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UNIVERSIDADE VILA VELHA

LARA BARBOSA COUTO

UM CARROSSEL HOLANDÊS NO JOGO DRAMÁTICO:A CRIAÇÃO DO PAPEL NA DESVINCULAÇÃO ATOR/PERSONAGEM

VILA VELHA

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2017

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UNIVERSIDADE VILA VELHA

LARA BARBOSA COUTO

UM CARROSSEL HOLANDÊS NO JOGO DRAMÁTICO:A CRIAÇÃO DO PAPEL NA DESVINCULAÇÃO ATOR/PERSONAGEM

Versão apresentadas aos alunos da disciplina Metodologia Científica como exemplo de anteprojeto

VILA VELHA2017

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1. INTRODUÇÃO

O presente projeto de pesquisa se dispõe a investigar procedimentos de

composição dos papéis cênicos dentro do contexto da desvinculação

ator/personagens.

Em breves palavras, o termo desvinculação (ROSENFELD, 1986) se refere a

processos teatrais nos quais um ator representa várias personagens ou quando uma

mesma personagem é interpretada vários atores. Em meus estudos, partirei da

hipótese de que o recurso pode servir de instrumento para a formação do ator, visto

que a necessidade de compor diversos papéis o possibilita adotar diferentes

estratégias de composição. Da mesma maneira, quando uma personagem é

interpretada por mais de um ator, ambos podem se beneficiar da experiência,

colaborando mutuamente para a elaboração do papel e aprofundando habilidades

de relacionamento e criação compartilhada.

Historicamente, a desvinculação existe desde a tragédia grega. Na época, os

atores interpretavam diferentes papéis e usavam uma máscara para cada

personagem interpretado. Entretanto, apesar de ser uma estratégia bastante antiga,

foi a partir da segunda metade do século XX que a desvinculação passou por um

processo de retomada de popularidade entre as produções teatrais, podendo ser

observado em diversos espetáculos da atualidade. Em todo o país, grupos e

coletivos de atores realizam experimentações com a desvinculação, a exemplo de:

Grupo Boa Companhia – São Paulo (espetáculo Portela, patrão. Mário, motorista),

Grupo Magiluth – Pernambuco (Viúva, porém honesta), Grupo Maria Cutia – Minas

Gerais (Como a gente gosta), Cia A4 – Bahia (Matilde, la cambiadora de cuerpos),

para citar alguns exemplos.

A presença da técnica em investigações poéticas realizadas por grupos

teatrais possivelmente se encontra em diversas razões. Do ponto de vista

econômico, ela possibilita a diminuição dos custos de encenação, visto que um ator

pode interpretar diversas personagens. O recurso contribuiu para a permanência da

quantidade de atores trabalhando, visto que é o texto teatral que sofre adaptações

de acordo com o elenco, e não o contrário. Além disso, a desvinculação geraria

grande liberdade para a experimentação de diferentes papéis, assim como o

Lara Couto, 03/29/17,
Apresentação do objeto de pesquisa
Lara Couto, 03/29/17,
Apresentação da hipótese
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treinamento de transições entre as personagens. Em coletivos que visam à

formação contínua do intérprete, tais espaços fazem-se especialmente preciosos,

ainda que o recurso não seja levado à cena.

A desvinculação surge, muitas vezes, durante o processo de adaptação de

textos dramatúrgicos. Entretanto, algumas obras já apresentam de antemão a

proposta de encenação com o uso da técnica. É exemplo disso o espetáculo O

mistério de Irma Vap, de Charles Ludlam. Apesar de ter dezesseis personagens, a

peça foi escrita para ser interpretada por dois atores, de preferência do mesmo sexo.

A montagem brasileira do espetáculo, dirigida por Marília Pera, foi de grande

repercussão, sobretudo pelo desempenho de Marco Nanini e Ney Latorraca na

interpretação de tantos papéis.

É devido ao crescente uso da desvinculação nas montagens contemporâneas

que defendo a relevância de estudos sobre procedimentos de construção da

personagem a partir de espetáculos que fizeram uso do recurso cênico. Visando,

sobretudo o trabalho do ator, a pesquisa pretende seguir por duas vertentes:

Quando um intérprete representa diversos papéis e quando um mesmo papel é

representado por diferentes atores. Para isso, processos criativos referentes a cada

caso servirão de eixo para o desenvolvimento dos questionamentos e reflexões a

respeito da seguinte questão: Quais habilidades relacionadas à atuação podem ser

desenvolvidas através do recurso de desvinculação ator/personagem?

2. OBJETO

Não era só questão técnica. Era tática. Era física. Era numérica. Era o fim de uma era no futebol sul-americano. Vírgula, no futebol mundial. [...]A Laranja Mecânica era orgânica por fora, mecânica por dentro.(BETING, 2011)

Na Copa de 1974, o mundo presenciou um dos mais singulares esquemas

táticos já vistos na história mundial do futebol, o chamado Carrossel Holandês. O

esquema recebeu esse apelido, pois nele os jogadores não possuíam posições

fixas, atuando em diversas funções ao longo do jogo. Cada integrante era treinado,

Lara Couto, 03/29/17,
Apresentação da pergunta
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portanto, para atuar em diversas frentes: atacar, defender, marcar e armar jogadas,

num desempenho que se fragmentava para dar destaque à performance coletiva.

Para tanto, a tática exigia um trabalho contínuo de entrosamento entre os

jogadores, que solicitava que cada integrante tivesse conhecimento da dinâmica

geral do jogo e do time, não se limitando a executar apenas seu papel. Mais

importante que o desempenho individual, a marca dessa seleção se encontrou na

construção de um grupo coeso “tão solidário que o time parecia um ser único, com

seus jogadores movendo-se simultaneamente como um cardume, como células do

mesmo organismo.” (CUNHA, 2010).

Esta pesquisa toma o exemplo futebolístico como inspiração, por identificar

diversos níveis de proximidade entre a experiência citada e o processo de criação

teatral (aqui também entendido como um jogo), especialmente quando tais

processos fazem uso da desvinculação ator/personagem. Para que essas

semelhanças se tornem mais claras, bem como a delimitação do objeto de estudo

por mim proposto, faz-se necessário definir a que contextos se refere o termo

“desvinculação”, para posteriormente comentar aspectos da criação do papel em tal

contexto:

Conforme a técnica tradicional, cada ator representa um só personagem, [...] havendo tantos atores quanto personagens. Nos moldes da nova poética, alguns poucos atores, alternando entre si a interpretação dos personagens, desempenham todos os papéis, por maior que seja o seu número. (ROSENFELD, 82, p. 12)

A desvinculação redimensiona as funções do ator no processo criativo, na

medida em que coloca a personagem como ponto transitório de seu desempenho.

Em linhas gerais, a técnica pode se dar por duas vias: Quando um ator

representa diversas personagens ou quando uma mesma personagem é

interpretada por diversos atores. Este projeto pretende investigar as duas opções na

busca por procedimentos que contribuam para a construção da personagem no

referido contexto.

A inquietação em torno deste tema me acompanha desde minha pesquisa de

mestrado, quando analisei o processo de criação das personagens do espetáculo

Dorotéia, dirigido por Hebe Alves, no qual atuei junto ao meu grupo, o Panacéia

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Delirante. Na peça, todas as atrizes se revezam na interpretação das personagens

principais da trama, numa estrutura de desvinculação que chamei de “rotação de

papéis”.

Além de discutir as estratégias de composição das personagens de Dorotéia,

em minha investigação para mestrado apresentei questionamentos sobre as

implicações geradas pela desvinculação no processo criativo e as diferentes

modalidades da técnica. Contudo, os quatro semestres de vigência do curso não

foram suficientes para esgotar minhas inquietações em torno do tema, sobretudo no

que se refere aos procedimentos metodológicos que poderiam auxiliar o ator a criar

dentro de tal contexto.

A necessidade de colocar em prática o conhecimento adquirido, experimentar

e aprender novas possibilidades de uso da técnica me incentivou a formular esse

anteprojeto para o doutorado, e propor um estudo na área de ensino, voltada

especialmente para a formação do ator e a construção da personagem.

Inicialmente serão escolhidos dois processos criativos baianos nos quais

identifico a presença da desvinculação: a peça Sebastião e o espetáculo Larilará

Macunaíma Saravá.

Sebastião é um solo do ator Fábio Vidal. A encenação apresenta uma

situação vivida pelos moradores da cidade de São Sebastião do Passé, na

localidade de Maracangalha, no interior da Bahia. Em março de 2007, um avião caiu

na região com cerca de R$ 5,6 milhões em cédulas, que foram saqueadas pela

população. A partir deste ocorrido, a região foi invadida por repórteres, ladrões e

policiais corruptos, gerando enormes transtornos aos habitantes do vilarejo. O

espetáculo retrata o fato através da ótica de várias personagens, todas interpretadas

por Vidal. A peça lhe rendeu o prêmio Braskem de melhor ator em 2010.

Já Larilará Macunaíma Saravá reuniu vinte atores para encenar a história de

Macunaíma, romance do escritor brasileiro Mário de Andrade. A adaptação

dramatúrgica é de Marcos Barbosa e foi encenada em Salvador pelo módulo V do

Bacharelado em Interpretação Teatral da Escola de Teatro da UFBA, em 2008. O

espetáculo apresenta diversas modalidades de uso da desvinculação ator

personagem, havendo trocas e representações simultâneas de um mesmo papel,

além de personagens que são construídas a partir de um coletivo, como a Boiuna

Lara Couto, 03/29/17,
Sujeito/trajeto (anterior ao projeto de pesquisa)
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Capei (uma cobra formada por cinco atores) e Naipi (uma cascata formada por seis

atrizes). Por ser uma mostra acadêmica, acredito que se possa aprender muito com

a experiência de Larilará, especialmente do ponto de vista metodológico. O

espetáculo tem ainda a direção da professora Hebe Alves, provavelmente uma das

profissionais que mais tem realizado experimentações cênicas com a presença da

desvinculação em Salvador.

Terminada a primeira fase da pesquisa, caracterizada pelo estudo

bibliográfico e análise dos processos criativos, planejo inaugurar a etapa de

experimentação dos procedimentos estudados. Para isso, pretendo elaborar uma

oficina para atores sobre a construção da personagem em casos de desvinculação.

As aulas terão a duração de dois meses, se realizando duas vezes por semana

(totalizando uma carga de 36 horas/aula).

3. OBJETIVOS

3.1 OBJETIVO GERAL

INVESTIGAR procedimentos de composição do papel em casos de

desvinculação ator/personagem, usando como ponto de partida a análise dos

processos criativos dos espetáculos Sebastião, de Fábio Vidal e Larilará Macunaíma

Saravá, dirigida por Hebe Alves.

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

PESQUISAR procedimentos para a criação da personagem nos casos em

que um ator representa múltiplos papéis

PESQUISAR procedimentos para a composição do papel nos casos em que

dois ou mais atores representam uma mesma personagem

ANALISAR o processo de criação do espetáculo Sebastião.

ANALISAR o processo de criação do espetáculo Larilará Macunaíma Saravá.

ELABORAR um plano de oficina teatral sobre a composição da personagem

no contexto da desvinculação ator/personagem

APLICAR uma oficina com 36 horas/aula sobre o tema acima citado.

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AVALIAR os resultados obtidos com as oficinas, relacionando com os

processos criativos observados.

FOMENTAR discussões, reflexões e trabalhos investigativos sobre a

construção da (s) personagem (s) nos casos de desvinculação.

4. JUSTIFICATIVA

[...] Os tipos de seres ficcionais aqui examinados abrem possibilidade de utilização de diferentes elementos, procedimentos e matrizes em seu processo de construção. A utilização de materiais de diferentes naturezas deverá gerar, por sua vez, a necessidade de inserir transições entre esses materiais. A busca de sentido de cada material e das possíveis transições entre eles envolve, dessa forma, uma competência especifica do ator. (BONFITTO, 2006, p. 140)

Uma das principais dificuldades de pesquisar procedimentos de composição

da personagem se encontra no aspecto singular de cada processo criativo. Cada

ator tem o seu modo particular de gerir a própria criação, de contracenar com os

demais colegas, de enfrentar as dificuldades que surgem ao longo do trajeto. Da

mesma maneira, cada contexto apresenta suas especificidades, suas demandas,

questões e problemas a serem superados.

São muitas variáveis que interferem no processo de elaboração de uma

personagem. Talvez por isso seja necessário ao ator buscar por múltiplas

estratégias de composição, transitando entre elas, como um bricoleur (LÉVI-

STRAUSS) que escolhe e se utiliza de diversos materiais artísticos na construção de

sua arte.

Para isso, entretanto, é necessário conhecer diversos procedimentos, entrar

em contato com variadas maneiras de abordar um papel, na tentativa de criar um

repertório que lhe auxilie da melhor maneira possível na execução de seu oficio.

Nesse sentido, a desvinculação ator/personagem talvez tenha muito a contribuir ao

trabalho do ator, visto que o recurso o coloca em confronto com suas próprias

técnicas de elaboração dos papéis. Quando um ator precisa construir diferentes

personagens num mesmo empreendimento artístico, ele encontra a oportunidade de

experimentar diferentes estratégias de abordagem do papel, explorando as

diferenças entre os procedimentos escolhidos e os aspectos característicos de cada

composição. Da mesma maneira, quanto lhe é demandado “dividir” uma

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personagem com outro ator e gerir a criação em consenso com este, o artista tende

a se deparar com hábitos e modos de desempenho distintos aos seus.

Pensando ainda no desenvolvimento do artista e no alargamento de seu

repertório de possibilidades, o recurso também poderia surgir apenas como

ferramenta metodológica, a exemplo de Brecht, que sugere a troca de papéis em

seu livro, Teatro dialético (1967, p. 209):

[...] Os atores deveriam trocar entre si papéis durante os ensaios, de forma que todas as personagens fossem possibilitadas de receber uma das outras, tudo aquilo que necessitam reciprocamente. Convém, alem disso, que os atores vejam seus personagens representados por outros, que as vejam em outras figurações.

Ainda que não fosse levada à cena, a desvinculação, em suas múltiplas

modalidades, poderia ser um aliada ao processo de criação, na medida em que

permitiria ao ator observar diferentes aspectos da personagem a ser interpredada. A

técnica permitiria ao ator se aprofundar em todas as personagens do espetáculo ou

observar de que maneira outros atores poderiam construir tais figuras dramáticas, o

que poderia ajudar a esclarecer certas conjunturas do drama, pequenos conflitos e a

relação existente entre os papéis.

Outro argumento que vem reforçar a necessidade de gerar espaços para a

discussão da desvinculação se encontra no fato de que ela requisita da equipe um

entrosamento para dar conta da transição entre papéis. Assim como o Carrossel

Holandês que inspira essa pesquisa, a fragmentação das funções na desvinculação

solicita um esforço de articulação e trabalho em conjunto, pois se trata de um

processo que tende a dar destaque ao desempenho do coletivo, na qual atores

compartilham papeis e se ajudam mutuamente no processo de condução e

elaboração das personagens do espetáculo.

Por último, não poderia deixar de apresentar um breve panorama sobre a

presença do recurso na Escola de Teatro da UFBA. Ao longo de minha pesquisa de

mestrado, perguntei a alunos do curso do Bacharelado em Interpretação Teatral1 se

eles conseguiam identificar a presença da desvinculação ator/personagem em

alguma das mostras acadêmicas por eles apresentadas. O resultado mostrou que,

das quarenta e cinco mostras contabilizadas, a média de encenações com o recurso

1 Alunos que ingressaram na Escola entre os anos de 2004 a 2011

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ultrapassava os cinquenta por cento.2 Apesar disso, ao menos em meu processo de

graduação, pouco se discutiu em sala de aula sobre a presença do recurso para a

formação do ator, suas implicações e possibilidades de desdobramento. O fomento

aos debates em torno da desvinculação poderia, acredito, contribuir para dar maior

consistência ao uso do recurso, beneficiando atores, professores e diretores na

condução de processos artísticos nesses moldes.

5. HORIZONTE TEÓRICO

Como já foi dito, as origens do uso da desvinculação remetem ao princípio do

próprio teatro ocidental. Assim destaca Rosenfeld (1982, p. 13), quando relembra

que há mais de dois mil anos, no teatro grego, os atores já se dividiam na

interpretação de diferentes papéis, usando, para isso, diferentes máscaras. Não se

pode afirmar, portanto, que existe ineditismo no uso do recurso, embora ela esteja

constantemente presente, em processos de grande destaque do ponto de vista

criativo.

Está presente nos espetáculos desenvolvidos por Denise Stoklos (Preferiria

não, ou Maria Stuart, para citar alguns), na pesquisa estética da Companhia dos

Atores (Ensaio.Hamlet ou In on It), no bem criticado A Descoberta da Américas, com

Júlio Adrião, em Sete Conto, de Luiz Miranda e no recém estreado A vida de

Gonzagão de João Falcão. Da mesma forma, o assunto surge em pesquisas que

versam sobre o trabalho desses grupos, companhias ou atores, inspirando novas

investigações, dentro e fora da academia, a exemplo deste projeto de estudo.

Entre tantos espetáculos e grupos que fazem uso do recurso, optei em

escolher prioritariamente dois processos baianos e isso se deu por duas razões: a

primeira se refere à viabilidade de acesso a registros dos processos, tanto por meio

de entrevista, como por consulta a cadernos de anotações (ou diários de bordo) dos

atores. O segundo consiste na valorização da produção local, que muito tem a

contribuir na construção de conhecimento sobre a criação da personagem e o

aprendizado do ator.

2 Em pesquisa realizada junto ao alunado, pude contabilizar que os estudantes identificavam a presença da desvinculação em pelo menos vinte e três mostras acadêmicas

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Seguindo os pré-requisitos acima citados, escolhi Larilará Macunaíma Saravá

e Sebastião, pelo apreço que tenho por ambos e por terem sido dois processos

criativos documentados desde o seu princípio, fornecendo material que relata seu

desenvolver em todas as etapas. Da mesma maneira, compreendo que são

espetáculos com estruturas que se contrastam e, por isso, se complementam: Em

contraponto ao solo de Fábio Vidal, Macunaíma apresenta um vasto elenco,

composto por vinte atores.

Em relação às referências teóricas, o estudo parte primeiramente de

conteúdos sobre o trabalho do ator, sobretudo no que diz respeito à construção da

personagem. Para tanto, se faz presente no corpo teórico autores que tentaram

sistematizar suas técnicas de abordagem do papel, como Constantin Stanislavski,

Michael Chekhov e Stella Adler. Na mesma linha, agregam o estudo encenadores

que fizeram o uso do recurso da desvinculação, a exemplo de Augusto Boal e

Bertold Brecht. Por fim, tendo em vista os espetáculos analisados, também compõe

a pesquisa o estudo da dissertação de mestrado de Fabio Vidal intitulada: Percurso

múltiplo uno: Estudo do modo cênico e do processo de criação geradores da

encenação Velosidade Máxima. Da mesma maneira, se faz necessário o estudo da

tese de doutorado de Hebe Alves: Processos de Encenação e Formação do Ator: O

Desdobramento de Personagens, O Continuum de Reflexo de Susto e o Gesto

Psicológico na Composição Cênica de Textos de Nelson Rodrigues. Ambos os

trabalhos versam sobre procedimentos poéticos utilizados pelos respectivos artistas.

6. METODOLOGIA

a) Revisão bibliográfica

O primeiro passo da pesquisa consiste na revisão do material bibliográfico

já presente (em sua maioria, vindos de minha pesquisa de mestrado) e na

procura por outras fontes de referência para o estudo da construção da

personagem. Neste período, prevejo a necessidade de encontro com o

orientador para a indicação de material de leitura ou a necessidade de

acompanhamento através da disciplina TIO (Trabalho Individual Orientado).

b) Estudo do processo criativo de Sebastião:

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Como foi anteriormente descrito, o espetáculo Sebastião teve toda a sua

trajetória de construção documentada no blog do projeto. A primeira atividade

de estudo da obra consistirá, portanto, na leitura desses escritos e registro

das estratégias de composição por mim observadas. Também será analisado

o vídeo do espetáculo3 e materiais adjacentes, como depoimentos e críticas a

respeito da peça. Todo material anteriormente descrito, após o tratamento

analítico servirá de base para a estruturação da entrevista a ser realizada com

Fábio Vidal na fase posterior do estudo.

c) Entrevista a Fábio Vidal.4

O objetivo da entrevista consiste em esclarecer ou reforçar algumas

opções metodológicas presentes no processo e compreender de que maneira

elas interferiaram no espetáculo final. Esta seria ainda uma oportunidade de

obter informações que por ventura não foram registradas no diário de bordo,

coletar opiniões e inquirir sobre possíveis lacunas ou dificuldades que ainda

podem ser superadas ou aprimoradas.

d) Estudo do processo criativo de Larilará Macunaíma Saravá.

A montagem do espetáculo Larilará Macunaíma Saravá, em 2008, foi o

resultado final do módulo V do bacharelado em Interpretação pela

Universidade Federal da Bahia. Como parte de suas obrigações com o

componente, os alunos precisavam manter atualizados os seus diários de

bordo e enviá-los regularmente para Hebe Alves, diretora da peça e

coordenadora do módulo. Por essa razão, o primeiro passo dessa etapa da

pesquisa é perguntar aos atores do processo quais estariam à vontade em

compartilhar seus diários para a realização do estudo e se eles teriam

interesse em participar da entrevista num momento futuro. Da mesma

maneira como aconteceu em Sebastião, o conteúdo adquirido a partir da

análise dos diários e das referências bibliográficas servirá se suporte para a

elaboração das entrevistas.

3 Fábio Vidal já se encontra a par das intenções da pesquisa, tendo se mostrado aberto a compartilhar os materiais do espetáculo, a exemplo dos vídeos de apresentações. 4 Da mesma maneira, o ator se mostrou bastante disponível para a realização da entrevista.

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e) Entrevista ao elenco de Larilará Macunaíma Saravá 5

Partindo das observações formuladas nas fases anteriores da pesquisa,

pretende-se formular e aplicar uma entrevista aos integrantes do elenco, à

diretora e ao assistente de direção. No total, pretende-se realizar dez

entrevistas a partir da qual se espera esclarecer alguns pontos do processo e

perceber de que maneira os procedimentos aplicados são entendidos e qual a

opinião sobre eles após tantos anos do fim do processo.

f) Elaboração das oficinas

Após a realização, registro e análise de todas as etapas anteriores,

espera-se que a pesquisa alcance um nível de fundamentação suficiente para

a elaboração de uma oficina teatral sobre a construção do papel em

processos em que há a desvinculação ator/personagem. Esta oficina terá

duração de dois meses e carga horária de 36 horas/aula. Caso haja a

necessidade de maior experimentação antes da oficina, a presente pesquisa

não exclui a realização de workshops preparatórios. Um deles foi

recentemente realizado e em muito contribuiu para a estruturação deste

anteprojeto.6

A oficina será registrada por meio de diários de bordo a serem elaborados

por mim e pelos alunos como atividade inerente às aulas. Embora seja

exigida a todos os alunos a escrita dos diários, seu compartilhamento com o

estudo será se livre escolha. Da mesma maneira, respeitarei a vontade dos

alunos de estarem ou não presentes nas atividades filmadas e/ou

fotografadas.

Por fim, as diferentes formas de registro das oficinas (diários, fotos e

vídeos) serão analisadas e comporão o restante do material de estudo no

qual se ancorará a escrita da tese.

5 Assim como Vidal, Hebe Alves também se mostrou receptiva com a realização das entrevistas. Já a escolha dos atores a serem entrevistados será decidida com base nos diários de bordo estudados e a disponibilidade de cada artista. 6 No Carrossel holandês: criação da personagem na mudança de papéis, oficina de dois dias ministrada por mim durante os dias 20 a 21 de outubro, na Casa Preta, durante a programação do Empuxo- Zona de Encontro de Artes Cênicas.

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7. CRONOGRAMA

Atividades 2013.1 2013.2 2014.1 2014.2 2015.1 2015.2 2016.1 2016.2Revisão de literatura X X X X

Cumprimento das disciplinas obrigatórias

X

Cumprimento das disciplinas optativas

X

Reestruturação do projeto de pesquisa X X

Leitura do material bibliográfico seguida de fichamento dos aspectos mais relevantes

X X

X X

Leitura e análise do diário de bordo do espetáculo Sebastião

X

Revisão parcial do conteúdo para a elaboração das perguntas que comporão a entrevista a Fabio Vidal

X

Realização da primeira entrevista (Com Fábio Vidal)

X

Revisão de material e escrita de um artigo sobre o processo criativo de

X

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15

Sebastião.Leitura e análise dos diários de bordo cedidos pelos atores do espetáculo Larilará Macunaima Saravá

X

Revisão parcial do conteúdo para a estruturação da entrevista aos artistas de Larilará Macunaima Saravá

X

Realização da entrevista com a equipe de Larilará Macunaima Saravá

X

Revisão de material e escrita de um artigo sobre o processo criativo de Larilará Macunaima Saravá

X

Estudo preparatório e planejamento da oficina

X

Realização da oficina e/ou tirocínio docente.

X

Escrita do relatório da oficina e/ou tirocínio docente

X

REDAÇÃO DA TESE X X X

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16

Exame de qualificação X

REDAÇÃO FINAL E DEFESA

X X

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADLER, Stella. Técnica da representação teatral. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 2002.

ARAÚJO, Antônio C. A Gênese da Vertigem: O Processo de Criação de O Paraíso

Perdido. São Paulo, 2002

AZEVEDO, Sônia Machado de. O papel do corpo no corpo do ator. São Paulo:

Perspectiva, 2004.

BETING, Mauro. Holanda 2 x 0 Uruguai – Copa 1974. Lance! Net, São Paulo, 05 jul.

2010. Disponível em: <

http://blogs.lancenet.com.br/maurobeting/2010/07/05/holanda-2-x-0-uruguai-copa-

1974/>. Acesso em: 27 nov. 2012

BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.

BOAL, Augusto. O arco-íris do desejo: método Boal de teatro e terapia . Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1996.

BONFITTO, Matteo. O ator compositor: as ações físicas como eixo, de Stanislavski a Barba. São Paulo: Perspectiva, 2006.

BRANDÃO, Tânia. O teatro através da historia. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 1994. 2.v.

BRECHT, Bertolt; HECHT, Werner. Diário de trabalho. Rio de Janeiro: Rocco, 2002

BRECHT, Bertolt; Teatro dialético: ensaios. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

1967.

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