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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 033.438/2013-7 GRUPO II – CLASSE V – PLENÁRIO TC 033.438/2013-7 Natureza: Acompanhamento. Unidade: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. Interessados: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e Estruturadora Brasileira de Projetos – EBP (CNPJ 09.376.475/0001-51). Advogados: Luis Justiniano Haiek Fernandes (OAB/DF 2.193/A), Eduardo Rodrigues Lopes (OAB/DF 29.283) e outros. SUMÁRIO: ACOMPANHAMENTO DETERMINADO PELO ITEM 9.4 DO ACÓRDÃO 3.362/2013 – PLENÁRIO. CONVÊNIO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA CELEBRADO ENTRE O BNDES E A EBP. ANÁLISE DAS OITIVAS. CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS INOVAÇÕES LEGISLATIVAS APLICÁVEIS ÀS CONCESSÕES DE SERVIÇOS PÚBLICOS, DA NATUREZA DOS CONVÊNIOS E DA LEGISLAÇÃO QUE LHES É APLICÁVEL, DAS ATIVIDADES DE FOMENTO, DO RELACIONAMENTO EXISTENTE ENTRE O BNDES E A EBP E DOS PROCESSOS DE MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE – PMIs. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ASSINATURA DE PRAZO PARA ANULAÇÃO DO CONVÊNIO. RELATÓRIO Transcrevo como parte do relatório a instrução elaborada na Secretaria de Fiscalização e Desestatização de Transportes – SefidTransporte, acolhida pelos dirigentes da unidade: “INTRODUÇÃO Cuida-se de processo de acompanhamento autuado por força do Acórdão 3.362/2013-TCU-Plenário (TC 012.687/2013-8, rel. Exma. Ministra Ana Arraes) – o qual, em seu item 9.4, assim ordena: ‘9.4. determinar a constituição de processo apartado e nele promover a oitiva prévia do BNDES e da EBP para que se manifestem, 1

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 033.438/2013-7

GRUPO II – CLASSE V – PLENÁRIOTC 033.438/2013-7 Natureza: Acompanhamento.Unidade: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. Interessados: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e Estruturadora Brasileira de Projetos – EBP (CNPJ 09.376.475/0001-51).Advogados: Luis Justiniano Haiek Fernandes (OAB/DF 2.193/A), Eduardo Rodrigues Lopes (OAB/DF 29.283) e outros.

SUMÁRIO: ACOMPANHAMENTO DETERMINADO PELO ITEM 9.4 DO ACÓRDÃO 3.362/2013 – PLENÁRIO. CONVÊNIO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA CELEBRADO ENTRE O BNDES E A EBP. ANÁLISE DAS OITIVAS. CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS INOVAÇÕES LEGISLATIVAS APLICÁVEIS ÀS CONCESSÕES DE SERVIÇOS PÚBLICOS, DA NATUREZA DOS CONVÊNIOS E DA LEGISLAÇÃO QUE LHES É APLICÁVEL, DAS ATIVIDADES DE FOMENTO, DO RELACIONAMENTO EXISTENTE ENTRE O BNDES E A EBP E DOS PROCESSOS DE MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE – PMIs. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ASSINATURA DE PRAZO PARA ANULAÇÃO DO CONVÊNIO.

RELATÓRIO

Transcrevo como parte do relatório a instrução elaborada na Secretaria de Fiscalização e Desestatização de Transportes – SefidTransporte, acolhida pelos dirigentes da unidade:

“INTRODUÇÃO

Cuida-se de processo de acompanhamento autuado por força do Acórdão 3.362/2013-TCU-Plenário (TC 012.687/2013-8, rel. Exma. Ministra Ana Arraes) – o qual, em seu item 9.4, assim ordena:

‘9.4. determinar a constituição de processo apartado e nele promover a oitiva prévia do BNDES e da EBP para que se manifestem, se assim o desejarem, no prazo de 05 (cinco) dias úteis, acerca da celebração do convênio de cooperação técnica entre aqueles entes, considerando que a EBP é uma empresa privada constituída sob a forma de sociedade de ações que distribui dividendos, caracterizando a concessão de benefício indevido àquela empresa a partir da alocação gratuita de recursos e de expertise, pelo BNDES, em seu favor, sem que o mesmo tratamento seja dispensado a outras empresas que atuam no ramo de elaboração de projetos, em afronta aos princípios da moralidade e da impessoalidade administrativa, em vista da possibilidade de que a decisão de mérito do tribunal venha a determinar a sustação daquela avença, nos termos da competência atribuída pelo art. 71, IX, da Constituição Federal;’

2. A deliberação citada foi proferida em sede de representação versando sobre autorização concedida pela Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP/PR) à Companhia Estruturadora Brasileira de Projetos S.A. (EBP) para produção de documentos preparatórios ao arrendamento de instalações portuárias.

HISTÓRICO

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 033.438/2013-7

3. Em 30 de abril de 2013, foi protocolada denúncia lavrada pelo Exmo. Sr. Deputado Augusto Rodrigues Coutinho de Melo, a qual foi recebida na qualidade de representação nos termos do despacho da Exma. Ministra Relatora (TC 012.687/2013-8, peça 8, p. 3). Ato contínuo, o parlamentar juntou expediente pleiteando a suspensão cautelar dos efeitos da Portaria SEP 38/213, a qual confere autorização à EBP para que elabore estudos e demais documentos preparatórios ao arrendamento de terminais portuários.

4. Denegada a cautela pretendida, os autos foram instruídos por esta Unidade Técnica, ao fim do que foram encaminhados ao gabinete com proposta de provimento parcial, aduzindo-se determinação à SEP/PR para que se abstivesse de emitir novas autorizações tais como a inquinada, ao menos até que fossem estabelecidos requisitos mínimos de publicidade do chamamento de interessados, de aceitação de pedidos e de escolha dos estudos porventura ofertados (TC 012.687/2013-8, peça 27, p. 9-10).

5. Instado a se manifestar (TC 012.687/2013-8, peça 30), o representante do Ministério Público junto ao TCU reportou a juntada de nova peça formulada pelo autor da representação, na qual renovava o pedido de sustação cautelar da portaria em tela e postulava, adicionalmente, a paralisação dos processos licitatórios derivados dos estudos inquinados.

6. O membro do Parquet especializado opinou, em seu parecer (TC 012.687/2013-8, peça 33), que fosse provido parcialmente o novo pleito de medida cautelar, determinando-se à SEP/PR e à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) que não utilizassem os estudos confeccionados pela EBP até decisão do TCU sobre o mérito da representação. Ademais, oficiou pela oitiva da SEP/PR, da Antaq e da EBP sobre o tema, além de pugnar pela audiência do Sr. Ministro da SEP/PR para justificativa das irregularidades apontadas na representação.

7. Manifestou-se, ao cabo, para que fosse autuada representação a ser instruída por esta Unidade Técnica, sob o seguinte argumento (TC 012.687/2013-8, peça 33, p. 5, 12 e 14, grifo no original):

‘32. Desde 2008, quando foi criada, a EBP vem recebendo suporte direto do Bndes em sua atuação e, a partir de março deste ano, formalmente via Convênio de Cooperação Técnica (a ser adiante discutido), em afronta a diversos princípios constitucionais e sem qualquer permissivo legal, com gozo de tratamento diferenciado junto a diversos órgãos e entidades públicos federais.

33. O referido Convênio de Cooperação Técnica foi firmado entre o banco e a EBP em 21/3/2013, “com vistas à cooperação técnica para a estruturação de projetos de infraestrutura” (preâmbulo do convênio à peça 23 – p. 1). Em especial, questiona-se a moralidade, a impessoalidade e a legalidade da atuação do Bndes junto a órgãos e entidades públicos federais, em face da seguinte cláusula do convênio:

2. Atribuições

2.1 Constituem atribuições das partes:

(...)

(ii) BNDES:

(...)

(c) promover a interlocução com os órgãos da Administração Pública direta e indireta da União, dos Estados e Municípios, após manifestação do órgão de que pretende realizar a licitação do Projeto desenvolvido no âmbito do Convênio; (peça 23 – p. 3 - grifo nosso)

34. Cabe averiguar o escopo da participação do Bndes junto a órgãos públicos federais nas negociações de estudos realizados pela EBP, visto não ser papel desse banco público a defesa de interesses privados (“promover a interlocução”) na esfera pública.

(...)

88. Ante o exposto, este membro do Ministério Público de Contas manifesta discordância em relação à proposta da unidade técnica (peça 27), sugerindo o seguinte encaminhamento:

(...)

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g.1) autue representação, com base nos arts. 36, 37 e 38 da Resolução TCU 191/2006 e no art. 237, inciso III, do Regimento Interno/TCU, formada por cópia das peças deste processo, a fim de avaliar, com eventual apoio de outras unidades técnicas da Secretaria-Geral de Controle Externo deste Tribunal (Segecex/TCU), a legalidade, a impessoalidade e a moralidade da atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes) junto a órgãos e entidades públicos federais, com o intuito de apoiar a Estruturadora Brasileira de Projetos S/A (EBP) na obtenção de autorizações fundamentadas no art. 21 da Lei 8.987/1995 e/ou na elaboração de estudos decorrentes dessas autorizações, no contexto de concessões e parcerias público-privadas, em face do que dispõe a letra “c” do item “ii” da Cláusula 2.1 do Convênio de Cooperação Técnica firmado em 21/3/2013 entre o banco e a EBP;’

8. Aos 4 de dezembro de 2013, acolhendo o Voto da Exma. Ministra Relatora, o Colegiado proferiu o Acórdão 3.362/2013-TCU-Plenário (TC 012.687/2013-8, peça 43), cujo item 9.4 determinou a instauração do presente feito. Em atendimento ao comando ali contido, procedeu-se à oitiva da EBP e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), expedindo-se os Ofícios 492 e 493/32013-TCU-SefidTransporte (peças 4 e 5), respectivamente.

9. As respostas às aludidas comunicações vieram por meio do Ofício 947/2013-BNDES-GP (peças 15 e 16) e pela manifestação lavrada pelo representante processual indicado pela EBP (peça 20).

10. Com o fito de obter informações adicionais sobre o escopo do convênio inquinado e sobre a dinâmica de interação do BNDES com a EBP no âmbito daquela avença, as equipes técnicas da SefidTransportes e da Área de Estruturação de Projetos do BNDES realizaram reunião em 25 de fevereiro do ano em curso. Na ocasião, ficou acordado que a instituição financeira complementaria a resposta então prestada, o que foi levado a efeito pela Nota AEP/SUP 2, de 14/3/2014 (peça 31).

11. Nova reunião, nos mesmos moldes da anterior, ocorreu em 17 de março de 2014 na sede desta Secretaria, oportunidade em que os representantes do BNDES expuseram argumentos em defesa da regularidade da prática objeto da representação que originou o presente feito.

12. Finalmente, à peça 38 foi realizada diligência ao BNDES solicitando informações adicionais.

13. Assim, realizada a oitiva, passa-se à explicitação e ao exame dos argumentos expendidos nos pronunciamentos das entidades.

EXAME TÉCNICO

I. Respostas à oitiva

I.1. Argumentos da EBP

14. A manifestação da estruturadora de projetos inicia sublinhando o fato de que o convênio em exame deriva de relação societária existente entre o BNDES e a EBP – qual seja, a participação acionária da BNDES Participações S.A. (BNDESPar) na EBP –, circunscrevendo-se ao “âmbito das atribuições normais e legítimas das instituições” (peça 20, p. 2). Discorre aquela sociedade anônima que “O fato de que a atividade de fomento desempenhada pelo BNDESPAR resulte no apoio às empresas privadas não desvirtua, antes, cristaliza, sua razão de ser” (peça 20, p. 4).

15. Ao salientar a importância dos trabalhos por si desenvolvidos, a entidade assevera que “não tem interesse na participação nos processos licitatórios que serão fundamentados nos estudos por ela estruturados”, havendo ainda compromisso por parte das sociedades selecionadas pela EBP para elaboração dos estudos em não participarem dos certames deles decorrentes (peça 20, p. 7-8).

16. Aduz que, em decorrência de compromisso junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), “os acionistas da EBP se autoimpuseram restrições quanto à confidencialidade das informações contidas nos estudos, até que estes se tornem públicos” (peça 20, p. 8).

17. Finaliza sua exposição asseverando que:

54. Nesse contexto, a dedicação de recursos materiais e humanos na atuação do BNDES perante a EBP e perante órgãos e entidades públicos não é contrária à sua forma de atuação, não simbolizando qualquer irregularidade.

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55. Na medida em que o convênio representa um desdobramento natural e necessário da relação previamente existente entre o Sistema BNDES e a EBP, a aplicação de recursos para a sua concretização se afigura como ação legítima e que garante a aderência dos estudos às políticas e diretrizes de interesse público.

56. O convênio é, assim, um instrumento válido de que o BNDES pode se valer para fomentar o desenvolvimento nacional, tendo respaldo em seus atos estatutários, conforme acima demonstrado. (peça 20, p. 17)

I.2. Argumento do BNDES

18. Manifestando-se em resposta ao Ofício 492/2013-TCU/SefidTransporte (peça 5), o BNDES encaminhou, mediante o Ofício 947/2013-BNDES/GP, a Nota Técnica AEP/SUP 6, de 18/12/2013 (peças 15 e 16). Buscando justificar o instituto previsto no art. 21 da Lei 8.987/1995 (autorização para realização de estudos preparatórios a desestatizações), o documento tratou da exposição acerca da experiência internacional e subnacional referente à “apresentação de projetos, estudos, levantamentos e investigações por particulares”.

19. Em seguida, o banco dedicou-se a discorrer sobre o histórico, objetivos e forma de atuação da EBP, destacando pronunciamento do Cade admitindo “verossímil que tal mercado de estruturação de projetos para o setor público na verdade não existe no Brasil” (peça 15, p. 13-14). Transcreve, inclusive, manifestação do Conselheiro Relator no Ato de Concentração 08012.002939/2008-47, no sentido de que:

Outra iniciativa das requerentes relacionadas ao intento máximo de revestir de confiança e de lealdade seu papel pioneiro de criação deste mercado se refere ao convite feito ao BNDES para integrar o empreendimento, associando-se aos grupos privados no capital da EBP. A parceria com o BNDES é justificada como uma forma de garantir a imparcialidade na estruturação dos projetos, afastando qualquer preocupação quanto a assimetrias de informação na elaboração dos projetos da EBP. (grifado pelo BNDES)

20. Nesses termos, defendeu que sua presença no quadro societário da EBP asseguraria que os estudos ali produzidos não se viesariam em favor de licitantes preferidos pelos demais sócios da estruturadora.

21. Defende, ademais, ser “salutar o diálogo do agente privado com o Poder Público” e, diante da prospecção de projetos, “não seria válido se exigir a imobilidade de determinada empresa” (peça 15, p. 15). Citando Marcos Juruena Villela Souto, registra que:

‘(...) não é, pois, razoável que se espere que o setor privado tenha que assistir ‘de camarote’ a consolidação da crise e do caos, sem que nada possa oferecer. (...) É absolutamente descabido pretender institucionalizar uma barreira entre o setor público e o setor privado, quando este legitima e é destinatário das ações daquele. (grifado pelo BNDES)’

22. O banco tece as seguintes considerações quando reputa válida a interação de particulares com o Poder Público nas circunstâncias abaixo (peça 15, p. 16-17):

1) Exista a abertura para que qualquer empresa interaja com o governo, a fim de discutir os projetos a serem estruturados sob a forma de concessões e PPPs. Ou seja, deve ser garantido o livre acesso ao Poder Público, a fim de que sejam estabelecidos diálogos acerca de potenciais projetos de concessão pública. O que não se exige é que os pedidos de autorização sejam feitos de forma simultânea.

2) O início formal do processo de elaboração dos estudos de viabilidade, sob a forma do art. 21 da Lei 8.987/1995 seja público, por meio de divulgação no diário oficial ou em outros meios de amplo acesso;

3) Seja dada a oportunidade de qualquer interessado solicitar a autorização para realização dos estudos sobre o mesmo objeto.

23. Acrescentou, também, que o BNDES “atua sob a égide do direito privado, aplicando-se às suas atividades os direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários” e, portanto, adota práticas como a “celebração de acordos estratégicos”, de forma que “uma parcela do mercado acaba por não receber o apoio do BNDES” (peça 16, p. 3).

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24. Destacou, ainda, que a avença firmada com a EBP não obstaria a que outros agentes angariassem o apoio do banco para formalizar parcerias em condições semelhantes, realizando operações equivalentes àquelas já existentes. Por conseguinte, a prática inquinada não representaria favorecimento.

25. Retomando o tema da suposta tendência de intensificação de “parcerias complexas” entre o setor público e a iniciativa privada, o BNDES menciona a celebração de acordos-programa, protocolos de intenção, termos de compromisso, convênios financeiros e “convênios de infraestrutura”, citados na literatura e alegadamente praticados por entidades da federação. Nesse contexto, o banco teria firmado “ajuste adicional” com a EBP “a fim de legitimar o acompanhamento pelo BNDES dos estudos técnicos durante sua fase de elaboração, ou seja, no dia a dia dos projetos” (peça 16, p. 5).

26. Reafirmou o BNDES que o convênio celebrado é elemento indissociável da própria criação da EBP, ligando-se intrinsecamente ao objeto social daquela companhia, sendo que “a existência do convênio já era uma certeza por ocasião da constituição da EBP e um de seus elementos informadores” (peça 16, p. 6).

27. A instituição de fomento amparou-se, ainda, nos seguintes comentários de Carlos Ari Sunfeld à Lei 11.908/2009, a qual autorizou o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal a adquirir participações em instituições de ramos complementares ao setor financeiro (peça 16, p. 6-7):

‘O que a lei autorizou não foi que elas fizessem simples investimentos em empresas quaisquer que se apresentassem como boas alternativas de negócio. Não. Elas foram autorizadas a usar novas formas societárias para o desenvolvimento de seu objeto social: pela constituição de subsidiárias, integrais ou com participação privada minoritária (art. 1º), ou pela participação em empresas do setor privado, inclusive formando semiestatais (grifo acrescido)’

28. Colacionaram-se, em seguida, lições de Luis Roberto Barroso e de Marcos Juruena acerca da inaplicabilidade do procedimento licitatório para celebração de convênio – o qual consignou, em seu item 2, as seguintes atribuições ao BNDES (peça 16, p. 8):

(a) fornecer parecer técnico sobre o enquadramento do Projeto nos objetivos do Convênio, quando solicitado pela EBP;

(b) acompanhar o gerenciamento e a execução dos Estudos, promovendo o alinhamento com as diretrizes e políticas públicas setoriais, zelando pela imparcialidade, qualidade e condições de concorrência para a licitação de projetos;

(c) promover a interlocução com os órgãos da Administração Pública direta e indireta da União, dos Estados e Municípios após a manifestação do órgão de que pretende realizar licitação do Projeto desenvolvido no âmbito do Convênio;

(d) auxiliar os órgãos da Administração Pública direta e indireta da União, dos Estados e Municípios nos processos de consulta e audiências públicas;

(e) manifestar-se sobre a documentação relativa aos estudos incluindo relatórios, minutas de editais e contratos de concessão.

29. Prosseguiram pontuando que “a elaboração inadequada de estudos técnicos envolve diversos riscos, tanto no que toca à qualidade dos estudos, como no que se refere ao alinhamento do estudo com os objetivos da política pública” (peça 16, p. 10). A “participação do BNDES no acompanhamento e supervisão dos estudos técnicos” justificar-se-ia em função da “realidade da grande maioria dos estados e municípios (...) sem especialistas suficientes para proceder à correta auditagem de estudos preparatórios de concessões” (peça 16, p. 10).

30. Acerca do funcionamento do convênio em apreço, informou a instituição oficial de fomento que (peça 16, p. 11):

‘O BNDES tem a prerrogativa de supervisionar a realização do trabalho, incluindo o acompanhamento de reuniões e outras tratativas ocorridas entre a equipe técnica e o ente público competente, desde os momentos iniciais de elaboração dos estudos técnicos. Isso ocorre, a fim de garantir que as diretrizes passadas pelos órgãos responsáveis sejam, de fato, incorporadas nos estudos técnicos desde o seu início, atestando a ausência de desvirtuamento da modelagem técnico-

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econômica do projeto. Caso não seja permitido ao BNDES acompanhar, pari passu, todas essas etapas, sua supervisão restará seriamente prejudicada, pois não terá pronto acesso às informações do projeto.

(...)

Na hipótese de o ente responsável decidir pela licitação do projeto desenvolvido no âmbito do Convênio, o BNDES será o responsável pela interlocução com o órgão público. Isto é, concluída a elaboração dos estudos pelas empresas autorizadas e, na hipótese de ser selecionado o estudo técnico desenvolvido pela EBP, o BNDES interagirá com o Poder Público, com vistas a auxiliá-lo na realização do certame licitatório.

Entendeu-se que, nesse momento, seria mais adequado que o BNDES capitaneasse o apoio ao Governo, na qualidade de empresa pública. Portanto, deve interagir com os órgãos responsáveis, a fim de prestar o apoio necessário, ainda na fase interna da licitação. Tal é o sentido emprestado pela redação do item (c) ao prever que cabe ao BNDES promover a interlocução com os órgãos da Administração Pública após “a manifestação do órgão de que pretende realizar licitação do projeto desenvolvido no âmbito do Convênio”. Essa atribuição, diga-se, reforça a necessidade de o BNDES conhecer a fundo os estudos técnicos de viabilidade, a fim de melhor assessorar os governos em eventuais dúvidas que surjam ainda na fase interna da licitação.’

31. Acresceu que o art. 2º, § 3º, da Lei 9.491/1997 confere aos entes públicos a faculdade de firmar acordo com o BNDES para supervisionar processos de desestatização, de modo que o banco auxiliasse o Poder Concedente não apenas “na hipótese de o estudo técnico da EBP ser o selecionado” (peça 15, p. 11).

32. Finalmente, no mérito da questão suscitada pelo item 9.4 do Acórdão 3.362/2013-TCU-Plenário (“alocação gratuita de expertise e recursos, pelo BNDES, em favor da EBP”), o banco argumentou que (peça 15, p. 12):

‘Os recursos que são despendidos pelo Banco, basicamente relacionados com o envolvimento de seus quadros técnicos nos projetos desenvolvidos pela EBP, não implicam em corresponsabilidade ou coautoria na execução dos estudos técnicos que são pré-condição à licitação dos empreendimentos.

Conforme já examinado, a atuação do BNDES está eminentemente relacionada com a sua função de acompanhar, de “supervisionar” a atuação da EBP na condução dos estudos – de modo a garantir a sua aderência com as políticas de governo e, principalmente, a manutenção da sua neutralidade.

(...)

Conforme exposto nos itens precedentes, é absolutamente imprescindível para a Administração Pública que os projetos desenvolvidos pela EBP estejam alinhados com as políticas governamentais estabelecidas e que sejam tecnicamente neutros – aqui entendida essa neutralidade como a ausência de direcionamento dos estudos em favor de algum grupo econômico ou mesmo algum dos acionistas da EBP. (grifado no original)’

33. À guisa de desfecho de sua primeira manifestação, reiterou que não caberia exigir que, “previamente à celebração do convênio de cooperação técnica, o BNDES fosse obrigado a realizar um chamamento público específico, a fim de dar a oportunidade a que outras empresas celebrassem instrumento semelhantes” (peça 16, p. 15).

34. A Nota AEP/SUP 2/2014 (peça 31) disserta sobre a forma pela qual o BNDES e a EBP concretizam o objeto do convênio que firmaram entre si. A explanação principia escandindo a atividade desenvolvida em três momentos, a saber: prospecção de projetos; elaboração e acompanhamento dos estudos técnicos; e auxílio nos processos de licitação.

35. Quanto à fase de prospecção, o BNDES esclareceu que cabe à EBP “percorrer o país, a fim de identificar potenciais projetos enquadráveis nos objetivos do convênio” (peça 31, p. 2). Todavia, afirmou que:

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‘Isso, contudo, não implica a vedação ao BNDES de acompanhar reuniões a cujo objetivo seja a definição das diretrizes do projeto. Como reiterado nos autos, tal acompanhamento pari passu por este Banco permite o conhecimento necessário das diretrizes de política pública que devem ser observadas nos estudos técnicos e que podem, legitimamente, ser transmitidas à EBP ainda nos momentos iniciais dos estudos. (peça 31, p. 3 – grifado no original)’

36. Durante a etapa seguinte (elaboração e acompanhamento dos estudos técnicos), “as atividades do BNDES (...) consistem no acompanhamento das reuniões entre EBP/consultores técnicos e Poder Concedente e, concomitantemente, na checagem do material produzido pela EBP” (peça 31, p. 3). Nesse sentido, o banco confirmou ter assumido a tarefa de verificar a consistência dos estudos formulado pela EBP “com base nos entendimentos pretéritos com o Poder Concedente” (peça 31, p. 3).

37. Por fim, tem-se a fase de “auxílio nos processos de licitação”, posterior à seleção do projeto desenvolvido pela EBP (com as intervenções do BNDES declaradas acima) pelo Poder Concedente. Nesse ponto, compete ao banco “o papel de auxiliar o Poder Concedente na licitação do projeto”, sendo essa “a razão das atribuições postas nos itens (c) e (d) do item (ii), 2.1 do convênio” (peça 31, p. 5). Ponderou a agência de fomento que a decisão sobre sua participação no processo, bem como da seleção do projeto de autoria da EBP, cabe exclusivamente ao Poder Concedente.

38. Já a Nota AEP/SUP 2/2014, em seu segmento final (peça 31, p. 11-19) sustentou que a legalidade do acordo em exame encontra amparo na Constituição, nas Leis 8.666/1993 e 6.404/1976, na Lei de Diretrizes Orçamentárias, nos Decretos 6.322/2007, 6.170/2007 e 5.504/2005, na Instrução Normativa STN 1/1997 (IN-STN 1/1997) e mesmo no entendimento esposado no Acórdão 7/2002-TCU-Plenário.

39. Em que pese o art. 241 da Constituição da República apenas versar sobre convênios entre pessoas de direito público, o art. 199, § 1º, daquela Carta prevê a participação de instituições privadas no sistema único de saúde mediante convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. O § 2º daquele mesmo dispositivo constitucional veda a destinação de recursos públicos “para auxílios ou subvenções” às instituições privadas com fins lucrativos.

40. Assim, na percepção do BNDES, o art. 199 da Constituição, muito embora trate de assistência à saúde (1) autorizaria a celebração de convênio com a EBP, empresa privada com fins lucrativos, (2) ainda mais considerando-se que o referido convênio não contempla transferência de recursos públicos para auxílios ou subvenções.

41. Os demais argumentos do BNDES repousam sobre as seguintes interpretações:

1) a Lei 8.666/1993 não teria especificado “quanto ao perfil a ser seguido pelas sociedades privadas que celebrem convênios com a Administração Pública” (peça 31, p. 14);

2) a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2008 não contemplaria “restrição de caráter geral” para a celebração de convênios com entidades privadas de fins lucrativos;

3) o Decreto 6.170/2007 restringe a possibilidade de convênios apenas aos casos em que se prevê transferências de recursos do Orçamento Fiscal e de Seguridade Social da União;

4) a IN-STN 1/1997 proibiria apenas as transferências, a empresas privadas, de recursos como contribuições, auxílios ou subvenções públicos; e

5) o relatório que antecede o Acórdão 7/2002-TCU-Plenário (rel. Min. Lincoln Magalhães) afirma que “não nos parece haver óbice a que o Sesi firme convênios ou outros instrumentos de cooperação com entidades privadas (...)”.

42. Evocou exemplo da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a qual contaria com autorização para firmar convênio com a iniciativa privada, desde que não houvesse repasse de recursos. Em suma, entende o banco que a inexistência de “vedação expressa” autorizaria a celebração de convênio entre entidade da Administração Pública (BNDES) e sociedade empresarial (EBP). Alegou, ainda, que a legislação proscreveria apenas a transferência de recursos financeiros para entidades com fins lucrativos.

43. Aduziu, em sequência, que o art. 15, inciso IX, do Estatuto Social do BNDES autorizaria “a realização de acordos, contratos e convênios que constituam ônus, obrigações ou compromissos para o BNDES”, bem assim o art. 9º, inciso VI, do mesmo estatuto, permitiria a “prestação de apoio técnico e

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financeiro” para a estruturação de projetos (peça 31, p. 17).

44. Por fim, alegou que sua atuação, como banco de fomento,

‘(...) implica a realização de atividades até então inéditas em âmbito nacional. Portanto, a instituição prévia de qualquer restrição no Estatuto do BNDES, baseada meramente em práticas passadas, poderia limitar indevidamente a atuação deste Banco, prejudicando o alcance de seus objetivos finais.’

45. Arrematou o BNDES concluindo que o convênio em epígrafe consistiria em “soma de esforços entre entidades afins” (peça 31, p. 18 – grifado no original) e, caso fosse considerada formalmente irregular, propugnou por que fosse convolado em acordo de acionista ou regra de governança (peça 31, p. 19).

II. Análise da oitiva

46. Conforme relatado, tanto a EBP quanto o BNDES ofertaram esclarecimentos acerca da celebração de convênio de cooperação técnica entre si, intentando justificar a regularidade do pacto realizado. Doravante, analisa-se apartadamente a manifestação emitida pelos referidos entes.

47. Examinado detidamente, o item 9.4 do Acórdão 3.362/2013-TCU-Plenário (TC 012.687/2013-8) permite identificar três pontos de conflito a serem investigados: 1) “celebração do convênio de cooperação técnica entre aqueles entes, considerando que a EBP é uma empresa privada constituída sob a forma de sociedade de ações que distribui dividendos”; 2) (...) “caracterizando a concessão de benefício indevido àquela empresa a partir da alocação gratuita de recursos e de expertise, pelo BNDES, em seu favor”; e 3) “sem que o mesmo tratamento seja dispensado a outras empresas que atuam no ramo de elaboração de projetos, em afronta aos princípios da moralidade e da impessoalidade administrativa”.

48. Examinando as respostas prestadas pelas entidades envolvidas, percebe-se necessário avaliar a juridicidade do acordo – é dizer, sua conformidade às regras positivadas e aos princípios jurídicos – sob três ângulos distintos e complementares, correspondentes aos segmentos do referido item 9.4:

1) a juridicidade formal, procedimental e material do acordo firmado entre o BNDES e a EBP;

2) a ocorrência de alocação gratuita de recursos e de expertise do BNDES em favor da EBP e a eventual regularidade dessa alocação; e

3) a ocorrência de favorecimento à EBP.

49. Doravante, sob as três perspectivas acima, examina-se o mérito dos esclarecimentos prestados pela EBP e pelo BNDES. Ao final da avaliação acerca da juridicidade do convênio, analisa-se a responsabilização dos gestores à luz dos elementos trazidos aos autos.

II.1. Juridicidade do convênio firmado

50. Compulsando os argumentos trazidos pela EBP, conclui-se que suas razões são insuficientes para justificar a regularidade do acordo. Primeiramente, a mera relação societária existente entre o BNDES e a EBP, per se, não legitima a celebração de todo e qualquer tipo de acordo entre as partes.

51. Tampouco a relevância dos trabalhos desenvolvidos (projetos para orientar futuras concessões), o propalado desinteresse da EBP em participar dos certames derivados dos projetos por si apresentados ou mesmo a existência de compromissos autonômicos (quanto à organização interna daquela empresa) prestam-se a fundamentar a legalidade do convênio sob retina.

52. Qualidades sui generis, tais como as mencionadas pela EBP – expertise, amplitude de escopo de seus projetos, imparcialidade dos estudos desenvolvidos em relação aos interesses das empresas que futuramente o executariam etc. – poderiam, em tese, servir de critérios objetivos prévios para que o poder público selecione interessados em elaborar estudos. Sabe-se que a singularidade do serviço técnico, caso preenchidos os requisitos da espécie (entre os quais sua exaustiva comprovação), figura entre as causas legais para se atalhar processo seletivo público (art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993).

53. Distinta a situação sob análise, a arguição de tais atributos nada contribui para elucidar a licitude do convênio firmado entre o BNDES e aquela estruturadora de projetos. Assim, inservíveis as razões da EBP

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para caracterizar a regularidade do acordo em tela, passa-se à análise dos argumentos trazidos pelo BNDES.

54. Para aferir a compatibilidade da convenção em epígrafe com as normas e princípios que informam o ordenamento, cabe examiná-la sob três prismas complementares: 1) a adequação do instrumento eleito (i.e. convênio); 2) a forma pela qual foi celebrada; e 3) a juridicidade de seu conteúdo.

II.1.1. Legalidade formal: adequação do instrumento escolhido (convênio)

55. Como é cediço, o BNDES integra a Administração Pública Indireta Federal, na qualidade de pessoa jurídica de direito privado (empresa pública). Destarte, como centro de imputação jurídica, habilita-se a titularizar direitos e obrigações e a celebrar negócios jurídicos. Exemplificando, o banco oficial de fomento, no desempenho de sua atividade-fim, firma contratos de financiamento com particulares

56. Todavia, para a reunião de vontades definidora dos negócios jurídicos, não pode o BNDES atuar em plena autonomia da vontade, ao contrário do que ocorre com os agentes particulares. Integrando organicamente a Administração Pública, os atos praticados pelo BNDES devem imbuir-se de finalidade pública, invariavelmente e em última instância.

57. Entre os negócios jurídicos bilaterais, notabilizam-se os contratos e os convênios, estes diferenciando-se daqueles por pressupor a consecução de finalidades comuns, enquanto que os contratos representam interesses distintos (simétricos ou opostos). Extremando os institutos, o Tribunal de Contas da União, em sua publicação “Licitações & Contratos – 3ª edição”, registra a seguinte passagem:

‘Diferença entre Contrato e Convênio

O convênio é o acordo que tem por partes órgãos, entidades da Administração e organizações particulares. Os objetivos são recíprocos e a cooperação mútua.

No contrato, o interesse das partes é diverso, pois a Administração objetiva a realização do objeto contratado e ao particular interessa o valor do pagamento correspondente.

No convênio os interesses das partes são convergentes; no contrato são opostos.

(...)

No convênio, os partícipes visam exclusivamente à consecução de um determinado objeto, de comum interesse. Por esse motivo é que não se admite a obtenção de qualquer vantagem que exceda o interesse comum pretendido com o próprio objeto, como, por exemplo, a percepção de taxa de administração, sob pena de desconfiguração do ajuste. Já o contrato pressupõe interesses opostos (diferenciados), existindo sempre uma contraprestação, um benefício, uma vantagem. (Súmula da Consultoria Zênite nº 042, de junho/1999)’ (grifou-se)

58. Na quarta edição da mesma publicação (acessível a partir do sítio oficial http://portal2. tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2057620.PDF), consigna-se, em harmonia com o antes exposto:

‘Diferença entre Contrato e Convênio

No contrato, o interesse das partes é diverso. Interessa à Administração a realização do objeto contratado e ao particular o valor do pagamento correspondente. Há sempre contraprestação, vantagem ou benefício pelo objeto avençado.

No convênio, o interesse das partes é recíproco e a cooperação mútua. As partes têm por finalidade a consecução de determinado objeto de interesse comum.’

59. O Tribunal também possui resenha jurisprudencial a respeito, conforme pesquisa no sistema de jurisprudência sistematizada:

‘Constitui requisito obrigatório para a celebração de convênio, acordo ou ajuste, a caracterização de interesse recíproco dos partícipes. Tratando-se de interesses distintos, o instrumento adequado é o contrato, para o qual se impõe, em regra, o procedimento licitatório.’

60. A diferenciação acima se aplica, inclusive, às entidades que não integram o orçamento fiscal e da seguridade social. De fato, em recente julgado, o TCU determinou que o Sistema “S” observasse a

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existência de reciprocidade de interesse na celebração de convênios (Acórdão 3.736/2013-TCU-2ª Câmara).

61. Ante o exposto, conclui-se que, às entidades integrantes da Administração Pública, guiadas exclusivamente pelo interesse público, só se faculta a celebração de convênios com entes que comunguem do interesse público – é dizer, com outras entidades públicas ou com organizações do terceiro setor, sem fins lucrativos, tais quais organizações não-governamentais, organizações sociais de interesse público (“Oscips”) etc.

62. Na mesma linha, Celso Antônio Bandeira de Mello entendeu que (BANDEIRA DE MELLO/Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo, ed.19, São Paulo/Malheiros, 2005, p. 626):

‘Só podem ser firmados convênios com entidades privadas se estas forem pessoas sem fim lucrativo. Com efeito, se a contraparte tivesse objetivos lucrativos, sua presença na relação jurídica não teria as mesmas finalidades do sujeito público. Pelo contrário, seriam reconhecidos objetos contrapostos, pois, independentemente da caracterização de seus fins sociais, seu objetivo no vínculo seria a obtenção de um pagamento.’

63. Por mais que o BNDES proclame em contrário (e.g. peça 31, p. 18), não se pode considerar que o objeto social da EBP remete à persecução de finalidades públicas ou altruístas, caso em que deveria ter sido constituída na forma de sociedade civil simples ou não-empresária (e.g. associação, fundação privada etc.), e não sob a modalidade de sociedade por ações – a qual, por força do art. 982, parágrafo único, do Código Civil, invariavelmente denota atividade empresária:

‘Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais.

Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.’ (grifamos)

64. Tampouco o funcionamento interno da EBP, com suas regras de confidencialidade do tipo “Chinese wall” (regras que impedem a divulgação de certas informações de uma entidade, com vistas a dirimir conflito de interesses), é importante no exame do vertente caso. As normas de governança adotadas pelo ente não descaracterizam sua natureza empresarial, sabidamente incompatível com a celebração de convênios com entes públicos.

65. A declaração de que o convênio estriba-se na “vontade revelada pelos fundadores da EBP de viabilizar uma joint venture, cuja finalidade fosse a realização de estudos (...) para a Administração Pública” (peça 20, p. 11) apenas reforça a conclusão acima. No contexto brasileiro, e a exemplo da EBP, inúmeras empresas há que objetivam primordialmente prestar serviços ao Estado mediante expectativa de remuneração (e.g. grandes empreiteiras, laboratórios farmacêuticos etc.) e nem por isso habilitam-se à celebração de convênios com entes públicos, mesmo que, como contrapartida, contribuam para o crescimento do país.

66. Com efeito, o estatuto da EBP prevê a remuneração dos estudos por si elaborados e a distribuição de dividendos a seus sócios. A circunstância de que não houve, até o momento, a distribuição dos resultados apurados – conforme argumento manejado em reunião técnica – não invalida a conclusão de que a EBP consiste em sociedade empresarial com finalidade lucrativa.

67. Malgrado a conclusão acima – no sentido de que as entidades públicas apenas podem conveniar com pessoas jurídicas sem fins lucrativos – surja constitucionalmente excepcionada para o caso do Sistema Único de Saúde, não se pode generalizar tal exceção, sob pena de se promover a cessão de recursos públicos para a satisfação de interesses exclusivamente privados.

68. Cumpre concluir que, a toda evidência, a avença firmada entre o BNDES e a EBP, em virtude de sua natureza e das partes que a celebraram (de um lado, ente público depositário do interesse público e, de outro, sociedade por ações, isto é, pessoa jurídica com fins lucrativos), afeiçoa-se à modalidade contratual.

II.1.2. Juridicidade procedimental: o processo de celebração do acordo entre o BNDES e a EBP

69. Ainda que praticada sob forma imprópria (convênio ao invés de contrato), a juridicidade da

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convenção entre as partes ainda precisa ser aferida analisando-se: 1) o modo como fora celebrado; e 2) seu conteúdo. O primeiro ponto remete ao regramento aplicável à celebração de negócios jurídicos por parte das entidades da Administração Pública Indireta – mais especificamente, das “empresas estatais” –, a respeito do qual o Exmo. Sr. Ministro-Substituto Marcos Bemquerer Costa, preleciona que (BEMQUERER/Marcos, O Regime Jurídico das Empresas Estatais após a Emenda Constitucional nº 19/1998, ed. 1, Fórum/Belo Horizonte, 2012. p. 155):

‘[Portanto] uma interpretação razoável é a de que, se as estatais estiverem prestando serviço público, cujo regime tem forte influxo do direito público, dever-se-ão submeter às normas gerais de licitação (atualmente, a Lei nº 8.666/93) e não apenas aos princípios da Administração Pública. Se, entretanto, estiverem na atividade econômica, porque devem ter regime equivalente às empresas privadas, submetem-se apenas aos princípios da Administração Pública”’.

70. A subsunção das entidades públicas de direito privado (empresas públicas e sociedades de economia mista) a diretivas atinentes a ambos os regimes jurídicos (público e privado) levou Maria Sylvia Zanella di Pietro a considerá-las híbridas (DI PIETRO\Maria Sylvia Zanella, Direito administrativo, ed. 20. São Paulo/Atlas, 2007, p. 413).

71. Atentando para o excerto acima transcrito, conclui-se infestável a sujeição da atividade de fomento aos princípios da Administração Pública. Nesse sentido, o próprio banco afirma que “não se nega que o BNDES, como entidade pública, deve apreço aos princípios da moralidade, impessoalidade, legalidade, isonomia, eficiência, entre outros” (peça 16, p. 3).

72. Cabe, pois, examinar a atuação da instituição financeira face aos principais mandamentos nucleares a que se submete sua atuação – mesmo na celebração e execução de “acordos estratégicos” (peça 16, p. 3). Percebe-se, de plano, que os aludidos princípios constam do art. 37, caput, da Constituição da República, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

73. Regendo-se a Administração Pública pelo princípio da legalidade, leciona Diógenes Gasparini que “Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal, ou que exceda o âmbito demarcado pela lei, é injurídica e se expõe à anulação” (GASPARINI/Diógenes, Direito Administrativo, ed. 12, Saraiva/São Paulo, 2011. p. 7-8). Ou, como preceitua Bandeira de Mello, “o princípio da legalidade, no Brasil, significa que a Administração nada pode fazer senão o que a lei determina” que (BANDEIRA DE MELLO/Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo, ed.19, São Paulo/Malheiros, 2005, p. 93).

74. Assim, não podem ser acatados os argumentos de que: 1) a Lei 8.666/1993 não teria especificado o “perfil a ser seguido pelas sociedades privadas que celebrem convênios com a Administração Pública” (peça 31, p. 14); ou 2) a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2008 não contemplaria “restrição de caráter geral” para a celebração de convênios com entidades privadas de fins lucrativos. Conforme já realçado, o BNDES não atua sob autonomia da vontade, a si não cabendo simplesmente adotar qualquer comportamento não defeso, e sim trilhar as orientações traçadas na legislação.

75. Não obstante, o banco apresenta, como norma autorizadora para celebração do “convênio de cooperação técnica”, o art. 9º, inciso VI, de seu Estatuto (Decreto 4.418/2002), dispositivo incluído pelo Decreto 6.322/2007 e que conta com a seguinte redação:

‘Art. 9º. O BNDES poderá também:

(...)

VI - contratar estudos técnicos e prestar apoio técnico e financeiro, inclusive não reembolsável, para a estruturação de projetos que promovam o desenvolvimento econômico e social do País ou sua integração à América Latina;’

76. Compulsando o endereço oficial do banco na internet (http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/Recursos_Nao_Reembolsaveis/), nota-se que, entre as formas pelas quais o banco proclama realizar “aplicações não reembolsáveis”, enumeram-se o Fundo Social, o Fundo Tecnológico (Funtec), o Fundo de Estruturação de Projetos (FEP) e o Fundo Amazônia, além de “apoio a projetos no setor da cultura” e “patrocínio a eventos”. Versando especificamente sobre o FEP, registra:

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‘BNDES Fundo de Estruturação de Projetos (BNDES FEP)

Origem dos recursos: reversão dos lucros anuais do BNDES.

Objetivo: apoiar a realização de pesquisas ou estudos que contribuam para a formulação de políticas públicas ou a geração de projetos relacionados ao desenvolvimento econômico e social do Brasil e da América Latina.

Modalidade de Operação: chamadas públicas.’

77. Comentando o funcionamento do fundo, página dedicada ao FEP assim consigna (grifou-se):

‘Seleção e operacionalização

A escolha dos temas objeto dos estudos técnicos ou pesquisas será de iniciativa do BNDES, considerando as orientações estratégicas, prioridades e políticas do Banco. Os temas são divulgados neste portal.

Os estudos e pesquisas serão selecionados por meio de chamadas públicas e serão escolhidos pelo Comitê de Seleção do BNDES FEP.

Categorias de Financiamento

Os estudos técnicos e pesquisas são classificados nas categorias descritas a seguir:

Pesquisa Científica: pesquisa que tenha relação com a ampliação do conhecimento sobre tendências do desenvolvimento econômico e social do País.

Projeto: estudo técnico que propicie de forma direta um empreendimento que se enquadre nas finalidades do BNDES FEP.

Prospecção: estudo ou pesquisa com objetivo de produzir informação e dados necessários à orientação de políticas públicas ou à identificação de potenciais projetos alinhados com as finalidades do BNDES FEP.’

78. Destarte, a relação contida na página do próprio banco certifica que as iniciativas de apoio à estruturação de projetos precederam-se de chamadas públicas, ao contrário do que ocorreu quando do estabelecimento do “convênio de cooperação” firmado entre o banco e a EBP. Ademais, não se encontra nos autos qualquer análise ou mesmo decisão do Comitê de Seleção do BNDES em relação ao referido acordo.

79. Em suma, entende-se configurada a falta de amparo legal para assinatura de “convênio de cooperação” entre o BNDES e a EBP, eis que o procedimento adotado para tanto desbordou das normas existentes e aplicáveis à seleção de beneficiários de recursos não reembolsáveis. Assim, conclui-se que o procedimento empregado infringiu o princípio da legalidade, estampado no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988.

80. O segundo princípio a ser observado (impessoalidade) traduz-se na necessidade de que o agente público dispense tratamento isonômico aos administrados, vedando-se ao Estado preferir injustificadamente um interessado aos demais, ofertando-lhe vantagem não extensível a seus pares. A etimologia do vocábulo revela que a isonomia consiste em estipular “regras iguais” àqueles que se encontrem em situações similares, tal como o próprio BNDES entrevê em seu Ofício 947/2013-BNDES-GP (peça 16, p. 17-18):

‘1) Exista a abertura para que qualquer empresa interaja com o governo, a fim de discutir os projetos a serem estruturados sob a forma de concessões e PPPs. Ou seja, deve ser garantido o livre acesso ao Poder Público, a fim de que sejam estabelecidos diálogos acerca de potenciais projetos de concessão pública. O que não se exige é que os pedidos de autorização sejam feitos de forma simultânea.

(...)

3) Seja dada a oportunidade de qualquer interessado solicitar a autorização para realização dos estudos sobre o mesmo objeto.’

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81. Ao tempo em que o banco apregoa a necessidade de “abertura para qualquer empresa” e “oportunidade a qualquer interessado” para legitimar “a interação com o Poder Público”, contraditoriamente afirma que o convênio em apreço seria elemento indissociável da própria criação da EBP (isto é, não resultou de processo seletivo isonômico), ligando-se intrinsecamente ao objeto social daquela companhia, sendo que “a existência do convênio já era uma certeza por ocasião da constituição da EBP e um de seus elementos informadores” (peça 16, p. 6 – grifo acrescido).

82. Incabível, ademais, o argumento de que outras empresas poderiam celebrar “convênios” com o BNDES a qualquer tempo, pois tal possibilidade em nada elide o fato de que à EBP foi garantido o recebimento de recursos públicos não reembolsáveis independentemente de sua submissão a processo seletivo exigível a seus potenciais concorrentes - cuja inexistência não se pode presumir, como quer o BNDES, mas sim deve ser comprovada mediante processo público de chamamento de interessados.

83. Assim, conclui-se que a forma eleita pelo BNDES para concretizar a missão posta pelo art. 9º, inciso VI, de seu Estatuto – é dizer, as decisões de se imbricar organicamente a empresa privada com fins lucrativos (EBP) e com ela celebrar “convênio” para realização de estudos – não ocorreu de forma imparcial, pois pretere potenciais interessados, tendo ofendido o preceito da impessoalidade, tal como estampado no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988.

84. Quanto ao princípio seguinte (moralidade), cabe rememorar a lição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto (MOREIRA NETO/Diogo de Figueiredo, Mutações do Direito Administrativo, ed.1, Renovar/Rio de Janeiro, 2001, p. 59), no sentido de que:

‘Considera-se, portanto, na moral administrativa, o resultado, desvinculadamente da intenção de produzi-lo, pois está-se diante de um conceito orientado pela finalidade. (...) Ora, esse bom resultado, objetivamente considerado, a que moralmente deve tender a Administração Pública, só pode ser o que concorra para a realização da boa administração, inegavelmente o que satisfaz o direcionamento aos interesses públicos, o que vem a ser seu fim institucional.’

85. Não há, nos autos, qualquer indício de que o fim colimado pelo acordo entre o BNDES e a EBP – a saber, a produção de estudos de viabilidade – possa ser considerado reprovável. Ao invés, demonstra-se habilmente a necessidade de elaboração de estudos para que o processo de concessão transcorra com chances de êxito.

86. Com efeito, a presente oitiva busca investigar os meios pelos quais o banco oficial de fomento articulou-se para obtenção dos aludidos estudos, e não os fins perseguidos pela avença ora inquinada (i.e. os próprios estudos) – concluindo-se, portanto, que não se há de falar em agressão ao princípio da moralidade administrativa.

87. O penúltimo princípio constitucional a se analisar corresponde à publicidade, o qual remete à transparência que se deve conferir, em regra, aos atos praticados por agentes públicos. Ao comentar sobre a relevância conferida ao sobredito princípio, o Exmo. Sr. Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, assim registrou ao relatar o Habeas Corpus 96.982-MC:

‘Ao dessacralizar o segredo, a Assembleia Constituinte restaurou velho dogma republicano e expôs o Estado, em plenitude, ao princípio democrático da publicidade, convertido, em sua expressão concreta, em fator de legitimação das decisões e dos atos governamentais. É preciso não perder de perspectiva que a Constituição da República não privilegia o sigilo, nem permite que este se transforme em práxis governamental, sob pena de grave ofensa ao princípio democrático, pois, consoante adverte Norberto Bobbio, em lição magistral sobre o tema (O Futuro da Democracia, 1986, Paz e Terra), não há, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério. Tenho por inquestionável, por isso mesmo, que a exigência de publicidade dos atos que se formam no âmbito do aparelho de Estado traduz consequência que resulta de um princípio essencial a que a nova ordem jurídico-constitucional vigente em nosso País não permaneceu indiferente. O novo estatuto político brasileiro - que rejeita o poder que oculta e que não tolera o poder que se oculta - consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como expressivo valor constitucional, incluindo-o, tal a magnitude desse postulado, no rol dos direitos, das garantias e das liberdades fundamentais, como o reconheceu, em julgamento plenário, o Supremo Tribunal Federal (RTJ 139/712-713, Rel. Min. Celso de Mello).’

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88. Em sua manifestação (peça 15, p. 18), o BNDES assim enuncia, enumerando as condições de validade para interação de particulares com o Poder Público:

‘2) O início formal do processo de elaboração dos estudos de viabilidade, sob a forma do art. 21 da Lei nº 8.987/1995 seja público, por meio de divulgação no diário oficial ou em outros meios de amplo acesso;’

89. Para além das considerações do banco acima consignadas, cumpre volver a atenção ao objeto da presente oitiva, a saber, a “celebração do convênio de cooperação técnica (...) caracterizando a concessão de benefício indevido àquela empresa a partir da alocação gratuita de recursos e de expertise, pelo BNDES, em seu favor” (item 9.4 do Acórdão 3.362/2013-TCU-Plenário - TC 012.687/2013-8).

90. Alega o BNDES, ainda, que “(...) no presente caso, a instituição da EBP e a concomitante celebração de convênio de cooperação técnica, foram tornadas públicas desde o seu início, com a publicação de todo o teor dos documentos na internet” (peça 16, p. 4).

91. Nesse ponto, sublinhada a distinção entre publicidade e publicação, pode-se considerar que: 1) a alteração no Estatuto do banco operou-se por decreto presidencial, regularmente publicado no Diário Oficial; 2) a criação da EBP foi submetida ao crivo do Cade; 3) a criação da EBP foi anunciada pelo BNDES com razoável antecedência, ainda em 2008, e amplamente noticiada nos meios de imprensa; e 4) cópias do “convênio de cooperação técnica” em apreço tornaram-se disponíveis ao público tanto no portal do BNDES na internet quanto na página eletrônica da EBP.

92. A publicidade conferida à criação da EBP e à assinatura do “convênio” contrasta, sem embargos, com a escassez de informações relativas à forma de execução de tal acordo. Assim, foram necessárias diversas diligências e reuniões para que se compreendesse, ainda assim em linhas gerais, o modo concreto pelo qual interagem os integrantes do BNDES e da EBP no âmbito do referido acordo. Desse modo, o mero fato de que pairam expressivas dúvidas sobre a natureza das atividades desenvolvidas denota déficit de transparência e publicidade na execução do “convênio de cooperação”.

93. Por fim, sabe-se que a Emenda Constitucional 19/1998 exaltou o princípio da eficiência, estampando-o no caput do art. 37 da Carta Política.

94. Nesse tocante, não se questiona, nestes autos, a eficiência do acordo entre o BNDES e a EBP – pois, malgrado reparos que se possa opor à qualidade final dos trabalhos, originando, por exemplo, as ressalvas contidas no Acórdão 3.661/2013-TCU-Plenário –, foram produzidos estudos de viabilidade em tempo hábil e em condições de balizar processos concessórios, ainda que com ressalvas relevantes.

95. Sintetizando as constatações acerca do processo de celebração do “convênio de cooperação” de que trata o item 9.4 do Acórdão 3.362/2013-TCU-Plenário (TC 012.687/2013-8), conclui-se que a assinatura do pacto entre o BNDES e a EBP vulnerou os princípios da:

a) legalidade estrita, ao concretizar atividade (prestação de apoio técnico) sem amparo legal e em desacordo com as regras aplicáveis à espécie, as quais impõem chamamento público para os casos de “aplicações não reembolsáveis”;

b) impessoalidade, uma vez que não houve propriamente seleção da EBP para a celebração de convênio ou recepção de recursos públicos, pois a empresa privada foi criada pelo BNDES (entre outros entes) já com vistas a se beneficiar do referido apoio técnico não reembolsável;

c) transparência, eis que a natureza das atividades desenvolvidas pelo BNDES no âmbito do “convênio de cooperação” – e.g. realização de “diversos exercícios (testes de aderência) nas planilhas financeiras, a fim de verificar a consistência dos modelos produzidos” (peça 31, p. 4) – apenas foi revelada após questionamentos em diligências oficiais.

96. Conforme salientou o Exmo. Ministro Walton Alencar Rodrigues em voto revisor do Acórdão 1.155/2014-TCU-Plenário, referente aos estudos elaborados pela EBP e utilizados pela SEP/PR (grifos no original):

‘Em outras palavras, com Juarez Freitas, as escolhas administrativas somente serão legítimas se forem sistematicamente eficazes, motivadas, proporcionais, transparentes, imparciais, respeitadoras da participação social, da moralidade e da plena responsabilidade

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(Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa Administração Pública. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 24).

(...)

Sendo a Administração a maior interessada na realização dos estudos, não vislumbro a possibilidade de adoção de procedimento que não observe rigorosamente os princípios constitucionais que regem o agir administrativo, dentre esses a legalidade, a moralidade e a impessoalidade.’

97. Daí porque não há outra conclusão possível se não a de que não se vislumbra a juridicidade procedimental do acordo firmado entre o BNDES e a EBP.

II.1.3. Juridicidade material do acordo entre o BNDES e a EBP

98. Como última instância de análise, cumpre analisar o conteúdo da avença em exame, de modo a definir sua legitimidade e sua eventual possibilidade de convalidação. Ademais, a investigação de seu teor possibilitará avaliar a natureza do ajuste firmado, máxime classificando-o como oneroso (ou “bilateral”) ou não-oneroso (ou “benéfico”) – fator que, segundo o BNDES, importa para o enquadramento legal do acordo.

99. O primeiro elemento a ser verificado consiste justamente no objeto do pacto em discussão, cuja primeira cláusula ostenta o seguinte conteúdo (peça 25, p. 2):

‘1. OBJETO

1.1 O Convênio tem por objeto estabelecer cooperação técnica entre as Partes, com vistas à estruturação de projetos de infraestrutura que impliquem relações contratuais de longo prazo entre a Administração Pública e agentes privados, especialmente concessões e PPPs ("Projetos"), mediante a elaboração de estudos técnicos e de viabilidade necessários à implementação desses Projetos ("Estudos").’ (grifado no original)

100. Repara-se claramente a intenção de concretizar o objeto do acordo – estruturação de projetos de infraestrutura – “mediante a elaboração de estudos técnicos e de viabilidade”. Dessa forma, o BNDES, bem assim a EBP, concorrerão, cada qual a modo próprio, para a elaboração de estudos. Desde já fica nítido o comprometimento do banco com o resultado colimado no acordo, a saber, a realização de estudos a serem apropriados pela EBP e apresentados ao Poder Concedente para eventual remuneração posterior àquela empresa. Assim, infere-se que:

1) o BNDES comprometeu-se a concorrer para a realização de estudos, o que necessariamente envolve a mobilização de algum tipo de recurso por parte do banco – sejam recursos humanos, financeiros, físicos (cessão do uso de bens ou instalações) etc.;

2) independentemente de eventual previsão do dispêndio de recursos financeiros por parte do BNDES, pode-se concluir, de plano, que o ajuste é oneroso ao banco, pois a entidade terá de dedicar à consecução do objetivo (elaboração de projetos) algum tipo de recurso próprio (humano, financeiro ou físico); e

3) o produto elaborado em conjunto será apresentado pela EBP ao Poder Concedente, isto é, o trabalho será apropriado pela entidade privada, a quem reverterão seus eventuais proveitos financeiros.

101. Em sua manifestação (peça 20, p. 17), a EBP confirma que, no âmbito do pacto em apreço, a instituição pública destinou recursos materiais e humanos em seu auxílio:

‘54. Nesse contexto, a dedicação de recursos materiais e humanos na atuação do BNDES perante a EBP e perante órgãos e entidades públicos não é contrária à sua forma de atuação, não simbolizando qualquer irregularidade.’

102. A natureza e extensão dessa disponibilização de recursos do banco público em prol da estruturadora será explorada na seção seguinte (“Alocação de recursos do BNDES em favor da EBP”). De todo modo, percebe-se que a EBP definitivamente beneficia-se do ajuste formado (pois se apropriará de estudos com potencial valor econômico), não restando demonstrada nos autos a vantagem ou interesse patrimonial que o convênio carreia ao BNDES.

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103. Para tal análise, impende sopesar a distribuição de encargos fixada no instrumento do acordo, a qual segue representada na forma da Tabela 1:

Tabela 1 – Distribuição das atribuições conferidas à EBP e ao BNDES pelo convênio de cooperação técnica firmado em 23 de março de 2013

Atribuições da EBP: cláusula 2.1, item i Atribuições do BNDES: cláusula 2.1, item ii

(a) selecionar os Projetos; (a) fornecer parecer técnico sobre o enquadramento do Projeto nos objetivos do Convênio, quando solicitado pela EBP;

(b) definir o escopo dos Estudos;

(b) acompanhar o gerenciamento e a execução dos Estudos, promovendo o alinhamento com as diretrizes e políticas públicas setoriais, zelando pela imparcialidade, qualidade e condições de concorrência para a licitação de projetos;

(c) aprovar e promover a contratação de consultoria técnica para a realização dos Estudos;

(c) promover a interlocução com os órgãos da Administração Pública direta e indireta da União, dos Estados e Municípios após a manifestação do órgão de que pretende realizar licitação do Projeto desenvolvido no âmbito do Convênio;

(d) prover recursos financeiros e administrativos necessários à execução dos Estudos;

(d) auxiliar os órgãos da Administração Pública direta e indireta da União, dos Estados e Municípios nos processos de consulta e audiências públicas;

(e) fornecer ao BNDES as informações e documentos necessários ao cumprimento de suas atribuições, previstas no inciso (ii) abaixo; e

(e) manifestar-se sobre a documentação relativa aos estudos incluindo relatórios, minutas de editais e contratos de concessão.

(f) divulgar, conjuntamente com o BNDES, inclusive em sítio eletrônico, os resultados dos Estudos imediatamente após a sua conclusão.

Fonte: peça 25, p. 2-3.

104. Considerando que as incumbências de ambas as partes concentram-se na produção de estudos de viabilidade, e tendo em vista que o resultado final desse esforço conjunto invariavelmente pertence ao ente privado, não se pode afirmar que as atribuições da EBP registradas nos itens a (escolha de projetos), b (definição do escopo), c (contratação de consultoria), d (custear os estudos) ou f (divulgação dos estudos) tragam benefícios outros ao BNDES que o mero fato de participar da produção dos estudos que, ao cabo, serão apresentados pela EBP ao Poder Concedente.

105. Quanto à atribuição consignada no item e (“fornecer ao BNDES as informações e documentos necessários ao cumprimento de suas atribuições” – grifou-se), percebe-se que sua redação remete aos encargos cominados ao banco estatal – os quais, por sua vez, resumem-se a prestar apoio técnico em benefício da própria EBP. Confirma-se, assim, que o acordo de vontades – cuja essência, conforme já se demonstrou, é incompatível com o instituto do convênio, assumindo feição precipuamente contratual – não contempla contraprestação da EBP ao BNDES, enquadrando-se na já comentada “aplicação não reembolsável”.

106. Conclui-se, por conseguinte, que o ajuste celebrado não incrementa o patrimônio jurídico ou econômico do BNDES. Patenteia-se, ainda, o fato de que a EBP apenas transmite as informações necessárias a que o BNDES a auxilie na produção de estudos, não se orientando o acordo pelo interesse da entidade pública, e sim da empresa privada. Depreende-se, pois, que o acordo não onera a EBP, mas tão somente o banco de fomento: o esforço despendido pela estruturadora de projeto reverte-se em benefício próprio, ao contrário do que ocorre com o banco estatal.

107. Inadmissível seria o argumento do “ganho de experiência” do BNDES como subproduto da doação de seus recursos a empresa particular, tanto em razão de que é o banco quem assessora a empresa, quanto

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em função da desproporcionalidade de prestações resultante de tal arranjo, quanto pelo fato de que tal procedimento destoa dos meios idôneos para a obtenção de informações úteis ao BNDES (realização de estudos próprios, contratação de consultoria etc.), ainda mais considerando-se que a EBP somente fornecerá “informações e documentos necessários ao cumprimento de suas atribuições” contratuais (i.e. auxílio à própria EBP).

108. Configura-se, assim, o “apoio técnico (...) não reembolsável” (e, portanto, reconhecidamente oneroso) de que trata o art. 9º, inciso VI, do Estatuto do BNDES – que, conforme já se comentou, carece de regulamentação para sua escorreita aplicação.

109. Nota-se que o item ‘c’ das atribuições do BNDES, por seu conteúdo, não poderia constar de qualquer acordo, firmado a qualquer título, que envolvesse ente integrante da Administração Pública. É expressamente defeso a promoção de interesses privados por parte de agentes, órgãos e entidades públicas, sob pena de irremediável desvio de finalidade da função estatal. Em que pese a redação do referido item prescrever que o banco atuará “após a manifestação do órgão de que pretende realizar a licitação”, o BNDES é enfático em afirmar que acompanha a EBP em reuniões e outras tratativas desde os momentos iniciais de elaboração dos estudos técnicos (peça 16, p. 11):

‘O BNDES tem a prerrogativa de supervisionar a realização do trabalho, incluindo o acompanhamento de reuniões e outras tratativas ocorridas entre a equipe técnica e o ente público competente, desde os momentos iniciais de elaboração dos estudos técnicos. Isso ocorre, a fim de garantir que as diretrizes passadas pelos órgãos responsáveis sejam, de fato, incorporadas nos estudos técnicos desde o seu início, atestando a ausência de desvirtuamento da modelagem técnico-econômica do projeto. Caso não seja permitido ao BNDES acompanhar, pari passu, todas essas etapas, sua supervisão restará seriamente prejudicada, pois não terá pronto acesso às informações do projeto.

A atribuição acima, portanto, refere-se a um momento anterior à seleção dos estudos técnicos, e, consequentemente, à decisão conclusiva do Poder Concedente acerca da efetiva licitação do projeto resultante do Procedimento de Manifestação de Interesse’. (ênfase acrescida).

110. Quanto ao item ‘d’, que confere ao BNDES o compromisso de auxiliar os órgãos da Administração Pública em processos de desestatização, tem-se que tal incumbência é legalmente condicionada à determinação do Conselho Nacional de Desestatização (CND), no plano federal, e dos Estados e Municípios, em suas respectivas esferas. Destarte, não pode o acordo firmado entre o BNDES e a EBP derrogar o art. 4º do Decreto 2.594/1998 para estipular as hipóteses (ou mesmo a forma de atuação) do banco estatal junto aos demais órgãos e entidades da Administração Pública.

111. Assim, mesmo recorrendo-se ao art. 9º, inciso VI, do Estatuto do BNDES (peça 20, p. 12), tem-se que o conceito de “apoio técnico” não se confunde com a “promoção da interlocução com os órgãos da Administração Pública direta e indireta”, nem pode licitamente abarcar esse tipo de atividade.

112. Conclui-se que, em tese, as cláusulas dos itens ‘a’, ‘b’ e ‘e’ poderiam constar em avença que tivesse firmada sob instrumento correto e em decorrência de processo seletivo de critérios objetivos e transparentes, legalmente regulamentado, constituído de modo impessoal e isonômico, afeto a finalidade pública, realizado com a necessária publicidade e que privilegiasse o “princípio da boa administração” (i.e. eficiência). Como o pacto examinado nesta instrução (“convênio de cooperação técnica” entre o BNDES e o EBP) não atende – de modo independente e cumulativo – aos requisitos constitucionais acima declinados, sequer se cogita de emendá-lo ou aproveitá-lo parcialmente, porquanto não se admite “cláusula válida em acordo inválido” (mas tão somente o contrário, hipótese em que bastaria sua extirpação).

113. Diante do exposto, verifica-se a injuridicidade não apenas da forma escolhida para o acordo de vontade e do procedimento que originou o ajuste em tela, como também do teor da avença firmada entre o BNDES e da EBP, por contrariar princípios caros ao funcionamento do regime republicano, ao favorecer e intermediar interesses de empresa privada junto à Administração Pública, com desvio de finalidade na aplicação de recursos pertencentes a entidade pública.

114. Portanto, propõe-se determinar ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com supedâneo no art. 71, inciso IX, da Constituição da República c/c art. 45, caput, da

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Lei 8.443/1992 c/c art. 250, inciso II, do Regimento Interno do TCU, que providencie a anulação do “convênio de cooperação técnica” firmado com a Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP) em março de 2013, demonstrando ao TCU o cumprimento desse comando no prazo de quinze dias.

115. É importante frisar, nesse ponto, que o próprio convênio de cooperação técnica em apreço prevê a possibilidade de denúncia do instrumento sem que isso gere pagamento de multa ou indenização, conforme estipulado em sua cláusula 7.1, a saber (peça 25, p. 4):

‘O presente Convenio poderá ser denunciado unilateralmente mediante simples aviso epistolar a outra Parte, com prazo mínimo de 90 (noventa) dias contados de seu recebimento pela outra Parte, sem que por isso, as Partes fiquem sujeitas a pagamento de indenização, multa ou ônus de qualquer natureza.’

116. O exame do teor do acordo revela, assim, irregularidades a demandar o desdobramento da presente análise. Nesse diapasão, as seções seguintes cuidam, respectivamente, da transferência de recursos do BNDES para a EBP e do conflito de interesses instalado em decorrência do aludido acordo.

II.1.3.1. Alocação de recursos do BNDES em favor da EBP

117. Conforme discutido, o item 9.4 do Acórdão 3.362/2013-TCU-Plenário pode ser segmentado para análise da seguinte forma, escandindo-se sua redação original:

1) “celebração do convênio de cooperação técnica entre aqueles entes, considerando que a EBP é uma empresa privada constituída sob a forma de sociedade de ações que distribui dividendos”;

2) “(...) caracterizando a concessão de benefício indevido àquela empresa a partir da alocação gratuita de recursos e de expertise, pelo BNDES, em seu favor (...)”; e

3) “sem que o mesmo tratamento seja dispensado a outras empresas que atuam no ramo de elaboração de projetos, em afronta aos princípios da moralidade e da impessoalidade administrativa”.

118. Superada a análise do primeiro ponto na seção anterior (“Juridicidade do convênio firmado”) – ali imperando a conclusão de irregularidade do acordo –, o segundo módulo acima centra-se na “alocação gratuita de recursos e de expertise, pelo BNDES, em seu favor [da EBP]”.

119. A análise conduzida até o momento revela que, por meio do “convênio de cooperação técnica” em comento, o BNDES emprega recursos materiais e humanos para produção de estudos de viabilidade, segundo confirma a EBP (peça 20, p. 17). A instituição financeira esclarece que os recursos despendidos são “basicamente relacionados com o envolvimento de seus quadros técnicos nos projetos desenvolvidos pela EBP” (peça 16, p. 12).

120. A partir das informações acima, infere-se que: 1) a atuação do banco – realizando, por exemplo, “diversos exercícios (testes de aderência) nas planilhas financeiras, a fim de verificar a consistência dos modelos produzidos” (peça 31, p. 4) – insere-se na “cadeia produtiva” de confecção dos estudos de viabilidade, agregando-lhes valor e concorrendo efetivamente para a sua concretização; e 2) tais estudos são apresentados em nome da estruturadora de projetos para reembolso condicional junto ao Poder Público, cabendo à EBP os eventuais estipêndios devidos pelos trabalhos elaborados em conjunto com o BNDES.

121. Nesse ponto, caem os argumentos levantados pelo banco público no sentido de que as normas legais existentes apenas regulamentam o repasse de recursos financeiros, razão pela qual, em seu entendimento, o acordo firmado com a EBP a elas refugiria. Os recursos “materiais e humanos” aplicados no esforço de produção dos estudos revestem-se de evidente expressão financeira, sendo sua livre e desarrazoada disposição pelo banco tão inimaginável quanto o seria caso se tratassem de pecúnia.

122. Embora haja autorização para que o banco preste apoio técnico, inclusive não reembolsável, na estruturação de projetos (art. 9º, inciso VI, do Estatuto do BNDES), não se traçaram os contornos para tal atuação. Assim, na impossibilidade de se entendê-la ilimitada (dado o pertencimento do banco à Administração Pública e sua consequente vinculação aos preceitos constitucionais), cabe sopesar seus lindes a partir do princípio da proporcionalidade.

123. A doutrina tradicionalmente apregoa que o referido princípio subdivide-se em três subprincípios: 1)

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adequação; 2) necessidade; 3) proporcionalidade em sentido estrito. Sob o prisma do primeiro subprincípio (adequação), não há reparo à atuação do BNDES junto à EBP, pois a dinâmica dos fatos, observada até o presente momento, demonstrou que a associação entre aqueles entes (abstraídos os requisitos de validade) resulta na efetiva produção de estudos.

124. Quanto ao subprincípio da necessidade, verifica-se que a injunção do banco estatal, jungido organicamente à empresa privada e a ela transferindo recursos de forma unilateral (onerosa para si, porém sem contrapartida da EBP) e de modo etiologicamente injurídico (anti-isonômico), não se afigura condição sine qua non para a produção de estudos.

125. Há, com efeito, medidas alternativas, mais harmônicas ao ordenamento, que igualmente habilitam-se à produção de estudos de viabilidade: 1) com a necessária qualidade técnica; 2) isento de vieses ocultos, tendentes a favorecer de seus elaboradores e prejudiciais ao interesse público (Erário, eficiência do serviço etc.); e 3) alinhados às diretrizes e políticas públicas setoriais (peça 16, p. 9).

126. Sem adentrar o mérito das críticas dirigidas à qualidade dos estudos correntemente empregados para orientar desestatizações, percebe-se com nitidez que grande parte das carências identificadas podem ser creditadas às deficiências na especificação e divulgação dos requisitos deles esperados pelo Poder Concedente. Com efeito, ausentes definições precisas sobre as características dos trabalhos a serem produzidos, as informações a serem contempladas etc., não há de se esperar que as consultorias e estruturadoras prevejam todas as expectativas do Setor Público.

127. Sustenta o BNDES que os estudos elaborados por encomenda de construtoras contêm direcionamentos velados, propendendo sempre a beneficiar seus elaboradores em detrimento do interesse coletivo. Ao revés, a EBP assevera que “não tem interesse na participação nos processos licitatórios que serão fundamentados nos estudos por ela estruturados”, havendo compromisso por parte das sociedades por si selecionadas para elaboração dos estudos em não participarem dos certames deles decorrentes (peça 20, p. 7-8).

128. Nessa seara, observa-se que soluções técnica e juridicamente viáveis – tais como a especificação de requisitos para os projetos e a capacitação dos quadros técnicos das agências reguladoras – prestar-se-iam, sem ofensa à impessoalidade e com benefício às instituições públicas, para que o Poder Concedente pudesse identificar e depurar vícios ocultos nos estudos. Tal conferência, concomitante ou a posteriori, dispensaria com vantagem o arranjo irregular objeto da presente oitiva.

129. Ainda que o Poder Concedente entenda insuficientes todas as hipóteses acima aventadas, remanesce disponível a consagrada alternativa lavrada pelo legislador para situações anômalas – em que, cabalmente demonstrada a unicidade do serviço, inexige-se licitação para contratos de tamanha especialidade.

130. Pode-se objetar, ademais, que os estudos ofertados ao Poder Concedente padecem de falta de “alinhamento com as diretrizes e políticas públicas setoriais” (peça 16, p. 9) por motivos idênticos àqueles que condicionam as alegadas deficiências de qualidade – a saber, a falta de transparência (ampla divulgação) das diretrizes governamentais para o setor.

131. Ao não revelar as premissas que norteiam o planejamento desenvolvido para os vários setores passíveis de concessão (aeroportuário, ferroviário, portuário marítimo etc.), o Poder Público torna escassas as orientações sobre a condução estratégica desses setores. Em tal contexto, não se pode esperar que os particulares produzam projetos que, apenas por coincidência, atendam aos desígnios íntimos dos órgãos públicos supervisores.

132. Não se pode considerar que a comunicação das “diretrizes e políticas públicas setoriais” (peça 16, p. 9) apenas à EBP seja medida imprescindível para a produção de estudos “alinhados”. Como desvantagem, tal atitude expunge a transparência que se exige de toda atuação pública e prejudica o controle social sobre ela incidente.

133. Diante do exposto, conclui-se que a solução aventada (alocação de recursos do BNDES junto à EBP) não resiste ao confronto com o subprincípio da necessidade e, portanto, ofende o princípio da proporcionalidade, aplicado à Administração Pública. À alternativa consistente nessa alocação, ainda que válida fosse (porém não o é, em vista dos argumentos levantados na seção precedente), contrapõem-

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se inúmeras opções mais harmoniosas aos preceitos de atuação pública.

134. O último subprincípio analisado (proporcionalidade em sentido estrito) recomenda o cotejo entre os meios escolhidos pelo Poder Público e os objetivos por ele perseguidos. Muito embora a intenção de se elaborar projetos de qualidade seja louvável, considerando a relevância econômica e social dos setores a serem afetados pelas concessões, não se pode tolerar, para tanto, que ocorra em desfavor de valores constitucionalmente consagrados (legalidade, impessoalidade, publicidade etc.).

135. Com efeito, a perpetuação da dinâmica estabelecida entre o ente público (BNDES) e o privado (EBP) – passando por aceitável o direcionamento e o favoritismo – representa um importante precedente que, caso replicado, poderia ensejar grave comprometimento na relação entre Estado e empresas, incrementando sobremaneira o risco sistêmico da economia nacional. Aquilatando os valores em causa, conclui-se por rompida a proporcionalidade em sentido estrito, razão pela qual a alocação de recursos do BNDES em favor da EBP agride o princípio da proporcionalidade, trasladado à Administração Pública.

136. Repisa-se que a alocação de agentes públicos para atuação em entidades externas à Administração Pública representa grave desvio de recursos públicos, sendo admitida unicamente no caso de ente oficialmente qualificado como Organização Social (art. 14 da Lei 9.637/1998), e ainda assim considerando que a tais associações proscreve-se o desempenho de atividade econômica com finalidade lucrativa (art. 2º, inciso I, alínea ‘b’, do mesmo diploma).

137. Por fim, uma vez que os problemas apontados nesta seção têm raízes na falta de regulamentação dos normativos internos da entidade acerca dos limites à prestação de apoio técnico, propõe-se recomendar ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com supedâneo com fundamento no art. 43, inciso I, da Lei 8.443/1992 c/c o art. 250, inciso III, do Regimento Interno do TCU, que regulamente, por norma interna formal, o art. 9º, inciso VI, de seu Estatuto, discriminando a forma (meio de realização) e condições objetivas segundo as quais poderá ser prestado o apoio técnico de que trata, de modo a tornar aquele dispositivo plenamente aplicável.

II.1.3.2. Favorecimento à EBP e conflito de interesses por parte do BNDES

138. O último segmento do item 9.4 do Acórdão 3.362/2013-TCU-Plenário, o qual determinou a presente oitiva, refere-se ao favorecimento conferido à EBP pelo BNDES: “sem que o mesmo tratamento seja dispensado a outras empresas que atuam no ramo de elaboração de projetos, em afronta aos princípios da moralidade e da impessoalidade administrativa”.

139. O tema engloba duas vertentes, igualmente merecedoras de atenção: 1) a possibilidade, normativa e prática, de que igual tratamento fosse dispensado a potenciais interessados; e 2) o conflito de interesses decorrente da atuação simultânea do BNDES em auxílio ao agente privado e ao Poder Concedente. Assim, a primeira questão versa sobre a ocorrência e a inevitabilidade do favorecimento, enquanto que a segunda trata do grau de efetividade desse favorecimento.

140. O art. 9º, inciso VI, do Estatuto do BNDES faculta ao banco fomentador prestar apoio técnico e financeiro, inclusive não reembolsável, para a estruturação de projetos. Ao tempo em que não há norma especificando as hipóteses em que tal apoio possa ser prestado (conforme comentado nas seções precedentes), também não se encontra regra que estabeleça exclusividade ao beneficiário de tal apoio.

141. Nesse sentido, o banco afirma que: “Tal como ocorre com as demais atividades do Banco, a qualquer interessado é aberta a possibilidade de procurar o Sistema BNDES e propor a realização de operações equivalentes àquelas já existentes” (peça 16, p. 4).

142. Mesmo sob o argumento de que, em tese, o banco legitimamente não obstaria a celebração de acordos semelhantes com firmas interessadas, ainda assim não se vislumbra razoabilidade na “aplicação não reembolsável” de recursos públicos em vários projetos concorrentes, obliterando a razão de ser do Procedimento de Manifestação de Interesse de que trata o art. 21 da Lei 8.987/1995 – qual seja, que os particulares elaborem projetos a expensas próprias e por sua conta e risco.

143. Ademais, caso todas as onze empresas que se dispuseram a produzir estudos de viabilidade para o Bloco I de arrendamento portuários solicitassem o auxílio do BNDES concomitantemente (afora aquelas envolvidas nos demais processos concessórios em andamento à época), seria razoável concluir que, por

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mais que o banco envidasse esforços nesse sentido, faltar-lhe-iam recursos humanos e materiais para atender a todos os interessados de forma eficiente e com qualidade.

144. Conforme salientado na seção precedente, os objetivos declarados para o convênio – a saber, a obtenção de estudos de qualidade, alinhados às diretrizes de política pública – é alcançado de forma mais racional mediante a divulgação dos requisitos e critérios dos estudos e pesquisas, de modo a orientar de forma transparente e isonômica a totalidade de empresas potencialmente interessadas em ofertar projetos.

145. Rejeitadas a viabilidade e a razoabilidade de que o BNDES guie múltiplas empresas na elaboração de projetos concorrentes para a mesma concessão – preterido o papel de orientação geral do Poder Concedente –, resta concluir que a assistência provida com exclusividade à EBP, a despeito das alegações em contrário coligidas pelo BNDES e pela estruturadora de projetos em suas respostas à oitiva, consubstanciou-se em efetivo favorecimento do banco público à entidade privada, nos precisos termos enunciados pela Exma. Ministra Ana Arraes no Voto condutor do Acórdão 3.362/2013-TCU-Plenário (TC 012.687/2013-8, peça 44, p. 12):

‘(...) o convênio de cooperação técnica celebrado entre o BNDES e a EBP traz benefício indevido à EBP, com quebra da isonomia que a coloca em situação privilegiada em relação às demais empresas existentes no mercado’

146. Outra impropriedade, correlata ao favorecimento e que a ele confere efetividade, remete à forma do apoio disponibilizado – a saber, o ente público (BNDES) assentido em mediatizar a relação de particular (EBP) com órgãos públicos formuladores de política setorial. A situação diverge, portanto, da hipótese em que a EBP tivesse contratado outra entidade privada com o fito de obter assessoramento na elaboração dos estudos autorizados pela SEP/PR. Ao contar com o auxílio do BNDES na interlocução com a Administração Direta, a quem o próprio banco se vincula, a EBP lançou suspeição sobre a própria lisura do processo (falta de isonomia), daí advindo a arguição de irregularidade presente na representação do TC 012.687/2013-8.

147. Ao contrário do que sustenta a EBP, a participação acionária do BNDESPar em seu capital social – culminando no “fato de que o BNDES, por meio do BNDESPAR (como qualquer acionista), passa a ter interesse direto no sucesso das empresas em que participa” (peça 20, p. 12) – não legitima o uso do banco público como intermediário da interlocução da sociedade empresária com a Administração Pública, seja qual for o teor dessa “interlocução” (negociação, promoção de interesses etc.). O “sucesso das empresas em que participa” o BNDES há de realizar-se de forma lícita, transparente e isonômica, e não mediante facilidades intangíveis a potenciais concorrentes.

148. Ademais, não se vislumbra nexo entre a alegada singularidade de organização da EBP e a intermediação de seus interesses pelo BNDES junto a órgãos públicos – de forma que, ainda que se comprovasse o caráter monopolista da estruturadora em tela no setor em que atua, não se justifica a prática prevista no item 2.ii.c do convênio de cooperação firmado entre as partes.

149. Nota-se, assim, intransponível irregularidade na ambivalência de atuação do BNDES – banco que, a um tempo, participa das definições de política adotada pela Administração Pública (art. 2º, § 3º, da Lei 9.491/1997) e auxilia empresa (EBP) cujos estudos concorrem em processo seletivo. No intuito de superar deficiências técnicas das firmas atuantes no mercado, o BNDES acaba por instalar insolúvel conflito de interesse, já que se posiciona concomitantemente ao lado da Administração Pública Direta, quando da formulação de aspectos relevantes da desestatização, e de sociedade empresária que tenciona ter seus projetos aprovados para posterior ressarcimento.

150. Conclui-se que o duplo papel assumido pelo BNDES colaborou decisivamente para a ocorrência da situação descrita pela Exma. Ministra Ana Arraes no Voto condutor do Acórdão 3.362/2013-TCU-Plenário: “(...) apesar de ter anunciado a intenção de selecionar um estudo qualquer dentre aqueles que viessem a ser eventualmente apresentados, já se havia optado, antecipadamente, pela seleção da EBP para sua condução” (TC 012.687/2013-8, peça 44, p. 4-5).

151. Ainda que outras empresas contassem com o auxílio técnico-informacional do BNDES, segundo a possibilidade aventada pelo próprio banco em sua manifestação (peça 16, p. 4), remanesceria incólume o conflito de interesse desvelado, restando o conjunto de potenciais interessados injustificadamente cindido em empresas que obtiveram o serviço de intermediação provido por ente da própria Administração,

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enquanto outras concorreriam sem esse elemento diferencial, propendendo o processo seletivo, desde o início e sem outro mérito, em favor daquelas.

152. Em suma, notam-se insuperáveis vícios no acordo em apreço, recaindo sobre: 1) o conteúdo pactuado, eis que fixadas atribuições incompatíveis com a natureza pública do ente convenente, principalmente a “interlocução com a Administração Pública”; e 2) o dúplice papel do banco oficial quanto à supervisão do processo de desestatização (art. 2º, § 3º, da Lei 9.491/1997) e ao apoio técnico a empresa interessada na provisão de estudos (in casu, a EBP), representando insanável conflito de interesse em sua atuação.

II. 2. Convalidação dos estudos produzidos no âmbito do “convênio de cooperação”

153. Conforme exposição acima, tem-se que o “convênio de cooperação” celebrado entre o BNDES e a EBP deve ser considerado nulo em sua origem e teor. Todavia, não há motivo para se impugnar os resultados desse ajuste de vontade viciado – quais sejam, os estudos de viabilidade técnica, econômico-financeira e ambiental que já foram empregados para nortear processos concessórios – uma vez que não se contesta a acuidade ou qualidade dessas pesquisas.

154. Em outros termos, não se identifica, naqueles documentos, qualquer viés ou impropriedade capaz de macular as concessões deles advindas, mostrando-se aptos – com as ressalvas expendidas, por exemplo, no Acórdão 3.361/2013-TCU-Plenário (TC 029.083/2013-3) – a parametrizar as outorgas a que se referem.

155. A desconsideração dos estudos já produzidos, por outro lado, redundaria em desperdício de recursos públicos despendidos pelo BNDES. Nessa esteira de entendimento, resultaria incompreensível defenestrar as pesquisas realizadas para, na sequência, realizar outras a elas idênticas.

156. Diante de tais fatos, o Tribunal, mediante o Acórdão 1.155/2014-TCU-Plenário, não impediu que a SEP/PR utilizasse dos estudos elaborados pela EBP, sem prejuízo do acompanhamento e controle dos valores pagos em contrapartida.

III.3. Responsabilização dos gestores

157. Em face das irregularidades acima expostas, cumpre analisar a eventual responsabilização dos gestores. De fato, ao longo desta instrução foram relatadas diversas infrações aos princípios constitucionais implícitos e explícitos que regem a administração pública, especialmente no que se refere à legalidade, impessoalidade, transparência e proporcionalidade.

158. Segundo Bandeira de Mello (BANDEIRA DE MELLO/Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo, ed.19, São Paulo/Malheiros, 2005, p. 888-889):

‘Princípio (...) é, por definição, o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência (...) Violar um princípio é muito mais grave que violar uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão e o princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais (...).’

159. Destarte, toda vez que a quebra de princípios de dignidade constitucional é observada, não basta somente anular o ato viciado, mas também apurar quem lhes deu causa, e, nesse caso, se podem ser invocados atenuantes ou agravantes para a conduta faltosa.

160. Nesse mister, a obrigatoriedade de observância aos preceitos constitucionais que tocam à administração encontra-se positivada no código de ética do próprio BNDES, o que não poderia ser diferente, dado o caráter imperativo de tais princípios. De fato, o referido código assim dispõe (peça 37, p. 9, grifou-se):

‘Art. 1º. Para todos os efeitos deste Código, são considerados participantes do Sistema BNDES os membros dos Conselhos de Administração, do Comitê de Auditoria, dos Conselhos Fiscais, da Junta de Administração, da Diretoria e da Ouvidoria, os ocupantes de funções executivas, os empregados e os estagiários das empresas que fazem parte do Sistema BNDES.

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§ 1º A observância dos princípios, valores e compromissos expressos neste Código é de caráter obrigatório para os participantes do Sistema BNDES, devendo ser considerados pelos prestadores de serviços, pelos clientes e por qualquer pessoa física ou jurídica de direito público ou privado nas relações com as empresas do Sistema BNDES.

(...)

Art. 2º. Os participantes do Sistema BNDES comprometem-se a basear seu comportamento e sua atuação pelos seguintes princípios:

I. da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, constantes no artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil;

(...)

XI. da transparência e visibilidade, como compromisso de atenção à sociedade civil, ao informar, prestar contas, divulgar os resultados, sempre com respeito às normas de sigilo previstas em lei;

(...)

Art. 20. O descumprimento dos princípios, valores e compromissos expressos neste Código poderá acarretar, após o devido procedimento de apuração de indícios de infração ética, a aplicação da pena de censura pela CET/BNDES ao participante, sem prejuízo da aplicação de outras sanções legais.’

161. Verificado o descumprimento dos princípios constitucionais e do código de Ética do BNDES caberia, em tese, delimitar os responsáveis, a conduta reportada como irregular, o nexo de causalidade existente e o dolo ou culpa dos agentes. De fato, conforme o voto condutor do Acórdão 1.247/2006-TCU-1ª Câmara,

‘(...) o dolo e ao menos a culpa afiguram-se como pressupostos indispensáveis à responsabilização do gestor por qualquer ilícito praticado. O fato de o ônus de provar a correta aplicação dos recursos caber ao administrador público (art. 93 do Decreto-lei n.º 200/1967) não faz com que a responsabilidade deixe de ser subjetiva e torne-se objetiva.’

162. No caso geral, a conduta que aqui se tem como irregular seria a celebração do convênio de cooperação técnica firmado com a EBP. O nexo causal, definido por Capez como “a mera constatação acerca da relação entre conduta e resultado” (CAPEZ/Fernando, Curso de Direito Penal: Parte Geral, ed.12, São Paulo/Saraiva, 2007, p. 157), encontra-se bem definido, uma vez que, a partir da celebração do ajuste examinado, materializou-se as irregularidades descritas nesta instrução e nos termos do item 9.4 do 3.362/2013-TCU-Plenário (grifou-se):

‘9.4. determinar a constituição de processo apartado e nele promover a oitiva prévia do BNDES e da EBP para que se manifestem, se assim o desejarem, no prazo de 05 (cinco) dias úteis, acerca da celebração do convênio de cooperação técnica entre aqueles entes, considerando que a EBP é uma empresa privada constituída sob a forma de sociedade de ações que distribui dividendos, caracterizando a concessão de benefício indevido àquela empresa a partir da alocação gratuita de recursos e de expertise, pelo BNDES, em seu favor, sem que o mesmo tratamento seja dispensado a outras empresas que atuam no ramo de elaboração de projetos, em afronta aos princípios da moralidade e da impessoalidade administrativa, em vista da possibilidade de que a decisão de mérito do tribunal venha a determinar a sustação daquela avença, nos termos da competência atribuída pelo art. 71, IX, da Constituição Federal.’

163. Assim, de imediato, os possíveis responsáveis pelas irregularidades ora apontadas seriam os representantes do BNDES que celebraram o convênio em 2013, a saber os senhores Luciano Galvão Coutinho (Presidente do BNDES) e Roberto Zurli Machado (Diretor de Infraestrutura e Insumos Básicos) (Peça 25, p. 6). Optou-se por excluir da presente análise o senhor Wagner Bittencourt de Oliveira, diretor que, junto com o senhor Luciano Coutinho, assinou o primeiro convênio de cooperação técnica com a EBP em 2008, dado, essencialmente, que a presente instrução se focou no último convênio celebrado com aquela empresa e que a maioria dos fatos descritos ao longo desta seção se referem à celebração do convênio de 2013.

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164. Acerca da culpabilidade dos gestores, é importante destacar que, no caso envolvendo a elaboração dos estudos para a SEP/PR, o mais emblemático até o momento, não se encontrou indício substancial de má-fé por parte dos envolvidos. Com efeito, o Exmo. Ministro Benjamin Zymler, no voto apresentado no âmbito do Acórdão 1.155/2014-TCU-Plenário, ponderou que:

‘Consoante exposto acima, o valor médio de cada estudo [apresentado pela EBP à SEP/PR] não é muito significativo, em especial se considerarmos que sua elaboração deve ter se estendido por mais de sete meses (a Portaria editada pela Secretaria dos Portos fixa um prazo de 225 dias para a apresentação desses estudos). Considerando o custo da mão-de-obra e as demais despesas, estima-se que a margem de lucro da empresa será bastante reduzida. Por via de consequência, entendo que resta enfraquecida a tese de que se estaria propiciando ganhos indevidos à EBP.

O quadro societário da EBP é formado pelos seguintes bancos: BNDES, Banco do Brasil, Espírito Santo, Bradesco, Citibank, Itaú BBA, Santander, HSBC e Votorantim. Em 2013, três desses sócios (Banco Itaú, Bradesco e Banco do Brasil) obtiveram lucros líquidos de R$ 15,7 bilhões, R$ 12 bilhões e R$ 15,8 bilhões, respectivamente. Ressalto que a EBP deverá receber R$ 400 mil por cada projeto que for elaborado e utilizado e que o lucro líquido por projeto será bem inferior a essa quantia. Por via de consequência, o valor desse lucro pode ser considerado praticamente irrelevante para acionistas desse porte.

Diante disso, concluo que o possível objetivo dessas instituições bancárias consiste em investir – de forma direta ou por meio de empréstimos – em projetos tecnicamente bem elaborados, que propiciam retornos mais seguros. Afinal, um projeto adequado é uma condição para o sucesso de um empreendimento, ainda mais na área de infraestrutura na qual os ganhos são de longo prazo.’

165. Se não houve ganhos monetários consideráveis aos acionistas da EBP, seria desarrazoado supor que os gestores do BNDES teriam se utilizado de um convênio notadamente irregular para beneficiar financeiramente aquela empresa.

166. Porém, a responsabilização dos agentes públicos não ocorre somente quando verificado que agiram deliberadamente em contrariedade à Lei e visando a um objetivo reprovável. A atuação culposa do gestor também pode ensejar sanção por este Tribunal, sendo que os agravantes e atenuantes repercutem na dosimetria da pena. De fato, conforme voto condutor do Acórdão 1.942/2012-TCU-2ª Câmara, de autoria do Exmo. Ministro Aroldo Cedraz, “para haver condenação pelo TCU não é preciso que haja conduta dolosa, mas apenas culpa (negligência, imprudência e imperícia) ”. No mesmo sentido, tem-se o excerto do voto condutor do Acórdão 2.571/2012-TCU-Plenário, também da lavra do Exmo. Ministro Aroldo Cedraz:

‘Evidentemente, uma vez constatada a ilegalidade e a correspondente ação ou omissão a ela relacionada, assim como demonstrado no julgado recorrido, não se pode esquecer que a responsabilidade dos gestores é decorrente dos atos praticados no exercício de seus cargos/funções, não sendo necessária a caracterização de dolo para que haja a possibilidade de aplicação de penalidade prevista em lei.’

167. Conforme preceitua Capez (CAPEZ/Fernando, Curso de Direito Penal: Parte Geral, ed.12, São Paulo/Saraiva, 2007, p. 210), a análise da culpabilidade deve levar em consideração o dever de cuidado a todos imposto, sendo que, nesse sentido:

‘[A] Inobservância do dever objetivo de cuidado é a quebra de cuidado imposto a todos e manifesta por meio de três modalidades de culpa (...):

Imprudência: é a culpa de quem age, ou seja, aquela que surge durante a realização de um fato sem o cuidado necessário. Pode ser definida como a ação descuidada (...).’

168. Resta saber, assim, se os gestores do BNDES, ao celebrarem o convênio de cooperação técnica com a EBP, não observaram o dever de cuidado a todos imposto, ou equivalentemente, se era possível exigir-lhes conduta diversa.

169. Nesse particular é importante ressaltar que o gestor público, no exercício de suas atribuições, deve revestir-se de maior zelo do que o cidadão comum na sua vida privada, eis que, pelo princípio da legalidade estrita, toda ação da Administração deve ter fundamento legal adequado.

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170. Quando se trata de observância aos princípios constitucionais e ao próprio código de ética da instituição, o dever de zelo deve ser redobrado, pois tais comandos são a espinha dorsal do arcabouço legal do país e da instituição, respectivamente.

171. A necessidade de diligência do Administrador também decorre da própria natureza do interesse público, que é indisponível. Como preceitua Bandeira de Mello:

‘(...) sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los (...)’ (BANDEIRA DE MELLO/Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo, ed.7, São Paulo/Malheiros, 1995, p. 31-33).

172. O dever de curatela impõe ao curador o zelo e a cautela no tocante ao bem que é administrado, sendo que o direito civil prevê variadas sanções ao curador descuidado.

173. Para fins didáticos, a análise da culpabilidade dos gestores será segregada em três partes, a exemplo da divisão adotada nos itens precedentes da instrução: (i) culpabilidade acerca da irregularidade formal do convênio; (ii) culpabilidade acerca da irregularidade procedimental do acordo; e (iii) culpabilidade acerca da matéria do acordo.

174. Cumpre salientar que a descrição da conduta e nexo de causalidade no parágrafo 162 desta instrução se aplica aos três itens supracitados. Em cada uma dessas seções, porém, pode ser avaliada a responsabilização de outros gestores em decorrência de atos omissivos/comissivos diversos da mera assinatura do convênio de cooperação técnica com a EBP.

II.3.1. Culpabilidade acerca da irregularidade quanto à forma do instrumento escolhido

175. Como foi visto, a celebração do acordo firmado entre a EBP e o BNDES deveria se dar mediante a adoção da modalidade contrato. Porém, quando da celebração do primeiro termo de cooperação técnica entre BNDES e EBP em 2008, a minuta do convênio foi submetida à setorial jurídica do banco de fomento, que não fez menção à inadequação da forma utilizada (peça 45, p. 5-13).

176. A forma para a celebração da vontade das partes é uma questão puramente jurídica, em que se deve checar a adesão das cláusulas do instrumento à legislação vigente. Em se tratando unicamente de uma questão de direito, que não requer o conhecimento de questões fáticas e nem a ponderação de princípios que regem a administração do banco, entende-se que não seria esperado que os gestores questionassem o parecer jurídico, sob pena de inviabilizar a própria gestão da entidade, que pressupõe um nível adequado de descentralização das atividades.

177. Poder-se-ia indagar se não caberia a audiência dos pareceristas jurídicos pelas falhas ora apontadas. Como apontado no voto condutor do Acórdão 1.832/2008-TCU-Plenário:

‘A possibilidade de responsabilização de parecerista foi reconhecida pelo STF no julgamento do MS 24.584, em 9/8/2007, ao entendimento de que, diferentemente do que ocorre com a simples emissão de parecer opinativo, a Lei nº 8.666/93 possibilita a responsabilização de quem examina contratos, termos de convênio e aditivos, já que o administrador decide apoiado na manifestação do setor técnico competente.’

178. Entende-se, contudo, que a forma inadequada para celebrar a vontade das partes, qual seja, convênio ao invés de contrato, reveste-se de menor gravidade. De fato, conforme se depreende do item 9.4 do Acórdão 3.362/2013-TCU-Plenário, o cerne da irregularidade dos presentes autos é a escolha de uma entidade privada, com fins lucrativos, para firmar parceria com uma entidade pública (BNDES), sem que os mesmos benefícios sejam estendidos a outros potenciais interessados. Vale dizer, as irregularidades de maior gravidade dizem respeito à antijuridicidade procedimental e material do acordo celebrado.

179. Portanto, em nome do princípio da razoabilidade e proporcionalidade, propõe-se não responsabilizar os gestores nem os pareceristas jurídicos em razão da ilegalidade formal do acordo celebrado com a EBP.

II.3.2. Culpabilidade acerca da irregularidade procedimental do acordo celebrado com a EBP

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180. Quanto ao modo como a EBP foi selecionada para celebrar o convênio de cooperação técnica com o BNDES, cumpre rememorar que três foram as irregularidades levantadas nesta instrução, consubstanciadas na violação de três princípios constitucionais, a saber:

a) legalidade estrita, ao concretizar atividade (prestação de apoio técnico) sem amparo legal e em desacordo com as regras aplicáveis à espécie, as quais impõem chamamento público para os casos de “aplicações não reembolsáveis”;

b) impessoalidade, uma vez que não houve propriamente seleção da EBP para a celebração de convênio ou recepção de recursos públicos, pois a empresa privada foi criada pelo BNDES (entre outros entes) já com vistas a se beneficiar do referido apoio técnico não reembolsável;

c) transparência, eis que a natureza das atividades desenvolvidas pelo BNDES no âmbito do “convênio de cooperação” – e.g. realização de “diversos exercícios (testes de aderência) nas planilhas financeiras, a fim de verificar a consistência dos modelos produzidos” (peça 31, p. 4) – apenas foi revelada após questionamentos em diligências oficiais.

181. Resta indagar se dos gestores poderia ser esperada conduta diversa, ou seja, se no caso concreto seria viável a adoção de critérios de seleção que não maculassem os princípios supracitados.

182. Como visto no decorrer desta instrução, existia no âmbito do BNDES um procedimento institucionalizado de chamamento público para a seleção de interessados em se beneficiar do fundo de estruturação de projetos na área de infraestrutura. A escolha da EBP, porém, não seguiu esse rito. Em parte, alegou-se que não existiam entidades com o potencial de concorrer com a estruturadora. Todavia, o gestor diligente não pode simplesmente presumir algo, cabendo a ele comprovar o fato.

183. Em inexistindo regramento jurídico específico para normatizar a escolha de entidade para receber recursos não reembolsáveis em uma situação na qual não existiriam outros interessados, caberia ao gestor diligente, por analogia, e em observância ao princípio da legalidade, impessoalidade e da indisponibilidade do interesse público, adotar regras aplicáveis a situações semelhantes e já consolidadas.

184. É inegável o paralelismo existente entre a situação em tela e a inexigibilidade de licitação, não só pela suposta inviabilidade de competição mas também por se tratar da celebração de um acordo entre poder público e entidade privada e revestido de natureza onerosa. Nesse particular, assim como a regra geral aplicável à seleção de parceiro para o recebimento de recursos não reembolsáveis em projetos de infraestrutura seria a utilização de chamamento público, nas contratações públicas o mandamento geral é a realização da licitação. Em ambos os casos, em nome da legalidade e impessoalidade, as exceções às regras gerais devem ser devidamente justificadas e seus motivos ensejadores plenamente comprovados.

185. No caso de inexigibilidade de licitação, porém, existe farta doutrina e jurisprudência que poderiam ser seguidas pelos gestores na seleção do beneficiário dos recursos não reembolsáveis. Por exemplo, os procedimentos para a viabilização de um processo de inexigibilidade encontram-se consolidados e resumidos na Súmula 255 do TCU, que assim dispõe:

‘Nas contratações em que o objeto só possa ser fornecido por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, é dever do agente público responsável pela contratação a adoção das providências necessárias para confirmar a veracidade da documentação comprobatória da condição de exclusividade.’

186. Por trás desse posicionamento do Tribunal está o entendimento que, em nome da indisponibilidade do interesse público e dos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade, não pode o gestor presumir que determinado fornecedor possui a exclusividade da marca, mas sim demonstrar de modo claro e inequívoco a inexistência de tal exclusividade. Com efeito, conquanto a Súmula 255 do TCU refira-se mais especificamente ao art. 25, inciso I, da Lei 8.666/1993, o Tribunal tem adotado linhas jurisprudenciais semelhantes ao analisar contratações com base no art. 25, inciso II, do mesmo diploma legal. Dá-se como exemplo o voto condutor do Acórdão 1.964/2012-TCU-2ª Câmara, de autoria do Exmo. Ministro Relator Augusto Nardes, no qual foi registrado que:

‘(...) a regra para contratação de serviços advocatícios é a licitação, e a inexigibilidade, exceção, que deve ser precedida da comprovação da inviabilidade fática ou jurídica de competição, da singularidade do objeto e da notoriedade do contratado.’

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187. Nesse ponto, há remansosa jurisprudência do TCU no sentido de que a contratação direta por inexigibilidade de licitação sem a demonstração da inviabilidade de competição, da singularidade do objeto e da notoriedade do contratado é falta grave e sujeita às penalidades previstas na Lei 8.443/1992 (vide, por exemplo, Acórdão 669/2012-TCU-Plenário).

188. Entende-se, pelo paralelismo das situações, que posicionamento semelhante se aplicaria aos gestores do BNDES, os quais não poderiam assumir, a priori, a inexistência de nenhuma entidade habilitada a concorrer com a EBP.

189. Nesse mister, cumpre ressaltar que, no caso de licitações, a Lei 8.666/1993 considerou tão importante a observância aos princípios norteadores da licitação que tipificou como crime o ato de “dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade”, conforme seu art. 89, caput. Portanto, não se pode entender que a seleção da EBP em desobediência aos mesmos princípios que regem à Administração seria uma irregularidade meramente formal ou de menor potencial ofensivo ao ordenamento jurídico vigente.

190. Poder-se-ia argumentar que o Cade, em decisão passada, entendeu que “soa verossímil, que tal mercado [mercado relevante] de estruturação de projetos para o setor público na verdade não existe no Brasil” (peça 15, p. 15), o que atenuaria a responsabilidade dos gestores.

191. Porém, devem ser tecidas algumas considerações. Preliminarmente, dizer que uma afirmação é verossímil não afasta a necessidade categórica de sua demonstração formal, quando tal comprovação é essencial para evidenciar a lisura do processo de seleção de eventual parceiro da entidade pública, e, adicionalmente, puder ser feita sem custos relevantes. No caso em tela, o BNDES poderia ter formalizado um chamamento público para selecionar o contemplado com recursos não reembolsáveis, nos moldes como rotineiramente o faz com projetos contemplados com o FEP, e, na hipótese de só ter acudido como interessado a EBP, a sua seleção poderia ter sido feita sem maiores questionamentos quanto à legalidade e impessoalidade do processo

192. Outrossim, o pronunciamento do Cade se deu no âmbito do Ato de Concentração 08012.002939/2008-47, do ano de 2008 (peça 15, p. 14). A análise da responsabilização dos gestores, como já dito, foca-se na celebração do segundo convênio, firmado em 2013, cinco anos após o referido Ato de Concentração, quando a organização do mercado de estruturação de projetos, ao menos em tese, poderia ser diferente daquele em 2008. Novamente, o gestor diligente, mediante um simples chamamento público, poderia ter afastado qualquer dúvida quanto à competitividade do setor.

193. Finalmente, além de ser defeso ao gestor presumir a inexistência de competidores, é importante salientar que exemplos recentes vêm demonstrando o interesse de diversos atores da iniciativa privada em participar da estruturação de projetos de concessão. Segundo notícias veiculadas nos meios de comunicação, doze empresas manifestaram interesse em elaborar estudos para a concessão da Ponte Presidente Costa e Silva, trecho Rio-Niterói (http://www.pppbrasil.com.br/portal/content/diversas-empresas-se-cadastram-em-pmi-da-concess%C3%A3o-da-ponte-rio-niter%C3%B3i?page=2, acesso em 10/7/2014).

194. Em outro caso, de cinco concessões planejadas pelo Poder Concedente, incluída aí a Ponte Presidente Costa e Silva, 25 empresas manifestaram interesse na elaboração de estudos estruturantes (http://exame.abril.com.br/economia/noticias/concessao-das-brs-163-e-230-interessa-a-21-empresas, acesso em 10/7/2014).

195. Conquanto possam existir críticas à forma como são feitos os processos de manifestação de interesse (PMI) no país, os exemplos acima citados colocam em dúvida, no mínimo, a presunção dos gestores de que não haveria empresas para concorrer com a EBP em um possível chamamento público para selecionar contemplados com os recursos não reembolsáveis.

196. Não se pode argumentar que a seleção da EBP sem amparo legal e sem observância do princípio da impessoalidade ocorreu por mero descuido dos gestores, o que, ademais, também seria reprovável por indicar imprudência. Como ressaltado na instrução, o ajuste em apreço seria elemento indissociável da própria criação da EBP, ligando-se intrinsicamente ao objeto social daquela companhia, sendo que a “existência do convênio já era uma certeza por ocasião da constituição da EBP e um dos seus elementos informadores” (peça 16, p. 6).

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197. Ou seja, a seleção da EBP de maneira privilegiada pela alta administração do banco não foi uma decisão tomada às pressas, em decorrência de alguma situação inusitada ou urgente, quando o tempo exíguo no qual o gestor tem que tomar alguma decisão pode servir de atenuante aos seus equívocos, eis que inexistiria tempo hábil para sopesar os prós e contras de sua decisão. Na verdade, considerando que o foco da responsabilização dos gestores recai sobre a renovação, em 2013, de convênio que se iniciou em 2008, não se vislumbram situações excepcionais, emergenciais ou urgentes que poderiam atenuar a responsabilidade dos envolvidos.

198. No caso em exame, o convênio de cooperação técnica começou a ser alinhavado ainda antes da criação da EBP, de modo que a seleção desta empresa em desrespeito aos princípios constitucionais da legalidade e isonomia ocorreu de modo consciente e planejado, assim como sua renovação em 2013, a qual ainda perpetuou as irregularidades ora apontadas.

199. Nesse ponto, convém apresentar questões atinentes ao parecer jurídico elaborado à época da celebração do primeiro convênio de cooperação técnica com a EBP.

200. O convênio celebrado em março de 2013 não foi precedido de parecer jurídico. Nesse ponto, deve ser ressaltado que o art. 38, parágrafo único, da Lei 8.666/1993, estabelece claramente que “As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração”.

201. A ausência de parecer jurídico por ocasião da celebração do convênio não denota meramente desrespeito à Lei, o que, por si só, já seria revestido de gravidade, mas também demonstra, no mínimo, imprudência da administração do BNDES na celebração do convênio.

202. De fato, questionado acerca do parecer jurídico que embasava a celebração do convênio de cooperação técnica em 2013, o BNDES afirmou que tal documento não existia, uma vez que, quando da celebração do primeiro convênio com a EBP, em 2008, foi elaborada pela área jurídica do banco a Nota AJ/DNORM 2/2008, na qual teria sido consignado que, “se fosse da vontade das partes renovar os compromissos anteriormente assumidos, deveria ser firmado novo Convênio, mantendo as estipulações do Instrumento vigente” (peça 45, p. 3).

203. Destarte, baseando-se na referida Nota, “A área de estruturação de projetos do BNDES (...) encaminhou à Diretoria do BNDES proposta de celebração de novo convênio que reproduzia integralmente o conteúdo do documento anterior” (peça 45, p. 3).

204. Ocorre que a nota apenas entendeu “ressaltar não haver proibição a que, na época própria, as Partes, se julgarem conveniente, celebrem outro convênio com as mesmas estipulações” (peça 45, p .11).

205. Trata-se de pronunciamento em tese, feito de acordo com as questões de fato e de direito existentes à época, mas que, em nenhum momento, autorizava a celebração de novo convênio sem que a minuta fosse examinada pela área jurídica. Afinal, mesmo que mantidas as disposições pactuadas entre as partes no instrumento original, tratava-se de novo convênio. Com efeito, como preleciona Marçal Justen Filho (JUSTEN FILHO/Marçal, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, ed.14, São Paulo/Dialética, 2010, p. 730, grifou-se).

‘(...) a renovação consiste em promover uma nova contratação, de conteúdo similar a um contrato anterior, para que tenha vigência por período posterior, mantendo-se as partes em situação jurídica similar à derivada da avença que se extingue (...) Envolve uma nova contratação, ainda que com cláusulas e condições similares às constantes do contrato extinto.’

206. Ademais, sempre há a possibilidade de mudanças legais e jurisprudenciais entre a celebração dos dois instrumentos, ou, até mesmo, alteração do entendimento da área jurídica, ainda mais ao se levar em conta que a Nota AJ/DNORM 2/2008 foi elaborada cinco anos antes da celebração do segundo convênio de cooperação técnica entre a EBP e o BNDES.

207. Considerando a exigência legal de pronunciamento da setorial jurídica antes da celebração de um novo convênio e a possível superveniência de nova legislação, jurisprudências ou fatos, seria de se esperar que o gestor provocasse novamente a setorial jurídica do Banco, ainda mais por se tratar de exigência legal e de assunto de grande complexidade.

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208. O Tribunal, por seu turno, vem considerando essencial a presença do parecer jurídico quando exigido pela Lei 8.666/1993, como salientado no voto condutor do Acórdão 2.306/2009-TCU-1ª Câmara, de autoria do Exmo. Ministro Walton Alencar Rodrigues, segundo o qual, “O parecer jurídico prévio é importante instrumento de controle da legalidade dos atos, porque irá indicar a conformidade do termo às normas vigentes”.

209. Assim, não se trata de irregularidade meramente formal, mas demonstra, acima de tudo, que os gestores não agiram com a devida prudência ao firmar novo termo de cooperação com a EBP.

210. Outro ponto que deve ser mencionado e referente ao processo de análise da setorial jurídica dizia respeito à prorrogação do convênio celebrado em 2008. A minuta daquele ajuste continha cláusula estabelecendo que (peça 45, p. 11):

‘O presente convênio terá vigência por 5 (cinco) anos, a contar da data de sua assinatura, podendo ter a sua vigência prorrogada de comum acordo entre as Partes, mediante a celebração de Termo Aditivo.’

211. Porém, no curso da análise jurídica, o parecerista recomendou a supressão do termo “podendo ter a sua vigência prorrogada de comum acordo entre as Partes, mediante a celebração de Termo Aditivo”, por considerar que poderia haver desrespeito ao art. 57, inciso II, da Lei 8.666/1993, o qual restringe a vigência de contratos a sessenta meses, in verbis (peça 45, p. 11):

‘A razão de tal providência [suprimir o trecho referente à prorrogação da vigência do convênio] é impedir a alegação de infração ao disposto no art. 57 da Lei das Licitações já referida (...) que seria aplicável à espécie (...).’

212. Nota-se que era clara a intenção do parecerista em suprimir a possibilidade de renovação do instrumento fora do prazo legal. Depois, complementou sua ponderação com o já aludido comentário de “não haver proibição a que, na época própria, as Partes, se julgarem conveniente, celebrem outro convênio com as mesmas estipulações” (peça 45, p .11) ”.

213. Em relação à vigência do ajuste, o BNDES acabou por alterar a minuta do termo de cooperação celebrado em 2008, a qual passou a ser a seguinte (peça 45, p. 32, grifou-se):

‘O presente Convênio terá vigência por 5 (cinco) anos, a contar da data de sua assinatura, podendo os compromissos assumidos neste instrumento serem renovados de comum acordo entre as Partes.’

214. A mesma redação foi mantida no termo de cooperação assinado em 2013 (peça 25, p. 4). Impende ressaltar que a Lei 8.666/1993 aplica-se ao presente convênio em decorrência do art. 116, caput, da mesma Lei, e também pelo expressamente previsto na cláusula 11.1 do ajuste (peça 25, p. 5), inserida no instrumento do convênio por sugestão da procuradoria jurídica do banco (peça 45, p. 12).

215. Vê-se que, embora tenha havido mudança na redação literal do dispositivo, a sua teleologia permaneceu a mesma, qual seja, permitir que a avença seja perpetuada ininterruptamente, como era previsto na redação original e em oposição ao recomendado no parecer jurídico. De fato, a área jurídica do banco sugeriu suprimir toda a parte da cláusula de vigência relativa à possibilidade de prorrogação do acordo, de modo que se encerrasse precisamente dentro do prazo de cinco anos previstos na Lei 8.666/1993.

216. A possibilidade de extensão ad aeternum do convênio enseja a manutenção de todas as irregularidades observadas. Com efeito, ao se entender que o convênio firmado com a EBP é antijurídico na forma, procedimento e matéria, tem-se que sua renovação constitui a perpetuação dessas ilegalidades.

217. Deve ser frisado que a cláusula convenial acima desrespeita efetivamente o art. 57, inciso II, da Lei 8.666/1993. Isso porque, como defendido por Marçal Justen Filho, “a disciplina do art. 57, II, não consiste propriamente numa prorrogação de prazo. Trata-se, muito mais, de uma renovação contratual”, pois cuida, em princípio, de “ato bilateral, de natureza convencional” (JUSTEN FILHO/Marçal, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, ed.14, São Paulo/Dialética, 2010, p. 728).

218. Ou seja, a Lei 8.666/1993, em seu art. 57, inciso II, veda a celebração de contratos de prestação de serviços contínuos com vigência que, considerando já as renovações sucessivas, extrapole o prazo de

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sessenta meses. Em situações excepcionais, o § 4º do art. 57 da Lei 8.666/1993 permite o acréscimo de mais doze meses à vigência do contrato.

219. A renovação sucessiva e ininterrupta é, portanto, contrária ao referido normativo, e, na prática, acaba por gerar um convênio sem efetivo prazo de duração, ao arrepio do art. 57, § 3º, da Lei 8.666/1993. A situação é ainda mais grave, pois, ao contrário do que entendeu o parecerista jurídico, restou consignado na presente instrução que o ajuste celebrado pelo BNDES é oneroso, eis que se enquadrava na categoria de projetos viabilizados por meio de recursos não reembolsáveis. Na verdade, concluiu-se que o acordo onerava tão somente o banco de fomento, eis que os recursos dispendidos pela EBP revertiam-se em benefício próprio, ou seja, mediante remuneração pelos estudos realizados.

220. É verdade que a referida cláusula de vigência já se encontrava na redação original de 2008, tendo sido apenas replicada no ajuste de 2013. Porém, tal fato não pode atenuar a responsabilidade dos gestores, eis que: (i) a existência de uma situação irregular passada não elide a obrigatoriedade de o responsável corrigi-la no futuro, ainda mais ao considerar que havia sido apontada em parecer jurídico elaborado em 2008: e (ii) uma vez que os responsáveis dispensaram o parecer jurídico na celebração do convênio em 2013, assumiram integralmente o risco de assinarem um acordo em situação irregular.

221. Ainda que o art. 57, inciso II, da Lei 8.666/1993 refira-se à prestação de serviços continuados, o que não é precisamente o caso, trata-se de dispositivo que, na ausência de normativo específico, melhor se amolda ao caso concreto, uma vez que o objeto do convênio envolve a execução de atividades de modo contínuo por ambas as partes. Ademais, o próprio procurador jurídico da entidade aconselhou que a alta administração seguisse o preceituado naquela lei. Sendo essa uma questão de natureza puramente jurídica, qualquer discordância dos gestores em relação ao parecer deveria estar devidamente fundamentada.

222. Não se nega ao BNDES a possibilidade de fazer um novo acordo com a EBP ao término do primeiro. Porém, em nome do princípio da impessoalidade e legalidade, e em atendimento ao que preceitua a Lei 8.666/1993, é exigível que os gestores encerrem o convênio inicial de modo que um novo acordo de vontades só possa ser estabelecido após a realização de chamamento público no qual se dê iguais oportunidades a outros interessados. Não é demais frisar que a renovação ininterrupta do acordo pretérito, a depender unicamente da vontade das partes, toma uma direção totalmente oposta ao que exige o ordenamento jurídico.

223. À semelhança do que é feito com contratos de prestação de serviços continuados, o encerramento de um contrato pressupõe a realização de nova licitação, mesmo que as cláusulas contratuais permaneçam inalteradas. Do contrário, caso se garanta uma renovação ad aeternum do acordo do banco de fomento com a EBP, haverá um forte desestímulo aos seus potenciais concorrentes, afinal, como visto, o BNDES ainda atuava como interlocutor da Estruturadora Brasileira de Projetos junto aos órgãos e entidades do poder público.

224. Ante o exposto, entende-se presente a culpabilidade dos gestores acerca da ilegalidade procedimental de seleção da EBP. Era perfeitamente exigível que a alta administração do banco adotasse um procedimento legal e isonômico para a escolha de potenciais interessados em celebrar algum tipo de acordo nos moldes daquele avençado com a estruturadora. Ou, alternativamente, que comprovasse detalhadamente a inviabilidade de tal procedimento, como ocorre com a contratação direta por inexigibilidade de licitação.

225. É importante ressaltar, nesse particular, que, se, de um lado, a inobservância ao parecer jurídico agrava a culpabilidade do gestor, isso não quer dizer, de outro, que o gestor pode acatar cegamente o entendimento da unidade jurídica do banco. Como registrado no voto do Exmo. Relator Benjamin Zymler, condutor do Acórdão 19/2002-TCU-Plenário (grifou-se).

‘Tem o administrador obrigação de examinar a correção dos pareceres, até mesmo para corrigir eventuais disfunções na administração. Este dever exsurge com maior intensidade nas situações em que se está a excepcionar princípio (impessoalidade) e regra (licitação) constitucional. Deve agir com a máxima cautela possível ao examinar peças técnicas que concluam pela inviabilidade ou pela inconveniência da licitação.’

226. Na mesma linha, o Exmo. Ministro-Relator Marcos Bemquerer, no voto condutor do Acórdão 30

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669/2012-TCU-Plenário, deixou assente que:

‘(...) não socorre o responsável a alegação de que agiu com base em parecer da assessoria jurídica da autarquia, tendo em vista que este Tribunal possui o entendimento consolidado no sentido de que a responsabilidade do gestor não é afastada neste caso, pois a ele coube a decisão sobre a prática do ato administrativo ora impugnado. O fato de ter agido com respaldo em pareceres técnicos e/ou jurídicos não tem força para impor ao administrador a prática de um ato irregular, uma vez que a ele cabe, em última instância, decidir sobre a conveniência e oportunidade de praticar atos administrativos, principalmente os concernentes a contratações (...)’

227. A presente instrução mostrou que, independentemente do parecer jurídico não ter abordado apropriadamente a questão da falta de legalidade e isonomia da seleção da EBP, era exigível conduta diversa dos gestores. De fato, não pode a alta administração do banco ancorar-se em um parecer jurídico frágil no que se refere ao procedimento de escolha da EBP e alegar desconhecer os princípios mais elementares que regem a administração pública e positivados, ademais, no código de ética da entidade. Sabe-se, também, que, muitas vezes, os pareceristas jurídicos preferem focar-se em questões que envolvem a avaliação dos aspectos menos interpretativos da lei, deixando aos tomadores de decisão examinar questões principiológicas.

228. Os gestores ao menos deveriam ter conhecimento de que o processo de seleção da EBP, por fugir do que normalmente se tem em qualquer processo público de seleção, no qual se abre a oportunidade de participação para vários interessados, quer seja por licitação, concurso, chamamento público, etc., só deveria se concretizar depois de concretamente evidenciada a natureza singular da estruturadora.

229. Agrava a situação dos gestores o fato de o segundo termo de cooperação técnica ter sido firmado sem parecer jurídico prévio e também resultado da renovação de um acordo celebrado originalmente em 2008, fora, portanto, dos prazos dados na Lei 8.666/1993, a qual se aplica ao presente convênio por força, inclusive, de sua cláusula 11.1 (peça 25, p. 5).

230. Também pesa contra a alta administração do BNDES o fato de que a seleção irregular da EBP tenha sido um ato consciente e planejado, eis que o convênio é elemento indissociável da própria criação da estruturadora, como afirmaram os próprios gestores do Banco de Fomento.

231. Para fins de responsabilização dos gestores, é incabível a argumentação apresentada na oitiva pelos técnicos do banco segundo a qual o BNDES poderia celebrar convênios com outras empresas a qualquer tempo, o que indicaria não favorecimento à EBP. De início, tal possibilidade não elidiria o fato de que a estruturadora foi contemplada com recursos públicos não reembolsáveis sem se submeter a nenhum procedimento seletivo. Outrossim, a atual existência de um convênio com a EBP que poderá ser renovável a qualquer tempo e que coloca o BNDES, amiúde, como intermediário dos interesses dessa empresa junto aos demais entes públicos já inibe de modo considerável o interesse de outras empresas em competir com a EBP. Finalmente, o BNDES é uma empresa com recursos limitados, o que inviabiliza, ou torna deveras ineficiente, a celebração de convênio de cooperação técnica nos moldes daquele avençado com a estruturadora com todo e qualquer interessado, o que, por si só, é motivo suficiente para demandar um processo seletivo impessoal.

232. Nesse particular, ainda que outras empresas contassem com o auxílio técnico-informacional do BNDES, segundo a possibilidade aventada pelo próprio banco em sua manifestação (peça 16, p. 4), remanesceria incólume o conflito de interesse desvelado, restando o conjunto de potenciais interessados injustificadamente cindido em empresas que obtiveram o serviço de intermediação provido por ente da própria Administração, enquanto outras concorreriam sem esse elemento diferencial, propendendo o processo seletivo, desde o início e sem outro mérito, em favor daquelas.

233. Portanto, nos termos do art. 43, inciso II, da Lei 8.443/1992 c/c art. 157, caput, do Regimento Interno do TCU, propõe-se realizar a audiência dos senhores Luciano Galvão Coutinho (Presidente do BNDES) e Roberto Zurli Machado (Diretor de Infraestrutura e Insumos Básicos) pelas irregularidades ora observadas, nos termos propostos ao fim desta instrução.

II.3.3. Culpabilidade acerca da irregularidade material do acordo celebrado com a EBP

234. Conforme itens precedentes desta instrução, a irregularidade relativa ao conteúdo do acordo

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firmado com a EBP dizia respeito a dois itens, quais sejam: i) o conteúdo pactuado, eis que fixadas atribuições incompatíveis com a natureza pública do ente convenente, principalmente a “interlocução com a Administração Pública”; e ii) o dúplice papel do banco oficial quanto à supervisão do processo de desestatização (art. 2º, § 3º, da Lei 9.491/1997) e ao apoio técnico a empresa interessada na provisão de estudos (in casu, a EBP), representando insanável conflito de interesse em sua atuação.

235. Finalmente, as cláusulas conveniais mostraram-se onerosas ao BNDES, uma vez que seus esforços apenas auxiliavam a EBP na estruturação de projetos que, ao final, revertiam-lhe em forma de remuneração

236. Ante a gravidade da constatação, resta, novamente, avaliar se seria exigível dos gestores conduta diversa.

237. Nesse mister, cumpre colacionar trecho do Parecer do Exmo. Procurador do Ministério Público junto ao TCU (MP/TCU), Sérgio Ricardo Costa Caribé (peça 71, p. 22, do TC 012.687/103-8):

‘Considerando que o BNDES atua perante a Administração Pública federal como patrono dos interesses da EBP, na forma estabelecida pelo convênio de cooperação técnica firmado entre o banco estatal e a empresa privada, afigura-se patente também por esse aspecto que, a pretexto de propiciar a saudável conjugação de esforços entre o poder público e a iniciativa privada para o desenvolvimento da infraestrutura do país, com amparo no art. 21 da Lei 8.987/1995, acabou-se por promover, na visão deste procurador, não apenas o favorecimento da EBP, mas sim o direcionamento àquela empresa. A ter-se por legítima a presente ilação, estaria o governo federal, por essas intrincadas relações jurídicas, fazendo-se substituir por empresa de direito privado que, em essência, confunde-se com o próprio Poder Público (...)’

238. Os apontamentos consignados no parecer retromencionado, os quais também foram examinados ao longo desta instrução e resumidos no item 234 acima decorrem, em essência, das próprias cláusulas do convênio celebrado.

239. A tabela 1 da presente instrução elencou cláusulas do convênio entendidas como problemáticas e contrárias à finalidade pública do BNDES. O caso mais emblemático referiu-se ao item 2.1, subitem (ii), alínea ‘c’, in verbis:

‘2. Atribuições:

Constituem atribuições das partes:

(...)

(c) promover a interlocução com os órgãos da Administração Pública direta e indireta da União, dos Estados e Municípios após a manifestação do órgão de que pretende realizar licitação do Projeto desenvolvido no âmbito do Convênio’

240. De acordo com o parquet especializado, em face desse dispositivo, “questiona-se a moralidade, a impessoalidade e a legalidade da atuação do BNDES junto a órgãos e entidades públicos federais” (peça 33, p. 5, do TC 012.687/2013-8). Ao examinar a questão, essa Unidade Técnica, em seção inicial desta instrução, concluiu que esse item, por seu conteúdo, não poderia constar de qualquer acordo, firmado a qualquer título, com integrante da Administração Pública, eis que é expressamente vedada a promoção de interesses privados por parte de agentes, órgãos e entidades públicas, sob pena de desvio de finalidade da função estatal.

241. Com efeito, restou configurado que assistência provida com exclusividade à EBP, a despeito das alegações em contrário coligidas pelo BNDES e pela estruturadora de projetos em suas respostas à oitiva, consubstanciou-se em efetivo favorecimento do banco público à entidade privada, nos precisos termos enunciados pela Exma. Ministra Ana Arraes no Voto condutor do Acórdão 3.362/2013-TCU-Plenário (TC 012.687/2013-8, peça 44, p. 12):

‘(...) o convênio de cooperação técnica celebrado entre o BNDES e a EBP traz benefício indevido à EBP, com quebra da isonomia que a coloca em situação privilegiada em relação às demais empresas existentes no mercado”’

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242. Nesse ponto, o item 2.1, subitem (ii), alínea ‘c’ do convênio firmado entre a EBP e o BNDES desrespeita claramente o princípio da indisponibilidade do interesse público e, por se tratar de um dos mais importantes princípios republicanos, prescinde de qualquer evidenciação de dano em algum caso concreto para demonstrar a gravidade da irregularidade.

243. Porém, é importante registrar que o duplo papel assumido pelo BNDES colaborou decisivamente para a ocorrência da situação descrita pela Exma. Ministra Ana Arraes no Voto condutor do Acórdão 3.362/2013-TCU-Plenário: “(...) apesar de ter anunciado a intenção de selecionar um estudo qualquer dentre aqueles que viessem a ser eventualmente apresentados, já se havia optado, antecipadamente, pela seleção da EBP para sua condução” (TC 012.687/2013-8, peça 44, p. 4-5).

244. Se da mera leitura dos dispositivos do termo de cooperação se revelam claramente os conflitos de interesse e o grande desequilíbrio das partes na assunção dos esforços e ganhos oriundos do ajuste, seria esperada conduta diversa por parte do gestor diligente, ainda mais ao se considerar que o BNDES também disponibilizaria à EBP recursos próprios, quer seja em termos de pessoal, quer em termos de estrutura.

245. Com efeito, os problemas apontados no conteúdo do acordo firmado entre as partes não são uma consequência inesperada ou imprevisível das suas disposições ou, ainda, que exijam profundos conhecimentos técnicos ou jurídicos para serem detectados. Assim, deveriam ser facilmente identificáveis pelo gestor médio.

246. Poder-se-ia argumentar, para atenuar a culpabilidade dos gestores, que a minuta do convênio celebrado em 2008, inalterada no novo instrumento celebrado em 2013, foi examinada pela área jurídica do Banco.

247. De fato, a redação inicial do supracitado dispositivo que constou da minuta submetida à setorial jurídica era:

‘2. Atribuições:

Constituem atribuições das partes:

(...)

(c) promover a interlocução com os órgãos da Administração Pública direta e indireta da União, dos Estados e Municípios com vistas à licitação de projetos.’

248. Por sugestão do parecerista, visando mitigar conflitos de interesse, foi sugerido que a redação final do convênio definisse o instante em que a promoção da interlocução se iniciaria, recomendando-se que o marco temporal fosse o momento em que a Administração pretendesse realizar a licitação do projeto desenvolvido no âmbito do convênio, “de modo a evitar futuras interpretações de favorecimento à atuação da EBP” (peça 45, p. 8).

249. A redação final do convênio, dada no item 239 desta instrução, incorporou tais sugestões.

250. Assim, em tese, o acatamento das recomendações da setorial jurídica poderia mitigar a responsabilidade dos gestores. Porém, como visto no item 225 desta instrução, é dever do gestor corrigir as falhas dos pareceres jurídicos que lhe são enviados. Uma vez tendo sido demonstrado nos itens precedentes que caberia ao gestor médio reconhecer as graves ilegalidades no conteúdo material do convênio, não há como afastar a responsabilidade da alta administração do BNDES meramente pelo fato de terem seguido recomendação de sua área jurídica.

251. De fato, a qualquer administrador público não é dado o direito de alegar desconhecimento de que lhe é defeso promover interesses privados utilizando a instituição por ele gerida. Portanto, via de regra, não pode ser exigida do gestor previdente conduta que não seja a de se abster de assinar dispositivo convenial semelhante ao supracitado.

252. Ainda acerca da exigibilidade de conduta diversa, esta instrução registrou que, ao convênio em exame, existiam outras alternativas mais harmoniosas com o ordenamento jurídico vigente, sendo que a contratação de consultoria pelo BNDES, mesmo que por inexigibilidade de licitação, seria solução prontamente disponível aos gestores.

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253. É também importante considerar que a presente irregularidade não pode ser vista de modo dissociado daquela descrita e analisada no tópico II.3.2, qual seja, a celebração de convênio com a EBP mediante procedimento que não observou os princípios da legalidade, impessoalidade e transparência. Com efeito, se é grave por si só a celebração de um convênio no qual o banco de fomento se compromete a servir de interlocutor entre o público e o privado, a conduta dos gestores se torna ainda mais reprovável quando se leva em consideração que o parceiro privado beneficiado com essa interlocução foi selecionado de modo que não respeitou os princípios constitucionais que regem a administração pública.

254. Portanto, nos termos do art. 43, inciso II, da Lei 8.443/1992 c/c art. 157, caput, do Regimento Interno do TCU, propõe-se realizar a audiência dos senhores Luciano Galvão Coutinho (Presidente do BNDES) e Roberto Zurli Machado (Diretor de Infraestrutura e Insumos Básicos) pelas irregularidades ora observadas, nos termos propostos ao fim desta instrução.

II.3.4. Irregularidade na execução do convênio

255. Além das irregularidades concretizadas com a celebração do convênio, observou-se também grave irregularidade na sua execução.

256. É preciso, novamente, considerar o item 2.1, subitem (ii), alínea ‘c’ do convênio firmado entre a EBP e o BNDES e rememorar que a sua redação final incorporou um marco temporal a partir do qual se iniciaria a interlocução do banco de fomento junto aos entes e entidades públicos, por sugestão de sua setorial jurídica. Tal momento seria o instante em que a administração decidisse realizar a licitação do projeto desenvolvido no âmbito do convênio, “de modo a evitar futuras interpretações de favorecimento à atuação da EBP” (peça 45, p. 8).

257. Porém, em contrariedade com as próprias disposições do convênio, o BNDES vem realizando as tratativas com os órgãos ou entidades públicos bem antes do momento em que decidem pela realização da licitação do projeto.

258. De fato, como ressaltou o banco em sua oitiva (peça 16, p. 11):

‘O BNDES tem a prerrogativa de supervisionar a realização do trabalho, incluindo o acompanhamento de reuniões e outras tratativas ocorridas entre a equipe técnica e o ente público competente, desde os momentos iniciais de elaboração dos estudos técnicos . Isso ocorre, a fim de garantir que as diretrizes passadas pelos órgãos responsáveis sejam, de fato, incorporadas nos estudos técnicos desde o seu início, atestando a ausência de desvirtuamento da modelagem técnico-econômica do projeto. Caso não seja permitido ao BNDES acompanhar, pari passu, todas essas etapas, sua supervisão restará seriamente prejudicada, pois não terá pronto acesso às informações do projeto.

A atribuição acima, portanto, refere-se a um momento anterior à seleção dos estudos técnicos, e, consequentemente, à decisão conclusiva do Poder Concedente acerca da efetiva licitação do projeto resultante do Procedimento de Manifestação de Interesse’. (ênfase acrescida)

259. Ou seja, há clara irregularidade na execução do objeto conveniado em favor da estruturadora, eis que o próprio BNDES está extrapolando uma restrição à sua atuação imposta no termo do convênio por sugestão de sua própria procuradoria para mitigar riscos relativos à interação entre o público e o privado tendo o banco de fomento como intermediário, de modo a “evitar futuras interpretações de favorecimento à atuação da EBP” (peça 45, p. 8). O desrespeito ao instante em que o BNDES inicia sua interlocução com o poder público agrava o conflito de interesse mencionado na seção anterior e eleva os benefícios usufruídos pela EBP, que não são compartilhados por outros entes privados que poderiam se interessar na estruturação de projetos.

260. De fato, a possibilidade de, desde o início da elaboração do projeto, contar com uma interlocução privilegiada com o ente público interessado nesse mesmo objeto, é vantagem de tal monta conferida à EBP que ela pode, por si só, inviabilizar a participação de qualquer outro interessado nos processos de manifestação de interesse, uma vez que a estruturadora, no extremo, terá informações não disponíveis ao público que lhe permitirão elaborar um projeto “sob medida” para a Administração.

261. O responsável pela presente irregularidade seria o senhor Henrique Amarante da Costa Pinto, já que, pelo item 3 do convênio em exame, trata-se do encarregado, pela parte do BNDES, por acompanhar

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a sua execução (peça 25, p. 3).

262. A sua conduta seria omissiva, pois a ele caberia dar efetividade ao item 2.1, subitem (ii), alínea ‘c’ do convênio firmado, de modo a vedar a interlocução do BNDES com o agente público em auxílio à EBP antes da efetiva decisão do poder público de licitar o projeto resultante do Procedimento de Manifestação de Interesse.

263. O nexo de causalidade resta assim configurado, eis que, da não observância ao disposto item 2.1, subitem (ii), alínea ‘c’ do convênio firmado, ao qual o gestor tinha a atribuição de dar efetividade, extrapolou-se a restrição imposta pelo próprio BNDES de não iniciar a interlocução com o ente público até que este se decida por realizar a licitação do projeto objeto do convênio, agravando a situação de conflito de interesses no duplo papel exercido pelo banco de fomento e aumentando os benefícios conferidos à EBP.

264. Acerca da culpabilidade do gestor, entende-se que, no presente caso, era-lhe exigido conduta diversa, pois, a exemplo do que ocorre com o fiscal de um contrato, é dever do responsável por acompanhar a execução do convênio zelar pelo cumprimento das disposições estabelecidas. Tal obrigatoriedade de zelo é ainda maior nas cláusulas sensíveis do ajuste e só pode ser afastada em casos excepcionais devidamente registrados.

265. Nesse sentido, conforme resenha do Acórdão 859/2006-TCU-Plenário:

‘A negligência de fiscal da Administração na fiscalização de obra ou acompanhamento de contrato atrai para si a responsabilidade por eventuais danos que poderiam ter sido evitados, bem como às penas previstas nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.443/1992.’

266. Ainda acerca da culpabilidade do gestor, impende registrar que o item 2.1, subitem (ii), alínea ‘c’ do convênio firmado é facilmente fiscalizável, razão pela qual tinha o gestor potencial consciência da ilicitude. De fato, dificilmente se mobilizariam equipes do BNDES para iniciar a interlocução com órgãos públicos acerca do objeto do convênio sem que o seu gestor, que também é superintendente da área de estruturação de projetos do BNDES, tivesse ciência do ocorrido (peça 25, p. 3).

267. Assim, com fundamento no art. 43, inciso II, da Lei 8.443/1992, c/c art. 157, caput , do Regimento Interno do TCU, propõe-se realizar a audiência do senhor Henrique Amarante da Costa Pinto nos moldes propostos ao final desta instrução.

268. Do exposto na presente seção, apresenta-se a seguinte matriz de responsabilização, contendo síntese do que foi exposto até o momento:

Tabela 2 – Matriz de Responsabilização

Irregularidade Responsáveis Conduta Nexo de causalidade

Culpabilidade

Irregularidades no procedimento de seleção da EBP, consubstanciadas na inobservância aos princípios da legalidade, impessoalidade e transparência.

Senhores Luciano Coutinho e Roberto Zurli Machado.

Assinar o convênio de cooperação com a EBP em 2013.

A assinatura do convênio concretizou as irregularidades apontadas.

É razoável afirmar que era exigível dos responsáveis conduta diversa da observada, dada as circunstâncias que os cercavam, pois os gestores devem selecionar os parceiros que receberão recursos não reembolsáveis do banco segundo os procedimentos existentes na entidade e de acordo com o princípio da impessoalidade e transparência.

Seria esperado, ainda, que

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Irregularidade Responsáveis Conduta Nexo de causalidade

Culpabilidade

não meramente presumissem a inexistência de empresas capazes de concorrer com a EBP, e, à semelhança do que ocorre com o processo de inexigibilidade de licitação, a inviabilidade de competição no mercado deveria ser claramente demonstrada.

Entende-se que agrava a culpabilidade dos gestores a inexistência de parecer jurídico prévio à celebração do novo convênio em 2013 e a existência de cláusula que permite a renovação ininterrupta do convênio, a depender unicamente da vontade das partes, o que perpetua as irregularidades apontadas, além de configurar desrespeito à Lei 8.666/1993.

É razoável também afirmar que os responsáveis detinham potencial conhecimento da ilicitude, uma vez que existia claro procedimento no banco para a seleção de empresas que receberão do banco recursos não reembolsáveis do FEP, e qualquer seleção diversa dessa rotina deveria estar detalhadamente fundamentada, como forma de demonstrar cabalmente a excepcionalidade da situação, já que todo gestor deve zelar pelo princípio da indisponibilidade do interesse público.

Além do mais, nenhum gestor pode alegar desconhecer princípios elementares que regem a administração pública.

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Irregularidade Responsáveis Conduta Nexo de causalidade

Culpabilidade

Irregularidades no conteúdo do convênio celebrado com a EBP, conferindo vantagens indevidas à estruturadora e criando insanável conflito de interesses entre o público e o privado.

Senhores Luciano Coutinho e Roberto Zurli Machado.

Assinar o convênio de cooperação com a EBP em 2013.

A assinatura do convênio concretizou as irregularidades apontadas.

É razoável afirmar que era exigível dos responsáveis conduta diversa da observada, dada as circunstâncias que os cercavam, pois deveriam evitar celebrar convênio de cooperação técnica com ente privado que pudesse gerar relevante situação de conflito de interesse entre público e privado, e que, ainda, distribuísse de modo consideravelmente desigual os esforços e benefícios do ajuste, ainda mais ao se considerar que a EBP foi selecionada por processo não isonômico.

Os responsáveis teriam potencial conhecimento da ilicitude, eis que a irregularidade material do convênio encontra-se claramente registrada nas cláusulas do convênio, principalmente em seu item item 2.1, subitem (ii), alínea ‘c’, sendo defeso a qualquer agente ou entidade público comprometer-se em promover interesses privados sob pena de desvio de finalidade da função estatal.

Irregularidade na execução do convênio, possibilitando que o BNDES iniciasse a interlocução com o Poder Público antes mesmo que o ente público decidisse por licitar o projeto objeto do convênio

Senhor Henrique Amarante da Costa Pinto.

O responsável por acompanhar a execução do convênio deixou de fiscalizar o cumprimento ao disposto no instrumento e que restringia a interlocução do BNDES ao instante em que o ente público decidisse por

A omissão do gestor permitiu que o convênio fosse executado sem observar a referida cláusula convenial.

É razoável afirmar que era exigível do responsável conduta diversa, consideradas as circunstâncias que o cercavam, pois deveria o responsável, enquanto encarregado pelo acompanhamento da execução do convênio e titular do setor do BNDES incumbido da estruturação de projetos, zelar pela observância ao item 2.1,

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Irregularidade Responsáveis Conduta Nexo de causalidade

Culpabilidade

firmado. licitar o projeto. subitem (ii), alínea ‘c’, do convênio, de modo a mitigar os conflitos de interesse entre público e privado.

O responsável teria potencial conhecimento da ilicitude, eis que a cláusula convenial em apreço é clara, de fácil fiscalização, além de ter sido objeto de recomendação da procuradoria jurídica do BNDES.

Fonte: elaboração própria

269. Ante o exposto, com fundamento no art. 43, inciso II, da Lei 8.443/1992 c/c art. 157, caput , do Regimento Interno do TCU, propõe-se realizar a audiência dos senhores elencados a seguir, para que, no prazo de quinze dias, apresentem razões de justificativa pelos fatos abaixo discriminados:

a) Luciano Coutinho e Roberto Zurli Machado, por terem assinado convênio de cooperação técnica com a EBP em 2013 maculado pelas seguintes irregularidades:

I - Irregularidades no procedimento utilizado para selecionar a Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP), consubstanciadas em desrespeito aos princípios da (i) legalidade estrita, ao concretizar atividade (prestação de apoio técnico) sem amparo legal e em desacordo com as regras aplicáveis à espécie, as quais impõem chamamento público para os casos de “aplicações não reembolsáveis”, e, ainda, mediante a renovação sem amparo legal do convênio de cooperação técnica firmado com a mesma empresa em 2008; (ii) impessoalidade, uma vez que não houve propriamente seleção da EBP para a celebração de convênio ou recepção de recursos públicos, pois a referida entidade privada foi criada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) (entre outros entes) já com vistas a se beneficiar do referido apoio técnico não reembolsável; (iii) transparência, eis que a natureza das atividades desenvolvidas pelo BNDES no âmbito do “convênio de cooperação” – e.g. realização de “diversos exercícios (testes de aderência) nas planilhas financeiras, a fim de verificar a consistência dos modelos produzidos” (peça 31, p. 4) – apenas foi revelada após questionamentos em diligências oficiais, em afronta ao art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988, ao art. 57, inciso II e § 3º, da Lei 8.666/1993, e ao art. 2º, incisos I e IX, do Código de Ética do BNDES;

II - Irregularidades no teor da avença firmada entre o BNDES e a EBP, em desrespeito ao princípio da indisponibilidade do interesse público, ao art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988 e ao art. 2º, incisos I e IX, do Código de Ética do BNDES, uma vez que: (i) o pacto firmado instalou o banco em irregular situação de conflito de interesses, uma vez que o BNDES se posiciona concomitantemente ao lado da Administração Pública Direta quando da formulação de aspectos relevantes da desestatização (artigo 2º, § 3º, da Lei 9.491/1997) e ao lado de sociedade empresária, quando ela tenciona ter seus projetos aprovados para posterior ressarcimento naqueles processos desestatizantes; (ii) o acordo coloca o BNDES como interlocutor da EBP junto aos órgãos e entidades públicas, sendo expressamente defesa a promoção de interesses privados por parte de entidades públicas, sob pena de irremediável desvio de finalidade da função estatal; e (iii) a alocação de recursos do BNDES na EBP para produção de estudos transgride os limites do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, existindo alternativas idôneas à consecução de estudos de viabilidade;

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b) Henrique Amarante da Costa Pinto, por não ter zelado, na execução do convênio celebrado com a Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP) em março de 2013, pelo cumprimento do item 2.1, subitem (ii), alínea ‘c’ do citado dispositivo, o qual veda a interlocução do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com o poder público em favor da EBP antes que a Administração decida licitar o projeto objeto do respectivo termo de cooperação técnica, contrariando os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e o art. 66, caput, da Lei 8.666/1993, c/c art. 116, caput, da mesma Lei.

CONCLUSÃO

270. A juridicidade do convênio de cooperação técnica firmado com a EBP foi analisada sob três prismas: legalidade formal, procedimental e material.

271. Sob o primeiro aspecto, concluiu-se que o instrumento escolhido para celebrar a vontade das partes, um convênio, por exigir a convergência de suas vontades, não poderia ter sido celebrado entre o BNDES (entidade pública depositária do interesse público) e a EBP (sociedade por ações, que, por definição, tem a finalidade de obter lucro).

272. Em relação ao segundo aspecto, a instrução ponderou que a seleção da EBP deu-se em desrespeito aos princípios constitucionais da isonomia, legalidade e transparência, pelos motivos que se seguem:

a) legalidade estrita, por concretizar atividade (prestação de apoio técnico) sem amparo legal e em desacordo com as regras aplicáveis à espécie, as quais impõem chamamento público para os casos de “aplicações não reembolsáveis”;

b) impessoalidade, por não haver propriamente seleção da EBP para a celebração de convênio ou recepção de recursos públicos, vez que a empresa privada foi criada pelo BNDES (entre outros entes) já com vistas a se beneficiar do referido apoio técnico não reembolsável;

c) transparência, eis que a natureza das atividades desenvolvidas pelo BNDES no âmbito do “convênio de cooperação” – e.g. realização de “diversos exercícios (testes de aderência) nas planilhas financeiras, a fim de verificar a consistência dos modelos produzidos” (peça 31, p. 4) – apenas foi revelada após questionamentos em diligências oficiais.

273. Por derradeiro, em relação ao último aspecto, a conclusão foi de que o conteúdo material do convênio desrespeitou os princípios basilares que regem a Administração, pois, nesse caso, o BNDES, cuja finalidade é atender ao interesse público, assume o papel de interlocutor da EBP junto aos demais integrantes do poder público, atuando, nessa situação, como representante dos interesses privados da EBP, atitude defesa a qualquer administrador público.

274. O convênio também dividiu de modo desigual os esforços e ganhos de sua execução, sendo que ao BNDES coube principalmente o primeiro. Nesse particular, cumpre salientar que o banco de fomento empregou recursos não reembolsáveis na execução do convênio, mesmo que de natureza não financeira, o que tornava ainda mais premente um procedimento de chamamento público para a seleção do parceiro do banco.

275. Conquanto, para fins de exposição, as irregularidades tenham sido dividas em três partes, cumpre salientar que elas não devem ser vistas de modo isolado, principalmente sob o aspecto material e procedimental. Com efeito, a irregularidade material torna-se ainda mais grave ao se considerar que a EBP foi selecionada de acordo com procedimentos que desrespeitaram os princípios da legalidade, impessoalidade e transparência, tornando ainda mais reprovável as cláusulas pactuadas no convênio.

276. Considerando que a oitiva do BNDES e da EBP não lograram afastar as irregularidades descritas no item 9.4 do Acórdão 3.362/2013-TCU-Plenário, propõe-se determinar ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com supedâneo no art. 71, inciso IX, da Constituição da República c/c art. 45, caput, da Lei 8.443/1992 c/c art. 250, inciso II, do Regimento Interno do TCU, que providencie a anulação do “convênio de cooperação técnica” firmado com a Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP) em março de 2013, demonstrando ao TCU o cumprimento desse comando no prazo de quinze dias.

277. Em razão das irregularidades apontadas, foram propostas as audiências dos senhores Luciano

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Galvão Coutinho (Presidente do BNDES), Roberto Zurli Machado (Diretor de Infraestrutura e Insumos Básicos) e Henrique Amarante da Costa Pinto (Fiscal do convênio e Superintendente da Área de Estruturação de Projetos) para que, em nome do princípio do contraditório e ampla defesa, apresentem razões de justificativa acerca das irregularidades evidenciadas nesta instrução.

278. A falta de regulamentação do art. 9º, inciso VI, do estatuto do BNDES, a qual contribuiu para as irregularidades apontadas nesta instrução, levou à proposta de recomendar ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com supedâneo no art. 43, inciso I, da Lei 8.443/1992 c/c o art. 250, inciso III, do Regimento Interno do TCU, que regulamente, por norma interna formal, o art. 9º, inciso VI, de seu Estatuto, discriminando a forma (meio de realização) e condições objetivas segundo as quais poderá ser prestado o apoio técnico de que trata, de modo a tornar aquele dispositivo plenamente aplicável.

279. Finalmente, tendo em vista que os pontos tratados nesta instrução podem impactar a avaliação das contas dos gestores do BNDES, propõe-se enviar cópia desta decisão, bem como do relatório e voto que a fundamentarem à Secretaria de Controle Externo da Administração Indireta do Rio de Janeiro (SecexEstataisRJ).

PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO

280. Ante o exposto, submetemos os autos à consideração superior, propondo:

I - determinar ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com supedâneo no art. 71, inciso IX, da Constituição da República c/c art. 45, caput, da Lei 8.443/1992 c/c art. 250, inciso II, do Regimento Interno do TCU, que providencie a anulação do “convênio de cooperação técnica” firmado com a Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP) em março de 2013, demonstrando ao TCU o cumprimento desse comando no prazo de 15 (quinze) dias (itens 46-114 desta instrução);

II - com fundamento no art. 43, inciso II, da Lei 8.443/1992, c/c art. 157, caput, do Regimento Interno do TCU, realizar a audiência dos gestores abaixo relacionados, para que, no prazo de quinze dias, apresentem razões de justificativa ante as irregularidades a seguir discriminadas, remetendo-lhes cópia desta instrução:

a) Luciano Galvão Coutinho (CPF 636.831.808-20) e Roberto Zurli Machado (CPF 600.716.997-91), por terem assinado convênio de cooperação técnica com a EBP em março de 2013 , maculado pelas seguintes irregularidades (itens 180-254 desta instrução):

a1) Irregularidades no procedimento utilizado para selecionar a Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP), consubstanciadas em desrespeito aos princípios da (i) legalidade estrita, ao concretizar atividade (prestação de apoio técnico) sem amparo legal e em desacordo com as regras aplicáveis à espécie, as quais impõem chamamento público para os casos de “aplicações não reembolsáveis”, e, ainda, mediante a renovação sem amparo legal do convênio de cooperação técnica firmado com a mesma empresa em 2008; (ii) impessoalidade, uma vez que não houve propriamente seleção da EBP para a celebração de convênio ou recepção de recursos públicos, pois a referida entidade privada foi criada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) (entre outros entes) já com vistas a se beneficiar do referido apoio técnico não reembolsável; (iii) transparência, eis que a natureza das atividades desenvolvidas pelo BNDES no âmbito do “convênio de cooperação” – e.g. realização de “diversos exercícios (testes de aderência) nas planilhas financeiras, a fim de verificar a consistência dos modelos produzidos – apenas foi revelada após questionamentos em diligências oficiais, em afronta ao art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988, ao art. 57, inciso II e § 3º, da Lei 8.666/1993, e ao art. 2º, incisos I e IX, do Código de Ética do BNDES;

a2) Irregularidades no teor da avença firmada entre o BNDES e a EBP, em desrespeito ao princípio da indisponibilidade do interesse público, ao art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988 e ao art. 2º, incisos I e IX, do Código de Ética do BNDES, uma vez que: (i) o pacto firmado instalou o banco em irregular situação de conflito de interesses, uma vez que o BNDES se posiciona concomitantemente ao lado da Administração Pública Direta quando da formulação de aspectos relevantes da desestatização (artigo 2º, § 3º, da Lei 9.491/1997) e ao lado de sociedade empresária quando ela tenciona ter seus projetos aprovados para posterior ressarcimento naqueles processos

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desestatizantes; (ii) o acordo coloca o BNDES como interlocutor da EBP junto aos órgãos e entidades públicas, sendo expressamente defesa a promoção de interesses privados por parte de entidades públicas, sob pena de irremediável desvio de finalidade da função estatal; e (iii) a alocação de recursos do BNDES na EBP para produção de estudos transgride os limites do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, existindo alternativas idôneas à consecução de estudos de viabilidade;

b) Henrique Amarante da Costa Pinto (CPF 798.793.497-68), por não ter zelado, na execução do convênio celebrado com a Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP) em março de 2013, pelo cumprimento do item 2.1, subitem (ii), alínea ‘c’ do citado dispositivo, o qual veda a interlocução do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com o poder público em favor da EBP antes que a Administração decida licitar o projeto objeto do respectivo termo de cooperação técnica, contrariando os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e o art. 66, caput, da Lei 8.666/1993, c/c art. 116, caput, da mesma Lei (itens 255-267 desta instrução);

III - Recomendar ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com supedâneo com fundamento no art. 43, inciso I, da Lei 8.443/1992 c/c o art. 250, inciso III, do Regimento Interno do TCU, que regulamente, por norma interna formal, o art. 9º, inciso VI, de seu Estatuto, discriminando a forma (meio de realização) e condições objetivas segundo as quais poderá ser prestado o apoio técnico de que trata, de modo a tornar aquele dispositivo plenamente aplicável (itens 117-137 desta instrução);

IV – Enviar cópia desta decisão, bem como do relatório e voto que a fundamentarem à Secretaria de Controle Externo da Administração Indireta do Rio de Janeiro (SecexEstataisRJ) (item 279 desta instrução);

V – Retornar os autos à SefidTransporte, para o prosseguimento do feito.”

2. Em vista dos aspectos jurídicos que envolvem a questão, a ministra Ana Arraes solicitou o pronunciamento do Ministério Público junto ao TCU – MPTCU, que se posicionou nos termos abaixo transcritos:

“Trata-se de acompanhamento oriundo de apartado do TC 012.687/2013-8, autuado por determinação do item 9.4 do Acórdão 3.362/2013-TCU-Plenário, que apreciou, em caráter preliminar, a representação analisada nesse processo.

2. Por meio do referido processo, no qual emiti dois pareceres, foram detectadas irregularidades que macularam a autorização dada à sociedade denominada Estruturadora Brasileira de Projetos S.A. (EBP) pela Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP/PR), com base no art. 21 da Lei 8.987/1995. Por meio dessa autorização, a EBP desenvolveu estudos para subsidiar a preparação de procedimentos licitatórios de concessões de portos organizados e de arrendamentos portuários. Ressalto que, no mérito, a representação foi considerada parcialmente procedente, nos termos do Acórdão 1.155/2014-TCU-Plenário.

3. Nestes autos, o foco da análise recai, de modo específico, sobre o Convênio de Cooperação Técnica firmado entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes) e a EBP, para estruturação de projetos de infraestrutura, tendo sido o primeiro instrumento assinado em 25/3/2008, com vigência de cinco anos (instrumento à peça 45, p. 29-33), e o segundo em 21/3/2013, com a mesma vigência do convênio que o precedeu (instrumento à peça 25).

4. Para fins de clareza, transcrevo o retromencionado item 9.4 do Acórdão 3.362/2013-TCU-Plenário:

‘9.4. determinar a constituição de processo apartado e nele promover a oitiva prévia do BNDES e da EBP para que se manifestem, se assim o desejarem, no prazo de 05 (cinco) dias úteis, acerca da celebração do convênio de cooperação técnica entre aqueles entes, considerando que a EBP é uma empresa privada constituída sob a forma de sociedade de ações que distribui dividendos, caracterizando a concessão de benefício indevido àquela empresa a partir da alocação gratuita de recursos e de expertise, pelo BNDES, em seu favor, sem que o mesmo tratamento seja dispensado a outras empresas que atuam no ramo de elaboração de projetos, em afronta aos princípios da moralidade e da impessoalidade administrativa, em vista da possibilidade de que a decisão de

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mérito do tribunal venha a determinar a sustação daquela avença, nos termos da competência atribuída pelo art. 71, IX, da Constituição Federal; ‘(grifo nosso)

5. Tanto o Bndes como a EBP responderam à oitiva deste Tribunal (Bndes: respostas às peças 15, 16, 27, 30, 31, 32 e 45; EBP: resposta à peça 20), tendo sido os esclarecimentos analisados pela Secretaria de Fiscalização de Desestatização e Regulação de Transportes deste Tribunal (SefidTransporte), por meio da instrução à peça 46.

6. A SefidTransporte concluiu pela antijuridicidade do Convênio de Cooperação Técnica e, em decorrência de irregularidades na formalização e execução desse ajuste, pela necessidade de ser determinada sua anulação e de serem chamados em audiência neste processo três gestores do Bndes.

7. A adoção das medidas que mencionei no item precedente restariam justificadas, de acordo com as ponderações da unidade técnica, tendo em conta o fato de que o Bndes não poderia ter celebrado o convênio com a EBP, o que possibilitou à empresa pública patrocinar interesses privados da referida sociedade estruturadora de projetos junto a entes públicos das três esferas de governo.

8. Restou caracterizado que o apoio técnico prestado pelo banco à EBP traria ônus financeiro à empresa pública, materializado pela assessoria prestada por seus técnicos à sociedade que vem contratando estudos junto a terceiros (consultorias), apresentando tais estudos consolidados a diversos entes públicos concedentes e, ao final, auferindo ganhos, sem reembolso à empresa pública pelo apoio recebido, na forma de ressarcimento custeado pelos vencedores das licitações.

9. A unidade técnica observou que uma das justificativas apresentadas pelo Bndes para prestar o referido apoio teria como suporte jurídico a seguinte disposição do Anexo do Decreto 4.418/2002, por meio do qual foi aprovado o Estatuto Social da empresa pública:

‘Art. 9º O BNDES poderá também:(...)VI - contratar estudos técnicos e prestar apoio técnico e financeiro, inclusive não reembolsável, para a estruturação de projetos que promovam o desenvolvimento econômico e social do País ou sua integração à América Latina; e (Redação dada pelo Decreto nº 6.322, de 2007)(...)’ (grifos nossos)

10. Para a SefidTransporte, o dispositivo grifado no item precedente careceria de regulamentação específica, especialmente quanto à não observância pelo banco do princípio da proporcionalidade na relação analisada neste processo, visto que o Convênio de Cooperação Técnica não contemplaria contraprestação da EBP ao Bndes.

11. Referido princípio estaria sendo violado, ainda, por haver outros meios legítimos para a atuação dos governos em prol do mercado de estruturação de projetos para entes públicos no País, “tais como a especificação de requisitos para os projetos [por parte do Poder Concedente] e a capacitação dos quadros técnicos das agências reguladoras” (excerto do item 128 da instrução da unidade técnica). Caso a busca por esse quadro ideal hipotético fosse colocada em prática pelos entes públicos concedentes, não haveria necessidade de o Bndes, na visão da unidade técnica, patrocinar o arranjo irregular sob análise.

12. Foi destacado pela SefidTransporte, ainda, o favorecimento outorgado pela empresa pública à EBP, com desrespeito aos “princípios da legalidade, impessoalidade e transparência, tornando ainda mais reprovável as cláusulas pactuadas no convênio” (excerto do item 275 da instrução à peça 46 – grifo nosso). Nesse sentido, a unidade técnica ressaltou que a seleção da EBP para ser apoiada pela empresa pública ocorreu à margem da lei, pois sua criação, a partir da alocação de recursos da Bndes Participações S.A. - BndesPar (e de outros sócios), não permitiu que outros possíveis interessados fossem beneficiados da mesma forma, à custa (parcial) de recursos públicos.

13. Especificamente quanto à execução do Convênio de Cooperação Técnica, restou demonstrado que, apesar de a empresa pública afirmar que sua interlocução com entes públicos somente ocorreria “após manifestação do órgão de que pretende realizar a licitação do Projeto desenvolvido no âmbito do Convênio”, nos termos da letra “c” do item “ii” da Cláusula 2.1 do citado ajuste (peça 25, p. 3), tal afirmação não corresponderia à realidade.

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14. Verificou-se que a referida interlocução do Bndes com governos das três esferas ocorre, na prática, desde o início da interação com entes públicos que podem ter concessões comuns ou parcerias público-privadas (PPP) a terem estudos produzidos com base na autorização prevista no art. 21 da Lei de Concessões.

15. A irregularidade restaria caracterizada tendo em vista que a atuação da EBP se daria, desde os primeiros momentos da citada interação com governos, em conjunto com a Área de Estruturação de Projetos da empresa pública (AEP/Bndes), o que evidenciaria inobservância da disposição constante da letra “c” do item “ii” da Cláusula 2.1 do Convênio de Cooperação Técnica.

16. As irregularidades identificadas no convênio justificariam, nos termos da proposta de encaminhamento da instrução da SefidTransporte, a realização da audiência de três gestores do Bndes, a saber: Sr. Luciano Galvão Coutinho, presidente do banco; Sr. Roberto Zurli Machado, Diretor de Infraestrutura e Insumos Básicos/Bndes; e Sr. Henrique Amarante da Costa Pinto, superintendente da AEP/Bndes.

17. Aos dois primeiros foi imputada a conduta irregular por terem figurado como signatários do segundo convênio assinado com a EBP (em março de 2013) e o terceiro gestor por ter atuado como fiscal desse ajuste e, nessa condição, permitido o descumprimento da letra “c” do item “ii” da Cláusula 2.1 do convênio.

18. Além de ter proposto que o Bndes anulasse o Convênio de Cooperação Técnica, com base no art. 71, inciso IX, da Constituição Federal, a SefidTransporte sugeriu que fosse recomendado à empresa pública que regulamentasse, por norma interna formal, o art. 9º, inciso VI, de seu Estatuto Social, “discriminando a forma (meio de realização) e condições objetivas segundo as quais poderá ser prestado o apoio técnico de que trata, de modo a tornar aquele dispositivo plenamente aplicável” (subitem III do item 280 da instrução à peça 46).

19. Por meio do despacho à peça 50, de 21/7/2014, V. Exª solicitou a manifestação do Ministério Público de Contas, “considerando os aspectos jurídicos que envolvem as questões discutidas nos autos”.

20. Alinho-me às conclusões da SefidTransporte, pela ocorrência de diversas irregularidades no Convênio de Cooperação Técnica firmado entre o Bndes e a EBP. Ressalvo duas discordâncias pontuais com relação ao exame realizado pela unidade técnica.

21. A primeira refere-se à opção da SefidTransporte de não ter incluído o primeiro convênio, assinado em 2008, como objeto de análise específica na instrução à peça 46, o que acabou por excluir a responsabilidade, de modo indevido, de um dos diretores do Bndes envolvidos na irregularidade. Adiante, proponho a audiência do Sr. Wagner Bittencourt de Oliveira, ex-diretor de Infraestrutura, Insumos Básicos e Estruturação de Projetos do Bndes, signatário do primeiro convênio, e atual vice-presidente do banco.

22. Além disso, entendo, ao contrário da manifestação da SefidTransporte, que houve desrespeito do princípio da moralidade administrativa por parte de gestores da empresa pública, na forma adiante descrita.

23. Preliminarmente, conforme mencionado anteriormente, lembro que a EBP tem como uma de suas acionistas a BndesPar, subsidiária integral do Bndes. Tal situação, por si só, não caracteriza irregularidade, em vista do disposto nos arts. 4º e 5º do Estatuto Social da BndesPar, que disciplinam, respectivamente, o objeto social dessa sociedade por ações e suas modalidades operacionais, entre as quais se encontram operações com valores mobiliários (disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/O_BNDES/Legislacao/estatuto_bndespar.html).

24. Além da BndesPar, a EBP tem como sócias as seguintes instituições financeiras: Banco do Brasil, Banco Espírito Santo, Bradesco, Citibank, Itaú-BBA, Santander, HSBC e Banco Votorantim. Essas instituições (entre outras do setor financeiro), além do Bndes, podem fornecer suporte financeiro às sociedades vencedoras de licitações (futuros concessionários) e/ou ao ente público concedente, com relação às concessões comuns e àquelas formalizadas como PPP.

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25. Quanto à EBP, sua atuação se restringe a agregar estudos produzidos por terceiros (consultorias por ela contratadas) e, assim, apresentar ao Poder Concedente tais documentos de forma consolidada (estudos de viabilidade, modelagem econômico-financeira, minutas de edital e contratos de concessão, entre outros), com sua remuneração sendo paga pelo vencedor da futura licitação. Caso o ente público concedente opte por não realizar a licitação, a EBP arca com o prejuízo decorrente do não aproveitamento de seus estudos.

26. Nota-se, portanto, que a EBP não se caracteriza como uma sociedade de grande envergadura, em termos quantitativos de pessoal, capaz de elaborar, por si só, e apresentar a seus clientes (governos das três esferas) o rol de estudos e levantamentos necessários para que estes realizem a licitação de uma concessão comum ou de uma PPP.

27. A “inovação” trazida pela sociedade ao mercado de estruturação de projetos do País foi, em suma, atuar de forma a construir uma rede de consultorias capaz de elaborar grandes projetos de infraestrutura, mesmo em tempo exíguo – caso verificado no TC 012.687/2013-8, no setor portuário - o que pode ser considerada uma tarefa complexa para uma única sociedade desenvolver, tendo em conta a multidisciplinariedade inerente a estudos prévios de concessões.

28. A partir da criação da EBP, com o aporte de recursos (subscrição e integralização de valores mobiliários) da BndesPar e demais sócios, possibilitou-se ao Bndes a oportunidade de atuar de forma simbiótica com a estruturadora de projetos privada, por meio de sua área de estruturação de projetos (AEP/Bndes). A motivação para o estabelecimento dessa parceria foi a união de esforços de uma empresa pública com um ente privado para aprimorar o (supostamente) incipiente mercado de estruturação de projetos no Brasil. Tal parceria se viu concretizada por meio das disposições constantes do convênio avaliado neste acompanhamento.

29. Quanto ao mérito do processo, nos termos assinalados ao longo da percuciente instrução da SefidTransporte, não vejo como não ser reconhecida a nulidade, desde sua origem, em março de 2008, do Convênio de Cooperação Técnica que dispõe sobre o apoio que vem sendo conferido, à margem da legalidade, pelo Bndes à EBP.

30. A partir do descumprimento da letra “c” do item “ii” da Cláusula 2.1 do Convênio de Cooperação Técnica, possibilitou-se a constituição de uma relação inusitada e não prevista nas normas jurídicas brasileiras que dispõem sobre as parcerias que podem ser estabelecidas por órgãos e entidades públicos com entes privados. O quadro que se vislumbra atualmente coloca o Bndes, na consecução do convênio, como uma sociedade “público-privada” (sendo o braço operacional da empresa pública, que extrapola o papel da empresa pública, a AEP/Bndes), e a EBP, formalmente uma pessoa jurídica de direito privado, como uma entidade “semiestatal”.

31. O resultado dessa simbiose antijurídica, que fez emergir no cenário de estruturação de projetos para entes públicos, repito, duas espécies de entidades não previstas na legislação brasileira, é a atuação do Bndes de modo pessoal e, ao contrário do que defende a SefidTransporte (vide item 86 da instrução à peça 46), também imoral em relação à EBP, fruto do favorecimento conferido pelo banco em prol dessa sociedade por ações.

32. A fim de evidenciar o favorecimento à EBP, deve ser verificado o modo de interação do Bndes com essa sociedade e a ocorrência de situações concretas capazes de materializar essa irregularidade.

33. Embora a letra “c” do item “ii” da Cláusula 2.1 do Convênio de Cooperação Técnica tenha determinado o momento de atuação do Bndes em suporte à EBP como sendo possível apenas após o Poder Concedente ter manifestado seu interesse em realizar a licitação na qual seriam empregados os estudos consolidados pela estruturadora de projetos, o que se viu, na prática, foi a imbricação do ente público com o privado desde o início dos contatos com órgãos e entidades do governo federal.

34. No TC 012.687/2013-8, verificou-se que a SEP/PR conferiu tratamento anti-isonômico à EBP, por tê-la autorizado a elaborar estudos para subsidiar a preparação de procedimentos licitatórios de concessões de portos organizados e de arrendamentos portuários em condições não proporcionadas a outros possíveis interessados.

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35. Nesses autos, foi registrada, por exemplo, a interação da EBP com gestores da SEP/PR mesmo antes de o governo federal ter indicado quais áreas do setor portuário seriam objeto de licitações, o que possibilitou que a autorização à EBP fosse deferida no mesmo momento em que o interesse do governo em obter os estudos prévios foi publicamente manifestado a outros possíveis interessados - no caso, concorrentes da EBP no mercado de estruturação de projetos.

36. O cenário identificado em favor da EBP levou V. Exª, relatora do Acórdão 3.362/2013-TCU-Plenário, a concluir pela ocorrência de “benefício indevido à EBP, com quebra da isonomia que a coloca em situação privilegiada em relação às demais empresas existentes no mercado” (excerto do item 92 do voto condutor dessa deliberação – grifo nosso).

37. A conclusão do Plenário desta Casa, após ter esse colegiado ratificado o citado entendimento de V. Exª, confirmou a suspeita por mim levantada no primeiro parecer que emiti, em 29/10/2013, no TC 012.687/2013-8, de que

‘A cronologia dos fatos e atos emanados da SEP/PR demonstram que a EBP já tinha conhecimento dos planos do governo federal para o setor de portos, com relação às futuras concessões e arrendamentos, antes que outros concorrentes dessa sociedade empresarial tivessem tido a mesma oportunidade, o que implica favorecimento, em face da assimetria de informações.’(item 18 do parecer que proferi à peça 33, p. 3, do TC 012.687/2013-8 - grifo nosso)

38. Em outro processo por meio do qual se analisa a atuação da EBP, o TC 015.245/2013-6 (representação proposta pela sociedade IQS Engenharia Ltda.), está sendo questionado o possível favorecimento da estruturadora de projetos no contexto da autorização a ela conferida pela Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República (SAC/PR). Essa autorização teve como objeto a elaboração de estudos preparatórios às concessões dos Aeroportos do Galeão e de Confins, localizados, respectivamente, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Registro que os contratos de concessão desses aeroportos foram assinados em abril deste exercício.

39. V. Exª, relatora desses autos, por vislumbrar indícios de irregularidades que teriam sido cometidas pelo ex-ministro titular da SAC/PR, Sr. Wagner Bittencourt de Oliveira - cuja audiência proponho adiante neste parecer -, determinou a audiência desse gestor, para que apresente, entre outros, justificativas sobre:

a) o fato de a EBP ter solicitado a autorização e obtido seu deferimento antes da edição do Decreto 7.896/2013, que incluiu os referidos aeroportos no Programa Nacional de Desestatização – PND (letra “b” do item 30 do despacho de V. Exª, à peça 87, p. 4, do TC 015.245/2013-60), o que demonstrou assimetria de informações, com benefício da EBP em relação a outras possíveis sociedades interessadas em também obter a autorização;

b) a desigualdade de condições oferecidas às eventuais participantes para elaboração dos estudos, uma vez que a EBP dispôs do prazo de 78 dias para a realização de seus estudos, contados a partir da edição da Portaria SAC/PR 9/2013, e a empresa IQS Engenharia Ltda. de apenas 49 dias, contados a partir da edição da Portaria SAC/PR 31/2013 (letra “d” do item 30 do despacho de V. Exª, à peça 87, p. 4, do TC 015.245/2013-6).

40. Tanto nas apurações e análises promovidas no TC 012.687/2013-8, como naquelas que estão sendo conduzidas no TC 015.245/2013-6, verificou-se que as ações da EBP ocorreram com o suporte técnico e a essencial interlocução proporcionada pelo Bndes, o que, certamente, conferiu à estruturadora de projetos a legitimidade e a confiabilidade necessárias para que as pretendidas autorizações fossem a ela concedidas pela SEP/PR e pela SAC/PR.

41. Chego a essa conclusão levando em conta a força da “marca Bndes” junto aos governos concedentes, pelo reconhecido e importante papel de fomento desempenhado pela instituição financeira no País, o que certamente facilitou os trâmites iniciais da EBP junto às duas secretarias mencionadas, situação privilegiada da qual não gozou nenhuma outra sociedade que atua no ramo de estruturação de projetos no Brasil.

42. Não se deve deixar de considerar que a imbricação do Bndes com a EBP mostrou-se fator-chave para que as mencionadas autorizações fossem outorgadas por órgãos federais, sem prejuízo de esse benefício indevido ter ocorrido no bojo de outras autorizações que não foram analisadas, de modo

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específico, pelo TCU (vide rol de estudos em execução e concluídos pela EBP em relação a concessões e PPP no nível federal de governo, incluso o setor de rodovias, no link “Projetos” do endereço: www.ebpbrasil.com.br).

43. Como situação que antecedeu às autorizações deferidas à EBP pela SEP/PR e pela SAC/PR, cabe especial registro, como evidência material do favorecimento indevido, do acesso diferenciado que a estruturadora de projetos obteve, via atuação direta do Bndes, junto ao alto escalão decisório do governo federal, especificamente à Casa Civil da Presidência da República.

44. Nesse sentido, restou por mim assinalada, nos itens 16 e 17 do parecer à peça 33, p. 2-3, do TC 012.687/2013-8, e por V. Exª, nos itens 24, 26 e 27 do voto que fundamentou o Acórdão 3.362/2013-TCU-Plenário, bem como no item 17 do despacho proferido em 30/7/2014 no TC 015.245/2013-6 (peça 87 desse processo), a participação de gestores do Bndes e de dirigentes da EBP em reuniões preliminares na Casa Civil, antes do deferimento de autorizações à sociedade estruturadora de projetos.

45. Em tais reuniões, foram objeto de discussões assuntos ligados à estruturação de projetos de concessões nos setores de portos e aeroportos, o que representou exclusiva e vantajosa oportunidade de acesso ao pensamento e às expectativas do escalão decisório do governo federal por parte da EBP, em detrimento de outros possíveis interessados do setor privado que também poderiam ter interesse em obter essas informações prévias e estratégicas sobre os planos do Poder Público federal para os citados setores.

46. Sobre o momento em que o Bndes atua em conjunto com a EBP, a empresa pública confirmou, nestes autos, que não observa a prescrição da letra “c” do item “ii” da Cláusula 2.1 do convênio, visto laborar com a mencionada estruturadora de projetos “desde os momentos iniciais de elaboração dos estudos técnicos”. Tal interação incluiria a participação de técnicos do banco no “acompanhamento de reuniões e outras tratativas ocorridas entre a equipe técnica [composta de técnicos da AEP/Bndes e da EBP] e o ente público competente” (excertos da resposta do Bndes ao TCU - peça 16, p. 11).

47. Nota-se, portanto, que o Bndes não se preocupou em atuar em conjunto com a EBP como se os técnicos de ambos fizessem parte de uma única entidade, apesar de o banco figurar em desvantagem no convênio, pois, conforme destacado pela SefidTransporte, não foi previsto ganho direto pela empresa pública a partir da execução do convênio. Por óbvio, conforme entendimento que reforço adiante, essa atuação do escalão técnico do banco e da estruturadora de projetos somente vem ocorrendo por vontade e determinação dos dirigentes de ambas as organizações.

48. Cabe destacar, ainda, que, não obstante o papel técnico exercido pelo Bndes no convênio, de verificar a consistência dos estudos produzidos pela EBP - além do inusitado e ilegal papel de agente de interlocução da EBP junto a governos -, o convênio não previu reembolso dessa sociedade à empresa pública, pelos serviços prestados pelo banco, o que vem lhe acarretando ônus financeiro (decorrente, especificamente, do emprego de recursos humanos e materiais do Bndes).

49. Quanto a esse aspecto, assiste razão à SefidTransporte quando propõe recomendação ao Bndes para que delimite o alcance da competência conferida à instituição financeira oficial por meio do art. 9º, inciso VI, do Anexo do Decreto 4.418/2002. Há premente necessidade de que sejam definidas regras transparentes, objetivas e impessoais, no âmbito interno do Bndes, quando houver interesse do banco em prestar apoio técnico a entidades privadas, como a EBP, especialmente em caráter não reembolsável, com vistas à estruturação de projetos.

50. O quadro delineado nos itens precedentes, que teve o intuito de demonstrar, com força de evidência, a existência de situações que materializam a atuação irregular do Bndes em favor da EBP, dá embasamento fático e jurídico para que o Tribunal, de modo imediato, atue para que o Convênio de Cooperação Técnica seja anulado, na forma proposta pela SefidTransporte.

51. Justifica-se a exclusão do convênio do mundo jurídico, sem prejuízo da responsabilização dos gestores do Bndes envolvidos, pois foram desrespeitados princípios de ordem constitucional, quais sejam, o da isonomia, o da legalidade, o da impessoalidade, o da publicidade e o da moralidade (art. 5º, caput, e 37, caput, da Constituição Federal).

52. Por terem sido abordados em inúmeros trechos da instrução da SefidTransporte, deixo de tecer maiores comentários quanto à ofensa aos quatro primeiros princípios que mencionei, por concordar, na

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totalidade, com os argumentos da unidade técnica. Detenho-me, apenas, sobre o desrespeito ao princípio da moralidade, com relação ao qual a unidade técnica entende que não houve inobservância por parte do Bndes.

53. Embora o conceito de moralidade administrativa tenha distintas acepções na doutrina, percebe-se sua estreita relação com o de probidade, o qual exige do gestor público retidão em suas ações e, em última instância, lealdade para com as instituições públicas.

54. Para nortear a presente discussão, entendo apropriado o conceito de moralidade a seguir apresentado, constante em obra elaborada pelo Ministro Emérito do TCU, Ubiratan Aguiar, e por dois de seus assessores, servidores deste Tribunal:

‘(...) a moralidade administrativa está ligada às noções de lealdade com a Administração Pública; à atuação dos órgãos e agentes públicos sempre pautada pela boa-fé e honestidade; à transparência na divulgação e execução dos atos administrativos; à ausência de favorecimentos, privilégios e perseguições casuísticos, entre outras condutas que podem ser consideradas eticamente corretas e que, usualmente, não estão descritas em lei.’(A Administração Pública sob a Perspectiva do Controle Externo. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 275 - grifos nossos e do original)

55. A moralidade foi, portanto, ignorada pelo Bndes no caso sob exame, confirmando o indício de favorecimento e privilégio descrito no item 9.4 do Acórdão 3.362/2013-TCU-Plenário.

56. A par de sua atividade como pessoa jurídica de direito privado, atuante em atividades econômicas (fomento, de modo específico), o banco enveredou pelo caminho da inconstitucionalidade e da ilegalidade por entender que sua atuação em prol de uma sociedade da qual a BndesPar é sócia estaria legitimada por, supostamente, configurar a atividade de fomento prevista no art. 9º, inciso VI, do Anexo do Decreto 4.418/2002.

57. Equivocaram-se os gestores do Bndes ao firmar o convênio, pois a empresa pública não poderia ter cruzado os limites da legalidade e recair em campo de atuação imoral, a partir da extrapolação de competências previstas em seu Estatuto Social. Esperava-se, nesse sentido, que os gestores do banco tivessem atuado de forma justa e isonômica perante o mercado, com relação a todas sociedades possivelmente interessadas em obter seu fomento, e não conferindo tratamento privilegiado e indevido a apenas um de seus atores, como ocorreu em relação à EBP.

58. Moralidade, no espectro de atuação de uma empresa pública, mesmo para aquelas que se concentram em atividades econômicas (e não prestam serviço público), limita-se a atender suas competências sem interferir, de modo pessoal e indevido, na dinâmica do mercado. A relação por demasiado estreita entre o banco – sua cúpula e sua AEP – e a sociedade estruturadora de projetos passou a desequilibrar a área de estruturação de projetos para entes públicos no País, como se a suposta deficiência e incipiência desse setor pudesse ser compensada (e resolvida) por uma parceria que veio a se mostrar antiética.

59. Nessa linha de entendimento, a SefidTransporte ressaltou o duplo papel desempenhado pelo Bndes (ao mesmo tempo, público e privado), tendo assinalado no item 149 de sua instrução à peça 46 as seguintes conclusões (grifo nosso):

‘Nota-se, assim, intransponível irregularidade na ambivalência de atuação do BNDES – banco que, a um tempo, participa das definições de política adotada pela Administração Pública (art. 2º, § 3º, da Lei 9.491/1997) e auxilia empresa (EBP) cujos estudos concorrem em processo seletivo. No intuito de superar deficiências técnicas das firmas atuantes no mercado, o BNDES acaba por instalar insolúvel conflito de interesse, já que se posiciona concomitantemente ao lado da Administração Pública Direta, quando da formulação de aspectos relevantes da desestatização, e de sociedade empresária que tenciona ter seus projetos aprovados para posterior ressarcimento.’

60. O desequilíbrio materializou-se em todas as ocasiões nas quais o banco, quer seja por meio de seu presidente e diretores, quer seja por meio de dirigentes e técnicos de sua AEP, atuou de forma a subsidiar a atuação da EBP e, assim, permitir que essa sociedade angariasse autorizações em condições privilegiadas junto a unidades do Poder Público federal (a exemplo do espaço indevidamente concedido à

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EBP nas negociações mantidas com a SEP/PR e com a SAC/PR). Instalou-se, assim, conflito de interesses, com prejuízo da função pública desempenhada pelo banco, que não poderia ter se esquecido que, mesmo com sua natureza de pessoa jurídica de direito privado, deve obediência aos princípios constitucionais que mencionei anteriormente.

61. A par de discussões acadêmicas e/ou filosóficas sobre ética e moral, as quais permearam os ensinamentos de autores clássicos desde a Grécia antiga (vide, p. ex., Platão e Aristóteles), há que se levar em conta que o senso comum prescreve que o administrador público não pode dar preferência a um particular em detrimento de outros que, na mesma situação, buscam o apoio do Estado, à exceção das situações expressamente previstas em lei (caso das inexigibilidades de licitação, p. ex.).

62. A defesa de interesses privados pelo Bndes, ao atuar de forma a permitir ganhos indevidos e não isonômicos por parte da EBP, feriu compromissos atinentes à probidade administrativa, do qual seria a sociedade a última instância a ser atendida, o que pode ser caracterizado como a quebra da confiança que seria esperada de uma empresa pública, com a consequente ofensa ao princípio da moralidade.

63. A gravidade desse cenário justifica, portanto, a determinação sugerida pela unidade técnica, para que seja fixado prazo, com base no disposto no art. 71, inciso IX, da Constituição Federal, para que o Bndes anule o Convênio de Cooperação Técnica, por meio do qual o banco se comprometeu com EBP a, entre outras tarefas, “promover a interlocução com os órgãos da Administração Pública direta e indireta da União, dos Estados e Municípios” (excerto da letra “c” do item “ii” da Cláusula 2.1 do convênio).

64. No que tange à responsabilização de gestores do Bndes, não tenho dúvidas de que tanto a criação da EBP, por meio de aporte de recursos da BndesPar (aos quais se somaram aqueles dos demais sócios), como a decisão pela formalização do convênio questionado nestes autos, somente foi possível por determinação do alto escalão dirigente do banco.

65. A viabilização da existência da EBP no mundo jurídico somente se concretizou a partir de entendimentos do acionista único da BndesPar, o Bndes, com dirigentes das demais instituições financeiras que vieram a ocupar a posição de sócios da estruturadora de projetos.

66. O passo seguinte, a elaboração e a formalização do convênio, se deu por decisão dos dirigentes do Bndes, conforme se depreende da leitura das atas da Reunião Ordinária da Diretoria do banco, à peça 45, p. 21 (convênio de 2008, reunião realizada em 11/3 desse exercício), e p. 22 (convênio de 2013, reunião realizada em 5/3 desse ano).

67. Assim, em face dessas irregularidades, na forma proposta pela SefidTransporte, devem ser responsabilizados o presidente, o diretor de Infraestrutura e Insumos Básicos que ocupava essa posição em 2013 e o gestor que dirigia (e ainda dirige) a AEP/Bndes, Sr. Henrique Amarante da Costa Pinto (em 2008, na condição de chefe da Consultoria de Desenvolvimento de Projetos da Secretaria Executiva da Presidência do Bndes - peça 45, p. 31-32), o qual exerceu a função de fiscal do Convênio de Cooperação Técnica.

68. Entendo, contudo, que também deve ser chamado em audiência neste processo o Sr. Wagner Bittencourt de Oliveira, ex-diretor de Infraestrutura, Insumos Básicos e Estruturação de Projetos do Bndes, o qual, juntamente com o presidente do banco, assinou o primeiro convênio, em 25/3/2008 (peça 45, p. 33). Não vislumbro motivos para excluir sua responsabilidade quanto às irregularidades verificadas no primeiro convênio, de mesmo teor do segundo ajuste firmado em 2013 com a EBP.

69. Ante o exposto, manifesto concordância parcial com relação à proposta da unidade técnica (peça 46), sugerindo, tão somente, a inclusão do Sr. Wagner Bittencourt de Oliveira, ex-diretor de Infraestrutura, Insumos Básicos e Estruturação de Projetos do Bndes, um dos signatários do primeiro Convênio de Cooperação Técnica firmado com a EBP, em 25/3/2008, na audiência mencionada na letra “a” do subitem II do item 280 da instrução da SefidTransporte (peça 46).”

É o relatório.

VOTO

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Registro, inicialmente, que atuo neste processo em substituição à ministra Ana Arraes, nos termos da Portaria TCU 316, de 17 de novembro de 2014.

2. Trata-se de processo constituído em cumprimento ao item 9.4 do acórdão 3.362/2013 – Plenário, prolatado no TC 012.687/2013-8:

“9.4. determinar a constituição de processo apartado e nele promover a oitiva prévia do BNDES e da EBP para que se manifestem, se assim o desejarem, no prazo de 05 (cinco) dias úteis, acerca da celebração do convênio de cooperação técnica entre aqueles entes, considerando que a EBP é uma empresa privada constituída sob a forma de sociedade de ações que distribui dividendos, caracterizando a concessão de benefício indevido àquela empresa a partir da alocação gratuita de recursos e de expertise, pelo BNDES, em seu favor, sem que o mesmo tratamento seja dispensado a outras empresas que atuam no ramo de elaboração de projetos, em afronta aos princípios da moralidade e da impessoalidade administrativa, em vista da possibilidade de que a decisão de mérito do tribunal venha a determinar a sustação daquela avença, nos termos da competência atribuída pelo art. 71, IX, da Constituição Federal;”

3. Transcrevo, por sua relevância, o excerto do voto do relator do TC 012.687/2013-8 que conduziu àquela determinação:

“34. Em 25/3/2008, ou seja, aproximadamente dois meses após a constituição societária da EBP, o BNDES e aquela empresa firmaram convênio de cooperação que teve como objeto ‘estabelecer cooperação técnica entre as Partes, com vistas à estruturação de projetos de infraestrutura que impliquem relações contratuais de longo prazo entre a Administração Pública e agentes privados, especialmente concessões e PPPs (“Projetos”), mediante a elaboração de estudos técnicos e de viabilidade necessários à implementação desses Projetos (“Estudos”)’.

35. Em face da proximidade do término de sua vigência, foi firmado um novo convênio, com o mesmo objeto, em 21/3/2013, com vigência de cinco anos.

36. Dentre os ‘consideranda’ tidos como motivadores para celebração do aludido convênio, destaco os seguintes:

‘(iii) os investimentos em parceira com a iniciativa privada requerem projetos bem estruturados, baseados em estudos técnicos e de viabilidade sólidos e imparciais, capazes de alinhar interesses públicos e privados;

(iv) a EBP representa importante iniciativa do setor privado no sentido de promover a estruturação de uma série de projetos de infraestrutura, que possam ser executados em parceria com a iniciativa privada e viabilizados por financiamentos, particularmente financiamentos estruturados (project finance);

(v) é de interesse da EBP promover – mediante a realização de estudos técnicos e de viabilidade sólidos e alinhados com as diretrizes e políticas públicas setoriais – a estruturação de projetos financiáveis, que contribuam para o crescimento sustentado de longo prazo do Brasil;

(...)

(vii) o BNDES, por sua experiência no desenvolvimento de projetos de porte no setor de infraestrutura, poderá, com seu apoio técnico, desempenhar decisivo papel no desenvolvimento dos estudos e projetos a serem efetuados e vir a contribuir para a concretização da expansão do setor de infraestrutura;’

37. Das atribuições do convênio estipuladas para o BNDES, destaco: (i) ‘acompanhar o gerenciamento e a execução dos Estudos, promovendo o alinhamento com as diretrizes e políticas públicas setoriais, zelando pela imparcialidade, qualidade e condições de concorrência para a licitação dos Projetos’; (ii) ‘promover a interlocução com os órgãos da Administração Pública direta e indireta da União, dos Estados e Municípios, após manifestação do órgão de que pretende realizar a licitação do Projeto desenvolvido no âmbito do Convênio’; e (iii) ‘manifestar-se sobre a documentação relativa aos estudos, incluindo relatórios, minutas de editais e contratos de concessão’.

38. Vê-se, então, que sob o argumento da necessidade da melhoria dos projetos estruturantes a serem desenvolvidos pelo setor privado, o BNDES vem emprestando sua expertise à EBP, de forma gratuita, no

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desenvolvimento de atividades que podem ser caracterizadas, em última instância, como de interlocução (que pode ensejar tratamento diferenciado junto a outros órgãos e entidades públicas), supervisão e consultoria.

39. Em que pese o propósito que moveu o BNDES a celebrar aqueles instrumentos, o amparo prestado à EBP representa benefício indevido, na medida em que aquela empresa vem sendo auxiliada sem que o mesmo apoio seja prestado às demais empresas de projetos existentes no mercado.

40. A EBP é uma empresa privada, constituída sob a forma de sociedade por ações, que distribui dividendos e tem por objeto ‘a elaboração e/ou a coordenação de estudos, prestação de assessoria técnica e estruturação de projetos privados para exploração de atividade econômica ou projetos públicos de infraestrutura’. Ainda que o BNDES seja um de seus acionistas, o princípio contábil da entidade recomenda a completa segregação entre o sócio e a sociedade propriamente dita. A alocação, pelo BNDES, de capital humano para exercitar tarefas junto à EBP, de forma gratuita, sem que o mesmo serviço seja prestado a outras instituições privadas interessadas no desenvolvimento de projetos a serem apresentados ao poder público representa, como já salientei, favorecimento que não pode ser justificado pela participação do BNDES no capital social da EBP. Isso no conceito de Pontes de Miranda, de que ‘favor não é só liberalidade; é o que se faz a um, sem se ser obrigado a fazer a todos’ ( in Comentários à Constituição de 1967, RT, vol. III, p. 36).

41. O referido convênio se caracteriza então, como destacou o Ministério Público, como uma afronta aos princípios da moralidade e da impessoalidade administrativa.

42. Destaco, uma vez mais, que compreendo a louvável intenção do BNDES ao pretender robustecer o segmento brasileiro destinado à elaboração de projetos de infraestrutura destinados ao setor público. Ocorre que a concentração de seu apoio, que recai exclusivamente sobre a EBP, ao invés de resolver o problema atualmente existente e ampliar a capacidade empresarial privada para elaboração de estudos afins, poderá vir a criar imperfeição no mercado e contribuir para formação de um monopólio caracterizado pela onipresença de um mesmo ator, detentor de expertise significativamente superior à de seus supostos concorrentes.

43. O princípio da impessoalidade administrativa recomendaria, então, que o BNDES, ao invés de eleger a EBP como empresa a ser tutelada, selecionasse empresas diversas para esse fim, dentre aquelas que demonstrassem previamente interesse em receber seu apoio.

44. Observo, outra vez, que a EBP é uma empresa privada, o que me levou a tecer as considerações acima.

45. Assim, de forma divergente dos pareceres, considero que a existência do favorecimento da EBP em decorrência da simples existência do convênio já se encontra devidamente caracterizada. Os reflexos desse favorecimento não se limitam ao escopo das concessões e arrendamentos portuários tratados nestes autos, mas não se pode negar que também sobre eles se estenderam seus efeitos.”

4. Em atendimento, o BNDES e a EBP compareceram aos autos, inclusive com a produção de informações complementares. Os argumentos das partes encontram-se detalhadamente descritos no relatório. Para maior compreensão, faço breve síntese das alegações.

5. O BNDES arguiu que: (i) as alterações legislativas trazidas pela Lei Geral de Concessões de nada adiantariam caso o Estado permanecesse com dificuldades para elaboração de projetos bem estruturados; (ii) as Leis 8.987/1995 e 9.074/1995 trouxeram dispositivos para incentivar a participação do setor privado na elaboração de projetos; (iii) a elaboração de projetos por entes privados se dá a partir de uma manifestação de interesse que, se deferida, caracteriza-se como “mera autorização administrativa” do ente competente, de caráter precário e que não gera vínculo contratual entre o ente privado e a Administração Pública; (iv) o legislador procurou afastar, em tais autorizações, os “traços típicos dos regimes contratuais, como aquele instituído pela Lei 8.666/1993”; (v) diversos países, estados brasileiros e órgãos públicos utilizam o modelo de apresentação de estudos e projetos por entes privados; (vi) a elaboração de estudos por entes interessados em participar das licitações eleva os riscos de má qualidade dos projetos apresentados e de omissão de informações relevantes; (vii) a EBP foi criada por um grupo de instituições financeiras com o objetivo específico de elaborar projetos de qualidade destinados ao setor público; (viii) a EBP não participa de leilões de concessões

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públicas para execução dos objetos decorrentes de seus projetos, o que lhe confere maior imparcialidade; (ix) o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade) “reconheceu a inexistência de um mercado relevante de estruturação de projetos para o setor público”; (x) o modelo de governança estabelecido na EBP assegura a elaboração de projetos “de forma desinteressada”, com transparência dos resultados e barreiras à utilização de informações privilegiadas; (xi) o BNDES possui participação na EBP; (xii) a celebração de convênios pelo BNDES tem base normativa em seu Estatuto; (xiii) a participação do BNDES – por meio do BNDESPAR – em determinado empreendimento sem que participe de todo o restante do mercado “não é elemento que conduz à violação de princípios incidentes sobre a atividade do Estado”; (xiv) a parceria firmada com a EBP “não implica a exclusão de outros agentes” que “busquem o apoio do BNDES para formalizar parcerias em condições semelhantes”, ou seja, “com regras de governança que resguardem a transparência das informações, zelo pela qualidade técnica e imparcialidade no trato dos estudos”; (xv) a celebração do convênio decorreu da necessidade de “possibilitar a efetiva participação [do BNDES] na atividade de supervisão da elaboração dos estudos técnicos e não somente na administração da companhia”; (xvi) o convênio celebrado “se perfaz um acordo vinculado à própria proposta de constituição da EBP”; portanto, a constituição da EBP e o convênio não podem ser vistos de forma isolada, mas sim como “verdadeiros negócios jurídicos conexos”; (xvii) a seleção de parceiros para associação deve se dar pela afinidade e não pela licitação; (xviii) a celebração do convênio não afronta a moralidade administrativa porque foi ao encontro, e não de encontro, à consecução do objetivo que levou o BNDES a participar da criação da EBP; (xix) os recursos despendidos pelo BNDES no cumprimento das obrigações conveniadas se limitam basicamente ao envolvimento de seus quadros técnicos nos projetos desenvolvidos pela EBP e “não implicam corresponsabilidade ou coautoria na execução dos estudos técnicos que são pré-condição à licitação dos empreendimentos”; (xx) “a atuação do BNDES está (...) relacionada com a sua função de acompanhar, de ‘supervisionar’ a atuação da EBP na condução dos estudos – de modo a garantir a sua aderência com as políticas de governo e, principalmente, a manutenção de sua neutralidade”; (xxi) “não há uma substituição ou dispensa de mão-de-obra da EBP em razão da participação de equipes técnicas do BNDES (...); tanto a EBP como o BNDES incorrem em custos decorrentes do cumprimento de suas respectivas atribuições no convênio que se justificam em razão dos objetivos institucionais que fundamentaram a celebração deste instrumento”; (xxii) a alocação de servidores do BNDES para acompanhamento de projetos de empresas privadas financiadas ou investidas é procedimento trivial do Banco e importa em custos que estão “intimamente associados ao bom desenvolvimento de seu objeto social e de suas finalidades institucionais (...)”; (xxiii) “caso a mera convivência entre a atuação do BNDES como órgão cooperante de governo e como sócio da EBP fosse razão suficiente para configurar uma situação de favorecimento indevido, por coerência, tal entendimento deveria ser estendido a todas as demais atividades do Sistema BNDES, o que, por evidente, revelar-se-ia de todo impróprio, como mostra o histórico de atuação desta entidade”; (xxiv) “a análise do quadro legal não revelou qualquer restrição à celebração de convênios com entidades privadas de fins lucrativos”; (xxv) “as restrições impostas à celebração de ajustes conveniais com entidades privadas com fins lucrativos se fazem presentes somente nos casos que envolvem a transferência de recursos do Orçamento Fiscal e de Seguridade Social da União, não existindo qualquer previsão normativa que impeça a celebração de acordos de mera cooperação técnica entre a Administração Pública Federal e referidas entidades”.

6. Sintetizo, a seguir, apenas os argumentos apresentados pela EBP que não foram também utilizados pelo BNDES, já mencionados: (i) a relação mantida entre o BNDES e a EBP deriva da constituição societária da última, que contou com a participação do BNDESPAR; (ii) o TCU, no acórdão 1.664/2004-Plenário, já reconheceu “a importância de que exista autonomia na avaliação das condições econômicas dos empreendimentos a serem apoiados [pelo BNDESPAR], observadas as circunstâncias de mercado”; (iii) “convênios, em regra, não são licitados, por abarcarem interesses paralelos e convergentes das partes”; (iv) “é perfeitamente normal (...) que o BNDES possa oferecer à empresa na qual investiu a supervisão técnica no exercício de suas atividades”; (v) o BNDES, por

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meio do BNDESPAR, tem “interesse direto no sucesso das empresas de que participa, até para que se valorize o investimento realizado e para que se obtenha o retorno sócio-econômico almejado”; (vi) “seria de todo contraditória a exigência de seleção prévia como condição para atuação técnica junto a empresa que já compõe o rol de investimentos do Sistema BNDES”; (vii) o Estatuto do BNDES possibilita que seja prestado “apoio técnico e financeiro” para atingimento de seus fins institucionais, “inclusive não reembolsável”; (viii) o convênio é ato indissociável da participação acionária do BNDES na EBP porque “permite a concretização plena dos objetivos de fomento consignados no investimento realizado” pelo Banco.

7. Adianto, desde logo, que aquiesço aos pareceres quanto à impossibilidade de manutenção do convênio assinado entre o BNDES e a EBP e que incorporo seus fundamentos às minhas razões de decidir, exceto em relação aos poucos pontos conflitantes com algumas das questões que detalharei neste voto.

8. Passo a analisar a questão a partir de alguns tópicos que considero de maior relevância.

- II -DA AUTORIZAÇÃO CONTIDA NO ART. 21 DA LEI 8.987/1995, DA INEXIGÊNCIA DE

PROCESSO LICITATÓRIO E DA IMPERTINÊNCIA DA QUESTÃO

9. A Lei 8.987/1995, originada do Projeto de Lei do Senado 179/1990, regulamentou o art. 175 da Constituição Federal e dispôs sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos. Na exposição de motivos então apresentada, destacava-se a busca do aumento da eficiência na prestação de serviços públicos por meio da supressão da “insuficiência crônica de recursos públicos para atender às necessidades da população brasileira” e de um eficaz “redirecionamento da aplicação de recursos públicos”.

10. No que se refere aos estudos necessários à promoção do certame licitatório para seleção do concessionário, previu, em seu art. 21:

“Art. 21. Os estudos, investigações, levantamentos, projetos, obras e despesas ou investimentos já efetuados, vinculados à concessão, de utilidade para a licitação, realizados pelo poder concedente ou com a sua autorização, estarão à disposição dos interessados, devendo o vencedor da licitação ressarcir os dispêndios correspondentes, especificados no edital.”

11. O texto representou uma inovação, na medida em que inaugurou a possibilidade de que estudos técnicos referentes a concessões de serviços públicos fossem realizados pela iniciativa privada, por sua conta e risco, e, posteriormente, fossem apresentados ao poder concedente. A solução representou a possibilidade: (i) de aumento de recursos financeiros alocados à elaboração de projetos; e (ii) de encurtamento dos prazos relacionados a contratação e elaboração dos estudos, uma vez que a iniciativa privada não se encontrava sujeita às regras aplicáveis ao poder público.

12. A respeito, comentou Marçal Justen Filho:“Sob a permissão do artigo 21, pode impor-se ao contratado o dever de ressarcir todos os dispêndios

correspondentes às despesas vinculadas à concessão, de utilidade para licitação. São condições cumulativas e não alternativas. Abrangem todas as informações relacionadas com o objeto licitado, cujo conhecimento seja relevante para a elaboração das propostas. Mais ainda, outras informações que, embora não relacionadas com as propostas, possam ter sido necessárias ou úteis para a realização da licitação” ( in Teoria Geral das Concessões de Serviço Público, 2003, p. 282).

13. Assiste razão às partes quando defendem a ausência de obrigatoriedade de licitação e a não incidência das regras contratuais instituídas pela Lei 8.666/1993 sobre estudos realizados com esteio no referido art. 21. A questão foi sobejamente discutida por este Tribunal no feito que deu origem a este processo (TC 012.687/2013-8, ora em fase recursal). Como destacou naqueles autos o ministro Benjamin Zymler, em seu voto revisor, o art. 21 da Lei 8.987/1995 caracteriza a existência de legislação específica, que respalda a contratação sem licitação pública, nos termos do art. 37, XXI, da

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Constituição Federal. Em suas palavras, “o ordenamento pátrio permite que os estudos técnicos referentes a concessões de serviços públicos ocorram mediante autorização”.

14. Da mesma forma, naquele processo, o relator, ministro-substituto Weder de Oliveira, deixou claro que a Administração, ao pretender obter estudos que fundamentarão projetos de concessões, pode trilhar dois caminhos: (i) valer-se da realização de um processo licitatório para confecção dos estudos; ou (ii) autorizar terceiros a fazê-los, consoante art. 21 da Lei 8.987/1995.

15. Não obstante, aditou S.Exa.:“A ausência de licitação não pode ser entendida como um permissivo para que se possa promover uma

espécie de ‘autorização direta’ (analogamente à contratação direta), em caráter de exclusividade. O poder discricionário (...) só existia em relação à escolha do caminho que seria trilhado: a realização de procedimento licitatório ou o uso da autorização prevista no art. 21 da Lei 8.987/1995. Feita a opção, se fazia necessária, em qualquer dos casos, a observância dos preceitos constitucionais aplicáveis à administração pública.”

16. Acerca da natureza das autorizações referidas naquele art. 21, registrou o relator:

“Note-se, inicialmente, que a autorização para elaboração de estudos de que trata o art. 21 da Lei 8.987/1995 não se confunde com autorizações para uso de bem ou espaço público e nem mesmo com autorizações para prestação de serviço público.

Note-se, também, que o interesse do poder concedente não é a obtenção de 1 (um) estudo. Ao contrário, seu interesse é o de obter mais de 1 (um) estudo, pois a finalidade dos estudos a serem elaborados pelas empresas autorizadas é, (...) subsidiar (...) na preparação dos estudos que fundamentarão os procedimentos licitatórios (...).

(...) A existência de dois, três ou mais estudos é desejável e inerente ao instituto da autorização do art. 21, pois o objetivo intrínseco do poder concedente é o de se municiar de diferentes avaliações, cenários, informações e escolher dentre eles os elementos que considere como mais adequados às finalidades das concessões e arrendamentos a serem licitados.”

17. Naquele mesmo processo, a questão relativa à natureza do procedimento autorizado pelo art. 21 da Lei 8.987/1995 foi esgrimada com maestria pelo ministro Walton Alencar Rodrigues no voto revisor por ele apresentado:

“O procedimento em exame, levado a efeito a partir do citado dispositivo da lei, não se presta a levar a Administração a escolher uma única empresa ou entidade que irá elaborar os estudos desejados. O modelo não se confunde com processo licitatório. O intuito do procedimento adotado pela Administração é autorizar todas as empresas projetistas que assim o desejarem a realizar os estudos requeridos, por sua conta e risco. Desta forma, todo e qualquer interessado que demonstre capacidade técnica pode e deve ser autorizado a efetuar os estudos, investigações, levantamentos e projetos. A remuneração somente será devida se tais forem de fato utilizados na concessão.

Aliás, tal é o procedimento já devidamente regulamentado, no âmbito restrito das PPPs, no qual também se aplica o citado art. 21 da Lei 8.987/95. O Decreto nº 5.977/2006, que regulamenta sua aplicação para as PPPs, cujos termos, na sua maioria, são perfeitamente adequados às concessões ora examinadas. Com sua adoção na hipótese, jogar-se-ia por terra a maior parte das críticas que, com relativa razão, grassam sobre o procedimento.

Nos termos das regras desse especial procedimento administrativo, somente serão remunerados os trabalhos que venham efetivamente a ser utilizados pela Administração. Por isso, é fundamental que a própria Administração, antes de autorizar a realização dos estudos, especifique exatamente – como exige o Decreto das PPPs – o que deseja obter dos interessados e, sobretudo, como irá avaliar os trabalhos por eles apresentados, para que os interessados possam realizar os melhores estudos e, com sua efetiva utilização, serem remunerados, a bem do interesse público.

Na verdade, o procedimento ora adotado, embora nada tenha que ver com modalidade de licitação, apresenta vários pontos de contato com o concurso, instituto definido pela Lei nº 8.666/93, por meio do qual

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se busca obter o melhor trabalho, segundo critérios anteriormente estabelecidos, em troca da remuneração ou prêmio previamente estipulado.

Nesse sentido, o §1º do art. 13 da Lei 8.666/93 estabelece que ‘ressalvados os casos de inexigibilidade de licitação, os contratos para a prestação de serviços técnicos profissionais especializados deverão, preferencialmente, ser celebrados mediante a realização de concurso, com estipulação prévia de prêmio ou remuneração.’

Estamos, nesta seara, a tratar da realização de serviços técnicos profissionais especializados, consistentes nos estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental, necessários à elaboração de concessões, permissões, autorizações, arrendamentos e congêneres.

Nada mais natural, portanto, que, nos termos da lei, eles sejam escolhidos mediante concurso, em que o trabalho melhor executado, de acordo com critérios previamente estabelecidos, será adotado pela Administração e, por isso, será devidamente remunerado.

Em se tratando de serviços técnicos especializados, escolhidos mediante concurso, os demais trabalhos realizados e não aproveitados não serão remunerados. Essa a regra básica que norteia a realização desse especial tipo de procedimento.

Contudo, existem dificuldades que desaconselham a adoção do concurso para os estudos que fundamentarão as futuras concessões.

Nesse ponto, calham à perfeição as pertinentes ponderações de Gustavo Henrique Carvalho Schiefler, em sua dissertação de mestrado, intitulada “Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI): Solicitação e Apresentação de Estudos e Projetos Para a Estruturação de Concessões Comuns e Parcerias Público-Privadas” (SCHIEFLER. 2013, p. 155/6):

‘(...) as desvantagens teóricas mais saltantes para desenvolvimento de modelagens com vistas à estruturação de concessões comuns ou parcerias público-privadas por meio de concurso são as seguintes: (i) no caso de concurso para a elaboração integral da estruturação da concessão, o alto risco de um certame pouco competitivo, haja vista a notória escassez de potenciais candidatos com capacidade para elaboração de projetos dessa complexidade e dispostos a fazê-lo sem previsão certa de retorno financeiro. Ainda, como os estudos exigem técnica multidisciplinar e os custos para a elaboração dos estudos são demasiado altos, o prêmio deveria ser significativamente alto para contrabalancear os riscos a serem assumidos pelos candidatos, o que redundaria na possibilidade de contratação comum de consultoria especializada, que não sofreria das próximas desvantagens; (ii) a impossibilidade de diálogo entre a Administração Pública e os candidatos durante a elaboração dos estudos e projetos, que é fundamental para o alinhamento do projeto aos interesses pretendidos. Como o material seria produzido durante a vacância competitiva, a Administração Pública não poderia esclarecer dúvidas, solicitar relatórios ou contribuir com opiniões, pois estaria sujeita ao dever de absoluta isonomia e imparcialidade para com os candidatos, já que seria necessário declarar vencedores e perdedores. Trata-se de uma modalidade de contratação e não de uma aproximação consensual e voluntária. Com o distanciamento, haveria menor probabilidade de que desses projetos resultassem modelagens adequadas aos interesses da Administração Pública; (iii) justamente por não poder acompanhar a produção dos estudos e projetos, a incerteza e a improbabilidade de que resulte do concurso material pronto e acabado para ser utilizado na modelagem; (iv) a necessidade de que, caso não resulte material pronto e acabado, mas pelo menos material útil, seja feita nova contratação para a modelagem final; (v) a inexistência de obrigação de prestar serviços consultivos por parte dos vencedores sobre o trabalho apresentado e a consequente insegurança jurídica que envolve a contratação de outros consultores para editarem projetos de autoria de terceiros, pela impossibilidade de se transferirem os direitos autorais morais desses projetos; (vi) o comprometimento orçamentário pelo ônus de ter que declarar e remunerar um vencedor independentemente da efetividade do concurso para a modelagem final(...)’(grifos nossos).

Com essas bem-colocadas ponderações, confirma-se o entendimento da Administração quanto à inviabilidade da utilização do concurso da Lei 8.666/1993, podendo-se antever a relevância da adequada regulamentação e utilização do procedimento a ser adotado para a realização dos estudos a que se refere o art. 21 da Lei 8.987/95.

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(...)

O sentido da expressão ‘autorização’, contido no art. 21 da Lei 8.987/95, nada tem que ver com o típico ato discricionário, a facultar a realização de atividades, ou a utilização de bens públicos, no interesse predominante de determinado particular.

Na verdade, não seria possível apreender o sentido real do dispositivo legal sem inseri-lo no contexto em que ele será aplicado. Tampouco seria possível, atualmente, analisar isoladamente o ato administrativo, sem considerar que ele será praticado dentro de procedimento administrativo que, por isso mesmo, deve observar, com rigor, os ditames constitucionais.

Ademais, é preciso sempre relembrar que, na atual concepção de Estado Democrático de Direito, a Constituição Federal passa a ser o núcleo irradiador de toda a normatividade estatal, com forte impacto no direto administrativo moderno, que deixa de ter em seu núcleo o ato administrativo para consagrar o processo administrativo.

Como ensina Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da Silva (Em busca do acto administrativo perdido. Coimbra, Portugal: Almedina, 2003, p. 302-303, 466), o protagonismo do ato administrativo no relacionamento dos particulares com a Administração Pública cede espaço à multilateralidade do processo administrativo. Há uma conversão radical da antiga instrumentalidade autoritária do ato administrativo, hoje empregado como mecanismo de concerto com os particulares. O que se persegue durante o curso de formação do ato administrativo decisório é a aceitação e a colaboração dos particulares, num processo de legitimação do desempenho das tarefas administrativas. O ato administrativo decisório reduz-se a um resumo dos elementos constituídos no decurso do procedimento administrativo, de onde extrai toda a sua legitimidade.

Nessa linha, ressalva Schiefler (2013, p. 84) que o ato administrativo perde sua autoridade autossuficiente e seu mérito passa a ser externamente avaliado; a discricionariedade do agente público já não lhe permite optar livremente entre duas escolhas teoricamente possíveis, pois, antes, requer prova da avaliação e da escolha pelas melhores opções; a legitimidade da motivação dos atos administrativos enraíza-se na legitimidade material dos seus motivos; o processo administrativo conquista o posto central das atuações administrativas; e a formação legítima e participativa dos atos decisórios que repercutem em direitos fundamentais torna-se requisito material para a sua validade.

Em outras palavras, com Juarez Freitas, as escolhas administrativas somente serão legítimas se forem sistematicamente eficazes, motivadas, proporcionais, transparentes, imparciais, respeitadoras da participação social, da moralidade e da plena responsabilidade (Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa Administração Pública. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 24).

Daí porque, atualmente, exige-se que as motivações sejam fundamentadas, legítimas, balizadas pela Constituição Federal, lastreadas em estudos técnico-científicos, no bojo de processos administrativos transparentes, efetivamente representativos da medida mais adequada para o alcance do interesse público.

Vale lembrar que os conteúdos normativos constitucionais projetam aos particulares o direito fundamental à boa administração, sintetizado por Juarez Freitas (2009, p. 22) da seguinte forma: ‘[...] direito fundamental à administração pública eficiente e eficaz, proporcional, cumpridora de seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas. A tal direito corresponde o dever de a administração pública observar, nas relações administrativas, a cogência da totalidade dos princípios que a regem’.

Sendo a Administração a maior interessada na realização dos estudos, não vislumbro a possibilidade de adoção de procedimento que não observe rigorosamente os princípios constitucionais que regem o agir administrativo, dentre esses a legalidade, a moralidade e a impessoalidade.”

18. Ante todo o exposto, resta patente que o Tribunal, de forma unânime, se manifestou pela inaplicabilidade da exigência de licitação às autorizações concedidas com base no art. 21 da Lei 8.987/1995, embora tenha assentado a necessidade da existência de processo isonômico que assegure a todos o direito de produzi-los, nas mesmas condições.

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19. Ocorre que, exatamente por se tratar de uma questão pacificada, a inexistência de licitação não foi, no caso que se examina, apontada pelo Tribunal como uma mácula. Ou seja, as partes apresentaram defesa em relação a um ponto sobre o qual inexiste discussão e sobre o qual não lhes foi requerida manifestação.

20. Realço esse ponto para que o foco das discussões não se detenha sobre essa questão incontroversa, de forma a desviar as atenções de assuntos que mais detidamente requerem a atenção desta Corte. Isso porque, como já afirmei, significativa parcela dos esforços das partes em suas oitivas foi utilizada para reafirmar que não é necessária a realização de licitações para as autorizações a que se refere o art. 21 da Lei 8.987/1995, como se fosse esse o ponto nodal das críticas do TCU à manutenção do convênio. Tal questão, reafirmo, é incontroversa e não merece atenção neste momento.

- III -DA INOVAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI 9.074/1995 E DAS PREMISSAS ADOTADAS

PELO BNDES

21. Pouco tempo depois do advento da Lei 8.987/1995, foi promulgada a Lei 9.074/1995, que, em seu art. 31, reforçou a possibilidade de elaboração dos projetos de concessão pela iniciativa privada:

“Art. 31. Nas licitações para concessão e permissão de serviços públicos ou de uso de bem público, os autores ou responsáveis economicamente pelos projetos básico ou executivo podem participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obras ou serviços.”

22. Mais do que reforçar o estímulo à participação de particulares na elaboração de projetos, aquele dispositivo introduziu uma significativa mudança em relação à lógica das contratações até então vigente, uma vez que o art. 9º da Lei 8.666/1993 vedava ao autor de projeto básico a participação no certame licitatório destinado à execução da obra ou serviço. Essa situação não mais se aplicaria às concessões.

23. Observe-se, a propósito, que a vedação constante do art. 9º da Lei 8.666/1993 adveio do anseio de assegurar que todos os competidores dispusessem das mesmas informações, sem possíveis assimetrias advindas de um maior conhecimento por parte daquele que elaborasse os projetos. A respeito, anotou Marçal Justen Filho:

“As vedações do art. 9º retratam derivação dos princípios da moralidade pública e isonomia. A lei configura uma espécie de impedimento, em acepção similar à do Direito Processual, à participação de determinadas pessoas na licitação. Considera um risco a existência de relações pessoais entre os sujeitos que definem o destino da licitação e o particular que licitará. Esse relacionamento pode, em tese, produzir distorções incompatíveis com a isonomia. A simples potencialidade do dano é suficiente para que a lei se acautele. Em vez de remeter a uma investigação posterior, destinada a comprovar anormalidade da conduta do agente, a lei determina o seu afastamento a priori. O impedimento consiste no afastamento preventivo daquele que, por vínculos pessoais da situação concreta, poderia obter benefício especial e incompatível com o princípio da isonomia. O impedimento abrange aqueles que, dada a situação específica em que se encontram, teriam condições (teoricamente) de frustrar a competitividade, produzindo benefícios indevidos e reprováveis para si ou terceiro.” (in Comentário à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 15ª ed., p. 186).

24. Ainda a respeito, o mesmo autor registrou:“O projeto delineia os contornos da obra ou do serviço, que serão licitados posteriormente. Logo, o

autor do projeto teria condições de visualizar, de antemão, os possíveis concorrentes. Poderia ser tentado a excluir ou dificultar o livre acesso de potenciais interessados. Isso se faria através de configuração do projeto que impusesse características apenas executáveis por uma específica pessoa. Ou, quando menos, poderiam ser estabelecidas certas condições que beneficiassem o autor do projeto (ainda que não excluíssem de modo absoluto terceiros)” (op. cit., p. 187).

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25. Com o advento da Lei 9.074/1995 e a modificação da regra aplicável aos autores dos projetos, as cautelas e os receios apontados exemplificados pelo texto de Justen Filho, válidos para as contratações em geral, foram propositalmente afastados para as concessões.

26. Sobre o assunto, registrou Carlos Pinto Coelho da Motta:“Entendemos que o artigo 31 da Lei 9.074/95 revoga, para concessões e permissões, a restrição do

artigo 9º, § 3º, da Lei 8.666/1993, permitindo que os autores ou responsáveis economicamente pelos projetos básicos ou executivos possam participar, direta ou indiretamente, da licitação ou execução de obras ou serviços. Salienta-se que o artigo 40 da Lei 9.074/95 expressamente revoga disposições em contrário, como aquela restrição”. (in Eficácia nas Licitações e Contratos, 10ª ed., p. 141).

27. Por sua vez, Maria Sylvia Zanella Di Pietro registrou o caráter subsidiário da incidência da Lei 8.666/1993 sobre as concessões:

“No âmbito da legislação ordinária, a matéria está disciplinada pelas leis nº 8.987, de 3.2.95, e 9.074, de 7.7.95, alterada pela Lei nº 9.648, de 27.5.98, além disso, aplica-se subsidiariamente, em tudo o que não contrariar essas leis, a Lei nº 8.666, de 21.6.93, por força do que dispõe seu art. 124. Assim sendo, os casos omissos na legislação específica podem ser resolvidos, no que for compatível, pela aplicação da lei de licitações, (...)”. (in Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas, 2002, p. 71-72).

28. De forma mais direta, asseverou Celso Antônio Bandeira de Mello:

“Na licitação para concessões e permissões de serviço público (tanto como de uso de bem público) os autores ou economicamente responsáveis pelo projeto básico ou executivo podem participar, direta ou indiretamente, do certame ou da execução das obras (art. 31 da Lei 9.074/1995), ao contrário do regime geral de licitações estabelecido no art. 9º da Lei 8.666, de 21.6.1993.” (in Curso de Direito Administrativo, 2012, p. 734).

29. Não restam dúvidas, portanto, de que a Lei 9.074/1995 efetivamente buscou propiciar que empreendedores privados participassem da elaboração dos projetos de obras e serviços passíveis de concessão, sem as ressalvas impostas pela Lei 8.666/1993. Essa intenção foi reafirmada (e seus fundamentos ficaram bastante evidentes) nas razões do veto presidencial ao inciso II do art. 11 da Lei 11.079/2004 (Lei das Parceiras Público-Privadas), que atribuía ao contratado a responsabilidade apenas pela elaboração dos projetos executivos de obras. Veja-se que as PPPs, embora sujeitas a legislação específica, são também uma modalidade de concessão e compartilham, no caso, as mesmas premissas. Transcrevo as razões do veto, constante da Mensagem 1006, de 30/12/2004:

“O inciso II do art. 11 permite que apenas a elaboração do projeto executivo das obras seja delegada ao parceiro privado. Dessume-se do seu texto que a Administração teria a obrigação de realizar o projeto básico das obras. Isto seria reproduzir para as parcerias público-privadas o regime vigente para as obras públicas, ignorando a semelhança entre as parcerias e as concessões – semelhança esta que levou o legislador a caracterizar as parcerias público-privadas brasileiras como espécies de concessões, a patrocinada e a administrativa.

 As parceiras público-privadas só se justificam se o parceiro privado puder prestar os serviços contratados de forma mais eficiente que a administração pública. Este ganho de eficiência pode advir de diversas fontes, uma das quais vem merecendo especial destaque na experiência internacional: a elaboração dos projetos básico e executivo da obra pelo parceiro privado.

Contratos de parcerias público-privadas realizados em diversos países já comprovaram que o custo dos serviços contratados diminui sensivelmente se o próprio prestador do serviço ficar responsável pela elaboração dos projetos. Isso porque o parceiro privado, na maioria dos casos, dispõe da técnica necessária e da capacidade de inovar na definição de soluções eficientes em relação ao custo do investimento, sem perda de qualidade, refletindo no menor custo do serviço a ser remunerado pela Administração ou pelo usuário.”

30. Esse breve histórico demonstra que houve um esforço legislativo para agregar ao processo de planejamento das concessões as visões e esforços empreendidos pela iniciativa privada, inclusive

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daqueles que eventualmente tencionem vir a ser futuros concessionários. O legislador não vislumbrou, então, qualquer óbice à elaboração do projeto por parte de um futuro licitante, quer pelo prisma da obtenção de vantagem indevida decorrente de uma suposta assimetria da informação, quer pela existência de projetos propositalmente enviesados em prol do concessionário.

31. No ano de 2008, o BNDES, o Banco do Brasil S. A., o Banco Espírito Santo, o Banco Santander, o Banco Votorantim, o Bradesco, o Citibank, o HSBC e o Banco Itaú constituíram a Estruturadora Brasileira de Projetos S. A. – EBP, que tem por objeto social “a elaboração e/ou a coordenação de estudos, prestação de assessoria técnica e estruturação de projetos privados para exploração de atividade econômica ou projetos públicos de infraestrutura”.

32. Em sequência, o BNDES assinou “convênio de cooperação técnica” com a EBP com o objetivo de “estabelecer cooperação técnica entre as Partes com vistas à estruturação de projetos de infraestrutura que impliquem relações contratuais de longo prazo entre a Administração Pública e agentes privados, especialmente concessões e PPPs (‘Projetos’), mediante a elaboração de estudos técnicos e de viabilidade necessários à implementação desses Projetos (‘Estudos’)”.

33. Em síntese, a criação da EBP e a assinatura do “convênio” se assentaram nas seguintes premissas:

a) existe no país um déficit de bons projetos de infraestrutura;

b) os projetos apresentados pelo mercado tendem a ser tecnicamente deficientes e comprometem a exequibilidade e a “financiabilidade do empreendimento”;

c) “a elaboração de projetos por interessados no certame (...) traz consigo grande risco de assimetria de informação”; nessa hipótese, “agentes oportunistas podem encontrar campo fértil para obter vantagens ilegítimas” mediante formatação das “informações e premissas aplicadas ao projeto (...) da forma que lhes for mais conveniente”; ainda nessa situação, “o agente pode desvirtuar dados, com vistas a obter condições de negócio mais favoráveis, como ocorre nos casos de superdimensionamento de custos, capazes de aumentar o valor de contraprestação pública ou das tarifas-teto, constantes do futuro edital de licitação; da mesma forma, informações podem ser omitidas, com o objetivo de garantir vantagem competitiva na licitação do projeto, ou o interessado pode ainda direcionar os requisitos técnicos do empreendimento, a fim de restringir a competição a empresas do mesmo grupo econômico”.

34. Não se discute a primeira das premissas. A ausência de significativos aportes em infraestrutura ao longo de décadas desestimulou o setor de projetos e acarretou perda de expertise e enfraquecimento do setor. Esse fundamento é suficiente para justificar o engajamento do BNDES na criação da EBP, amparado no objeto social do BNDESPAR. Registro, a propósito, que a participação do BNDES na criação da EBP não é objeto de questionamento por este tribunal.

35. A segunda premissa, embora possa ser tida como uma consequência da questão posta no parágrafo anterior, é passível de questionamento e contra argumentação. Não é possível generalizar para afirmar que todos os projetos elaborados pela iniciativa privada são tecnicamente deficientes. Diversos projetos de empreendimentos públicos foram realizados pelo setor privado, com obtenção de bons resultados.

36. De toda forma, é a terceira premissa que merece a maior atenção desta Corte. Os argumentos utilizados pelo BNDES, transcritos na alínea “c” do item 33 acima, são equivalentes àqueles que fundamentam a restrição imposta pelo art. 9º da Lei 8.666/1993 para contratações em geral, que não foi albergada pela Lei 9.0704/1995, como exposto anteriormente. Não podem ser, portanto, aplicados às concessões.

37. Ademais, a premissa não é necessariamente verdadeira. Como asseverou o ministro Benjamin Zymler em voto proferido no TC 007.658/2008-0, ao tratar da celebração de acordo de

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cooperação entre a Eletrobras e empresas privadas para elaboração de estudos necessários à implantação do AHE Belo Monte: “nem sempre a empresa participante dos estudos de viabilidade sagra-se vencedora do certame de construção do aproveitamento hidrelétrico”.

38. Naquela oportunidade, aquele relator acolheu manifestação da unidade técnica, nos seguintes termos:

“Porém, o recente leilão para construção da hidrelétrica de Jirau é um exemplo de que a vantagem negocial obtida pelas empresas que participam dos estudos de viabilidade não é determinante para a obtenção da concessão para explorar o empreendimento. No caso, a parceria formada pelas empresas (...) foi responsável pela realização dos estudos de viabilidade, enquanto que se sagrou vencedor do leilão o grupo formado pelas empresas (...)”.

39. A premissa adotada pelo BNDES para tentar justificar a existência do convênio de cooperação técnica caracteriza, por via transversa, discriminação onde a lei não o fez. Conforme já se historiou, todos os esforços legislativos são para engajar os particulares, inclusive os possíveis participantes de licitações, no desenvolvimento e na apresentação de projetos e estudos. O preconceito externado pelo BNDES em relação aos projetos desenvolvidos por possíveis interessados nos empreendimentos conduziu aquela entidade a direcionar seus esforços para auxiliar uma empresa “que privilegia a igualdade de informação com o mercado e a equidistância com relação à exploração das futuras concessões”, qualidades que não foram requeridas pelo legislador.

40. Embora os Processos de Manifestação de Interesse (PMIs) divulgados pelos diversos órgãos e entidades não venham apresentando restrições dessa natureza, é certo que a postura do BNDES sinaliza na direção oposta à mens legis, aumenta as possibilidades de êxito da EBP em sagrar-se vencedora e desestimula os demais agentes do segmento privado. Aliás, mais adiante demonstrarei que a premissa adotada pelo BNDES tem o efeito de tornar inócua a própria existência de PMIs em situações em que a EBP pretenda participar da elaboração dos estudos.

- IV -DA CELEBRAÇÃO DO CONVÊNIO

41. Conforme ensina a melhor doutrina, convênios são acordos firmados entre instituições públicas quaisquer, ou entre essas e organizações privadas, para realização de objetivos de interesse público comuns aos partícipes.

42. Observo, a respeito, que a existência do interesse público, no entanto, não é característica exclusiva dos convênios. Também os contratos assinados por entes públicos devem visar ao atendimento do interesse público, caso contrário não cumprirão sua função. A diferença é que, no convênio, os partícipes devem objetivar o fim público, em sintonia de interesses, ao passo que, no contrato, o instrumento negocial é que deve almejar o fim público, ainda que uma das partes tenha interesse distinto (a obtenção de lucro, por exemplo).

43. Diversos são os diplomas que regulam a celebração de convênios (inclusive os termos de parceria): a própria Constituição Federal (art. 241), as Leis 8.666/1993 e 9.790/1999, as leis de diretrizes orçamentárias anuais, o Decreto 6.170/2007 e a Portaria Interministerial 507/2011. Esses diplomas possibilitam a celebração de convênios com entidades privadas, mas desde que elas sejam desprovidas de fins lucrativos. Toda essa legislação, no entanto, se refere exclusivamente a convênios que envolvem transferência financeira de recursos. Os normativos não se ajustam ao presente caso, portanto, face a sua atipicidade, uma vez que não existem transferências financeiras envolvidas.

44. Resta saber, então, se é possível celebrar convênio com entidade privada que possua fins empresariais, desde que o convênio não implique transferência de recursos financeiros.

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45. É certo que, mesmo sem abordar diretamente a questão, todos os doutrinadores são uníssonos quanto à premissa de que a associação resultante de convênio não possua intuito lucrativo para as partes.

46. As discussões travadas em torno do assunto tendem a enveredar pela simplificação e afirmar que os negócios jurídicos celebrados entre integrantes do poder público e entidades privadas dotadas de fins lucrativos devem assumir a forma de contratos, sobretudo sob a premissa de que as estas últimas entidades não objetivariam, elas mesmas, um fim público.

47. Considerando que o objetivo primordial do convênio é a cooperação para alcance de um fim comum, é razoável pressupor que entidades privadas sem fins lucrativos possam comungar dos mesmos objetivos institucionais perseguidos pelo Poder Público. Tal raciocínio, no entanto, pode se mostrar menos aplicável quando se trata de um ente empresarial que pode auferir lucros e distribuir dividendos.

48. Gustavo Alexandre Magalhães, ao discorrer sobre sua obra “Convênios Administrativos” e procurar responder à pergunta “se existe a possibilidade de entidades com finalidade lucrativa (empresas) celebrarem convênios administrativos”, respondeu que:

“Tanto a doutrina quanto a legislação infralegal que regulamenta a matéria apontam como requisito intransponível para a celebração de convênios que a entidade interessada não possua fins lucrativos.

Ocorre que, sob a ótica do interesse público a ser alcançado, não deveria importar se o partícipe privado atua em todas as suas relações jurídicas sem auferir lucro. O que deveria ser considerado relevante para o Estado é se naquele convênio específico o particular atua desinteressadamente, sem exigir qualquer contrapartida para a realização da atividade de interesse coletivo.

Portanto, o que o Poder Público deve especificar é se o seu parceiro privado está disposto a atuar desinteressadamente na execução da política pública em questão. Não importa, por exemplo, se o Estado celebra um convênio com o Banco HSBC S.A. (sociedade empresarial) ou com a fundação HSBC (sem finalidade lucrativa). Em termos práticos, a concepção dominante acaba impondo que uma empresa disposta a atuar gratuitamente tenha que constituir uma associação ou fundação para adquirir “aparência de atuação desinteressada”. (in http://www.cartaforense.com.br/conteudo/entrevistas/convenios-administrativos/10158, disponível em 29/10/2014).

49. A abordagem pretendida pelo autor parece melhor se adaptar ao cenário dinâmico dos tempos atuais, em que é incentivada a participação dos segmentos privados para alcance de objetivos públicos, mediante celebração de instrumentos diversos de delegação e descentralização administrativa ou da “desmonopolização do poder”, nos dizeres de Diogo de Figueiredo Moreira Neto (in Curso de Direito Administrativo, 2014). Utilizado conceito do mesmo autor, pode-se dizer que a “pluralização dos canais jurídicos de participação” tem se caracterizado pela ampliação dos modelos de colaboração entre a administração pública e o restante da sociedade, com um “célere avanço da administração associada” em que não existe mais a “clássica nitidez biunívoca” entre interesses públicos e interesses privados.

50. Todavia, é certo que mesmo essa abordagem inovadora converge com as dos demais doutrinadores quanto à necessidade de que a associação não possua intuito lucrativo para as partes. Aliás, o próprio Gustavo Alexandre Magalhães assinalou: “Portanto, o convênio é uma espécie de contrato administrativo em que o contratado (partícipe) não pode auferir lucro.” (in http://www.cartaforense.com.br/conteudo/entrevistas/convenios-administrativos/10158, disponível em 29/10/2014).

51. A aplicação da visão trazida por Gustavo Alexandre Magalhães ao caso concreto que se examina se torna complexa. No exemplo por ele apresentado, a ação pretendida pelo convênio seria apenas uma dentre aquelas praticadas pelo ente empresário. Em seu exemplo, seria possível supor, então, que a entidade privada, que, no geral, é movida pela busca do lucro, em algumas situações específicas adotasse postura “não empresária” e agisse movida exclusivamente pelo fim público. As

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ações desenvolvidas no âmbito do convênio, então, não possibilitariam, de forma alguma, que fosse auferido lucro.

52. Contudo, o convênio celebrado entre o BNDES e a EBP possui característica significativamente diversa. Ele não disciplina a execução de uma linha de ação específica, dissociada dos principais objetivos estatutários do ente privado. Refere-se, na verdade, à essência do próprio ente privado, ao desenvolvimento das ações relacionadas a sua razão de existir. O maior ou menor sucesso das ações desenvolvidas no âmbito do convênio implicará, de forma direta, maior ou menor sucesso da própria EBP e maior possibilidade de que a empresa privada venha a aferir lucros. Aliás, as ações desenvolvidas no âmbito do convênio terão como produtos finais os estudos e projetos que, quando aproveitados, remunerarão a EBP. E essa é sua única fonte de remuneração.

53. Como adendo, é de se anotar que não é válido o argumento do BNDES de que restaria enfraquecida a discussão acerca da natureza empresarial da EBP, eis que seu lucro será “bastante reduzido” quando confrontado com aqueles auferidos por seus sócios (instituições financeiras) em suas atividades finalísticas. Embora seja indiscutível que os eventuais lucros obtidos com a EBP serão residuais para seus acionistas, não se pode alegar que sejam imateriais: a título de exemplo, os “ressarcimentos” efetuados à EBP foram da ordem de 19 milhões para os estudos dos aeroportos Internacional do Rio de Janeiro e Tancredo Neves e poderão chegar a R$ 63,8 milhões pelos estudos relacionados às concessões de áreas e instalações portuárias. Ademais, o princípio contábil da entidade não possibilita o desenvolvimento desse raciocínio, como se a EBP não se constituísse em empresa independente dos sócios que a compõem.

54. Pode-se afirmar, então, ad argumentandum tantum, que, ainda que a EBP não objetive com o convênio a obtenção de lucro, ele virá como uma consequência natural do desenvolvimento dos trabalhos: toda vez que seus estudos forem aproveitados pelo poder público, ela será remunerada. Por outro lado, se seus estudos nunca forem aproveitados, o convênio não terá alcançado seu objetivo e perderá a razão de existir.

55. Nesse prisma, ainda que sob a ótica mais flexível defendida por Gustavo Alexandre Magalhães, não se pode afirmar que a EBP atue “desinteressadamente, (...) para a realização da atividade de interesse coletivo”. São apropriadas as palavras da SefidTransporte quando afirma que, no caso, a EBP “deveria ter sido constituída na forma de sociedade civil simples ou não-empresária (e.g. associação, fundação privada, etc.), e não sob a modalidade de sociedade por ações – a qual, por força do art. 982, parágrafo único, do Código Civil, invariavelmente denota atividade empresária”.

- V -DA ATIVIDADE DE FOMENTO

56. O BNDES assinalou que sua participação “EBP não deve ser tida de forma isolada, mas sim sob o prisma da atuação histórica (...) como entidade de fomento” (peça 31, p. 10).

57. Há autores, como Maria Sylvia Zanella Di Pietro (in Parcerias na Administração Pública: Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização e outras Formas, 4ª. ed., p. 193) e Toshio Mukai (in Direito Administrativo Sistematizado, p. 397) que destacam a possibilidade de celebração de convênios com partícipes privados sob forma de atividades de fomento.

58. Faz-se necessário, então, discorrer um pouco sobre as características dessas atividades.

59. A atividade de fomento se insere no panorama dos denominados “estímulos positivos” mencionados por Marcos Juruena Villela. Nas palavras de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, pode-se conceituar o fomento público como:

“a função administrativa através da qual o Estado ou seus delegados estimulam ou incentivam, direta, imediata e concretamente, a iniciativa dos administrados ou de outras entidades, públicas e privadas, para que estas desempenhem ou estimulem, por seu turno, atividades que a lei haja considerado de interesse

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público para o desenvolvimento integral e harmonioso da sociedade” (in Curso de Direito Administrativo, 16ª ed.).

60. Carlos Ari Sundfeld, de forma mais resumida, afirma que a atividade de fomento é a “concessão de benefícios aos particulares de modo a induzir seus comportamentos em certo sentido” (in Fundamentos de Direito Público, 1992, p. 84).

61. Dentre as linhas de fomento utilizadas pela administração, idealizada por Augusto de Athayde (Estudos de Direito Econômico e de Direito Bancário, 1983, pp. 81-88), a cooperação técnica prestada pelo BNDES seria classificada na categoria de “assistência técnica”.

62. Silvio Luiz Ferreira da Rocha assinala que “o fomento legítimo e justificado é aquele que visa a promover ou a estimular atividades que tendem a favorecer o bem-estar geral”. Ressalva que “se a finalidade do bem-estar geral não é detectável com clareza a atividade de fomento apresenta-se como ilegítima, injustificável e discriminatória (in Terceiro Setor, 2003). O mesmo autor anota que “a atividade de fomento submete-se aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, igualdade e da finalidade, entre outros” e que “como espécie de atividade administrativa, deve obedecer a todos os princípios que orientam a atividade administrativa”.

63. Da mesma forma, Eduardo Carlos Pottumati e Felipe Furtado Ferreira, ao citarem Celso Antônio Bandeira de Mello, assinalaram:

“Como é uma manifestação da função administrativa, a atividade de fomento se sujeita ao regime jurídico administrativo. Desta forma, a atividade administrativa de fomento é dirigida pelos princípios gerais do direito administrativo, quais seja, legalidade, impessoalidade ou isonomia, moralidade, eficiência, motivação, devido processo legal e ampla defesa, finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, publicidade, dentre outros.” (in Política Públicas de Fomento: entre interesses públicos e interesses privados, RVDM, V. 7, n° 2, jul-dez 2013, disponível em http://portalrevistas.ucb.br/index.php/rvmd/article/viewFile/4592/3163, em 30/10/2014).

64. Ao discorrer sobre a aplicação do princípio da isonomia nas atividades de fomento, Rafael Munhoz de Mello anotou:

“A atividade de fomento não pode ser exercida com o propósito de beneficiar os amigos e prejudicar os inimigos dos titulares da competência, devendo observar a impessoalidade que se espera da Administração Pública. E mais: sendo escassos os recursos estatais e representando a medida de fomento um benefício concedido a apenas alguns indivíduos, é preciso que seja ele, como regra, oferecido a todos os potenciais interessados, respeitando-se o princípio da isonomia, como será adiante examinado.” (in Atividade de Fomento e o Princípio da Isonomia, Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, disponível em http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-25-ABRIL-2011-RAFAEL-MUNHOZ-DE-MELLO.pdf, em 30/10/2014).

65. Pela clareza com que o tema foi abordado, transcrevo trecho do artigo do mesmo autor em que aborda a questão à luz das lições de Celso Antônio Bandeira de Mello aplicáveis ao princípio da isonomia:

“Em seu nunca suficientemente elogiado ‘O conteúdo jurídico do princípio da igualdade’, Celso Antônio Bandeira de Mello desvelou com precisão o princípio constitucional da isonomia, indo muito além do lugar comum representado pela velha fórmula aristotélica, sem dúvida corretíssima: a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Mas pergunta o mestre da PUC/SP: afinal, ‘quem são os iguais e quem são os desiguais?’; ‘qual o critério legitimamente manipulável – sem agravos à isonomia – que autoriza distinguir pessoas e situações em grupos apartados para fins de tratamentos jurídicos diversos?’. Ao responder a tais questões, Celso Antônio Bandeira de Mello definiu a linha mestra para a adequada compreensão do princípio da igualdade, de modo até aqui insuperado.

Para o autor, para que seja compatível com o princípio da isonomia, o tratamento desigual deve estar fundado em critério diferencial que não singularize de modo absoluto o indivíduo que será tratado de forma peculiar, pois do contrário ‘corresponderia ou à imposição de um gravame incidente sobre um só indivíduo

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ou à atribuição de um benefício a uma única pessoa’, situações incompatíveis com a idéia de igualdade. Ademais, o critério diferencial deve ser inerente à pessoa, à coisa ou à situação a que se pretende dar um tratamento diferenciado, ou seja, ‘elemento algum que não exista nelas mesmas poderá servir de base para assujeitá-las a regimes diferentes’, pois ‘não há como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontram fatores desiguais’. Respeitadas tais orientações, qualquer traço diferencial pode ser invocado como razão de ser de um tratamento jurídico desigual, o que não significa, contudo, que tal tratamento desigual seja válido à luz do princípio da isonomia.

Com efeito, para que o tratamento jurídico desigual seja compatível com o princípio da isonomia, é preciso ainda que ele: (i) seja uma decorrência lógica do fator de diferenciação escolhido e (ii) promova valores protegidos pelo texto constitucional. Assim, entre o elemento eleito como fator de diferenciação e o tratamento jurídico discriminatório a ele correspondente deve existir uma correlação lógica, não sendo consentâneo com o princípio da isonomia que a discriminação seja fortuita ou arbitrária; bem pelo contrário, deve ela ser fundada apenas na razão. Nas palavras do autor: ‘o critério especificador escolhido pela lei, a fim de circunscrever os atingidos por uma situação jurídica – a dizer: o fator de discriminação – pode ser qualquer elemento radicado neles; todavia, necessita, inarredavelmente, guardar relação de pertinência lógica com a diferenciação que dele resulta’.

Mas o tratamento jurídico discriminatório, ainda que guarde relação lógica com o fator de diferenciação eleito, somente será compatível com o princípio da igualdade se promover valores tutelados pela Constituição, que serve assim como parâmetro para aferir a legitimidade do regime jurídico diferenciado. ‘Sobre existir nexo lógico, é mister que este retrate concretamente um bem – e não um desvalor – absorvido no sistema normativo constitucional’, no dizer de Celso Antônio Bandeira de Mello.”

66. Aplicados tais conceitos ao caso concreto, não se pode afirmar que o convênio firmado entre o BNDES e a EBP tenha caracterizado a existência de atividade de fomento exercida em obediência ao princípio da isonomia porque: (i) se deu de forma exclusiva; (ii) o “critério diferencial” alegado pelo BNDES para fundamentação do benefício singulariza a EBP; (iii) o fator de diferenciação escolhido é ilegítimo, uma vez que decorre de restrição afastada pela legislação de regência (art. 31 da Lei 9.074/1995).

67. Em resposta à oitiva realizada por este Tribunal, o BNDES afirmou que a parceria realizada com a EBP pode ser replicada com outros agentes que atuem em “condições semelhantes” e se proponham a “estabelecer uma relação nos moldes feitos no caso em exame”. Entretanto, em nenhum momento o BNDES promoveu processo público concorrencial que permitisse a parceria com outras entidades e conferisse concretude a sua argumentação. De qualquer modo, o próprio BNDES, ao discorrer sobre as características da EBP, afirmou: “A reunião de todos esses fatores transforma a EBP em empresa sem equivalentes no mercado”.

68. Apesar dos demais argumentos apresentados pela empresa pública, ela, de forma explícita, grifou que “não se dispõe a realizar parcerias com qualquer empresa que se disponha a produzir estudos, mas somente com aquelas que não possuam interesse nas concessões. Como já afirmamos, até hoje, infelizmente não existem outras empresas com essas características além da EBP”.

69. Mais uma vez, resta caracterizado que os critérios de diferenciação eleitos pelo BNDES para o fomento em questão representam o “gravame incidente sobre um só indivíduo” descrito por Rafael Munhoz de Mello e não guarda um valor constitucional (ao contrário, vai contra um valor positivado), o que constitui afronta ao princípio da isonomia, consoante lição de Celso Antônio Bandeira de Mello.

- VI -DO RELACIONAMENTO BNDES X EBP

70. A modelagem utilizada pelos acionistas para criação da EBP e celebração do convênio entre ela e o BNDES e as justificativas prestadas pelas interessadas a este Tribunal revelam a existência de arranjo institucional em que as atividades desempenhadas pela empresa privada dependem significativa e essencialmente dos préstimos da empresa pública.

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71. É necessário algum esforço para que se consiga vislumbrar a EBP como uma empresa privada independente, e não apenas como um braço adicional do próprio BNDES. Do ponto de vista prático, a proximidade entre ela e o BNDES é tamanha que, por vezes, causa dúvida e incerteza. Não são poucas as reuniões realizadas neste Tribunal em que aspectos técnicos dos projetos e estudos da EBP foram discutidos por empregados do BNDES, e não por integrantes da EBP. Da mesma forma, algumas das apresentações que se prestaram a explicar o modus operandi da EBP foram realizadas, também nesta Corte, sem a presença de nenhum integrante daquela empresa privada, sob o exclusivo patrocínio do BNDES.

72. Apresentações institucionais do BNDES disponíveis na internet mencionam a EBP como um de seus “Mecanismos para Desenvolvimento de Projetos”, ao lado do Fundo de Estruturação de Projetos – FEP (fundo estatutário do orçamento do BNDES) e o Brazil PSP Development Program (fundo administrado pelo International Finance Corporation - IFC e que conta com recursos do BNDES, do IFC e do BID). (http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/ppp/eventos/PPAA2010/02_Henrique.PPs, acessado em 31/10/2014).

73. A rápida leitura do Relatório Anual do BNDES referente ao ano de 2012 pode conduzir o leitor desavisado a concluir que a EBP é uma parte integrante do BNDES, como se verifica:

“O BNDES procura identificar, fomentar, apoiar e realizar estruturação de concessões públicas e PPPs, criando as condições para viabilizar projetos de infraestrutura com a participação de recursos privados.

Para atingir esses objetivos, foram desenvolvidos o Fundo de Estruturação de Projetos (BNDES FEP), a Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP) e um Fundo Multilateral com a parceria do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e da International Finance Corporation (IFC)”. (http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Hotsites/Relatorio_Anual_2012/Capitulos/3_Desempenho_do_BNDES_em_2012/3_2_Desempenho_operacional/3_2_2_Atuacao_institucional/3_2_2_5_Fomento_estruturacao_de_projetos_e_novos_instrumentos.html, em 31/10/2014).

74. Não obstante essa proximidade, a EPB é, de direito, uma empresa privada. Transcrevo, por pertinentes, as reflexões trazidas no voto do ministro-substituto Weder de Oliveira por ocasião da relatoria do TC 012.687/2013-8:

“122. Também se reconhece a importância da realização dos investimentos pretendidos no setor portuário, que serão viabilizados a partir das licitações das outorgas pretendidas pelo governo federal, e das contribuições que a EBP tem prestado à área de projetos. Contudo, a premência dos investimentos e a eventual expertise de uma empresa não são bastantes para que os mais basilares princípios constitucionais aplicáveis à administração pública sejam abandonados.

123. A EBP, ainda que tenha a participação acionária de entes estatais (Banco do Brasil e BNDES), é uma empresa privada, de cujo quadro societário também participam os bancos Espírito Santo, Bradesco, Citibank, Itaú, Santander, HSBC e Votorantim.

124. A participação desses bancos representa quase 80% do capital social.

125. Frise-se: a EBP não é empresa pública; não é empresa controlada; não é entidade privada sem fins lucrativos, não é organização social, nem OSCIP. É uma empresa privada, constituída por alguns dos maiores grupos financeiros do país, que atua num mercado ainda incipiente, e não deve merecer deferências não isonômicas como se as merecesse por se enquadrar numa ainda inexistente categoria jurídica qualificável como ‘empresa privada de interesse público’”.

75. Como resultado do relacionamento existente entre a EBP e o BNDES, duas são as visões possíveis: (i) a de que o BNDES enxerga a EBP como uma espécie de unidade departamental ou uma subsidiária para desenvolvimento de suas políticas; (ii) a de que a EBP se utiliza do BNDES como uma unidade que a integrasse, para a prestação de serviços técnico-especializados e relacionamento institucional. A primeira hipótese caracterizaria a utilização de pessoa interposta para que ações de interesse do BNDES pudessem ser realizadas longe dos rigores impostos à Administração Pública, a

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exemplo da realização de licitações, da prestação de contas dos recursos envolvidos em projetos específicos e dos controles interno e externo. A segunda hipótese, pior, representaria a captura de um ente estatal para satisfação de interesses privados.

76. Como reforço ao argumento em prol da existência da primeira hipótese, registro que o BNDES, em material impresso distribuído ao gabinete da ministra Ana Arraes na forma de apresentação em “MS Powerpoint”, expressamente destacou que a “instituição da EBP, sob a forma de S. A.” apresentava como vantagem a “incidência de regime jurídico privado para a contratação de especialistas (celeridade e flexibilidade)”.

77. Sob o prisma organizacional, assinalo que o BNDES instituiu, no rol de suas “unidades fundamentais”, a Área de Estruturação de Projetos – AEP, que possui as seguintes atribuições:

“a) fomentar projetos concebidos no âmbito das concessões públicas e das Parcerias Público-Privadas – PPPs;

b) coordenar, promover ou apoiar a elaboração de estudos técnicos que propiciem, direta ou indiretamente, a geração de projetos no âmbito das concessões públicas e PPPs;

c) estruturar projetos de concessão pública e PPPs, de qualquer das esferas de governo, com o objetivo de subsidiar o processo de licitação pública e outorga à iniciativa privada;

d) acompanhar a estruturação e modelagem de projetos de concessão pública e PPPs de qualquer das esferas de governo;

e) apoiar e acompanhar iniciativas e instrumentos que tenham por objetivo a estruturação de projetos de concessões públicas e PPPs;

f) realizar ações institucionais, estabelecer parcerias e articular, com órgãos da Administração Pública de qualquer das esferas de governo e Organismos Internacionais, a estruturação e a modelagem de projetos de concessão pública e PPPs;

g) contribuir para a articulação corporativa na estruturação de projetos cujas operações envolvam mais de uma Unidade Fundamental do BNDES;

h) orientar os postulantes de apoio do Sistema BNDES na elaboração dos documentos e encaminhamento de pedidos que tenham por objeto a estruturação e modelagem de projetos de concessão pública e PPPs, em conformidade com os procedimentos e as normas internas do BNDES;

i) analisar, contratar e acompanhar as operações de apoio do Sistema BNDES à estruturação e modelagem de projetos de concessão pública e PPPs;

j) observar as diretrizes fixadas pela Área Jurídica, no que se refere aos aspectos legais das matérias sob seu exame, zelando pela uniformização dos procedimentos, bem como observar as normas operacionais aprovadas pela Diretoria;

k) manter informações atualizadas das operações que tenham por finalidade a estruturação e modelagem de projetos de concessão pública e PPPs;

l) representar o Sistema BNDES em fóruns setoriais, comitês, grupos de trabalho e assemelhados, relacionados a temas de interesse da Área;

m) prestar assessoria técnica, jurídica e logística, subsidiando as demais Unidades Fundamentais em suas ações e atividades relacionadas com a estruturação de projetos de concessão pública e PPPs;

n) elaborar a proposta orçamentária da Área, acompanhando a execução do orçamento;

o) coordenar e desempenhar as atividades decorrentes das atribuições conferidas ao BNDES no âmbito do Programa Nacional de Desestatização – PND, incluindo as seguintes:

• acompanhar todos os processos de desestatização no âmbito do PND;

• prestar as informações acerca das desestatizações sob a responsabilidade do BNDES que venham a ser solicitadas pelos poderes competentes;

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• submeter ao presidente do Conselho Nacional de Desestatização – CND as matérias de que trata o inciso II do art. 6º, da Lei nº 9.491/97, bem como outras matérias de interesse do PND;

• fornecer apoio administrativo ao Conselho Nacional de Desestatização – CND, incluídos os serviços de secretaria;

• elaborar minuta de Ata de reunião do CND;

• apresentar prestação de contas ao CND, no encerramento de cada processo de desestatização;

• submeter à apreciação do Tribunal de Contas da União – TCU a documentação dos processos de desestatização sob a responsabilidade do BNDES;

• implementar, em conjunto com o Departamento de Políticas de Comunicação – GP/DEPOC, a ação institucional do BNDES, na qualidade de Gestor do Fundo Nacional de Desestatização – FND, subsidiando a divulgação de todas as atividades do PND; e

• controlar as despesas administrativas e promocionais, a manutenção do sistema de informações, a produção dos relatórios do PND, e o apoio à ação institucional e de divulgação do BNDES na qualidade de Gestor do FND.

p) coordenar as atividades administrativas e a estruturação e modelagem de projetos desenvolvidos com a Estruturadora Brasileira de Projetos S.A. - EBP;

q) coordenar as atividades administrativas e a estruturação e modelagem de projetos desenvolvidos com o Brazil PSP Development Program, em conjunto com o International Finance Corporation - IFC e o Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID;

r) realizar o acompanhamento societário da participação acionária detida pela BNDES Participações S.A. - BNDESPAR no capital social da EBP; e

s) realizar o acompanhamento societário da participação detida pela BNDES Participações S.A. - BNDESPAR no patrimônio do Fundo Brazil PSP Development Program.”

78. A EBP, por seu turno, é uma firma pequena. Em matéria jornalística lançada no sítio eletrônico mantido por aquela empresa na Internet, seu ex-presidente Hélcio Tokeshi informou que a EBP possuía em seus quadros apenas quatorze empregados, em novembro de 2012 (http://www.ebpbrasil.com/ebp/web/conteudo_pti.asp?conta=45&id=170166&tipo=45679&idioma=0, em 31/10/2014). Em suas palavras, apesar de contar com poucos empregados, a EBP teria expertise “em duas coisas: integração e gestão das partes interessadas”. Argumentou que “Não é fácil colocar na mesma sala advogados, economistas, engenheiros e contadores” (http://salvador2012.blogspot.com.br/2013/02/estruturadora-brasileira-de-projetos-ebp.html, em 31/10/2014). É, portanto, uma empresa que não desenvolve os estudos requeridos pelo art. 21 da Lei 8.987/1995, mas os aglutina. Aliás, nos termos do convênio, compete à EBP “aprovar e promover a contratação de consultoria técnica para a realização dos estudos”.

79. Não parece que a EBP possua, portanto, melhores condições de realizar o trabalho pretendido do que o faria o BNDES, com sua vasta experiência e melhor estrutura, e que já empresta sua expertise técnica ao convênio.

80. De toda forma, ainda que se considere como legítima a preocupação do BNDES de obter um projeto livre dos possíveis vieses inerentes a sua elaboração por entes privados interessados na obtenção das concessões (o que, como já registrei, vai contra a intentio legis explicitada nas normas aplicáveis às desestatizações), não se pode olvidar que existe, no âmbito do próprio poder público, uma empresa que tem por objeto “prestar serviços na área de projetos, estudos e pesquisas destinados a subsidiar o planejamento da logística e dos transportes no País, consideradas as infraestruturas, plataformas e os serviços pertinentes aos modos rodoviário, ferroviário, dutoviário, aquaviário e aeroviário”: a Empresa de Planejamento e Logística S. A. – EPL. Criada pela Lei 12.404/2011, a EPL possui, dentre outras, a competência para “elaborar estudos de viabilidade técnica, jurídica, ambiental e econômico-financeira necessários ao desenvolvimento de projetos de logística e transportes” e ainda

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de “prestar serviços aos órgãos e entidades da União, Estados, Distrito Federal e Municípios em assuntos de sua especialidade”. Ademais, o § 2º do art. 5º daquela lei expressamente prevê que a EPL pode atuar de forma articulada com outros entes públicos.

81. Assim, a perícia e o conhecimento acumulados pelo BNDES poderiam ser emprestados à EPL, empresa pública, ao invés de repassados à EBP, empresa privada. Não restam dúvidas de que os pressupostos declarados e que conduziram o BNDES a firmar o convênio com a EBP se fariam presentes caso fosse eleita a EPL, sobretudo em face de sua imparcialidade e ausência de interesse na obtenção das concessões.

- VII -DA DESCARACTERIZAÇÃO DOS PMIs E DA IMPOSSIBILIDADE DE COMPETIÇÃO

82. De tudo o quanto foi exposto até aqui, deparamo-nos com problema de difícil solução em face dos argumentos apresentados pelo BNDES de que: (i) somente as empresas desinteressadas são capazes de apresentar projetos e estudos sérios e isentos; (ii) não existem, até o momento, outras empresas além da EBP que possuam as características necessárias à apresentação de projetos confiáveis; (iii) é necessária a elaboração de projeto isento porque é difícil avaliar, em momento posterior, eventuais armadilhas propositalmente colocadas em projetos tendenciosos.

83. A julgar pelo raciocínio desenvolvido pelo BNDES, a EBP se sagraria vencedora em qualquer Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) de que participasse, uma vez que os estudos apresentados pelas demais empresas poderiam se apresentar “desvirtuados”, com dados falseados e de difícil detecção. Então, caso fossem acatadas as premissas do BNDES, seria impossível existir competição em qualquer PMI de interesse da EBP. Somente existiria disputa quando a EBP não participasse do certame, pois, nas situações em que fosse verificada sua participação, ela deveria ser automaticamente declarada vencedora, “a bem do poder público”.

84. Exemplo do comportamento tendencioso do BNDES pode ser verificado pelo seguinte trecho de sua manifestação (peça 53, p. 7):

“23. Data venia, embora os recentes PMIs publicados pelo Governo Federal tenham demonstrado um elevado número de interessados em obter autorização para a elaboração de estudos de viabilidade, uma análise mais aprofundada do perfil das empresas demonstra que estas participam ativamente da exploração de concessões públicas, diretamente ou por meio de prestação de serviços. Ademais, não se verifica, nos interessados, instrumentos de governança capazes de afastar risco de conflito de interesses, como previsto para a EBP. Portanto, não são casos comparáveis com a EBP. Esse é o caso dos PMIs de Portos, da Ponte Rio-Niterói e das Rodovias.” (grifo nosso).

85. Retornando a um ponto já ressaltado, o trecho em destaque deixa assente que o BNDES realmente pretende restringir onde a lei não o fez, uma vez que afirma que somente os projetos da EBP são bons ou, de outra forma, que não existem outros projetos comparáveis aos elaborados por aquela empresa. No mesmo sentido é o seguinte excerto:

“27. Verifica-se, portanto, que inexistem empresas privadas, similares à EBP, dispostas a estruturar projetos. O que existe são empresas, direta ou indiretamente interessadas na exploração das concessões, configurando-se o risco de conflito de interesses capaz de enviesar os estudos com as limitações e vícios que a criação da EBP busca corrigir, ao fomentar a criação de um mercado de estruturação de projetos voltado para o setor público.”

86. O raciocínio desenvolvido leva à inusitada situação em que somente seria conveniente a existência de um PMI caso a EBP, previamente consultada, não demonstrasse interesse em realizar o estudo. De outra forma, o PMI seria imprestável porque simularia o desejo da obtenção de estudos diversos quando, na realidade, se pretenderia obter apenas aquele elaborado pela EBP. Tal situação, contudo, se mostra impossível porque: (i) não se encontra albergada por disposição legal; (ii) constitui afronta ao princípio da isonomia.

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- VIII -DOS ELEMENTOS ADICIONAIS APRESENTADOS E DAS SOLUÇÕES ALTERNATIVAS

PROPOSTAS

87. Quando os autos se encontravam no gabinete da ministra Ana Arraes, o BNDES apresentou, uma vez mais, “novos elementos”. A peça, sem inovar, reforça os argumentos anteriormente apresentados e defende a legalidade e a legitimidade do convênio. No entanto, ao final “coloca-se à disposição para adotar solução alternativa ao convênio, de modo a zelar pela preservação do interesse público”.

88. Nesse sentido, aventou a possibilidade de realização de acordo de acionistas da EBP, nos termos do art. 118 da Lei 6.404/1976, com o intuito de “permitir ao BNDES fiscalizar a elaboração dos estudos pela EBP, de forma a preservar os objetivos almejados com sua constituição: estruturação de projetos com imparcialidade e qualidade”. Nesses termos, o BNDES prosseguiria com a atividade de “acompanhamento e supervisão dos estudos”, de forma que lhe seria permitido “fiscalizar a elaboração dos estudos pela EBP”.

89. Data maxima venia, a solução proposta pelo BNDES não merece guarida, uma vez que resolveria apenas a irregularidade formal relacionada ao instrumento utilizado para consecução das vontades. A simples rescisão do convênio e a transmutação de sua essência para acordo de acionistas não eliminaria a substância de sua mácula, a exemplo da adoção de comportamento discriminatório que vai de encontro à previsão contida no art. 31 da Lei 9.074/1995 e torna letra morta os PMIs das quais participe a EBP, da alocação de esforço em benefício de empresa privada e da utilização não isonômica de modalidade de fomento.

- IX -DAS PROPOSTAS DE RESPONSABILIZAÇÃO

90. Por derradeiro, divirjo dos pareceres no que concerne à imputação de responsabilidades.

91. Apesar de entender que o convênio celebrado entre o BNDES e a EBP violou diversos dos princípios aplicáveis à Administração Pública, como já destaquei neste voto, não vislumbro, no comportamento dos gestores, a deliberada intenção de burla. Ao contrário, extraio que os agentes públicos agiram na crença de que as medidas adotadas se revestiriam de finalidade pública e se coadunariam com o papel institucional do BNDES.

92. Considero que somente agora as discussões se encontram suficientemente maduras para que nos ofereçam a convicção da ilegalidade e ilegitimidade daquela avença.

Nessa linha de entendimento pode-se, em caráter excepcional, deixar de adotar a providência determinada pelo art. 250, inciso IV, do Regimento Interno, motivo pelo qual deixo de acolher as propostas de realização de audiência formuladas pela SefidTransporte e pelo Ministério Público e, por todo o acima exposto, voto pela adoção da minuta de acórdão que trago à consideração deste colegiado.

TCU, Sala das Sessões, em 3 de dezembro de 2014.

MARCOS BEMQUERER COSTARelator

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DECLARAÇÃO DE VOTO

Apresento esta declaração de voto para, divergindo do Relator apenas neste ponto, expressar minha concordância com as propostas uniformes da unidade técnica e do Ministério Público especializado no ponto em que propõem a audiência dos responsáveis diante dos fatos apurados neste processo.

2. Segundo as conclusões da unidade técnica, a celebração do convênio de cooperação técnica versado neste processo, entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - entidade estatal com objetivos institucionais voltados ao interesse público - e a Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP) – sociedade por ações de natureza privada – colidiu com os seguintes princípios regentes da Administração Pública:

a) legalidade estrita, por concretizar atividade (prestação de apoio técnico) sem amparo legal e em desacordo com as regras aplicáveis à espécie, as quais impõem chamamento público para os casos de “aplicações não reembolsáveis”;

b) impessoalidade, por não haver propriamente seleção da EBP para a celebração de convênio ou recepção de recursos públicos, vez que a empresa privada foi criada pelo BNDES (entre outros entes) já com vistas a se beneficiar do referido apoio técnico não reembolsável;

c) transparência, eis que a natureza das atividades desenvolvidas pelo BNDES no âmbito do “convênio de cooperação” – e.g. realização de “diversos exercícios (testes de aderência) nas planilhas financeiras, a fim de verificar a consistência dos modelos produzidos” (peça 31, p. 4) – apenas foi revelada após questionamentos em diligências oficiais. (item 272 da instrução da instrução contida no Relatório)

3. Ainda segundo a Sefid-Transportes, o caráter irregular do convênio em tela foi reforçado pelo fato de que, a teor do item 2, “ii”, “c” do termo convenial, o BNDES, a despeito de ser uma empresa pública, assumiria o papel de “interlocutor da EBP junto aos demais integrantes do poder público, atuando, nessa situação, como representante dos interesses privados da EBP, atitude defesa a qualquer administrador público” (item 273 da mesma instrução). Esse procedimento colide com o princípio da moralidade pública.

4. Além dessa agravante, a Sefid-Transportes aduz que o convênio em questão teria dividido desigualmente “os esforços e ganhos de sua execução”, cabendo o maior ônus ao BNDES, haja vista que o Banco “empregou recursos não reembolsáveis na execução do convênio, mesmo que de natureza não financeira”, fato que, no dizer da unidade técnica, reclamaria com mais intensidade “um procedimento de chamamento público para a seleção do parceiro do banco” (item 274 – idem).

5. Diante desses fatos, a unidade instrutiva propõe a audiência dos seguintes responsáveis:

a) senhores Luciano Galvão Coutinho e Roberto Zurli Machado, signatários do convênio inquinado, na condição de Presidente e Diretor de Infraestrutura e Insumos Básicos do BNDES, respectivamente;

b) senhor Henrique Amarante da Costa Pinto, na condição de Fiscal do convênio e Superintendente da Área de Estruturação de Projetos, “por não ter zelado, na execução do convênio (...), pelo cumprimento do item 2.1, subitem (ii), alínea ‘c’ do citado dispositivo, o qual veda a interlocução do (...) BNDES com o poder público em favor da EBP antes que a Administração decida licitar o projeto objeto do respectivo termo de cooperação técnica, contrariando os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e o art. 66, caput, da Lei 8.666/1993, c/c art. 116, caput, da mesma Lei” (itens 255-267 e 280 da instrução técnica). [grifei]

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6. Ao atuar no feito, o Procurador Sergio Ricardo Costa Caribé, representando o Ministério Público de Contas, endossou as conclusões da unidade técnica, aduzindo que os questionamentos enfocados na audiência dirigida aos signatários do convênio firmado em 2013 também deveriam provocar a audiência do senhor Wagner Bittencourt de Oliveira, ex-Diretor de Infraestrutura, Insumos Básicos e Estruturação de Projetos do BNDES, signatário do primeiro convênio, da mesma natureza, firmado com a EBP em 25/3/2008 (peça 46 e item 69 do parecer do MPTCU). 7. Com base nesse breve escorço, e apoiado no critério de que a formulação de audiência visa a colher as necessárias informações para aferir, com segurança, o grau de culpabilidade dos responsáveis, permito-me divergir das conclusões finais do relator, que, reconhecendo a boa-fé dos agentes, rejeita as propostas de audiência formuladas pela unidade técnica e pelo parquet especializado. 8. Apenas para arrematar minha conclusão, ressalto que a eventual confirmação da boa-fé dos agentes públicos na prática de atos de gestão irregulares não constitui, por si só, fator suficiente para eximi-los de responsabilidade, principalmente quando a natureza do fato apurado for grave, como me parece ocorrer no presente caso. Sob tal hipótese, pode ocorrer a aplicação de sanções se demonstrado que a conduta foi incompatível com os deveres de prudência e diligência que se exige do gestor médio.

Destarte, acolho o acórdão ora proposto pelo Relator, incorporando, no entanto, à sua parte dispositiva as audiências propostas pela Sefid-Transportes e pelo MPTCU, nos termos apresentados na instrução e no parecer transcritos no Relatório de Sua Excelência. É como voto, Senhor Presidente.

Sala das Sessões, em 3 de dezembro de 2014.

Raimundo CarreiroMinistro

DECLARAÇÃO DE VOTO

Preliminarmente, enalteço a qualidade do trabalho desenvolvido pelos ilustres Ministros Bruno Dantas e Marcos Bemquerer.

Nesta oportunidade, gostaria de ressaltar duas questões fundamentais que surgem destes autos.

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A primeira se refere ao modelo de governança adotado nas empresas privadas que têm entes públicos como acionistas minoritários, em especial, naquelas que são contratadas pelo Poder Público, como é o caso da EBP.

Nessas situações, o relacionamento entre o ente público e a entidade privada pode fazer com que sejam levantadas diversas questões relevantes, como se observou no recente processo relativo à Transportadora Gasene.

Entretanto, apesar de reconhecer a relevância da questão, entendo que essa será melhor analisada quando a Segecex apresentar o resultado do levantamento que aquela Secretaria Geral está realizando em atendimento à determinação deste Plenário.

Assim sendo, cabe analisar uma segunda questão. Refiro-me à inadequação de um convênio para servir de fulcro à cooperação prestada à EBP pelo BNDES, alegadamente no exercício das funções de fomento atribuídas àquele Banco por força de lei.

Avalio que o instrumento próprio para essa avença não é um convênio, o qual se caracteriza pela conjunção de esforços para a consecução de um objetivo. No caso vertente, como bem salientaram o Ministro Bruno Dantas e o Ministro-Substituto Marcos Bemquerer Costa, a EBP visa obter uma eventual remuneração pela elaboração de um projeto, a qual dependerá do aproveitamento do mesmo.

Por outro lado, ressalto que o art. 9, VI, do Estatuto do BNDES prevê que o banco poderá prestar apoio técnico e financeiro, inclusive não reembolsável, para a estruturação de projetos que promovam o desenvolvimento econômico e social do país. Assim sendo, não vejo obstáculos a que o banco firme parcerias com o objetivo de desenvolver projetos na área de infraestrutura.

Contudo, ressalto que tais parcerias devem assumir formas mais adequadas que a de um convênio. Podem ser celebrados, por exemplo, acordos de cooperação, como bem lembrou o Ministro Bruno Dantas, ou até mesmo contratos.

Por via de consequência, entendo que o convênio celebrado pela EBP e pelo BNDES não deveria, em tese, subsistir. Entretanto, tendo em vista que, segundo o banco, existem atualmente 12 projetos federais estruturados ou em estruturação pela EBP, anuo à proposta formulada pelo Ministro Bruno Dantas no sentido de que, excepcionalmente, seja autorizada a continuidade do convênio sob comento, o qual não poderá ter sua vigência prorrogada.

Concluindo essa rápida análise, quero salientar que o BNDES, num primeiro momento, considerou não ser cabível a realização de um chamamento público prévio à celebração de um convênio de cooperação técnica. Porém, posteriormente, o próprio banco alvitrou a realização desse chamamento.

Entendo que a concessão de oportunidades para que os interessados em realizar projetos possam se candidatar a receber o apoio do BNDES homenageia o Princípio da Isonomia, que deve reger os atos praticados pelos entes públicos.

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Aduzo que o próprio Poder Executivo editou, no dia 2/4/2015, o Decreto nº 8.428/2015, que estabelece o Procedimento de Manifestação de Interesse - PMI a ser observado na apresentação de projetos, levantamentos, investigações ou estudos, por pessoa física ou jurídica de direito privado, com a finalidade de subsidiar a administração pública na estruturação de empreendimentos que forem objetos de concessão ou permissão de serviços públicos, de parceria público-privada, de arrendamento de bens públicos ou de concessão de direito real de uso.

Apesar de a utilização do PMI ser facultativa, entendo que a edição desse Decreto representa uma sinalização no sentido de que o ente público deve permitir a ampla participação dos interessados.

Com fulcro no acima exposto, concordo com a proposta do Ministro Bruno Dantas no sentido de que seja determinado ao banco que adote critérios isonômicos, objetivos e transparentes nas suas futuras parcerias.

Por fim, concordo com as propostas formuladas pelo Ministro-Substituto Marcos Bemquerer Costa e pelo Ministro Bruno Dantas no sentido de excluir a responsabilidade dos gestores do BNDES. Afinal, não há nestes autos indícios de que tenham agido com dolo ou má-fé.

Com espeque nessas considerações, manifesto-me integralmente de acordo com a proposta formulada pelo Ministro Bruno Dantas.

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 1º de julho de 2015.

BENJAMIN ZYMLERMinistro

VOTO REVISOR

Trata-se de processo de acompanhamento, constituído em cumprimento ao item 9.4 do Acórdão 3.362/2013-TCU-Plenário, com o objetivo de apurar a celebração de convênio de cooperação técnica entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a empresa Estruturadora Brasileira de Projetos S/A (EBP). Em 31/12/2014, o capital subscrito e integralizado da EBP era de R$ 75.818.624,62. As ações ordinárias, com direito a voto, são divididas equitativamente

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entre os nove sócios que representam a totalidade do capital social da empresa, na razão de 11,11% para cada.

2. Preliminarmente, não posso deixar de louvar as laboriosas manifestações exaradas nestes autos até o momento. Trata-se de matéria intrincada sobre a qual se debruçaram não só os auditores da Segecex, mas principalmente o nobre Procurador Sergio Ricardo Costa Caribé e os eminentes Ministros Ana Arraes e Marcos Bemquerer.

3. Confesso que, de início, inclinei-me a acolher os argumentos do BNDES e da EBP a fim de considerar legal e legítima a cooperação técnica entre as duas entidades, em face da perda de expertise e enfraquecimento do setor de projetos, como também dos resultados demonstrados da dita cooperação.

4. Contudo, após minucioso exame dos autos, também formei minha convicção em sintonia com os pronunciamentos anteriores no sentido de que é impossível manter o convênio de cooperação técnica entre o BNDES e a EBP da forma como foi celebrado, de acordo com as razões expostas pelo Min. Marcos Bemquerer em seu Voto.

5. Não obstante assentir quase que integralmente à essência do entendimento de mérito expresso pelo Relator, extraio dos autos duas questões que me levam a propor outro deslinde para o processo.

***

6. A primeira diz respeito à governança da participação dos sócios públicos na empresa privada que é a EBP.

7. Não desconheço que a participação estatal em empresas comerciais abrange uma mistura de interesses sociais, econômicos e estratégicos. Sem dúvidas, alinhar essa complexa rede de interesses de forma a assegurar decisões eficientes e uma boa governança corporativa é um desafio. Mas é de interesse governamental e público que todas as empresas com participação estatal sejam dirigidas de forma profissional e que apliquem as melhores práticas de governança corporativa, devendo o ente estatal agir como um acionista responsável e informado. Em última análise, a boa governança corporativa assegura uma contribuição positiva do sócio público para o desempenho, a eficiência econômica e a competitividade geral da empresa onde o Estado tem controle significativo, através de controle acionário total, majoritário ou participação minoritária significativa.

8. Por meio do Acórdão 1.273/2015-TCU-Plenário, esta Corte apreciou levantamento realizado em conjunto com diversos Tribunais de Contas do país com o objetivo de sistematizar informações sobre a situação da governança pública em âmbito nacional. Como resultado, concluiu-se pela baixa qualidade da governança pública conduzida por todos os entes da federação e a consequente necessidade de adoção de um modelo para as organizações públicas, em suas correspondentes esferas de atuação, prevendo os princípios de governança que devem ser observados bem como as boas práticas a serem incorporadas, tomando por base o Referencial Básico de Governança do TCU e outros modelos de uso reconhecido.

9. Em adição, penso que a situação ora examinada também guarda certa similaridade com a que expus no Voto condutor do Acórdão 894/2015-TCU-Plenário. Nesse Voto, identifiquei uma comunicação interna do banco público jurisdicionado revelando sua estratégia de transferir todas as atividades de uma determinada área para uma nova empresa “com maior flexibilidade na gestão”.

10. De fato, conforme registrei no mesmo Voto, é possível verificar, nas empresas estatais em geral, a difusão em larga escala de uma estratégia no sentido de utilizar empresas privadas para abranger interesses sociais, econômicos e estratégicos, como dito acima, sendo pouco ou nada relevante se a parceria configura-se pela aquisição de participação acionária em sociedades

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empresariais anteriormente constituídas ou pela constituição de novas sociedades, sejam de propósito específico ou não, com ou sem participação no capital.

11. Ocorre que, mais recentemente, esse artifício vem suscitando questionamentos nesta Corte acerca de sua viabilidade e de sua aderência ao ordenamento jurídico. O debate havido por ocasião da deliberação do Acórdão 1.344/2015-TCU-Plenário, versando sobre a abrangência da jurisdição deste Tribunal sobre a Transportadora Gasene S/A, sociedade de propósito específico responsável pela captação dos recursos necessários às obras do Projeto Gasene, ilustra bem o que estou falando. Eis o que restou assentado:

“A jurisdição do TCU alcança as sociedades de propósito específico (SPE) em que haja aplicação direta ou indireta de recursos da União. Os limites do controle externo a ser exercido sobre essas entidades devem ser avaliados no caso concreto, de acordo com as especificidades do empreendimento, em especial se as garantias oferecidas para a consecução do negócio configuram risco para a União e se existem vínculos fáticos a identificar a predominância do interesse e do controle da empresa estatal, caracterizando relação em que a SPE figura na condição de mera controlada, independentemente da formalização jurídica adotada.”

12. Lembro que está em curso na Segecex, conforme proposta apresentada por mim e acolhida por este Plenário, ação de fiscalização na modalidade levantamento acerca das situações nas quais entidades da Administração Pública Federal figurem como sócias minoritárias em empresas privadas, estendendo-se a quaisquer empresas em que haja, direta ou indiretamente, recursos da União e dando um tratamento ainda mais detalhado para os casos em que tais empresas figuram como contratadas pela própria Administração.

13. Em face da atual expansão do uso dessa modalidade de relacionamento entre empresas públicas e privadas, tenho certeza que tal levantamento servirá para que esta Corte realize um exame mais profundo e de maior amplitude para buscar a interpretação que melhor se aproxima da vontade constitucional e da disciplina legislativa aplicáveis ao assunto, a fim de sedimentar o entendimento acerca do alcance da sua jurisdição e definir a melhor forma de controle sobre a matéria.

14. No presente caso, anuo integralmente ao raciocínio desenvolvido pelo Relator na seção VI do Voto (“Do Relacionamento BNDES X EBP”). De fato, (i) as atividades desempenhadas pela EBP dependem significativa e essencialmente dos préstimos do BNDES, (ii) é difícil vislumbrar a EBP como uma empresa privada independente, e não apenas como um braço adicional do próprio BNDES, e (iii) também consta arguição do BNDES no sentido de que “a instituição da EBP, sob a forma de S/A” apresentava como vantagem a “incidência de regime jurídico privado para a contratação de especialistas (celeridade e flexibilidade)”.

15. Assim, em sintonia com os arestos supracitados, todos muito recentes, julgo altamente salutar que as próprias empresas estatais busquem, desde já, aprimorar seus mecanismos de governança, disciplinando seu relacionamento com a empresa privada investida, pois não se pode conceber que tal arranjo configure o mero uso formal de uma engenharia jurídico-financeira com o propósito de tentar afastar a incidência de regras de direito público e, consequentemente, o exercício constitucional pelo TCU do controle externo sobre a administração da coisa pública.

16. Destarte, entendo cabível determinar ao BNDES que elabore e apresente plano de ação com vistas a implementar modelo de governança corporativa, contemplando medidas para a solução das fragilidades detectadas no presente acompanhamento, mormente aquelas afetas ao relacionamento entre o BNDES e a EBP (seção VI do Voto do Relator), eliminando de vez a possibilidade ou mesmo a mera impressão de que as atividades desempenhadas pela EBP dependam significativa e essencialmente dos préstimos do BNDES.

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17. Já a segunda questão está relacionada à formalização do convênio e à aplicação do princípio da isonomia nas atividades de fomento.

18. Concordo com o Min. Marcos Bemquerer quando afirma que o instrumento celebrado entre o BNDES e a EBP possui características significativamente diversas daquelas de um convênio. A doutrina mais convencional entende que é possível a celebração de convênios com entidades privadas, desde que elas sejam desprovidas de fins lucrativos. Uma abordagem mais inovadora defende que não deveria importar se o partícipe privado atua em todas as suas relações jurídicas sem auferir lucro, mas sim se o particular atua desinteressadamente para a realização da atividade de interesse coletivo naquele convênio específico.

19. Todavia, é impossível afirmar que a EBP não vise finalidades lucrativas ou que atue desinteressadamente. As ações desenvolvidas no âmbito do convênio terão como produtos finais os estudos e projetos que, quando aproveitados, remunerarão a empresa. E essa é sua única fonte de remuneração. As alegações acerca da margem de lucro e das atividades comerciais da EBP não tem como favorecer as pretensões das interessadas e pode levar a um paradoxo: se, de uma parte, fosse possível enfraquecer a natureza empresarial da EBP, desconsiderando que é uma sociedade de ações que distribui dividendos a seus sócios, então, de outra parte, isso apenas reforçaria que a EBP não é uma empresa privada independente, mas tão somente um braço operacional do próprio BNDES, com todas as implicações já traçadas na seção anterior deste Voto.

20. Ademais, como bem ressaltado no Voto do Relator, não se pode afirmar que o convênio firmado entre o BNDES e a EBP tenha caracterizado a existência de atividade de fomento exercida em obediência ao princípio da isonomia, isto porque os critérios de diferenciação eleitos pelo BNDES para o fomento em questão (i) representam o “gravame incidente sobre um só indivíduo”, ou seja, conferem um tratamento desigual fundado em preceito que singulariza de modo absoluto a pessoa tratada de forma peculiar, e (ii) partem da premissa de que o ideal seria os responsáveis pelos projetos não participarem, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução das obras ou serviços decorrentes, restrição afastada pela legislação de regência (art. 31 da Lei 9.074/1995).

21. Conforme historiado pelo Min. Marcos Bemquerer, todos os esforços legislativos são para engajar os particulares, inclusive os possíveis participantes de licitações, no desenvolvimento e na apresentação de projetos e estudos. Portanto, a postura do BNDES de firmar parcerias somente com empresas que não possuam interesse nas concessões sinaliza na direção oposta à mens legis e gera discriminação onde a lei não o fez. Ademais, a premissa de que a elaboração de projetos por interessados no certame traria consigo grande risco de assimetria de informação não é necessariamente verdadeira, pois nem sempre a empresa participante dos estudos de viabilidade sagra-se vencedora do certame (veja-se o caso de construção do AHE Belo Monte - TC 007.658/2008-0).

22. Não olvido que, recentemente, foi editado o Decreto 8.428/2015, concernente ao Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) a ser observado pela Administração Pública no âmbito de concessões, permissões e parcerias público-privadas, que, indo ao encontro do que o BNDES considera o melhor meio de mitigar conflitos de interesse, trouxe a seguinte previsão:

“Art. 18. Os autores ou responsáveis economicamente pelos projetos, levantamentos, investigações e estudos apresentados nos termos deste Decreto poderão participar direta ou indiretamente da licitação ou da execução de obras ou serviços, exceto se houver disposição em contrário no edital de abertura do chamamento público do PMI.”

23. Não tenho a pretensão de esgotar a matéria, uma vez que não está no escopo deste processo de acompanhamento e também porque o precitado Decreto foi publicado em 2/4/2015, a pouco mais de dois meses e ainda deve ser objeto de natural convalidação pelo próprio mercado. Entretanto, creio haver fundadas dúvidas sobre se o dispositivo retro mencionado exorbita do poder regulamentar e inova na ordem jurídica ou não.

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24. De todo modo, não podemos esquecer que uma das prioridades de aplicação dos recursos do BNDES no papel de agência financeira oficial de fomento é a promoção do desenvolvimento da infraestrutura, nos termos do art. 106, inciso V, da Lei 13.080/2015 (LDO/2015).

25. Em sua resposta, a EBP afirmou que “a empresa computa hoje um número de cerca de 187 estudos realizados” (peça 20, p. 9). Em reunião realizada com a minha Assessoria, o BNDES mencionou a existência de 28 projetos em parceria com a EBP, sendo que 6 estão em estruturação, 4 suspensos e 18 concluídos. Em sua última intervenção, o BNDES listou 12 projetos federais estruturados ou em estruturação pela EBP (peça 53, p. 14-15).

26. O que quero com isso é expor que, no meu entender, a imediata decretação de nulidade do convênio firmado entre o BNDES e a EBP, firmado em 21/3/2013 e com prazo de vigência de cinco anos, representará significativo impacto na estruturação de projetos de infraestrutura necessários à promoção do desenvolvimento nacional.

27. Nesse ponto, importante destacar que o art. 9º, inciso VI, do Estatuto do BNDES, prevê que a entidade poderá “prestar apoio técnico e financeiro, inclusive não reembolsável, para a estruturação de projetos que promovam o desenvolvimento econômico e social do País”.

28. Quanto a isso, verifico que, inicialmente, a empresa estatal entendia não ser cabível que “previamente à celebração do convênio de cooperação técnica, o BNDES fosse obrigado a realizar um chamamento público específico, a fim de dar a oportunidade a que outras empresas celebrassem instrumento semelhante” (peça 16, p. 15).

29. Todavia, evoluindo seu próprio entendimento sobre a questão, consta nos autos informação de que o BNDES está disposto a estudar novas formas parcerias a fim de aumentar o número de projetos estruturados de infraestrutura (peça 53, p. 6). Mais expressamente, dentre uma série de medidas, a entidade vislumbrou a realização de chamamento público: “Publicar comunicado ao mercado de que o BNDES encontra-se disponível para estudar parcerias com outras empresas, desde que seja assegurada a ausência de conflito de interesses” (peça 53, p. 22).

30. Assim, de forma a contribuir para resolução da controvérsia e apresentar subsídios para um modelo de parceria que pode ser adotado pelo BNDES, destaco valioso estudo sobre o assunto elaborado pela Câmara Permanente de Convênios da Procuradoria-Geral Federal consubstanciado no parecer 15/2013-DEPCONSU/PGF/AGU. Em relação ao que interessa no momento, eis o que consta no referido parecer (grifos postos):

“A acordo de cooperação é o instrumento jurídico hábil para a formalização, entre órgãos e entidades da Administração Pública ou entre estes e entidades privadas sem fins lucrativos, de interesse na mútua cooperação técnica, visando à execução de programas de trabalho, projeto/atividade ou evento de interesse recíproco, da qual não decorra obrigação de repasse de recursos entre os partícipes. (...)

Nas situações em que se verifique a possibilidade de que mais de uma entidade sem fins lucrativos possa executar o objeto do acordo de cooperação que a Administração pretenda celebrar, é recomendável que seja realizado prévio chamamento público ou credenciamento.”

31. Embora a maioria das normas e dos textos refiram-se a entidades privadas sem fins lucrativos, creio que os conceitos possam ser analogamente aplicados ao caso do BNDES. Certamente, não é a nomenclatura do negócio jurídico que interessa, mas sim sua essência. Levando em conta a natureza do comportamento cooperativo, o acordo de cooperação técnica é a espécie de instrumento a ser utilizado quando o desejado entre os partícipes for o recebimento, troca ou transferência de alguma técnica de domínio de um deles, oportunizado aos interessados mediante prévio chamamento público.

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32. Em suma, considerando as peculiaridades deste caso concreto, parece-me aceitável permitir que o convênio firmado entre BNDES e EBP tenha continuidade até o fim de sua vigência atual, prevista para 2018, vedando sua prorrogação e determinando ao banco público que estipule critérios isonômicos, objetivos e transparentes para futuras parcerias destinadas a aumentar o número de projetos estruturados de infraestrutura.

33. Tal regulamentação deverá ser elaborada pelo BNDES e integralmente avaliada pela unidade técnica competente, com especial cuidado sobre regra que porventura venha a ser prevista para tentar assegurar a ausência de conflito de interesses, haja vista que essa é uma das premissas básicas atualmente preconizadas pelo BNDES e que, se for o caso, deve ser examinada à luz de eventual incompatibilidade entre o art. 31 da Lei 9.074/1995 e o art. 18 do Decreto 8.428/2015.

34. Por último, devo registrar que também acompanho o Relator no que concerne à imputação de responsabilidades, pois não vislumbro no comportamento dos gestores a deliberada intenção de burla. Ao contrário, concordo que os agentes públicos agiram na crença de que as medidas adotadas se revestiriam de finalidade pública e se coadunariam com o papel institucional do BNDES.

35. Ante o exposto, mais uma vez enaltecendo as diligentes manifestações exaradas nestes autos e com as vênias de praxe pela divergência pontual, voto no sentido de que seja aprovado o Acórdão que ora submeto à deliberação deste Colegiado.

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 24 de junho de 2015.

Ministro BRUNO DANTASRevisor

TC 033.438/2013-7

VOTO COMPLEMENTAR

Em exame processo de acompanhamento, constituído em cumprimento ao item 9.4 do

Acórdão 3.362/2013-TCU-Plenário, com o objetivo de apurar a celebração de Convênio de

Cooperação Técnica entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e a

empresa Estruturadora Brasileira de Projetos S/A – EBP.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC 033.438/2013-7

Tendo em vista as ponderações trazidas à lume pelos Ministros Benjamin Zymler,

Raimundo Carreiro, Bruno Dantas, Augusto Sherman Cavalcanti e Weder de Oliveira, no sentido de

modular a decisão de rescindir o Convênio de Cooperação Técnica firmado entre a EBP e o BNDES, e

ainda a sugestão do Ministro-Substituto Augusto Sherman Cavalcanti de que somente os projetos em

andamento sejam concluídos no interregno de modulação, houve consenso para que se adote o prazo

de 360 dias para a EBP concluir os projetos de engenharia em andamento sob sua responsabilidade e

rescindir o ajuste em foco, bem como que, no interregno retro mencionado, a continuidade do

Convênio de Cooperação Técnica deve ficar restrita à conclusão dos projetos que já se encontram em

andamento.

Ante o exposto, voto no sentido de que o Tribunal adote o Acórdão que ora submeto a este

Colegiado.

Sala das Sessões, em 1º de julho de 2015.

MARCOS BEMQUERER COSTA Ministro-Relator

TC 033.438/2013-7

VOTO COMPLEMENTAR

Após as discussões ocorridas no Plenário no âmbito deste processo, adiro às sugestões trazidas pelo Ministro Augusto Sherman Cavalcanti e acolhidas pelo Ministro Marcos Bemquerer Costa, Relator, no sentido de se assinar o prazo de 360 dias para que a EBP conclua os projetos de engenharia em andamento sob sua responsabilidade e rescinda o Convênio.

Nesse sentido, e acolhendo sugestões dos demais Ministros, retiro minha proposta original de realização de Audiências com os responsáveis constantes da minha Declaração de Voto.

Sala das Sessões, em 1º de julho de 2015.

RAIMUNDO CARREIROMinistro-Relator

VOTO COMPLEMENTAR

Trata-se de processo de acompanhamento, constituído em cumprimento ao item 9.4 do Acórdão 3.362/2013-TCU-Plenário, com o objetivo de apurar a celebração de convênio de cooperação

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técnica entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a empresa Estruturadora Brasileira de Projetos S/A (EBP).

Conquanto mantenha convicção em relação aos argumentos que exposei em meu Voto Revisor, após as competentes manifestações exaradas no Plenário, adiro à proposta de consenso alinhavada, incorporada pelo Relator, Min. Marcos Bemquerer, no sentido de conceder 12 meses para a vigência do atual convênio firmado entre o BNDES e a EBP, restringindo-se aos projetos atualmente em estruturação.

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em tagDataSessao.

Ministro BRUNO DANTASRevisor

DECLARAÇÃO DE VOTO COMPLEMENTAR

Tendo em vista as mudanças empreendidas no Voto do Ministro Relator, que acolheu as ponderações de seus pares, evoluo em meu entendimento anterior no sentido de manifestar-me integralmente de acordo com a nova proposta formulada pelo Ministro Substituto Marcos Bemquerer Costa.

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 1º de julho de 2015.

BENJAMIN ZYMLERMinistro

ACÓRDÃO Nº 1602/2015 – TCU – Plenário

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1. Processo TC 033.438/2013-7. 2. Grupo II – Classe V – Acompanhamento. 3. Interessados: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e Estruturadora Brasileira de Projetos – EBP (CNPJ 09.376.475/0001-51).4. Unidade: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES.5. Relator: Ministro-Substituto Marcos Bemquerer Costa.6. Representante do Ministério Público: Procurador Sergio Ricardo Costa Caribé.7. Unidade Técnica: Secretaria de Fiscalização de Desestatização e Regulação de Transportes – SefidTransporte.8. Advogados: Luis Justiniano Haiek Fernandes (OAB/DF 2.193/A), Eduardo Rodrigues Lopes (OAB/DF 29.283) e outros.

9. Acórdão:

VISTO, relatado e discutido este acompanhamento constituído, em cumprimento ao item 9.4 do acórdão 3.362/2013-Plenário, para promover a oitiva prévia do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e da Estruturadora Brasileira de Projetos – EBP acerca da celebração de convênio de cooperação técnica firmado entre aqueles entes.

ACORDAM os ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo relator e com fundamento nos arts. 71, IX, da Constituição Federal, c/c art. 45 da Lei 8.443/1992 e art. 251 do Regimento Interno, em:

9.1. assinar prazo de 360 (trezentos e sessenta) dias para que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES adote as providências necessárias para a anulação do “convênio de cooperação técnica” firmado com a Estruturadora Brasileira de Projetos – EBP, em março de 2013, por afrontar os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade administrativa e isonomia, e demonstre ao TCU, ao término do referido prazo, o cumprimento dessa providência;

9.2. informar ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES que, durante o prazo a que se refere o subitem 9.1 acima, a continuidade do “convênio de cooperação técnica” firmado com a Estruturadora Brasileira de Projetos – EBP deverá ficar restrita à conclusão dos projetos que já se encontram em andamento;

9.3. dar ciência deste acórdão, bem como do relatório e voto que o fundamentam, ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e à Estruturadora Brasileira de Projetos – EBP.

10. Ata n° 25/2015 – Plenário.11. Data da Sessão: 1/7/2015 – Ordinária.12. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-1602-25/15-P.13. Especificação do quorum: 13.1. Ministros presentes: Aroldo Cedraz (Presidente), Benjamin Zymler, Augusto Nardes, Raimundo Carreiro e Bruno Dantas (Revisor).

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13.2. Ministros-Substitutos convocados: Augusto Sherman Cavalcanti, Marcos Bemquerer Costa (Relator) e Weder de Oliveira.

(Assinado Eletronicamente)AROLDO CEDRAZ

(Assinado Eletronicamente)MARCOS BEMQUERER COSTA

Presidente Relator

Fui presente:

(Assinado Eletronicamente)PAULO SOARES BUGARIN

Procurador-Geral

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