que exercida por órgão administrativos. “Em outra acepção, é o
poder de declarar o direito, aplicar a norma legal ao caso concreto e fazê-lo realizar-se. É o
sentido etimológico jurisdictio. Isso é função que não cabe apenas ao Poder Judiciário.”
(LOPES DA COSTA, 1961, p. 26).
Isto ocorre porque, de acordo com Lopes da Costa quando se equipara jurisdição a
declaração de direito, se está apontando no liminar da distinção entre a Justiça e a
Administração, pois quando um funcionário da administração recebe um requerimento,
verifica se o fato está previsto em lei e em caso positivo aplica a lei em abstrato, ele acabou de
declarar o direito. Não teve conteúdo decisional jurisdicional, mas o funcionário desenvolveu
atividade igual a do juiz, declarando um direito.
O mesmo ocorre na Serventia. Quando o interessado ingressa com sua escritura de
compra e venda em RGI e o Registrador ao recebe-la confere que os tributos estão pagos, que
os documentos estão em conforme e que a escritura obedece o princípio da continuidade, ele
registra na matrícula a compra do imóvel, nada mais fez do que ‘pegar’ o direito declarado
pelo Notário e constituí-lo. O Registrador declara a terceiros que o novo proprietário do bem é
o comprador constituindo este em seu direito. Não houve decisão nem exercício intelectual do
juiz, mas houve a declaração; a entrega do direito. Claro que se trata de ato vinculado.
Vale relembrar que o monopólio da distribuição da justiça é do Estado, não do
Judiciário. Assim, se o Estado quer que algum órgão seu distribua justiça juntamente com o
Judiciário, ele pode fazê-lo. Todavia, há de se observar a regra dos Três Poderes para que se
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mantenha o equilíbrio do sistema. “Ora, a ordem resulta da lei e da obediência a esta.
Fiscalizar a obediência à lei é a função da justiça. A paz é fruto da justiça.” (LOPES DA
COSTA, 1961, p. 36). E, novamente sé dá o impasse do encaixe da Jurisdição Voluntária.
Quando em primitivos tempos o Estado se apropriou da Justiça privada ele o fez para
prevenir a ordem pública criando uma substituição de vontade, reservando, a si o direito e o
poder de declarar a legitimidade da pretensão e a satisfação do interesse. Entretanto, Lopes da
Costa indica que substituir uma coisa é pôr em seu lugar outra coisa. Às vezes a coisa
substituída por ter a mesma natureza da substituta. Ou não. Desta forma, o critério de
substituição da vontade, proposto por Chiovenda, para Lopes da Costa, não consegue separar
os caso de Jurisdição Voluntária para dar-lhes natureza administrativa.
O ato da parte, na justiça privada, de um lado, e, de outro, o ato do juiz, divergem profundamente não só sob o aspecto subjetivo, como também sob a feição objetiva. A parte é a pessoa de direito privado. O juiz, de direito público. O ato da parte é um ato influenciado pelo interesse na relação jurídica em questão. O ato do juiz, o de pessoa estranha, que fica na expressão de Carnelutti, não inter partes, mas supra partes. O juiz é a negação da parte, é uma não parte, é imparcial. (LOPES DA COSTA, 1961, p. 43).
Distinguir, na Jurisdição Voluntária, da função de natureza legislativa é simples. O
problema está em distinguir se é função judicial ou administrativa. Para dissertar sobre o
tema, Lopes da Costa traz posições: “a) os que acham insolúvel o problema; b) os que
apontam um critério positivo; c) os que se decidem por critério negativo.” (LOPES DA
COSTA, 1961, p. 56).
Apoiando os autores que acham insolúvel o problema, Lopes da Costa cita Josefs,
Wilhelm Kisch, Jacob Weismann, Leo Rosemberg e Antonio Visco. Nesta posição cabe ao
legislador definir o que seja ou não Jurisdição Voluntária e a parte e o juiz seguir a lei. Apesar
de inicialmente parecer estranha esse pensamento, não o é porque a escolha dos assuntos que
seguirão o procedimento da Jurisdição Voluntária é feito com base em política legislativa. A
cada período em que o ordenamento jurídico evolui ele pode ter feito de Jurisdição
Contenciosa que foram transmudados em Jurisdição Voluntária Judicial ou Extrajudicial. O
caso mais recente se encontra no CPC – Usucapião Extrajudicial.
Quanto aos critérios positivos: a) o que a lei classifica como Jurisdição Voluntária; b)
a atitude das partes quando de comum acordo procuram o juiz, que Lopes da Costa aponta
como falho porque nem sempre na Jurisdição Contenciosa haverá dissidência; c) tem função
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preventiva contra futuras lesões de direito, que também é indicado como falho porque na
Contenciosa há ações preventivas e cautelares; d) a função jurisdicional se destina somente a
declarar a existência de um direito realizando-o, se necessário. Critério também falho porque
não contempla a execução ou condenação; e) a Jurisdição Voluntária é o processo atribuído
aos juízes especiais dessa jurisdição quando a organização judiciária assim separar. Ex.: Juiz
de Paz pelo Código de Processo Civil Mineiro.
Já os critérios negativos são: a) a palavra ação é negativo de Jurisdição Voluntária; b)
a existência de uma ação descaracteriza a Jurisdição Voluntária; Conclui-se que apesar das
várias tentativas de distinguir a Jurisdição Voluntária da Contenciosa com base no que seria
Judicial e no que seria Administrativo corre numa linha tênue, pois há uma infinita variedade
de atos.
“O que se pode dizer é que dos atos dos órgãos públicos que tem por objeto um
direito privado, os que não forem caracterizados como jurisdicionais serão administrativos”.
(LOPES DA COSTA, 1961, p. 62). E, após toda a discussão, o autor acaba por se filiar a
concepção Administrativista da Jurisdição Voluntária, mas estando ciente que a discussão está
longe de ser pacífica. E, explicar essa jurisdição pelo viés as administração, realmente é mais
simples.
Por isso ele explica que o fim da Administração Pública é o bem comum, diferente
da administração privada que é um bem individual. Para ele, o Estado busca a felicidade do
povo de duas formas: negativa com a proteção dos bens pela função administrativa de polícia
e pela função jurisdicional; e na forma positiva criando bens ou permitindo sua distribuição.
E, mais uma vez, Lopes da Costa reforça sua posição de administrativista, indicando Zanobini
como o primeiro doutrinador a conceituar a administração pública do direito privado.
Nela, o Estado intervém, ou realizando atos que também pelo particular podem ser praticados e a ele assim se equipara (compra, venda, locação, permuta) ou cooperando com o particular para auxiliá-lo na aquisição e na alteração de direitos privados. Cria sujeitos de direto (pessoa jurídica), supre ou integra a capacidade jurídica dos incapazes (tutela, curatela), providencia sobre a documentação e publicidade dos atos jurídicos, regula os registros públicos, como forma de aquisição ou conservação dos direitos e assim por diante. Esses são os atos da chama Jurisdição Voluntária, que, como vimos, não pertencem a função legislativa nem à jurisdicional, necessariamente, por efeito de exclusão, há de ser classificados como administrativos. (LOPES DA COSTA, 1961, p. 65).
71
Este conceito de Jurisdição Voluntária trazido pelo autor é a descrição do que ocorre
na Jurisdição Voluntária Extrajudicial. Quando a Serventia é aberta, na verdade é o Estado
que se personifica nela para intervir ou realizar um ato do particular auxiliando na aquisição
ou alteração de direitos privados, providenciando a documentação, conservação, publicidade e
eficácia de ato realizado perante terceiros. É nítida a substituição da vontade particular pelo
vontade Estatal. Neste ponto, a classificação de Chiovenda como concepção administrativa
não seria errada. Porém, o acepção de jurisdição como sendo a administração geral da justiça
também não se encontra equivocado.
Lopes da Costa acena a possível contradição no termo administração pública de
interesses privados, pois quando o interesse é privado, a administração não poderia ser
pública. Indica que essa contradição é apenas aparente pois os interesses públicos e privados
são correlatos:
Na criação do tabelionato, por exemplo, o Estado não tem um interesse imediato, direto, no reconhecimento de uma firma, na documentação de um contrato. Mas tem um interesse indireto, mediato, no impulso que aqueles atos vão dar ao comércio jurídico e à circulação de riquezas. Assim, não é incorreto definir os atos da chamada Jurisdição Voluntária como administração pública de interesses privados. A expressão equivale a administração pública de interesses públicos mediatos. (LOPES DA COSTA, 1961, p. 69).
Fortalecendo sua opção pela posição administrativista com acepção de jurisdição
como administração da justiça, que Lopes da Costa afirma que a Jurisdição Voluntária
manterá sua natureza administrativa independente do órgão que a pratique, sejam autoridade
administrativistas ou judiciárias, apontando o critério de distribuição da matéria como sendo
mais político do que jurídico. Exemplifica com o México, onde em 1961, já haveria o
desquite amigável perante o oficial de Registro Civil, algo que no Brasil passou a ocorrer a
partir de 2007 com a lei do divórcio e inventário.
Conclui com a indicação de que toda vez que for encontrado um ato de autoridade,
seja judicial ou administrativa onde se possa verificar a cooperação do Estado para a
formação da ordem jurídica privada de forma concreta, se estará no domínio da Jurisdição
Voluntária.
Procurando, entretanto, satisfazer esse interesse público, o Estado, em cada caso concreto, age satisfazendo o interesse particular, do indivíduo que procura o cartório, facultativa ou obrigatoriamente, quando a escritura pública tem efeito não só probatório, mas constitutivo do direito (por ser essencial à validade do ato
72
jurídico), para fazer lavrar escritura de um contrato que fez. (LOPES DA COSTA, 1961, p. 171).
Mesmo diante de toda discussão com a natureza da Jurisdição Voluntária, Lopes da
Costa, assim com os outros doutrinadores tentam classificar essa Jurisdição, deixando claro
que existe a Jurisdição Voluntária Judicial e a Extrajudicial exercida por autoridade
administrativa. E, que todos os atos de Jurisdição Voluntária tem um fim comum que é a
intervenção da administração pública na formação da ordem jurídica privada, sendo esses atos
administrativos por exclusão por não ser nem legislativos, nem judiciais.
Na imensa variedade daqueles atos, observa-se que em alguns há, da parte da autoridade, judiciária ou administrativa, uma cognição, mais ou menos sumária, e uma decisão para a aplicação do direito objetivo, como nos feitos de autorização, de suprimento de consentimento, de interdição. Em outros, porém, a atitude da autoridade é puramente passiva, funcionando ela apenas como órgão destinado a receber as declarações do interessado e documenta-las, para os efeitos de prova e de publicidade, como nos atos de Registro Público. (LOPES DA COSTA, 1961, p. 169).
A primeira classificação citada por Lopes da Costa é de Wach/Chiovenda que será
abaixo explorada. A segunda classificação é da maior ou menor participação do órgão público
dividindo em três atos: a) Atos em que o órgão público tem função quase completamente
passiva, como: no recebimento e na abertura, pelo juiz, do testamento cerrado; no
recebimento da declaração de renúncia do direito ajuizado; e no lavrar, pelo tabelião da
escritura pública, recebendo as declarações das vontades das partes. b) Atos em que a
interferência do órgão público é mais ativa: autenticação de livros comerciais; levantamento
de inventário preventivo. c) Atos em que a decisão ora é reduzida a uma simples verificação,
como na homologação de partilha amigável, ora quando aprecia a conveniência do ato como
na autorização de venda de bem de incapaz.
A terceira classificação é no tocante ao critério de ser ou não discricionário o ato do
órgão público. Quando o juiz ou o órgão exerce exame forma, apenas com um controle de
legalidade são não discricionário. E, quando o juiz entra no mérito do feito apreciando a
matéria sobre a conveniência e oportunidade, há discricionariedade.
A quarta classificação é com relação ao objeto, quando a Jurisdição Voluntária
intervém na ordem jurídica privada: a) Atos relativos as pessoas – registros civis e comerciais
para a criação da pessoa jurídica e emancipação (por sentença ou não); b) Atos relativos ao
direito das coisas – registro imobiliário; c) Atos relativos ao direitos das obrigações –
73
autorização para a alienação de bens de incapazes; d) Atos relativos aos direito das sucessões
– abertura de testamento cerrado e partilha amigável (judicial ou extrajudicial).
Logo, ao longo do texto de Lopes da Costa fica nítida sua posição pela concepção
administrativista, contudo ele parece aceita a nomenclatura Jurisdição mesmo para os atos de
Jurisdição Voluntária Judicial e Extrajudicial apesar de toda controvérsia sobre o tema. E,
frisa, a todo o momento sobre os atos de documentação como integrantes da Jurisdição
Voluntária apresentando inúmeros exemplos desses atos nos Ofícios de Registro e nos
Tabelionatos.
2.1.3 - Edson Prata44:
Traço marcante do texto: função não jurisdicional. Filia-se à corrente
Jurisdicionalista. Professor de Direito da Universidade Federal do Triângulo Mineiro,
fundador e redator da Revista Brasileira Direito de Processual, autor de vários livros como:
Repertório de Jurisprudência do Código de Processo Civil, História do Processo Civil e sua
Projeção no Direito Moderno, Petição Inicial e Seus Requisitos, Comentários ao Código de
Processo Civil, Estudos de Direito Processual Civil, Desquite Amigável, Direito Processual
Civil, Embargos de Terceiros e o livro objeto de estudo neste tópico – Jurisdição Voluntária
de 1979.
A obra de Edson Prata segue a mesma estrutura de descrição de Frederico Marques,
Lopes da Costa e Leonardo Greco. Com poucas transcrições de citações no corpo do texto, ele
se preocupa em elucidar o tema sem a necessidade de esmiuçar as doutrinas estrangeiras.
Pequenos capítulos formam os títulos, que formam a obra. Texto simples e didático que se
presta para o que veio: apresentar a Jurisdição Voluntária com ideias inovadoras sobre o tema.
44 Edson Gonçalves Prata nasceu em 1927, em Conceição das Alagoas, MG. Filho de Ranulfo Gonçalves Prata e Marieta de Sene Prata. Aos cinco anos de idade, após a morte do pai, veio para Uberaba com a mãe e os irmãos para estudar. Graduou-se em Direito, na primeira turma da recém-implanta-da Faculdade de Direito do Triângulo Mineiro. Na área empresarial, Edson Prata foi responsável direto pela fundação do Jornal da Manhã, em 1972 diário que sucedeu o extinto "Correio Católico", o mais antigo jornal uberabense em atividade aquela época. Foi presidente deste Jornal até 1990. Na década de 1970 Edson Prata fundou a Editora Vitória Ltda., em Uberaba, objetivando editar as revistas e livros jurídicos de sua autoria e de autoria de vários outros juristas de projeção nacional. Ocupou a cadeira nº 8 da Academia Brasileira de Direito Processual Civil, da qual é patrono. Foi também fundador e primeiro presidente do Instituto dos Advogados de Minas Gerais e membro-fundador da Academia de Letras do Triângulo Mineiro, onde ocupou a Cadeira nº 27. Foi casado por mais de quatro décadas com Aparecida Damas de Oliveira Prata. Faleceu em 16 de setembro de 1990. Fonte: http://www.academiadeletrastm.com.br/edsongoncalvesprata.php. Acesso em: 13 ago 2015.
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Prata indica a confusão da nomenclatura da Jurisdição Voluntária tendo origem no
direito romano onde o juiz detinha o poder e a iurisdictio, ou seja, declarava o direito no caso
concreto administrando a justiça. A Jurisdição Voluntária ocorria quando os interessados se
apresentavam espontaneamente perante o juiz pedindo sua intervenção num determinado
assunto. As partes já chegavam de comum acordo. Com o tempo esses atos passaram da
competência dos juízes para os notários que recebiam o nome de iudices chartularii,
mantendo o nome do procedimento de Jurisdição Voluntária.
Com o passar dos tempos, os atos de Jurisdição Voluntária realizados na presença do magistrado, começaram a ser realizados pelo próprio escrivão, a quem se conferiu o poder de colher e anotar as declarações dos interessados. As funções tipicamente dos magistrados escapam de suas mãos e vão, lentamente, passando aos titulares de cartórios. Espalha-se a Jurisdição Voluntária para o terreno não-jurisdicional, o que vai, mais tarde, motivar a alegação de que ela não é nem jurisdição nem voluntária. (PRATA, 1979, p. 16)
O autor entende que a transferência da Jurisdição Voluntária para os notários45 gerou
a confusão da Jurisdição Voluntária com a atividade administrativa de direito privado. Os
notários eram tratados como juízes, pois exerciam função judicial sem os poderes de
jurisdição e império do magistrado. Hoje, os atos de Jurisdição Voluntária Judicial e
Extrajudicial só diferem no tocante ao agente que os realiza, seus efeitos continuam iguais e
nem por isso o Notário ou Registrador é tratado como juiz. Pelo contrário ele é um delegado
do serviço público.
E, acrescenta que a matéria da Jurisdição Voluntária não é função específica do
Poder Judiciário. Exemplifica com o inventário, que já foi extrajudicial, no CPC de 1939 era
Jurisdição Voluntária, no CPC de 1973 tornou-se procedimento especial de jurisdição
contenciosa e após 2007 tornou-se facultativo no extrajudicial.
Edson Prata afirma que o problema da natureza jurídica da Jurisdição Voluntária foi
tratada por vários juristas, citando: Ângelo Jannuzi, Élio Fazzalari, Allorio, Piero Pajardi,
Finzi de Barbora, Carnelutti, Manuel Ibanez Frocham, De Marini, Satta e Liebman. Ora o
problema é tratado sob o ângulo de ser atividade jurisdicional ou administrativa, ora cita a
coisa julgada como parâmetro, ora é trabalhado como matéria autonomista, ora como
atividade jurisdicional.
45 Neste momento, notário como sinônimo de Notário e Registrador de hoje.
75
A indagação principal é quase uma constante: trata-se de uma parte da jurisdição ou de uma parte da administração, ou melhor: a Jurisdição Voluntária se enquadra na atividade administrativa ou na atividade jurisdicional. (PRATA, 1979, p. 55)
A Jurisdição faz parte da trilogia estrutural do processo. O Estado intervém nas
relações para que não haja justiça privada, passando a titularizar o monopólio da justiça,
substituindo a vontade privada pela atividade intelectiva do juiz. Porém, o monopólio da
justiça é do Estado, não do Judiciário. Já a Jurisdição é monopólio do Poder Judiciário. Essas
assertivas já se encontram pacificadas. Por isso a questão da Jurisdição Voluntária causa tanto
questionamento.
São características da jurisdição ser uma, indivisível, indelegável e improrrogável. E,
dentre os poderes da jurisdição estão a decisão, a coerção e documentação. Quanto à forma, a
jurisdição se divide em contenciosa e graciosa/voluntária/administrativa. Quanto ao poder de
documentação, ele pode ser exercido tanto na forma voluntária judicial como extrajudicial. O
problema está no exercício extrajudicial também ser chamado de jurisdição.
Quanto a indelegabilidade pode gerar alguma dúvida quando se trata de Jurisdição
Voluntária, que Edson Prata ensina com clareza. Contudo, percebe-se que alguns
procedimentos que o autor considerava mais importantes para serem efetivados pela
Jurisdição Voluntária Judicial, hoje podem estar presentes na Jurisdição Voluntária
Extrajudicial. Para apontá-los será indicado entre parênteses no corpo da citação.
Não há, aqui, delegabilidade alguma. Apenas a função judiciária passou para outro órgão, de vez que a Jurisdição Voluntária, se enxergada em sentido amplo, não é privativa do Poder Judiciário. Privativos são unicamente os atos de Jurisdição Voluntária considerados mais importantes, como a separação judicial consensual (hoje facultativo no extrajudicial); a abertura, registro e cumprimento de testamentos ou codicilos; os procedimentos relativos à herança jacente; aos bens vagos; às coisas vagas; à curatela; à tutela; à organização e fiscalização de fundações (competência do Ministério Público), à especialização de hipoteca legal; aos cancelamentos dos gravames (extrajudicial como regra e judicial como exceção); às alienações (extrajudicial); onerações (extrajudicial); arrendamentos (extrajudicial); locação; administração e subrrogação de coisas comuns, de menores e de interditos. (PRATA, 1979, p. 124)46
Prata comenta que alguns juristas lutam contra a concepção jurisdicionalista da
Jurisdição Voluntária, tentando afastá-la da jurisdição para conceituá-la como atividade
administrativa ou até autônoma (não é jurisdição, nem voluntária). Porém quem assim age,
46 Enxertos na citação original sobre o que se pode fazer no Extrajudicial tendo por base a data da confecção da dissertação.
76
não pensa como pesquisador, mantendo, somente, a preocupação de classificar a Jurisdição
Voluntária como tal ou tal tipo.
Retiram a Jurisdição Voluntária do terreno jurisdicional, jogam-na na seara da administração, porém sem indagação prévia da possibilidade jurídica desta providência. Talvez nenhum se tenha perguntado, com a necessária paciência do pesquisador, se a Jurisdição Voluntária, não se comportando adequadamente ao conceito de jurisdição, se ajeita plenamente no conceito de administração. (PRATA, 1979, p. 75)
A concepção jurisdicionalista busca o interesse público, a concepção
administrativista busca o interesse privado e na Jurisdição Voluntária Extrajudicial há a busca
do interesse público e privado, ao mesmo tempo. Edson Prata opta pela concepção
jurisdicionalista conforme se depreende do seu texto, afirmando que a jurisdição é una com
base em Amílcar de Castro, sendo o procedimento voluntário ou contencioso.
Entendemos que a argumentação daqueles que negam o caráter jurisdicional da Jurisdição Voluntária poderia ser aceita, se primeiramente fosse retificado o conceito de administração. Caso contrário, melhor seria deixar a Jurisdição Voluntária onde está colocada mesmo, por força de um passado tradicional, porque pelo menos assim ela se aloja ao lado das características fundamentais do ato jurisdicional. (PRATA, 1979, p. 75)
Não há, pois, como retirar da jurisdição os atos de Jurisdição Voluntária, simplesmente pelo prazer de dizer que eles não se enquadram perfeitamente em qualquer das conceituações correntes, simplesmente para atirá-la na administração, onde também não encontra guarida na conceituação vigente. (PRATA, 1979, p. 76)
E, mesmo a atividade jurisdicional, com o poder-dever de julgar ou fazer justiça
pública pode ser entregue, pela Constituição a órgão não judiciário diverso do Poder
Judiciário. Os exemplos trazidos pelo autor são: art. 51, I e art. 52, I e II, ambos da CRFB/88 -
competência da Câmara dos Deputados para autorização, por dois terço dos membros, de
instauração de processo contra o Presidente, Vice-Presidente e os Ministros de Estado; e a
Competência privativa do Senado Federal para processar e julgar o Presidente e o Vice-
Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e
os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza
conexos com aqueles; e processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os
membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o
Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade;
Com relação aos atos de Jurisdição Voluntária, o autor indica que ela se manifesta
em todos os ramos do Direito, mas somente a lei processual civil que o nomeia como
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Jurisdição Voluntária. Está presente no Direito de Família, no Direito das Coisas, no Direito
das Sucessões, no Direito Comercial, citando exemplos tanto do Código Civil como da LRP.
Nos Registros Públicos cita como exemplos o registro civil de prenomes
considerados ridículos, a retificação de prenome, a alteração posterior de nome, a justificação
do óbito de pessoas desaparecidas, a retificação e suprimento do registro civil, a matrícula de
jornais, o registro de menor abandonado e a solução de dúvidas levantadas pelos oficiais de
registro.
Também cita outras formas de Jurisdição Voluntária como a conciliação prévia em
pensão alimentícia, a concessão de assistência judiciária, nomeação de curador especial nos
atos extrajudiciais, posse em nome do nascituro, na nunciação de obra nova, na entrega do
título de naturalização, na aprovação do estatuto de fundações, nas homologações de
transações do direito do trabalho e de demissões pelo juiz do trabalho, autorização, do juiz do
trabalho, para o levantamento do FGTS.
A diferença entre Jurisdição Voluntária e Contenciosa sempre foi polêmica e está
longe de encontrar uma solução, principalmente pela característica aceita, por grande parte
dos autores citados nas obras dos autores trabalhados que a Jurisdição Voluntária já foi e pode
ser exercida por órgãos não jurisdicionais. O problema é manter o nome Jurisdição
Voluntária, neste caso. Prata chega a esta conclusão baseado no Direito Romano, Alberto dos
Reis, Frederico Marques, Sérgio Bermudes, Ada Pelegrini Grinover, Schönke, Prieto Castro,
Kisch e Saredo.
Cita a posição de Schöke que entende ser a Jurisdição Voluntária uma jurisdição sem
processo e afirmando que os assuntos mais importantes da Jurisdição Voluntária são: o estado
civil das pessoas, a tutela, participação de bens, o registro mercantil, o registro de
propriedade, bem como a documentação dos notários. Cita também a posição de Prieto de
Castro que afirma que se inclui na Jurisdição Voluntária os atos dos notários e registradores.
E, assim como Frederico Marques (2000, p. 99), Edson Prata (1979, p. 88) aponta os
órgãos incumbidos da administração pública dos interesses privados como sendo: a) órgãos
judiciários; b) órgãos administrativos dependentes da autoridade judiciária, ou órgãos de foro
extrajudicial; c) órgãos administrativos não dependentes do judiciário. O autor faz a ressalva
78
quanto aos órgãos de foro extrajudicial que sua ligação com o Poder Judiciário se encontra
nos recursos disciplinares e na jurisdição censória através das correições.
Inovando na forma de pensar a Jurisdição Voluntária e aceitando que ela está
presente em todos os ramos do direito, inclusive na forma extrajudicial, Edson Prata traz a
teoria de Manuel Urrutia Salas, da pirâmide de Urrutia Salas. Este professor chileno
compreende o Estado como uma pirâmide com as três faces que se levanta sobre a base que a
sustenta e cada perímetro com superfície própria, mas unidas entre si por aresta comum. Cada
face representaria um poder do Estado e a base, a sociedade. A Jurisdição Voluntária pode
estar presente em qualquer das faces da pirâmide pois é uma atividade múltipla em seu campo
de ação. O professor Urrutia Salas divide a Jurisdição Voluntária em Judicial e atos judiciais
de Jurisdição Voluntária quando ocorre nos demais poderes.
Como a pirâmide, cujas faces são inseparáveis, sob pena de destruição da figura, no
Estado os três poderes são também inseparáveis, porque existem em razão de formar parte de
um organismo social e político, constituindo seu conjunto um corpo jurídico chamado Nação
ou Estado.
A chamada Jurisdição Voluntária não tem natureza específica que a coloque propriamente em alguma das três superfícies, faces ou poderes do Estado. É como um líquido escorrediço que, vertido sobre a cúpula da pirâmide, esparrama-se por igual em qualquer das três faces, tomando assim, as características próprias da superfície em que atua, como tomam os seres vivos ou as plantas caracteres próprios, segundo o ambiente em que se desenvolvem. (PRATA, 1979, p. 89)
Na, também tentativa de explicar o conteúdo heterogêneo da Jurisdição Voluntária,
Edson Prata (1979, p. 90 e 91) cita Alcalá-Zamora que afirma ser impossível agrupá-la, sob o
ponto e vista geral e sistematizador, por conta da multiplicidade de procedimentos. Uma
sugestão do professor espanhol foi dividir em três grupos de procedimentos: a) matéria
preventiva, preparatória ou cautelar; b) os que têm por objetivo cercar de maiores garantias a
tramitação de expedientes como a autorização, a homologação ou a dação de fé pública (não
jurisdicionais), cuja indispensabilidade seja reputada pelo legislador; c) aqueles em que, com
vantagem, o julgador pode ser substituído por notários, registradores do estado civil, de
propriedades, corretores do comércio, etc.
Edson Prata (1979, p. 91) apesar de citar, critica essa posição porque entende que os
atos notariais se assemelham e misturam-se as atos jurisdicionais, já que ele é adepto da
concepção jurisdicionalista. Para ele, a mais razoável distinção seria da Jurisdição Voluntária
79
se composta de atos jurisdicionais e atos judiciais da Jurisdição Voluntária; E, a divisão: a)
atos meramente receptícios; b) atos de natureza simplesmente certificante; c) atos de
pronunciamento judiciais.
Outro fator importante com relação à Jurisdição Voluntária é que ele pode se
encontrar na chamada Jurisdição Mista, indicada por Alcalá-Zamora, que seria uma zona
entre a jurisdição contenciosa e a pseudo jurisdição voluntária. O exemplo seria de atos que
eram de Jurisdição Contenciosa e passaram o a Jurisdição Voluntária Judicial ou
Extrajudicial, como no caso do inventário já citado.
A confusão entre a Jurisdição Voluntária e a Contenciosa é tamanha que delimitar
quais seriam os procedimentos que pertencem a uma e a outra é difícil. Afirma, Edson Prata,
que não há base segura, nem critério preciso para que se possa discriminar os processos que
pertencem a uma ou à outra, pois a matéria é variável e de conteúdo heterogêneo, logo a mera
distribuição sistemática num código, a simples arbítrio do legislador, não pode determinar que
ela seja contenciosa ou voluntária. Pode haver a transformação de Voluntária em Contenciosa
e vice-versa sem que haja prejuízo para os interessados, pois uma não exclui a outra.
Uma característica da Jurisdição Voluntária é ser uma atividade anômala, pois é
função materialmente administrativa e formalmente jurisdicional. Frente a esta característica
que Edson Prata cita a afirmação de Alcalá-Zamora que a Jurisdição Voluntária pode ser
atribuída, com igual nome a órgãos não judiciários, por esta razão existiria a Jurisdição
Voluntária Judicial e a Extrajudicial.
Antes da Constituição de 1988 e do CPC/73, como ensina Prata, os atos de Jurisdição
Voluntária eram distribuídos entre o juiz de direito, juiz de menores e o juiz de paz. A
competência do juiz de direito era bem próxima a competência que o atual CPC traz; do juiz
de menores eram relativas ao que hoje se encontra no Estatuto da Criança e do Adolescente; e,
do juiz de paz era similar a competência de documentação e conciliação dos Notários e
Registradores.
Além da dúvida de se distinguir o que seria a Jurisdição Voluntária e o que seria a
Jurisdição Contenciosa, há a divisão entre os doutrinadores das concepções dessa jurisdição.
Edson Prata afirma que a maioria trata como atos de administração, enquanto uma parte trata
80
como atos jurisdicionais, havendo ainda, os que dizem que não é nem jurisdição, nem
voluntária. Assim, o autor conclui:
Colhe-se, de logo, a impressão de que a chamada Jurisdição Voluntária, não é jurisdição, mas simples situação anômala do Poder Judiciário, ou extensão da atividade administrativa, pois apenas uma parte da Jurisdição Voluntária, como anta Kisch, está na pauta dos Tribunais. (PRATA, 1979, p. 128)
Vários atos de Jurisdição Voluntária, assim, ficam a cargo não de juízes, porém de servidores da justiça, como ocorre com os tabeliães e os titulares dos cartórios de registros. Verifica-se, em consequência, que apenas uma pequena parcela da Jurisdição Voluntária exige a intervenção judicial. (PRATA, 1979, p. 138)
Desta forma, é claro na doutrina de Edson Prata, que o problema da Jurisdição
Voluntária está longe de ser resolvido. Não só pelo nomen iuris do instituto, mas pela sua
discutida natureza jurídica, bem como pelo exercício por órgãos não jurisdicionais. Mesmo
adepto da concepção jurisdicionalista, o autor defende a Jurisdição Voluntária Extrajudicial
compreendendo sua importância como ato estatal de intervenção da atividade privada.
2.1.4 - José Maria Rosa Tesheiner47:
Filia-se à corrente Jurisdicionalista. Professor de Processo Civil da Faculdade de
Direito da Universidade do Rio Grande do Sul, Desembargador do TJRGS, autor de vários
artigos publicados em revistas, quatorze livros, dentre eles, o livro Jurisdição Voluntária, pela
AIDE Editora de 1992, que está sendo trabalhado, e inúmeros capítulos de livros, prefácios e
posfácios de livros. Participou de várias bancas de trabalhos de conclusão de curso,
dissertações e teses. Além de participar de vários congressos e ser orientador de dissertações e
teses pela PUC-RGS.
A linguagem de Tesheiner em seu livro Jurisdição Voluntária é palatável tornando a
leitura leve. Seu estilo linguístico preza pela simplicidade sem ser superficial. Ele expõe só o
que acha importante sobre a matéria sem precisar exaurir o tema utilizando cinquenta e quatro
páginas para descrever a Jurisdição em sua forma Judicial e Voluntária. Para trabalhar as
47 Graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1960), tendo sido Consultor-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, Juiz de Alçada e Presidente do extinto Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul. Hoje é Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Lecionou Processo Civil na Faculdade de Direito da Universidade do Rio Grande do Sul por mais de trinta anos. Também é professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, com projetos de pesquisa na área dos processos coletivos. Fonte: http://lattes.cnpq.br/8610959888090696. Acesso em: 13 ago 2015.
81
modalidades de Jurisdição Voluntária de acordo com a classificação que propõe, ele utiliza o
restante do livro.
Em seu texto, cita os clássicos como Chiovenda, Carnelutti, Calamandrei Allorio,
Ada Pelegrini Grinover, Edson Prata, Hugo Nigro Mazzilli, Alcides de Mendonça Lima,
Ovídio Baptista, sempre indicando o livro e as páginas onde encontra o pensamento do autor,
não se preocupando em fazer citações em destaque. Também se utiliza de indicação de artigos
do CPC/73.
Ele inicia o conceito de Jurisdição afirmando que se busca definir a atividade
jurisdicional pela sua contraposição com a atividade legislativa do Poder Legislativo e com a
atividade administrativa do Poder Executivo, classificando todo ato estatal como legislativo,
administrativo e jurisdicional. Com essa explicação informa que há onze formas de se
conceituar jurisdição e que nenhuma dessa é livre de críticas. E indica:
A busca obsessiva da ‘essência’ da jurisdição se vincula ao conceptualismo que, no campo do Direito, conduz a indesejável distanciamento da realidade. (TESHEINER, 1992, p. 13)
Acrescentando:
O conceito de jurisdição varia, conforme se queira ou não incluir a atividade judicial executiva e a cautelar; conforme se pretenda ou não abranger, além da jurisdição civil, a penal; conforme se queira ou não abarcar a jurisdição voluntária; conforme se intente ou não incluir a competência normativa dos tribunais. (TESHEINER, 1992, p. 13)
Interessante notar que Tesheiner, busca apontar os conceitos de jurisdição existentes
sem se preocupar em firmar uma posição sobre qual conceito deve prevalecer. Ele enfatiza
que abstrativizar demais a questão pode gerar um distanciamento da realidade que é
encontrada nos tribunais. Para um operador do direito, o autor reza pelo fático em detrimento
do doutrinário, contrário aos autores puramente teóricos que não tem o contato diário com o
direito na prática.
Assim, Tesheiner indica o que é Jurisdição sem se preocupar com uma conceituação
fechada. Ele trabalha com o conceito através das principais ideias utilizadas pelos juristas em
geral para caracterizar a jurisdição tais como: a substituição, a coisa julgada, a lide e a
imparcialidade.
82
Para explicar a característica da Coisa Julgada, ele cita Calamandrei e Allorio.
Afirma que: “jurisdição é julgamento, atividade declarativa, de produção de certeza jurídica.”
(TESHEINER, 1992, p. 16) utilizando um sentido restrito ao termo. Indica que Calamandrei
pensa dessa mesma forma em seu livro Estudios sobre el processo civil. Aponta que Allorio
pensa um pouco diferente ao afirmar que se caracterizar como “jurisdicional apenas a
sentença que produza certeza jurídica.”
Tesheiner analisa essa característica pelo filtro da lição de Kelsen que as funções do
Estado não se distinguem por seus fins, afirmando que a sentença produz um peculiar efeito
jurídico que é o declarativo, ou seja, a coisa julgada material. Esta característica não está
presente nos atos administrativos, incluindo, os atos de Jurisdição Voluntária.
Entre a Jurisdição Voluntária e a Contenciosa não há diferença de substância, mas de forma, o que explica a fungibilidade de determinadas materiais, enquadradas no direito positivo ora numa ora noutra categoria. A sentença constitutiva proferida em sede contenciosa produz coisa julgada material. (...) Quanto às medidas cautelares, é certo que não produzem coisa julgada material. Portanto, não são jurisdicionais, o que não significam que entrem no âmbito da Jurisdição Voluntária. A coisa julgada é que diferencia a jurisdição no sentido próprio, mas isso não significa que a falta de coisa julgada seja um fenômeno exclusivo da ‘Jurisdição’ Voluntária. Em suma, jurisdicional é todo ato e só o ato que produza coisa julgada material... (TESHEINER, 1992, p. 17 e 18)
Interessante notar como Tesheiner percebe a diferença entre a Jurisdição Voluntária e
a Contenciosa ao entender que ambas possuem mesma substância porém com formas
distintas, contrariando a maioria dos doutrinadores atuais que afirmam que Jurisdição
Contenciosa é a jurisdição verdadeira e Jurisdição Voluntária não jurisdição é. Com essa
afirmação ele deixa a entender que sua posição é pela corrente Jurisdicional de Carnelutti, não
pela corrente Administrativista de Chiovenda, conforme: “...a jurisdição voluntária não é,
como sustento, espécie de jurisdição, mas atividade administrativa exercida pelo juiz.”
(TESHEINER, 1992, p. 45)
Por serem de mesma substância haveria fungibilidade das matérias. Isso pode ser
comprovado quando um procedimento, no Judiciário, inicia-se como Voluntária e transmuda-
se em Contenciosa porque em algum momento o acordo entre as partes foi desfeito e a lide e
se instalou. Essa fungibilidade hoje é trazida pelo CPC/15 quando trata da administração de
conflitos pela Usucapião Extrajudicial. É uma matéria de Jurisdição Contenciosa que pode ser
efetiva pela Jurisdição Voluntária Extrajudicial.
83
Outra interpretação explorada e criticada de/por Tesheiner, que não se percebe na
maioria dos livros de processo civil, é sua indicação de que o ato só será jurisdicional quando
dele se extrai a coisa julgada material. Contrariamente, é ensinado que ato jurisdicional é tudo
que ocorre da atividade intelectiva do juiz, independente que dele se extraia o efeito da coisa
julgada material ou formal. Sua crítica se situa em que essa redução conceitual exclui os atos
executivos, cautelares, de instrução e os meramente processuais.
Após explorada a lide, Tesheiner critica o pensamento de Carnelutti utilizando a
teoria de Calamandrei onde a lide não explica jurisdição, argumentando sentenças
constitutivas necessárias. O exemplo trazido é da ação anulatória de casamento, que somente
pode ser decretada por sentença judicial, mesmo que os consortes estejam de acordo com a
anulação. Como não há pretensão, não haveria lide, logo não haveria necessidade de processo.
Contudo, essa atividade do juiz, que neste caso seria administrativa não pode ser assim
classificada com base com concordância do réu com a pretensão requerida, pois esta posição
do demandado é juridicamente irrelevante.
Utilizando a doutrina de Calamandrei, seguida por Ada Pelegrini, que cita Liebman,
indicando que o conflito de interesse não seria o objeto do processo, mas uma causa remota.
O objeto do processo é o pedido do autor, sendo apenas parcela da lide deduzida em juízo.
Logo, não haveria como definir a jurisdição como atividade tendente a sua composição.
Apesar dessa explicação esclarecedora, Tesheiner opta por servir do conceito de lide
juntamente com a ideia de direito subjetivo para diferenciar a jurisdição voluntária da
contenciosa.
Com relação a característica de imparcialidade, a jurisdição deve ser vista como uma
“regulação de uma relação interpessoal por um terceiro imparcial” (TESHEINER, 1992, p.
22).
A imparcialidade deve ser entendida no sentido: a) de que existam partes, um autor e um réu; b) que o juiz não seja uma delas, pois ninguém é juiz em causa própria (Nemo judex in rem suam); c) que o juiz seja ‘independente’, isto é, não subordinado nem ao autor nem ao réu, o que implicaria, em última análise, na transformação de uma das partes em juiz. Jurisdição implica, pois, em heterorregulação: regulação de relações estranhas ao julgador; não de relações que seja parte. (TESHEINER, 1992, p. 24)
Essa imparcialidade é uma característica do juiz que já se encontra presente no
imaginário das pessoas em geral. Salta aos olhos quando o juiz tem interesse na causa, tanto
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na jurisdição voluntária, como na contenciosa. Porém, nos casos em que a Jurisdição
Voluntária ocorre na forma Extrajudicial, a imagem de imparcialidade começa a ser
questionada, por conta da estrutura funcional da Serventia Extrajudicial contar com um
histórico de cobrar sempre mais que o devido a fim de ganhar mais dinheiro contendo
parcialidade do Titular em lucrar.
As pessoas entram na Serventia Extrajudicial desconfiadas. Primeiro, porque o ato
não terá o carimbo do juiz, logo, será ele válido; Segundo, essa série de atos é mesmo
necessária ou o Titular está de conluio com a parte contrária que assina o ato. Por conta do
histórico do serviço, este imaginário é aceitável, porém não pode ser tido como regra. A
desjudicialização das demandas é um caminho inevitável. Muitas matérias desjudicializadas já
estão tão incorporadas nas práticas diárias que as pessoas não percebem que antes, algumas
matérias só poderiam ser efetivadas perante um juiz de direito.
Explicadas as características, Tesheiner conclui a jurisdição, nos dias atuais se
apresenta de três formas: a) Na forma clássica, como atividade Estatal que tutela direitos
subjetivos públicos ou privados; b) Na forma de tutela dos interesses públicos, mediante ação
ou atividade meramente administrativa. Ex.: ação penal, ação civil pública, ação popular,
mandado de injunção, ação direta de declaração de inconstitucionalidade; c) Na forma de
Jurisdição Voluntária, tutelando o interesse privado, que será exercida por cognição, sem a
imutabilidade.
Para definir Jurisdição Voluntária ele indica os conceitos de Chiovenda, Carnelutti,
Edson Prata, Alcides de Mendonça Lima, Ovídio Batista, Allorio e o CPC. Não indica
conceito próprio e ao longo do texto deste ponto da discussão ele, após cada conceito,
diferencia jurisdição contenciosa de voluntária em algum aspecto apontando, ainda exemplos
de Jurisdição Voluntária.
Ele inicia a Jurisdição Voluntária pelo conceito de Chiovenda que apresenta como
um complexo de atos que os órgãos judiciais realizavam frente à um único interessado ou sob
o acordo de vários interessados, tendo ausência de partes, não de contraditório.
Caracterizando, esta, por uma forma especial de atividade estatal exercida por órgãos
judiciários e administrativos. Com este conceito, Tesheiner deixa transparecer que aceita a
Jurisdição Voluntária Extrajudicial quando cita seu exercício por órgãos administrativos.
85
Considera, também, a teoria de Carnelutti que indica que a Jurisdição Voluntária
deve seguir a corrente jurisdicional pois o processo voluntário não é uma forma processual
anômala, mas um dos tipos integrantes do processo civil. Contudo, no final, afirma que em
sua opinião só se deve definir como jurisdicional a atividade própria do Poder Judiciário.
Embasa sua posição na história da partilha das competências dos três Poderes, atribuindo, ao
Judiciário, o monopólio da Jurisdição Contenciosa e sem monopólio, a tutela dos interesses
privados pela Jurisdição Voluntária. Assim, exemplifica: a homologação de acordo
extrajudicial é ato de Jurisdição Voluntária.
Tesheiner (1992, p. 43 e 44) cria uma fórmula para determinar em qual espécie de
Jurisdição se está trabalhando formulando suas perguntas: a) Trata-se de tutela de interesse
público ou de tutela eventual direito subjetivo em face do(s) sujeito(s) passivos(s)? b) Trata-se
de processo em que o interesse de agir se compõe pela alegação, expressa ou implícita, de um
conflito de interesses, entre quem pretende a subordinação do interesse alheio ao próprio e
quem resiste? Caso a resposta seja afirmativa para ambas, será o caso de Jurisdição
Contenciosa. Basta uma negativa para que se tenha a Jurisdição Voluntária. Essa distinção é
importante para se saber o grau de subordinação do juiz.
A relevância da distinção entre as formas de jurisdição diz respeito, sobretudo, ao grau de subordinação das partes aos poderes do juiz. Em se tratando de Jurisdição Contenciosa, não pode o juiz senão entregar a cada um o que é seu, independente de qualquer critério de conveniência ou de oportunidade; em se tratando de Jurisdição Voluntária, o juiz não é obrigado a observar o critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna (CPC, art. 1.109). (TESHEINER, 1992, p. 44)
Tesheiner (1992, p. 54) classifica a Jurisdição Voluntária em cinco tipos agrupando-
as através de critérios próprios: a) Tutela de Pessoas Incertas; b) Tutela de Incapazes; c)
Tutela de Atos da Vida Privada; d) Tutela da Prova de Fatos Jurídicos; e) Assistência
Judiciária48.
Apesar da precisa diferenciação que Tesheiner imprime na Jurisdição Contenciosa e
Voluntária, ele não divide a Jurisdição Voluntária em Judicial e Extrajudicial, porém, quando
classifica as formas de Jurisdição Voluntária ele se utiliza de inúmeros exemplos de atos
pertencentes à Jurisdição Voluntária Extrajudicial ou atos híbridos, são os que ocorrem em
parte, na Jurisdição Voluntária Judicial e em parte na Extrajudicial. Ex.: Curatela – há o 48 Pela doutrina, a assistência judiciária, compreende a esta em sentido estrito e a jurídica. Judiciária seria a explicação dos meios e formas de resolver o conflito ou efetivar um negócio jurídico; é o aconselhamento. A jurídica seria a capacidade postulatória para ingressar em juízo.
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procedimento judicial que só passa a valer contra terceiros depois da curatela ser registrada
(Jurisdição Voluntária Extrajudicial). O mesmo ocorre para a ausência, emancipação,
casamento de menores, separação e divórcio judicial.
Com relação aos atos tipicamente de Jurisdição Voluntária Extrajudicial que ele
indica em sua classificação estão: os testamentos quanto a sua feitura na modalidade público,
ao seu registro o cerrado e particular; emancipação com concordância dos pais; os atos
próprios de Registro Público presentes na Lei 6.015/73; o casamento de maiores ou menores
com idade núbil; das fundações; extinção de usufruto e fideicomisso; protesto cambiais e
notificações; separação e divórcio consensuais; separação de corpos por escritura pública;
especialização de hipoteca legal; produção antecipada de prova ou exibição de documento
atestado por meio de Ata Notarial.
2.1.5 - João Paulo Lucena49:
Traço marcante do texto: escrita na estrutura eurocentrista de ensino e no estilo
manual. Não define qual corrente se filia. O texto de Lucena é escrito em forma de
apresentação de teses e antíteses por meio de uma linguagem acadêmica porém acessível. Ele
inicia cada ponto com a explicação de uma corrente doutrinária sobre o tema e em seguida faz
uma apreciação crítica baseada em outra doutrina. Poucas vezes o autor se posiciona, sempre
se adequando a uma corrente.
A construção do texto se dá na forma de itens, subitens, chegando ao número de
cinco divisões entre estes. E, utiliza todas as páginas de seu livro para exaurir o tema 49 João Paulo Lucena é advogado trabalhista há pelo menos 24 anos. Graduado em Direito na UFRGS em 1988, é especialista em Direito e Processo do Trabalho (Unisinos), em Processo Civil (PUC/RS) e cursou Extensão em Direito Norte-Americano na Universidade da Califórnia/EUA. Autor de obras jurídicas de Processo Civil e Direito do Trabalho, professor e pesquisador convidado em cursos de pós-graduação. Foi nomeado Desembargador do TRT da 4ª Região em 12/06/2013 pela vaga do quinto constitucional. Fonte: http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/comunicacao/noticia/info/NoticiaWindow?cod=744589&action=2. Acesso em: 31 ago 2015
87
Jurisdição Voluntária. Sua escrita e estrutura do texto lembra um manual de direito. Neste
autor se vê o típico caso de ensino eurocentrista. Em momento nenhum ele tenta inovar
apresentando o conteúdo de acordo com seu olhar, pelo contrário busca exaurir o tema com a
indicação do máximo de doutrinadores que pode. Talvez seu texto tenha essa marca posto que
foi preparado para a conclusão de sua pós-graduação lato sensu.
Como estrutura do texto, divide o conceito de Jurisdição em Escola Clássica, Escola
de Chiovenda, Escola de Allorio e Escola de Carnelutti. Quanto inicia seu capítulo sobre
Jurisdição Voluntária separa a matéria em concepção Administrativista, concepção
Jurisdicionalista e concepção Autonomista. E, quando explica sobre os procedimentos de
Jurisdição Voluntária, ele toca na discussão da substituição da Jurisdição Contenciosa pela
Voluntária, seu exercício pelo Ministério Público e pelo Notariado.
A construção de seu conceito de Jurisdição se dá através da análise do tema
indicando a Jurisdição, juntamente com a ação e o processo formarem a trilogia estrutural
indispensável ao estudo da teoria e prática do processo E, apontando como característica da
atividade jurisdicional o julgamento da lide fundada em Direito Positivo que será aplicado no
caso em concreto visando à pacificação dos conflitos de interesses, requerendo, para tanto a
manifestação do Estado através do Poder Judiciário. (LUCENA, 1996, p. 30 e 31).
Lucena (1996, p. 32) explica que segunda a Escola Clássica de Jurisdição, esta
consistiria no poder de resolver conflitos de direito subjetivo e seus seguidores seriam Wach,
Rosenberg, Schönke, Pontes de Miranda e Humberto Theodoro Júnior. Para ele, essa escola
apresenta uma falha que considera estrutural, pois não prevê processos onde não há lide ou
não se discuta conflitos de direitos subjetivos. Utilizando a mesma ideia da crítica aponto a
teoria de Carnelutti, que se preocupa com os processos que apresentem lide real e não com os
processos de lide virtual.
Com relação a Escola de Chiovenda, Lucena (1996, p. 33) cita o conceito de
chiovendiano clássico de lide, indicando que para este a Jurisdição seria uma forma de
soberania do Estado que se define como uma organização de todos os cidadãos para fins de
interesses geral, no qual o Legislativo ditaria as normas, enquanto o Judiciário atuaria nestas,
diferenciando-se do Poder Administrativo pela substituição da atividade pública por uma
alheia a esta. Essa divisão existiria para que fosse oferecida aos cidadãos uma melhor garantia
da observância da lei, conforme Lucena explica Chiovenda.
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A característica marcante dessa escola é a Jurisdição ser vista como atividade
substitutiva, pois substitui a vontade alheia pela atividade pública. Lucena aponta como
partidários dessa escola: Amaral dos Santos, Calamandrei, Carvalho Santos, Celso Barbi,
Edson Prata, Eulálio Vidigal, J. J. Calmon de Passos e Ugo Rocco.
Ele critica essa escola utilizando a doutrina de Galeno Lacerda, Seabra Fagundes e
Tesheiner pois a concepção de atividade Administrativista fundada na substituição não basta
para explicar os processos cujo objeto sejam valores indisponíveis ou decisões dentro do
processo relativa à atividade do juiz como a competência e suspeição. Essa conceituação no
critério da substituição também não soluciona o problema conceitual da Jurisdição, pois o
Poder Administrativo também pode atuar substituindo a atividade privada.
Com relação a Escola de Allorio, esta surge para confrontar a doutrina de Carnelutti,
tendo como resultado da pesquisa deste a coisa julgada como o diferencial existente entre a
atividade jurisdicional e administrativa. De acordo com Lucena (1996, p. 36 e 37), Allorio
baseou-se na filosófica normativista de Kelsen entendendo Jurisdição como essencialmente a
atividade de substituição e declarativa. Este conceito não contemplava como jurisdicionais
plenas nem as sentenças constitutivas da Jurisdição Voluntária.
Assim, este doutrinador define que jurisdicional somente seriam as sentenças que
produzissem certeza jurídica decorrente da forma declaratória da sentença contendo a coisa
julgada material. Afastando, da definição de Jurisdição, os atos de instrução do processo, a
Jurisdição Voluntária e o processo cautelar. Essa posição, de acordo com Lucena é defendida
por Liebman e Couture, e no Brasil, por Arruda Alvim, Frederico Marques, Grivoner-
Dinamarco-Cintra, Kazuo Watanabe e Lopes da Costa.
Para criticar esta corrente, Lucena (1996, p. 37 e 38) se baseia na doutrina de
Michelli indicando de Allorio reduziu o significado da distinção entre atividade jurisdicional e
os demais poderes do Estado, limitando a doutrina de Kelsen e resumindo à Jurisdição ao
critério formal de coisa julgada. Indica, ainda, Tesheiner quando afirma que nada acresce o
isolamento dos atos jurisdicionais aos produtores de coisa julgada50, pois o conceito ficaria
vinculado a um efeito que poderia existir em determinados ordenamentos jurídicos e não em
outros51.
50 A coisa julgada tratada neste ponto, é no sentido material e não no sentido formal.51 Tesheiner exemplifica com o Direito Penal que não produz coisa julgada material, mas é ato de Jurisdição.
89
De acordo com a Escola de Carnelutti, este pressupõe a existência do conflito de
interesses indicando que Jurisdição teria pôr fim a justa composição da lide qualificada pela
pretensão resistida por meio de sentença declarativa. Completa com a divisão da jurisdição
em dois processos, o declarativo e o dispositivo, mantendo o conceito de lide como essencial
para construir este raciocínio; entendendo conflitos de interesses quando os bens forem
insuficientes para satisfazer todos os desejos humanos (LUCENA, 1996, p. 38 e 39).
Lucena (1996, p. 39) afirma de acordo com a teoria de Carnelutti, que “os processos
onde não houvesse lide, como na Jurisdição Voluntária, estariam afetos à atividade
administrativa.” Percebe-se uma descontextualização nesta afirmação feita por Lucena, pois
para Carnelutti, há o processo não jurisdicional e a jurisdição não processual. Contudo, sua
corrente é a Jurisdicional dos atos, não importando se o juiz atua na forma de julgador ou na
forma de administrador do conflito.
Mais a frente, quando trata da Jurisdição Voluntária em específico, Lucena (1996, p.
72) explica a teoria de Carnelutti e sim, indica que ele opta pela teoria da Escola Jurisdicional
quando aventa a possibilidade de existir um processo civil sem lide e com uma única parte.
Este é o procedimento que Carnelutti chama de Acertamento Constitutivo. Neste momento,
percebe-se que Lucena ingressa na explicação mais densa da teoria carneluttiana saindo do
conceito de lide, muito repetido pelos autores em geral, e ingressando na real teoria de
Carnelutti.
Dentre os brasileiros que seguem essa corrente estão: Botelho Mesquita, Celso
Neves, Frederico Marques e Galeno Lacerda. Marques e Lacerda, de acordo com Lucena,
concordam na lide ser o elemento central do conceito de jurisdição, pois esta somente existe
para solucionar conflitos. Caberia, jurisdição, em procedimentos administrativos, mas
somente se houver a necessidade da resolução de alguma questão, citando como exemplo a
competência.
A crítica dessa escola está na maior importância do julgamento do conflito do que
em sua pacificação, mostrando-se o conceito de lide como insuficiente para qualificar a
atividade jurisdicional que poderia ser pacificada por outros agentes não juízes, sendo
particulares ou estatais. E, esta lide, que é pressuposta, pode não ocorrer no caso em concreto.
Esta crítica acaba por auxiliar na defesa do ato de pacificação de conflito efetivado por órgão
estatal fora da estrutura do Judiciário.
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Apresentada as quatro escolas de pensamento sobre a Jurisdição, Lucena não se
posiciona por nenhuma delas. Seu texto visa apresentar as escolas, seus adeptos estrangeiros e
nacionais e criticar seus pontos a fim de descaracterizar sua constituição. Em cada escola,
Lucena encontra um ponto fraco, mas não propõe um modelo novo para resolver a
problemática do conceito de jurisdição.
Após a explicação e diferenciação entre a Jurisdição e as Atividades Legislativa e
Administrativa, Lucena sistematiza as ideias exploradas nas Escolas apresentadas
caracterizando a Jurisdição moderna como:
Sendo pacífico que a Jurisdição é a função resultante da proibição estatal de realização da justiça privada, e daí a necessidade e o dever de compor o poder público os conflitos naturalmente ocorrentes na sociedade humana, surge o Direito Processual como complexo de norma reguladoras do exercício da atividade jurisdicional e instrumento de realização do Direito. (LUCENA, 1996, p. 58)
E, afirma que concluiu (LUCENA, 1996, p.58 e 59) que a atividade jurisdicional,
após explorada pelos doutrinadores acima descritos deve ser entendida como atividade: a)
pública – pois é exercida monopolisticamente pelo Estado; b) secundária – porque
primeiramente esta atividade deveria ter sido exercida pelos particulares; c) provocada – pelas
partes ao juízo; d) substitutiva – substitui a vontade das partes pela vontade estatal; e)
indeclinável – exercida por pessoa investida no poder de julgar; f) exercida por juiz natural –
possuem presunção de independência e imparcialidade; g) geradora da autoridade da coisa
julgada material; h) imparcialidade/terzietà; i) independência – sem subordinação hierárquica
entre o juiz e as partes e; i) instrumental.
Iniciando a abordagem sobre a Jurisdição Voluntária, Lucena (1996, p. 65) utiliza a
clássica divisão entre as jurisdições apontando que a jurisdição contenciosa visa compor os
conflitos de interesses, enquanto que a voluntária se ocupa da tutela dos interesses que não
estão em litígio; E que ambas são exercidas por órgãos jurisdicionais contendo o fim de
assegurar a paz jurídica.
Frente à falta de informação da real natureza da Jurisdição Voluntária foi que Lucena
escreveu sua obra. Para ele, é necessário que seja feito um estudo preliminar sobre a
Jurisdição em si, para sim, compreender o fenômeno da Jurisdição Voluntária, pois essa
dúvida paira há mais de um século na doutrina processual civil, seja estrangeira ou nacional.
91
No entanto, ele não se fixa a esta divisão clássica e ensina que desde o final do
século passado a ciência processual se dividiu quanto a tentativa de explicação sobre qual o
campo de atividade estatal que a Jurisdição Voluntária estaria inserido tendo em vista a
ausência de lide, ação, partes, apesar do exercício desta ainda ser atribuído ao Judiciário.
Frente ao questionamento ele se pergunta:
Mas então, qual a real distinção entre a jurisdição contenciosa e a voluntária, se nos dois casos há participação estatal na relação jurídico-privada através do Judiciário? Seria jurisdição voluntária pertinente ao Poder Jurisdicional? E, por que não atribuí-la ao Executivo ou à esfera notarial? (LUCENA, 1996, p.65) (grifo meu)
Suas indagações tem fundamento na doutrina de Niceto Alcalá-Zamora y Castillo,
argentino, autor de várias obras, dentre elas Processo, Autocomposición y autodefensa,
editado em 2000, mas que Lucena cita não diretamente, e sim através de outro autor chamado
Mortara, que não se encontra em sua bibliografia. Indica que para Alcalá-Zamora y Castillo a
Jurisdição Voluntária não é nem jurisdição, nem voluntária posto que o órgão público não
declara o direito de uma em face da outra, e mesmo assim, os interessados obedecem a
decisão da autoridade judicial.
Lucena compila as várias definições de Jurisdição Voluntária e indica que de forma
pacífica só há duas características sendo: a constituição de atos jurídicos novos e o
desenvolvimento dos atos jurídicos existentes52. E, aponta a existência, genericamente, de oito
formas de definição levando em consideração alguns aspectos, tais como:
a) aqueles que a classificam como atividade administrativa;b) aqueles que a consideram atividade jurisdicional;c) aqueles que a consideram atividade mista entre dói ou mais poderes do Estado;d) aqueles que a consideram atividade autônoma;e) aqueles que a consideram atividade notarial;f) aqueles que utilizam um critério positivo de distinção;g) aqueles que utilizam um critério negativo de distinção;h) e aqueles que consideram insolúvel o problema. (LUCENA, 1996, p.70)
Porém, o debate pesado sobre a matéria se encontra em dois blocos principais e
antagônicos:
1º) os administrativistas opondo-se aos jurisdicionalistas, a invocar-se como parâmetro o critério ontológico, ou da natureza funcional da Jurisdição Voluntária;
52 Nas duas características pacíficas, Lucena as cita baseado na obra de Edson Prata, mesma utilizada nesta bibliografia.
92
2º) os que afirmam o caráter preventivo da função, contrários aos que entendem de natureza constitutiva, se nos valermos do critério teleológico, ou da finalidade da atividade voluntária. (LUCENA, 1996, p.74)
Interessante notar que ambos blocos possuem características afirmadoras da
Jurisdição Voluntária Extrajudicial. Quanto aos administrativistas opondo-se ao
jurisdicionalistas, estes percebem com clareza que nos atos de Jurisdição Voluntária o
magistrado atua como se notário ou registrador fosse. E, quanto ao segundo bloco, a
Jurisdição Voluntária Extrajudicial abarca as duas características que seriam contraditória
para os processualistas, posto que o ato lavrado e/ou registrado constitui o direito entre as
partes e previne a lide.
Com estas compilações, Lucena amplia o debate das características da Jurisdição
Voluntária com base em seus aspectos e não se fechando apenas ao conceito chiovendiano ou
carneluttidiano, acrescentando: “Na Jurisdição Contenciosa, de caráter repressivo, pressupõe-
se a lesão de um direito e a existência de uma lide, enquanto na Jurisdição Voluntária o
magistrado busca a prevenção da lide. (LUCENA, 1996, p. 72)”
Por esta simples observação de Lucena, a corrente que defende o aspecto notarial da
atividade de Jurisdição Voluntária poderia se reforçar, tendo em vista que o Notário ou
Registrador, munido da função de pacificador dos conflitos derivado do Sistema de Notariado
Latino, no qual o Brasil se encontra inserido, tem o dever de pacificar os conflitos evitando,
ao máximo, que lides cheguem ao Judiciário. Tanto o magistrado, quando exerce a Jurisdição
Voluntária no âmbito judicial, quanto o Notário ou Registrador que a exerce na forma de
Jurisdição Voluntária Extrajudicial devem prevenir a lide.
Outra observação de Lucena que auxilia na defesa da força da Jurisdição Voluntária
Extrajudicial é sua explicação quanto a concepção administrativista da Jurisdição quando
menciona: “...temos uma forte e influente teoria a vincular tais atos como mera ‘administração
pública de direito ou interesses privado’.” (LUCENA, 1996, p. 74). Ora os atos de Jurisdição
Voluntária Extrajudicial, sejam atos de registro ou de notas53, são atos de administração
pública de interesses ou direito privados. Não há melhor definição ao que ocorre dentro de
uma Serventia Extrajudicial.
53 Nos atos de notas se incluem tudo que é feito na atribuição de Notas, desde uma escritura pública até uma autenticação de documento.
93
Lucena descreve que Wach distingue a Jurisdição Voluntária da Contenciosa pelo
critério teleológico no qual identifica sua finalidade imanente que seria a tutela da ordem
jurídica seja por constituição, desenvolvimento ou modificação das relações ou estados
jurídicos com efeitos erga omnes. Acrescentando ao pensamento de Chiovenda que seriam, os
atos de Jurisdição Voluntária, simples atos administrativos exercidos partes em órgãos
judiciários, parte em órgãos administrativos.
Mais uma vez, a definição da concepção administrativista da Jurisdição Voluntária
de Wach/Chiovenda se encaixa perfeitamente na definição do exercício da função Notarial e
Registral, onde seus atos constituem, desenvolvem ou modificam relações e estados jurídicos,
com efeito, erga omnes. Basta pensar num registro de compra e venda de imóvel que serve
para constituir o novo proprietário do imóvel, bem como modificar a relação anterior de
domínio pelo princípio da continuidade na matrícula. Ou ainda o registro do casamento que
serve para modificar o estado da pessoa de solteiro para casado; na interdição, modifica o
estado de plenamente capaz para relativamente ou absolutamente incapaz.
A crítica sobre esta concepção se encontra na tentativa de igualar a Jurisdição
Voluntária à administração pública de interesses privados exercitada em órgãos não
judiciários e a vinculação da Jurisdição Contenciosa à existência de partes oponentes no
processo. Com esta crítica comprova-se que a atividade exercida e conceitua como Jurisdição
Voluntária por Chiovenda é igual a Jurisdição Voluntária Extrajudicial exercida por órgão não
judiciário. Lucena (1996, p. 91) aponta como críticos brasileiros desta esta escola Edson
Prata, Tesheiner, Marcos Afonso Borges e Ovídio Baptista
Para Lucena, Allorio e a doutrina Administrativista Brasileira seguem a mesma
definição de Jurisdição Voluntária proposta por Chiovenda. “Allorio afirmou a índole
administrativa da Jurisdição Voluntária face à ausência da ineficácia da coisa julgada material
nas suas declarações, traço inerente à natureza da verdadeira jurisdição. (LUCENA, 1996, p.
78)”.
Aponta, ainda, Liebman e Calamandrei, Alcalá-Zamora y Castillo e Enrico Redenti
nesta mesma corrente citando trechos de seus obras a explicação da Jurisdição Voluntária
como a administração pública de interesse privado. Entre os brasileiros se encontram: Paula
Baptista (em 1855), João Monteiro, Alfredo Buzaid, Carvalho Santos, Mendonça Lima,
94
Arruda Alvim, Dinamarco-Grinover-Cintra, Pedro Baptista Martins, Seabra Fagundes, Pontes
de Miranda, Machado Guimarães e Frederico Marques, com ressalvas.
Para explicar a corrente Administrativista Brasileira, ele começa com a doutrina de
Frederico Marques no trecho que este iguala a Jurisdição Voluntária ao fenômeno da
judicialização, onde o Estado cria um contencioso fictício para resolver uma situação jurídica.
O Estado judicializa ora por Jurisdição Contenciosa, ora por Voluntária algo que poderia ser
resolvido entre as partes através de órgãos administrativos.
Na ´judicialização´ da administração pública de direitos individuais – ou jurisdição voluntária, a atividade judicial não incidiria sobre a pretensão ou o litígio, mas sim sobre o negócio jurídico que só se completa com o pronunciamento do juízo, inexistindo exercício da função jurisdicional. (Lucena, 1996, p. 87)
Utiliza também Celso Barbi, Moacyr Amaral Santos, Alcides Mendonça Lima,
Lopes da Costa e Athos Gusmão Carneiro, quando ensina que os atos de Jurisdição Voluntária
são atos judiciais, mas não jurisdicionais pois o juiz não aplica o direito visando eliminar um
conflito, mas com a proposição de influir num negócio jurídico ou situação jurídica.
Com relação a corrente Jurisdicionalista, esta é oposição a corrente anterior pois
defende que a Jurisdição Voluntária tem natureza jurisdicional. Cita Hermenegildo Rego na
indicação que a imparcialidade do órgão ao decidir com a observância do direito positivo que
protege o interesse privado em contraposição da tutela do interesse público da Administração,
sendo essas características aptas a dizer que ambas são jurisdição e que a ausência de lide
seria o diferenciador entre a modalidade contenciosa e voluntária.
Cita, também Carnelutti e sua evolução de pensamento nas três obras: Instituições de
Direito Processual Civil, Lições de Direito Processual Civil e Sistema de Direito Processual
Civil. Lucena descreve que para Carnelutti a Jurisdição Voluntária seria uma atividade do juiz
seria dirigida à tutela do interesse coletivo e a boa administração do interesse privado, não à
composição da lide. Assim, o juiz satisfaria um interesse público pela composição do
interesse privado.
A principal crítica recebida pela doutrina de Carnelutti, de acordo com Lucena, se dá
porque aquele não se refere à jurisdição, mas ao processo, possuindo um conceito próprio de
jurisdição onde o processo voluntário estaria no mesmo plano do processo de cognição
(jurisdicional), executivo, cautelar, penal e de injunção.
95
Dentre os brasileiros seguidores desta corrente, destaca Edson Prata:
Para Prata, de forma alguma os atos de jurisdição voluntária enquadram-se como atos de Administração, algumas vezes, até mesmo de Jurisdição na forma com entendemos. (...) Afirma Prata que, se na Jurisdição Voluntária não há lide, o mesmo ocorre nas ações declaratórias, onde não há violação do direito, estando presente neste processo o caráter substitutivo da jurisdição. (LUCENA, 1996, p.107)
Explorando a terceira teoria chamada Autonomista, Lucena cita Fazzalari como
pioneiro e idealizador. Este jurista italiano classifica a Jurisdição Voluntária numa categoria
autônoma localizada ao lado das outras atividades fundamentais do Estado, em especial entre
a Jurisdição e Administração, formando um terceiro gênero, pois mesmo com o nome, não se
trata de jurisdição. Para analisar esta concepção Lucena pesquisa em três livros do Fazzalari:
La Giurisdizione Volontaria, Problemi e Prospetive del Processo Civile e Giurisdizione
Volontaria. Contudo, utiliza apenas três páginas para explicar essa concepção.
Ao explicar os procedimentos de Jurisdição Voluntária, Lucena indica que este:
“Dependendo das circunstancias político, econômicas e culturais predominantes em uma
determinada sociedade e num determinado tempo histórico, serão diferentes no tempo os
direitos subjetivos ora tutelados pela Jurisdição Contenciosa, ora pela Voluntária...” (Lucena,
1996, p. 113).
Da mesma forma que se evolui os institutos jurídicos, a exemplo o conceito de
mulher honesta que já não se faz mais necessário no século XXI, as matérias destinadas à ter
seu conflito administrado pela Jurisdição Voluntária também passam por modificações. Antes
o assunto x deveria ser judicializado por Jurisdição Contenciosa. No século passado, este
assunto passou a ser efetivado pela Jurisdição Voluntária; e no século atual, ele pode,
inclusive ser desjudicializado.
A modificação de pensamento sobre determinado assunto, pela comunidade jurídica,
é uma evolução natural quando se pensa o direito. A sociedade se modifica, incluindo nesta,
valores que antes não a pertenciam. O direito deve seguir a mesma modificação reciclando os
institutos para que estes possam ser utilizados não só de forma teórica, mas efetivados ao se
entregar o direito pretendido.
E, termina sua obra com o tema a Jurisdição Voluntária e o Notariado. Inicia seu
texto com um apud de Correia Teles em Edson Prata cuja descrição do trecho explica que o
96
Notário é um empregado público pois sua função é descrever a vontade das partes através de
atos próprios notariais, firmando neste seu sinal público a fim de lhes indicar a autenticidade.
Seguidamente, realiza outro apud de Sentís Melendo em José Mauro Rocha, cuja transcrição
segue a mesma linha de pensamento de Carlos Fernando Brasil quando indica que o notário é
o responsável por pôr o direito em prática, com a finalidade de alcançar a paz social
prevenindo os conflitos.
Lucena pretende discutir a natureza jurídica do Notário, mas não aprofunda o tema
preferindo trabalhar sobre a posição da Jurisdição Voluntária como função tipicamente
Notarial que ocorre através da delegação da Jurisdição Voluntária à esfera notarial citada por
“(...) certos ordenamentos jurídicos e alguns renomados doutrinadores”. (LUCENA, 1996, p.
120). Cita que esta posição é também seguida por Frederico Marques sem indicar a página do
livro no qual a citação foi retirada.
Ainda se utilizando do apud de Amaral Santos em Frederico Marques, afirma que
para o primeiro, o notário é investido no exercício da genuína Jurisdição Voluntária. Ele
enfatiza nos assuntos que não necessitam de qualquer poder de mando para serem resolvidos,
pois alguns desses conflitos são comprovados por documentos, publicação de editais, por
ouvir o Ministério Público, ou seja, são atos “de fé”, leia-se fé pública, atribuição do Notário
ou Registrador em sua função.
Quando descreve as visões de Marcello Caetano (apud em Cotrin Neto), Cotrin Neto
e Mauro Rocha indica que apesar da via jurisdicional ser uma das maneiras de execução da
lei, esta não constitui monopólio do Judiciário, por isso não seria estranho que o Notário
exercesse a função jurisdicional, pois ele é imparcial narrando com precisão os fatos
revestindo-os de segurança e certeza das situações jurídicas libertando-se do processo pela
Jurisdição especializada notarial.
Apesar de descrever com propriedade sobre a função notarial, iniciando seu estudo
pela natureza da função e histórico, Lucena se posiciona a Jurisdição ser exercida pelo
Notário aos argumentos de que este não gozaria “(...) como autoridade pública de direito
privado, das características essenciais ao exercício da jurisdição como a independência e a
terzietá (...).” para o exercício da Jurisdição Voluntária que é competência do Poder
Jurisdicional do Estado. (LUCENA, 1996, 126)
97
Seguindo a doutrina de Carnelutti, Lucena confundiu Poder Judiciário com poder
jurisdicional. Para o primeiro, a Jurisdição Voluntária é julgar sem jurisdição porque não há
lide, e assim, não se decide nada; não há mando. Logo precisa-se de jurisdição para definir a
competência da matéria, não de poder jurisdicional. Seria um avanço aceitar que a Jurisdição
Voluntária fosse exercida pelos Notários e Registradores, pois na modalidade Jurisdição
Voluntária Extrajudicial já existe o exercício deste 1973, só não foi percebido por alguns
doutrinadores.
Essa resistência de Lucena em aceitar a imparcialidade pelos Notários e
Registradores é compreensível tendo em vista a figura que permeia o imaginário comum da
população brasileira. Ainda há resquícios que o Titular será parcial a uma das partes, pois já
tem um acordo com elas, ou ainda que é parcial a si mesmo, buscando cada vez mais lucro em
sua atividade. Contudo, a necessidade de provas e títulos para o ingresso na carreira está
abrindo portas para que este imaginário mude. Será necessário vários anos de atuação e muita
produção científica desses novos Titulares para se firmarem como estudiosos do direito
descrevendo a imparcialidade de função com a “parcialidade” da busca pela paz social e
prevenção dos conflitos.
2.1.6 - Leonardo Greco54:
Traço marcante do texto: apontar a existência da Jurisdição Voluntária Extrajudicial.
Filia-se à corrente Administrativista. Autor da última obra editada sobre a Jurisdição
Voluntária, datada de 2003, com linguajar não para os padrões da época, mas para estudiosos
de épocas anteriores. Sua forma de construir o texto lembra Lopes da Costa não se
preocupando em citar longos trechos no texto, mas sim de buscar o incômodo do tema
abordando as peculiaridades deste. Ele indica exemplos da Jurisdição Voluntária, critica a
nomenclatura, propõe nova classificação, mas também não propõe um novo nome.
Na introdução de sua obra Jurisdição Voluntária Moderna, Leonardo Greco já aponta
para a ausência de produção científica, na contemporaneidade, sobre o tema Jurisdição
54 Graduou-se em Ciências Jurídicas pela USP em 1967. Doutor em Direito também pela USP em 1973. Advogado, atualmente é professor Titular aposentado de Processo Civil pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ). Fonte: http://lattes.cnpq.br/3750883476226971. Acesso em 31 ago 2015.
98
Voluntária. Cita Lopes da Costa e José Frederico Marques como importantes debatedores do
tema indicando que as obras dos ditos autores foram produzidas há mais de quarenta anos da
edição de seu livro.
Ele tenta achar um porquê da falta de produção científica sobre o tema. Pergunta-se
se o tema já foi esgotado ou se pela maior parte da doutrina brasileira ser adepta à corrente
administrativista não haveria mais necessidade de discussão sobre o tema. E, conclui que
talvez a razão do desinteresse pela matéria se encontra na superficialidade com que o tema é
trabalho, aparentando que tudo sobre o assunto já foi revelado. Para este autor, o tema ainda
tem muito a revelar e a trabalhar.
Para comprovar a importância que ainda hoje têm os procedimentos de Jurisdição Voluntária, bastaria a simples constatação de que, em grandes cidades, alguns órgãos jurisdicionais têm o seu maior volume de trabalho exatamente composto de procedimentos graciosos, como as Varas de Família, de Registros Públicos, da Infância e Juventude. (GRECO, 2003, p. 8)
Greco percebe a importância do estudo da matéria frente a sua grande utilização no
sistema jurídico atual, contudo, ele persiste em aceitar ser a Jurisdição Voluntária uma
“matéria menor”, “que sobrevive como o patinho feio do Direito Processual Civil. (GRECO,
2003, p. 8). Interessante que ele percebe a importância da matéria e sua grandiosidade, mas
não aceita esta característica preferindo manter uma posição similar que a encontrada no
restante da doutrina brasileira.
A escrita de Leonardo Greco segue uma linha linear de pensamento por vezes
simples, por vezes complexa. Seu texto é conciso passando a impressão que deseja apenas
resgatar o debate sobre a Jurisdição Voluntária, não debatê-la em si. Ele cita vários autores,
nacionais e estrangeiros sem se preocupar em pôr citações no corpo do texto. Sua obra possui
160 páginas das quais apenas 41 são destinadas ao estudo da teoria da Jurisdição Voluntária.
O restante utiliza para explicar o passo-a-passo do desenvolvimento, no processo, deste tipo
de jurisdição e termina explicando os tipos de Jurisdição Voluntária presentes no CPC/73.
Greco é um dos poucos que percebe nitidamente a diferença entre a Jurisdição
Voluntária Judicial e a Jurisdição Voluntária Extrajudicial. Todavia, nesta obra, ele prefere
seguir a corrente administrativista. Perdeu-se a oportunidade de explorar um pouco mais a
Jurisdição Voluntária. A impressão que é passada é a de que ele visualizou além do que os
processualistas conseguem visualizar, mas não desenvolveu seu pensamento. Outro ponto de
99
interesse se dá com relação à sua obra. Ela quase não é citada nos artigos que se prestam a
tratar do tema. Quem lê só Greco terá uma bela introdução ao tema, já abrindo a visão para a
Jurisdição Voluntária Extrajudicial, mas o conhecimento para por aí.
No primeiro capítulo, ao tratar da noção de Jurisdição Voluntária, Greco inicia
trazendo seu próprio conceito:
Numa primeira aproximação, eu diria que a Jurisdição Voluntária é uma modalidade de atividade estatal ou judicial em que o órgão que a exerce tutela assistencialmente interesses particulares, concorrendo com o seu conhecimento ou com a sua vontade para o nascimento, a validade ou a eficácia de um ato da vida privada, para a formação, o desenvolvimento, a documentação ou a extinção de uma relação jurídica ou para a eficácia de uma situação fática ou jurídica. (GRECO, 2003, p. 11)
Note que ele fala em modalidade de atividade estatal ou judicial, logo infere-se que
ele aceita os dois tipos, tanto a Jurisdição Voluntária Judicial quanto a Extrajudicial. E,
acrescenta:
Há atos da vida privada das pessoas, situações fáticas ou relações jurídicas, que, independentemente da existência de uma lide, somente podem formar-se, modificar-se, documentar-se, extinguir-se ou produzir efeitos com a intervenção de uma autoridade estatal. (GRECO, 2003, p. 11)
Com esta descrição, Greco, mesmo sem citar diretamente, descreve a Jurisdição
Voluntária Extrajudicial. Cujo conceito poderia ser elaborado à partir dessa citação. A
exemplo a transferência da propriedade, mesmo que a compra e venda tenha que ser
concretizada na via judicial por existência de lide, enquanto não houver o registro da
propriedade em RGI não haverá transferência do imóvel. A propriedade só se constitui com o
registro. O mesmo ocorre para questões de estado da pessoa. Não importa o trânsito em
julgado de ações como divórcio, de tutela, curatela ou emancipação, enquanto não averbada
e/ou registra em RCPN não surtem efeitos contra terceiros, inclusive em procedimento
judicial.
Greco (2003, p.11) cita, assim como Lopes da Costa (1961, p. 66), que Guido
Zanobini, em 1918 já definiu o termo administração pública do direito privado55 na sua obra
Curso de Direito Administrativo. Porém em nota de rodapé diz que este jurista não foi o
primeiro a cunhar o termo e que seguiu os passos do alemão Hanel com sua obra de 1892.
55 Note que Zanobini não fala administração do interesse privado, mas do direito privado. Seriam coisas distintas ou interesse pode ser tratado como sinônimo de direito como manteve Greco e Lopes da Costa.
100
Desta forma desmistifica que a concepção administrativista da Jurisdição Voluntária nasceu
do embate de ideias entre Chiovenda e Carnelutti56.
Aponta ainda, que vários países, tentaram, através de seus sistemas legislativos
definir os limites entre a Jurisdição Voluntária e a Contenciosa, contudo sem êxito. O mais
próximo da distinção que se conseguia chegar é a dispensa de aplicação de alguns princípios
ou garantias gerais do processo, que mais tarde, de acordo com a concepção administrativista
seriam tratadas como características diferenciadoras desses tipos de Jurisdição. Refletindo
sobre a pretensa distinção, Greco explicita inúmeros procedimentos e se pergunta se estes
poderiam ser incluídos na Jurisdição Voluntária.
Novamente, Greco recebe um insight quando reflete sobre a possibilidade da
Jurisdição Contenciosa ser efetivada, de forma facultativa, pela Jurisdição Voluntária
Extrajudicial. Sua percepção é para o futuro com olhos que quem já conhece o sistema de
Registro Público, mas o autor prefere se conter mantendo a posição administrativista da
Jurisdição Voluntária.
Quando Greco toca do ponto abrangência da Jurisdição Voluntária, ele inicia por
Zanobini indicando seu conceito sobre a administração pública do direito privado:
(...) se concretiza em um conjunto de funções estatais que limitam a autonomia e a liberdade da vida jurídica privada, e que essa intervenção na vida privada encontra fundamento no perigo de eventuais contrastes entre o interesse privado e o interesse público. Essas atividades, originariamente exercidas por órgãos jurisdicionais ou legislativos, passaram modernamente a ser exercidas por três tipos de órgãos: órgãos jurisdicionais, órgãos administrativos subordinados à autoridade judiciária e órgãos administrativos independentes da autoridade judiciária. (GRECO, 2003, p. 12 e 13)
E conclui:
Pode-se falar, portanto, de alguma forma, numa jurisdição voluntária judicial e em outra extrajudicial, como o fazem Alcalá-Zamora, Lopes da Costa e Frederico Marques; numa judicial exercida pelos juízes e em outra exercida por serventuários da justiça. (GRECO, 2003, p.13) (grifo meu)
Percebe-se que Greco na décima terceira página de seu livro já cita a Jurisdição
Voluntária Extrajudicial sem precisar ter explicado o que seria Jurisdição e sua divisão entre
as concepções Administrativista e Jurisdicionalista. Por isso o livro deste autor é pouco citado
entre os textos sobre o tema. Porque a visão dele é para a realidade dos dias atuais. Podendo
56 Vale ressaltar que Zanobini, Chiovenda e Carnelutti nasceram em anos próximos e lecionaram na Universidade de Roma.
101
deduzir que ele já enxergava a desjudicialização que ocorre no CPC/15 onde procedimentos
de Jurisdição Contenciosa podem ser efetivados na Jurisdição Voluntária Extrajudicial.
A contextualização da citação de Greco deve ser feita no exercício da Jurisdição
Voluntária Extrajudicial pelos serventuários da justiça. Em 2003, quando o livro foi escrito,
poderiam haver, ainda, alguns serventuários da justiça na função de Notários e Registradores,
pois como a regra do concurso próprio para a carreira veio com a CRFB/88, alguns Estados
estavam organizando o concurso e os quadros. Porém hoje, não há que se falar em
serventuários da justiça, salvo casos excepcionais tais como o RE57. Há que se falar em
Titulares concursados que estão vinculados ao Tribunal de Justiça do Estado para o qual
prestaram concurso.
Já as concepções da Jurisdição Voluntária, Greco cita como Natureza Jurídica. É
apenas um outro nome para o mesmo. Indica que duas são as principais: a tradicional
encabeçada por Zanobini no direito administrativo e Chiovenda no direito processual, seguida
por Calamandrei, Zanzucchi, Pajardi, Guasp, Januzzi, Liebman, Lopes da Costa e Frederico
Marques. A segunda seria a corrente jurisdicional de Carnelutti, seguido por Micheli, Satta,
Denti, Monteleone, Pontes de Miranda, Edson Prata e Tesheiner. Mais a frente cita Fazzalari,
que considera a Jurisdição Voluntária um gênero próprio não sendo nem jurisdição, nem
administração, mas uma atividade do Estado de tutela do interesse privado através da
Administração ou do Poder Judiciário.
Após trabalhar as três concepções, Greco novamente chama à a atenção para os atos
de Jurisdição Voluntária submetidos a apreciação dos Tabeliães e Oficiais de Registro. Indica
que inicialmente as funções certificantes e os atos de documentação eram exercidos pelos
próprios juízes, mas com a evolução da sociedade e do ordenamento jurídico esses atos
passaram a ser efetuados pelos Titulares. Um bom exemplo é do reconhecimento de
paternidade. Antes de 1992 (L. 8.560), a paternidade só poderia ser reconhecida mediante
ação judicial, mesmo que fosse reconhecimento voluntário, ou seja, sem lide. Hoje, essa
certificação e documentação passou a ser de responsabilidade do Titular de RCPN, restante ao
juiz, apenas os casos de lide.
Com o incremento das relações, esses atos passaram à competência dos escrivães e tabeliães, sob a supervisão e fiscalização dos próprios juízes. Continuaram a ser atos
57 RE = Responsável pelo Expediente. Será um funcionário do Tribunal de Justiça ou da própria serventia que deve ocupar o cargo do Titular até que este seja provido por concurso público de provas e títulos.
102
praticados no interesse privado dos seus destinatários, e não no interesse do Estado, mas perderam o seu caráter jurisdicional, porque deixaram de ser atos praticados por autoridade independentes. (GRECO, 2003, p.20)
Quanto a esta passagem de Greco cabe algumas considerações: a supervisão e
fiscalização dos juízes se dá na forma da correição ordinária ou extraordinária e aplicação de
penalidades. O Notário ou Registrador não é subordinado ao juiz, tampouco é funcionário do
Tribunal de Justiça. Ele é um terceiro que recebe a delegação do Estado, através do
Corregedor Geral de Justiça do Tribunal de Justiça. E a perda do caráter jurisdicional ocorreu
porque o ato é efetivado fora do Judiciário, não pela característica da autoridade tendo em
vista que o Titular goza de independência funcional.
O terceiro ponto a considerar, ainda nesta passagem, é que o ato é praticado no
interesse primeiro, privado; secundariamente, do Estado. Quando se trata de Jurisdição
Voluntária essa afirmação é verdadeira, mas quando se trata de Jurisdição Voluntária
Extrajudicial ela deve ser relativizada porque o Estado tem interesse no ato realizado. Tanto o
é que do ato derivam inúmeras informações enviadas à vários órgãos estatais visando o
cruzamento de informações para atestar a veracidade do fato e a fabricação de estatísticas que
auxiliam na implementação de políticas públicas.
Greco sintetiza este tópico apontando que há espaço para cada natureza jurídica
(concepção) da Jurisdição Voluntária frente à autoridade no qual é exercida:
Em síntese, penso que a administração pública do Direito Privado, ou a jurisdição voluntária, é administrativa quando exercida por órgãos da administração pública sem as garantias de independência, impessoalidade e imparcialidade, jurisdicional quando exercida pelos juízes e por quaisquer órgãos judiciais ou extrajudiciais que as exerçam com as referidas garantias, e quase jurisdicional quando exercida por serventuários de justiça sob a direta disciplina e fiscalização dos juízes. (GRECO, 2003, p. 20)
Pela síntese de Greco, como o Notário e Registrador gozam de independência,
impessoalidade e imparcialidade, assim pela sua classificação seria órgão extrajudicial com
garantias que importaria na natureza de ato jurisdicional. Contudo, a conceituação da natureza
do ato como administrativo é que o melhor se encaixa na Jurisdição Voluntária Extrajudicial.
Apesar de afirmar que na Jurisdição Voluntária estão incluídas atividades ‘bastante’58
diversificadas que tornaria difícil a classificação dos procedimentos, Greco ensaia, como ele
mesmo denomina, uma classificação dos procedimentos, a cargo do juiz, baseada na natureza 58 Preferi manter a eloquência do autor para não perder a entonação.
103
da atividade, deixando de fora os procedimentos que ocorrem perante os serventuários e as
repartições administrativas. Classifica em seis espécies (GRECO, 2003, p.27 a 29): a)
Receptícios; b) Probatórios; c) Declaratórios; d) Constitutivos; e) Executórios e f)
Exclusivamente tutelares.
Após análise da obra de Greco passa a ser compreensível porque os autores que
buscam falar a Jurisdição Voluntária não citam sua obra. Primeiro, ele não segue a estrutura
quase “clássica” que todos os autores devem seguir, explicando, primeiro o que seria
jurisdição, depois o que seria Jurisdição Voluntária apresentando as três concepções. Contudo
é interessante notar que sua classificação sobre os atos também não é citado, mesmo que em
separado.
Outro fator que aparentemente impede a citação de Greco é que ele não explica o
passo a passo da jurisdição, ele simplesmente adentra na discussão e indica, logo no início da
obra a Jurisdição Voluntária Extrajudicial. Talvez sua obra esteja sendo mal compreendida
pois para entender a Jurisdição Voluntária Extrajudicial é preciso ter um conhecimento prévio
na matéria Registral e Notarial. Conhecimento este que não é compartilhado pela comunidade
jurídica pois esta disciplina, normalmente não se encontra na grade curricular dos cursos de
direito.
2.2 - Diferenciação entre a Jurisdição e outros Atos por quadros-comparativos: mais do mesmo.
Dentre as recorrências percebidas, inúmeros autores optam pela diferenciação entre
Ato Jurisdicional e Ato Legislativo, Ato Jurisdicional e Ato Administrativo, e por fim
Jurisdição Contenciosa de Jurisdição Voluntária para explicar o que é jurisdição e sua
diferenciação entre as modalidades contenciosa e voluntária.
Esses quadros comparativos tem sua origem na Teoria da Separação dos Três
Poderes de Montesquieu (MARQUES, 2000), (LOPES DA COSTA, 1961), (GRECO, 2003)
onde os doutrinadores tentam diferenciar os poderes Legislativos, Executivo e Judiciário para
desencaixar a Jurisdição Voluntária de qualquer desses poderes, deixando-a solta, sem uma
104
definição precisa criando terreno para surgir as três concepções da Jurisdição Voluntária
acima descritas.
Inicialmente, a intenção não seria trazer os quadros comparativos já que eles não
agregam conhecimento para o estudo da Jurisdição Voluntária Extrajudicial em si, apenas
para a Jurisdição Voluntária. Mas como este trabalho têm o cunho doutrinário de ensaiar
sobre o tema tratado e para entendê-lo deve-se compreender o que seria a própria Jurisdição
Voluntária, os quadros serão indicados, não havendo estudo profundo sobre cada um deles.
2.2.1 - Atividade Jurisdicional x Ato Legislativo:
Este é relativo à diferenciação de ato jurisdicional para ato legislativo do Poder
Legislativo ou até mesmo da função legislativa atípica do Poder Judiciário. Neste sentido
fazem o quadro comparativo seja na forma de quadro ou na explicação por parágrafos:
Carneiro (1980, p. 33 e 34), Lucena (1996, p. 45 a 51), Prata (1979, p. 111) e Greco (2010, p.
74-75).
Atividade Jurisdicional Ato Legislativo
Compõe uma lide pela aplicação da lei Edita regras de conduta gerais e abstratas
Tutela interesse concreto e individualizado Tutela interesses coletivos
Aplicação da lei é posterior ao Ato
Legislativo59
Direito objetivo é anterior a Atividade
Jurisdicional
Atividade de aplicação do direito
preexistente, mesmo nos casos de omissão
legal se invoca os costumes, a analogia e os
Atividade constitutiva que cria normas de
conduta
59 Carneiro (1980, p.33) cita Eduardo Couture dizendo que historicamente o Poder Judiciário era anterior ao Legislativo e que a origem do direito se dava no processo. Indica que hoje deve ser sustentado a jurisprudência como fonte do direito.
105
princípios gerais do direito60
Carneiro chama a atenção à possibilidade constitucional do Poder Judiciário agir na
forma de atividade legislativa61 posto não ser o caso de aplicação à direito concreto. Seria o
exemplo de Ação Direta de Inconstitucionalidade em que o STF julga lei em tese, declarando
ou não sua inconstitucionalidade62, constituindo uma atividade legislativa com vestes
jurisdicionais.
Lucena indica que apesar do sistema de distinção clássica onde o Legislativo elabora
normas gerais e abstratas objetivando regular as atividades das pessoas e órgãos públicos e o
Judiciário que atua a norma legal nos casos concretos, há que se apontar a evolução do
pensamento jurídico filosófico e hermenêutico, o qual duvidou da clara distinção acima
estabelecida, estabelecendo duas questões:
1ª) Nos casos de lacuna da lei, haveria criação do Direito pelo juiz, antes somente aplicador das normas positivas?
2ª) E aquele que interpreta a norma, limita-se a reproduzi-la ou lhe acresce lago de próprio e de novo? (LUCENA, 1996, p. 46)
Para ele, modernamente, há que se discorrer sobre a predominância da corrente
doutrinária que aceita da criação do Direito pelo magistrado quando há lacuna ou no caso de
interpretação por equidade. A criatividade judicial seria um fenômeno do século XX na
corrente da revolta contra o formalismo e o positivismo jurídico combatidos por Savigny. Cita
Amaral dos Santos que leciona no sentido do magistrado criar o Direito e não a norma.
2.2.2 - Atividade Jurisdicional x Atividade Administrativa
60 CPC/73, Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. 61 (CARNEIRO, 1980, p. 34)62 Lei 9.868/99 e CRFB/88, Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória
de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993.
106
Após superada a distinção entre a Atividade Jurisdicional e a Atividade Legislativa,
os autores esquematizam a diferenciação entre Atividade Jurisdicional e Atividade
Administrativa, seja por meio de quadros ou por explicações no texto. Esta distinção surge ao
tentar explicar que a Jurisdição Voluntária tem natureza Jurisdicional confrontando com a
corrente Administrativista. Agem desta forma: Carneiro (1980, p.34), Lucena (1996, p.109),
Greco (2010, p. 76-84) e Porto (1983, p. 84).
Atividade Jurisdicional Atividade Administrativa
Depende da Iniciativa da Parte Interessada
mediante a ação
Não depende de qualquer requerimento;
pode ocorrer de ofício
O juiz faz atuar a lei a uma pretensão63O administrador age conforme a lei
objetivando a promoção do bem comum
Pressupõe lide (ainda que virtual), pois há
interesses conflitantes e visa eliminar um
conflito
Não pressupõe lide, pois há interessados
É atividade substitutiva É atividade primária ou originária
Concretiza por um processo – atuação
processualConcretiza por procedimento
Produz coisa julgada material Não produz coisa julgada material
Há um terceiro imparcial- terzietá64 Não há um terceiro imparcial
Satisfaz o interesse do outro Satisfaz interesse próprio
2.2.3 - Jurisdição Contenciosa x Jurisdição Voluntária:
Fruto do estudo sistematizado pelos processualistas civis, em geral, desenvolveu-se o
clássico quadro comparativo entre a Jurisdição Voluntária e Contenciosa. Este existe por
conta da teoria Administrativista apontar a separação entre os atos de Jurisdição Contenciosa
e Voluntária indicando que o segundo é ato de mera administração. Se o CPC Brasileiro
adotasse a teoria de Carnelutti ou Fazzalari, talvez esse quadro perdesse a sua razão de existir.
63 Carneiro (1980, p.36) indica ser esta aplicação da lei à pretensão um objetivo em si mesmo. 64 Quer dizer o desinteresse pessoal na relação jurídica em que a sentença se operará.
107
Este quadro é descrito com exatos mesmo campos e texto em: Carneiro (1980, p. 41-
44) e (2007, p. 47), Lucena (1996, p. 90), Greco (2003, p. 22), Prata (1979, p. 101 a 105 e
109), Tesheiner (1992, p. 40), Greco (2010, p. 90-94) e Porto (1983, p. 84-85).
Jurisdição Contenciosa Jurisdição Voluntária
AtividadeJurisdicional,
Substitutiva
Administrativa,
não substitui a vontade
Tutela
Direitos subjetivos, públicos ou
privados, bem como o interesse
público mediante ação
Interesses Privados, visa proteger
os interesses legítimos
Critério Legalidade estritaNão observa a legalidade estrita
– CPC/73, art. 1.109
Princípios Imparcialidade e LegalidadeImparcialidade e Capacidade
processual
Causa/Pressuposto
Conflito de interesses; LideNegócio, Ato ou Providência
JurídicaDireitos Subjetivos Meros interesses
Partes
em sentido material e formal
pelo conflito de interesses com
pedido formulado
Sem partes em sentido material,
mantendo as partes em sentido
formal mas com contraditório
Estrutura
Em abstrato, por lei, para a
decisão pelo juiz, de uma lide
real ou presumida
Lide abstrata, declaração de
preenchimento dos requisitos
legais
Aspectos Subjetivos
Partes Contrapostas – inter nolentes
Interessados na tutela de mesmo interesse – inter volentes
Incidência Situações fáticas preexistentesCaráter constitutivo – relação
jurídica novaProteção Repressiva Preventiva
AtividadeAtividade judicial substitutiva da
vontade das partes
Interessados dependem da concorrência da vontade estatal
manifestada pelo juiz, sem a qual isoladamente não poderiam
alcançar o efeito jurídico almejado65
65 Com relação a parte isoladamente não alcançar o efeito jurídico almejado, esta deve ser contextualizada frente ao CPC/15 e ao fenômeno da desjudicialização. Em vários assuntos, cabe a parte escolher se ingressa ou não em juízo, pois o efeito jurídico pode ser almejado tanto de modo judicial quanto extrajudicial. O ideal seria que a parte final desta classificação fosse desconsiderada.
108
IniciativaPela ação no qual é formulada o
pedido do autor contra o réu
Simples requerimento indicando a providência judicial postulada.
A providência não é contra ninguém, mas apenas em favor
do requerente
ProcedimentosOs previstos em lei não são
exaustivosExpressa previsão legal
Maneira de Proceder
Através do processo sob o princípio do contraditório
Procedimento administrativo, com participação do Ministério Público, que permite eventual controvérsia sobre a melhor
maneira de administrar o negócio requerido
Pedido CondenaçãoAutorização, homologação, aprovação ou documentação
Sentença Produz coisa julgada material
Produz coisa julgada formal pela natureza da matéria, podendo ser
modificada em face de circunstâncias supervenientes
Recurso Ação Rescisória Ação Anulatória
Critério de Julgamento
Aplicação da estrita legalidade e do direito objetivo para dirimir o
conflito – juiz está adstrito ao pedido do autor
Pode ser utilizada a conveniência e oportunidade tendo em vista que o juiz está livre da estrita
legalidade conforme disposição legal
Eficácia do Provimento
Declarativa Constitutiva
2.3 – As Classificações dos Procedimentos de Jurisdição Voluntária: uma tentativa de
simplificação do Direito.
Grande parte dos autores levantados nesta bibliografia, além de conceituar a
Jurisdição e Jurisdição Voluntária comparando-as, classificam os procedimentos de Jurisdição
Voluntária. Apesar da reunião de características, eles não separam os procedimentos de
Jurisdição Voluntária Judicial da Extrajudicial, porém em seus exemplos as Jurisdições
Voluntárias Judicial e Extrajudicial são citadas.
109
Contudo, é compreensível que os autores, por serem processualistas, não façam a
distinção entre a Jurisdição Voluntária Judicial da Extrajudicial posto que esta diferenciação é
recente, estando, ainda em processo de consolidação frente ao estudo da matéria Registral e
Notarial, que no Brasil, se impulsiona após 1988 pela necessidade do concurso público de
provas e títulos para o ingresso na carreira.
As classificações abaixo estão presentes em Lopes da Costa (1961, p. 171 a 174) e
Lucena (1996, p. 76, 114 a 116) que traz as cinco classificações que existem atualmente.
Porém, o a construção do texto, buscou-se também as classificações em suas obras originais
para que se possa ter uma melhor transcrição do que cada autor pretendeu dizer.
2.3.1 - Athos Gusmão Carneiro e Guerra Filho:
Percebe-se que nesta primeira classificação, Carneiro (2007, p.48-49) e Guerra Filho
(1993, p.37) adotam, mas não seguem estritamente a classificação de Wach/Chiovenda. Eles
aceitam que as intervenções propostas sejam efetivadas pelo Judiciário tratando apenas da
Jurisdição Voluntária Judicial apesar de trazer exemplos da LRP que se efetivam pela
Jurisdição Voluntária Extrajudicial. Já Wach/Chiovenda percebem que as intervenções são
Estatais e não somente judiciais, podendo ser interpretadas, no sistema brasileiro, como
intervenções pela Jurisdição Voluntária Extrajudicial conforme os exemplos que serão abaixo
explorados.
a1) Intervenção do Estado na formação de sujeitos jurídicos – Chiovenda (2002, p.
28) e Wach (em LUCENA, 1996, p. 76), reconhecendo a constituição de pessoas jurídicas.
a2) Intervenção do Judiciário (CARNEIRO, 2007, p.48) na formação de sujeitos
jurídicos66, pois a personalidade jurídica nasce67 com o registro no órgão competente,
66 Interessante notar que se classifica como intervenção do Judiciário, mas os órgãos citados na intervenção não fazem parte do Judiciário. A Junta Comercial e o Registro Público são órgãos Extrajudiciais. O Ministério Público faz parte do Executivo e somente o TSE faz parte do Judiciário sendo um órgão deste (art. 92, V, CRFB/88)67 CC/02, Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
110
exemplificado pelas Juntas Comerciais68, RCPJ69 e pela intervenção do Ministério Público
com relação às fundações70. Quanto aos Partidos Políticos71, o registro é feito no RCPJ e no
TSE.
Interessante notar que Wach/Chiovenda traz a intervenção do Estado na formação de
sujeitos jurídicos, enquanto Carneiro traz a intervenção do Judiciário, porém, seus exemplos
são de órgãos Extrajudiciais que integram a estrutura do Estado, por isso, a nomenclatura de
Wach/Chiovenda é mais acertada.
E, para que os vários tipos de sujeitos jurídicos existente obtenham sua personalidade
jurídica, devem-se utilizar de órgãos extrajudiciais a fim de se constituir. A maioria desses
sujeitos se utiliza da Jurisdição Voluntária Extrajudicial através do RCPJ, restando para a
Junta comercial as sociedades empresárias e as anônimas, mesmo que simples.
b1) Intervenção na integração da capacidade jurídica – Chiovenda (2002, p. 28) e
Wach (em LUCENA, 1996, p. 76).
68 L. 8.934/94, Art. 32. O registro compreende:I - a matrícula e seu cancelamento: dos leiloeiros, tradutores públicos e intérpretes comerciais, trapicheiros
e administradores de armazéns-gerais;II - O arquivamento:a) dos documentos relativos à constituição, alteração, dissolução e extinção de firmas mercantis individuais,
sociedades mercantis e cooperativas;b) dos atos relativos a consórcio e grupo de sociedade de que trata a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de
1976;c) dos atos concernentes a empresas mercantis estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil;d) das declarações de microempresa;e) de atos ou documentos que, por determinação legal, sejam atribuídos ao Registro Público de Empresas
Mercantis e Atividades Afins ou daqueles que possam interessar ao empresário e às empresas mercantis;III - a autenticação dos instrumentos de escrituração das empresas mercantis registradas e dos agentes
auxiliares do comércio, na forma de lei própria.69 L. 6.015/73, Art. 114. No Registro Civil de Pessoas Jurídicas serão inscritos: I - os contratos, os atos constitutivos, o estatuto ou compromissos das sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, bem como o das fundações e das associações de utilidade pública; II - as sociedades civis que revestirem as formas estabelecidas nas leis comerciais, salvo as anônimas. III - os atos constitutivos e os estatutos dos partidos políticos. (Incluído pela Lei nº 9.096, de 1995) Parágrafo único. No mesmo cartório será feito o registro dos jornais, periódicos, oficinas impressoras, empresas de radiodifusão e agências de notícias a que se refere o art. 8º da Lei nº 5.250, de 9-2-1967.70 CC/02, arts. 62 a 69.71 Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:
§ 2º - Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.
111
b2) Intervenção do Judiciário na integração da capacidade jurídica das pessoas e no
status jurídico das pessoas (CARNEIRO, 2007, p.49)72:
Mais uma vez, Chiovenda não traz a expressão Judiciário ao contrário de Carneiro.
Nos exemplos de Chiovenda, a maioria dos atos podem ser efetivados pela Jurisdição
Voluntária Extrajudicial. Já Carneiro usa o sistema judicial e extrajudicial, exemplificando
pelos procedimentos de Jurisdição Voluntária presentes no CPC e na LRP sendo: nomeação,
remoção e dispensa de tutores e curadores pelo juiz (judicial), emancipação de menores sob
tutela (judicial), divórcio consensual (judicial ou extrajudicial), declarações de dúvidas
(extrajudicial), retificações nos registros públicos (extrajudicial), habilitações de casamento
(extrajudicial), interdição (judicial e extrajudicial), declaração de ausência, opção de
nacionalidade (judicial e/ou extrajudicial), colocação de menor em família substituta
(judicial)...
c1) Intervenção na formação do estado das Pessoas – Chiovenda (2002, p. 30) e
Wach (em LUCENA, 1996, p. 76): exemplifica com alguns dos procedimentos de Jurisdição
Voluntaria Extrajudicial no Brasil, mas que no texto dele percebe-se que eram efetivados
todos no Judicial, tais como: autorização de menor para contrair matrimônio (judicial),
celebração de casamento (extrajudicial), declaração de ausência (judicial), registro civil
(extrajudicial) e suas retificações (judicial ou extrajudicial), separação de corpos (judicial ou
extrajudicial). Lucena traz a especificação desses procedimentos concorrendo para a formação
ou documentação da formação do estado das pessoas, ressalvada a separação litigiosa entre os
cônjuges.
c2) Intervenção do Judiciário em Negócios Jurídicos73 (CARNEIRO, 2007, p. 49)
como na alienação ou oneração de bens de menores e incapazes dependente de autorização
judicial, sub-rogação de bens clausulados com inalienabilidade, alienação de quinhão comum;
de coisa comum, extinção de usufruto e fideicomisso, abertura, registro e confirmação de
testamento, arrecadação de bens de herança jacente; bens de ausente e de coisas vagas,
especialização de hipotecas legais...
72 Nem todos os exemplos trazidos, o Judiciário intervém, mas só naqueles que é de sua competência. No caso da emancipação pelo pais, esta é feita diretamente na Serventia de Notas e registrada na Serventia em que consta o nascimento do menor. Não há qualquer intervenção do Judiciário, nem sua necessidade. Alguns autores consideram a LRP como sendo o grande exemplo de Jurisdição Voluntária, já que nela, o procedimento é regra e a via judicial exceção. 73 Repito a mesma crítica feita ao item anterior.
112
d) Participação no Comércio Jurídico – Chiovenda (2002, p. 30) e Wach (em
LUCENA, 1996, p. 76), não seguido por Carneiro: que seriam um misto, hoje de Jurisdição
Contenciosa, Jurisdição Voluntária Judicial e Extrajudicial. Há atos que serão exercidos em
uma das três classificações de jurisdição, tais como: legalizações (judicial ou extrajudicial),
registros de hipoteca (extrajudicial), cadastro de patentes (extrajudicial), homologação de
concordata (judicial), recebimento de promessa de casamento (judicial ou extrajudicial),
adoção (judicial), renúncia de herança e aceitação (judicial ou extrajudicial), inventários
(judicial ou extrajudicial).
e) Conciliação – Chiovenda (2002, p. 30) e Wach (em LUCENA, 1996, p. 76), não
seguido por Carneiro: Chiovenda indica que na Itália, o Estado exerce a Jurisdição Voluntária
para prevenir lides, conciliando as partes através da conciliação. Na Jurisdição Voluntária
Extrajudicial, o titular da Serventia, por ser pacificador social do conflito tem a função de
conciliar os interesses das partes que procuram sua Serventia a fim de realizar um ato
extrajudicial. Ele deve informar e tentar conciliar visando prevenir um futuro conflito no
judicial.
2.3.2 – João Paulo Lucena:
Cita a classificação de Wash, seguido por Chiovenda, Carneiro e Guerra Filho e diz
que Moacyr Amaral dos Santos74 acrescenta mais dois itens:
d) Atos de participação no comércio jurídico indicando os vistos judiciais em
balanços e despachos do juiz nos processos de notificação ou interpelação judicial.
74 Não referencia qual o livro que a informação foi retirada.
113
e) Juízo de Conciliação sendo o presente no Processo Civil Brasileiro como o
preliminar da Audiência de Instrução e Julgamento bem como o presente no Processo
Trabalhista.
O mesmo ocorre quando Lucena (1996, p. 115) cita a classificação de Alcalá-
Zamora, não indicando o livro na qual tal foi retirada e não estando presente no texto deste
autor que é citado na bibliografia desta dissertação. Apesar de não se tratar de autor nacional,
preferiu-se manter essa classificação neste item, posto ser de interesse na pesquisa se
diferenciando das demais classificações trazidas.
a) Procedimentos que tratam de matéria preventiva, preparatória ou cautelar75, que
são os atos processuais que situam-se entre atos administrativos e atos processuais.
b) Os que têm por objetivo garantir a tramitação de expedientes, exemplificados na
autorização, homologação ou dação de fé pública para atos não jurisdicionais.
c) Aqueles que o julgador pode ser substituído por notários e registradores do estado
civil, de propriedades e corretores de comércio76.
2.3.3 - Frederico Marques e Lucena77,78:
Apesar dessa classificação ser originariamente de Giovanni Cristofolini como o texto
dele é de difícil acesso, porém existente79, grande parte dos autores fazem um apud na obra de
Frederico Marques (2000, p. 221). A cuja classificação se baseia na atividade que o juiz
desenvolve, ao invés de utilizar a finalidade ou objetivo do ato, divide os atos em:
75 Interessante esta classificação pois ela vai ao encontro das críticas e das posições de vários doutrinadores no assunto Jurisdição Voluntária. Durante muito tempo, o processo cautelar não possuía a característica de jurisdição. O mesmo ocorria, e ainda ocorre, para os atos preparatórios do processo e despachos.76 Assemelham-se as funções dos Notários e Registradores Brasileiros. 77 Nesta classificação, Lucena (1996, p. 115) fez um apud de Frederico Marques, assim, como vários autores o fazem, trazendo a impressão que leram este autor com a intenção de conhecer a posição do classificador. 78 Interessante notar que Cristofolini, em sua classificação, não traz atos tipicamente cartorários apesar de ser italiano e seu sistema registrário também ter base no Notariado Latino assim como o Brasil. 79 CRISTOFOLINI,Giovanni. Efficacia dei provvedimenti di giurisdizione volontaria emessi da giudice incompetente In: Studi di diritto processuale in onore di Giuseppe Chiovenda. Padova:CEDAM,1927 Dans : Studi di diritto processuale in onore di G. Chiovenda, 1927, p. 377-424
114
a) Atos Meramente Receptícios, no qual a função do órgão judiciário é
exclusivamente passiva, como a publicação de testamento particular, homologação de
emancipações concedidas pelo titular do pátrio poder;
b) Atos de Natureza Certificante, exemplificado pela legalização de livros comerciais
e vistos nos balanços.
c) Atos que consistem em verdadeiros pronunciamentos do Poder Judiciário, como
autorizações, homologações em geral, tentativa de conciliação entre os cônjuges.
2.3.4 - José Maria Tesheiner:
Tesheiner (1992 p. 54) também é citado por Lucena (1996, p. 116) como última
classificação sugerida para explicar os procedimentos de Jurisdição Voluntária.
a) Tutela de Pessoas Incertas – não há lide: Nascituro; Testamentos; Herança Jacente
e Coisas Vagas.
b) Tutela de Incapazes – de regra, não há lide: Pátrio Poder; Busca e Apreensão de
Incapaz; Família Substituta; Considerações sobre a Ação por Ato Infracional; Curatela;
Ausência; Alienação, arrendamento e oneração de imóveis de incapazes; Emancipação;
Casamento de Menores.
c) Tutela de Atos da Vida Privada pela participação do juiz nos exercícios das
faculdades jurídicas ou manifestações da capacidade de agir, bem como as atividades judiciais
dirigidas à documentação ou publicidade de fatos jurídicos – não há lide: Registros Públicos –
Cancelamento de protestos cambiais; Fundações; Casamento; Alienação de Imóveis de
Cônjuges e de Bens Dotais; Extinção de Usufruto e Fideicomisso; Protesto, Notificações e
Interpelações; Separação de Divórcio Consensuais; Separação de Corpos; Alienação de coisa
comum; Alienação de quinhão em coisa comum; Especialização de hipoteca legal; Alienação
de Bens depositados judicialmente.
115
d) Tutela da Prova de Fatos Jurídicos e Medidas Probatórias – não há lide:
Justificação; Produção antecipada de provas; exibição de documento ou coisa.
e) Benefício da Assistência Judiciária80 - não há lide quando se visa a suprimir a
incapacidade financeira do beneficiário da assistência judiciária.
Além das classificações trazidas por LUCENA, há que se mencionar as
classificações de:
2.3.5 - Leonardo Greco:
A classificação de Greco (2003, p.27 a 29) é citada por Theodoro Júnior (2011, p.
34), que são:
a) Receptícios: aqueles cuja atividade do juiz é de documentar, registrar ou
comunicar manifestações de vontade dos particulares sem precisar exercer a atividade
cognitiva ou decisória. Ex.: Protestos, Notificações e Interpelações. Contudo, Greco já acena
pela possibilidade dos meios extrajudiciais para constituir o devedor em mora (Protesto em
Protesto de Títulos e Notificação em RTD). Com esta possibilidade afirmando que sua
primeira classificação apresenta a falha da característica da Jurisdição Voluntária quanto a
impossibilidade de obtenção do efeito almejado por meio diverso da via judicial.
b) Probatórios: são aqueles onde a atividade do juiz é de adquirir uma prova com o
intuito de conservá-la, sem correlação imediata com qualquer pretensão de direito material.
Neste caso, para Greco, ocorre a mesma falha que no caso anterior, pois a prova pode ser
alcançada pela forma pública, leia-se escritura pública ou por declaração em escrito particular.
c) Declaratórios: nesses o juiz se limita a declarar a existência de uma relação ou
uma situação jurídica. Greco exemplifica com a extinção de usufruto, de fideicomisso e de
outros gravames. Vale ressaltar que esses atos declaratórios, atualmente, não precisam ser
80 Pela doutrina, a assistência judiciária, compreende a esta em sentido estrito e a jurídica. Judiciária seria a explicação dos meios e formas de resolver o conflito ou efetivar um negócio jurídico; é o aconselhamento. A jurídica seria a capacidade postulatória para ingressar em juízo.
116
declarados pelo juiz para surtirem efeitos. Basta que o interessado faça a prova do ato perante
o Titular no qual o imóvel se encontra registrado para que o gravame seja retirado. Ex.:
usufruto vitalício – basta o interessado levar a certidão de óbito de usufrutuário para que seja
levantado o gravame.
d) Constitutivos: Greco indica que são os mais numerosos sendo aqueles cuja
criação, modificação ou extinção de uma relação ou situação jurídica dependem da vontade
do juiz, de forma discricionária ou vinculada e dos requerentes ou interessados por meio de
autorizações, homologações e aprovações. Exemplifica com: emancipação (só para menores
com tutor, se for houver consenso dos pais é diretamente na Serventia), sub-rogação dos
gravames ou de bens inalienáveis, o arrendamento ou oneração de bens dotais e de incapazes,
a locação de coisa comum, a separação consensual (hoje facultativa a via judicial), os alvarás
para a venda de bens de incapazes, a interdição, a especialização de hipoteca legal, as dúvidas
e retificações do registro imobiliário81, aprovação de estatutos das fundações nas hipóteses dos
arts. 1.201 e 1.202, CPC, divórcio consensual e a conversão não contestada da separação em
divórcio (hoje facultativa a via judicial), homologação de transação sobre questão não posta
em juízo82, arrolamento (hoje cabe o inventário no extrajudicial), a homologação de penhor
legal, requerimento de assistência judiciária gratuita com base na L. 1.060/50.
Neste critério também é encontrada a falha presente no atos Receptícios e
Probatórios, pois vários dos exemplos acima mencionados podem ser celebrados sem a
necessidade da intervenção judicial, obtendo o mesmo efeito almejado que tivesse ingressado
em juízo. Essa transferência dos procedimentos judiciais para os extrajudiciais quando não há
lide representa uma evolução no ordenamento jurídico brasileiro, sendo inclusive um
movimento contrário ao fenômeno da judicialização em massa, como a judicialização da
política ou da saúde.
e) Executórios: onde o juiz deve exercer uma atividade prática que modifica o mundo
exterior, como nas alienações judiciais, na administração de coisa comum, na arrecadação da
herança jacente, na arrecadação dos bens do ausente e nas coisas vagas. Vale ressaltar que
todos os atos judiciais mencionados devem ser seguidos de atos extrajudiciais. Ex.: uma
pessoa considerada ausente vende seu bem imóvel. Se na matrícula do imóvel não tiver o
81 A rigor, este procedimento é de natureza administrativa perante o juiz com competência para Registro Público. Da decisão positiva ou negativa não obsta o ingresso no Judiciário.82 Se a transação foi feita por escritura pública, não necessita homologar.
117
gravame que há um processo de ausência em andamento, nada impede que o ausente disponha
de seu bem e o comprador obtenha a propriedade de boa-fé para si. O ato não terá nenhuma
mácula e será válido, mesmo que arrecadado entre os bens do ausente.
f) Exclusivamente tutelares: aqueles que visam proteger os interesses de pessoas em
situação de desamparo, como os incapazes, cofiando-a diretamente ao juiz que pode instaurar
os procedimentos de ofício para assegurar a efetividade do direito. São eles: nomeação ou
remoção de tutores e curadores, exibição de testamento, procedimentos do Estatuto da
Criança e do Adolescente e colocação em família substituta.
118
Capítulo III – Uma proposta sobre a Administração de Conflitos e Desjudicialização
pela Jurisdição Voluntária Extrajudicial: superando lacunas.
3.1 – Notas Introdutórias83:
Conforme já exposto nos capítulos anteriores, tentar explicar a Jurisdição Voluntária
já se torna uma tarefa difícil, explorar a Jurisdição Voluntária Extrajudicial é algo mais
exigente ainda. Porém, só o é posto que está sendo estudado pelo ângulo do Processo Civil e
não do Direito Administrativo ou do Direito Notarial e Registral, já que este último apresenta
peculiaridades tão particulares84 que as discussões presentes na Jurisdição Voluntária
Extrajudicial seria apenas mais uma das características sui generis da matéria.
Por isso, antes de analisar a Administração de Conflitos e a Desjudicialização pela
Jurisdição Voluntária Extrajudicial, é preciso compreender onde essa jurisdição é exercida, ou
seja, é preciso esmiuçar a Serventia Extrajudicial para que com o completo entendimento
deste “lugar da justiça” (DIP, 2011, p. 53) se possa extrair a noção da Jurisdição Voluntária
Extrajudicial exercida a fim de permitir que nela se administre conflitos de assuntos
desjudicializados.
Inicialmente pergunta-se: existe um Direito Registral e Notarial? Luiz Guilherme
Loureiro (2014b, p. 27-29) aponta haver duas correntes, uma no sentido positivo e outra no
sentido negativo85. Para esta dissertação é preferível seguir a corrente que prima pela
existência desse Direito pois ela é composta por uma generalidade de normas, princípios e
conteúdos, embora a heterogeneidade não interfira na unidade deste ramo. Esse mesmo
83 Neste capítulo não será feito um Tratado de Registro Público, por isso muitos aspectos da matéria podem não ser abordados. A intenção, neste momento é buscar compreender que a Jurisdição Voluntária Extrajudicial é a genuína Jurisdição Voluntária e não o inverso.84 Utilizo a expressão peculiaridades tão particulares, mesmo que se trate de um pleonasmo para dar ênfase ao tema tendo em vista que a maioria das classificações trazidas pelo Direito Notarial e Registral acabam por ingressar na terminologia de sui generis. 85 As correntes não serão exploradas posto que não é o objeto desta dissertação, sendo que a menção de sua existência já se presta ao entendimento.
119
fenômeno ocorre com relação à Jurisdição Voluntária, que na doutrina de Alcalá-Zamora
(1992) não impede de classificar como jurisdição86.
Assim, se ele existe como ramo do Direito, onde ele atua? Hoje o Direito Notarial e
Registral é o direito civil aplicado dentro de uma determinada realidade, como afirma Carlos
Fernando Brasil Chaves (2010). Mas não só este. Também nos outros ramos do Direito, como
o Processual Civil, o Penal, quiçá o trabalhista.
O nascimento da função de tabelião é apontado junto com a escrita pois havia a
necessidade de provas de alguns atos ou fatos da vida social87. Neste momento, a pessoa
habilitada a confeccionar o documento que serviria de prova era denominado de tabelião ou
notário. Essa pessoa que detinha a habilidade e o saber especializado teve sua função
evoluída, juntamente com a evolução da sociedade.
A Idade Média é tida como marco decisivo para a função notarial (PRATA, 1975, p.
182) pois neste momento ela ganhou algo do caráter jurisdicional, que mais tarde acarretaria
na mistura entre os conceitos de Jurisdição Voluntária e atividade administrativa. Mais foi em
Roma que a função tomou a notoriedade, sendo atribuído o texto de Marciano (L. 16, fr. 2) 88,
a confusão entre o Notário/Tabelião e a Jurisdição Voluntária, pois houve a permissão que nos
atos em que o juiz atuasse como notário, o ato poderia ser efetivado pelo último.
Mais tarde, dispensou-se, no direito intermédio, a interferência do juiz, bastando que o tabelião escrevesse as declarações dos interessados. Tais atos foram equiparados às confissões, seguindo-lhes a regra confessus pro judicato habetur. Tinham força executiva. O tabelião assim exercia jurisdição voluntária. (LOPES DA COSTA, 1961, p. 21)
Assim, foi instalado o primeiro grande problema: o notário exerce, ou não a
Jurisdição Voluntária? Essa dissertação defende que ele exerce a Jurisdição Voluntária
Extrajudicial, mas não no sentido pregado por Alcalá-Zamora (1992), que não seria nem
jurisdição, posto que não diz o direito através de decisão jurisdicional; nem voluntária tendo
86 Classificar como jurisdição ressalvando a crítica de que não é jurisdição. O que o autor pretendia era esclarecer que a heterogeneidade dos conteúdos, por si só não seria pressuposto para afastar um instituto de compor determinada classificação.87 Antes do conceito moderno de vida jurídica, nos primórdios, a vida social abarcava os aspectos hoje conhecidos como jurídicos. Assim, transações imobiliárias, de arrendamento, alugueis, e todas as formas de negócio jurídicos necessitam ter uma prova escrita e não apenas a oral. 88 Conforme: Guerra Filho (1993, p. 33), Greco (2010, p. 32), Prata (1975, p. 403) e (1979, p. 15-16), Lopes da Costa (1961, p. 20), Marques (2000, p. 147-149), Costa (2004, p. 167).
120
em vista que os atos são obrigatórios para que se formalize um ato ou negócio jurídico com
validade perante terceiros não participantes da formalização.
Frente ao Novo Código de Processo Civil (NCPC) já promulgado quando se
finalizou esta dissertação e em vias de sua entrada em vigor, a questão da Jurisdição
Voluntária ser ou não jurisdição retoma à discussão criando novos contornos posto que:
primeiro, o código manteve a nomenclatura Jurisdição Voluntária para alguns procedimentos;
segundo, agora a Jurisdição Voluntária faz coisa julgada material; terceiro, os procedimentos
que se utilizam desse tipo de jurisdição criam a estabilização da relação, não precisando que
sejam revisados pelo Judiciário, não havendo que se falar em inafastabilidade do Poder
Judiciário pela desnecessidade de seu uso; e quarto, o art. 3º, NCPC traz o princípio da
inafastabilidade da jurisdição que pode ser entendido como uma releitura ampliativa do
princípio constitucional da inafastabilidade do Poder Judiciário levando em conta que o
monopólio da justiça é Estatal e não Judicial.
E, pode-se definir a Jurisdição Voluntária Extrajudicial pelo conceito de Jurisdição
Voluntária de Frederico Marques (2000, p. 218), sem a necessidade de descontextualização do
conceito, pois além de ser administração pública de interesses privados (CHIOVENDA, 2002,
p.22), são atos de direito públicos que são praticados a pedido do interessado cujo órgão89 que
o realiza faz para reconhecer, verificar, autorizar, aprovar, constituir ou modificar relações
jurídicas.
Neste momento é perfeitamente cabível a indicação de Lopes da Costa (1961, p. 24),
que “Apesar de muitos séculos haverem decorrido após o famoso texto romano do Digesto, a
Jurisdição Voluntária é ainda uma coisa à procura de um nome”. Diga-se, não apenas a
procura de nome, mas de uma conceituação que não a limite, mas que envolva suas
peculiaridades pela heterogeneidade de seus conteúdos.
E, neste contexto da Jurisdição Voluntária Extrajudicial é que está ocorrendo a
desjudicialização (CAVALCANTI NETO, 2011, p.4) de questões ou que não precisam de
cunho decisório, ou que pacificadas sendo classificadas como velhas questões (PEDROSO,
2002), que já muito debatidas no judiciário, podem sair deste e ser exercida por uma esfera
não judicial, porém estatal. Essa desjudicialização é também uma forma de acesso à justiça
89 O autor traz o órgão como sendo judiciário. Nesta dissertação se estenderá a interpretação para órgão não judiciário, ou seja, a Serventia Extrajudicial.
121
relativa à questões amadurecidas que não necessitam da imposição estatal de rotulação de
uma parte vencedora e a outra vencida. Com a desjudicialização, ambas são vencedoras, posto
que resolveram seu conflito de forma madura e responsável, arcando com as consequências de
seus atos, sem a necessidade de imposição de vontade.
Logo, para se compreender a Jurisdição Voluntária Extrajudicial visualizando-a
como a verdadeira Jurisdição Voluntária que gera acesso à justiça através da jurisdição
propriamente dita, utilizando seu sentido de dizer o direito e não de decisão judicial, se faz
necessário a abordagem de dois pontos: a intervenção do Estado na vontade privada através
do exercício da função pública do Titular da Serventia e a indicação das formas como os
conflitos são administrados nestes lugares de justiça.
3.2 – Intervenção do Estado na vontade privada: um exercício de Função Pública pelo
Titular da Serventia (Notário ou Registrador):
De acordo com Diogo de Figueiredo (2009, p. 133)90 conforme as sociedades foram
se desenvolvendo surgiram demandas sociais e o Poder Público deveria oferecer certos
serviços de utilidade pública, além dos essenciais já oferecidos. Após a revolução industrial
essas demandas se tornaram maiores e mais exigentes reclamando por soluções para atender
as necessidades coletivas. Assim, no Estado Moderno, ele passa a atuar tanto por seus
próprios órgãos quanto por seus delegados, onde os serviços públicos interagem nos interesses
primários.
Desta forma, para o autor, essas necessidades coletivas só podem ser plenamente
satisfeitas se asseguradas ou assumidas pelo Poder Público, de forma que sua prestação seja
adequada, em condições de generalidade, continuidade e modicidade dos custos. E, afirma,
que no Brasil, os serviços públicos, bem como suas competências para prestá-lo são expressas
como função administrativa na CRFB/88, seja de forma explícita, seja de forma implícita.
(MOREIRA NETO, 2009, p. 474)
90 Não se exaurirá o que seja serviço público, mas mencionara-lo para situar que a função notarial e registral faz parte deste serviço.
122
O administrativista aponta que os serviços públicos devem obedecer a oito princípios
que será indicado seguido de sua contextualização com o serviço de registro público para
comprovar que o serviço é de natureza pública apesar de exercido por particular.
São: a) generalidade – deve ser universal e isonômico, por ser compulsório ele é
aplicado a todos podendo se utilizar da gratuidade91,92 para seu exercício; b) continuidade e
regularidade – deve ser permanente e regular, por isso os serviços registrais serão prestados de
modo adequado e eficiente em dias e horários estabelecidos pelo juiz competente93; c)
eficiência – melhor serviço com os menores custos que no registro público também pode ser
agregada a celeridade do serviço; d) atualidade – deve se adequar aos avanços tecnológicos,
como a informatização utilizada no sistema registral94; e) segurança – que é um atributo do ato
notarial95; f) cortesia – trato urbano pelo prestador de serviço96 que é um dever do Titular da
Serventia; g) modicidade – os preços devem conter o equilíbrio financeiro devendo custear o
serviço e beneficiar o usuário. Por esta razão as tabelas de emolumentos são elaboradas em
cada Estado para que contemplem a realidade econômica local.
Desta forma, pode-se deduzir que o Registro Público, dada sua importância por se
tratar de administração pública de interesse privado, derivada da necessidade coletiva, visando
gerenciar o banco de dados público (RODRIGUES, 2005, p.2) dos atos e fatos que fazem
nascer ou declarar um direito se trata de serviço público, de competência privativa para
legislar da União97, mas prestado pelo Estado, entregue na forma de delegação a um
91 Dentre os vários exemplos: LRP, Art. 30. Não serão cobrados emolumentos pelo registro civil de nascimento e pelo assento de óbito, bem como pela primeira certidão respectiva. § 1º Os reconhecidamente pobres estão isentos de pagamento de emolumentos pelas demais certidões extraídas pelo cartório de registro civil. § 2º O estado de pobreza será comprovado por declaração do próprio interessado ou a rogo, tratando-se de analfabeto, neste caso, acompanhada da assinatura de duas testemunhas. § 3º A falsidade da declaração ensejará a responsabilidade civil e criminal do interessado. 92 O não cumprimento desse ato gratuito enseja em extinção da delegação. LNR, Art. 39, VI.93 LNR, Art. 4º Os serviços notariais e de registro serão prestados, de modo eficiente e adequado, em dias e horários estabelecidos pelo juízo competente, atendidas as peculiaridades locais, em local de fácil acesso ao público e que ofereça segurança para o arquivamento de livros e documentos. § 1º O serviço de registro civil das pessoas naturais será prestado, também, nos sábados, domingos e feriados pelo sistema de plantão. § 2º O atendimento ao público será, no mínimo, de seis horas diárias.LRP, Art. 8º O serviço começará e terminará às mesmas horas em todos os dias úteis. Parágrafo único. O registro civil de pessoas naturais funcionará todos os dias, sem exceção.94 Permitindo maior partilha dos dados, facilitando as buscas no menor tempo possível. 95 LNR, art. 1º.96 LNR, Art. 30. São deveres dos notários e dos oficiais de registro: II - atender as partes com eficiência, urbanidade e presteza;97 CRFB/88, art. 22, XXV.
123
particular. É serviço público explícito no art. 236, CRFB/88. “Os serviços notariais e de
registro são de natureza compulsória, de caráter público, cuja prestação interessa a toda
sociedade.” (ARRUDA, 2008, p. 17)
Segundo Dip (2011, p. 22-24), o direito administrativo refere-se as relações jurídicas
de caráter público, em que a administração pública faça parte, mesmo quando este serviço é
prestado por pessoa diversa, que recebeu os poderes do Estado. Ele exemplifica com o Poder
Executivo, Judiciário e com a Jurisdição Voluntária, que também chama de Jurisdição
Administrativa, a qual está sendo percebida por esta dissertação que é a Jurisdição98 exercida
pelas Serventias.
Ainda que, postas à margem possíveis imbricações destes aspectos, se considere o registro público instituição, órgão, organismo de publicidade, função ou ato, é certo que o registro público, devotado à consecução de alguma forma de segurança jurídica, pode compreender-se no âmbito do conceito large sumpto de serviço público. (DIP, 2011, p. 25)
Por ser um serviço de natureza pública, mesmo que não faça parte dos Poderes do
Estado, nem da Administração Pública Direita ou Indireta, ainda sim é intervenção do Estado
nas relações sociais e pessoais, logo a ele, pode também ser aplicado, dentre seus princípios
próprios99, os presentes no art. 37, caput, CRFB/88, de acordo com Arruda (2008, p. 9) e
Chaves100, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
No tocante a Legalidade, a Serventia, em seus atos deve sempre obedecer a lei. A
legalidade se dá tanto em relação ao ato, quanto a sua competência. Desta forma, um
registrador de RCPN só pode registrar nascimento de criança nascida de pais que residem no
local onde sua competência foi determinada devendo atentar para os requisitos legais do ato,
98 Mantem-se a nomenclatura e suas críticas. 99 Não farei a discussão filosófica de princípio. Apenas apontarei os elencados por Chaves (2010, p. 23-39) que entendo ser aplicáveis tanto a Notas quanto a Registro apesar do autor indicar ser aplicado apenas a Notas. Loureiro (2014b, 4, 320-354 e 670-676) também traz sua classificação dos princípios contendo: princípio da fé-pública, da legalidade ou controle de legalidade, da formalidade/autoria/responsabilidade, justiça preventiva, imparcialidade e independência, rogação, unicidade do ato notarial, da segurança jurídica, e, conservação e publicidade. 1) Princípios Constitucionais afetos a Delegação de Notas e Registro – art. 236, CRFB/88: a) Princípio do exercício privado da delegação; b) Princípio da fiscalização da atividade; c) Princípio da Democratização do Ingresso/Concurso Público; 2) Princípios Contemporâneos: a) Princípio da prevenção de litígios ou acautelamento; b) Princípio da Segurança Digital; 3) Princípios Legais Extrínsecos (art. 1º, LNR e 1º, LRP): a) Princípio da Publicidade do Ato; b) Princípio da Autenticidade; c) Princípio da Segurança; d) Princípio da Eficácia; 4) Princípios Legais Intrínsecos: a) Princípio da autoria e responsabilidade; b) Princípio do controle de legalidade; c) Princípio da autonomia; d) Princípio da unicidade do ato; e) Princípio da conservação; f) Princípio do dever do exercício. 100 Ele abordou este tópico em sua aula ministrada no curso LFG, ano 2010, 2º semestre. Pela matéria notarial e registral conter a característica da transmissão do conhecimento pela oralidade e não somente por livros, achei interessante trazer essa posição para exemplificar o caso.
124
como a exemplo, a Declaração de Nascido Vivo (DNV) emitida pelo hospital. Ou no caso de
RGI, só pode registrar os imóveis no âmbito de sua competência101, devendo observar os
requisitos do ato como documentos a serem entregues junto com a escritura pública102. A
competência se assemelha a do juiz de direito quando recebe sua jurisdição.
Diversas são as normas aplicadas aos Registros Públicos. A primeira é a Constituição
Federal (CRFB/88)103, no art. 236 e no art. 32, ADCT, regulamentado pela Lei. 8.935/94. O
dispositivo constitucional é de aplicabilidade imediata e eficácia plena. Apesar de o serviço
ser público e entregue por delegação, ele é exercido em caráter privado, tendo, o Poder
Público, poder de fiscalizar o serviço através das Corregedorias vinculadas aos Tribunais de
Justiça de cada Estado. A competência para legislar sobre Registros Públicos é privativa da
União (art. 22, XXV, CRFB/88), porém a competência para decidir como proceder durante o
serviço é do Tribunal de Justiça estadual através da Corregedoria Geral de Justiça104.
Essa opção, pelo constituinte, retirou o exercício da delegação desta função do Poder
Judiciário105 entregando a um particular aprovado em concurso público especial para este fim,
o exercício privado de serviço público. A entrega do serviço público ao terceiro não retira a
natureza deste, sendo apenas uma opção estatal de não mais interferir diretamente por meio de
um de seus poderes. A intervenção sobre forma de administração pública de interesses
privados se mantém.
101 Tanto o RCPN, quanto o RGI trabalham com a competência geográfica-territorial, podendo, ser dividida por ruas, bairros, regiões e comarcas. Cabe a cada Estado dividir o espaço geográfico das Serventias não podendo uma invadir a competência da outra. 102 Não só a escritura pública é documento hábil a dar ingresso no registro. Há alguns escritos particulares como o contrato efetuado pala Caixa Econômica e o comprador relativo ao imóvel adquirido e hipoteca como garantia do pagamento; o documento público do PMCMV; o documento público que gerou o direito real de Habitação; pacto antenupcial; cédula de crédito rural, dentre outros. 103 Art. 236, CRFB/88 - Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. (Regulamento)
§ 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
§ 2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
§ 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.
Art. 32, ADCT - O disposto no art. 236 não se aplica aos serviços notariais e de registro que já tenham sido oficializados pelo Poder Público, respeitando-se o direito de seus servidores.104 Assim, pode ocorrer diferenças num mesmo ato. Ex.: tabela de custas que difere a cada Estado; num Estado X, precisa autenticar duas vias de um documento para o registro, no outro apenas uma via...105 Até a CRFB/88 havia a prova de escrivão, somente para os funcionários do quadro do Poder Judiciário. Quem passava nessa prova assumia os cartórios extrajudiciais, atuais Serventias, mantendo o vínculo de servidor público, continuando a ser remunerado pelos cofres públicos. Com relação aos emolumentos recebido, estes eram pagos em forma de GRERJ direto para o Estado. O Escrivão só tocava nos livros, não no dinheiro.
125
Recepcionada pela CRFB/88 se encontra a Lei 6.015/73 – Lei de Registros Públicos
(LRP), que dispõe sobre normas gerais afetas a qualquer serviço notarial ou registral e
específicas sobre RCPN, RCPJ, RTD e RGI. Essa lei buscou unificar os procedimentos e
dados públicos que estavam sendo exercitados por agentes esparsos. Assim, o Estado tem um
maior controle sob seus atos, concentrando a matéria numa lei específica.
Regulamentando as atividades do art. 236, CRFB/88, em 1994 foi criada a Lei
8.935/94 – Lei dos Notários e Registradores (LNR), que trouxe normas de aplicação geral a
todo serviço notarial e de registro, tais como: atribuições, norma de ingresso na atividade,
responsabilidade, incompatibilidades e impedimentos, infrações e penalidades, fiscalização e
extinção da delegação. Atualmente este regulamento norteia toda a atividade notarial e
registral juntamente com a LRP.
Em 1997 foi a vez do Protesto de Títulos ser regulamentado e implantado pela Lei
9.492/97 – Lei de Protestos de Títulos e outros Documentos de Dívida. Juntamente com a
LRP e LNR, esta lei norteia a Serventia de Protesto que hoje não é utilizada só para títulos ou
outros documentos de dívida, que se queira, por ato solene, comprovar a inadimplência de
dívida. Nele também é incluído certidão de Dívida Ativa pública, de suas autarquias e
fundações públicas. Atualmente, cabe, ainda, o protesto de sentença judicial por se tratar de
documento de dívida em forma de Título Executivo Judicial.
Como já foi falado, a remuneração do serviço se dá por meio de taxa. Com isso, a
Lei 10.169/00 vem regular o §2º, art. 236, CRFB/88 dispondo sobre normas gerais para a
fixação dos emolumentos, cabendo aos Estados organizarem seus serviços e sua tabela de
emolumentos106, sempre obedecendo às normas gerais enquadrando-os à realidade econômica
da região onde o serviço será exercido para manter o equilíbrio econômico-financeiro de
modo ao custo do serviço manter tanto o acesso à justiça pela via extrajudicial quanto a
Serventia em funcionamento.
Outra lei a ser seguida é o Código Civil (CC/02), que traz normas gerias, como os
requisitos de habilitação para casamento (art. 1.532, CC/02). Registro Público e Direito Civil
são matérias interlaçadas que não podem ser estudadas separadamente. Como diz Carlos
Fernando Brasil (2010), o Registro Público é o Direito Civil aplicado na realidade. É através 106 Emolumentos não se sujeitam ao princípio da anterioridade tributária, nem da noventena quando reajustados por valor indicado na lei de criação, a ex. IPC. Eles não representam majoração da taxa, senão teria que observar os princípios indicados, mas atualização do valor monetário.
126
do registro que o direito civil toma a forma tátil, se transformando num instrumento que o
titular do direito por levar consigo.
Além do Poder Legislativo, o CNJ107 emite resoluções que devem ser seguidas pelas
Serventias de Registro Público, bem como julga Procedimentos Administrados em relação a
questões dessa matéria. Ex.: Resolução 80/2009 CNJ: dispõe sobre a vacância dos serviços
ocupados em desacordo com as normas constitucionais vigentes; Resolução 81/2009 CNJ:
unificou a forma do concurso público para Outorga de Delegação a nível nacional e não mais
estadual, como até então ocorria; Resolução 35/2007 CNJ: disciplina a Lei 11.441/07 –
divórcio e inventário extrajudicial.
E, finalizando a legalidade, a Consolidação Normativa Extrajudicial Estadual ou
Normas Regulamentares, em que cada Estado elabora sua Consolidação de acordo com a
peculiaridade local dos serviços. Na Consolidação está presente tanto normas gerais, quanto
específicas para cada serviço. Ex.: na escritura de compra e venda quais os documentos
necessários ou qual selo será usado.
Para compreender a Impessoalidade aplicada ao Registro Público, deve-se lembrar
que o serviço, além de público é compulsório, assim, o Titular deve observar o princípio do
dever do exercício (CHAVES, 2010, p. 34) não podendo recusar, pura e simplesmente a
feitura do ato sem base legal108, sob pena de responsabilidade civil e administrativa. Por ser
107 Órgão criado para fiscalizar o Poder Judiciário, e também as Serventias Extrajudiciais: Art. 103-B, CRFB/88: § 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; 108 LRP, Art. 12. Nenhuma exigência fiscal, ou dívida, obstará a apresentação de um título e o seu lançamento do Protocolo com o respectivo número de ordem, nos casos em que dá precedência decorra prioridade de direitos para o apresentante. Parágrafo único. Independem de apontamento no Protocolo os títulos apresentados apenas para exame e cálculo dos respectivos emolumentos. Art. 20. No caso de recusa ou retardamento na expedição da certidão, o interessado poderá reclamar à autoridade competente, que aplicará, se for o caso, a pena disciplinar cabível. Parágrafo único. Para a verificação do retardamento, o oficial, logo que receber alguma petição, fornecerá à parte uma nota de entrega devidamente autenticada. Art. 47. Se o oficial do registro civil recusar fazer ou retardar qualquer registro, averbação ou anotação, bem como o fornecimento de certidão, as partes prejudicadas poderão queixar-se à autoridade judiciária, a qual, ouvindo o acusado, decidirá dentro de cinco (5) dias. § 1º Se for injusta a recusa ou injustificada a demora, o Juiz que tomar conhecimento do fato poderá impor ao oficial multa de um a dez salários mínimos da região, ordenando que, no prazo improrrogável de vinte e
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serviço público, a recusa deve ser motivada gerando um documento chamado Nota
Devolutiva109, a ser entregue à parte com a descrição do motivo para que esta proceda com a
verificação a fim de adequar ou não o título. Caso a parte não concorde com o Titular ela
poderá dar início a um procedimento administrativo110 que se passa no Judiciário, chamado de
Procedimento de Dúvida111.
Outro cuidado com a impessoalidade se dá com relação a função notarial de
pacificador de conflitos. Quando as partes procuram o Notário para realizar um divórcio ou
para qualquer ato que formalize juridicamente sua vontade, este deve atentar a necessidade
daquela, não a sua própria. Seu exercício é de função pública incompatível com o lucro. Logo,
se o conflito das partes resolve com o ato mais barato, assim o Notário deve proceder posto
que exerce a Jurisdição Voluntária Extrajudicial cuja principal caraterística é a prevenção de
conflitos.
Com relação à Moralidade, esta deve seguir não a moral comum ou interna do
Titular, mas a finalidade do interesse público (MOREIRA NETO, 2009, p. 105) de
administração pública de interesses privados. O fim é a intervenção estatal na esfera privada
visando a necessidade coletiva de ter seu interesse administrado. Exemplificando: no caso de
casamento entre pessoas do mesmo sexo, o Titular não pode se negar a receber a habilitação
de casamento com base em sua convicção pessoal posto que o fim é de interesse público, não
privado.
Também mantém a conduta moral do serviço, no momento que o Titular segue os
deveres a ele impostos pelo art. 30, LNR, posto que pratica a finalidade pública do serviço
quando: mantém os livros em lugar seguro e ordenado posto ser um depósito público de
informações, atende as partes de modo digno prestando-lhes as informações necessárias para
melhor desenvolver o serviço, mantém o sigilo de certas informações legalmente apontadas,
cobra o valor dos emolumentos descrito na tabela emitindo recibo de seus atos, observa o
quatro (24) horas, seja feito o registro, a averbação, a anotação ou fornecida certidão, sob pena de prisão de cinco (5) a vinte (20) dias.109 Para melhor compreender a Nota Devolutiva é só lembrar que o ato Notarial e Registral é vinculado, não cabendo a discricionariedade pelo Titular tendo em vista a compulsoriedade do serviço. Se cumpriu os requisitos legais, o ato deve ser feito, independente do Titular concordar com o acordado pelas partes. 110 Mais um caso de Jurisdição Voluntária Extrajudicial.111 Art. 198 e ss, LRP.
128
prazo dos atos, facilita o acesso à informação112, fiscalizando o recolhimento dos impostos
incidentes sobre os atos e outros.
A Publicidade113 é o fim da atividade notarial e registral cujos atos destinam a
garanti-la. A priori, todos os atos praticados nas Serventia Extrajudiciais são públicos
(CHAVES, 2010, p. 29), salvo os casos excepcionados em lei, pois a existência desses atos e
fatos jurídicos deve ser conhecidos por todos ou conhecíveis (CENEVIVA, 2006, p. 25 e
2008, p. 36-39) (LOUREIRO, 2014b, p.22). Após registrado o ato, ele fica disponível para o
conhecimento passando a ser obrigatória, a todos, pela oponibilidade erga omnes prevista em
lei.
Desta forma, para comprar um imóvel, o comprador deve pedir uma certidão114 de
ônus reais para saber quais ônus pairam sob o bem sob pena de não poder alegar
desconhecimento do fato. Esse, entre outros é o efeito da publicidade que “visa atribuir
segurança às relações jurídicas, permitindo a qualquer interessado que conheça o teor do
acervo das serventias notariais e registrais” (SOUZA, E. P. R., 2011, p. 22). Segundo
Loureiro (2014b, p. 23) essa publicidade deve se dar por meio de órgãos estatais
especializados regulados por lei destinador a dar a cognoscibilidade a todos os interessados,
sobre os fatos, atos e negócios jurídicos cujos efeitos repercutirão na esfera de terceiros.
Como último princípio do art. 37, caput, CRBF/88, se encontra a Eficiência que é
trazida em forma de característica da prestação do serviço presente no art. 4º, LNR115. Ela é
concretizada no atendimento ao público de no mínimo seis horas diárias, em local de fácil
acesso (incluindo acesso aos deficientes físicos) que ofereça segurança tanto as partes, quanto
ao acervo da Serventia, havendo plantão obrigatório para o RCPN nos sábados, domingos e
feriados, e pela celeridade quando o Titular cumpre os prazos previsto em lei.
112 Seja por certidões que podem ser requeridas por e-mail, telefone, com pagamento via transferência bancário, boleto, cartão de crédito (quanto a este último ainda paira crítica).113 O tema da publicidade registral e notarial ligada à fé pública é tão debatido que os livros dedicam grande número de páginas sobre o assunto. 114 Através da certidão há a publicidade formal de acordo com Souza (2011, p. 22). E, de acordo com a Lei 13.097/15, em seu artigo 54, traz o princípio da concentração dos atos na matrícula informando que o que não consta na matrícula não existe para efeito de oposição contra terceiros. 115 LNR, Art. 4º Os serviços notariais e de registro serão prestados, de modo eficiente e adequado, em dias e horários estabelecidos pelo juízo competente, atendidas as peculiaridades locais, em local de fácil acesso ao público e que ofereça segurança para o arquivamento de livros e documentos. § 1º O serviço de registro civil das pessoas naturais será prestado, também, nos sábados, domingos e feriados pelo sistema de plantão. § 2º O atendimento ao público será, no mínimo, de seis horas diárias.
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Objetivamente, é eficiente a conduta que permita, no menor prazo e com a melhor
qualidade, realizar a finalidade específica da função de notário e de registrador. Tratando-se,
porém, de serviço provido de fé pública, destinado a garantir relevantes atos de cidadania, o
interesse deve, ao valorar o caso concreto, vincular-se a conceitos como os de zelo, lealdade e
presteza, incluídos nos deveres que a lei lhe impõe. (CENEVIVA, 2006, p. 37)
Logo, como acima demostrado e optando pela natureza de serviço público sua
entrega para o particular aprovado em concurso de provas e títulos para este especial fim será
feita através da delegação116 de serviço público, cuja permissibilidade é apontada por Diogo
de Figueiredo (2009, p.33117), que neste caso específico é na modalidade constitucional (art.
236, CRFB/88) (DIP, 2011, p. 31) das funções de notas e registro.
Todavia, para ficar mais complexo, o nomen iuris do concurso de cartório é
Concurso de Outorga de Delegação. Diogo de Figueiredo (2009, p. 296) conceitua outorga
como um termo genérico para indicar a transferência de um direito e a delegação como a
transferência da execução de um direito. Neste caso, é transferido o direito das funções de
notas e registro juntamente com sua execução. E, apesar da transferência que acarreta no
exercício, em caráter privado, a natureza do serviço continua a ser pública (SOUZA, E. P. R.,
2011, p. 21) (ARRUDA, 2008, p. 16). Tanto que essa é uma delegação atípica não trabalhada
nos livros de Direito Administrativo.
Walter Ceneviva define essa delegação
(...) como um ato administrativo complexo (compreende desde o concurso público até a outorga118, enquanto meio criado pelo direito para permitir a atuação do interesse público através de prestador de serviço de caráter privado, habilitado para a prática do atos cuja competência decorre de lei. (CENEVIVA, 2006, p. 34 e 2008, p. 7)
Inicialmente, se o Titular exerce função pública (Notas e Registro) e caráter privado,
escolhido por concurso público de provas e títulos, nada mais natural do que imaginar que ele
seja um servidor público, mas não é porque ele não é remunerado pelos cofres públicos 116 Essa delegação só é perdida ou extinta quando ocorre um dos casos previstos nos arts. 35 e 39, LNR. Importante ressaltar que por se tratar de serviço público, a recusa no cumprimento dos atos gratuitos de registro de nascimento e de óbito pode ensejar na extinção da delegação. 117 Diogo de Figueiredo (2009, p. 32) conceitua delegação de funções como a “transferência, total ou parcial, com ou sem reserva, de atribuições constitucionais ou legais.” Contudo, essa delegação é constitucional de serviço público, que já foi pensado como sendo delegado, não como exercido pelo Poder Público e delegado posteriormente; como de fato já ocorreu quando o Poder Judiciário era o responsável pelas Serventias Extrajudiciais. 118 Documento (título) que dá poderes ao Titular para ingressar na serventia para iniciar ou continuar o serviço.
130
(LOUREIRO, 2014b, p. 3), mas pelos usuários do serviço, e também não se trata de serviço
honorífico, ou seja, nos casos que o servidor é não remunerado. Para Arruda (2008, p. 15), “os
cartórios não representam cargos públicos ou órgãos públicos, como pode parecer.”
Da mesma forma pensa Souza, E. P. R. (2011, p. 17) quando afirma: “Os
delegatários são particulares que, ao desempenhar funções que caberiam ao Estado,
colaboram com a administração pública, sem se enquadrar na definição de funcionário
público.” Semelhante visão possui Walter Ceneviva (2006, p. 31), “No direito brasileiro,
notário e registrador são agentes públicos (...)119 sem jamais atingirem, porém, a condição de
servidores públicos.”
Arruda (2008, p. 19) chama atenção para não confundir a delegação das Serventias
Extrajudiciais com o contrato de concessão de concessão de serviço público, posto que nesta
delegação não deve haver o objetivo de lucro; e são serviços públicos compulsórios, prestados
de forma exclusiva, cujos titulares são investidos pelo concurso público. E, conclui que em
regra não outro meio ou outra pessoa que possa prestar os serviços atribuídos as Serventias
Extrajudiciais, afastando a relação contratual com o usuário, surgindo a relação administrativa
de direito público.
E, mesmo que utilizasse a visão administrativista para classificar o Titular da
Serventia frente ao serviço público120, o conceito de servidores públicos lato sensu de Diogo
de Figueiredo (2009, p. 321) já seria o bastante para afastar tal classificação, posto que para
ele são os indivíduos que exercem serviço civil remunerado pela pessoas jurídicas de direito
público. Porém, eles podem ser classificados como agentes públicos, que para o
administrativista são: “(...) servidores públicos ou não, estão legalmente intitulados a exercer,
em nível decisório121, uma parcela ou aspecto do poder público, para tanto investidos de
competência especificamente definida pela legislação.” (MOREIRA NETO, 2009, p. 322)
Walter Ceneviva (2008, p. 7) e (2006, p. 20) segue a classificação de agente público.
Igualmente, Loureiro quando (2014b, p. 1) fala:
Os notários e registradores são agentes públicos, mas não são considerados funcionários públicos em sentido estrito. São particulares em colaboração com a
119 Esse trecho foi cortado porque fala do regime jurídico único da constituição que já sofreu mudanças e não será objeto de menção neste trabalho. 120 ADI 2.602/MG já decidiu que os notários e registradores não são servidores públicos. 121 Decisório administrativo frente a legalidade, não jurisdicional.
131
Administração, pessoas alheias ao aparelho estatal, mas que compõe uma terceira categoria de agentes públicos, ao lado dos agentes políticos e dos funcionários públicos.
Mais uma das peculiaridades desses agentes. Apesar de não serem servidores
públicos, são considerados funcionários públicos para fins penais (art. 327, Código Penal) e
autoridade coatora para fins de mandado de segurança (art. 1º, L. 12.016/09). Neste sentido se
encontra Souza, E. P. R. (2011, p. 18), Loureiro (2014b, p. 1): “Para fins de direito penal, por
outro lado, os tabeliães e registradores são considerados funcionários públicos em sentido
amplo.”
Diante do exposto, pode-se conceituar o Titular da Serventia, como um agente
público que presta serviço público, exercido em caráter privado por pessoa física na figura do
Titular, que tem CNPJ122, mas paga Imposto de Renda sob Pessoa Física, sendo o Titular o
polo ativo e passivo da demanda, e não o Cartório, apesar de sob ele incidir o art. 37, CF, que
é remunerado através de taxa e não é funcionário público.
O serviço registrário faz de seu Titular um delegado do Poder Público, com a possibilidade, nos limites da lei, de proceder, examinar, julgar, representar, resolver quanto se refira às questões que lhe sejam pertinentes. Afirma, pois, sua condição de prestador de serviço público, ou, melhor ainda, de agente público. Ele recebe, com a delegação, competência e autoridade para cumprir funções estatais que visam a realização de fins públicos. (CENEVIVA, 2008, p. 56)
E, como agente público prestador de serviço público, a este é entregue
responsabilidades, que em caso de dano123 ou prejuízo pode ser partilhada com o Estado,
porém neste caso específico, a explicação não é tão simples assim. Os Titulares das Serventias
responderam pelos danos que eles ou seus prepostos124,125 causarem a terceiros, usuários dos
serviços, na prática de atos próprios da Serventia, assegurando, direito de regresso do Titular
contra seu preposto no caso de dolo ou culpa deste.
122 Conter CNPJ não deve ser tomado como caraterística para qualificar a Serventia quanto a exercer serviço público ou não. A informação se manteve pela peculiaridade do instituto. 123 Significando, como sugere Ceneviva (2006, p. 172) “(...) perda patrimonial do atingido, a ser recomposta, na proporção do que este efetivamente perdeu.”124 Arts. 20 e 21, LNR: são os funcionários contratados pelo Titular da Serventia, para auxiliá-lo no serviço. Esses funcionários terão sua remuneração livremente ajustada com o Titular (podendo haver acordo coletivo da classe) sendo o vínculo empregatício, celetista. Além de cumprirem funções típicas, pode haver, os que cumprem funções atípicas, tais como faxineiros, serviço de informática, motoboy para retirar e entregar documentos e intimações, dentre outros. O Titular é responsável pelo pagamento de todas as verbas trabalhistas e previdenciárias desses prepostos, não cabendo responsabilidade ao Estado quanto a esses valores. 125 Art. 22, LNR: Os notários e oficiais de registro, temporários ou permanentes, responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, inclusive pelos relacionados a direitos e encargos trabalhistas, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos.
132
A dupla condição de agente público e de atuante em caráter privado suscita a persistência da responsabilidade do Estado pelos danos causados, como decorrência do disposto no art. 37, § 6º126, da Constituição. (CENEVIVA, 2006, p. 174 e 2008, p. 56)
Essa responsabilidade se dá quanto aos atos próprios da Serventia (CENEVIVA,
2006, p. 176 e 2008, p. 59), que são aqueles inerentes as funções legais do ofício, de
organização técnica e administrativa, atribuídos ao Titular do serviço, em que a lei
determinada que sejam desenvolvidos por este de forma privativa. E atos impróprios são
todos os demais estranhos a atividade, mas ocorridos na Serventia, como escorregar em chão
molhado. A responsabilidade demostrada neste ponto será com relação aos atos próprios. São
cinco esferas as espécies de responsabilidade: trabalhista, tributária, civil, criminal e
administrativa.
Quanto as trabalhistas (CENEVIVA, 2006, p. 171 e 2008, p. 63), são as decorrentes
de relação de empregos entre o Titular e seus prepostos. Apesar da Serventia possuir CNPJ
para seu funcionamento, ela não passa a ser pessoa jurídica, mas continua sendo uma pessoa
física atuando em nome do Estado por delegação de um serviço público específico, por isso
não possui personalidade jurídica própria porque é Estado (CENEVIVA, 2008, p. 60). A
prova da falta dessa personalidade jurídica é que o Titular só responde por seus atos próprios,
excluindo os atos de seu antecessor127, e sendo demandado, no judiciário, em nome próprio e
não por meio da Serventia.
Na responsabilidade tributária (CENEVIVA, 2006, p. 171), é seu dever fiscalizar o
recolhimento de impostos incidentes sobre os atos praticados128, e também os encargos fiscais
a que se submete129, tendo em vista que sob seus emolumentos incidem percentuais a ser
repassados como o do Tribunal de Justiça e de outros órgãos ou associações que participem
por meio de convênios com o Poder Público para o recebimento de renda130.
Quanto a responsabilidade administrativa (SOUZA, E. P. R., 2011, p. 31), as infrações
estão previstas no art. 31, LNR, quais sejam: inobservar as prescrições legais ou normativas;
126 Art. 37, § 6º, CRFB/88 - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Ceneviva (2006, p. 181) entende que as Serventias Extrajudiciais estão enquadrados no último caso. 127 “O novo titular sucede seu antecessor no tempo, mas não nas responsabilidade pregressas, salvo se persistir nos mesmos atos que lhe deram causa. (CENEVIVA, 2008, p. 63)128 Ex.: ITD, ITBI...129 EX.: recolhimento de INSS e FGTS de seus empregados. 130 Ex.: percentual da Santa Casa de Misericórdia, Fundo da Procuradoria, Fundo da Defensoria dentre outros.
133
praticar conduta atentatória às instituições notariais e de registro; cobrar indevida ou
excessivamente de emolumentos, ainda que sob a alegação de urgência; violar o sigilo
profissional; e, descumprir de quaisquer dos deveres descritos no art. 30, LNR.
Já a responsabilidade penal, será individualizada da civil, aplicando, no que couber, a
legislação relativa aos crimes contra a Administração Pública131, sendo a perda da delegação
como efeito secundário da pena (art. 92, I, CP) devidamente expresso e motivado na sentença
e, por se tratar de responsabilidade individualizada, o ato do preposto não é imputado ao
titular como ocorre na responsabilidade administrativa e civil. (SOUZA, E. P. R., 2011, p. 32)
(CENEVIVA, 2006, p. 172, 182 e 2008, p. 63) (ARRUDA, 2008, p. 86)
Com relação a responsabilidade civil (CENEVIVA, 2006, p. 172, 175, 182 e 2008, p.
63), (SOUZA, E. P. R., 2011, p. 34) (ARRUDA, 2008, p. 86) há várias discussões, inclusive
se a responsabilidade seria objetiva ou subjetiva. Sua concretização se dá por meio de pena
pecuniária correspondendo a uma garantia da paz social. A fim de se entender esse tipo de 131 1) Crimes cometidos pelo Titular ou preposto no Código Penal: a) Equiparação à Funcionário Público (art. 327, CP): o Titular é equiparado a funcionário público para efeitos penais e de Mandado de Segurança; b) Registro de Nascimento Inexistente (art. 241, CP): se cometido pelo registrador de pessoas naturais é crime próprio; c) Falsificação de Papéis Públicos (art. 293, I, CP): alterar selo utilizado para validar o ato ocorrido na Serventia. Essa conduta pode levar ao crime do art. 294 – petrechos da falsificação; d) Falsificação de Selo ou Sinal Público (art. 296, II, CP): falsificar o sinal público do Delegatário e se quem falsificou detinha a equiparação a funcionário público tem sua pena aumentada; e) Falsificação de Documento Público (art. 297, CP): os documentos emanados das Serventias são dotados de fé pública, logo públicos – art. 365, II, CPC. Ressalta-se que o testamento particular que se equipara a documento público; f) Falso Reconhecimento de Firma ou Letra (art. 300, CP): reconhecer como verdadeira a firma ou letra, em documento público ou particular, que não o seja; g) Peculato (art. 312, CP): apropriar-se do dinheiro destinado as verbas do Tribunal de Justiça e dos fundos, previsto no regimento de custas e emolumentos de cada Estado; h) Inserção de Dados Falsos em Sistema de Informações (art. 313-A, CP): inserir dados falsos, alterar ou excluir dados corretos nos sistemas de dados informatizados. Apesar de o artigo trazer o dado que o banco de dados é da Administração Pública, não se deve esquecer que a Delegação é serviço público exercido em caráter privado. Assim, e pelo princípio da publicidade, esse banco de dados é público; i) Extravio, sonegação ou inutilizarão de livro ou documento (art. 314, CP): esse crime converge com o princípio da conservação dos livros, pois o Titular é responsabilidade por manter os livros em ordem, e na Serventia, não podendo o livro sair desta sem ordem judicial; j) Concussão, Corrupção Passiva, Prevaricação e Exercício Funcional Ilegalmente Antecipado ou Prolongado (art. 316, 317, 319 e 324, CP): também aplicável as Serventias. 2) Crimes cometidos pelo Titular da Serventia na LRP: a) Art. 9º: nulidade do registro lavrado for das horas regulamentares que ensejará responsabilidade civil e criminal ao oficial que der causa a nulidade; b) Art. 21: menção de alterações que vierem a ocorrer posteriormente ao pedido da certidão, sob pena de responsabilidade civil e criminal ao oficial; c) Art. 47: recusa ou retardo em fazer registro, averbação ou anotação, bem como no fornecimento de certidão; d) Art. 49, § 2º: os oficiais de RCPN devem, nos primeiro oito dias de janeiro, abril, julho e outubro, remeterem o mapa dos nascimentos, casamentos e óbito ocorridos em sua Serventia no semestre anterior sob pena de multa sem prejuízo a ação penal que couber; e) Art. 100, § 5º: o oficial que não fizer as averbações em livros próprios sofrerá multa e suspensão do cargo. Em caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro, ficando, o oficial, sujeito a perda do cargo; f) Art. 108: os oficias respondem civil e criminalmente pela omissão ou atraso na remessa de comunicação a outras Serventias (comunicação para anotações); g) Art. 157: salvo quando agir de má-fé devidamente comprovada, o oficial não será responsável pelos danos decorrentes da anulação do registro ou averbação e pelo vício do documento ou papel, mas é responsabilidade pelos erros e vícios do registro. Isto ocorre porque o oficial é um receptor das informações trazidas pelas partes.
134
responsabilidade, o tema será visto por duas óticas: pela responsabilidade do Estado e pela
responsabilidade do Titular132.
Com relação a responsabilidade que o Estado133 possui frente ao serviço delegado, há
três correntes, todas utilizando o mesmo argumento do vínculo da delegação do Serviço
Público: a) Responsabilidade Objetiva do Estado (CENEVIVA, 2006, p. 174): as atividades
exercidas nas Serventias geram a responsabilidade objetiva do Estado, pois este responde
pelos atos de seus agentes, e como o Delegatário é agente público em colaboração pela
delegação, baseado na Teoria do Órgão, o Estado responderia neste caso, cabendo direito de
regresso contra o Titular da Serventia; b) Responsabilidade Subsidiária do Estado: a
responsabilidade seria objetiva do Titular da Serventia, sendo a responsabilidade do Estado
subsidiária pelo vínculo existente com o este. Por se tratar de serviço delegado, não há como
se imputar diretamente o Estado por eventual responsabilidade do serviço. c)
Responsabilidade Solidária do Estado (SOUZA, 2011, p. 37): a responsabilidade seria
solidária pelo vínculo ente o ente público e o privado que exerce a delegação.
No tocante ao Titular, a responsabilidade é sempre pessoal, não podendo responder
por ato de Delegatário anterior134. Ele se divide em duas correstes (ARRUDA, 2008, p. 88),
(SOUZA, E. P. R., 2011, p. 34): a) Responsabilidade Objetiva do Titular135: decorre da
redação da lei específica, reproduzindo a ideia do art. 37, § 6º e 236, § 1º, ambos da CRFB/88
e interpretação literal do art. 22, LNR. E por ser atividade exercida em delegação, a
responsabilidade é objetiva do Titular. Para a vítima não importa quem foi o responsável pelo
prejuízo, já que o verbo do artigo, responder refere-se tanto ao Titular quanto a seus
prepostos; b) Responsabilidade Subjetiva do Titular (art. 38, L. 9.492/97136): deve ser provado
o dolo ou a culpa do causador do dano, pois a responsabilidade objetiva do art. 37, § 6º,
CRFB é exclusiva da pessoa jurídica de direito público ou privado e o Titular da Serventia é
pessoa física. Já partindo deste pressuposto de que a lei específica regula a responsabilidade,
132 Como o assunto é tormentoso, não difícil encontrar petições iniciais demandando contra o Estado e o Titular da Serventia.133 Nas hipóteses de Serventias oficializadas, vagas ou danos decorrentes da fiscalização judiciária fica clara a responsabilidade objetiva do Estado.134 Informativo 319, STJ – Resp. 852.770-SP135 Existe uma corrente que diz que a responsabilidade é objetiva baseada na relação de consumo entre o Titular e o usuário do serviço. Note-se que essa explicação é incompatível com a natureza do serviço público compulsório prestado. (CENEVIVA, 2006 e 2008), (SOUZA, 2011), (ARRUDA, 2008). 136 Art. 38, L. 9492/97 - Os Tabeliães de Protesto de Títulos são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou Escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso. (grifo meu)
135
aplica-se o caso, a responsabilidade da Lei de Protesto137 por ser lei posterior (editada depois
da LRP e LNR) sobre o mesmo assunto, e para não haver diferença de tratamento entre os
Tabeliães de Protesto e os demais Notários e Registradores.
Constatada a prática desses atos, cuja responsabilidade reflete na seara civil, penal ou
administrativa, trabalhista ou tributária, aos Titulares será aplicada as seguintes penas,
assegurado amplo direito de defesa: repreensão; multa; suspensão por noventa dias,
prorrogável por mais trinta; perda da delegação, independentemente de haver ou não
responsabilidade do Estado incidindo no caso.
3.3 – Administração de conflito e Serventias Extrajudiciais: um panorama da prática
pelo olhar teórico.
Esse serviço público notarial e registral tem o fim de garantir a publicidade,
autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos138, administrando ou prevenindo
conflitos. Essa garantia, de acordo com Walter Ceneviva (2006, p. 25) se dá em face das
pessoas naturais e jurídicas, sejam as que buscam o serviço ou não e ao direito a que este
corresponde. Significa que o serviço delegado é responsável pelo ato de levará ao acesso à
justiça pela via extrajudicial. As garantias são denominadas atributos do ato.
(...) examina-se a função do notário139 como mediador do direito e agente da paz social, tratando especificamente da missão que possui de amparar os direitos fundamentais dos cidadãos. (...) a função notarial visualizada como uma atividade acautelatória de litígios, optando-se por uma visão mais moderna do direito, onde a justiça pode efetivar-se por diversas organizações jurídicas, com ênfase na atividade notarial. (COMASSETTO, 2002, p. 31)
Quando um interessado procura a Serventia para formalizar juridicamente sua
vontade, ele o faz exatamente baseado na garantia oferecida de que o ato será seguro, eficaz,
oponível contra terceiros, emitido por autoridade competente sem a necessidade de recorrer ao
Judiciário, dotado de fé pública. Ele o faz, com consciência ou não, buscando a tutela do
Estado pelo serviço público para que este administre seu interesse, já que nosso sistema 137 A redação dada pela Lei de Protesto resgatou o texto do art. 28, LRP. 138 Art. 1º, LNR.139 A função de pacificador de conflitos compete tanto ao notário, quanto ao registrador, como se defende nesta dissertação.
136
jurídico não permite, para alguns casos, que o interesse seja administrado pelas partes
interessadas no fato.
Essa garantia se faz necessária porque através do atos notariais e registrais são
atestados atos e fatos jurídicos que criam direitos e obrigações, podendo, inclusive, vincular
terceiros não presentes140 no momento da confecção do ato. Essa explicitação do direito no
papel pode vir a prevenir litígios, bem como prevenir que lides cheguem ao Judiciário. Por
isso o ato deve ter garantia para que possa dele se extrair seus efeitos. A administração de
conflitos se dá pela prevenção e quando este se instala pode haver uma composição que
culmina na feitura de um ato apto a pacificar o conflito.
Assim, a publicidade141 garante o ato seu amplo conhecimento, não podendo alegar
desconhecimento do fato visto ter se tornado público, podendo dele ser tomado conhecimento
através de editais142 publicados em jornais locais e no diário oficial e da certidão143 do ato, que
pode ser pedida por qualquer pessoa, mediante o pagamento do emolumento, sem a
necessidade de informar o motivo ou interesse desta, podendo ser emitida por meio eletrônico.
Publicar, enquanto serviço público, é a ação de lançar, para fins de divulgação geral, ato ou fato juridicamente relevante em livro ou papel oficial, indicando o agente que nele interfira (ou os agentes que interfiram), com referência ao direito ou ao bem da vida mencionado. (CENEVIVA, 2006, p. 25)
A autenticidade serve para confirmar que o ato foi emitido por autoridade
competente. No Registro Público este atributo cria uma presunção relativa da verdade que
valerá enquanto não for desafiada. Logo, se uma escritura não sofre uma ação de nulidade ela
valerá até que as partes emitam outro ato sobre o mesmo objeto. A autenticidade é necessária
tendo em vista os efeitos jurídicos produzidos pelo Registro Público, que são:
comprobatórios, constitutivos e publicitários (CENEVIVA, 2008, p. 6).
140 Ex.: um pai, portando sua certidão de casamento, documentos da esposa e DNV (declaração de nascido vivo) de seu filho, comparece no RCPN para fazer o registro de nascimento deste. Por ter os documentos mencionados ele pode proceder ao ato que também vinculará sua esposa, mesmo que não presente. 141 Algumas informações podem ser a exceção à publicidade como a troca do nome em caso de mudança de sexo, programa de proteção a testemunhas, adoção e etc., que estão presente na LRP.142 Para a habilitação de casamento, registro de bem de família, retificação administrativa de área, registro de Torrens. 143 LRP - Art. 17. Qualquer pessoa pode requerer certidão do registro sem informar ao oficial ou ao funcionário o motivo ou interesse do pedido. Parágrafo único. O acesso ou envio de informações aos registros públicos, quando forem realizados por meio da rede mundial de computadores (internet) deverão ser assinados com uso de certificado digital, que atenderá os requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP.
137
Já a segurança serve para libertar do risco, o ato. É a certeza quanto ao ato ter sido
emitido por autoridade competente, dentro da legalidade, tornando-o público e eficaz erga
omnes. E, a eficácia é a capacidade de produzir efeitos jurídicos fundamentada na segurança,
produzindo meios aptos a satisfazer o interesse jurídico da parte impedindo que terceiros
ofendam esse interesse, sem a necessidade da intervenção judicial para tanto. (CENEVIVA,
2006, p. 27)
Da mesma forma que, quando se realiza uma pesquisa empírica no Direito percebe-
se que os institutos na teoria são diversos do que se pratica, no Direito Notarial e Registral
não poderia ser diverso. A teoria apresenta um serviço público necessário, organizado, que
gera publicidade, eficaz, garantidor de segurança e autenticidade. Contudo, a prática e o olhar
comum144 levam a crer num outro cenário. Exatamente o oposto do teórico; quer dizer, o
serviço que gera lucro e não o serviço público compulsório.
E, quem seria o Titular da Serventia de quem tanto se fala? Ele é o detentor da
delegação recebida pelo Poder Público. Ele recebe um título145 que lhe é designado cuja
expressão envolve a responsabilidade atribuída ou designada pelo serviço correspondente, nas
palavras de Walter Ceneviva (2006, p. 41). O título de Notário ou Registrador são
semelhantes, onde as diferenças aparecem somente em relação aos serviços que lhes são
atribuídos.
O Registro Público é dividido em duas competências de poder, que são Notas e
Registros146. No serviço de Notas os Titulares são denominados de Notários ou Tabeliães.
Nele estão compreendidos do Tabelionato de Notas, de Protesto de Títulos e de Contratos
Marítimos147. No serviço de Registro, o Titular é chamado de Registrador ou Oficial, sendo
seu serviço compreendido no Oficio do Registro Civil de Pessoas Naturais e de Interdição e
Tutela (RCPN), Registro Civil de Pessoas Jurídicas (RCPJ), Registro Geral de Imóveis (RGI),
Registro de Títulos e Documentos (RTD), Registro de Distribuição (distribuidor). 144 Olhar comum no sentido do imaginário comum. Um olhar já provido de preconceito (pré-conceitos) que se nega a tentar ver o mesmo por outro ângulo, repetindo a informação rasa e tátil na superfície. Ou seja, o olhar do burocrático no sentido de entrave, engano, estelionato. 145 A própria expressão trazida por Walter Ceneviva não auxilia a tentativa de retirar do imaginário comum o status que o Titular possui. Em vários cargos se vê a expressão titular, porém, só no Registro Público ela indica a conotação negativa. Aparenta mais ser um título herdado ou entregue, como na época do império do que um título atribuído pelo Poder Público decorrente de uma função pública. A cultura trabalha em desfavor neste caso. 146 Art. 5º, LNR. 147 Em relação a esses dois últimos há uma divergência doutrinária se seriam Tabelionatos ou Registros vista que eles gozam das competências relativas tanto a Notas quanto a Registros, apesar de legalmente serem Tabelionatos.
138
Ambos Titulares recebem, por meio de lei148, o poder da fé pública149 que visam
garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia de seus atos jurídicos. Só pelos
poderes recebidos compreende-se que não se trata de qualquer pessoa a ser entregue o título.
Este representa poderes públicos ligados ao Poder Estatal. O Titular representa o Estado,
agindo em seu interesse, ao seja, administrando publicamente interesses privados150.
Os serviços notariais são definidos por Ceneviva (2006, p. 22) como uma atividade
do agente público que recebeu a delegação, podendo também ser exercido por autoridade
consular, autorizado pela lei para redigir, formalizar e autenticar, com seu atributo da fé
pública, instrumentos que contenham os atos jurídicos extrajudiciais do interesse dos
solicitantes.
Já os serviços de registro (CENEVIVA, 2006, p. 23) são os destinados a assentar151
títulos de interesse público ou privado, dando, em contrapartida, a garantia de oponibilidade
contra terceiros, publicidade, segurança, autenticidade e eficácia dos atos da vida civil em que
estão contidos. Esses títulos são numerus clausus, mas não restritos da Lei de Registros
Públicos (LRP). Podem estar presentes em leis ambientais, processuais, civis, ou na lei do
Programa Minha Casa Minha Vida (PMCM) que instituiu a Usucapião Administrativa.
São os Titulares acima que previnem o conflito, posto ser inerente a cada sociedade,
pois se há um grupo de pessoas convivendo, o conflito pode-se instalar. O problema está na
forma como se vê este conflito. Quando se tenta eliminá-lo, como no exemplo do
Judiciário152, na verdade cria outro conflito: o da insatisfação. Pela imposição da sentença
judicial, uma parte, tida por vencedora, sai satisfeita (ou não) pois teve sua pretensão deduzida
148 LNR - Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.149 Através da fé pública, reveste-se as relações jurídicas de certeza e estabilidade (COMASSETTO, 2002, p. 76). Para CENEVIVA (2006) é uma condição constitucionalmente atribuída ao Titular correspondendo a especial confiança atribuída, por lei, ao Titular, para que se declare ou faça determinado ato ou negócio, no exercício da função, com presunção de verdade, firmando a eficácia deste. Este tema é tão importante que há livros inteiros dedicados a ele. 150 Poder que é semelhante ao conceito de Jurisdição Voluntária trazido pelos adeptos da corrente administrativista.151 Colocar no assento, quer dizer, no livro próprio, por funcionário indicado pelo Titular, em texto redigido com formalística.152 Eliminação pela Jurisdição utilizando o conceito chiovendiano com o caráter substitutivo do juiz impondo um decisão pela aplicação da lei.
139
em juízo. A parte vencida sai insatisfeita por dois motivos: pela imposição da decisão que não
foi fruto de um acordo e pelo rótulo de vencido153.
Já quando se tenta administrar o conflito, não se quer negar sua existência, mas
aceitá-lo instando as partes conflitantes a assumir suas responsabilidades como ocupantes do
seio social cujas ações refletem neste meio. A administração pode se instalar após o conflito
já ter surgido, como no caso da conciliação, mediação e arbitragem ou antes do conflito,
prevenindo-o de forma a evitar que lides cheguem ao judiciário. Seria uma forma de se
precaver delimitando as responsabilidades e riscos das ações.
Essa prevenção da lide antes de ser levado, o conflito, ao Judiciário é exercida pela
Serventia Judicial com base em sua função de pacificador dos conflitos visando a prevenção
de litígios154. Cada Serventia Extrajudicial previne o conflito com um ou mais atos específicos
onde fica claro o direito e a obrigação de cada parte valendo, os efeitos do acordo, contra
terceiros não integrantes da relação jurídica originária.
Contudo, apesar da prevenção de litígios ressurgir juntamente com a denominada
crise no direito (COMASSETTO, 2002, p. 59 e 136), onde há uma sobrecarga de serviços
impostos ao Poder Judiciário, ela é anterior a este fenômeno se perfazendo numa
característica da atividade, posto que desde 1973, quando foi criada a LRP buscando a
unificação dos procedimentos já se delimitava o que seria ou não exercido pelo Judiciário
apontando as questões desjudicializadas155.
Enquanto o Judiciário conseguia entregar uma prestação judicial rápida, essa função
era pouco utilizada, chegando, inclusive, a ser esquecida. Porém, juntamente com a
judicialização de outras questões como saúde e política, há também o movimento de
fortalecimento da desjudicialização de questões que não necessitem de cunho decisório,
deixando para o Judiciário, questões difíceis, permitindo que as pessoas resolvam seus
conflitos de maneira pacífica, buscando outros meios, estatais ou não, de legitimação de
vontade jurídica.
153 Muitas vezes essa relação de vencedor e vencido vinculada a uma autoridade é o buscado pelas partes quando estas compõem uma sociedade infantilizada que não assumem os riscos e responsabilidades de suas escolhas preferindo que outrem decida sobre o caso.154 (COMASSETTO, 2002), (CENEVIVA, 2006 e 2008), (ARRUDA, 2008), (LOUREIRO, 2014b), (RIBEIRO, 2014, p.2 – Justiça Preventiva), (ANJOS, 2011, p.2), (ALVARENGA, 2007, p. 3).155 Quando nem se tocava neste tema.
140
O Estado delega a função de receber, conferir e transpor para seus livros declarações orais ou escritas sobre fatos jurídicos e negócios jurídicos dos interessados ou apresentantes. Feitos os registros, passam ao conhecimento de todos os que queiram ou devam ser informados a respeito, exceto os submetidos, por lei, ao sigilo. (CENEVIVA, 2008, p. 5)
O Notário ou Registrador exerce a função de agente de pacificação social, quando
acautela os direitos individuais, captando a vontade das partes, interpretando-a de acordo com
a lei, buscando uma forma de instrumentalização mais adequada para materializar o negócio
que as partes pretendem realizar, estabilizando as relações negociais. (COMASSETTO, 2002,
p. 62) e (ALBUQUERQUE, p. 11). O Titular fixa a certeza jurídica sem a necessidade do
litígio ser institucionalizado judicialmente.
Após introduzida a função de pacificador do conflito e apresentados esses serviços,
que mesmo inicialmente, já se confirma serem serviços públicos156, inclusive compulsórios157,
posto que sem esses atos extrajudiciais o direito são se consubstancia. Utilizando esses
serviços pode-se haver a administração dos interesses privados, conflitantes ou não, se dá na
seguinte forma abaixo descrito por tipo de competência/atribuição158.
No Tabelionato de Notas159 é livre, às partes, sua escolha, qualquer que seja o
domicílio destas ou o lugar da situação dos bens objeto do ato ou negócio. Nele os interesses
serão administrados pela formalização jurídica160 da(s) vontade(s) dos interessados no ato,
podendo, o Notário intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram
dar forma legal ou autenticidade. A intervenção é imparcial da forma de autorizar a redação
ou redigindo os instrumentos adequados para o fim que se persegue, conservando os originais
e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo. Ele pode ainda, autenticar fatos, e com
exclusividade lavrar161 escrituras e procurações, públicas; lavrar testamentos públicos e
aprovar os cerrados; lavrar atas notariais; reconhecer firmas e autenticar cópias.
156 Mesmo que este tema tenha sido explorado na seção anterior, é sempre bom frisar por conta da cultura de ser serviço privado gerador de lucro. Esta impressão é forte no imaginário leigo e jurídico que se fala em aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos serviço notarial e registral. 157 Sem seu exercício pela via da Jurisdição Voluntária Extrajudicial o direito não é entregue a parte interessada com eficácia erga omnes.158 Utilizando a mesma expressão contida na Lei de Notários e Registradores. 159 LNR - Art. 6º a 9º, LNR. 160 “A juridicidade da formalização só é admitida quando praticada como ato notarial isto é, escrita por profissional habilitado, em livros próprios, com pautas para escrita manual ou sem pauta, para impressão química ou mecânica, através de computador ou de outro meio, ou ainda, em folhas soltas, sempre de modo a preservar a intenção e a verdade da manifestação nela contida.” (CENEVIVA, 2006, p. 45).161 Descrever em livro próprio, utilizando da formalística do texto, extraindo-se, do ato, o translado a ser entregue as partes que tiveram seu interesse descrito no ato; que nada mais é do que a cópia da página do livro com as assinaturas das partes, do Titular constando o selo numerado de qual ato foi efetivado.
141
O exemplo mais conhecido de administração de conflitos pelo Tabelionato de Notas
se encontra no divórcio e inventário após a edição da Lei 11.441/07 que permitiu a
desjudicialização desses procedimentos em certas condições. Quando as partes procuram o
Tabelião para realizar o divórcio, não quer dizer que haja ausência de lide162, mas que elas
desejam que um mediador, diverso do juiz163 administre seu conflito, seja por conta da
celeridade, seja por outro motivo. O fato de haver interesses conflitantes não impede o ato
desde que o Titular consiga administrá-lo de forma que as partes se sintam satisfeitas pelo
resultado.
No Tabelionato de Contratos Marítimos164 há o exercício da função de Notas e de
Registro. Sua competência é regulada na Consolidação Normativa Extrajudicial de cada
Estado. Nele, os conflitos são administrados através da lavratura de atos, contratos e
instrumentos relativos a transações de embarcações a que as partes devam ou queiram dar
forma legal de escritura pública; registro de documentos da mesma natureza; reconhecimento
de firmas em documentos destinados a fins de direito marítimo; e expedição de traslados e
certidões.
Já o Tabelionato de Protesto de Título165, que também é um misto de Notas e
Registro se destina a administrar os conflitos com o protesto do título vencido e não pago na
data, bem como de sentença ou certidão de dívida ativa para provar o descumprimento da
obrigação constituindo o devedor em mora. Ao protocolizar166 o título, a parte devedora é 162 Nos outros meios alternativos de resolução de conflitos, as partes chegam com o conflito e pedem a resolução por meio diverso do Judicial. Porque na Jurisdição Voluntária Extrajudicial deve ser diferente? Porque as partes devem chegar já portando um acordo se exatamente a função do Titular é de pacificador social do conflito. 163 Independente, de ser o juiz ou o Titular o administrador do conflito, o procedimento de divórcio para ter seus efeitos jurídicos instaurados deve ser remetido à Serventia do 1º Ofício do RCPN da comarca onde foi dada a sentença, para que seja registrado em livro próprio e enviada comunicação ao Ofício onde foi realizado o casamento e o nascimento dos ex-cônjuges. 164 Art. 10, LNR.165 Lei 8.935/94 - Art. 11. Aos tabeliães de protesto de título compete privativamente: I - protocolar de imediato os documentos de dívida, para prova do descumprimento da obrigação; II - intimar os devedores dos títulos para aceitá-los, devolvê-los ou pagá-los, sob pena de protesto; III - receber o pagamento dos títulos protocolizados, dando quitação; IV - lavrar o protesto, registrando o ato em livro próprio, em microfilme ou sob outra forma de documentação; V - acatar o pedido de desistência do protesto formulado pelo apresentante; VI - averbar: a) o cancelamento do protesto; b) as alterações necessárias para atualização dos registros efetuados; VII - expedir certidões de atos e documentos que constem de seus registros e papéis. Parágrafo único. Havendo mais de um tabelião de protestos na mesma localidade, será obrigatória a prévia distribuição dos títulos.166 Todo documento ingressado na Serventia recebe um número de protocolo, compondo o livro de protocolo. Após este ato, será analisado o título em seu aspecto formal. Se a análise for positiva, dará início ao ato; se
142
intimada para pagar a dívida em três dias sob pena de protesto. Caso não seja paga a dívida, é
extraída a certidão de protesto, que pode ser utilizada como documento hábil para
fundamentar a petição inicial, no qual constará a dívida e a taxa do protesto, elevando,
licitamente o montante da dívida. E, o devedor tem seu nome negativado no sistema
SPC/SERASA, também de forma lícita.
Com relação aos registros, a maioria dos atos é composta de atos compulsórios, onde
se entendeu pela desnecessidade da intervenção judicial para sua efetivação, tendo em vista
que são atos tipicamente administrativos, sem cunho decisório. Novamente, pode-se
conceituar esses atos utilizando o mesmo conceito da Jurisdição Voluntária pela corrente
administrativista, ou seja, administração pública dos interesses privados.
Contudo, porque interessa ao Poder Público o conhecimento e administração desses
atos visto que desjudicializados167. Primeiro, o Serviço Notarial e Registral é de natureza
pública delegado a um particular que foi aprovado em concurso público de provas e títulos,
logo, apesar de entregue ao Titular a execução do serviço, ele não perde a natureza do poder
delegante, ou seja, natureza pública, tanto que Ricardo Dip (2011) fala em Direito
Administrativo Registral.
Segundo, são através dos serviços de registro que o Poder Público recebe estatísticas
sobre o número de nascimentos, casamentos e óbitos; sobre o números de imóveis existentes;
quantas pessoas jurídicas do tipo sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou
literárias, partidos políticos, bem como associações e fundações integram a sociedade; e
informações sobre a quantidade de penhores rurais, contratos de parcerias agrícolas ou
pecuárias, arrendamentos, caução de crédito pessoal e de dívida pública ou somente a
quantidade de instrumentos particulares em que as partes convencionaram para prova
obrigações de qualquer valor, inclusive, o registro da posse168.
negativa, o Titular informará qual foi o problema para que a parte sane-o e apresente novamente o título.167 Conceito será trabalhado mais à frente. Neste ponto deve ser lido no sentido de retirar da esfera do Poder Judiciário o ato. 168 Utilizado, também, como documento hábil para comprovar residência para fins de ligação de água, luz e gás nos imóveis.
143
Dos dados colhidos, são elaboradas estatística que servem de fundamento para a
implementação de políticas públicas, posto que as Serventias nada mais são do que um grande
banco de dados público169.
Assim, sendo um serviço de natureza pública, compulsória, de onde se extrai dados
estatísticos para a elaboração de políticas públicas, ele ainda pode ser utilizado para
administrar conflito. No RCPN170 são atribuídos os estados das pessoas, administrando
conflitos quando se registra a mudança de sexo, alteração do nome, averba divórcio, registra a
União Estável, uma emancipação, declara a ausência de alguém171, registra a opção de
nacionalidade. Nestes casos, administra-se o conflito pela prevenção dele entregando aos
cidadãos o status de seu estado para que ele possa praticar os atos da vida civil172.
No RCPJ, os conflitos são administrados também pela prevenção quando se registra
um ato e fazendo sua alteração. Essa última, para ser realizada deve atender o ato constitutivo
da sociedade proposta publicizando as informações. A existência legal173 da sociedade
atribuindo sua personalidade jurídica se dá com o registro dos atos constitutivos. Além das 169 Infelizmente, hoje, esse banco de dados se encontra difuso dificultando o acesso para os interessados. Contudo já se encontra em andamento um projeto de unificação dos dados das Serventias a nível nacional. Assim, quando o interessado comparece ao RGI para pedir um certidão de imóvel em nome de Fulano, a busca não será feita somente no acervo daquela Serventia solicitada, mas nos acervos de todas as Serventias do Brasil. Claro que se trata de um projeto ambicioso pelo país ter proporções continentais, mas é simples de se implementar tende em vista que toda a Serventia, atualmente, deve ser informatizada, incluindo seu acervo antigo, sendo uma norma a ser seguida sob pena. Assim que todas as Serventias estiverem informatizadas, busca cruzar seus dados. Bom, este já não se trata mais de um problema de direito, mas de informática. 170 Art. 29. Serão registrados no registro civil de pessoas naturais: I - os nascimentos; II - os casamentos; III - os óbitos; IV - as emancipações; V - as interdições; VI - as sentenças declaratórias de ausência; VII - as opções de nacionalidade; VIII - as sentenças que deferirem a legitimação adotiva. § 1º Serão averbados: a) as sentenças que decidirem a nulidade ou anulação do casamento, o desquite e o restabelecimento da sociedade conjugal; b) as sentenças que julgarem ilegítimos os filhos concebidos na constância do casamento e as que declararem a filiação legítima; c) os casamentos de que resultar a legitimação de filhos havidos ou concebidos anteriormente; d) os atos judiciais ou extrajudiciais de reconhecimento de filhos ilegítimos; e) as escrituras de adoção e os atos que a dissolverem; f) as alterações ou abreviaturas de nomes. § 2º É competente para a inscrição da opção de nacionalidade o cartório da residência do optante, ou de seus pais. Se forem residentes no estrangeiro, far-se-á o registro no Distrito Federal.171 Registro de ausência é efetuado após sentença judicial. 172 Sem a certidão de nascimento a criança não pode ser matriculada na escola. Esse é o exemplo mais simples da importância de se ter o registro, até porque, sem este a pessoa não existe para o Estado. 173 Art. 45, CC/02 e art. 119, LRP.
144
sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, partidos políticos, bem
como associações e fundações, é feito o registro de jornais, periódicos, oficinas impressoras,
empresas de radiofusão e agencia de notícias. Esses últimos caso não registrados serão
considerados clandestinos174.
Prevenção pela constituição e declaração de direitos e obrigações é a forma de
Administrar Conflitos pelo RTD, ocorrendo por meio de registro de: instrumentos
particulares, para a prova das obrigações convencionais de qualquer valor; penhor comum
sobre coisas móveis; caução de títulos de crédito pessoal e da dívida pública federal, estadual
ou municipal, ou de Bolsa ao portador; contrato de penhor de animais, não compreendido nas
disposições do art. 10 da Lei nº 492, de 30-8-1934; contrato de parceria agrícola ou pecuária;
mandado judicial de renovação do contrato de arrendamento para sua vigência, quer entre as
partes contratantes, quer em face de terceiros (art. 19, § 2º do Decreto nº 24.150, de 20-4-
1934); e, facultativo, de quaisquer documentos, para sua conservação, inclusive os emitidos
em língua estrangeira.
E, nos casos a seguir, ainda em RTD, a administração de conflitos se dá com a
constituição ou declaração de direito com fins exclusivos de surtir efeitos contra terceiros, o
qual sem o registro não valeria para: contratos de locação de prédios, sem prejuízo do
disposto do artigo 167, I, nº 3; documentos decorrentes de depósitos, ou de cauções feitos em
garantia de cumprimento de obrigações contratuais, ainda que em separado dos respectivos
instrumentos; cartas de fiança, em geral, feitas por instrumento particular, seja qual for a
natureza do compromisso por elas abonado; contratos de locação de serviços não atribuídos a
outras repartições; os contratos de compra e venda em prestações, com reserva de domínio ou
não, qualquer que seja a forma de que se revistam, os de alienação ou de promessas de venda
referentes a bens móveis e os de alienação fiduciária; todos os documentos de procedência
estrangeira, acompanhados das respectivas traduções, para produzirem efeitos em repartições
da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios ou em qualquer
instância, juízo ou tribunal; quitações, recibos e contratos de compra e venda de automóveis,
bem como o penhor destes, qualquer que seja a forma que revistam; atos administrativos
expedidos para cumprimento de decisões judiciais, sem trânsito em julgado, pelas quais for
determinada a entrega, pelas alfândegas e mesas de renda, de bens e mercadorias procedentes
174 O registro dos jornais, periódicos e demais é para fins de publicidade, não de censura. Em outras palavras, para saber que existe, quem é o responsável, onde funciona (art. 123, LRP).
145
do exterior; e, instrumentos de cessão de direitos e de créditos, de sub-rogação e de dação em
pagamento.
E, como se não bastasse, o RTD detém a função preventiva de conflito pela
Notificação Extrajudicial. Ela é semelhante a judicial, sendo utilizada para dar ciência a uma
parte ou interessado de um procedimento que corre perante uma Serventia, de um ato a ser
praticado por este, do descumprimento da obrigação avençada175, ou de qualquer ato ou fato
ocorrido ou em trânsito de ocorrência a que se queira dar fé pública do conhecimento, deste,
pela parte a que se notifica.
O RCPJ176 previne e administra conflitos quando, por meio de seus atos, a pessoa
jurídica adquire personalidade tornando pública sua existência. O registro que deve ser feito
no local da sede da sociedade177 e se esta constituir recursal, filial ou agência, o registro deve
ser feito na sede das subsequentes averbando-se na margem do registro principal178. Do
registro pode-se extrair quem são os sócios e sua responsabilidade, a denominação, objeto,
prazo da sociedade; dados necessários para se saber com quem se contrata179. Além das
sociedade civis que revestirem as formas estabelecidas nas leis comerciais, nele se registram:
os contratos, os atos constitutivos, o estatuto ou compromissos das sociedades civis,
religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, bem como o das fundações e das associações
de utilidade pública; os atos constitutivos e os estatutos dos partidos políticos; jornais,
periódicos, oficinas impressoras, empresas de radiodifusão e agências de notícias a que se
refere o art. 8º da Lei nº 5.250, de 9-2-1967.
Ofícios de Registro de Distribuição administram os conflitos pela informação. Em
cada comarca haverá, pelo menos um ofício distribuidor, que pode ser misto (judicial e
extrajudicial) ou separado. Para os Tabelionatos e Registros que não necessitam de prévia
distribuição, está será feita a posteriori do registro. Desta forma, para verificar se alguém
praticou um ato em qualquer ofício daquela comarca, basta retirar uma certidão no
distribuidor180. Essas informações também podem ser obtidas em cada Serventia Extrajudicial. 175 Sem prejuízo a competência de Protesto de Títulos.176 Art. 115, LRP.177 Art. 998, CC/02. 178 Art. 1.000, CC/02.179 Isto referindo-se a contratos de grande valor, não contratos pequenos. Porém nada impede que qualquer pessoa peça a certidão com a informação da sociedade, tendo em vista o caráter público do registro. 180 Ex.: quero saber se alguém fez um testamento – certidão na central de testamentos quando houver. Saber se alguém fez uma escritura pública, constituiu um mandatário via escritura pública, e outros – certidão no distribuidor.
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O Distribuidor serve apenas para facilitar o serviço, pois concentra todas as informações num
único lugar.
Quanto ao RGI181, a administração de conflitos se encontra na indicação sobre a
quem pertencem os direitos reais sobre bens imóveis para que se possa saber quem é o
verdadeiro proprietário na hora de contratar ou quem detém algum direito real que deve ser
respeitado mesmo com a mudança de propriedade. Nele, também se tem a informação dos
ônus sobre o imóvel, desde hipotecas até proibição de construção; bem como informações
sobre a emissão de debentures, cédulas de crédito rural e industrial, convenções de
condomínio, penhor de máquinas, convenções antenupciais, contratos de penhor rural.
Dentre os atos de administração praticados pelas Serventias como acima já descritos
se encontram nas funções de Registrar, que pode ser traduzido como escrever a informação
que está lhe sendo entregue ou declarada em livro próprio. Essa, após registrada recebe o
nome de Assento/Termo Inicial/Registro Inicial, que é o primeiro registro ocorrido quando o
documento ingressa na serventia. A função de manter se refere a atualizar as informações dos
registros de acordo com as mudanças ocorridas, que pode se dar por meio da averbação182 ou
anotação183.
Também a função de guardar, que quer dizer arquivar fisicamente os documentos
apresentados para o ato, em pasta própria, e os livros da Serventia, pois a Serventia é um
grande banco de dados público acessível a todos através da função de dar publicidade por
meio de certidões (exteriorização/espelho do registro) e da comunicação aos órgãos públicos.
A certidão é um extrato das informações constantes no registro, ressalvada as hipóteses de
sigilo legal184.
Diante do exposto exemplificado os atos de administração de conflitos pelas
Serventias Extrajudiciais, passa-se a entender os efeitos (CENEVIVA, 2008, p. 6) do Registro
Público como forma de firmar convicção, não só frente a ser uma função pública, mas a ser
exercente da Jurisdição Voluntária Extrajudicial. Assim, são seus efeitos: a) constitutivos –
181 Arts. 167 e ss, LRP. 182 Apor no livro as modificações ocorridas em qualquer alteração no estado da pessoa, no conteúdo do registro, sendo feita baseada em documento emanado pela Serventia, pelo juiz de direito ou se outro documento após manifestação do Ministério Público. Ex.: divórcio, alteração de nome, alteração na sociedade, mudança na denominação de prédios ou logradouro, dentre outros. 183 Interliga os registros. Ex.: na certidão de nascimento deve constar a anotação do casamento.184 Adoção, alteração de nome em programa de proteção à testemunha e outros.
147
constituindo uma relação jurídica para que surta efeitos contra terceiros sendo este o efeito
primordial da Jurisdição Voluntária – sem o registro o direito não nasce; b) comprobatórios –
derivado da fé pública e da oponibilidade erga omnes dos atos é meio de prova atestando o
ato ou fato vinculado no documento pela sua existência e veracidade; e c) publicitários – por
ser serviço público e se tratar de um bando de dados público, sua informação é pública,
ressalvado os casos de sigilo legal.
3.4 – Desjudicialização na Jurisdição Voluntária Extrajudicial como forma de acesso à justiça.
Já se tornou lugar comum que o Judiciário brasileiro não comporta todas as
demandas que nele são propostas185,186 seja por falta de servidores ou por falta de juízes, ou
ainda porque as partes não querem chegar a um acordo visando um processo longo e
cansativo a fim de que um dos lados desista de seu direito. As tentativas de desenvolver juízos
e varas especializadas, como no caso do juizado especial, trouxe uma demanda reprimida à
toa criando o movimento inverso do pretendido: ao invés de diminuir o número de ações,
houve uma explosão de ações típicas de juizado especial aumentando ainda mais o número de
demandas ingressantes no sistema.
Juntamente com a especialização das Varas há o fenômeno da judicialização
excessiva. A cultura brasileira é judiciária. Os conflitos não tentam ser resolvidos de forma
extrajudicial e quando uma das partes propõe sua resolução por outras formas logo é criticado.
Se ao invés do consumidor ingressar imediatamente no judiciário, ele entrasse em contato
com a empresa que lhe gerou um dano, haveria uma chance de seu problema ser resolvido
extrajudicialmente. Porém, os próprios advogados indicam que a tentativa de resolução fora
do Judiciário é perda de tempo187.
185 Dados estatísticos no CNJ em números http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros; 186 Desde os anos 60/70 que se assiste a uma reconfiguração do sistema de resolução de litígios em função de duas pressões convergentes, mas por vezes contraditórias: uma interna ao sistema judicial de desjudicialização devido à sobrecarga dos tribunais e à sua incapacidade de responder à crescente procura. PEDROSO (2002, p. 31), Ribeiro (2014, p.1), (SOUZA L. A. R., 2011, p.1), (CESSETTI, 2013, p.2 e 4)187 O problema passa a ser também do advogado, que “doutrinado” na universidade a ingressar com excessivas demandas. Seu aconselhamento é: entre com uma ação que vamos ganhar um dano moral. Ora, com esta atitude, outro problema surge: a banalização do dano moral. Assim, tem-se a cultura da judicialização em massa, do advogado despreparado para resolver o conflito por outros meios e do dano moral em excesso.
148
Aliado a este cenário já comprometedor, há a figura do juiz como soberano das
relações conflituosas. Ao contrário de outros países, no Brasil, o magistrado possui um papel
de elevado valor social, coercitivo, de respeito e de exemplo. Sim, o que o juiz decide deve
ser cumprido, porém em terras tupiniquins vira lei. A exacerbada idolatria da figura do juiz
gera uma sociedade infantilizada. Tudo o juiz deve decidir, desde questões banais até as mais
difíceis. (MAUS, 2000, p.185)
Essa cultura jurídica infantilizada só serve para aumentar o volume de ações no
Judiciário que acarreta exatamente o contrário do que se pretende. Em algumas varas chega a
ser humanamente impossível manter o acervo processual em dia (DUARTE, 2010, p.4). Da
infantilização, que gera um excesso de serviço se desdobra na figura do juiz sentenciante.
Estabelecem-se metas de sentenças de procedência e improcedência a fim de viabilizar o
serviço, que prezam pela quantidade não qualidade.
Seria algo como “tapar o sol com a peneira” pois das sentenças de improcedência,
haverá um dado número de recursos onde os processos de primeiro grau serão transferidos
para o segundo grau, mantendo-se o problema: a causa não é devidamente julgada.
E, o sistema judicial, com grande acúmulo de serviços passa a trabalhar em força
máxima, não oferecendo a devida atenção a cada processo, que é único, assim como cada
cidadão que ingressa com sua demanda. Não ter sua a petição inicial ou contestação lida é fato
corriqueiro que pode ser provado quando advogados inserem no corpo de suas petições
receitas, músicas passando despercebidos por quem seria responsável por estes.
O que o Judiciário devolve com o julgamento do processo não satisfaz os anseios de
quem ingressa com a demanda188. As partes querem que seu direito seja apreciado, que haja
uma composição, um cuidado do magistrado em cada processo. Como a estrutura do
Judiciário não pode oferecer o zelo de plano, a comunidade jurídica e legislativa buscam
meios de melhorar a prestação jurisdicional.
Contudo, falta a cultura, no brasileiro, de resolver seus conflitos de forma alternativa.
Falta a boa vontade de conversar buscando a solução do conflito, não do problema. No
imaginário comum, é mais fácil ter alguém que decida por ele do que assumir a
188 Anseios que não são o de ganhar ou perder, mas de ter sua petição lida.
149
responsabilidade de suas próprias decisões, até porque se algo for decidido contrariamente a
uma das partes envolvidas, há quem culpar. E, para as advogados, também é mais fácil deixar
a decisão para o juiz, porque ele não precisará desprender forças para resolver o conflito. Seu
trabalho só será de recorrer da decisão, e para isso há os modelos de recursos189.
Conjuntamente a todo o despreparo e falta de maturidade da sociedade em resolver
seu conflito, existe, ainda, outra cultura: apenas o que leva a assinatura do juiz vale.
Judicializa-se todas as situações porque sem a decisão do juiz, os indivíduos não cumprem o
acordo, ou simplesmente não sabem o que acordar, nem o que cumprir. Assemelha-se a uma
relação de dependência da figura do juiz.
Neste cenário, o Judiciário faz sua parte promovendo multidões, designando juízes
auxiliares, a comunidade jurídica buscam outras soluções como o NCPC aprovado, e alguns
juristas indicam outras formas de resolução de conflito tentando deixar para o judiciário
somente as questões difíceis. Uma das doutrinas mais estudadas neste assunto é Cappelletti,
no seu projeto de Florença, que já sinalizava a necessidade de solucionar conflitos por formas
não jurisdicionais. Os chamados Alternative Dispute Resolution (ADR/MASC190) ganharam
força na doutrina norte-americana e hoje se espalham no mundo jurídico como um dos
exemplos que resolver os conflitos fora do judicial.
Para Cappelletti a concepção contextual do direito é o resultado do enfoque do
acesso à justiça, que se caracteriza como um movimento de reforma. Superando as
dificuldades e obstáculos que este autor descreve no projeto Florença gera o primeiro acesso à
justiça. Contudo, apesar do acesso à justiça pelo judiciário estar assegurado, há casos que o
processo litigioso em juízo, de forma tradicional, não se mostra o melhor caminho para
efetivar o direito pretendido.
Explorando a via de mecanismo diverso do judicial, mas que gere um acesso à justiça
que o autor acima citado indica a conciliação, mediação e arbitragem que foi explorado no
volume dois de seu projeto Florentino. Ele e o Prof. Bryant Garth denominam este movimento
de busca por meios alternativos de resolução de conflitos como integrante da terceira onda no
movimento de acesso à justiça. Cita, ainda, que em algumas situações, a justiça conciliatória
189 Ironizo, nesta frase, tanto a atitude do juiz que trabalha com modelo de sentença, quanto do advogado que usa modelo de petição. O modelo não é algo ruim desde que adaptado caso a caso. O problema é que a adaptação se restringe a troca do nome das partes, endereço e data do fato.190 Também utilizada a expressão em português MASC – Meios Alternativos de Solução de Conflitos.
150
pode produzir resultados melhores do que o processo contencioso, indicando como exemplo
do direito de vizinhança. O Brasil aceitou os ADRs, porém simultaneamente também
incorporou a desjudicialização.
Como já exposto em linhas anteriores, refletindo a infantilização do judiciário existe
o fenômeno da juridicização/judicialização (MARQUES, 2000, p. 117-122), também
chamado de constitucionalização ou burocratização, que de acordo com Pedroso (2002, p.4) é
a juridificação das relações sociais que anteriormente eram menos sujeitas as regulações
jurídicas, como as relações de família, saúde, laborais. Para o autor, o ponto positivo nesta
relação consiste que esses processos pretendem trazer mais racionalidade e cidadania, à vida
em sociedade pelo respeito na defesa dos direitos de cada cidadão.
Numa via de mão dupla, enquanto se judicializa questões novas, se desjudicializa
velhas questões, abrindo espaço, no Judiciário, para novas discussões enquanto que as já
debatidas podem ser resolvidas, pelas partes, num acordo de forma madura e responsável.
Logo Judicialização e Desjudicialização são duas faces do atual modelo do ordenamento
jurídico brasileiro.
Almeida (2011, p. 103) afirma que o que se convencionou a chamar de
desjudicialização é algo novo, surgindo com a Constituição de 1988, visando garantir novos
direitos, permitindo maior acesso da população à Justiça. Indica, ainda, que em sua época
estudantil, jamais se poderia pensar nesse instituto, pois a jurisdição era tida como dever
exclusivo do Estado efetivado pelo Judiciário, tanto que existe a Jurisdição Voluntária onde o
magistrado atua como um administrador público de interesse privado.
A desjudicialização surgiu dos ADRs (...) “consistindo na criação de processos,
instâncias e instituições descentralizadas, informais e desprofissionalizadas que permitem
desviar a procura dos tribunais para outras instâncias públicas ou privadas.” (PEDROSO,
2002, p. 14), mais cresceu e virou uma categoria própria da informalização da resolução do
conflito, onde nela podem também ser desenvolvidos os ADRs. A desjudicialização continua
a ser uma intervenção Estatal nas relações sociais, porém, de forma diversa do judiciário.
Os conceitos de informalização e desjudicialização, em sentido amplo, manifestam-se através de diferentes realidades que permitem prevenir ou resolver um litígio, ou seja, um conflito social que dois ou mais interessados pretendam que seja dirimido sem recurso ao tribunal judicial. (PEDROSO, 2002, p. 18)
151
A desjudicialização é uma tendência de se buscar vias alternativas extrajudiciais de resolução de litígios, relegando ao Poder Judiciário exclusivamente aqueles casos onde a solução da lide não possa se dar pela autocomposição, ou seja, apenas aqueles casos diretamente relacionados à sua função precípua de declarar o direito em caráter definitivo. Trata-se, portanto, de uma forma de evitar o acesso generalizado, desnecessário e injustificado à justiça estatal. (MIRANDA, M. A., 2010, p.1)
Pedroso (2002, p. 17) traz o seguinte esquema para explicar a informalização. Ela se
divide em três ramos: a deslegalização; a informalização da justiça, onde se encontram os
ADRs; e a desjudicialização, que podem ser de três formas: a) meios informais e recurso a
não juristas nos processos em tribunal; b) transferência de competência de resolução de
litígios para instâncias não judiciais; c) transferência de resolução de litígios para velhas e
novas profissões. E ele conceitua como velhas profissões os notários e registradores. (2002, p.
29)
O conceito de desjudicialização, por seu turno, é concebido no quadro do direito estadual e do sistema judicial como resposta à incapacidade de resposta dos tribunais à procura (aumento de pendências), ao excesso de formalismo, ao custo, à “irrazoável” duração dos processos e ao difícil acesso à justiça. Os processo de desjudicialização têm consistido em essencialmente, por um lado, na simplificação processual, recurso dos tribunais dentro do processo judicial a meios informais e a “não-juristas” para a resolução de alguns litígios. Por outro lado, desenvolve-se através de transferência da competência da resolução de um litígio do tribunal para instâncias não judiciais ou para o âmbito de ação das “velhas” e “novas” profissões jurídicas, ou mesmo das novas profissões de gestão e de resolução de conflitos. (PEDROSO, 2002, p.29)
Note-se, que o autor, quando fala em desjudicialização, fala em resolução de litígio.
Como o sistema processual civil brasileiro usa o conceito de litígio carneluttiano, liga sua
resolução somente ao judiciário. Contudo, vale lembrar que a ideia de Pedroso de transferir a
resolução do litígio para velhas profissões, vem a reforçar a função de pacificador social do
conflito que o notário ou registrador possui, conforme já trabalhado com a doutrina de
Comassetto (2002).
Esse quarto modelo de meio alternativo de resolução de conflito, que virou categoria
própria, no Brasil tem na Serventia Extrajudicial a prestação desse serviço público. É uma
estrutura que faz parte do Estado, já tendo, inclusive, pertencido ao Judiciário191. Nela, os atos 191 Antes da Constituição Federal de 1988, as Serventias Extrajudiciais faziam parte da estrutura judiciária brasileira. Elas eram providas por funcionários do Judiciário, concursados, na função de escrivães ou por analistas após todas as progressões funcionais. Havia, também, os casos de Serventias Extrajudiciais que eram providas sem concurso, por meio de indicação ou recebidas por herança. Após a Constituição, houve a separação desse instituto da estrutura do Judiciário. Essa separação se deu em parte, posto que este continua vinculado a aquele quanto ao concurso, outorga na função dos aprovados, aplicação de penalidades, correições, produções de normas administrativas de aplicação geral e outros. O titular da Serventia provida por concurso pós 1988 não é funcionário dos quadros do Tribunal de Justiça, mas responde perante ao Corregedor Geral de Justiça e ao Juiz
152
da vida civil e os direitos relativos à propriedade e ao patrimônio são registrados garantindo a
publicidade à terceiros resguardados de segurança, eficácia e veracidade. Algo semelhante ao
que ocorre no Judicial.
O mesmo insight da desjudicialização anteriormente exposto, pode ser verificado na
letra da lei do NCPC, quando em alguns institutos, já há a possibilidade da resolução da lide
pela via extrajudicial, indicando a Serventia Extrajudicial como forma alternativa a resolver
este conflito. São exemplos: mediação e conciliação que pode ser extrajudicial (art. 176, 334,
694, NCPC), o negócio jurídico processual (art. 190, NCPC) que pode ser efetivado mediante
escritura pública, o título executivo extrajudicial (art. 771 e 784, NCPC), o divórcio e
inventário extrajudicial (Res. 35, CNJ e art. 733, NCPC), a confissão extrajudicial (art. 389,
NCPC), a homologação de penhor legal extrajudicial (art. 703, §1º, NCPC), usucapião
extrajudicial (art. 1.071, NCPC).
Vale ressaltar que o NCPC perdeu a oportunidade de encerrar a discussão sobre a
Jurisdição Voluntária, quando, apesar de seu projeto do Senado nº166/2010 trazer a menção
do Título da Jurisdição Voluntária como Procedimentos não contenciosos, na aprovação do
texto final manteve-se a nomenclatura Jurisdição Voluntária (art. 719 e ss). Contudo, ele
iniciou a discussão da Jurisdição Voluntária Extrajudicial com a desjudicialização,
principalmente, da Usucapião Extrajudicial.
Quando se lê textos norte-americanos sobre os Meios Alternativos de Solução de
Conflitos (MASCs), não se percebe essa modalidade de resolver conflitos porque neste país, a
Serventia Extrajudicial pertence a um outro modelo de serviço com diferenças estruturais
essenciais. No Brasil e nos países pertencentes a União Internacional do Notariado, o modelo
do Notariado é o Latino, diverso dos Estados Unidos e de alguns países de common law que
utilizam o Notariado Anglosaxão.
Assim, em sede de Brasil, além dos MASCs clássicos da conciliação, mediação e
arbitragem, há que se adicionar a Serventia Extrajudicial, que cresce como forma a tal ponto
de incorporar os modelos de conciliação, mediação e arbitragem dentre de si192. O Titular da
Serventia tem a função de pacificador de conflito onde este busca a composição do conflito
Diretor do Foro com função de Juiz de Registro Público nas correições.192 Vários são os textos, existentes hoje, que trabalham com a possibilidade do Titular da Serventia poder exercer a função de conciliador, mediador ou árbitro. Ex.: CAVALCANTI NETO (2011).
153
entre as partes para que o direito seja efetivado da melhor maneira. O conflito pode não ser na
forma literal, como sinônimo de briga, pode haver um conflito virtual ou sobre o
procedimento a ser adotado. Cabe ao Titular sanar a dúvida e aconselhar, de maneira
imparcial, sobre a melhor forma de resolver o conflito aventado.
Essa função de pacificador social deriva do sistema adotado no Brasil, o do
Notariado Latino (COMASSETTO, 2002, p.31) e (RIBEIRO, 2014, p.2), nele, o Titular da
Serventia detém a qualidade de oficiais públicos conferindo fé pública, autenticidade,
segurança e publicidade de seus atos e atuam da mesma forma que os advogados,
aconselhando aos que o procuram de forma individualizada e imparcial. Esse aconselhamento
deve ser sobre um ato a ser efetivado na Serventia. (COMASSETTO, 2002)
Desta forma, um indivíduo pode procurar o Tabelião para decidir se irá fazer seu
testamento da forma pública ou cerrada. Este deve explicar os prós e contras de cada uma das
modalidades de testamento deixando a escolha, a quem procurou pelo serviço. O mesmo
ocorre quando um casal decide se divorciar na forma extrajudicial e possui bens em conjunto
não desejando a separação deste, no momento atual. O Titular aconselhará a forma de
divórcio com bens a partilhar explicando os prós e contras de cada ato. Ou ainda quando um
casal faz a habilitação de casamento, cabe ao Titular esclarecer sobre os regimes existentes e a
influência destes no patrimônio do futuro casal.
No Brasil, há o Judiciário para resolver o conflito, a conciliação e mediação, que
poderá ser judicial ou extrajudicial, a arbitragem e a Serventia Extrajudicial. Entretanto, da
forma que há a confiança e idolatria da figura do juiz, contrariamente há a descrença na figura
do Titular da Serventia, tendo em vista que historicamente, o imaginário comum o percebia
como alguém que buscava lucros e fazia de tudo para entravar os registros. Era uma pessoa
que detinha as informações importantes, mas que só liberava as mesmas para os amigos.
Essa descrença na figura do Titular, só pós 1988, com os concursos de provimento
para as Serventias, que se está desfazendo. Antes, a figura o senhor de idade que mal
compreende seu trabalho está sendo substituída, aos poucos, por pessoas mais jovens que
passam anos estudando, especializando-se com pós graduações lato e stricto sensu. Pessoas
que buscam o melhor do Direito em que atuam, visando sua aplicabilidade prática e de forma
expansiva a atender os anseios da população em geral. Essa é uma mudança lenta, mas
contínua, assim como a cultura por resolver os conflitos pelos meios alternativos de resolução.
154
Toda a explicação sobre judicialização excessiva, infantilização por esta e Serventia
Extrajudicial se faz necessária para se entender um fenômeno que deriva deste quadro: a
desjudicialização, pois quando se pensa em meios alternativos de conflitos, se pensa em
retirar esse peso do Judiciário dando a oportunidade da sociedade amadurecer e se
responsabilizar sobre suas escolhas.
A expressão desjudicialização, que hoje está em moda, é uma velha conhecida do
Registro Público. Este, por excelência, representa os atos que não precisam de cunho
decisional para valerem contra terceiros. Paradoxal que inicialmente, apesar da figura forte do
Juiz e de sua necessidade para que os atos da vida sejam cumpridos e pela descrença na figura
do Titular da Serventia, os sistema de Registro Público esteve presente na vida brasileira
desde sua descoberta, em 1500.
Com o Tratado de Tordesilhas, as terras do além-mar forma divididas entre Portugal
e Espanha. Eis a primeira matrícula do Brasil. Matrícula esta que integrava todo o território,
contudo, diferente do que hoje se conhece. Houve um acordo193 nesta divisão de terras. A
questão não precisou ser judicializada. Quando Pedro Álvares de Cabral aportou em terras
brasileiras, Pedro Vaz de Caminha fez a primeira Ata Notarial descrevendo como eram as
terras do além-mar (COTRIM NETO, 1980, p. 147). Novamente, a questão do relato não
precisou ser chancelada pelo juiz para se ter validade. Através deste pequeno relato inicial,
percebe-se que há questões que necessitam de judicialização e há questões que as partes
podem resolver entre si.
No desenvolvimento da Colônia, questões relativas às terras poderia ser resolvidas
diretamente com o Capitão das Capitanias Hereditárias, questões relativas ao nascimento,
casamento e óbito poderiam ser resolvidas com os padres. Note-se que primeiro tentava-se
resolver os conflitos por meios alternativos. Só em último caso levava a questão ao
magistrado. E essa cultura, apesar de presente no imaginário brasileiro ela fica subposta a
judicialização excessiva.
Quando, em 1973, aprovou-se a Lei de Registro Públicos (LRP - Lei 6.015), buscou,
nesta, a unificação dos procedimentos que não precisavam ter cunho decisório jurisdicional
para se ter efeitos contra terceiros. Antes da LRP, esses vários procedimentos se encontravam
esparsos no ordenamento jurídico brasileiro dificultando, a população, a sabem qual conflito 193 Acordo, no sentido que as partes assinaram o tratado, não que foi de forma amigável e sem troca de favores.
155
poderia ser resolvido na forma extrajudicial, e qual necessitava da intervenção judicial.
Porém, com havia a descrença em quem oferecia esse serviço, que fazia parte da estrutura
estatal, só se utilizava dele para os atos obrigatórios, sem os quais o direito não se efetivava.
Assim, quando se fala em desjudicializar, poucos percebem, que a unificação dos
procedimentos trazida pela LRP, nada mais é que compilar os procedimentos que inicialmente
são desjudicializados, sendo remetidos ao judiciário, somente desjudicializados que não
conseguiu resolver o conflito194.
Na Serventia Extrajudicial Brasileira há o exercício dos procedimentos pela forma da
Jurisdição Voluntária Extrajudicial. A LRP é a forma de Jurisdição Voluntária por excelência,
cabendo aos procedimentos de Jurisdição Voluntária que ocorrem no Judiciário sua escolha
com base na política legislativa e na ideia de conflito virtual, porque a Jurisdição Voluntária
prescinde concordância das partes ao direito objeto da jurisdição195.
No movimento de Desjudicialização que hoje vários países estão experimentando, no
Brasil196 há a peculiaridade de retirar o procedimento do Judiciário e enviá-lo as Serventias
Extrajudiciais, denominada por Pedroso (2002, p.38) de velhas profissões. E, a grande
inovação está que essa desjudicialização não afeta apenas os procedimentos de Jurisdição
Voluntária, mas também aos de Jurisdição Contenciosa, como no caso da Usucapião
Extrajudicial, mais recentemente trazido pelo NCPC.
A desjudicialização do Judiciário para a Serventia Extrajudicial é experimentando,
pós LRP, no Brasil, desde 1992, com a lei 8.560 que institui formas de reconhecimento de
paternidade direto no registro de nascimento, pela escritura pública ou escrito particular
arquivado na serventia, por testamento mesmo que incidental e ainda pela via judicial. Há a
facultatividade da escolha do procedimento. E hoje, esse reconhecimento foi ampliado de
forma que o pai não precisa nem ir na Serventia onde se localiza o assento de nascimento do
194 Essa é uma posição pessoal sobre a desjudicialização, pois quando se cria a LRP, delimita-se o que pode ser resolvido sem o juiz e o que não pode, porque poderia, o Estado, através do exercício jurisdicional, exercer a jurisdição com sentença declaratória atestando o nascimento. Contudo, ele prefere passar essa atribuição a outro órgão que não o Judiciário, deixando que o ato se faça sem a necessidade de jurisdição no sentido chiovendiano. Ele opta pela Jurisdição Voluntária no seu sentido próprio: de administração pública de interesses particulares. 195 Essa concordância é criticada por mim, frente a função de pacificador social do conflito que o Titular detém. Nada impede que as partes busquem esse Titular como um terceiro para auxiliar a resolver seu conflito. 196 Assim como nos países que adotam o sistema do Notariado Latino também pode ocorrer.
156
filho, ele pode reconhecer a paternidade em qualquer Serventia de Registro de Pessoas
Naturais do Brasil197.
Esse é apenas um dos exemplos que se encontram de tal forma incorporados como
desjudicializados, que mesmo sem saber que este fenômeno tem um nome, não se imagina,
atualmente, que algum dia ele foi judicializado. E, que este algum dia data de vinte e três anos
atrás.
Em 1997, a lei 9.514, que trata de alienação judiciária de bem imóvel, permitiu o
registro da alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel e averbação do Termo de
Securitização de créditos imobiliários, quando submetidos a regime fiduciário; e da sub-
rogação de dívida, da respectiva garantia fiduciária ou hipotecária e da alteração das
condições contratuais, em nome do credor que venha a assumir tal condição na forma do
disposto pelo art. 31 da Lei no 9.514, de 20 de novembro de 1997, ou do art. 347 da Lei no
10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, realizada em ato único, a requerimento do
interessado instruído com documento comprobatório firmado pelo credor original e pelo
mutuário. (Redação dada pela Lei nº 12.810, de 2013). O registro desse gravame permite a
troca de propriedade do bem sem a necessidade do judiciário.
Já a lei 10.931/04, que dispõe sobre o patrimônio de afetação nas incorporações
imobiliárias introduziu a averbação da cessão de crédito imobiliário e o importantíssimo
instituto da Retificação Administrativa, que é o modelo a ser utilizado pela Usucapião
Extrajudicial. Na Retificação é permitido a correção de erros com relação ao registro
imobiliário sem a necessidade de sentença judicial.
O Divórcio e Inventário Extrajudicial foram introduzidos pela lei 11.441/07198,
permitindo aos maiores capazes, sem filhos menores, com bens ou não, que se utilizassem
dessa via de forma facultativa e célere para regularizar a situação de término da sociedade
conjugal ou inventariar e repartir os bens deixados pelo de cujus. Esta via também é utilizada
para o Inventário negativo, que visa dizer que o falecido não deixou bens, e para o Divórcio
sem bens ou com bens a partilhar, com o intuito de extinguir os deveres do casamento e
decidir sobre pensão alimentar ao cônjuge e filho maior199.
197 Art. 6º e §§, Provimento 16/2012, CNJ, derivado da ampla adesão do programa Pai presente.198 Apesar de não ser o primeiro procedimento a ser desjudicializado, ele é apresentado como um marco da desjudicialização. (RIBEIRO, 2014, p.3), (CAVALCANTI NETO, 2011, p.1), (KOLLET, 2009, p.16).199 Caso de filho maior universitário, ou se o genitor deseja, de forma graciosa, continuar a pensionar seu filho.
157
Em 2008, foi a vez da lei 11.790, desjudicializar o procedimento de registro de
nascimento após transcorrido o prazo legal, no lugar de residência do interessado, que pode
ser feito pelo genitor ou pelo próprio interessado em ter seu assento de nascimento. O
requerimento de registro deverá ser assinado por duas testemunhas e caso o Oficial do registro
tenha dúvidas sobre a identidade do registrando pode exigir prova suficiente e realizar
diligências a fim de sanar suas dúvidas quando a identidade deste. Caso persista a dúvida, ele
remeterá a forma judicial.
O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), trazido pela lei 11.977/09 e
desjudicializou a Usucapião Administrativa permitindo aos detentores do título de legitimação
de posse registrada, após cinco anos, a conversão da posse em propriedade, pela modalidade
de usucapião, sem a necessidade de intervenção do judiciário. Para áreas com mais de 250m²,
o prazo da conversão da posse em propriedade é estabelecido em lei pertinente sobre
usucapião.
Ainda em 2009, a lei 12.100, permitiu ao Oficial que erros, os quais não se exija
qualquer indagação para constatação imediata sejam corrigidos de ofício, na própria serventia
que constatou o erro, ou mediante petição assinada pelo interessado, representante legal ou
procurador, independentemente de pagamento de selos e taxas, após manifestação conclusiva
do Ministério Público.
O NCPC, no seu art. 1.071 trouxe a desjudicialização facultativa dos procedimentos
de Usucapião, denominando-o de Usucapião Extrajudicial incluindo ao art. 216-A na LRP.
Esta é mais uma possibilidade, ao lado do inventário de desjudicializar procedimento de
Jurisdição Contenciosa para a Jurisdição Voluntária Extrajudicial.
Ainda em 2015, após o NCPC, a disposições com relação à desjudicialização nas
Serventias continuou com a lei 13.112 que aumentou o prazo para que o pai possa registrar o
nascimento de seu filho sem que incorra em registro fora do prazo. A ampliação do prazo se
deu nos termos de igualar o prazo do pai ao da mãe.
Os procedimento acima explicitados, que passaram pela desjudicialização atualmente
sendo executados na forma da Jurisdição Voluntária Extrajudicial estão tão fortemente
integrados na cultura jurídica brasileira que não se percebeu a transposição do procedimento
de judicial para extrajudicial. Por isso justifica-se a necessidade de estudar como a
158
Administração de Conflitos está sendo levada para o Extrajudicial pela desjudicialização,
homeopaticamente, gerando poucas discussões sobre os efeitos positivos ou negativos200. O
objetivo é entender como ocorre a desjudicialização pela Jurisdição Voluntária Extrajudicial.
Como já se demostrou em linha anteriores, a desjudicialização, no Brasil, ocorre,
também, pela Serventia Extrajudicial que exerce a Jurisdição Voluntária Extrajudicial.
Conforme já analisado no capítulo anterior, há um certo receio entre os autores brasileiros, de
aceitarem o termo Jurisdição Voluntária Extrajudicial, porém, há unanimidade entre eles201
que os procedimentos presentes na LRP são de Jurisdição Voluntária e que, neste caso, pode
ser exercida por outro que não seja o juiz.
Também, entre os brasileiros analisados, percebe-se que, mesmo que filiados a
corrente jurisdicionalista, na construção de seu texto, acabam por compreender que a atuação
da Jurisdição Voluntária é de mera administração pública de interesses privados
assemelhando os atos do juiz ao ato do notário/registrador indicando que não são atos
decisórios, nem fazem coisa julgada. Essas compreensões, ainda que superficialmente citadas,
já bastam para apresentar a brecha necessária para a aplicação da teoria de Alcalá-Zamora que
melhor se adequa a estrutura brasileira da desjudicialização pela Serventia Extrajudicial.
Primeiro ponto a ser entendido é com relação ao nome: Jurisdição Voluntária
Extrajudicial. Lopes da Costa (1961, p. 24), já indica ser algo a espera de um nome. O mesmo
é apontado por Alcalá-Zamora quando fala que o nome não explica a função. E utilizando sua
teoria, já se percebe que Jurisdição, a princípio, não é a melhor denominação para o caso
posto que se utilizasse o sentido amplo do tema (dizer o direito), em funções administrativas,
como no caso de concessão de licenças, também diriam o direito, logo exerceriam jurisdição.
A denominação pseudo-jurisdição de Alcalá-Zamora é interessante.
Não é jurisdição, porque na variadíssima lista de negócios que a integram será difícil encontrar algum que satisfaça fins jurisdicionais em sentido estrito; e muito menos voluntária porque com frequência a intervenção judicial resulta para os interessados em promovê-la tão necessária ou mais que a jurisdição contenciosa, na qual, pelo menos nos processos civis dispositivos, diferentes dos inquisitórios, as partes podem iludir o juízo, pôr fim ao mesmo, ou substituí-lo por meios da autocomposiçao e até da autodefesa. (PRATA, 1979, 117, citando Alcalá-Zamora e Mortara)
200 Pessoalmente acho um avanço desjudicializar questões que não necessitem de cunho decisório cabendo apenas ao judiciário as questões difíceis.201 Reportando-se aos autores trabalhos nesta dissertação.
159
Todavia, se a jurisdição, mesmo utilizando-se de seu sentido amplo de dizer o
direito, aceitando como o direito, por meio de intervenção estatal, através de órgão não
judiciário, mas com os mesmos atributos, segurança e oponibilidade contra terceiros que leve
a um acesso à justiça, tendo em vista a necessidade desse tipo de intervenção necessária para
entregar o objeto a que os interessados almejam, poderia ser entendido como Jurisdição para
fins de aplicação do acesso à justiça no caso concreto.
Não diz o direito no sentido jurisdicional apesar dos atos dizerem o direito pelo
acordo das partes. Se jurisdição for utilizada no sentido de dizer o direito sem a decisão,
apenas o poder público administrando conflito privado, então a Jurisdição Voluntária
Extrajudicial é jurisdição podendo dizer o direito através da declaração ou constituição. E,
mais, sem sua manifestação o direito não nasceria ou existiria. Como no exemplo:
personalidade começa com o nascimento. A prova do nascimento se faz com o registro de
nascimento.
Mas o problemas de ser ou não jurisdição é complexo, comportando várias teorias. O
exemplo já começa na briga doutrinária entre Chiovenda e Carnelutti. Enquanto o primeiro
diz não ser jurisdição, mas administração pública, o segundo, diz ser jurisdição. Ao lado das
correntes administrativista (Chiovenda) e jurisdicional (Carnelutti), Guerra Filho divide em
cinco grupos as teorias sobre a natureza da jurisdição:
a) atividade administrativa; b) atividade genuinamente jurisdicional; c) tertium genus; d) atividade negocial; e) não é jurisdição e não se sabe ao certo a que categoria pertence, embora se presume que seja administrativa”. (GUERRA FILHO, 1993, p. 33)
Frente a toda discussão, para esta dissertação, será utilizado o conceito que
Jurisdição Voluntária, que dizendo o direito e sendo obrigatória de caráter negocial, ainda sim
é jurisdição, até porque “Jurisdição Voluntária como atividade negocial engloba a voluntária e
o notariado confundindo os institutos.” (GUERRA FILHO, 1993, p. 35) e “Retirar a
Jurisdição Voluntária dos órgãos jurisdicionais, não retira o caráter jurisdicional”. (GUERRA
FILHO, 1993, p. 40). Contudo, a nomenclatura de Alcalá –Zamora de pseudo-jurisdição
também é interessante pois não se trata de jurisdição perante o Judiciário, mas fora dele.
Quanto ao vocábulo voluntária, o problema é de igual ou pior amplitude. Os atos de
Jurisdição Voluntária não são voluntários. Pelo contrário, são atos de natureza obrigatória
pois se trata de intervenção estatal, na forma de administração pública, nos interesses
160
privados, sendo um requisito de constituição ou declaração do direito, relação ou negócio
jurídico aventado pelas partes. Sem o registro de nascimento, não se prova o nascimento com
vida, sendo, inclusive, este documento, uma meio de prova que não pode ser substituído por
outro porque é da substância do ato – art. 406, NCPC.
A confusão que poderia ocorrer que a entrada em vigor do NCPC, é que nos
procedimentos já indicados, não há voluntariedade e sim facultatividade (CESSETTI, 2013,
p.9) da utilização da via judicial ou extrajudicial. O ato para se perfazer, continua sendo
obrigatório com o nome de voluntário, a diferença está na indicação de existência de lide202
(judicial) ou não (extrajudicial) quando da escolha do procedimento pela parte. Contudo,
mesmo que a escolha se dê pelo extrajudicial, a lesão ao ameaça de lesão à direito não pode
ser afastado do Judiciário203.
‘A ação voluntária é para os interessados tão, ou mesmo mais ainda, necessária que a contenciosa, a qual pode ser evitada se as partes se valerem de um dos equivalentes jurisdicionais (autodefesa, autocomposição, juízo arbitral), o que é contrário, à própria natureza da jurisdição voluntária, onde os atos, para adquirirem relevância jurídica, necessitam de intervenção do Estado” (GUERRA FILHO, 1993, p. 33)
E, com relação ao Extrajudicial, é a única parte do vocábulo que faz sentido, pois os
atos, apesar de públicos e estatais, ocorrem em instância diversa do Judiciário, logo
Extrajudicial. Assim, um nome que melhor designaria a função seria pseudo-jurisdição
obrigatória extrajudicial204.
Mesmo com toda problemática quanto ao nomes, neste trabalho, continuará a se
utilizar o nome antigo apenas para fins didáticos. Jurisdição Voluntária Extrajudicial não é
nem jurisdição judicial pura, nem voluntária. É ato formal e materialmente administrativo de
intervenção do Estado no interesses privado. O Estado intervém na vontade privada, em
sentido positivo para auxiliar a composição dos negócios jurídicos e criação de estados novos.
Ele regula as formas de aquisição dos direitos para dar-lhes segurança, eficácia e publicidade
contra terceiros.
202 Como já me posicionei anteriormente, a existência de lide não é fator preponderante para indicar se vai ou não para o judicial ou extrajudicial. 203 Art. 5º, XXXV, CRFB/88.204 Como esta dissertação tem o cunho doutrinário, e até agora o instituto só recebeu críticas ao nome, mas nenhuma ideia de nome, exponho minha conclusão, sem a pretensão de ser utilizada pelos outros doutrinadores, mas contando com uma contribuição a ser debatida para que se encontre um nome que reflita a natureza do instituto. Utilizo o vocábulo pseudo para indicar que é jurisdição sem cunho decisional de juiz.
161
Já a intervenção em sentido negativo, ocorre quando impõe a vontade estatal através
da decisão judicial de cunho jurisdicional contencioso frente a um litígio levado à juízo, pela
sentença que determina um vencedor e um vencido, obrigando, as partes ao cumprimento
desta. Nesta dissertação, busca-se a intervenção no sentido positivo, auxiliando a composição
do conflito pela Jurisdição Voluntária Extrajudicial.
A intervenção estatal objetiva evitar litígios futuros, ou irregularidades e deficiências na formação ao ato ou negócio jurídico. Mas não visa apenas aos interessados de futuro litígio: que controlar as relações mais de perto, pulsando as pressões sociais e tomando medidas acauteladoras em tempo hábil. (PRATA, 1979, p. 119)
E, a grande diferença da Jurisdição Contenciosa para a Jurisdição Voluntária, é que
nesta, não se quer algo definitivo, imutável, se quer algo que ateste/declare ou constitua um
negócio jurídico. Ambos fatos podem ser modificáveis de acordo com a vontade das partes.
Não se busca a coisa julgada, se busca a coisa formalizada juridicamente com segurança,
eficácia erga omnes, e exequível. Em alguns casos, pode haver a estabilização da relação com
efeitos como se fosse coisa julgada.
Trata-se de uma relação em constante movimento (ALCALÁ-ZAMORA, 1992, p.
159). Hoje o estado jurídico da pessoa é solteira, no próximo ano poderá ser casada, que
poderá acarretar em divorciada ou viúva mais à frente. Da mesma forma, hoje existe uma
sociedade simples, que amanhã poderá ser desfeita, ou ainda fundida em outra sociedade e
transformada em sociedade limitada. As relações são sempre de mutabilidade, inclusive
quanto as imóveis. O que se almeja é a certeza da propriedade desta, para que o titular possa
dispor dele quando lhe aprouver.
Diferentemente da Justiça reparadora (Jurisdição Contenciosa), a justiça reguladora
(Jurisdição Voluntária) para Kollet (2009, p.1 e 8) pode ser exercida pela Jurisdição/Justiça205
Notarial, que a seu ver, é a materialização da Jurisdição Voluntária exercida pela Serventia
Extrajudicial de Notas206. A mesma ideia é encontrada, a exemplo, em: Carneiro (1980, p. 42)
e (2007, p. 46); Greco (2010, p. 92 e 93); Theodoro Júnior (2011, p. 25-26, 30-34, 38);
205 Também denominada de Justiça Notarial por Cavalcanti Neto (2011, p. 4). 206 Neste ponto, discordo do autor e entendo que a Jurisdição Voluntária Extrajudicial também é exercida pelo Registrador, pois apesar da formalização da vontade jurídica das partes ser uma das funções do Notário (art. 6º, I, L. 8.935/94), o Registrador também formaliza a vontade das partes quando registra uma compra e venda, quando retifica administrativamente um imóvel, quando registra um documento para ter validade contra terceiros, ou quando registra um casamento. Por isso, prefiro o termo Jurisdição Voluntária Extrajudicial do que Jurisdição Notarial por entender ser mais abrangente.
162
Menezes (1975, p. 118, 120, 122, 126-128); Barbosa Moreira (2012, p. 8); Almeida (1965, p.
167); Cavalcanti Neto (2011, p. 3); Rodrigues (2005, p.4)
A conformação da função notarial como jurisdição voluntária é consequência do poder que tem o notário para dizer o Direito, o que foi reforçado no Brasil, onde o ordenamento jurídico nacional concedeu aos atos praticados por tais operadores jurídicos o condão para gerar efeitos plenos, consagrando alguns direitos subjetivos (divorciar-se, separar-se, por fim à indivisão da herança). Restam consagrados, portanto, através do ato notarial, os direitos subjetivos respectivos. Os cidadãos alcançam seus objetivos - separarem-se ou divorciarem-se - a partir de um ato presidido exclusivamente pelo Tabelião de Notas, respeitados os requisitos de fundo e forma previstos em Lei. (KOLLET, 2009, p. 2-3)
Contudo, Kollet aponta pela Jurisdição Notarial, no sentido próprio da Jurisdição, de
dizer o direito.
Portanto, o poder de dizer o direito, nestes casos, é do Tabelião de Notas que, através da função notarial, consagra a pretensão (transferir e adquirir direito real de propriedade imobiliária) dos cidadãos. Ora, se a jurisdição é exatamente “dizer o direito”, no caso concreto, posso concluir, sem o menor temor, calcado na linha de raciocínio lógicosistemática até agora desenhada, que o tabelião exerce jurisdição, a qual, por estar havida dentro da normalidade dos direitos, é voluntária, ou, numa perspectiva terminológica mais adequada, calcada na substantiva doutrina de Néri, uma JURISDIÇÃO NOTARIAL. (KOLLET, 2009, p. 16)
Nesta dissertação, a ideia inicial era exatamente essa, de apontar que a Jurisdição
Voluntária Extrajudicial trabalha dizendo o direito, tal como a Jurisdição Contenciosa do
Judiciário. Porém, como já apontado em linhas anteriores, a terminologia Jurisdição no
sentido amplo de dizer o direito, acaba por agigantar seu poderio e criando, uma confusão
maior ainda, da diferenciação entre a Jurisdição Voluntária e a Jurisdição Contenciosa.
Como se trata de uma tema que ainda comporta discussões, principalmente frente ao
acesso à justiça pela jurisdição trazido no art. 3º, NCPC, neste trabalho, apenas aceita-se e
concorda com a existência da Jurisdição Notarial207, posto que falta espaço físico para
continuar o debate.
“A função do juiz é equivalente ou semelhante à do tabelião, ou seja, a eficácia do negócio jurídico depende da intervenção pública do magistrado”. (THEODORO JÚNIOR, 2012, p. 53)
Essa modalidade do Notário ou Registrador exercente da Jurisdição Voluntária
Extrajudicial é o que Cavalcanti Neto (2011, p.1) chama de fase mais jurídica e menos
burocrática como agente capaz de garantir a prestação jurisdicional de forma direta/imediata,
207 Apesar do nome Notarial, o certo seria englobar os serviços de Notas e Registro.
163
agindo nos casos previstos em lei e de forma mediata/indireta, quando ajuda a desafogar o
judiciário. Neste momento, fica claro o acesso à justiça proporcionado por este serviço
público, de uso obrigatório para alguns casos e facultativo ao judiciário para outros casos.
Do exposto até este ponto, extrai-se que Jurisdição Voluntária Extrajudicial é a
genuína Jurisdição Voluntária, sendo a Judicial uma matéria que deveria ser desjudicializada,
mas que preferiu manter-se judicializada. Tanto o é, que desde o textos romanos do Digesto
de Marciano, já era citado os casos em que o juiz atuaria como se notário fosse, podendo,
inclusive, ser transferida a matéria para o último. O olhar deve ser inverso para entender a
Jurisdição Voluntária Extrajudicial.
E, nesta mudança da desjudicialização, que se mostra um caminho só para frente,
além dos doutrinadores clássicos já citados nesta dissertação que exemplificam os atos de
Jurisdição Voluntária previstos na LRP, mas sem afirmar expressamente208 que estão inseridos
na Jurisdição Voluntária Extrajudicial, os doutrinadores que escrevem sobre Registros
Públicos já entendem este fato como uma realidade, a exemplo de: (CAVALCANTI NETO,
2011, p. 3); (RIBEIRO, 2014, p.1); (SOUZA L. A. R., 2011, p.1), (CESSETTI, 2013, p.2 e 6),
(LOUREIRO, 2014a, p. 2); (HILL, 2008, p. 124); (CHAVES, 2010, p.4); (MIRANDA, M.
A., 2010, p.2); (RODRIGUES, 2012). Ou seja, afirmam que a desjudicialização é exercida na
Jurisdição Voluntária Extrajudicial.
Importa em criar vias alternativas e eficientes de resolução de conflitos, sem descurar do livre e permanente acesso ao Judiciário. A contribuição dos notários e registradores, neste campo, pode e deve ser feita na jurisdição voluntária, cujo pressuposto é a completa ausência de litígio, ou de contenciosidade. A rigor, não é voluntária, nem jurisdição, dado que possui cunho tipicamente administrativo, que se identifica pela integração do Estado em negócios e situações jurídicas dos particulares, sempre tendo por escopo a defesa do interesse público, ali revelado. Em verdade, é forma de administração pública de interesses privados e que tanto pode estar contida no Código de Processo Civil (Título II do Livro IV), como também em legislação esparsa. (RODRIGUES, 2012, p.2)
A importância de se desjudicializar os temas para a Jurisdição Voluntária
Extrajudicial, não é só para desafogar o judiciário, restando a este as novas questões, ou
velhas questões desde que difíceis, mas porque a Jurisdição Voluntária comporta a
heterogeneidade de temas que a ela é proposta.
208 Salvo Leonardo Greco e Edson Prata.
164
Quando se utiliza a teoria da Pirâmide de Urrutia Salas209, percebe-se que a
Jurisdição Voluntária é algo que existe por si só, podendo ser exercido em vários poderes
estatais se adaptando a cada local em que é exercido, como uma “atividade múltipla em seu
campo de ação” (PRATA, 1979, p. 89), pois pode ser desde uma simples solenização de ato
até a formação de um estado jurídico novo, exercida por autoridade a pedido de um particular
ou de outra autoridade.
Além do cenário inovador para os que perceberam a desjudicialização agora, embora
para os estudiosos de Registros Públicos já venha ocorrendo há algum tempo, existe uma
figura, que foi muito atuante na Jurisdição Voluntária, mas que caiu em desuso, apesar a
CRFB/88, em seu art. 98 trazê-la, inclusive, com a atribuições conciliatórias sem caráter
jurisdicional. É a figura do Juiz de Paz.
Edson Prata (1979, p.115-117) indica que os atos de Jurisdição Voluntária eram
atribuídos aos juízes de direito, de menores e de paz. Sendo que ao primeiro, cabe a Jurisdição
Voluntária quando há desarmonia de interesses, o que ele chama de situações anormais ou
anômalas. Ao Juiz de Paz e ao Notário, caberia as situações normais, como o interesse de uma
pessoa (testamento, declaração de nascimento...) ou de duas ou mais pessoas sem conflito
(separação, notificação...). E, ao Juiz de Paz, cabe, ainda, a conciliação das partes que
recorram ao seu juízo. Note-se que ficou duvidosa se a função do Juiz de Paz pode ser
exercida pelo Notário ou não, por isso, há a tese de que o Notário poderia exercer o cargo de
juiz de paz.
Lopes da Costa (1961, p. 71-75) afirma que os feitos de Jurisdição Voluntária estão
distribuídos entre a autoridade administrativa e judiciária por um critério mais político do que
jurídico. Indica que pela Lei Mineira nº 1.096/1959 eram tido por órgãos o juiz de paz, os
oficiais do Registro Civil e os Tabeliães, cabendo ao primeiro a conciliação entre as partes,
além dos procedimentos de Jurisdição Voluntária como a justificação, a arrecadação
provisória de bens, a habilitação e celebração de casamento e a abertura de testamento quando
o juiz de direito não puder fazê-lo.
Quanto a função conciliatória, o Notário e o Registrador, já exercem derivada de sua
função de pacificador social do conflito. As partes podem ir à Serventia com um problema e
ele, conciliará-las aconselhando sobre os melhores meios alternativos de resolver seus 209 Já citada por Edson Prata, 1979, p. 89.
165
conflitos, formalizando juridicamente sua vontade através de um documento dotado de fé
pública. Ele já exerce a função conciliatória de juiz de paz sem precisar do título. E, quanto ao
exercício da Jurisdição Voluntária, é exatamente o explorado nesta dissertação.
166
Conclusão:
Construir uma doutrina reflexiva com os textos dogmáticos produzidos no Brasil é
um verdadeiro nado contra a maré. Grande parte dos textos são construídos de forma acrítica,
se tornando meras repetições de outras doutrinas, com poucas notas de rodapé ou indicações
bibliográfica. Os textos não trazem informações de onde vem, para quem falam, ou muitas
vezes, de forma clara, sobre o que falam. Neste sentido, produzir uma pesquisa séria requer
mais do que um levantamento bibliográfico, mas um esforço de ler os não ditos, os
subentendidos, o sentido que o autor quis dizer contextualizado com a data de elaboração do
texto.
Esse esforço é dobrado se o pesquisador decide explorar terrenos inexplorados, ou
explorados de maneira superficial, como foi o caso dessa dissertação. Primeiro foi feito um
levantamento nos livros de processual civil, no estilo manuais ou cursos. Nada foi encontrado
sobre a Jurisdição Voluntária Extrajudicial. Depois, passou-se a artigos de revistas. Alguns
foram esclarecedores, outros, deixaram a desejar apesar do título induzir ao tema. Por último,
foram estudados os livros específicos sobre a Jurisdição Voluntária.
E, mais perguntas sem respostas surgiram. Neste momento, resolvi trocar a maneira
como eu via o tema e comecei a olhá-lo com olhos de quem estuda Registros Públicos.
Talvez, se eu agregasse mais um filtro ao lado do Direito Administrativo e Processual Civil
pudesse perceber com mais clareza o tema. Assim, a dissertação começou a ganhar forma.
Explorar a Jurisdição Voluntária Extrajudicial pela ótica da função pública exercida pelo
Titular da Serventia deu mais frutos, permitindo que fosse concluída.
Como resultado das proposições presentes percebo que a Jurisdição Voluntária
Extrajudicial existe, tendo essa classificação de extrajudicial apenas para se diferenciar da
exercida no âmbito judicial, sendo conceituada da mesma forma e tendo seus atos o mesmo
efeito. Se trata de um ato obrigatório de administração pública de interesses privados onde o
Estado intervém regulando as relações jurídicas que modificam o estado jurídico da pessoa ou
que constituem relações negociais, assegurando segurança jurídica e oponibilidade contra
terceiros das modificações aventadas.
167
Essa intervenção é de grande importância, pois se o modelo de Estado Brasileiro é do
tipo intervencionista de Bem Estar Social, com uma Constituição Dirigente que traz normas
programáticas em seu bojo, desta se extrai dados que elaboram estatísticas, a exemplo de
quantos nascimentos, casamentos e óbitos ocorreram num dado ano, permitindo ao Governo,
que programe as políticas públicas com base nesses dados.
Importante ressaltar que esses dados, que são entregues ao Governo (Administração
Pública Direta); também são transmitidos a outros órgãos como o INSS, TRE, IBGE,
SPC/SERASA, Receita Federal, ao Município, permitindo o cruzamento de dados sobre a
pessoa para que evite fraudes tanto em relação à pessoa (morreu e continua recebendo) ou
relação negocial (comprou um imóvel mais não declarou no imposto de renda).
E a Jurisdição Voluntária Extrajudicial só pode se desenvolver, no Brasil, do jeito
que está sendo desenvolvida porque o terreno é propício. Como ela é exercida na Serventia
Extrajudicial é necessário que se entenda quem a exerce e em quais condições. Assim, o
Titular da Serventia Brasileiro, que adota o sistema do Notariado Latino é o grande curinga
para a atuação, pois ele não é apenas um prestador de serviço público, mas um pacificador do
conflito social evitando que lides chegue ao Judiciário. Sua atuação é preventiva
aconselhando as partes, formalizando, juridicamente, suas vontades através de atos atribuídos
de autenticidade, publicidade, eficácia, fé pública e oponibilidade contra terceiros.
A atuação do Titular do Serviço constitui uma verdadeira forma de acesso à justiça
pois contempla a entrega do direito formalizado num ato juridicamente válido e eficaz de
plano, acessível a todos, que declara estados jurídicos novos ou constitui relações jurídicas e
negociais. É uma forma alternativa ao Judiciário para a entrega do direito aventado.
E, esta forma de serviço público, tão presente na cultura brasileira, sendo em seu
aspecto negativo ou positivo, ganha ainda mais força com as desjudicializações de
procedimentos, de vários tipos, cuja heterogeneidade converge com a Jurisdição Voluntária.
Iniciando-se com o reconhecimento de paternidade por lei esparsa e hoje sendo reconhecido
no código processual civil, se mostra uma grande evolução, ainda em movimento.
Reconhecer a modalidade de Jurisdição Voluntária Extrajudicial é o primeiro passo
para fortalecer a função pública exercida pelas Serventias Extrajudiciais. Desenvolver
mecanismos para que mais assuntos sejam desjudicializados também representa um ganho
168
para a sociedade, pois permite que ela amadureça em seu sentido de solidariedade nas
relações sociais, e, principalmente, estudar e questionar este tema representa o ganho
doutrinário de falar algo diverso, mas contemporâneo. Algo que cada vez se tornará mais
hodierno até que se chegue ao ponto das pessoas questionarem se algum dia, os
procedimentos desjudicializados já pertenceram do Judiciário.
169
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