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1 SUMÁRIOS UMÁRIOS D DESENVOLVIDOS ESENVOLVIDOS DIREITO IREITO P PROCESSUAL ROCESSUAL C CIVIL IVIL – P – P ROCESSO ROCESSO E EXECUTIVO XECUTIVO ANO LECTIVO 2009/2010 (2.º SEMESTRE) REGENTE – MESTRE ARMINDO RIBEIRO MENDES I INTRODUÇÃO 1. ACÇÃO DECLARATIVA E ACÇÃO EXECUTIVA. NOÇÃO DE EXECUÇÃO I. Nos diferentes Direitos europeus aparece normalmente adjectivada a expressão execução : execução forçada (em Itália, esecuzione forzata , por exemplo) ou coactiva (na Alemanha, Zwangsvollstreckung ). Em França fala-se com frequência de voies d’exécution , ao passo que na Inglaterra fala-se simplesmente de enforcement . Em Espanha, a expressão consagrada na Ley de Enjuiciamento Civil de 2000 é ejecución forzosa . Tem, porém, de reconhecer-se que a ideia de execução não é unívoca. No Direito das Obrigações, fala-se com frequência de execução da prestação para significar o cumprimento de obrigação através da prestação, a realização voluntária da prestação pelo credor (cfr. os arts. 1162.º,

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1

SSUMÁRIOSUMÁRIOS D DESENVOLVIDOSESENVOLVIDOS

DDIREITOIREITO P PROCESSUALROCESSUAL C CIVILIVIL – P – PROCESSOROCESSO E EXECUTIVOXECUTIVO

ANO LECTIVO 2009/2010 (2.º SEMESTRE)

REGENTE – MESTRE ARMINDO RIBEIRO MENDES

I

INTRODUÇÃO

1. ACÇÃO DECLARATIVA E ACÇÃO EXECUTIVA. NOÇÃO DE EXECUÇÃO

I. Nos diferentes Direitos europeus aparece normalmente adjectivada a

expressão execução: execução forçada (em Itália, esecuzione forzata, por

exemplo) ou coactiva (na Alemanha, Zwangsvollstreckung). Em França fala-se

com frequência de voies d’exécution, ao passo que na Inglaterra fala-se

simplesmente de enforcement. Em Espanha, a expressão consagrada na Ley

de Enjuiciamento Civil de 2000 é ejecución forzosa.

Tem, porém, de reconhecer-se que a ideia de execução não é unívoca.

No Direito das Obrigações, fala-se com frequência de execução da prestação

para significar o cumprimento de obrigação através da prestação, a realização

voluntária da prestação pelo credor (cfr. os arts. 1162.º, 1163.º, 1208.º e 1209.º

do Código Civil). Quando se fala de execução específica, a propósito dos

contratos-promessa (art. 830.º do Código Civil), já se está a pensar num

cumprimento forçado de um contrato, o qual todavia não é realizado através de

uma acção executiva, mas de uma declaração do tribunal que substitui a do

promitente faltoso.

2

II. O Código Civil refere-se à “realização coactiva da prestação”, apontando

para uma característica das normas jurídicas que é a sua imperatividade (cfr.

arts. 817.º a 830.º).

O art. 817.º deste diploma, sob a epígrafe “princípio geral”, estabelece o

seguinte:

“Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis do processo.”

Este artigo do Código Civil é cronologicamente posterior ao disposto no

art. 4.º do Código de Processo Civil, o qual provém, embora com diferenças de

redacção, do art. 4.º do Código de Processo Civil de 1939. Como decorre da

sua leitura, a lei civil distingue as acções declarativas para exigência judicial do

cumprimento (acções de condenação) das acções executivas onde, em regra,

é executado o património do devedor.

O art. 4.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (1) diz que as acções ou são

declarativas ou são executivas.

As primeiras podem ser de simples apreciação, de condenação ou

constitutivas. Esta tripartição tem a ver com as finalidades dos pedidos (de

simples apreciação ou de mera declaração; de condenação; e constitutivos). As

sentenças nas acções de condenação são os títulos executivos por

excelência(2).

O art. 4.º, 3.º, diz que as acções executivas são “aquelas em que o autor

requer as providências adequadas à reparação efectiva do direito violado”.

Esta noção tem sido criticada, nomeadamente por a ideia de reparação

invocar frequentemente a noção de indemnização.

1(?) A partir de agora, a referência a um artigo de lei sem identificação do diploma de proveniência entende-se que é do Código de Processo Civil, na versão vigente.2

(?) Dispõe o art. 45.º, n.º 1, que “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.

3

Todavia, a definição é clássica e é aceite pela doutrina portuguesa.

Como escreve LEBRE DE FREITAS:

“Diferentemente da acção declarativa, a acção executiva tem por finalidade a reparação efectiva dum direito violado. Não se trata já de declarar direitos, pré-existentes ou a constituir. Trata-se, sim, de providenciar pela reparação material coactiva do direito do exequente. Com ela passa-se da declaração concreta da norma jurídica para a sua actuação prática mediante o desencadear do mecanismo da garantia.”(3)

III. Deve notar-se que as acções executivas são, pois, uma espécie do

conjunto das acções judiciais, de natureza contenciosa.

O art. 2.º, n.º 1, estabelece que a protecção jurídica “implica o direito de

obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso

julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a

possibilidade de a fazer executar” (sublinhado acrescentado)

O n.º 2 do mesmo art. 2.º estabelece uma concretização do princípio

geral previsto no número anterior:

“A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção.”(4)

Aqui, além das acções declarativas (as destinadas a obter o

reconhecimento em juízo do direito invocado ou a prevenir ou reparar a

violação dele) e das acções executivas (as destinadas a realizar coercivamente

o direito a uma prestação) alude-se também aos procedimentos cautelares,

3(?) A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma, 5.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pág. 94

(?)O exemplo paradigmático de excepção ao princípio da correspondência entre direito e acção é o dos direitos de crédito que constituem a posição activa de obrigações naturais (art. 402.º do Código Civil).

4

“necessários para acautelar o efeito útil da acção”(5). Convém recordar que o

art. 4.º do Código de Processo Civil de 1939 abrangia uma classificação

tripartida de acções: acções declarativas, acções executivas e acções

conservatórias, englobando estas últimas os procedimentos cautelares.

Como refere PESSOA JORGE, comentando o n.º 2 do art. 2.º (à época,

este número correspondia ao corpo do artigo):

“Quer este preceito significar que o tribunal exerce a sua autoridade, ou para, através de declaração vinculante, eliminar a situação de incerteza que paira sobre a existência, titularidade ou conteúdo de determinado direito, ou para, utilizando a força física, ajustar a situação de facto ao modelo fornecido pela norma.

A distinção entre o reconhecimento e a realização coerciva do direito, aflorado no art. 2.º, está na base da classificação das acções judiciais em declarativas e executivas, classificação que fundamentalmente se baseia no tipo de providência – uma declaração ou uma actuação coerciva – pedida ao tribunal”(6)

IV. Na doutrina portuguesa, é usual distinguir entre execução de uma decisão

judicial em sentido amplo, e uma execução em sentido estrito.

A execução de uma decisão judicial pode ser realizada através de

inscrições em registos públicos (por exemplo, inscrição do divórcio decretado

por sentença no registo civil; cancelamento de uma inscrição hipotecária, na

sequência de uma decisão que julgou extinta a garantia hipotecária por ter sido

cumprida a obrigação garantida). Fala-se então de uma execução em sentido

amplo. Em sentido restrito, a execução obtém-se a partir da instauração de

uma acção executiva.

Tratando-se de uma execução forçada – quando instauramos uma

acção executiva – o recurso à mesma pressupõe a ausência de execução

voluntária pelo devedor. Não pode, porém, afirmar-se que tal execução forçada

substitui integralmente a execução voluntária, na medida em que aquela nem 5

(?) Sobre a exegese deste art. 2.º remete-se para Lebre de Freitas/João Redinha,/Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, I, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2008, págs. 3-5.6(?) Lições de Direito Processual Civil – 5.º Ano, Lisboa, policop., 1972-1973, pág. 7.

5

sempre consegue a plena satisfação do credor. Bastará ter em consideração a

situação muito frequente de o produto da venda de bens penhorados ao

devedor ou ao terceiro responsável pela dívida não chegar para pagar os

créditos exequendos e respectivos acessórios.

Voltando a citar o Prof. PESSOA JORGE:

“Quando a lei fala de acção executiva reporta-se a certo modo de realização coactiva de direitos, mas apenas dos direitos de crédito ou, melhor, dos direitos do tipo do direito de crédito. O que caracteriza a actuação coerciva que aparece na acção executiva é consistir ela na apreensão pela força de bens de alguém (o executado), para os entregar a outrem (o exequente), ou para os alienar e com o produto respectivo pagar créditos de outras pessoas (exequente e credores reclamantes).

Não há dúvida que a acção executiva tem por fim dar realização efectiva ao direito; mas não se caracteriza só por esse fim, porque ele pode atingir-se através de outros meios processuais – nomeadamente, como vimos, de acção constitutiva. Não há dúvida também que, na acção executiva, a providência solicitada ao tribunal não é uma simples declaração, mas uma actuação coerciva, mas esta nota também não é suficiente, pois pode haver actuações coercivas de diversos tipos. Por isso, é necessário acrescentar que o tipo de actuações coercivas próprio da acção executiva consiste na apreensão de bens do executado e na subsequente entrega deles, ou do seu produto, ao exequente ou a outros credores, na medida dos respectivos direitos”(7)

Importa acentuar que a acção executiva visa a realização coerciva não

só de obrigações em sentido técnico ou deveres creditícios – invocando o

exequente um direito de crédito – como também de pretensões reais (por

7(?) Lições cit., pág. 10. Bastará recordar que, no procedimento cautelar de arresto, pode ser decretada a apreensão coerciva de bens do requerido arrestado, aliás sem prévio contraditório (arts. 406.º, n.º 2, e 408.º, n.º 1). A acção de execução específica a que se refere o art. 830.º do Código Civil visa conseguir, através da sentença, a produção dos “efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida” (n.º 1). Esta acção é, pois, constitutiva, na medida em que tem por fim “autorizar uma mudança na ordem jurídica existente” (art. 4.º, n.º 1, alínea c)). Tal mudança jurídica é a celebração do contrato prometido, substituindo-se a sentença declarativa do tribunal à declaração negocial do promitente, que não chegou a ser dada.

6

exemplo, na acção executiva para entrega de coisa certa pode o exequente

invocar o seu direito da propriedade sobre a coisa cuja entrega exige, com

base na sentença de condenação proferida na acção).

V. Deve notar-se que a execução em sentido restrito incide sobre bens do

devedor, quando este se recuse a cumprir voluntariamente, diferentemente do

que sucedeu em outras épocas históricas, em que o credor podia prender o

devedor e matá-lo ou reduzi-lo ao estado de escravo ou, mais recentemente,

em que o devedor, que não cumpria voluntariamente a prestação a que estava

adstrito, era preso (regime de prisão por dívidas). Hoje, a execução é

patrimonial, como decorre do disposto nos arts. 817.º e 818.º do Código Civil.

Costuma afirmar-se na literatura sobre acção executiva, que não é

contestável que esta acção suscita problemas delicados, quer no plano jurídico,

quer no plano social.

No plano jurídico, o funcionamento da execução, desde a penhora de

bens até à venda executiva e passando pela distribuição do produto de venda

entre o exequente e credores reclamantes, após a chamada graduação de

créditos, põe em confronto pretensões diferente entre credores e põe em jogo

as preferências resultantes de certas garantias especiais das obrigações.

No plano social e como refere numa obra sobre execuções no Direito

francês JEAN VINCENT,

“… a execução forçada representa a última fase do conflito entre credores e devedores. Até então, o devedor não tinha sofrido os ataques do seu credor, ou, se tivesse sido demandado num processo, estava, de algum modo, num plano de igualdade: podia negar a dívida, ou contestar o seu montante. A partir de agora, o devedor é um vencido, o credor já não discute com ele, antes o executa. É aqui se se impõe um dever ao legislador. Não convém deixar o mais forte ir até ao fim do seu direito: importa rodear o processo executivo de restrições destinadas a impedir o credor de humilhar o seu devedor e de o despojar completamente [de todos os bens]. (…) A preocupação da paz pública, uma preocupação evidente de humanidade

7

impõem que o processo de execução fosse regulado de modo a não transformar o devedor executado imediatamente num indigente a cargo da sociedade, summum jus, summa injuria!

Todavia, deve o legislador conservar também alguma solicitude em relação ao credor? Existe uma tendência lastimável para representar o credor como um rico malévolo que atormenta um pobre diabo. Há muitas vezes credores mais interessantes que os devedores. Mas, mesmo fora dessas eventualidades, não será conforme ao interesse geral não desencorajar o crédito, impondo ao credor, que quer obter o pagamento e que tem a ele direito, formalidades complicadas e onerosas, restrições demasiado severas? Muito frequentemente, não o esqueçamos, este credor já foi obrigado a recorrer a um processo para conseguir o reconhecimento do seu direito na justiça ou para obter o carácter executório para o seu título. Não é necessário que, estando assim em condições e reunindo todas as garantidas, tenha de se submeter a um segundo processo, tão longo ou complicado quanto o primeiro. Deve normalmente poder realizar a sua garantia rapidamente e com poucos custos.

Assim, para o devedor, uma regulamentação desprovida de brutalidade e mesmo ligeiramente protectora; para o credor, um instituto (organisme) simples e de fácil manejamento: eis como deve estar racionalmente concebido o processo de execução.”(8)

Deve desde já chamar-se a atenção para a circunstância deste texto de

JEAN VINCENT se aplicar, em primeira linha, às execuções baseadas em

sentenças judiciais. A realidade em Portugal hoje é muito diversa, visto que

uma grande parte das execuções, representando uma larga maioria, se baseia

em títulos executivos extrajudiciais. Nestes casos, como o título não se formou

num processo judicial prévio, haverá seguramente que garantir maiores

possibilidades de defesa ao devedor executado.

Teremos oportunidade de ver esta matéria à frente.

8(?) Voies d’exécution et procédures de distribution, 11.ª ed., Paris, Dalloz, 1974, págs. 2-3 (esta obra descreve o direito das vias de execução antigo, isto é, anterior à Reforma de 1991, entretanto integrada no novo Código de Processo Civil francês).

8

VI. Deve notar-se que, sobretudo na doutrina italiana, têm-se acentuado o

carácter polissémico da palavra execução, nomeadamente podendo falar-se de

execução de despachos interlocutórios do juiz, no processo declarativo, ou na

execução de uma sentença constitutiva (por exemplo, restituição das

prestações já realizadas, no caso de anulação judicial de um negócio jurídico;

ou ainda, a execução específica de um contrato-promessa). Nessa medida,

houve a tendência para desvalorizar o conceito de execução forçada,

afirmando-se que os processos estão cheios de execuções.

Nos anos sessenta, a doutrina processualista italiana procurou reconstruir

a noção ampla de execução, figura própria de qualquer forma de normação

proveniente do poder do Estado, directa ou indirectamente, a qual corresponde

ao momento de eficácia dessa normação, considerando que a execução

forçada seria uma subespécie dessa execução em sentido amplo e abstracto.

Mais recentemente tem sido posto em evidência que a execução forçada,

através da acção executiva, delimita-se pelo seu carácter funcional, havendo

dois aspectos estruturais importantes: por um lado, e no que toca aos efeitos

sobre o património do executado, este último fica privado da tutela jurisdicional

quando são apreendidos bens para satisfazer a pretensão insatisfeita do

credor; por outro lado, se o devedor persistir em não cumprir a sua obrigação,

reconhecida por título executivo, é necessário o emprego da força física para

conseguir o desiderato da satisfação do credor, e tal emprego de força física

há-de ser levado a cabo por agentes do Estado (9). Todavia, tal emprego da

força física é apenas eventual, já que, no decurso do processo executivo, o

executado pode acabar por colaborar com o agente de execução (cfr. arts.

833.º-B, nos 4 e 7), sendo certo que os meios coercitivos não se dirigem, por

regra, à vontade do executado, tendo a acção executiva uma forma de

actuação através de mecanismos sub-rogatórios e substitutivos em relação à

vontade do devedor, embora não esteja excluído que possa haver sanções

pecuniárias compulsórias no processo executivo (cfr. arts. 833.º-B, n.º 7 e

933.º, n.º 1).

9(?) Pode ver-se um resumo das doutrinas dos mais influentes processualistas italianos em Angelo Bonsignori, voc. “Esecuzione forzata in generale”, in Digesto delle Discipline Privatistiche – Sezione Civil, VII, Turim, UTET, 1991, págs. 567-569.

9

2. ACÇÃO EXECUTIVA E PRINCÍPIO DISPOSITIVO

I. No processo declarativo, vigora entre nós – como sucede no comum dos

processos contemporâneos – o chamado princípio dispositivo. O art. 3.º, n.º 1,

estatui que “o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção

pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra

seja devidamente chamada para deduzir oposição”.

Trata-se de um princípio muito antigo que impõe ao tribunal que não

actue oficiosamente, devendo antes aguardar o impulso de uma das partes, em

regra do autor.

II. Ao organizar o processo executivo, o legislador tem de resolver um

problema de política legislativa, a saber, o de determinar se a execução deve

ser igualmente objecto de uma opção de vontade do exequente ou se, pelo

contrário, sendo o título executivo judicial, não deve instaurar-se oficiosamente

a execução, se o condenado não tiver provado em certo prazo ter satisfeito

voluntariamente a prestação a que foi condenado.

A orientação geral é a de que deve prevalecer, no plano do processo

executivo, o princípio dispositivo ou da disponibilidade. O credor é que tem de

decidir se pretende instaurar a acção executiva ou se, pelo contrário, prefere,

por exemplo, aguardar mais algum tempo até que o devedor cumpra. Quer

dizer, cabe-lhe, em última análise, a opção sobre a instauração da acção

executiva e, depois de instaurada a execução, dar-lhe impulso processual.

Quando o título executivo não seja judicial, dificilmente se poderia

conceber que as coisas se passassem de outro modo, porquanto não seria

conhecido do tribunal o facto de haver um crédito sobre uma certa pessoa.

III. Como refere PESSOA JORGE, o sistema da disponibilidade e o da

oficiosidade têm sido adoptados em diferentes períodos históricos:

10

“Assim, encontramos acções executivas não dependentes do impulso do credor no sistema processual da Novíssima Reforma Judiciária [de 1841]. Nesta previa-se, nas execuções das sentenças, transitadas em julgado, dos então chamados juízes eleitos e dos juízos ordinários (quanto a estes, apenas nas causas cujo valor estivesse dentro da sua alçada) o seguinte sistema: uma vez proferida a sentença, o escrivão passava mandado executivo contra o réu, a fim de ser citado para, em 24 horas, pagar a importância em que fora condenado; se não pagava, o escrivão procedia imediatamente à penhora de bens imóveis suficientes para a satisfação da dívida (arts. 243.º e 569.º). O sistema já era diferente quanto à execução das sentenças dos juízes ordinários nas causas cujo valor se situasse entre a alçada destes e dos juízes de direito, pois neste caso, se a parte vencida não efectuasse o pagamento nas 24 horas seguintes ao conhecimento da sentença, só se passaria à parte vencedora mandado executivo, se ela o requeresse (art. 570.º)” (10)

Este Autor chamava a atenção para o processo especial de venda e

adjudicação do penhor, regulado no Código de Processo Civil até ao Decreto-

Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro (este diploma da Revisão de 1995-1996

revogou os arts. 1008.º a 1012.º onde se regulava um processo misto de

natureza declarativa e executiva). Nesse processo, passava-se da fase

declarativa para a fase executiva por mera inacção do devedor (se não

pagasse, nem contestasse no prazo aí previsto).

IV. Um caso claro de oficiosidade consta tradicionalmente das leis de

processo do trabalho.

No Código de Processo do Trabalho de 1963 passou a prever-se, como

novidade, a oficiosidade de instauração da execução fundada em condenação

em quantia certa (art. 87.º). Neste Código, porém, concedia-se a faculdade ao

credor de se opor por escrito a que o devedor fosse executado, ou não

nomeando bens à penhora (art. 87.º, n.º 1, alínea b)).

10(?) Lições cit., pág. 20. Deve notar-se, pois, que a execução oficiosa se aplicava a dívidas de montante mais reduzido.

11

Após o Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro – Decreto-Lei que

alterou o Código de Processo do Trabalho de 1999 – prevê-se no art. 90.º

deste último diploma:

“1- Tratando-se de direitos irrenunciáveis, o autor tem o prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença de condenação em quantia certa, prorrogável pelo juiz, para iniciar a execução do título executivo.

2- Se o autor não iniciar a execução no prazo fixado, e não tiver sido junto ao processo documento comprovativo da extinção da dívida no prazo referido no número anterior, o tribunal, oficiosamente, ordena o início do processo executivo, cujas diligências de execução são realizadas por oficial de justiça.”(11)

Este diploma revogou o art. 89.º deste Código.

V. O Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro - apelidado por LEBRE

DE FREITAS de “a Reforma da Reforma da Acção Executiva [de 2003]” (12) veio

prever um mecanismo de manifestação antecipada da vontade de executar

pelo autor de uma acção declarativa com pedido(s) de condenação.

Dispõe o art. 675.º-A do Código de Processo Civil (preceito aditado pelo

referido Decreto-Lei n.º 226/2008), sob a epígrafe “Execução imediata da

sentença”:

“1. O autor pode manifestar por meios electrónicos, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A, na petição inicial ou em qualquer momento do processo, a vontade de executar judicialmente a sentença que venha a condenar o réu ao pagamento de uma quantia certa, indicar o agente de execução e indicar bens à penhora, nos termos dos nos 5 a 7 do artigo 810.º.

11

(?) A redacção anterior comportava seis números e continua a ser aplicada nos processos pendentes em 1 de Janeiro de 2010.

12(?) Este diploma entrou em vigor em 31 de Março de 2009 e aplica-se apenas aos processos iniciados após a entrada em vigor, salvo algumas disposições ressalvadas pelo seu art. 22.º

12

2. No caso previsto no número anterior, a execução inicia-se, por apenso, de forma electrónica e automática:

a) Logo após o trânsito em julgado da sentença; ou

b) Nos casos em que o autor o declare, 20 dias após o trânsito em julgado da sentença

3. Nos casos referidos no n.º 3 do artigo 90.º o traslado é enviado ao tribunal competente.

4. Sempre que o réu cumprir a sentença nos prazos referidos no n.º 2, o autor comunica esse facto ao tribunal no prazo de cinco dias, exclusivamente por meios electrónicos.

5. A comunicação referida no número anterior impede o início da acção executiva ou, caso já se tenha iniciado, extingue-se imediatamente, sem necessidade de qualquer acto da secretaria ou do juiz.

6. Iniciada a execução, é disponibilizada por meios electrónicos ao agente de execução nomeado para os efeitos do n.º 10 do artigo 810.º:

a) Cópia da sentença;

b) A informação e a documentação enviada pelo autor nos termos do n.º 1.”

Este preceito não prevê um sistema de oficiosidade na instauração da

acção executiva – como sucede no Direito Processual do Trabalho – mas

limita-se a permitir ao autor a manifestação da sua vontade de instaurar

imediatamente a acção executiva, logo que ocorra o trânsito em julgado (ou,

então, 20 dias após o trânsito em julgado, quando o autor o declare nos vinte

dias após o trânsito em julgado da sentença condenatória).

3. CARÁCTER JURISDICIONAL OU PURAMENTE ADMINISTRATIVO DA EXECUÇÃO, DIFERENTES PARADIGMAS DA EXECUÇÃO

I. Ao tratar das opções do legislador na organização de um processo

executivo, o Prof. PESSOA JORGE indicava como uma das principais a

escolha entre uma actividade jurisdicionalizada e uma actividade administrativa

13

de execução, uma vez que a execução não se destinava a declarar ou

reconhecer a existência de um direito subjectivo, mas antes a dar-lhe

realização efectiva.

O mesmo Professor chamava a atenção para que a actividade de

execução forçada se traduz “na prática de actos, quer materiais (como a

apreensão de bens móveis), quer jurídicos (penhora de créditos, venda de

bens penhorados, pagamento aos credores), que não representam o exercício

da actividade jurisdicional, no sentido estrito da palavra, ou seja, como

composição dos litígios pela interpretação e aplicação vinculante da norma

jurídica ao caso concreto”(13).

Daí a pergunta sobre se as execuções deviam ser confiadas a um órgão

puramente administrativo ou a órgãos jurisdicionais ou se deviam ser

consideradas como actividade administrativa ou jurisdicional. Tal questão foi

muito debatida em várias doutrinas, sobretudo na italiana.

Segundo o mesmo Professor, estava há muito dada a resposta a esta

pergunta: “a realização efectiva e coerciva dos direitos deve ser confiada a

órgãos judiciais”(14). Tal não significaria, porém, considerar que a execução

tenha natureza jurisdicional, dado que os tribunais também têm actuações de

natureza administrativa, nomeadamente no domínio da chamada jurisdição

voluntária.

II. Em termos de Direito Comparado, prevalece de facto a solução de confiar

as execuções a tribunais judiciais. Pode considerar-se excepcional a solução

tradicional dos direitos escandinavos, nomeadamente do sueco, de confiar as

actividades de execução a órgãos administrativos, podendo eventualmente as

respectivas decisões ser impugnadas por meios administrativos.

13(?) Lições cit., pág. 24. Note-se que há processos de natureza declarativa dependentes de processos executivos: bastará referir a oposição do executado, o incidente de embargo de terceiro deduzido contra uma penhora, a oposição do executado à penhora de certos bens e o processo de reclamação e graduação de créditos.

14(?) Lições cit., pág. 25.

14

Simplesmente, nos sistemas jurídicos em que a execução forçada é

confiada aos tribunais e é considerada substancialmente jurisdicional,

aparecem-nos dois paradigmas diversificados (15):

- Um dos modelos é o da integral concentração da execução no

tribunal: todo o processo executivo desenrola-se perante o

tribunal comum, estando as actividades materiais de penhora de

bens móveis ou as actividades materiais ou jurídicas de

apreensão de imóveis, de penhora de créditos, de venda dos

bens penhorados confiadas a funcionários dos tribunais, a oficiais

de justiça dependentes do juiz. Como refere o Prof. TEIXEIRA DE

SOUSA, citando GAUL, “este modelo assenta na premissa,

adquirida durante a época do processo comum, de que a

apreciação realizada no processo declarativo e a coacção

exercida no processo executivo constituem uma unidade

inseparável (…)”(16). Trata-se do modelo que vigorou em Portugal

desde o tempo das Ordenações até à Reforma da Acção

Executiva de 2003 e, de um modo geral, é acolhida nos países de

tradição latino-americana;

- “O outro modelo é o da atribuição da função de execução a um

órgão não jurisdicional (huissier de justice, bailiff,

Gerichtsvollzieher), que fica sujeito à supervisão e ao controlo do

tribunal de execução: este modelo inspira a actual Reforma da

acção executiva [de 2003] e vigora em algumas ordens jurídicas

europeias (cfr. quanto à França, arts. L311-12 aL311-13 do Code

de l’organisation judiciaire, Ordonnance n.º 45.2592, de 2/11/1945

e Decreto n.º 56.222, de 29/2/1956 ; quanto à Alemanha, §753 da

Zivilprozessordnung ; quanto à Áustria, §17 a §24 da

Exekutionsordnung) (…). Segundo este modelo, a acção

15

(?) Veja-se sobre esta matéria J. Lebre de Freitas “Os Paradigmas da Acção Executiva”, in Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, págs. 787 e segs. (publicado na Revista da Ordem dos Advogados, ano 61 (2001), II, págs. 543 e segs.)16

(?) A Reforma da Acção Executiva, Lisboa, Lex, 2004, pág. 14.

15

executiva pertence ao âmbito da jurisdição e, por isso, não é

equiparável a um procedimento administrativo, mas os actos

executivos de carácter não jurisdicional – como, por exemplo, os

actos de apreensão e de venda de bens – deixam de ser

praticados pelo juiz de execução e passam a ser entregues a uma

entidade não jurisdicional.”(17)

III. Como se viu, a Reforma de 2003 passou a prever agentes de execução

que não eram funcionários judiciais, os solicitadores de execução (cfr. art.

808.º, n.º 2, na versão do Decreto-Lei n.º 38/2003 de 8 de Março). A Reforma

da Reforma da Acção Executiva, de 2008, eliminou a expressão “solicitador de

execução”, deixou de se referir aos funcionários judiciais como agentes de

execução e utiliza agora a expressão agente de execução que engloba

advogados e solicitadores que exercem funções de execução (art. 808.º, nos 1 e

4, na redacção do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro).

IV. No plano constitucional, foi apreciada, em processo da fiscalização

concreta, a questão da constitucionalidade do sistema de execução fiscal, que

é tradicionalmente confiado a serviços da Administração Fiscal (antigas

repartições de finanças: hoje repartições periféricas), embora as questões da

natureza jurisdicional sejam confiadas aos tribunais tributários.

No Acórdão n.º 331/92 (relator – Cons. BRAVO SERRA), considerou-se

não ser constitucionalmente censurável uma qualquer opção legislativa de que

não resultasse o esvaziamento do “núcleo essencial dos limites de

competências” atribuídos aos tribunais, no caso, aos tribunais fiscais.

Referindo-se ao Código de Processo Tributário de 1991, escreveu-se nesse

acórdão que não se verificava tal esvaziamento da chamada “reserva do juiz”

(caracterizada por este ter a primeira e a última palavra sobre a resolução dos

litígios)”:

17

(?) M. Teixeira de Sousa, A Reforma cit., pág. 14.

16

“Na realidade, ainda que se aceite que o processo de execução fiscal tal como é gizado no Código de Processo Tributário, assumiu, como o epitetou o despacho recorrido, uma «natureza administrativa», o que é certo é que nele se consagra que compete ao tribunal tributário de 1.ª instância (…) da área onde correr a execução decidir os incidentes, embargos, oposição, verificação e graduação de créditos, questões relativas à legitimidade dos responsáveis subsidiários, incluindo a culpa dos titulares de estabelecimento individual de responsabilidade limitada ou dos administradores, gerentes, pessoas que exerçam funções de administração, membros dos órgãos de fiscalização e revisores oficiais de contas das empresas e sociedades de responsabilidade limitada, e recursos das decisões proferidas pelos chefes de repartições de finanças e outras autoridades da administração fiscal que afectem os direitos e interesses legítimos dos executados.”(18)

É importante acentuar a relevância da noção de núcleo essencial dos

limites de competência atribuídas aos juízes, porque a ela teremos de recorrer

para aferir da conformidade constitucional de algumas soluções acerca da

desjudicialização do processo executivo, iniciada em 2003 e acentuada em

2008, e da possibilidade de intervenção de tribunais arbitrais voluntários no

processo executivo.

4. A EXECUÇÃO INDIVIDUAL E A EXECUÇÃO COLECTIVA

I. Embora não seja unívoca na nossa doutrina a distinção, por um lado,

entre execução individual e execução colectiva e, por outro, entre execução

singular e universal, iremos atender à distinção que é adoptada pelo Prof.

PESSOA JORGE quanto a estas classificações.

Pode dizer-se que, na distinção entre um modelo de execução individual e

um modelo de execução colectiva, está presente a questão do tratamento do

18(?) Acórdãos do Tribunal Constitucional, 23.º vol., pág. 427. Aí se deixou consignado que a solução legal tida por inconstitucional no tribunal a quo não o era porque deixava intocada e intocável a independência e imparcialidade dos juízes dos tribunais tributários, bem como a sua inamovibilidade, mantendo-se a garantia de não sujeição a ordens ou instituições de quem quer que fosse.

17

conflito de interesses entre o credor exequente e os demais credores do

executado.

O exequente tem interesse, - sendo a parte mais diligente que vai a

tribunal - em que os outros credores do executado não sejam chamados ao

processo por si instaurado na medida em que, assim, só ele terá a

possibilidade de ver satisfeitos os seus créditos. Os outros credores têm

interesse em ser chamados ao processo, pois só assim será assegurado o

princípio da igualdade dos credores comuns (par conditio creditorum).

PESSOA JORGE caracteriza assim os dois sistemas extremos:

“No primeiro sistema [execução individual], cada processo executivo serve apenas para realizar o direito do credor que toma a iniciativa dele; portanto, os outros credores não são chamados ao processo a fazer valer ou a acautelar os seus direitos, sofrendo o princípio da igualdade dos credores o desvio importantíssimo de ser primeiro pago quem primeiro conseguir aproveitar-se da acção executiva. Pelo sistema de execução colectiva, em qualquer acção executiva são sempre chamados todos os credores do executado, para fazerem valer os seus direitos em concurso com o exequente.”(19)

Entre estes dois sistemas extremos, aparecem soluções intermédias, de

tipo concursal, por exemplo, a de uma execução tendencialmente individual (ou

singular), em que são chamados apenas os credores privilegiados a reclamar

os seus créditos, de forma a que os bens possam ser vendidos livres de ónus

ou encargos.

II. Vale a pena ver a evolução do Direito português nesta matéria.

No Direito das Ordenações, só eram admitidos a exercer os seus direitos

em execução instaurada por terceiros contra o mesmo devedor os credores

19(?) Lições cit., págs. 32-33. Cfr. J. P. Remédio Marques Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2000, págs. 28 e segs. (este autor utiliza uma classificação trepartida ligeiramente diferente: execução individual, execução universal e execução mista ou concursal).

18

com privilégio ou hipoteca sobre os bens penhorados (Ordenações Filipinas,

Livro III, título 91).

A mesma solução passou para as Reformas Processuais do liberalismo

(cfr. Novíssima Reforma Judiciária de 1841, arts. 641.º e segs.)

No Código de Processo Civil de ALEXANDRE SEABRA (1876), previa-se

a citação dos credores privilegiados ou preferentes para intervirem na

execução e o concurso de credores era tratado como um incidente que só tinha

lugar havendo privilégio ou hipoteca sobre os bens arrematados em venda

executiva ou adjudicados ao exequente ou quando os bens do devedor não

chegassem para pagamento de todos os credores (art. 933.º).

Em 1932, com as reformas de ALBERTO DOS REIS durante a Ditadura

Militar, passou a existir, ao lado do processo especial de falência para

comerciantes, o processo especial de insolvência para os devedores não

comerciantes (Decreto n.º 21 758, de 22 de Outubro de 1932).

No Projecto de Código de Processo Civil de 1939, aparecia a solução

tradicional de só permitir o concurso de credores aos credores privilegiados.

Esta solução não se manteve e o sistema foi profundamente alterado em

relação ao passado.

A grande novidade do Código de 1939 foi a de abertura da entrada de

credores comuns no processo de reclamação e verificação dos créditos, na

execução movida contra o respectivo devedor. Escreve ALBERTO DOS REIS:

“A questão máxima foi esta: se devia abrir-se a porta do concurso aos credores comuns. O debate foi longo e cerrado; triunfou a opinião afirmativa, da qual se fez defensor acérrimo BARBOSA DE MAGALHÃES (…).

O Código admite ao concurso os credores comuns, sem que tenham necessidade de alegar e provar que o activo do executado é inferior ao passivo. A única diferença que estabelece entre os credores comuns e os privilegiados ou preferentes é esta: os credores comuns só são admitidos se os seus créditos estiverem vencidos; os privilegiados ou

19

preferentes podem concorrer, embora os seus créditos estejam por vencer (art. 865.º)” (20)

III. Esta solução não se manteve, porém, no Código vigente.

Ainda em vida de ALBERTO DOS REIS, foi nomeada pelo Ministro da

Justiça ANTUNES VARELA uma comissão para preparar a revisão do Código

então vigente. Os trabalhos prolongaram-se durante alguns anos, tendo tido

papel de destaque, no que toca ao processo executivo, EURICO LOPES

CARDOSO. Em 1961, foi publicado um novo Código de Processo Civil, que

mais não é do que uma edição alterada do anterior Código.

Mantendo a sistematização da acção executiva do anterior Código, a

grande inovação ocorre no que toca ao concurso de credores. Como refere o

preâmbulo do diploma que aprovou este Código (Decreto-Lei n.º 44 129, de 28

de Dezembro de 1961), o sistema do Código precedente assentava “sobre uma

ampla concursualidade da acção executiva que, sob esse aspecto, em pouco

se distingue, afinal, tanto da falência como da insolvência” (n.º 25.º). Ora,

alterou-se essa opção, tratando-se a acção executiva como tendencialmente

individual ou singular, passando o concurso a ter lugar de forma a garantir que

os credores com preferência pudessem exercer os seus direitos, de modo que

a venda executiva dos bens pudesse ser feita com expurgação dos direitos

reais menores que os onerem. Com tal solução, são “admitidos apenas os

credores, com garantia real sobre os bens penhorados, em separado” (n.º 26).

Uma outra inovação foi acolhida para permitir que, quando não fossem

excutidos todos os bens penhorados, os credores já graduados para serem

pagos pelos bens que não tivessem chegado a ser vendidos nem adjudicados,

assumissem a posição do exequente e renovassem a execução, embora sobre

esses bens somente, para obter pagamento do seu crédito.

IV. Deve notar-se que pode haver pluralidade de exequentes contra o mesmo

executado, em situações de litisconsórcio ou coligação, como veremos à frente.

20(?) Processo de Execução, 2.º vol., Coimbra, Coimbra Editora, 1954, pág. 253.

20

5. EXECUÇÃO SINGULAR E UNIVERSAL. O PROCESSO DE INSOLVÊNCIA

I. Em contraposição à anterior distinção ou classificação, a contraposição

entre execução singular e execução universal tem a ver com os bens que são

apreendidos no respectivo processo.

A execução é singular, numa das acepções do termo, se é penhorado um

bem ou bens determinados. A execução é universal se através dela se visa

uma apreensão global dos bens do devedor para ulterior venda.

II. De um ponto de vista histórico, no Direito romano mais antigo, a execução

tinha natureza universal pois, quando não era apreendida a pessoa do

devedor, eram apreendidos todos os seus bens para serem liquidados, de

forma a que o exequente visse satisfeito o seu crédito. Na evolução histórica do

Direito romano, deixou de ser frequente a apreensão da pessoa do devedor – e

que podia conduzir à respectiva morte pelo credor ou venda do devedor como

escravo – e, a certa altura, aparece a execução singular, em que só são

apreendidos certos bens do devedor, suficientes para satisfazer o crédito do

exequente.(21)

III. No Direito português, a execução é, em princípio singular, na medida em

que só devem ser penhorados os bens necessários ao pagamento da dívida

exequenda e das despesas previsíveis de execução (art. 821.º, n.º 3).

Já no processo de insolvência, regulado pelo Código de Insolvência e de

Recuperação de Empresas (CIRE – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de

1 de Março, alterado pelos Decretos-Lei nos 200/2004, de 18 de Agosto,

76-A/2006, de 29 de Março, 282/2007, de 7 de Agosto e 116/2008, de 4 de

Julho) prevê-se a liquidação universal do património do devedor declarado

insolvente. Dispõe o art. 1.º do CIRE.

21(?) Cfr. Pasquale Voci, voc. “Ezecuzione forzata – a) Diritto Romano”, in Enciclopedia del Diritto, vol. XV, D. A. Giuffré Edit., Varese, 1966, págs. 429-430.

21

“O processo da insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseia na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente.”

Ao processo da insolvência estão sujeitos não só os comerciantes

(pessoas singulares ou colectivas) mas também os não comerciantes (pessoas

singulares; associação sem personalidade jurídica e as comissões especiais;

as sociedades civis, as sociedades comerciais e as sociedades civis sob a

forma comercial antes do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem,

outros patrimónios autónomos, etc.) – art. 2.º do CIRE.

É considerado em situação da insolvência o devedor que se encontre

impossibilitado de cumprir as obrigações vencidas (art. 3.º, n.º 1, do CIRE). As

pessoas colectivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma

pessoa singular responde pessoal e ilimitadamente, por forma directa ou

indirecta, “são também considerados insolventes quando o seu passivo seja

manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas

contabilísticas aplicáveis” (art. 3.º, n.º 2, do CIRE; veja-se o n.º 3 que contém

excepções à anterior regra)(22).

IV. O processo de liquidação universal no processo de insolvência começa

pela “imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens

integrantes da massa insolvente “ (art. 149.º, n.º 1, CIRE), ainda que estes

tenham sido arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou

detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido

apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera

ordenação social, ou ainda que tenham sido objecto de cessão aos credores

(arts. 831.º e segs.). No caso de os bens terem sido vendidos, a apreensão tem

22(?) Remete-se para L. A. Carvalho Fernandes / J. Labareda, Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Lisboa, Quid Juris, 2008, págs. 71-79; L. Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2009, págs. 77 e segs.; Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, Coimbra, Almedina, 3.ª ed., 2008, págs. 11 e segs.

22

por objecto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos

credores ou entre eles repartido.

À apreensão dos bens e direitos segue-se a venda na insolvência:

“Transitada em julgado a sentença declarativa da insolvência e realizada a assembleia de apreciação do relatório, o administrador da insolvência procede com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente, independentemente da verificação do passivo, na medida em que a tanto se não oponham as deliberações tomadas pelos credores na referida assembleia” (art. 158.º, n.º 1, CIRE)

V. O Título XII do CIRE regula a insolvência de pessoas singulares,

dispondo o art. 235.º que, se o devedor for uma pessoa singular, “pode ser-lhe

concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem

integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores

ao encerramento desta nos termos das disposições do presente capítulo.”

VI. Vejamos como ALBERTO DOS REIS combinava a problemática da

execução individual ou colectiva e da execução singular ou universal, utilizando

uma terminologia menos acurada. Falando do Código do Processo Civil de

1939, escrevia o grande Processualista de Coimbra:

“O fundamento jurídico do concurso é o princípio de que o património do devedor é garantia comum de todos os credores. Promovida execução por um credor, chamam-se ou admitem-se a intervir os outros credores do executado, a fim de que a expropriação forçada dos bens do devedor não se realize em proveito exclusivo do exequente e com sacrifício dos direitos dos restantes credores.

A execução começou por ser singular; em consequência do concurso alargar-se, convertendo-se de singular em colectiva. Ao lado do exequente vêm colocar-se os credores concorrentes, que pretendem também a satisfação dos seus créditos à custa dos bens penhorados.

23

Lierman dá-nos uma imagem plástica do concurso nestes termos: a relação processual, que corria até então entre exequente e executado, abre-se do lado activo em forma de leque (…)

Mas na execução colectiva há que considerar duas modalidades:

a) A liquidação parcial;

b) A liquidação total ou universal.

A primeira espécie caracteriza-se assim: expropriam-se unicamente os bens penhorados e a expropriação aproveita somente aos credores que concorreram à execução.

A segunda espécie oferece estes traços: liquidam-se todos os bens do devedor e a liquidação faz-se em benefício de todos os seus credores.

No 1.º caso há uma execução limitada a determinado património do devedor e destinada à satisfação de certos créditos; no 2.º, há uma execução completa e universal de todo o património do devedor, destinada à satisfação de todas as dívidas do executado”(23)

6. TIPOS ADMISSÍVEIS DE ACTUAÇÕES COERCIVAS

I. Desde CHIOVENDA que costumam distinguir-se, no conjunto dos meio

executivos, os meios de coacção e os meios de sub-rogação.

São os meios de coacção os meios tendentes a exercer pressão sobre a

vontade do devedor, de modo a conseguir que ele pague a sua dívida. O meio

clássico, abolido entre nós com o Liberalismo, era a prisão por dívidas. O meio

de coacção admitido hoje pelo nosso Direito é a sanção pecuniária compulsória

(cfr. art. 829.º-A do Código Civil), que pode ser fixado no processo executivo

(art. 933.º, n.º 1, cfr- art. 805.º, n.º 3).

23(?) Processo de Execução cit., Ii, págs. 242-243.

24

São meios de sub-rogação “os meios pelos quais os órgão do Estado,

substituindo-se ao devedor, procuram, sem ou contra a vontade deste, dar

satisfação ao credor, isto é, conseguir-lhe o benefício que para ele

representaria o cumprimento da obrigação, ou um benefício equivalente. Tais

são a entrega da coisa devida, a penhora e a venda dos bens do devedor para

com o produto deste se embolsar o credor, a prestação do facto por outrem à

custa do devedor.(24)

II. As regras substantivas sobre a “realização coactiva da prestação”

constam dos arts. 817.º e seguintes do Código Civil, como se viu.

Em regra, procura-se no processo executivo a execução específica, isto

é, a obtenção pela exequente da prestação não cumprida voluntariamente pelo

executado. O art. 827.º do Código Civil prevê que, se a prestação consistir na

entrega de coisa determinada, o credor tem a faculdade de requerer, em

execução, que a entrega lhe seja feita, mesmo contra a vontade do executado.

Na prestação de facto fungível, o credor da prestação tem a faculdade de

requerer, em execução, que o facto lhe seja prestado por outrem à custa do

devedor (art. 828.º).

Simplesmente, se a coisa não for encontrada pelo agente de execução ou

se o credor da prestação de facto fungível optar pela indemnização do dano

sofrido com a não realização da prestação, terá então de se seguir uma forma

de execução não específica, penhorando-se e vendendo-se bens para com o

seu produto ser ressarcido o credor exequente (conversão da execução).

7. A EXECUÇÃO NO DIREITO PORTUGUÊS: EVOLUÇÃO HISTÓRICA ATÉ AO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL DE 1939

I. A execução foi, no Direito português, confiada desde a Idade Média aos

tribunais, fazendo-se sentir lentamente a influência do Direito romano, na sua

fase última da evolução, recolhida na compilação justinianeia.24(?) Alberto dos Reis, Processo de Execução cit., O, pág. 24; ver ainda F. Pessoa Jorge, Lições cit., págs. 38-40.

25

Por regra, o título executivo era uma sentença judicial, embora no Direito

intermédio tivessem surgido títulos executivos não judiciais, constantes de

documentos notariais. A par da sentença judicial, eram títulos executivos a

sentença arbitral e a própria confessio iutris (reconhecimento solene da dívida

perante notário ou no tribunal).

No direito medieval, aparece uma solução que prescinde da necessidade

de repetição da acção declarativa, em caso de impugnação pelo executado do

título executivo:

“…reafirma-se o princípio da necessidade de cognição prévia, em processo judicial contraditório, mas passa a entender-se que a sentença de execução tem executio parata, não sendo portanto necessário retomar a discussão da existência do direito através da actio judicati [solução tradicional romana]. Esta só se mantinha em certos casos, nomeadamente quando se tratava de obter a liquidação prévia da execução (…)”(25)

Antes do liberalismo, admitia-se como meio de coacção, de natureza

compulsória, a prisão do devedor e, no processo executivo, permitia-se a

intervenção dos credores privilegiados do executado, nomeadamente os

credores hipotecários.

II. Depois do liberalismo, adopta-se um modelo de execução

tendencialmente singular, aparecendo a execução universal quanto aos

comerciantes em estado de falência (o primeiro Código de Falências é de

1895).

No primeiro Código de Processo Civil, elaborado em 1876 a partir de um

projecto de ALEXANDRE SEABRA, aparecem como títulos executivos, a par

das cartas de conciliação e das sentenças, as escrituras públicas das quais

constasse algum crédito, “que se mostre vencido pelas mesmas escrituras, ou

por documento a que se refiram, em ambos os casos somente com relação às

25(?) Pessoa Jorge, Lições, pág. 30.

26

pessoas que nelas se obrigaram”. Ao lado destes títulos regidos pelo Direito

privado, eram ainda títulos executivos ou exequíveis os documentos de

cobrança de impostos, ou de outros créditos da fazenda nacional, a que as leis

dessem força executiva (art. 798.º).

III. A modernização do processo civil português inicia-se em 1926 com as

primeiras reformas da Ditadura Militar em processo civil, preparadas por

ALBERTO DOS REIS.

Já vimos que em 1932 aparece um processo de liquidação universal de

bens para os não comerciantes, o processo de insolvência, o qual vem a ser

integrado no Código de Processo Civil de 1939, a par do da falência.

Em todo o século XIX e durante a vigência dos Códigos de Processo Civil

de 1939 e de 1961 (até à Reforma da Acção Executiva) o paradigma adoptado

era o de uma execução que corria sempre perante os tribunais judiciais, sendo

os actos materialmente executivos levados a cabo por funcionários judiciais,

sob a supervisão do juiz.

8. O MODELO DOS CÓDIGOS DE 1939 E DE 1961, COM AS REFORMAS ANTERIORES A 2003. O MOVIMENTO DE PROLIFERAÇÃO DOS TÍTULOS EXECUTIVOS

I. O Código de Processo Civil de 1939 foi elaborado a partir de um projecto

preparado por ALBERTO DOS REIS e discutido no seio de uma comissão

revisora presidida pelo Ministro da Justiça MANUEL RODRIGUES.

Em matéria de processo executivo pode detectar-se uma linha de

continuidade com o Código precedente.

O projecto preparado partia das soluções do Código vigente e de uma

reelaboração em termos do Direito Comparado.

27

A grande novidade do Código de 1939 em relação ao precedente foi,

como se viu, a abertura da entrada dos credores comuns no processo de

reclamação e verificação de créditos.

“A questão máxima foi esta: se devia abrir-se a porta do concurso aos credores comuns. O debate foi longo e cerrado; triunfou a opinião afirmativa, da qual se fez defensor acérrimo BARBOSA DE MAGALHÃES (…).

O Código admite ao concurso os credores comuns, sem que tenham necessidade de alegar e provar que o activo do executado é inferior ao passivo. A única diferença que estabelece entre os credores comuns e os privilegiados ou preferentes é esta: os credores comuns só são admitidos se os seus créditos estiverem vencidos; os privilegiados ou preferentes podem concorrer, embora os seus créditos estejam por vencer (art. 865.º)” (26)

Pode dizer-se que o paradigma do Código de 1939 é inspirado no do

Código de 1876. Todos os actos materialmente executivos são levados a cabo

pelos funcionários do tribunal (oficiais de Justiça), sob a supervisão do

respectivo juiz.

Relativamente à sistematização, o Código de 1939 regula a matéria dos

pressupostos processuais no Livro I, consagrado à Acção. O Título II desse

Livro é dedicado à acção executiva, sendo regulados sucessivamente os títulos

executivos e as partes. No que toca às partes, regula-se em especial a matéria

da legitimidade, estabelecendo-se a regra de que a execução tem de ser

promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor, devendo ser

instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor (art. 55.º).

O processo executivo comum, por seu turno, é tratado no Livro III do Código

(arts. 801.º a 943.º).

O elenco dos títulos executivos é mais amplo do que o do Código anterior.

O art. 46.º contempla as sentenças de condenação, os autos de conciliação, os

documentos autênticos notariais (escrituras públicas) e os escritos particulares

em geral (letras, livranças, cheques, extractos de factura, vales, facturas

26(?) Processo de Execução, 2.º vol., Coimbra, Coimbra Editora, 1954, pág. 24.

28

conferidas e “quaisquer outros escritos particulares assinados pelo devedor,

dos quais conste a obrigação de pagamento de quantias determinadas” – n.º 4

deste artigo) e, por último, “os títulos a que por disposição especial for atribuída

força executiva”. Deve notar-se que os escritos particulares só eram

considerados títulos executivos se tivessem as assinaturas do devedor de

quantias pecuniárias legalizadas por notário, através de reconhecimento (salvo

se se tratasse de extracto de factura). O reconhecimento por semelhança da

assinatura era exigido para os títulos de valor pecuniário mais baixo (até dez

mil escudos), exigindo-se para os outros títulos particulares de valor mais

elevado o reconhecimento presencial da assinatura (art. 52.º). Na sequência da

solução, já consagrada no Código precedente, estabelecia-se que “as

escrituras de abertura de crédito, de contrato de fornecimento e quaisquer

outras em que se convencionem prestações futuras podem servir de base à

execução, desde que se mostre, por documento passado em conformidade

com a escritura ou revestido de força probatória segundo a lei, que em

cumprimento do contrato foi efectivamente prestada alguma quantia, realizado

algum fornecimento ou feita alguma prestação” (§ único do art. 51.º)(27).

O processo executivo comum, regulado no Livro III deste Código, previa

oito modalidades de tramitação, consoante a finalidade da execução e o valor

do processo ou, ainda, a natureza do título executivo. As execuções para

pagamento de quantia certa e para entrega de coisa certa conheciam as

formas ordinária, sumária e sumaríssima. A execução para prestação de facto

só conhecia duas formas, a ordinária e a sumária. Dispunha o art. 474.º do

diploma que estavam sujeitas à forma ordinária as execuções cujo valor

excedesse a alçada da Relação. A forma sumária seria utilizada para as

execuções “fundadas em sentenças proferidas em acções de processo

sumário”, fosse qual fosse o valor do pedido, e as fundadas noutros títulos

quando o valor do pedido estivesse dentro da alçada da Relação. Por último,

estavam sujeitas à forma sumaríssima as execuções fundadas em sentenças

proferidas em acções de processo sumaríssimo. Não havia, por isso, execução

para prestação de facto sumaríssima porque, na acção declarativa 27(?) Sobre os títulos executivos em geral, remete-se para Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, I, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1948, págs. 150-179; e, do mesmo Autor, Comentário ao Código de Processo Civil, I, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1960, págs. 62-89.

29

sumaríssima, nunca se podia condenar o réu numa prestação de facto, positivo

ou negativo (art. 471.º, corpo).

A tramitação paradigmática era a do processo comum para pagamento de

quantia certa, na forma ordinária (arts. 811.º a 923.º). O art. 801.º determinava

que eram aplicáveis “ao processo de execução as disposições que regulam o

processo de declaração, quando a aplicação se torne necessária e não

contrarie o disposto neste título”.

Após a citação do executado para pagar ou nomear bens à penhora (art.

811.º), previa-se que este podia ainda opor-se à execução, através de

embargos de executado ou de simples requerimento (art. 812.º). Regulava-se

em seguida a matéria da penhorabilidade de bens ou direitos e a penhora,

estabelecendo-se a regra de que só o património podia ser objecto de

execução, estando em regra sujeito à execução “todo o património do devedor

e unicamente esse património” (art. 821.º).

Seguia-se a convocação dos credores e a verificação dos créditos (arts.

864.º a 871.º). Estabelecia-se a regra fundamental de que, “pendendo mais do

que uma execução sobre os mesmos bens, sustar-se-á aquela em que a

penhora tiver sido efectuada posteriormente e o exequente irá deduzir os seus

direitos ao processo em que os bens tiverem sido penhorados em primeiro

lugar”(art. 871.º), sustando-se a execução quanto aos bens já penhorados

noutro processo.

Previa-se, depois, a fase de pagamento, com várias modalidades,

avultando pela sua importância a venda executiva (arts. 882.º a 911.º),

regulando-se detalhadamente os casos em que o comprador podia pedir a

rescisão da venda ou indemnização (art. 908.º) ou em que a venda ficava sem

efeito (art. 909.º).

A tramitação contemplava ainda as vicissitudes de extinção e anulação da

execução e os recursos.

No processo sumário, eram encurtados os prazos da oposição e o regime

dos recursos seguia o do processo declarativo sumário.

30

No processo sumaríssimo, “proferida a sentença e liquidadas as custas,

se o réu não pagar dentro de dez dias estas e a dívida, proceder-se-á logo à

penhora, independentemente de citação” (art. 927.º), podendo o executado

deduzir embargos em prazo curto, após a penhora.

Nas execuções para entrega de coisa certa e para prestação de facto só

se regulavam as especialidades decorrentes dos tipos das pretensões

exequendas, sendo certo que qualquer destas modalidades de execução se

podia converter, em certas situações, numa execução para pagamento de

quantia certa (cfr. arts. 931.º e 934.º).

II. O Código de 1939 foi substituído pelo Código de 1961

Ainda em vida de ALBERTO DOS REIS, foi nomeada pelo Ministro da

Justiça ANTUNES VARELA uma comissão para preparar a revisão do Código

então vigente. Os trabalhos prolongaram-se durante alguns anos, tendo tido

papel de destaque, no que toca ao processo executivo, EURICO LOPES

CARDOSO. Em 1961, foi publicado um novo Código de Processo Civil, que

mais não é do que uma edição alterada do anterior Código.

Mantendo a sistematização da acção executiva do anterior Código, a

grande inovação ocorre no que toca ao concurso de credores. Como refere o

preâmbulo do diploma que aprovou este Código (Decreto-Lei n.º 44 129, de 28

de Dezembro de 1961), o sistema do Código precedente assentava “sobre uma

ampla concursualidade da acção executiva que, sob esse aspecto, em pouco

se distingue, afinal, tanto da falência como da insolvência” (n.º 25.º). Ora,

alterou-se essa opção, tratando-se a acção executiva como tendencialmente

singular, passando o concurso a ter lugar de forma a garantir que os credores

com preferência pudessem exercer os seus direitos, de modo que a venda

executiva dos bens pudesse ser feita com expurgação dos direitos reais

menores que os onerem. Com tal solução, são “admitidos apenas os credores,

com garantia real sobre os bens penhorados, em separado” (n.º 26). Uma outra

inovação foi acolhida para permitir que, quando não fossem excutidos todos os

bens penhorados, os credores já graduados para serem pagos pelos bens que

não tivessem chegado a ser vendidos nem adjudicados, assumissem a posição

31

do exequente e renovassem a execução, embora sobre esses bens somente,

para obter pagamento do seu crédito.

Num plano de carácter não estrutural, foram consagradas em 1961

algumas soluções tidas por mais céleres e simplificadoras do que as da lei

anterior(28).

No elenco dos títulos executivos, desaparecem os autos de conciliação e,

em vez de escrituras públicas, passa a falar-se de documentos autênticos

extra-oficiais, e, quanto aos documentos particulares, atribui-se a

exequibilidade não só àqueles dos quais conste a obrigação de pagamento de

quantias determinadas, como também dos que prevêem a obrigação de

entrega de coisas fungíveis.

III. Na sequência da publicação e entrada em vigor do Código Civil de 1966 –

o qual, como se referiu, regula os aspectos substantivos da realização coactiva

da prestação(29) – o Código de Processo Civil de 1961 foi objecto de uma

alteração destinada a adequar este último às regras inovatórias constante do

primeiro (Decreto-Lei n.º 47 690, de 11 de Março)(30).

28(?) Transcrevem-se do preâmbulo do diploma referido os pontos inovatórios tidos por mais relevantes:“Assim, desaparece o preliminar de habilitação criado pelo artigo 56.º do Código vigente. A habilitação inicial é pura questão de legitimidade, que passa a resolver-se como todos os problemas relativos a esse pressuposto processual.Completa-se a regulamentação concernente à fase introdutória da liquidação.Suprime-se a oposição por simples requerimento, que se mostrou inútil e não isenta de riscos.Corrigem-se os defeitos do regime da execução sobre bens do cônjuge para pagamento de dívidas comerciais ou fundadas na responsabilidade especial por acidente de viação.Atribui-se ao exequente a faculdade de convolar na execução para outros bens quando a penhora dos primeiros for embargada ou quando sobre eles incida penhora anterior.Completa-se também a disciplina da execução sumaríssima e, atendendo à possibilidade de ela ser instaurada no tribunal municipal cuja competência é limitada ao processo sumaríssimo, determina-se que os respectivos embargos de executado sigam essa forma de processo.” (n.º 26).29

(?) Remete-se para A. Vaz Serra, que foi o autor do primeiro trabalho preparatório que está na origem desta Secção, “Realização coactiva da prestação (execução) (regime civil)”, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 73, págs. 31 e segs.30

(?) Sobre tais alterações, consulte-se E. Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, edição apresentada por Antunes Varela e que corresponde à 3.º ed. de 1964, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da moeda, 1987, págs. 777 e segs. (Aditamento de 1967).

32

IV. Com a Revolução de 25 de Abril de 1974, seguiu-se um período de

instabilidade política que durou até à entrada em vigor da Constituição da

República Portuguesa de 1976.

Logo no ano seguinte, veio a ser revisto o Código de Processo Civil,

visando-se eliminar certos preceitos supervenientes inconstitucionais, como

sucedia com a prisão compulsória do depositário de bens penhorados no

processo de execução que se recusava a entregá-los (cfr. Decreto-Lei n.º

368/77, de 3 de Setembro).

V. Logo em 1977, o Decreto-Lei n.º 533/77, de 30 de Dezembro, alterou as

condições de exequibilidade dos títulos particulares.

Na versão primitiva do Código de Processo Civil de 1961 – na linha do

estabelecido já no Código antecedente – exigia-se o reconhecimento da

assinatura do devedor em todos os documentos particulares, salvo no extracto

de factura. O reconhecimento era por semelhança, no caso de a execução ter

por fim o pagamento da quantia certa e o montante da dívida constante do

título não exceder a alçada do tribunal da comarca. Nos restantes casos,

exigia-se o reconhecimento presencial da assinatura do devedor.

A partir de 1977, deixou de se exigir reconhecimento de assinatura do

devedor nos títulos cambiários (letras, livranças e cheques) quando o montante

da dívida constante do título fosse igual ou inferior à alçada da Relação (na

época, 200 contos). Nos restantes casos de títulos cambiários com valores

acima da alçada da Relação, exigia-se o reconhecimento por semelhança da

assinatura do devedor. Ficou, assim, muito facilitada a execução de títulos

cambiários, medida legislativa que beneficiou muito os bancos nacionalizados,

portadores de títulos cambiários.

A chamada Reforma Intercalar de 1985 (Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de

Julho) eliminou a exigência de qualquer reconhecimento notarial para a plena

exequibilidade dos títulos cambiários (letras, livranças e cheques).

A partir de 1 de Janeiro de 1997, com a entrada em vigor da Revisão de

1995-1996, deixou de se exigir qualquer reconhecimento notarial de assinatura

33

do devedor nos documentos particulares, salvo no que toca aos escritos

particulares com assinatura a rogo (art. 51.º). Por outro lado, passou a permitir-

se a exequibilidade de títulos particulares não só pecuniários, como daqueles

de que consta a obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestações de

facto.

VI. Completou-se, assim, a evolução da problemática da exequibilidade de

documentos particulares, podendo afirmar-se que Portugal é um dos países da

Europa que mostra maior generosidade na atribuição da qualidade de título

executivo aos documentos particulares não legalizados que importem

constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja

determinado ou determinável nos termos do art. 805.º, ou de obrigação de

entrega de coisas móveis, ou de prestação de facto.

VII. O Código de Processo Civil de 1961 sofreu uma primeira remodelação

profunda nos anos de 1995 e de 1996, que ficou conhecida como Revisão do

Código de Processo Civil. A nova versão entrou em vigor em 1 de Janeiro de

1997 e inovou em profundidade a matéria dos pressupostos processuais e da

acção declarativa, tendo as modificações no domínio do processo executivo

sido menos profundas. Tal Revisão consta dos Decretos-Lei nos 329-A/95, de

12 de Dezembro, e 18/96, de 25 de Maio.

Esta revisão foi antecedida por uma tentativa de elaboração de um novo

Código de Processo civil preparado por uma comissão presidida pelo Prof.

ANTUNES VARELA, não tendo chegado a entrar em vigor o Projecto de 1990,

republicado em 1993 como Anteprojecto, e que foi abandonado pelo Ministro

da Justiça LABORINHO LÚCIO.

Esta Revisão não alterou de forma profunda o processo executivo.

No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, afirma-se que é “geralmente

reconhecida a imperiosa necessidade de proceder a uma reformulação

substancial do processo executivo que nos rege, com vista a conferir-lhe a

eficácia que a realização prática dos direitos já reconhecidos exige, sendo

34

efectivamente numerosos os escolhos que obstam ou dificultam seriamente a

que o titular de um direito, mesmo que judicialmente reconhecido, consiga, com

brevidade e eficácia, realizá-lo coercivamente”. O legislador confessava que

era muito mais difícil remodelar o processo executivo do que o declarativo,

reconhecendo dever aguardar-se “um maior amadurecimento do debate acerca

das possíveis soluções legais a implementar”.

Mesmo assim, as alterações introduzidas foram numerosas e de

relevância prática, muito embora o legislador se recusasse a abandonar o

modelo de execução tendencialmente singular, sem deixar de reconhecer a

procedência das críticas ao modelo concursal restrito consagrado pelo Código

de 1961, dada a evidente quebra da par conditio creditorum, isto é, do princípio

da igualdade dos credores comuns quanto às suas expectativas de ser pagos

pelo património do devedor.

No que toca à tramitação, o legislador de 1995-1996 eliminou a distinção

em função do valor das formas ordinária e sumária, extinguindo a forma

sumaríssima do processo executivo, embora mantivesse a tripartição em

função de fim prosseguido pela acção executiva (acção executiva para

pagamento de quantia certa, para entrega de coisa certa e para prestação de

facto). Passou a sujeitar à forma ordinária, na execução para pagamento de

quantia certa, todos os pedidos baseados em títulos não judiciais,

independentemente do seu valor. A forma sumária ficou reservada para a

execução de sentenças condenatórias que não carecessem de ulterior

liquidação, ainda que pendente de recurso com efeito meramente devolutivo

(art. 924.º). Na tramitação da forma sumária, o direito de nomeação de bens à

penhora pertencia exclusivamente ao exequente, sendo a citação do executado

feita só após a efectivação da penhora. Em qualquer das formas, existia

sempre despacho liminar do juiz (art. 925.º).

Admitia-se a possibilidade de execução pelo Ministério Público da

sentença proferida em acção declarativa sumaríssima, se o réu não pagasse a

dívida e as custas nos 10 dias seguintes à notificação da conta, mantendo o

mecanismo da versão primitiva do Código (art. 927.º).

35

Relativamente aos títulos executivos particulares, houve uma dispensa de

requisitos formais e uma ampliação do tipo de pretensões que podiam fundar a

acção executiva, nos termos referidos.

Relativamente à tramitação, na fase introdutória ampliaram-se os casos

em que o requerimento executivo podia ser indeferido liminarmente, de forma

total ou parcial, e passou a admitir-se com amplidão a possibilidade de

aperfeiçoamento do requerimento inicial. No que toca à oposição por

embargos(31), manteve-se o juízo sobre a sua admissibilidade a viabilidade e

procedeu-se à revisão global dos efeitos cominatórios da falta ou insuficiência

da contestação dos embargos.

No que toca à penhora, procurou-se dar alcance prático ao princípio da

cooperação, prevendo-se que o tribunal deveria prestar o auxílio possível ao

exequente, quando este justificadamente alegasse e demonstrasse existirem

dificuldades sérias na identificação ou localização de bens penhoráveis do

executado. Previa-se igualmente a existência de um dever de informação sobre

a existência de bens a cargo do executado. Em matéria de penhorabilidade, a

Revisão de 1995-1996 procurou acolher as soluções constitucionalmente

adequadas, face à jurisprudência do Tribunal Constitucional na matéria.

Criou-se uma forma específica da oposição incidental do executado à

penhora, quando sustentasse a sua ilegalidade.

Na fase de pagamento e por influência das execuções fiscais, acolheu-se

a possibilidade de pagamento em prestações da dívida exequente. Privilegiou-

se a modalidade da venda executiva judicial mediante propostas em carta

fechada, por influência do processo executivo fiscal.

Pode afirmar-se que, embora modesta no que toca ao processo

executivo, a Revisão de 1995-1996, sem romper como o paradigma tradicional

do processo executivo português, procurou racionalizar e moralizar soluções

herdadas no que toca sobretudo à oposição à execução, à oposição à penhora,

e às modalidades da venda executiva.

31(?) Hoje já não é usada pela versão actual do Código a expressão “embargo de executado”, sendo antes usada a de “oposição á execução” (arts. 813.º a 819.º).

36

A verdade é que esta Reforma não teve impacto no que respeita a

aceleração e eficácia do processo executivo.

A solução de reconduzir à forma ordinária todas as execuções baseadas

em títulos extrajudiciais, independentemente do valor do pedido executivo, foi

objecto de crítica generalizada, entendendo-se que deveria haver uma

tramitação mais simples para as pequenas dívidas.

Veio, assim, a ser publicado o Decreto-Lei n.º 274/97, de 8 de Outubro,

que criou uma execução sumária simplificada para os títulos extrajudiciais.

Segundo o art. 1.º deste diploma, “a execução para pagamento de quantia

certa, baseada em título que não seja decisão judicial condenatória, segue,

com as necessárias adaptações, os termos do processo sumário, desde que se

verifiquem os seguintes requisitos: a) ser a execução de valor não superior ao

fixado para a alçada do tribunal de1.ª instância; b) recair a penhora sobre bens

móveis ou direitos que não tenham sido dados de penhor, com excepção do

estabelecimento comercial.”

Neste processo especial, havia, pois, inversão entre o momento da

penhora e da citação.

O art. 2.º estabelecia que, nas execuções para pagamento de quantia

certa, em que se verificassem os requisitos constantes do artigo anterior não

seria, em regra, admitida a reclamação de créditos(32).

9. A REFORMA DA ACÇÃO EXECUTIVA DE 2003 E A PRIMEIRA ALTERAÇÃO DE 2008 (A REFORMA DA REFORMA DA ACÇÃO EXECUTIVA)

I. A Reforma de 2003 da Acção Executiva consta, fundamentalmente, do

Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, diploma alterado pelo Decreto-Lei n.º

32(?) Sobre o processo de execução após a revisão de 1995-1996, vejam-se as obras J. P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Coimbra, Almedina, 2000; Lebre de Freitas, A Acção Executiva à Luz do Código Revisto, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1997; Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lisboa, Lex, 1998; C. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, 1.ª ed., Coimbra, Almedina, 1999.

37

199/2003, de 10 de Setembro. Tais diplomas tiveram uma intervenção decisiva

na sua redacção do Prof. LEBRE DE FREITAS.

Ambos os diplomas entraram em vigor em 15 de Setembro de 2003, só se

aplicando o novo regime legal aos processos executivos instaurados após essa

data. Apenas os regimes relativo ao registo informático das execuções e ao

seu acesso e consulta pelos interessados foram mandados aplicar aos

processos pendente naquela data (art. 16.º do Decreto-Lei n.º 201/2003, de 10

de Setembro). Igualmente o art. 21.º, n.º 3, do Decreto-lei n.º 38/2003, mandou

aplicar o novo regime de liquidação prévia, em incidente declarativo, de

condenações genéricas aos processos declarativos pendentes em 15 de

Setembro de 2003.

II. A Reforma de 2003 contínua substancialmente em vigor, não obstante ter

já sofrido uma extensa reforma em 2008, apelidada por LEBRE DE FREITAS

de “Reforma da Reforma da Acção Executiva” (Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20

de Novembro), sendo certo que estas alterações de 2008 entraram em vigor

em 31 de Março de 2009 mas são aplicáveis “apenas aos processos iniciados

após a sua entrada em vigor, salvo o disposto no n.º 6 do artigo 833.º-B, na

alínea c) do n.º 1 do artigo 919.º e no n.º 5 do artigo 920.º, que se aplica aos

processos pendentes à data da sua entrada em vigor, nos termos do n.º 5 do

artigo 20.º” – art. 22.º, n.º 1)(33).

III. Abordar-se-á, em primeiro lugar, a versão originária da Reforma de 2003,

procurando surpreender as linhas mestras da mesma.

Deve notar-se que as disposições do Código de Processo Civil, na versão

da Revisão de 1995-1996, foram alteradas pontualmente, embora tais

alterações hajam sido extensas, na medida em que o legislador, mantendo

embora inalterada a sequência da tramitação da acção executiva que remonta

ao Código de 1939, mudou o paradigma tradicional da acção executiva entre

nós.

33(?) Ob cit., pág. 7, nota (1).

38

De facto, em termos de Direito Comparado, coexistem três modelos

alternativos, um de execução puramente administrativa, que aparece em

países escandinavos, um de execução concentrada no tribunal judicial (que era

o modelo português até 2003 e que é ainda o modelo vigente nos países de

tradição latino-americana) e, finalmente, um modelo misto em que se confia a

função material de execução a um órgão não jurisdicional (é o caso do huissier

de justice em França ou ainda do Gerichtsvollzieher germânico ou do bailiff

anglo-americano) (34).

A Reforma de 2003 pôs termo à solução de concentração no tribunal

judicial de toda a actividade executiva, a qual decorria sempre sob a direcção

do juiz, passando a Reforma a distinguir os actos jurisdicionais relativos à

acção executiva que são postos a cargo do juiz de execução, e os actos

executivos materiais de apreensão de bens ou de penhora de direitos e de

venda dos bens e direitos penhorados que são levados a cabo por um agente

de execução, em princípio, um solicitador de execução, profissional liberal que

não tem a qualidade de entidade jurisdicional. Tal solução é generalizadamente

tida como conforme à Constituição.

Esta novidade de afastar, em linha de princípio, os oficiais de justiça das

tarefas executivas – embora mantendo uma competência residual – entregando

tais tarefas a profissionais liberais, permite falar de uma desjudicialização,

desjurisdicionalização ou privatização da acção executiva. Segundo escreve

TAVARES DE SOUSA, “a reforma agora empreendida apresenta o mérito de

procurar romper com o estado de coisas anterior, através de medidas

destinadas a libertar os tribunais de actos que fracassavam por falta de meios

logísticos adequados, atribuindo-se aos agentes de execução, em regra

solicitadores especializados, uma parte das competências antes pertencentes a

juízes e oficiais de justiça. A par desta «privatização» da competência para a

prática de actos executivos, a intervenção legislativa recaiu sobre dois outros

pontos onde se centravam os maiores entraves à funcionalidade do processo 34

(?) Sobre estes três modelos ou paradigmas remete-se para Teixeira de Sousa, ob cit., pág. 14. Ver ainda Lebre de Freitas, “Os paradigmas da acção executiva,” in Estudos de Direito Civil e Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, págs. 787 e segs.; do mesmo Autor, “A Reforma do Processo Executivo”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 62.º, 2002, II, págs. 731-757.

39

executivo: a dificuldade de conhecer com exactidão e em tempo útil a situação

patrimonial do executado e, também, as demoras causadas pela citação edital

dos credores com direitos reais de garantia não sujeitos a registo sobre os

bens penhorados”(35).

Para aumentar a eficácia da Reforma de 2003, previu-se a criação de

tribunais especializados nas principais comarcas do País com competência

para as acções executivas (juízos de execução). Por outro lado, privilegiou-se a

utilização da informática, devendo o exequente apresentar o seu requerimento,

organizado segundo um modelo aprovado pelo Ministério da Justiça, através

de suporte digital, embora subsistisse um modelo em suporte de papel

(Decreto-Lei n.º 200/2003, de 10 de Setembro). Sempre, porém, que o

exequente estivesse representado por mandatário (independentemente de o

patrocínio ser obrigatório ou facultativo), teria de ser utilizado o modelo

digitalizado, sob pena de incorrer em multa. O Decreto-Lei n.º 204/2003,

estabeleceu um regime especial para as custas judiciais na acção executiva.(36)

A Reforma de 2003 obedeceu a certas linhas orientadoras que são postas

em relevo por TEIXEIRA DE SOUSA, nos seguintes termos: “desjudicialização”

do procedimento de execução, efectividade das medidas de execução,

acentuação do favor creditoris, imposição de responsabilidade do exequente

por execuções indevidas, ampliação do dever de cooperação do executado e

preocupação com a transparência patrimonial.(37)

No que toca à desjudicialização do procedimento, o art. 808.º, n.º 1,

passou a prever que “cabe ao agente de execução, salvo quando a lei

determine diversamente, efectuar todas as diligências do processo de

execução, incluindo citações, notificações e publicações, sob controlo do juiz,

nos termos do n.º 1 do artigo seguinte.” Existem agentes de execução de dois

tipos: os solicitadores de execução, profissionais liberais inscritos na Câmara

de Solicitadores, a título principal; “não havendo solicitador de execução

35(?) Nota à 8.ª edição do Código de Processo Civil da Coimbra Editora (2003), pág. 4.36

(?) Vejam-se ainda as Portarias n.º 233/2003, de 17 de Março e 985-C/2003, de 15 de Setembro.

37(?) Cfr. do Autor, “Aspectos Gerais da Reforma da Acção Executiva”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 4 (2003), págs. 3 e 25, reproduzido com alterações no §1.º de obra citada “A Reforma da Acção Executiva”, págs. 9-45.

40

inscrito no círculo ou ocorrendo outra causa de impossibilidade, são essas

funções, com excepção das especificamente atribuídas ao solicitador de

execução, desempenhadas por oficial de justiça, determinado segundo as

regras da distribuição” (art. 808, n.º 2). Só nas execuções por custas é que se

previa que o agente de execução fosse sempre um oficial de justiça (art. 808.º,

n.º 3).

Após a sua designação pelo exequente ou pela secretaria, o solicitador de

execução só podia “ser destituído por decisão do juiz de execução,

oficiosamente ou a requerimento do exequente, com fundamento em actuação

processual dolosa ou negligente ou em violação grave do dever que lhe seja

imposto pelo respectivo estatuto, o que será comunicado à Câmara dos

Solicitadores” (art. 808.º, n.º 4).

Ao juiz de execução compete, “sem prejuízo do poder geral do controlo do

processo e de outras intervenções especificamente estabelecidas” (art. 809.º,

n.º 1), proferir despacho liminar, quando deva ter lugar, julgar a oposição à

execução e à penhora, bem como verificar e graduar os créditos, no prazo

máximo de três meses contados da oposição ou reclamação, julgar a

reclamação de actos do agente de execução, no prazo de cinco dias, e ainda

decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou

por terceiros intervenientes, no prazo de cinco dias. O n.º 2 do art. 809.º

estabeleceu que, quando o requerimento da parte fosse manifestamente

infundado, podia o juiz aplicar multa.

Como nota TEIXEIRA DE SOUSA, “uma consequência geral do novo

regime definido para a acção executiva é a de que é admissível que uma

execução corra totalmente sem que nela se chegue a verificar qualquer

intervenção do juiz de execução (mas, naturalmente, sem que se dispense que

o requerimento executivo deva ser entregue no Tribunal competente)” (38). A

verdade é que a Reforma da Reforma da Acção Executiva permite que, em

casos deste tipo, a execução corra praticamente sem qualquer intervenção do

juiz ou da secretaria.

38(?) Ob cit., pág. 19.

41

Em termos de efectividade da execução e de uma maior eficácia e

celeridade deste processo foram consagradas várias soluções, quer no que

toca à dispensa de despacho liminar do juiz em certos casos (art. 812.º-A, n.º

1) ou de dispensa legal da citação do executado, de restrição de

admissibilidade da reclamação de créditos com base em privilégios creditórios

gerais, eliminação da ordem de penhora de certos bens, deveres de

informação a cargo do agente de execução, etc.(39).

A acentuação do favor creditoris aparece seja no que toca à atribuição do

efeito devolutivo, como regra, nos recursos de apelação interpostos de

sentenças proferidas em processos declarativos ordinários (art. 692.º, n.º 1), a

possibilidade de obtenção de título executivo contra o cônjuge que não

subscreve o documento extrajudicial dado à execução (art. 825.º, nos 2 e 6), a

possibilidade de o exequente requerer no processo executivo a fixação de uma

quantia devida pelo executado a título de sanção pecuniária compulsória (arts.

933.º, n.º 1, e 941.º, n.º 1), a possibilidade de o credor reclamante fazer

avançar a execução, substituindo-se ao exequente desleixado (art. 847.º, n.º 3)

e outros casos ainda dispersos pelo novo texto do Código de Processo Civil

Relativamente à responsabilidade do exequente, importa pôr em relevo o

disposto no art. 819.º do Código de Processo Civil, onde se estatui que,

“procedendo a oposição sem que tenha tido lugar a citação prévia do

executado, o exequente responde pelos danos a este culposamente causados

e incorre em multa correspondente a 10% do valor da execução, ou de parte

dela que tenha sido objecto da oposição, mas não inferior a 10 UC [unidades

de conta] nem superior ao dobro do máximo da taxa de justiça, quando não

tenha agido com a prudência normal, sem prejuízo da responsabilidade

criminal em que possa também ocorrer.” (40).

39

(?) Lebre de Feitas / Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, 3.º vol, Coimbra, Coimbra Editora, 2004 págs. 489 e segs; Teixeira de Sousa, ob cit., págs. 20 e segs.; Paula Costa e Silva, A Reforma da Acção Executiva, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2003, págs. 51 e segs.

40(?) Veja-se, por exemplo, F. Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 10.º ed., Coimbra, Almedina, 2007, págs. 189-190; Rui Pinto, a Acção Executiva Depois da Reforma, Lisboa, JVS, 2004, págs. 76-77.

42

A Reforma de 2003, de forma algo platónica, impõe o dever de

cooperação ao executado, pondo a cargo deste a prestação de certas

informações sobre a existência e local onde se encontram bens penhoráveis

seus ou os ónus que recaem sobre esses bens (arts. 833.º, n.º 5, e 864.º, n.º 6)(41).

Relativamente ao vector da transparência patrimonial das execuções, vale

a pena referir desde logo o sistema de publicidade das penhoras nos

processos executivos pendentes, suspensos ou findos, através da organização

de um Registo Informático de Execuções (arts. 806.º e 807.º; Decreto-Lei n.º

201/2003, de 10 de Setembro). O agente de execução passa a dispor de

competências extensas para encontrar bens penhoráveis, estando prevista a

possibilidade de acesso a bases de dados públicas (conservatórias de registo

predial e comercial; bases de dados fiscais e da Segurança Social; Serviços de

Identificação Civil, etc.). A leitura dos arts. 832.º e 833.º mostra a amplitude das

competências dos agentes de execução nesta matéria.

As linhas mestras da Reforma de 2003 deixaram, todavia, intocado o

modelo global de tramitação da acção executiva, não tendo havido especiais

inovações, quer no que toca aos títulos executivos, quer relativamente à

tramitação de execução para entrega de coisa certa, mantendo-se a distinção

entre o processo executivo propriamente dito e os processos incidentais de

natureza declarativa (oposição à execução e à penhora; liquidação de dívidas

ilíquidas reconhecidas em títulos extrajudiciais; reclamação e verificação de

créditos).

Como refere ainda TEIXEIRA DE SOUSA, “na história do processo civil

português, a presente Reforma da acção executiva será sempre recordada

como aquela na qual foi introduzida – certamente com inspiração no que

sucede, em termos aproximados, noutras ordens jurídicas – a figura do agente

de execução, para o qual ficam reservados entre outros, os actos relativos à

penhora, à venda e ao pagamento (cfr. art. 808.º, n.º 1). Conjugando este facto

41

(?) Teixeira de Sousa chama a atenção para que a revogação pela Reforma da Acção Executiva do art. 837.º-A deste Código, disposição introduzida pela Revisão de 1995-1996 e que se referia expressamente ao dever de cooperação do executado, não significou uma mudança de política legislativa, como decorre das duas disposições legais referenciadas no texto e ainda do novo art. 863.º-A, n.º 2 (cfr. ob cit., pág. 32)

43

essencial do novo regime com um outro aspecto fundamental da Reforma da

acção executiva – que é o diferimento, em regra, da citação do executado para

um momento posterior ao da realização da penhora (cfr. arts. 812.º-B, n.º 1, e

864.º, n.º 2) – obter-se-á um modelo de acção executiva orientado para a

satisfação efectiva do crédito exequendo”(42).

Não obstante o acolhimento favorável da Reforma de 2003 pela doutrina

processualista, no plano prático a Reforma teve um início desastrado,

sobretudo nas comarcas das zonas metropolitanas de Lisboa e Porto e nas

comarcas do litoral de áreas mais industrializadas.

Contrariamente ao que se previa, não foram criados logo tribunais de

execução em número suficiente nas comarcas com maiores pendências e cedo

começaram conflitos entre os solicitadores de execução e os juízes dos

tribunais de competência genérica, revelando-se em muitos casos a deficiente

preparação teórico-prática de muitos solicitadores de execução. Foi muito lenta

a permissão de acesso dos solicitadores de execução a certas bases de dados.

As restrições orçamentais não ajudaram à implementação das novas estruturas

judiciárias.

TAVARES DE SOUSA chamava a atenção, dois meses depois da entrada

em vigor do Decreto-Lei n.º 38/2003 e da legislação complementar, para a falta

de juízes de execução e de secretarias de execução, susceptível de pôr em

risco os objectivos visados pela Reforma. O mesmo Autor afirmava que, “não

obstante a profundidade das alterações introduzidas – que, em certa

perspectiva, correspondem a uma refundação do processo executivo português

-, faltou, nalguns aspectos, a reflexão crítica sobre o impacto que a importação

de soluções legislativas desconhecidas tem no modelo da acção executiva que

nos abandonou parcialmente no passado dia 15 de Setembro” (43). TEIXEIRA

DE SOUSA aplaudia as linhas mestras da Reforma mas chamava a atenção

para o risco desta soçobrar na prática, por falta das necessárias infraestruturas,

sobretudo nos planos judiciário e informático.

42(?) Ob cit., pág. 43.

43(?) Nota à 8.ª edição cit., págs. 5-6.

44

Num número da Revista Sub Iudice consagrado à Reforma da Acção

Executiva, vários artigos de professores, magistrados e advogados mostravam

que a Reforma estava a falhar no plano prático, conduzindo a uma verdadeira

paralisia judicial, com reflexo nos processos executivos instaurados a partir de

15 de Setembro de 2003(44).

A generalização das críticas levou a que se elogiasse o anterior modelo

de acção executiva, não obstante a sua ineficácia, comprovada nos planos

prático e estatístico.

IV. O Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro – que foi precedido de

uma lei de autorização legislativa (Lei n.º 18/2008, de 21 de Abril) – procurou

aumentar a eficácia da Reforma da Acção Executiva, sem pôr em causa os

princípios básicos desta Reforma. Assim, em primeiro lugar, pretendeu

simplificar a tramitação e eliminar formalidades processuais desnecessárias,

em segundo lugar adoptar medidas destinadas a promover a eficácia das

execuções e do processo executivo (nomeadamente, prevendo a arbitragem

institucionalizada no domínio da acção executiva) e, finalmente, aprovar

medidas de carácter essencialmente preventivo, para evitar acções judiciais

desnecessárias. Entre tais medidas avulta a criação de uma lista pública

disponibilizada na Internet com dados sobre execuções frustradas por

inexistência de bens penhoráveis, nomeadamente quanto ao executado(45).

A exposição subsequente será feita com base no Código de Processo

Civil vigente, depois da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 226/2008 e

diplomas regulamentares constantes das Portarias nos 312/2009, de 30 de

Março (regime aplicável ao reconhecimento dos sistemas de apoio a situações

de sobreendividamento), 313/2009 (criação de uma lista pública de execução

disponibilizada na Internet, com dados sobre execuções frustradas por

44

(?) Sub Iudice, n.º 29 (2004), número efectivamente publicado em Maio de 2005.45

(?) Sobre a Reforma da Reforma da Acção Executiva, que entrou em vigor em 31 de Março de 2009, vejam-se: J. Lebre de Freitas, A Acção Executiva. Depois da reforma da Reforma, Coimbra, Coimbra Editora, 2009; F. Amâncio Ferreira, Curso do Processo de Execução, 12.ª ed., Coimbra, Almedina, 2010; Eduardo Paiva/Helena Cabrita, O Processo Executivo e o Agente de Execução, Coimbra, Coimbra Editora, 2009; DGPJ (Direcção Geral da Política da Justiça), Perguntas e Resposta sobre a Acção Executiva, Lisboa, 2009.

45

inexistências de bens penhoráveis), 331-A/2009, de 30 de Março (meios

electrónicos de identificação do executado e dos seus bens e da citação

electrónica de instituições públicas, em matéria da acção executiva) e

331-B/2009, de 30 de Março (regulamentação de vários aspectos das acções

executivas cíveis).

V. A propósito da Reforma de 2003 e da Reforma da Reforma de 2008

convém atentar, de novo, nas normas transitórias que se revestem de um

interesse prático relevante, nomeadamente porque a tramitação electrónica é

diversa em cada um dos casos.

O Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março (alterado pelo Decreto-Lei n.º

199/2003, de 10 de Setembro), dispôs no seu art. 21.º, n.º 1:

“As alterações ao Código de Processo Civil, ao Código do Registo Predial, ao Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, ao Código de Processo do Trabalho, ao Código de Procedimento e de Processo Tributário e ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, bem como ao artigo 548.º do Código Civil, só se aplicam nos ou relativamente aos processos instaurados a partir do dia 15 de Setembro de 2009”(46)

O Decreto-Lei n.º 226/2009, de 20 de Novembro – que entrou em vigor,

repete-se, em 31 de Março de 2009 – estabelece no seu art. 22.º, n.º 1:

“As alterações ao Código de Processo Civil aplicam-se apenas aos processos iniciados após a sua entrada em vigor, salvo o disposto no n.º 6 do artigo 833.º-B, na alínea c) do n.º 1 do artigo 919.º e no n.º 5 do artigo 920.º, que se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, nos termos do n.º 5 do artigo 20.º”

46(?) Convirá tomar em consideração os nos 2 a 5 desse artigo que contemplam algumas excepções ao número transcrito, mas que hoje perderam relevância prática, dado o tempo entretanto decorrido. Ver ainda o art. 4.º do Decreto-Lei n.º 199/2003.

46

Daqui resulta que há, pelo menos, três regimes contemporaneamente

aplicáveis às execuções pendentes nos tribunais portugueses: a do Código de

Processo civil, na versão da Revisão de 1995-1996 (Decretos-Lei nos 329-A/95,

de 12 de Dezembro de 1995 e 180/96, de 25 de Maio), a do Código de

Processo Civil na versão do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março (Reforma

da Acção Executiva de 2003) e a do Código de Processo Civil, na versão do

Decreto-Lei n.º 226/2009, de 20 de Novembro. O que é relevante é o momento

da entrada em vigor destes últimos dois diplomas, pois as versões do Código

por eles alteradas só se aplicam às execuções instauradas após as datas em

causa (15 de Setembro de 2003 ou 31 de Março de 2008)(47)

VI. Importa, de um ponto de vista prático, isto é, quando se age como

magistrado judicial ou do Ministério Público, advogado, solicitador ou agente de

execução, notar que a regulamentação tributária dos processos, incluindo as

acções executivas, também variou no tempo.

Com efeito, o Código de Custas Judiciais de 1996 (sucessivamente

alterado, por último pelo Decreto-Lei n.º 323/2003, de 27 de Dezembro) foi

revogado pelo art. 25.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro

(entretanto alterado pelo Decreto-Lei nos 181/2008, de 28 de Agosto, e pelo art.

156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro), o qual aprovou o novo

Regulamento de Custas Judiciais.

O novo Regulamento entrou em vigor em 20 de Abril de 2009,

estabelecendo o n.º 1 do seu art. 27.º a seguinte norma transitória com relevo

para o processo executivo:

“Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as alterações às leis de processo e o Regulamento das Custas Processuais aplicam-se apenas aos processos iniciados a partir da entrada em vigor do presente decreto-lei, respectivos incidentes, recursos e apensos.”

47(?) Chama-se a atenção para a causa da extinção de execuções antigas (isto é, as pendentes em 31 de Março de 2009), prevista no n.º 5 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 226/2009.

47

De novo, é importante, do ponto de vista prático, saber qual o diploma

tributário aplicável a certa execução em concreto.(48)

10. AS FINALIDADES DA ACÇÃO EXECUTIVA

I. Já atrás pusemos em destaque o art. 45.º, n.º 1, que estabelece que toda

a execução “tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites

da acção executiva”. O n.º 2 estatui, no que toca ao “fim da execução, para o

efeito do processo aplicável”, que tal fim pode consistir no “pagamento de

quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer

positivo, quer negativo”.

De facto, na sistemática do Código vigente – neste ponto reproduzindo o

que constava do Código de 1939 – o processo executivo é regulado a partir do

art. 801.º (título III do Livro III): após um subtítulo da natureza geral (intitulado

“Das disposições gerais”), aparecem sucessivamente tratados o processo para

execução de quantia certa (arts. 810.º e segs.), o processo de execução para

entrega de coisa certa (arts. 928.º a 931.º) e, finalmente, o processo de

execução para prestação de facto (arts. 933.º a 942.º)

II. Como escreve o Prof. PESSOA JORGE:

“Deverão admitir-se diversas modalidades de acção executiva, consoante a natureza dos bens a penhorar?

Resposta afirmativa é dada nos sistemas processuais de diversos países, onde os processos executivos se diferenciam conforme visam a apreensão, de bens imóveis, bens móveis, ou direitos de crédito.

O sistema das execuções diferenciadas consoante a natureza dos bens a apreender tem vantagens, porquanto permite maior adequação dos trâmites processuais à natureza dos bens apreendidos, quer no que respeita a penhora, quer no que respeita à venda. Permite ainda a

48(?) Remete-se para Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, Coimbra, Almedina 2009, págs. 32-38.

48

formulação de um sistema de regras de competência em razão do território mais perfeito, evitando nomeadamente a excessiva intervenção de outros tribunais. Tem, todavia, o inconveniente de ser um sistema muito mais oneroso.

O regime tradicional em Portugal é o de execução única, através da qual se podem apreender bens de diversa natureza”(49)

III. O Código de Processo Civil alemão (Zivilprozessordnung) é um dos

Códigos mais antigos na Europa, tendo sido publicado em 1877, embora

durante o longo período de vigência tenha sido submetido a múltiplas

alterações. O seu Livro 8.ª é dedicado ao processo executivo (§§ 704.º - 898.º).

Depois de uma divisão dedicada às disposições gerais (§§704.º a 802.º),

aparecem sucessivamente regulados a execução por causa de dívidas

pecuniárias (divisão 2.º) e a execução para obtenção da entrega de coisas ou

de prestação de actos ou omissões (factos positivos e negativos) (divisão 3.ª,

§§ 883.º a 898.º). Nas execuções para pagamento de quantias pecuniárias, o

primeiro título é dedicado à execução do património mobiliário. Este Código

distingue a execução respeitante a coisa móveis corpóreas e a execução de

direitos, por um lado, e a execução sobre o património imobiliário, por outro.

Temos, pois, um exemplo clássico de distinção de tramitações em função

da natureza dos bens apreendidos.

O Código de Processo Civil italiano de 1940 regula o processo de

execução no seu Livro Terceiro (arts. 474.º a 652.º) e não distingue a

tramitação em função da natureza dos bens penhorados, embora trate

separadamente a penhora de móveis e de imóveis, como no Direito português.

No Direito francês é igualmente tratada de forma diversificada o processo

destinado à apreensão de móveis ou direitos e o processo destinado à

apreensão e venda de imóveis. Na reforma de 1991-1992 do processo

executivo (Lei n.º 91-650, de 9 de Julho de 1991 e Decreto 92-755, de 31 de

Julho de 1992), regula-se a modalidade de saisie-vente de bens mobiliários

(arts. 50.º e segs.), com várias particularidades (apreensão de veículos

automóveis, saise-atribution de créditos, penhora de salários). Em

49(?) Lições cit., págs. 41-42.

49

contrapartida, a penhora de imóveis é regulada no Código Civil (arts. 2190.º e

segs) e num diploma de 2006 (Decreto n.º 2006-936, de 27 de Julho de 2006).

O recente Código de Processo Civil espanhol de 2000 (Ley de

Enjuiciamento Civil) regula no Livro III, a acção executiva e as medidas

cautelares, distinguindo a execução por créditos pecuniários (ejecución

dineraria) e por créditos não pecuniários, onde engloba a execução da

obrigação de entrega de coisas e de prestação de fazer ou não fazer (factos

positivos ou negativos).

O mais recente Código de Processo Civil europeu, o suíço, que ainda não

entrou em vigor (Código de 19 de Dezembro de 2008, cuja entrada em vigor

está prevista para 1 de Janeiro de 2011, após aprovação em referendo)

consagra o seu Título 10.º à execução (arts. 335.º a 352.º), distinguindo a

execução com base em sentença da execução baseada em documento

autêntico. No presente, estão ainda em vigor os códigos de processo cantonais

e a Lei Federal sobre cobrança de dívidas e falência (que remonta a 11 de Abril

de 1889) que regula parte do processo executivo.

11. A EXECUÇÃO CIVIL E AS OUTRAS FORMAS DE EXECUÇÃO, NOMEADAMENTE A TRIBUTÁRIA

I. Existem vários processos de natureza executiva dispersos por legislação

de diferente natureza. De um modo geral, seguem a matriz do processo civil,

havendo casos em que existe uma pura remissão para as normas do Código

de Processo Civil. O processo tributário é um caso à parte.

II. Por exemplo, no Código de Processo Penal, o art. 510.º dispõe que, “em

tudo o que não esteja especialmente previsto neste Código, a execução de

bens rege-se pelo disposto no Código de Processo Civil e no Regulamento de

Custas Processuais.”

50

As indemnizações objecto de condenação penal serão, pois, executadas,

segundo a tramitação prevista no Código de Processo Civil (execução para

pagamento de quantia certa), nos tribunais criminais.

O art. 511.º estabelece uma regra sobre ordem de pagamentos de

quantias obtidas na execução, surgindo as indemnizações em último lugar,

depois de várias rubricas, nomeadamente de natureza tributária.

Já quanto aos pedidos cíveis formulados em processo penal (arts. 71.º e

segs. do Código de Processo Penal), o art. 82.º deste diploma estabelece, no

n.º 1, que, “se não dispuser de elementos bastantes para fixar a indemnização,

o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a

execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença

penal”(50). Veremos á frente quais os tribunais cíveis competentes para a

execução neste caso.

III. No Código de Processo do Trabalho (aprovado pelo Decreto-Lei n.º

480/99, de 9 de Novembro, com sucessivas alterações, sendo a última a

constante do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro), foram revogados

quase todos os preceitos do Título V, aplicando-se de pleno as normas do

Código de Processo Civil (cfr. art. 98.º-A CPT) embora as execuções corram

perante os tribunais de trabalho.

Mantêm-se em vigor o art. 88.º (o qual estabelece que os títulos

executivos abrangem, além dos previstos no Código de Processo Civil ou em

lei especial, os autos de conciliação), os nos 1 e 2 do art. 90.º (sobre a

execução oficiosa de direitos irrenunciáveis) (51), e os arts. 98.º e 98.º-A. O art.

98.º exclui a reclamação de créditos, “nas execuções para pagamento de

quantia certa, baseados em qualquer título, em que o seu valor não exceda a

alçada do tribunal de 1.ª instância [hoje, €5.000] e a penhora recaia sobre bens

móveis ou direitos que não tenham sido dados em penhor, com excepção do

estabelecimento comercial” (n.º 1). Excluem-se desta previsão os créditos que

50(?) Deve notar-se que, a partir de 2003, deixou de haver liquidação de quantias ilíquidas objecto de condenação cível, no processo executivo (cfr. arts. 378.º, n.º 2, CPC)51

(?) Já atrás se analisou o disposto neste preceito.

51

gozem de direito de retenção sobre os bens penhorados, desde que o titular o

invoque no acto de penhora, bem como os créditos que sobre os mesmos bens

gozem de garantia real, com registo anterior ou posterior ao registo de penhora

(n.º 2), sendo citados para reclamar os seus créditos os credores com registo

anterior ao da penhora (n.º 3). Os credores com créditos dotados de garantia

real com registo posterior ao do registo de penhora podem reclamar os seus

créditos, independentemente da citação, no prazo de 15 dias, contados da

junção aos autos da certidão de direitos, ónus ou encargos inscritos (n.º 4).

Neste preceito estão em causa direitos sobre bens móveis registáveis (como

sejam veículos automóveis, navios, aeronaves) ou sobre direitos registáveis

(por exemplo, quotas de sociedades).

IV. No Código de Processo nos Tribunais Administrativos, diploma que entrou

em vigor em 1 de Janeiro de 2004, existem regras próprias sobre os processos

de execução das decisões dos tribunais administrativos contra entidades

públicas. Já a execução das sentenças proferidas pelos tribunais

administrativos contra particulares corre nos tribunais administrativos mas rege-

se pelo disposto na lei do processo civil (art. 157.º, nos 1 e 2, deste diploma).

Para além da execução de sentenças administrativas respeitantes a actos

administrativos surge igualmente a regulamentação da execução para

prestação de factos ou de coisas (art. 162.º e segs.) e para pagamento de

quantia certa (arts. 170.º a 172.º), regulamentação que é específica quanto à

disciplina sobre oposição à execução e providências de execução, avultando a

importância da invocação pelo Estado ou ente público executado de causa

legítima de inexecução (cfr. arts. 163.º e 166.º).

V. No que toca aos créditos por contribuições devidas à Segurança Social,

haverá que tomar em consideração o Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de

Fevereiro (alterado pelo art. 8.º do Decreto-Lei n.º 112/2004, de 13 de Maio –

que revogou os arts. 3.º, 4.º, 9.º e n.º 2 do art. 13.º - e pelo art. 65.º da Lei n.º

64.º-A/2008, de 31 de Dezembro). Através deste diploma foram criadas

secções de processo executivo no âmbito do sistema de solidariedade e

52

segurança social, com competência para a execução de dívidas à segurança

social(52) continuando a competir aos tribunais tributários a prática dos actos

jurisdicionais de resolução de conflitos de interesse surgidos nos processos

pendentes nessas secções. Tais secções de processos dependem do Instituto

de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS), ao qual compete “a

instauração e instrução do processo de execução de dívidas à segurança

social, através da secção de processos do distrito da sede ou da área de

residência do devedor” (art. 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 122/2001, de 13 de

Maio). Segundo o art. 6.º do Decreto-Lei n.º 42/2001, ao processo de execução

das dívidas à segurança social “aplica-se, em tudo o que não estiver regulado

no presente diploma, a legislação específica da segurança social, a Lei Geral

Tributária e o Código de Procedimento e Processo Tributário”. A decisão dos

incidentes, dos embargos de oposição, da graduação e de verificação de

créditos é da competência do tribunal tributário de 1.º instância da área onde

corre a execução, tal como a decisão sobre reclamações dos actos

materialmente administrativos praticados pelos órgãos de execução (art. 5.º do

Decreto-Lei n.º 42/2001). São títulos executivos as certidões emitidas, nos

termos legais, pelas instituições de solidariedade e segurança social (art. 7.º,

n.º 7, do mesmo diploma)

VI. Chegamos, por último, às execuções tributárias.

Tais execuções estão reguladas pelo Código de Procedimento e

Processo Tributário (CPPT) de 1999, que tem sofrido sucessivas alterações.

Pela sua frequência, as execuções fiscais são muito relevantes do ponto

de vista prático e põem delicados problemas quando ocorrem penhoras de

bens também penhorados em execuções cíveis, penais ou laborais.

A execução fiscal tem uma detalhada regulamentação nos arts. 148.º a

275.º do CPPT.52(?) Segundo o n.º 2 do art. 2.º deste Decreto-Lei n.º 42/2001, “consideram-se dívidas à segurança social todas as dívidas contraídas perante as instituições do sistema de solidariedade e segurança social pelas pessoas singulares e colectivas e outras entidades a estas legalmente equiparadas, designadamente as relativas a contribuições sociais, taxas, incluindo os adicionais, juros, reembolsos, reposições e restituições de prestações, subsídios e financiamentos de qualquer natureza, coimas e outras sanções pecuniárias relativas a contra-ordenações, custas e outros encargos legais.”

53

Os processos decorrem perante entidades administrativas (serviços

periféricos locais da administração tributária), só sendo submetidos aos

tribunais tributários previstos no Estatuto dos Tribunais Administrativos e

Fiscais quando sejam suscitadas questões de natureza jurisdicional (decisões

de incidentes e embargos, de oposições, incluindo as que incidem sobre os

pressupostos de responsabilidade subsidiária, de graduação e verificação de

créditos e de reclamações nos actos materialmente administrativos praticados

pelos órgãos de execução fiscal). (arts. 149.º e 151.º do CPPT).

Existe uma regra curiosa sobre a duração do processo de execução. A

extinção deste deve verificar-se “dentro de um ano contado da instauração,

salvo causas insuperáveis, devidamente justificadas” (art. 177).

Só a declaração de insolvência implica a sustação dos processos de

execução fiscal pendentes (art. 180.º), sendo tais processos apensados ao

processo de insolvência.

Os credores com garantias reais, nomeadamente a penhora decretada

sobre certos bens registáveis em execuções de natureza não tributária, são

convocados para reclamarem os seus créditos (arts. 239.º e segs. do CPPT).

Simplesmente, os processos de execução fiscal não se sustam quando se

detecte uma penhora anteriormente efectivada (sobretudo se for registada), ao

contrário do que sucede com as execuções cíveis (art. 871.º CPC – pluralidade

de execuções sobre os mesmos bens). É o que decorre do art. 218.º, n.º 3,

CPPT: “podem ser penhorados pelo órgão da execução fiscal os bens

apreendidos por qualquer tribunal, não sendo a execução, por esse motivo,

sustada nem apensada.”

Este regime tem como consequência que podem correr simultaneamente

duas ou mais execuções contra o mesmo executado, nomeadamente uma

tributária e outra cível, podendo os mesmos bens penhorados ser vendidos

numa ou noutra dessas execuções, podendo ser desconhecida a pendência

simultânea de ambas.

Tal acarreta um desequilíbrio entre as duas regulamentações: se for

decretada uma penhora numa execução cível e se detectar que existe uma

penhora anterior ou registada anteriormente à penhora decretada na execução

54

fiscal, o processo executivo cível é sustado, e o exequente deve reclamar o seu

crédito na execução tributária (art. 871.º, n.º 1, CPC). Em contrapartida, se for o

Estado o exequente numa execução tributária e a sua penhora for posterior a

de um exequente em execução cível contra o mesmo executado, o processo

tributário não é sustado, não tendo o exequente Estado o ónus de reclamar

créditos na outra execução.

A jurisprudência constitucional já considerou que tal disparidade de

regime não viola a Constituição, dada a necessidade de garantir a cobrança

dos créditos de natureza pública do Estado(53).

Em contrapartida, a regra tradicional do processo tributário de que a

penhora de um bem de um contribuinte impedia ulteriores penhoras em

processos de natureza não tributária, tornando-se o bem impenhorável foi

declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, em 1995(54).

VII. Do relato atrás feito resulta que as execuções fiscais acabam por ter um

regime privilegiado em relação às execuções cíveis, podendo a marcha

contemporânea de uma execução cível e de uma execução tributária gerar

situações conflituais, no limite as vendas executivas do mesmo bem em dois

processos diferentes. Nas execuções cíveis, o art. 871.º CPC impede tais

disfunções.

12. AS EXECUÇÕES CONFIADAS A TRIBUNAIS ARBITRAIS INSTITUCIONALIZADOS

I. O Decreto-Lei n.º 226/2008, que aprovou a Reforma da Reforma da

Acção Executiva, passou a prever de forma inovatória a possibilidade de haver

tribunais arbitrais com competências executivas.

53(?) Acórdãos n.º 345/06, in Acórdãos do Tribunal Constitucional (AcTC), 65.º vol., págs. 369 e segs (sobre o art. 180.º CPPT) e 51/99, in AcTC, 42.º vol., págs. 243 e segs.54

(?) Através do Acórdão n.º 451/95, publicado no Diário da República, I Série A, de 3 de Agosto de 1995 (a norma inconstitucionalizada era a do art. 300.º, 1.ª parte, do antigo Código de Processo Tributário).

55

Trata-se de uma solução que não tem paralelo em termos de Direito

Comparado, na medida em que se aceita que os poderes de coerção que são

exercidos na acção executiva devem ser reservados a um juiz togado,

directamente ou através do controlo dos agentes de execução.

Na Lei de Arbitragem Voluntária (Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto)

estabelece-se que “a execução da decisão arbitral corre no tribunal de 1.ª

instância, nos termos da lei do processo civil.”

Agora, o Capítulo VII do Decreto-Lei n.º 226/2008 (arts. 11.º a 17.º) prevê

a possibilidade de autorização da criação de centros de arbitragem voluntária

com competência para a resolução de litígios resultantes do processo de

execução e para a realização das diligências de execução prevista na lei” (art.

11.º).

Só quanto à entrada forçada no domicílio do executado (domicílio de

pessoas singulares e sede de pessoas colectivas) é que se exige a intervenção

do juiz de turno de um dos tribunais de comarca de circunscrição judicial do

domicílio do executado (art. 16.º, n.º1).

A competência do tribunal arbitral institucionalizado decorre de uma

convenção de arbitragem celebrada entre o credor e devedor, seja na

modalidade de compromisso arbitral (convenção celebrada após a situação de

incumprimento, o que parece pouco provável, do ponto de vista sociológico),

seja na modalidade de cláusula compromissória (art. 1.º, n.º 2, da Lei de

Arbitragem Voluntária). Neste último caso, após a celebração da convenção, o

devedor pode desvincular-se unilateralmente da convenção (no prazo de dez

dias após a formação do título executivo – art. 12.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º

226/2008). Deve notar-se que, provavelmente, esta arbitragem

institucionalizada sé terá interesse para a cobrança de créditos de instituições

financeiras, dados os títulos executivos utilizados por tais instituições

(sobretudo a livrança).

Ainda não foi publicada a regulamentação secundária prevista para a

implementação da medida.

56

II. Na doutrina, Prof.ª PAULA COSTA E SILVA discutiu recentemente a

admissibilidade de confiar a tribunais arbitrais a função de execução através de

processos executivos. Manifestou dúvidas fundadas sobre tal admissibilidade,

embora sustentando que o art. 205.º, n.º 3, da Constituição não reserva aos

tribunais judiciais, enquanto órgãos do Estado, a função executiva. Considera

que a questão se deve colocar, no que toca à Constituição, de forma a

averiguar se decorre da mesma Constituição uma reserva de exercício de

poderes de autoridade pelo Estado, directa ou indirectamente(55).

Tem de reconhecer-se que esta inovação implica, de forma muito

discutível, a utilização da arbitragem institucionalizada na acção executiva

(arts. 11.º a 18.º do Decreto-Lei n.º 226/2008). Tal arbitragem deveria ser

levada a cabo por centros de arbitragem voluntária autorizados pelo Ministério

da Justiça, dependendo aquela da celebração de convenções de arbitragem.

Repete-se que não é realista pensar-se que, na prática, um devedor venha a

celebrar um compromisso arbitral… para ser executado de forma mais célere,

pelo que terá de admitir-se que todas essas arbitragens tenham na sua base

uma convenção de arbitragem na modalidade de cláusula compromissória (cfr.

art. 1.º, n.º 2, da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, Lei da Arbitragem Voluntária).

Neste último caso, “qualquer das partes pode revogar a convenção de

arbitragem no prazo de 10 dias após a formação do título executivo” (art. 12.º,

n.º 2, deste diploma), o que traduz um direito ao arrependimento.

Independentemente dos problemas de constitucionalidade que a utilização da

arbitragem voluntária possa suscitar e da circunstância de tal solução ser

desconforme com um dos dogmas da arbitragem voluntária, mais

precisamente, o de que os tribunais arbitrais carecem de competência

executiva, a solução levanta delicados problemas de compatibilização dessas

execuções arbitrais com o modelo básico de execução do Código de Processo

Civil, nomeadamente quanto à intervenção de terceiros no processo executivo.

O art. 13.º do Decreto-Lei n.º 226/2008 manda aplicar à citação do executado,

do cônjuge e dos credores o disposto no art. 864.º, mas faz depender a

intervenção dos terceiros da aceitação da competência do centro de

arbitragem, a qual decorre tacitamente da prática por esses terceiros de actos 55(?) A Nova Face da Justiça – Os Meios Extrajudiciais da Resolução de Controvérsias, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, págs. 93-104.

57

no processo arbitral. Problema insolúvel é o de o terceiro se recusar a intervir,

quando seja credor privilegiado, atendendo a que a venda executiva é feita livre

de ónus e encargos. Só para a entrada forçada no domicílio de pessoas

singulares é que se prevê a intervenção do juiz de turno de um dos tribunais de

comarca da circunscrição judicial do domicílio do executado.

A tudo isto acresce que a Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (Decreto-

Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, redacção em vigor) estabelece que são

cláusulas absolutamente proibidas as cláusulas contratuais gerais, no domínio

das relações entre empresas e consumidores finais, que “prevejam

modalidades de arbitragem que não assegurem as garantias de procedimento

estabelecido na lei” (art. 21.º, alínea h), 2.ª parte). É, no mínimo, duvidoso que

em tal caso estejam plenamente asseguradas as garantias de procedimento

legal (due process).

A bondade desta inovação da arbitragem institucionalizada é altamente

problemática. O Conselheiro AMÂNCIO FERREIRA considera-a mesmo um

“autêntico flop, por três razões: em primeiro lugar, por vários dos actos

praticados ao longo da execução pressuporem o ius imperii, ou seja, o poder

de coagir, de que carecem os tribunais arbitrais, apenas detentores de

iurisdictio; em segundo lugar, por a execução, no nosso quadro legal, não se

apresentar como singular, por não realizada em benefício de um único credor,

mas como colectiva especial, por aproveitar também aos credores que sejam

titulares de direitos reais de garantia sobre bens penhorados e que não se

encontram vinculados à convenção de arbitragem que tem de ser sempre

reduzida a escrito, como verdadeiro negócio jurídico que é; em terceiro lugar,

por de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, quando a

efectivação da garantia de acesso à justiça requer a prestação de apoio

judiciário, não previsto no âmbito dos tribunais arbitrais, ser de considerar

reassumida a competência do tribunal judicial, pela parte em situação

superveniente de insuficiência económica, situação esta que não deixará, por

regra, de ser invocada por quem não paga a sua dívida, quer tenha quer não

meios para a liquidar”(56).

56(?) Curso de Processo de Execução cit., 11.ª ed., 2009, págs. 9-10. A última razão invocada refere-se à jurisprudência inaugurada com o importante Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 311/2008, publicado no Diário da República, II Série, de 1 de Agosto. Críticas semelhantes

58

Não se vê que esta solução tenha futuro, sendo certo que a concentração

numa instituição arbitral privada do poder de praticar os actos materiais de

execução e de proferir decisões jurisdicionais cria uma intolerável

promiscuidade (cfr. art. 14.º, nos 1 e 2, do referido Decreto-Lei) que propicia

abusos de poder que o controlo por um juiz conselheiro (art. 17.º do mesmo

diploma) parece não ser à partida suficiente para os evitar(57). A experiência

recente de um centro de arbitragem institucionalizada que viu ser-lhe retirada a

autorização para realizar arbitragens devia ter sido levada em conta pelo

legislador(58).

13. AS EXECUÇÕES NO ESPAÇO DA UNIÃO EUROPEIA

I. No espaço da União Europeia, as decisões dos Tribunais dos diferentes

Estados são reconhecidas nos outros Estados-Membros sem necessidade de

recurso a qualquer outro processo, nomeadamente o de revisão de sentenças

judiciais estrangeiras (arts. 1094.º a 1102.º)(59).

Tal dispensa de reconhecimento resultava da Convenção de Bruxelas de

1968 e, hoje, salvo quanto á Dinamarca, do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do

Conselho, de 22 de Dezembro de 2000 (Regulamento Bruxelas I) – art. 33.º, n.º

foram formuladas pelo Autor do presente Trabalho (“Inovação e Simplificação de Formalidades na Alteração de 2008 da Reforma da Acção Executiva”, ainda inédito, págs. 27 e segs) e por Elisabeth Fernandez, “A (pretensa) reforma da acção executiva”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 26 (2009), págs. 33-34. Ver ainda Amâncio Ferreira, Curso cit, 12.ª ed., págs. 145-148.57

(?) Sobre as questões de constitucionalidade suscitadas por esta inovação, remete-se para Paula Costa e Silva, A nova Face da Justiça – os Meios Extrajudiciais de Resolução de Controvérsias, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, págs. 93-104 e para Mariana França Gouveia, “A novíssima Acção Executiva. Análise das mais importantes alterações”, ainda inédito, a publicar na Revista da Ordem dos Advogados, ano 69.º, 2009.58

(?) Convirá ainda tomar em consideração a regulamentação avulsa publicada no âmbito da Reforma da Reforma da Reforma da Acção Executiva: Portaria nos 114/2008, de 6 de Fevereiro (acção declarativa), Portaria n.º 331-B/2009, de 30 de Março (Regulamento da Acção Executiva), Portaria n.º 331-A/2009, de 30 de Março, (meios electrónicos de identificação do executado e seus bens), Portaria n.º 312/2009, de 30 de Março (sistema de apoio a situações de sobreendividamento) e Portaria n.º 313/2009, de 30 de Maio (lista pública de execuções).59(?) Já as sentenças arbitrais estrangeiras têm sempre de ser reconhecidas em Portugal para poderem ser executadas. Aplica-se a Convenção de Nova Iorque de 1958 sobre o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras, entendendo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que são competentes para tal reconhecimento os tribunais cíveis de 1.ª instância e não as Relações, não obstante o disposto no art. 1095.º.

59

1, deste Regulamento. Há excepções a esta regra de reconhecimento (arts.

34.º e 35.º), estabelecendo o art. 36.º do Regulamento que as decisões

estrangeiras não podem, em caso algum, ser objecto de revisão de mérito”.

O Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de

2003 (novo Regulamento Bruxelas II) contém regras de competência para as

acções em matéria familiar (divórcio, separação, anulação de casamento e

respectivo reconhecimento; acções relativas à responsabilidade parental e

sobre o reconhecimento e execução das correspondentes decisões, actos

autênticos ou acordos; cooperação internacional em matéria de

responsabilidade) e nele se encontram regras próprias e semelhantes às do

Regulamento Bruxelas I sobre o reconhecimento e execução de decisões

proferidas no âmbito do Direito da Família.

Segundo o art. 38.º, n.º 1, do Regulamento de Bruxelas I, “as decisões

proferidas num Estado-Membro e que nesse Estado tenham força executiva

podem ser executadas noutro Estado-Membro depois de nele terem sido

declaradas executórias a requerimento de qualquer parte interessada”. A

declaração de executoriedade é feita em Portugal pelo tribunal de comarca do

domicílio da parte contra a qual a execução for promovida ou do lugar da

execução (art. 39.º e Anexo II do Regulamento de Bruxelas I). “A decisão será

imediatamente declarada executória quando estiverem cumpridos os trâmites

previstos no artigo 53.º, sem verificação dos motivos referidos nos artigos 34.º

e 35.º. A parte contra a qual a execução é promovida não pode apresentar

observações nesta fase” (art. 41.º do Regulamento Bruxelas I). Poderá ser

impugnada por recurso a decisão sobre o pedido de declaração de

executoriedade (art. 43.º, n.º 1 do Regulamento).

A declaração de executoriedade abrange ainda os actos autênticos

exarados ou registados num Estado-Membro e que aí tenham força executiva e

as transacções judiciais (arts. 57.º e 58.º do Regulamento de Bruxelas I).

II. Correspondendo ao movimento de progressiva integração dos mercados

dos Estados-Membros da União Europeia e à generalização das transacções

intracomunitárias, foi criado em 2004 o primeiro título executivo europeu para

60

créditos não contestados (Regulamento (CE) n.º 805/2004 do Parlamento

Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004). Segundo o art. 1.º deste

Regulamento, o mesmo “tem por objectivo criar o Título Executivo Europeu

para créditos não contestados, a fim de assegurar, mediante a criação de

normas mínimas, a livre circulação de decisões, transacções judiciais e

instrumentos autênticos em todos os Estados-Membros, sem necessidade de

efectuar qualquer procedimento intermédio no Estado-Membro de execução

previamente ao reconhecimento e à execução”,

Este regulamento é aplicável às decisões, transacções judiciais e

instrumentos autênticos sobre créditos não contestados. Existe um crédito não

contestado se o devedor “tiver admitido expressamente a dívida, por meio de

confissão ou de transacção homologada por um tribunal, ou celebrada perante

um tribunal no decurso de um processo” ou nunca tiver deduzido oposição

numa acção judicial, ou não se tiver feito representar na audiência relativa a

esse crédito, após lhe ter deduzido inicialmente oposição ou se tiver

expressamente reconhecido a dívida por meio de reconhecimento autêntico

(art. 3.º, n.º 1). O Regulamento (CE) n.º 805/2004 “é igualmente aplicável às

decisões proferidas na sequência de impugnação de decisões, transacções

judiciais ou instrumentos autênticos certificados como Título Executivo

Europeu.”

O art. 5.º deste Regulamento, sob a epígrafe “supressão do exequatur”

estabelece o seguinte:

“Uma decisão que tenha sido certificada como Título Executivo Europeu no Estado-Membro de origem será reconhecida e executada nos outros Estados-Membros sem necessidade de declaração de executoriedade ou contestação do seu reconhecimento.”

O art. 11.º do Regulamento estatui que a certidão do Título Executivo

Europeu só produz efeitos dentro dos limites da força executória da decisão.

Deve notar-se que o Capítulo III do Regulamento (CE) estabelece

“normas mínimas aplicáveis aos processos relativos a créditos não

61

contestados” distinguindo entre a citação ou notificação com a prova de

recepção pelo devedor (art. 13.º) e a citação ou notificação sem prova de

recepção pelo devedor (art. 14.º), bem sobre a informação adequada a prestar

ao devedor sobre o crédito e as diligências necessárias para contestar o crédito

(arts. 16.º e 17.º). Os trâmites da execução são regulados nos arts. 20.º, 21.º e

23.º(60).

III. Revestem-se ainda de importância para o processo executivo português

os recentes Regulamentos (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do

Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de

injunção de pagamento (regulamento aplicável, na sua generalidade, a partir de

12 de Dezembro de 2008)(61) e n.º 861/2007 do Parlamento e do Conselho, de

17 de Julho de 2007, estabelece um processo para acções de pequeno

montante (aplicável a partir de 1 de Janeiro de 2009). As decisões que se

formam nestes processos constituem título executivo no espaço europeu.

IV. Já não no interior da União Europeia, haverá de tomar-se em

consideração a Convenção de Lugano de 16 de Setembro de 1988 que, no

presente, se aplica apenas à Suíça e Islândia, visto grande parte dos Estados

signatários terem, entretanto, aderido à União. Esta Convenção era decalcada

sobre a Convenção de Bruxelas de 1968 e visa a livre circulação de títulos

judiciários no espaço europeu, para além do território dos Estados-Membros. O

reconhecimento e a execução das decisões dos diferentes Estados vinculados

são regulados nos arts. 31.º a 45.º.

Entretanto, a Convenção de Lugano foi revista, tendo em conta a

evolução ocorrida com a publicação do Regulamento Bruxelas I.

60(?) Sobre o regime deste Regulamento veja-se Paula Costa e Silva, Processo de Execução, I, Títulos Executivos Europeus, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, págs. 25 e segs.61

(?) Sobre o regime ainda do projecto deste Regulamento veja-se Paula Costa e Silva, ob cit. na nota anterior, págs. 159 e segs.

62

Foi publicada já uma Convenção de Lugano II(62) que, no presente, vincula

apenas os Estados-Membros da União e a Noruega, tendo entrado em vigor

em 1 de Janeiro de 2010.

62(?) In Jornal Oficial das Comunidades Europeias (JOCE), de 10 de Junho de 2009 (a Convenção foi aprovada pelo Conselho da União Europeia em 27 de Novembro de 2008).

63

II

O JUIZ DE EXECUÇÃO, O AGENTE DE EXECUÇÃO,

OS SUJEITOS PROCESSUAIS E TERCEIROS

14. A DESJUDICIALIZAÇÃO DA REFORMA DE 2003. O JUIZ DE EXECUÇÃO E O AGENTE DE EXECUÇÃO

I. Já atrás aludimos a uma mudança de paradigma ocorrida no processo

executivo com a Reforma de 2003.

De facto, em 2003 a execução deixou de estar confiada a Oficiais de

Justiça, passando a intervir activamente nela um profissional liberal, o

solicitador de execução, enquanto agente de execução.

II. Comecemos pelo juiz de execução.

Na redacção do Decreto-Lei n.º 38/2003, o art. 809.º passou a

estabelecer no seu n.º 1:

“Sem prejuízo do poder geral de controlo do processo e de outras intervenções especificamente estabelecidas, compete ao juiz de execução:

a) Proferir despacho liminar, quando deva ter lugar;

b) Julgar a oposição à execução e à penhora, bem como verificar e graduar créditos, no prazo máximo de três meses contados da oposição ou reclamação;

c) Julgar a reclamação do acto do agente de execução, no prazo de cinco dias;

d) Decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes, no prazo de cinco dias.”

64

Foi generalizadamente considerada como uma das condições

necessárias para a eficácia do novo modelo a criação de tribunais de primeira

instância com competência específica para a execução nas comarcas com

maior movimento de acções executivas, os juízos de execução (art. 96.º, n.º 1,

alínea g), da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais,

LOFTJ, Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro). O atraso na criação de tais juízos foi um

dos factores de insucesso da Reforma e que levou à tomada de medidas de

descongestionamento dos tribunais, a partir de 2005, pelo Ministério da Justiça.

III. O agente de execução passou a estar previsto no art. 808.º.

De harmonia com o n.º 1 deste artigo, “Cabe ao agente de execução,

salvo quando a lei determine diversamente, efectuar todas as diligências do

processo de execução, incluindo citações, notificações e publicações, sob

controlo do juiz, nos termos do n.º 1 do artigo seguinte.”

As funções de agente de execução passaram a ser desempenhadas por

profissionais liberais, solicitadores aprovados no respectivo curso de

habilitação, necessariamente inscritos no colégio da especialidade na Câmara

dos Solicitadores, nos termos do respectivo Estatuto da Câmara dos

Solicitadores (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 88/2003, de 26 de Abril). Tais

solicitadores de execução ou eram designados pelo exequente ou pela

secretaria. Segundo o art. 808.º, n.º 2, 2.ª parte, “não havendo solicitador de

execução inscrito no círculo ou ocorrendo outra causa de impossibilidade, são

essas funções, com excepção das especificamente atribuídas ao solicitador de

execução, desempenhadas por oficial de justiça, determinado segundo as

regras de distribuição”. Na execução por custas (créditos tributários do Estado,

decorrentes da actividade processual) o agente de execução é sempre um

oficial de justiça (art. 808.º, n.º 3), sendo a execução promovida pelo Ministério

Público.

Na Reforma de 2003, o solicitador de execução designado só podia “ser

destituído por decisão do juiz de execução, oficiosamente ou a requerimento do

exequente, com fundamento em actuação processual dolosa ou negligente ou

65

em violação grave do dever que lhe seja imposto pelo respectivo estatuto, o

que será comunicado à Câmara dos Solicitadores” (art. 808.º, n.º 4).

Como nota o Prof. TEIXEIRA DE SOUSA:

“No âmbito deste modelo ‘desjudicializado» da acção executiva, importa ainda fazer uma observação de cariz comparativo relativa à extensão de funções que são concedidas ao agente de execução. No regime instituído pela Reforma da acção executiva, o agente de execução intervém em qualquer execução, qualquer que seja o objecto da penhora ou o bem a apreender (cfr. art. 808.º, n.º 1), ou seja, independentemente de essa penhora incidir sobre direitos, móveis ou imóveis ou de essa apreensão recair sobre bens móveis ou imóveis. Neste aspecto, alguns regimes estrangeiros não são tão generosos nas funções que atribuem ao agente de execução, já que restringem a sua intervenção às execuções nas quais são penhorados bens móveis ou às execuções para entrega de bens (quanto à Alemanha, cfr. §808, §883 e §885 da Zivilprozessordnung)”(63)

15. A REFORMA DA REFORMA DA ACÇÃO EXECUTIVA (2008): AMPLIAÇÃO DOS PODERES DO AGENTE DE EXECUÇÃO. RECRUTAMENTO DE AGENTES DE EXECUÇÃO

I. O Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro (Reforma da Reforma da

Acção Executiva) alterou o desenho inicial das competências do juiz de

execução e do agente de execução.

No que toca ao juiz de execução, o art. 809.º deixa de referir o “poder

geral de controlo” sobre o processo executivo que a Reforma de 2003

reconhecia ao juiz de execução(64). Passa, porém, a prever-se a possibilidade

de os juízes aplicarem multas processuais aos agentes de execução, entre 0,5

63(?) A Reforma da Acção Executiva cit., pág. 15. Sobre a figura do agente de execução, remete-se para J. Lebre de Freitas, “Agente de execução e poder jurisdicional”, in Themis, n.º 7, 2003, págs. 19-34.

64(?) Mas ver o art. 265.º. Sobre este ponto remete-se para Eduardo Paiva / Helena Cabrita, O Processo Executivo e o Agente de Execução, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pág. 15.

66

e 5 UC (unidades de conta), quando os pedidos de intervenção do juiz por tais

agentes sejam “manifestamente injustificados” (art. 809.º, n.º 3).

II. No dizer do preâmbulo deste Decreto-Lei n.º 226/2008, “reserva-se a

intervenção do juiz para as situações em que exista efectivamente um conflito

ou em que a relevância da questão o determine […] Desta forma, eliminam-se

intervenções actualmente cometidas ao juiz ou à secretaria que envolvem uma

constante troca de informação meramente burocrática entre o mandatário, o

tribunal e o agente de execução, com prejuízo do bom andamento da

execução.”

O agente de execução vê alargados os seus poderes, cabendo-lhe

“efectuar todas as diligências de execução, incluindo, nos termos da portaria do

membro do Governo responsável pela área da justiça, as citações, as

notificações e publicações”, salvo quando a lei determine o contrário. A Portaria

n.º 331-B/2009, de 30 de Março, regula a designação, aceitação, identificação,

substituição do agente de execução, o dever de informar deste, a remuneração

e despesas do agente de execução e lista de agentes de execução.

Compete ao agente de execução “liquidar os créditos dos credores e

efectuar imediatamente todos os pagamentos nos termos do Regulamento de

Custas Processuais.”

Como novidade, por muitos tida por criticável, o agente passa a poder ser

livremente substituído pelo exequente – o que o aproxima, em certa medida, do

estatuto de mandatário do exequente. A destituição com fundamento em

actuação processual dolosa ou negligente ou em violação grave do dever que

lhe seja imposto pelo respectivo estatuto passa a ser determinada pelo órgão

com competência disciplinar sobre os agentes de execução, a Comissão para a

Eficácia das Execuções (cfr. arts. 69.º-B e 69.º-C do Estatuto da Câmara de

Solicitadores, disposições aditadas pelo art. 4.º do Decreto-Lei n.º 226/2008).

Os juízes de execução perderam, assim, a competência atribuída em 2003

para destituir os agentes de execução.

Deve notar-se que, nos termos do n.º 8 do art. 810.º, o sistema

informático assegura, de forma automática e oficiosa, a criação de um número

67

único de execução e a sua distribuição, com a apresentação do requerimento

executivo, bem como “o envio electrónico imediato do requerimento executivo e

demais documentos que o acompanharem ao agente de execução designado,

com indicação do número único de processo”.

A secretaria perde o poder de recusar o requerimento executivo,

passando a esse poder a caber ao agente de execução (art. 811.º). Este passa

a assegurar a tramitação inicial da execução, decidindo quando deve submeter

o processo executivo ao juiz para despacho liminar, nos termos da lei (art.

812.º-D).

III. O Decreto-Lei n.º 226/2008 alargou a área de recrutamento dos agentes

de execução a advogados (cfr. art. 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados,

disposição alterada por este diploma).

Os agentes de execução passam a poder ser solicitadores de execução

ou advogados.

Foram abertas vagas para 300 novos agentes de execução, tendo-se

realizado em Janeiro de 2010 o exame de admissão. Foram aprovados para

iniciar o estágio 300 candidatos, sendo cerca de 15% solicitadores e os

restantes advogados. Segundo dados da Comissão para a Eficácia das

Execuções existem actualmente 735 solicitadores de execução com inscrição

em vigor.

IV. A par dos agentes de execução, os oficiais de justiça podem exercer

funções nas execuções:

- “Não havendo agente de execução inscrito ou registado na

comarca ou ocorrendo outra causa de impossibilidade, pode o

exequente requerer que as diligências de execução previstas no

presente título sejam realizadas por oficial de justiça, determinado

segundo as regras de distribuição” (art. 808.º, n.º 4);

68

- “Nas execuções em que o Estado seja exequente, todas as

diligências de execução previstas no presente título são

realizadas por oficial de justiça” (art. 808.º, n.º 5);

- O oficial de justiça, na falta de agente de execução, pode

efectuar, a solicitação do agente de execução, diligências que

impliquem para este deslocação para fora da área da comarca de

execução e suas limítrofes, ou da área metropolitana de Lisboa

ou do Porto no caso de comarca nela integrada” (art. 808.º, n.º 8);

- A título transitório, quando o exequente seja uma pessoa singular

e intente acção executiva para cobrança de créditos não

resultantes da sua actividade profissional, pode, em alternativa à

designação de agente de execução, “requerer a escolha de oficial

de justiça para a realização de funções de agente de execução,

segundo as regras de distribuição” (art. 19.º, n.º 1, do Decreto-Lei

n.º 226/2008; tal possibilidade fica sujeita a uma avaliação e a

uma revisão necessária após dois anos de vigência – n.º 2 deste

artigo).

16. OS SUJEITOS PROCESSUAIS NA ACÇÃO EXECUTIVA

I. Além do juiz da execução e do agente de execução (ou do oficial de

justiça que exerça essas funções), na execução aparecem-nos dois sujeitos

processuais, o exequente (credor) e o executado (devedor). Como veremos à

frente, pode haver uma pluralidade de exequentes e de executados.

II. Nas execuções podem intervir vários terceiros: desde logo o cônjuge do

executado que não seja demandado na acção executiva (cfr. art. 864.º, n.º 1 e

n.º 3, alínea a); art. 864.º-A; veja-se ainda o art. 825.º); também o depositário

de bens penhorados (arts. 832.º, 843.º e 845.º); depois os credores com

direitos reais de garantia sobre bens penhorados (art. 864.º, nos 1, 3, alínea b),

n.º 4, e 865.º e segs). Podem ainda intervir (através de notificação) o devedor

69

de um crédito do executado que seja penhorado (art. 856.º), a entidade

patronal do executado, os bancos onde o executado tenha depositado dinheiro

ou valores (art. 861.º-A), comproprietários de bens indivisos, sobretudo o

administrador do bem, a sociedade cujas quotas foram penhorados (art. 862.º)

os locatários em caso de consignação de rendas locatícias (art. 880.º).

Na fase do pagamento, o comprador de bens penhorados, os preferentes

e os remidores podem intervir na execução, em certas circunstâncias (cfr. arts.

891.º, 892.º, 896.º, 898.º, 900.º, 908.º e 909.º, 912.º a 915.º).

17. A UTILIZAÇÃO DA INFORMÁTICA NO PROCESSO EXECUTIVO

I. A Reforma da Acção Executiva de 2003, a par da criação do agente de

execução e da previsão de existência de um juiz especializado em execuções

com disponibilidade para responder em tempo curto às solicitações da

secretaria, das partes ou do próprio agente de execução, considerou

indispensável a necessidade da tramitação por meios informáticos da acção

executiva, estabelecendo modelos de preenchimento pelo exequente do

requerimento executivo e prevendo as comunicações por correio electrónico

entre a secretaria, o agente de execução e os mandatários das partes,

sobretudo o do exequente.

Como refere o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 226/2008, foi agora

eliminada a necessidade de o processo de execução ser tramitado na

secretaria judicial:

“Permite-se, também, que o requerimento executivo seja enviado e recebido por via electrónica, assegurando-se a sua distribuição automática ao agente de execução, sem necessidade de envio de cópias em papel”

Assim, de harmonia com o n.º 7 do art. 810.º, o requerimento executivo e

os documentos qe o acompanhem são apresentados ao tribunal

preferencialmente por via electrónica e enviados pelo mesmo meio ao agente

70

de execução designado, nos termos do art. 138.º-A, não havendo lugar a

autuação de execução na secção de processos. O requerimento executivo

pode ser apresentado em suporte papel nas condições da alínea b) do art. 2.º

da Portaria n.º 331-B/2009. Desde que haja mandatário constituído pelo

exequente, o requerimento executivo tem de ser apresentado

electronicamente, sob pena de multa (art. 810.º, nos 10 e 11).

O sistema informático que é utilizado para a tramitação electrónica

assegura, de forma automática e oficiosa, a criação de um número único do

processo de execução e a sua distribuição, com a apresentação do

requerimento executivo e o envio electrónico imediato do requerimento

executivo e demais documentação que o acompanhem ao agente de execução

designado, com indicação do número único do processo (art. 810.º, n.º 8).

O modelo e forma de apresentação do requerimento executivo consta da

Portaria n.º 331.º-B/2009, de 30 de Março (cfr. arts. 2.º e 3.º).

A remessa do processo ao juiz pelo agente de execução para efeito de

prolação de despacho liminar é feita de forma electrónica (art. 812.º-D).

A oposição à penhora é também tramitada electronicamente, nos termos

do art. 138.º-A, através da aplicação CITIUS.

Na fase introdutória do processo, o agente de execução deve consultar o

registo informático das execuções (art. 832.º, n.º 2). As diligências prévias à

penhora passam pela consulta pelo agente de execução de diferentes bases

de dados, sem necessidade de autorização prévia pelo juiz. Tais bases de

dados abrangem as da Administração Fiscal, da Segurança Social, das

conservatórias do registo predial, comercial e automóvel, dos Serviços de

Identificação Civil “ e outros registos ou arquivos semelhantes, de todas as

informações sobre a identificação do executado junto desses serviços e sobre

a identificação e localização dos bens” (art. 833.º-A, n.º 2). Ver igualmente os

arts. 2.º, n.º 1, e 3.º da Portaria n.º 331.º-A/2009, de 30 de Março.

Quando a execução deva prosseguir e antes dessas diligências prévias, o

agente de execução deve inscrever a nova execução no registo informático das

execuções (art. 832.º, n.º 6): Quanto à realização de penhora de imóveis deve

fazer-se por comunicação electrónica do agente de execução ao serviço de

71

registo competente (art. 838.º, n.º 1). O mesmo meio deve ser utilizado para a

penhora de coisas móveis (é o caso paradigmático da penhora de veículos

automóveis). É o que dispõe o art. 851.º. Só quanto à penhora de saldos de

depósitos bancários é que se exige o prévio despacho do juiz de execução (art.

861.º-A), utilizando-se, depois, comunicações on line.

Pode, assim, concluir-se que a utilização de informática é um importante

pressuposto da pretendida eficácia de acção executiva.

18. A IMPORTÂNCIA DA PUBLICIDADE DAS ACÇÕES EXECUTIVAS E DO SEU DESFECHO

I. A Reforma de 2003 preocupou-se com a necessidade de prevenir a

distribuição de acções executivas inúteis, por serem na prática diminutas as

possibilidades de descoberta de bens penhoráveis em relação a certo devedor.

O art. 806.º, na redacção em vigor, estabelece a existência de um registo

informático de execuções pendentes, em que estarão registadas numerosas

informações: identificação do processo e do agente de execução, identificação

das partes, pedido, bens indicados para penhora, bens penhorados,

identificação dos créditos reclamados. Desse registo consta ainda o rol das

execuções findas ou suspensas, distinguindo-se a extinção de execuções com

pagamento parcial ou por causa de não terem sido encontrados bens

penhoráveis.

Até 2009, este registo era assegurado pelos serviços dos Tribunais, a

partir da Reforma da Reforma é o agente de execução quem introduz

diariamente os dados previstos no n.º 1 do art. 806.º (n.º 3 do mesmo artigo).

A declaração de insolvência e a nomeação de um administrador da

insolvência, bem como o encerramento do processo especial de insolvência e o

arquivamento de processo executivo de trabalho por não terem sido

encontrados bens para penhora só podem ser introduzidos neste registo na

sequência de despacho judicial (art. 806.º, n.º 4).

72

A consulta deste registo informático pode ser efectuada pelos juízes ou

magistrados do Ministério Público, pessoas capazes de exercer o mandato

judicial (advogados e solicitadores) ou agentes de execução, bem como o

titular dos dados, o qual pode, a todo o tempo, requerer a rectificação ou

actualização do registo, nomeadamente a referência à extinção da dívida

exequenda pelo pagamento desta ou da parte não paga na execução (art.

807.º, nos 1 e 2). Após o pagamento integral, o registo da execução finda é

eliminado imediata e oficiosamente pelo agente de execução.

Deve notar-se que podem ainda consultar o registo informático de

execuções aqueles que tenham uma relação contratual ou pré-contratual com o

titular dos dados ou revelem outro interesse atendível na consulta, mediante

consentimento do titular desses dados ou autorização dada pela entidade

prevista no Decreto-Lei n.º 201/2003, de 10 de Setembro, a Comissão Nacional

de Protecção de Dados (diploma que regula o registo informático de execuções

– aquele diploma foi sucessivamente alterado pelos Decretos-Lei n.º 53/2004,

de 18 de Março, Lei n.º 60/2005, de 30 de Dezembro, e Decreto-Lei n.º

226/2008, de 20 de Novembro). Este diploma considera que alguém tem

interesse atendível na consulta do registo informático de execuções quando tal

consulta se destine à obtenção de certificado para demonstração da natureza

incobrável de créditos resultantes de incumprimento contratual, sobretudo

perante as autoridades da Administração Fiscal.

II. A Reforma da Reforma da Acção Executiva criou uma outra lista de

acesso público disponibilizada na Internet com dados sobre execuções

frustradas por inexistência de bens penhoráveis, à semelhança da Lista de

Grandes Devedores ao Fisco, criada em anos recentes. Segundo o preâmbulo

do Decreto-Lei n.º 226/2008, “a criação desta lista funda-se, por um lado, na

necessidade de criar um forte elemento dissuasor do incumprimento das

obrigações, factor que tem sido internacionalmente [apontado] como uma das

condições que pode contribuir para o crescimento da confiança no

desempenho da economia portuguesa. Por outro lado, trata-se de evitar, a

montante, processos judiciais sem viabilidade e cuja pendência prejudica a

tramitação efectiva dos direitos dos cidadãos”. Garante-se ao executado uma

73

última oportunidade para cumprir as obrigações assumidas ou aderir a um

plano de pagamento, mesmo depois da execução já ter terminado por

inexistência de bens, o que permite evitar a sua inclusão na lista. Há um

mecanismo para excluir os registos com mais de 5 anos.

A lista foi criada pela alteração de 2009 do Decreto-Lei n.º 201/2003, de

10 de Setembro (art. 16.º-A).

Esta lista pública é regulada pela Portaria n.º 313/2009, de 30 de Março.

74

III

OS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS ESPECÍFICOS DA ACÇÃO EXECUTIVA

19. O TITULO EXECUTIVO E A CHAMADA EXEQUIBILIDADE EXTRÍNSECA

I. Começar-se-á por fazer uma referência aos pressupostos específicos ou,

na terminologia do Prof. TEIXEIRA DE SOUSA, às condições da acção

executiva.

A acção executiva tem uma vocação instrumental em relação ao direito

substantivo(65). Por isso, e como refere o Prof. REMÉDIO MARQUES, “é bem

de ver que não se deve permitir a admissão de qualquer processo, nem a

procedência de qualquer acção executiva, sem que, numa fase liminar da

instância, se verifique a existência de determinadas condições. Que o mesmo é

dizer: sob pena de o direito à acção não atingir as finalidades para que está

predisposto, nem pode admitir-se irrestritamente o exercício jurisdicional

daquelas posições jurídicas subjectivas (v.g. direitos subjectivos, interesses

legítimos), nem, tão-pouco, pode ser sempre concedida a tutela jurisdicional

requerida”(66).

Para tal é preciso, por um lado, para intentar a acção executiva, que o

exequente disponha de um título executivo, ou seja, um documento ou título

formal, revestido de força probatória processual, da existência de um crédito

contra o futuro executado. Por outro lado, a execução só deve prosseguir

desde que o crédito exequendo seja ou se torne certo, exigível e líquido.

Utilizando a terminologia de TEIXEIRA DE SOUSA, o título executivo –

que é a “chave” que abre a porta da acção executiva, numa imagem sugestiva

– condiciona a exequibilidade extrínseca, funcionando como o “envelope” que

contém um pressuposto processual específico da natureza formal, que

condiciona o resultado da própria acção executiva ou, segundo aquele

Processualista, uma condição extrínseca da procedência da acção executiva.65(?) Cfr. J. P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Coimbra, Almedina, 2000, págs. 43 e segs.66

(?) Ob. cit., págs. 43-44.

75

Em contrapartida, a certeza, a exigibilidade e a liquidez condicionam

intrinsecamente a pretensão executiva, já que “a sua não verificação impede

que, apesar de se reconhecer o direito do exequente à reparação efectiva, o

réu seja executado quanto a essa mesma prestação”(67). São pressupostos

processuais específicos da acção executiva ou, na terminologia de TEIXEIRA

DE SOUSA, condições processuais intrínsecas de precedência da acção

executiva.(68)

II. LEBRE DE FREITAS chama a atenção para um ponto importante, com

implicações práticas:

“Quanto à certeza, à exigibilidade e à liquidez da prestação, embora também como pressupostos usem aparecer, entre nós, qualificadas […], dir-se-á que melhores lhes cabe a qualificação de condições da acção executiva […], enquanto características conformadoras do conteúdo duma relação jurídica de direito material. Mas a certeza, a exigibilidade e a liquidez só constituem requisitos autónomos da acção executiva quando não resultem já do título executivo (art. 802.º); caso contrário, diluem-se no âmbito das restantes características da obrigação e a sua verificação é, tal como eles, presumida pelo título, sem qualquer especialidade de regime a ter em conta …. Trata-se assim de exigências de complemento do título executivo, que acabam por exercer uma função processual paralela à deste.”(69)

III. O título executivo é, pois, um documento que “acerta” a existência de um

crédito. É, pois, um título formal de “acertamento”, utilizando-se a expressão

italiana correspondente.

Como dispõe o art. 45º., “toda a execução tem por base um título, pelo

qual se determinam o fim e os limites de acção executiva”.

67(?) J. P. Remédio Marques, ob. cit., pág. 45.68

(?) A Exequibilidade da Pretensão, Lisboa, Cosmos, 1991; A Reforma da Acção Executiva cit., págs. 69 e segs.; sobre esta matéria remete-se para J. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5.ª ed. cit., págs. 29-30.69

(?) A Acção Executiva, 5.ª ed., pág. 30.

76

Aparece correntemente a afirmação de que o título executivo é condição

necessária e suficiente da acção executiva, embora a afirmação seja mais

discutível no que toca à alegada suficiência(70).

É clássica a discussão, proveniente da doutrina italiana, sobre se a

natureza do título executivo é a de um mero documento (posição clássica de

CARNELUTTI) ou, pelo contrário, a de um acto jurídico de reconhecimento da

pretensão (tese de LIEBMAN)(71).

Para os presentes efeitos, bastará dizer que o título executivo é o meio

legal de demonstração do direito do exequente, na medida em que estabelece,

de forma ilidível, a existência do crédito exequendo.

20. ESPÉCIES DE TÍTULOS EXECUTIVOS: TÍTULOS JUDICIAIS, NACIONAIS OU ESTRANGEIROS, E TÍTULOS EXTRAJUDICIAIS.

I. O art. 46.º contém uma enumeração taxativa de títulos executivos. Nessa

enumeração destacam-se os seguintes:

- sentenças condenatórias;

- documentos elaborados ou autenticados por notário ou por outras

entidades ou profissionais com competência para tal, que importem

constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;

- documentos particulares, assinados pelo devedor, sem qualquer

forma de legalização (v.g. reconhecimento presencial de

assinatura), “que importem constituição ou reconhecimento de

obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou

determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as

cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou

de prestação de facto”;

70(?) J. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5.ª ed., págs. 71 e segs.71

(?) Remete-se para J. Castro Mendes, Direito Processual Civil, I, cit., págs. 282-283; Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, cit, págs. 49-52.

77

- documento a que, por disposição especial, seja atribuída força

executiva.

É usual distinguir, face ao que consta do art. 46.º, entre títulos judiciais

(antes de mais, as sentenças condenatórias de tribunais estaduais, nacionais

ou estrangeiros, bem como os despachos judiciais que contenham uma

condenação, e ainda as sentenças arbitrais nacionais ou estrangeiras) e títulos

extrajudiciais, sejam estes últimos de natureza negocial (alíneas b) e c) do art.

46.º) ou ainda de natureza administrativa ou outra (alínea d)).

II. As sentenças condenatórias só são título executivo depois do trânsito em

julgado, salvo se o recurso contra elas interposto tiver efeito meramente

devolutivo (art. 47.º, n.º 1). Por regra, hoje os recursos de apelação e de revista

têm efeito meramente devolutivo (cfr. art. 692.º, n.º 1, quanto à apelação; art.

723.º, n.º 1, a contrario, quanto à revista). A apelação pode ter efeito

suspensivo ou por força de lei (art. 692.º, n.º 2) ou por decisão casuística do

juiz, a requerimento do apelante (art. 692.º, n.º 3).

O art. 47.º, n.º 2, estatui que a execução iniciada na pendência do recurso

“extingue-se ou modifica-se em conformidade com a decisão definitiva

comprovada por certidão. As decisões intermédias podem suspender ou

modificar a execução, consoante o efeito atribuído ao recurso que contra elas

se interpuser”(72). Enquanto a sentença estiver pendente de recurso, não pode o

exequente ou qualquer credor ser pago na execução, sem prestar caução, visto

haver o risco de o réu ser absolvido do pedido, deixando de haver título

executivo (n.º 3 do art. 47.º).

Deve notar-se que, havendo execução pendente de recurso admitido com

efeito meramente devolutivo, e nem o recorrente tiver pedido a fixação judicial

72(?) Figure-se a situação de o tribunal de primeira instância ter condenado o réu a pagar ao autor 35.000 euros e a apelação por aquele interposta ter tido efeito devolutivo. O autor pode executar a decisão provisoriamente, mas se a Relação reduzir a condenação para 25.000 euros, a revista for admitida com efeito meramente devolutivo (como é a regra: art. 723.º, n.º 1), a execução modificar-se-á quanto ao seu montante (de 35.000 euros passará para 25.000), podendo extinguir-se se o Supremo Tribunal de Justiça absolver o réu do pedido.

78

do efeito suspensivo, nos termos do n.º 4 do art. 692.º, nem o recorrido tiver

requerido a prestação de caução, nos termos do n.º 2 do art. 693.º, o

executado pode obter a suspensão da execução, já no processo executivo,

mediante prestação de caução (art. 47.º, n.º 4)(73).

Tratando-se de sentenças condenatórias estrangeiras, a exequibilidade

depende de as mesmas terem sido reconhecidas através de um processo de

revisão e confirmação de sentenças estrangeiras (arts. 1094.º a 1100.º), salvo

se o tribunal estadual for de um Estado da União Europeia (em que se aplica o

Regulamento (CE) do Conselho n.º 44/2001) ou um Estado a que se apliquem

as Convenções de Lugano (I e II), no espaço europeu.

São equiparados às sentenças condenatórias os despachos dos tribunais

estaduais ou quaisquer outras decisões ou actos da autoridade judicial que

condenem no cumprimento duma obrigação (art. 48.º, n.º 2).

Existe um regime especial de exequibilidade para as certidões extraídas

de decisões proferidas em processos de inventário (art. 52.º).

III. As sentenças arbitrais proferidas por tribunais arbitrais necessários ou

voluntários com sede em Portugal “são exequíveis nos mesmos termos em que

o são as decisões dos tribunais comuns” (art. 48.º, n.º 2). No que toca às

arbitragens voluntárias, o art. 26.º da LAV (Lei de Arbitragem Voluntária, Lei n.º

31/86, de 29 de Agosto) dispõe que a decisão arbitral tem a mesma força

executiva que a sentença do tribunal judicial de 1.º instância, não carecendo de

qualquer aposição de fórmula executória (exequatur), diferentemente de que

acontece em muitos outros países.

As sentenças arbitrais proferidas por tribunais arbitrais voluntários com

sede no estrangeiro têm de ser revistas em Portugal, nos termos da

Convenção de Nova Iorque de 1958 sobre reconhecimento e execução de

sentenças arbitrais estrangeiras.

73(?) O n.º 5 do art. 47.º contempla as condenações genéricas, as quais não são exequíveis enquanto não tiver sido liquidado o montante de condenação no processo declarativo (arts. 378.º a 380.º-A).

79

IV. Entre os títulos não estritamente judiciais e, nessa medida extrajudiciais,

convém destacar, pela sua importância prática, os títulos de formação judicial

(cfr. art. 53.º, n.º 2), designação que engloba, ao menos em primeira linha, as

injunções para cumprimento de obrigações a que tenha sido aposta a fórmula

executória (ou exequatur) pelo secretário judicial.

As injunções aparecem reguladas no Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de

1 de Setembro, que aprovou a “Acção Declarativa Especial para Cumprimento

de Obrigação Pecuniárias emergentes de Contratos e Injunção” (ADECOPECI).

O Decreto-Lei n.º 269/98 sofreu inúmeras alterações nos quase doze anos de

vigência, a última das quais foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008

(Reforma da Reforma da Acção Executiva).

Na noção do art. 7.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, considera-se

injunção

“… a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.”

Podem ser utilizadas as injunções por um credor que:

- pretenda o cumprimento de obrigações comerciais

emergentes de contrato de valor não superior a €15.000;

- pretenda o cumprimento de obrigações provenientes de

transacções comerciais, sem limite de valor, no âmbito do

Decreto-Lei n.º 32/2003, diploma que procedeu à

transposição de uma directiva comunitária

80

Deve notar-se que as injunções com aposição da fórmula executória são

os títulos executivos mais frequentes depois das sentenças condenatórias,

sendo seguidas por um título cambiário, a livrança.

O credor que pretenda obter um título executivo remete, em regra por via

electrónica, um requerimento de injunção para o Balcão Nacional de Injunções

(BNI), regulado pela Portaria n.º 220.º-A/2008, de 4 de Março e que tem

competência exclusiva para todo o território nacional, estando sedeado em

Braga (se o requerimento for entregue em suporte papel são competentes as

secretarias dos Tribunais). Segue-se a notificação do requerido (art. 12.º do

Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98). Se a notificação não se frustrar, logrando-se

a notificação do requerido e este não deduzir oposição, segue-se a aposição

de fórmula executória pela secretaria (art. 14.º do Anexo). A fórmula de

exequatur tem o seguinte teor “Este documento tem força executiva”.

Pode, depois, ser apresentado o requerimento inicial da acção executiva.

Em contrapartida, se o requerido deduzir oposição, seguir-se-á acção

declarativa especial, nos termos do Decreto-Lei n.º 269/98.

V. Nos títulos extrajudiciais de natureza negocial importa chamar a atenção

para a alínea b) do art. 46.º e para o art. 50.º.

A alínea b) do art. 46.º viu a sua redacção alterada pelo art. 8.º do

Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho, que regulamentou as formas de

diversos actos jurídicos solenes, alterando o Código de Registo Predial, o

Código de Notariado, o Código Civil e outros diplomas. Os documentos podem

ser autênticos (escrituras públicas, testamentos públicos outros actos exarados

de forma avulsa por notários; certidões de actos de registo predial) ou

autenticados por notário “ou por outras entidades ou profissionais com

competência para tal” (conservadores e oficiais do registo; advogados;

solicitadores, representantes das câmaras de comércio e indústria - cfr. art.

38.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março).

Os documentos autênticos ou autenticados são títulos executivos desde

que “importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação” (seja de

81

pagamento de quantia certa, de entrega de coisa certa, seja de prestação de

facto positivo ou negativo).

O art. 50.º, por seu turno, em relação aos documentos exarados ou

autenticados por notário ou por outras entidades ou profissionais com

competência para tal, estabelece que, quando nesses títulos se convencionem

prestações futuras, “podem servir de base à execução desde que se prove, por

documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou,

sendo aquelas omissos, revestidos de força executiva própria, que alguma

prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi

constituída na sequência de previsão das partes.”

Trata-se de uma norma que remonta ao Código de Processo de 1876 e

que no Código de 1939 contemplava dois contratos reais quoad constitutionem:

a abertura de crédito e o fornecimento, embora se referisse a quaisquer outras

escrituras “em que se convencionem prestações futuras” (§ único do art. 51.º

deste último Código).

O Código de 1961 alargou a previsão, eliminando-se a referência a esses

dois contratos.

Surgiram dúvidas na doutrina e na jurisprudência sobre o âmbito de

aplicação do então n.º 2 do art. 50.º, correspondente ao actual art. 50.º.

A redacção de 1961 então vigente era a seguinte:

“As escrituras públicas nas quais se convencionem prestações futuras podem servir de base à execução desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas da escritura ou revestido de força executiva, que alguma prestação foi realizada em cumprimento do negócio.”

Considerava a doutrina que estariam abrangidas as obrigações

constituídas na execução de contratos de execução continuada,

nomeadamente o contrato de abertura de crédito, de fornecimento e de

empreitada ou ainda os contratos em que, segundo o título, o credor tivesse

82

que efectuar uma prestação posteriormente à sua emissão. Este entendimento,

porém, era demasiado amplo, atendendo ao disposto no art. 804.º LEBRE DE

FREITAS preconizava, por isso, que, “não fazendo sentido um regime mais

apertado no caso de escritura pública no que de outro título executivo, a única

maneira de compatibilizar os dois preceitos consistia em restringir a expressão

prestação futura, por forma a fazê-la coincidir com prestação constitutiva dum

contrato real (prestação quoad constitutionem): a prova complementar a que se

referia o art. 50-2 seria exigida apenas quando fosse apresentado um título

executivo negocial […] que provasse a contracção, unilateral ou bilateral, da

obrigação de celebrar um contrato real, por só assim ficar suficientemente

assente, para efeitos de execução, a contracção da obrigação

exequenda[…]”(74)

A redacção introduzida pela Revisão de 1995-1996 (alterada, sem

qualquer relevância para o sentido do preceito, pelo Decreto-Lei n.º 116/2008,

de 4 de Julho) passou a prever dois tipos de situação: por um lado, convenção

de prestações futuras, por outro lado, a constituição de obrigações futuras.

Escreve ainda LEBRE DE FREITAS:

“Correspondendo a primeira formulação à do direito anterior, a substituição da expressão «em cumprimento do negócio» pela expressão «para conclusão do negócio» abona a ideia de que se quis a prova complementar da realização constitutiva dum contrato real prometido por documento autêntico ou autenticado […] assim consagrando nesta parte, embora em termos que podiam ser mais claros, a interpretação mais racional do preceito revogado. Os contratos de abertura de crédito, bem como os de promessa de mútuo, fornecimento, comodato, depósito ou locação são abrangidos por esta primeira previsão do preceito. Quanto à segunda previsão, procura abranger casos em que as partes não se tenham vinculado, bilateral ou unilateralmente, à celebração dum negócio jurídico, mas se tenham limitado a prever, em documento autêntico ou autenticado. […] a possibilidade dessa celebração, nomeadamente constituindo logo garantia

74(?) A Acção Executiva cit., 5.ª ed., págs. 55-56.

83

(maxime hipotecária) que cubra a realização dessa previsão [….]”(75)

Apesar da grande amplitude de exequibilidade dos documentos

particulares, ao art. 50.º continua a ter interesse, na medida em que prevê uma

situação de uma entrega que ocorre do lado do credor e não do lado do

devedor, conferindo o documento previsto no documento autêntico ou

autenticado exequibilidade plena a este.

VI. Relativamente aos documentos particulares, independentemente de

estarem ou não legalizados através do reconhecimento de assinatura do

subscritor, são título executivo quando “importem constituição ou

reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou

determinável por simples cálculo aritmético, de acordo com as cláusulas dele

constantes ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto.”

Já os documentos subscritos por outrem a rogo do seu autor (caso em

que este não saiba ou não possa assinar, neste caso, por razões de saúde) só

dispõem de força executiva se a assinatura estiver reconhecida por notário, ou

por outras entidades ou profissionais com competência para tal (art. 51.º).

Deve notar-se que os documentos particulares não autenticados podem

ser objecto de legalização através de reconhecimentos simples e com menções

especiais, presenciais e por semelhança feitos pelas câmaras de comércio e

indústria, conservadores, oficiais de registo, advogados e solicitadores, nos

termos do Código de Notariado e legislação conexa (sobretudo, art. 38.º do

Decreto-lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março; vejam-se ainda os arts. 22.º, 23.º e

24.º do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho, sobre as exigências de forma

solene, através de escritura pública ou documento particular autenticado, como

condição de validade de certos negócios jurídicos).

75(?) A Acção Executiva cit., págs. 56-57; ver ainda Lebre de Freitas / João Redinha /Rui Pinto, Código de processo Civil Anotado, vol 1.º, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2008, págs. 104-109.

84

Todavia tal legalização não tem qualquer relevância em termos de

exequibilidade dos documentos particulares, como se viu (76). A existência de

legalização da assinatura de documentos particulares pode relevar para outros

efeitos processuais, como veremos à frente (art. 812.º, alínea c); art. 818.º, n.º

1)

VII. A alínea d) do art. 46.º refere que constituem título executivo os

documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.

Sob esta designação aparecem não só títulos executivos judiciais

impróprios ou de formação judicial (vimos atrás ser o caso das injunções a que

tenha sido aposta a fórmula executória) como também documentos particulares

especiais (v.g. a acta de reunião da assembleia de condóminos por

contribuições e despesas devidas ao condomínio – cfr. art. 6.º, n.º 1, do

Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro; o contrato de arrendamento urbano

de habitação acompanhado de certos documentos – cfr. art. 15.º do Novo

Regime de Arrendamento Urbano, NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27

de Fevereiro) e também numerosos documentos administrativos (certidão de

títulos de cobrança de impostos ou de outros tributos – cfr. art. 162.º CPPT;

certidões de dívida de serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, por

serviço ou tratamento prestado – art. 2.º do Decreto-Lei n.º 194/92, de 8 de

Setembro, etc.).

VIII. O art. 46.º tem, desde 2003, um n.º 2 do seguinte teor:

“Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação exequenda.”

A introdução deste número no preceito destinou-se a resolver uma

controvérsia doutrinal e jurisprudencial que incidia sobre a questão de saber se

podiam ser pedidos juros moratórios numa execução instaurada com base num

título em que nada se dizia sobre a obrigação de pagar tais juros. Antes da

Reforma de 2003, já LOPES CARDOSO sustentara a possibilidade de o

76(?) Cfr. Lebre de Freitas / João Redinha / Rui Pinto, Código cit, vol 1.º, 2.ª ed., pág. 91.

85

exequente pedir a realização forçada da obrigação legal de pagar juros

moratórios (art. 806.º do Código Civil), embora a maioria da jurisprudência

entendesse, quando o título executivo fosse judicial, que não seria possível

exigir juros de mora na execução quando a sentença condenatória não tivesse

condenado no seu pagamento. Hoje, é pacífico que, quer se trate de títulos

judiciais, quer se trate de títulos extrajudiciais, na execução o exequente pode

pedir juros moratórios. Apenas não o poderá fazer, se a sentença condenatória

tiver absolvido o réu do pedido de pagar juros moratórios (art. 661.º). Tais juros

serão devidos, em regra, ou a partir da citação, na acção declarativa se for o

caso, ou em data anterior se o devedor se tiver constituído em mora nos casos

previstos na lei (ver o art. 805.º, n.os 2 e 3) (77).

21. QUESTÕES SUSCITADAS PELOS TÍTULOS EXECUTIVOS

I. Devemos começar por notar que, hoje, não é o título executivo que chega

ao tribunal e ao agente de execução, no comum dos casos, mas uma cópia

desmaterializada, enviada por via informática:

O art. 810.º, n.º 6, estabelece que:

“Sem prejuízo da apresentação de outros documentos e do referido no n.º 3 do artigo 467.º, o requerimento executivo, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, deve ser acompanhado:

a) Da cópia ou do original do título executivo quando o requerimento é entregue por via electrónica ou em papel, respectivamente.”

Ora, como, em regra, os requerimentos executivos são apresentados por

via electrónica, o título executivo apresentado é uma cópia do original.

Teoricamente, é possível ao exequente, com base num único título executivo,

distribuir uma pluralidade de execuções contra o mesmo executado, para a

77(?) Lebre de Freitas, ob cit., pág. 36, nota (2).

86

realização forçada do mesmo crédito. Em tal situação anómala, afigura-se que

o executado terá de se opor às sucessivas execuções, invocando a

litispendência ou a inexistência do crédito exequendo, por já ter sido exigido

noutra execução. Não está excluído que o executado possa pedir ao tribunal

que determine ao exequente a apresentação do original do titular executivo

(art. 809.º, n.º 1, al. d)).

Antes da Reforma da Acção Executiva, sustentava-se na doutrina e na

jurisprudência que uma cópia de um título de crédito (por ex., uma fotocópia

autenticada ou uma certidão do documento junto a outro processo) não podia

servir de base à execução mas apenas o original, embora houvesse vozes que

entendiam que, em certos casos, se poderia justificar a pluralidade de títulos

(numa letra de câmbio, execuções instauradas contra o aceitante, primeiro,

juntando-se a este processo o original da letra; e, em segundo lugar, contra o

sacador, juntando-se certidão do original). Esta doutrina deverá valer, em linha

de princípio, embora a desformalização referida possa suscitar algumas

perplexidades(78).

II. Os títulos cambiários, como sejam as letras, livranças e os cheques (79)

continuam a ser títulos executivos ainda que estejam prescritas as obrigações

cambiárias dos seus subscritores. De facto, a prescrição tem de ser invocada

pelo executados através de oposição, não sendo essa excepção peremptória

de conhecimento oficioso.

Haverá, porém, que recordar o carácter abstracto dos títulos cambiários,

dos quais pode, ou não, constar a causa da relação jurídica subjacente . Neste

contexto, podem levantar-se alguns problemas de resolução mais complexa.

Escreve LEBRE DE FREITAS:

78(?) Remete-se para Amâncio Ferreira, Curso cit., pág. 40.79

(?) Foi discutido na nossa doutrina e jurisprudência se o cheque poderia ser um título executivo contra o sacador, quando a verdade é que este dá uma ordem de pagamento ao Banco sacado. A verdade é que existe título executivo, atendendo a que a Lei Uniforme sobre o Cheque confere um direito de acção do portador contra o sacador, em caso de recurso de pagamento pelo Banco. Cfr. Lebre de Freitas, A Acção cit., 5.ª ed., pág. 59.

87

“Quanto aos títulos de crédito prescritos dos quais não conste a causa da obrigação, tal como quanto a qualquer outro documento particular nas mesmas condições, há que distinguir consoante a obrigação a que se reportam emerja ou não dum negócio jurídico formal. No primeiro caso, uma vez que o negócio jurídico é um elemento essencial deste, o documento não constitui título executivo (arts. 221-1 CC e 223-1 CC). No segundo caso, porém, a autonomia do título executivo em face da obrigação exequenda e a consideração do regime de reconhecimento da dívida (art. 458-1.º CC) leva a admiti-lo como título executivo, sem prejuízo de a causa de obrigação dever ser invocada na petição executiva […] e poder ser impugnada pelo executado […]; mas, se o exequente não a invocar, ainda que a título subsidiário, no requerimento executivo, não será possível fazê-lo na pendência do processo, após a verificação da prescrição da obrigação cautelar e sem o acordo do executado (art. 272), por tal implicar alteração da causa de pedir[…]”(80)

III. O que sucede se o título executivo consubstanciar um negócio jurídico

nulo?

De facto, pode verificar-se a situação de haver um título negocial com as

condições de exequibilidade extrínseca mas em que o negócio jurídico

corporizado no título é inválido, por um vício de substância ou de forma de

declaração negocial. Se se tratar de um vício de forma, naturalmente que a

invalidade do negócio acarreta a invalidade do título (por exemplo, pede-se a

entrega de coisa imóvel certa com base num documento particular de compra e

venda em que o vendedor se obriga a entregar o imóvel em certa data). Nessa

medida, o juiz da execução pode conhecer oficiosamente da nulidade do título

executivo (cfr. arts. 812.º-D, alíneas e) e f), 820.º e 816.º). Tratando-se de um

vício substancial (por exemplo, simulação), naturalmente a questão deve ser

suscitada em oposição pelo executado, porque dificilmente resultará do título

ou do requerimento inicial a prova de simulação.

80(?) A Acção cit., 5.ª ed., págs. 62-63.

88

IV. Cabe perguntar, neste contexto, se o título executivo constitui a causa de

pedir na acção executiva. Esta questão é clássica na doutrina processulista

italiana e portuguesa, pelo menos.

Entende-se que o título executivo não é a causa de pedir da acção

executiva. De facto, nos termos do art. 810.º, n.º 1, alínea e), o exequente, no

requerimento executivo, é obrigado a expor “sucintamente os factos que

fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo”. É claro que,

se o título executivo for um título cambiário de onde não conste a relação

subjacente, não há uma dispensa legal de invocação de causa de pedir, o que

releva, como se viu, se as obrigações cambiárias estiverem prescritas.

Esta problemática é importante para a discussão atrás referida sobre se o

título executivo é um acto ou um documento(81).

Deve, porém, notar-se quer, se houver dois títulos executivos quanto à

mesma obrigação (por exemplo, uma livrança e o contrato de mútuo subjacente

corporizado num documento particular, e se forem apresentados dois

requerimentos executivos com base nesses documentos, o executado poderá

suscitar, na execução em que foi citado em último lugar, a excepção de

litispendência (art. 497.º, n.º 1).

V. LEBRE DE FREITAS chama a atenção para que, sendo em sua opinião,

o título executivo um documento – na linha da tese de CARNELUTTI de que

era um documento que continha a prova sintética da existência do crédito

exequendo -, a sua função executiva, “embora pressupondo sempre a sua

função probatória, não se confunde com ela e o documento constitui base da

acção executiva, com autonomia relativamente à actual existência da

obrigação, que não tem, em princípio, de ser questionada na acção executiva

[…], e em conformidade com a lei vigente à data em que o tribunal tenha de

verificar a exequibilidade[…]”(82).

81(?) Ver a questão tratada por Alberto dos Reis, no seu clássico Processo de Execução, vol. 1.º, págs. 95 e segs; Lebre de Freitas, Acção, 5.ª ed., págs. 66 e segs. Este último autor sustenta que o título executivo é um documento e não o acto jurídico a que aquele se refere.82

(?) Acção Executiva, 5.ª ed., pág. 70.

89

VI. Se o exequente instaurar acção executiva sem juntar o título não judicial,

o traslado de sentença ou não requerer a apensação da acção declarativa

onde foi proferida a sentença condenatória (cfr. art. 90.º, n.º 3), o agente de

execução deve submeter o requerimento executivo a despacho liminar (art.

812.º-D, alínea f)), devendo o juiz proferir despacho de aperfeiçoamento (art.

812.ºE, n.º 3), de forma a que o exequente possa juntar o título em falta.

Solução semelhante deverá ocorrer se o título junto aos autos nada tiver a ver

com a obrigação exequenda.

Se for manifesta a falta de título executivo ou a sua insuficiência deve

haver indeferimento liminar. Se o título executivo fizer referência a uma

obrigação de montante inferior ao constante do requerimento executivo, pode,

haver indeferimento liminar parcial (art. 812.º-E, n.º 2)(83).

À frente, voltaremos a fazer uma referência a esta matéria.

22. A CHAMADA EXEQUIBILIDADE INTRÍNSECA DA OBRIGAÇÃO DO EXECUTADO: EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO, CERTEZA E LIQUIDEZ

I. O art. 802.º estatui, sob a epígrafe “requisitos da obrigação exequenda”:

“A execução principia pelas diligências, a requerer pelo

exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível

e líquida, se o não for em face do título executivo”

Como se viu, o título executivo permite presumir a existência da

obrigação, que pode, entretanto, ter sido extinta pelo pagamento. Ora, importa

atentar que do título executivo há-de constar se a obrigação é certa e líquida

(por exemplo, o devedor confessa dever ao credor 50.000 euros), se está

vencida (o devedor confessa que pagará esse montante em 1 de Fevereiro de

2010) ou se, pelo contrário, a obrigação é ilíquida (o réu é condenado a pagar o 83

(?) Sobre esta problemática, remete-se para Abrantes Geraldes, “Títulos Executivos” in Themis – ano IV (2003), n.º 7, págs. 35-66.

90

que se vier a apurar no incidente de liquidação) ou genérico (entregarei dez

toneladas de trigo) ou se não está vencido (pagarei 50.000 euros em 1 de

Junho de 2011).

A exequibilidade intrínseca da obrigação exequenda é um pressuposto

específico da acção executiva ou, noutra terminologia, uma condição dessa

acção.

II. A obrigação é certa se ela está determinada do ponto de vista qualitativo.

Não se confunde com a obrigação líquida (se for ilíquida há apenas uma dúvida

quanto ao quantum).

Se se tratar de uma obrigação alternativa (o signatário entregará um

automóvel da marca…., em segunda mão, com a matricula…., ou, em

alternativa, a quantia de 12.500 euros), importa torná-la certa através de um

acto de escolha ou de determinação. Até lá, a obrigação é incerta e não pode

iniciar-se a execução. Pode haver até incerteza quanto à finalidade da

execução (se a alternativa for entre a entrega de uma coisa e uma prestação

de facto).

O art. 803.º regula a matéria da escolha na obrigação alternativa,

distinguindo os casos em que a mesma pertença ao devedor ou a terceiro:

cabendo a escolha ao devedor, o agente de execução cita-o para se opor à

execução, se o entender, e para, no mesmo prazo da oposição, se outro não

tiver sido fixado pelas partes, declarar por qual das prestações opta. Se a

escolha pertencer a terceiro, é notificado pelo agente de execução para a

efectuar. O n.º 3 devolve ao credor exequente a escolha, no caso de nem o

devedor nem o terceiro a terem efectuado, bem como, no caso de pluralidade

de devedores, não ter sido possível formar maioria quanto à escolha. O

disposto no n.º 3 do art. 803.º foi alterado pela Reforma da Reforma de 2008 e,

discutivelmente, afastou-se do regime de direito civil (art. 400.º, n.º 2, do

Código Civil).

91

III. Se se tratar de uma obrigação genérica, ocorre uma situação em que, no

género pressuposto pelo seu objecto, existem várias espécies. O devedor está

obrigado a prestar uma ou outra espécie. Em tal caso, aplica-se de pleno o art.

803.º. Através da escolha, a obrigação genérica torna-se específica. Por

exemplo, o devedor está obrigado a entregar 100 garrafas de vinho de uma

certa colheita. Importa tornar específica a obrigação, de modo a saber-se quais

as garrafas que, em concreto, devem ser entregues ao exequente.

IV. A exigibilidade pressupõe que a dívida deve ser de imediato prestada pelo

executado.

Se a obrigação tiver um prazo certo para a prestação, importa saber se o

prazo já decorreu, no momento de instauração da execução, ou não. Havendo

um prazo certo e não tendo o devedor prestado o bem ou serviço a que se

obrigara, há mora do devedor (art. 805.º, n.º 2, al. a), do Código Civil). Se a

obrigação for pura, é exigível a partir de interpelação do credor.

LEBRE DE FREITAS chama a atenção para as situações em que o

credor tem de colaborar com o devedor, nomeadamente quando a prestação

deve ser realizada no domicílio deste (art. 772.º do Código Civil). Escreve este

Processualista, sobre as situações em que não houve colaboração do credor,

havendo mora creditoris:

“Esta situação de mora do credor não impede a propositura da acção executiva, como resulta do art. 662-2-b […] conjugado com o art. 466.º, bem como do direito substantivo.

O preceito do art. 662-2-b só é directamente aplicável aos casos de obrigação pura em que não tenha sido feita interpelação ou esta tenha tido lugar fora do local do cumprimento. Mas é aplicável, por analogia, ao caso de obrigação a prazo em que o credor deve proceder à cobrança no domicílio do devedor, com a única diferença de no termo do prazo ocorrer o vencimento, mas não a mora do devedor. Adaptando este preceito a esta situação, temos que a dívida está vencida no momento da

92

propositura da acção, mas a mora só tem lugar a partir da citação.

A responsabilidade pelas custas incumbe, porém, neste caso ao autor (art. 449-2-b)”(84).

Já se o prazo do vencimento tiver de ser fixado pelo tribunal, deve o

credor, na fase liminar de execução, proceder à fixação judicial do prazo para

cumprir (cfr. arts. 1456.º-1457.º).

V. As obrigações sob condição suspensiva são reguladas no art. 804.º.

Neste caso, o credor exequente tem de provar documentalmente, perante o

agente de execução, que se verificou a condição. Se a prova não puder ser

documental, o credor, ao apresentar o requerimento executivo, deve oferecer

de imediato as respectivas provas. Em tal situação, o agente de execução tem

de promover a intervenção do juiz, o qual aprecia a prova produzida de forma

sumária, sem contraditório do executado. O juiz pode, porém, optar por ouvir o

devedor executado, caso em que este “é citado com a advertência de que, na

falta de contestação, se considera verificada a condição”, nos termos do

requerimento executivo, salvo o disposto no art. 485.º. A contestação do

executado só pode ter lugar na execução (art. 804.º, n.º 4; cfr. art. 812.º-D,

alínea b)).

Aplicam-se os nos 7 e 8 do art. 805.º, com as necessárias adaptações

“quando se execute obrigação que só parcialmente seja exigível” (n.º 6 do art.

804.º).

Ocorre, pois, um caso de prova complementar do título executivo,

frequente nas situações de incerteza ou de inexigibilidade da prestação. Essa

prova complementar está prevista nos nos 1.º a 4.º do art. 804.º.

VI. O regime do art. 804.º aplica-se igualmente às obrigações sinalagmáticas,

isto é, quando a obrigação esteja dependente de “uma prestação por parte do

credor ou de terceiro”. O credor exequente tem de provar que efectuou a sua

84(?) A Acção Executiva, 5.º ed., pág. 91.

93

contraprestação, ou que a ofereceu, sob pena de não poder recorrer logo à

execução.

VII. A obrigação ilíquida tem de tornar-se líquida, para poder ser executada.

Se o título for uma sentença judicial nacional que condene em quantia ilíquida,

a liquidação terá, desde a Reforma de 2003, de ser feita num incidente da

liquidação (arts. 378.º a 380.º-A), dependente do processo declarativo.

Segundo o n.º 2 do art. 378.º, “o incidente de liquidação pode ser deduzido

depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do

artigo 661.º, e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada”.

Além da liquidação pelo juiz do processo declarativo, eventualmente com

recurso a prova pericial (art. 380.º, n.º 4), pode haver liquidação por árbitros

(art. 380.º-A). A iliquidez abrange dívidas pecuniárias de montante

indeterminado ou ainda obrigações cujo objecto mediato seja uma

universalidade de facto (cfr. art. 805.º, n.º 7). Neste último caso, terá de se

instaurar uma execução para entrega de coisa certa.

Se o título for uma sentença judicial que condenou em quantia líquida e

em juros, os juros têm de ser liquidados, pois continuam a vencer-se na

pendência da acção executiva. Neste último caso, tal liquidação é feita por

cálculo aritmético a final, na própria acção executiva, pelo agente de execução

(art. 805.º, n.º 2). O agente de execução pode ainda liquidar a sanção

pecuniária compulsória que tenha sido imposta ao executado (cfr. art. 829.º-A

do Código Civil, arts. 805.º, n.º 3, 933.º, n.º 1, e 941.º, n.º 1, alínea c)).

Quando, não sendo o título executivo uma sentença judicial e a liquidação

não dependa de simples cálculo aritmético, o agente de execução cita logo o

executado para a contestar, em oposição à execução, com a advertência de

que, na falta de contestação, a obrigação se considera fixada nos termos do

requerimento executivo, salvo o disposto no art. 485.º (acolhe-se um sistema

cominatório pleno para a revelia operante). Havendo contestação através de

oposição à execução, ou sendo a revelia inoperante, aplicam-se as regras do

incidente declarativo de liquidação (art. 805.º, n.º 5), ou seja, segue-se a forma

de processo sumário. A decisão final, que é irrecorrível (art. 922.º, n.º 1, alínea

94

b), faz caso julgado material. É criticável a supressão de recurso da decisão

final.

Pode igualmente haver liquidação por árbitros (art. 805.º, n.º 6).

Deve chamar-se a atenção para que, entre 2003 e a entrada em vigor da

Reforma da Reforma da Acção Executiva, foi discutido se a execução de uma

sentença arbitral que condenasse em quantia ilíquida devia aguardar a

liquidação no processo declarativo (sendo certo que o tribunal arbitral se

extingue após a prolação da sentença final – cfr. art. 25º da Lei de Arbitragem

Voluntária, Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto), eventualmente através da

constituição de novo tribunal arbitral, ou, antes, se devia seguir-se o processo

do art. 805.º, n.º 4, como preconizavam LEBRE DE FREITAS e PAULA COSTA

E SILVA. O Decreto-Lei n.º 226/2008 aditou, no n.º 4 do art. 805.º, o adjectivo

“judicial” a sentença, tudo apontado para que adoptou o entendimento de que a

liquidação de obrigações ilíquidas só deve ser feita em incidente de acção

declarativa (arts. 378.º a 380.º-A) quando a sentença condenatória provenha de

tribunal judicial português(85).

85(?) Neste sentido, Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5.ª ed., pág. 85, nota (10-A). Sem atentar nesta alteração, Amâncio Ferreira sustenta que a liquidação deve continuar a ser feita em processo no tribunal civil, e não através de arbitragem, cfr. Curso cit., 12.ª ed., pág. 125, nota (203).

95

IV

OS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS GERAIS DA ACÇÃO EXECUTIVA

23. A COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL

I. Por não estar ainda em funcionamento qualquer centro de arbitragem

institucionalizada autorizado a tramitar acções executivas (cfr. arts. 11.º a 18.º

do Decreto-Lei n.º 226/2008) só os tribunais judiciais têm competência para

conhecer das execuções cíveis.

II. Talvez valha a pena referir brevemente a problemática da competência

internacional dos tribunais portugueses em matéria executiva.

O art. 65.º-A estatui que, “sem prejuízo do que se acha estabelecido em

tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, os tribunais

portugueses têm competência exclusiva para: […] alínea e) As execuções

sobre bens existentes em território português”. Deve notar-se que existe uma

nova redacção do art. 65.º-A, que é estranhamente aplicável agora a três

comarcas-piloto do Alentejo Litoral, Baixo Vouga e Grande Lisboa Noroeste

(introduzida pela nova Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais

Judiciais, Lei n.º 52/02208, de 28 de Agosto; ver ainda os Decretos-Lei n os

25/2009, de 26 de Janeiro, e 28/2009, de 28 de Janeiro) e segundo o qual os

tribunais portugueses só têm competência internacional exclusiva “para as

execuções sobre bens imóveis situados em território português” (alínea b) da

nova redacção do art. 65.º-A).

Independentemente da restrição aos bens imóveis introduzida pela Lei n.º

52/2008, pode afirmar-se que, na prática, só a existência de bens em Portugal

permite que se tramite com eficácia uma acção executiva contra o titular dos

bens. Sendo penhorados direitos, é difícil encontrar uma localização precisa

dos mesmos. Também quanto aos bens móveis, a presença dos mesmos em

Portugal no momento da instauração não implica, claro, que os mesmos não

96

possam ser levados para o estrangeiro. Se não houver outros bens, a

execução instaurada em Portugal acabará por se extinguir.

Em todo o caso e no rigor dos princípios, é de acolher a tese de LEBRE

DE FREITAS e de AMÂNCIO FERREIRA, no sentido de que a norma de

competência exclusiva do art. 65.º-A, alínea e) (vigente em quase todo o país)

não afasta as normas de competência (não exclusiva) do art. 65.º, existindo

jurisprudência nesse sentido:

“Desde que o bem a apreender não se localize em Estado da União Europeia ou signatário da Convenção de Lugano […], a competência do tribunal português para uma execução a incidir sobre bens não existentes em Portugal à data da propositura da acção pode resultar do critério da coincidência (art. 65-1-b) ou de outro que o art. 65-1 consagre […]. Quanto aos critérios que, uma vez assente a competência dos tribunais portugueses à luz da al. d) do art. 65-I[…] permitirão determinar o tribunal interno territorialmente competente, duas vias são defensáveis;:

- o recurso, à falta de outros no plano do direito constituído, aos critérios constantes do art. 85, a aplicar subsidiariamente;

- a aplicação analógica do art. 94-4.

A segunda via é a que melhor se enquadra no actual sistema”.(86)

Todavia, não havendo (ou sendo conhecidos) bens em Portugal, a

execução tenderá a não ter resultado prático e acabará por se extinguir em

Portugal. É irrealista sustentar que será possível penhorar bens sitos no

estrangeiro através de carta rogatória, quando é certo que a solução não é

exequível mesmo no espaço europeu (Regulamento n.º 44/2001, designado

como Bruxelas I, arts. 22.º, n.º 5, 39.º, n.º 2, 47.º, n.º 2). Há jurisprudência

nacional de sentido diverso(87).

86(?) Lebre de Freitas, Acção Executiva, 5.º ed., págs. 115-116. No mesmo sentido, Amâncio Ferreira, Curso cit., 12.ª ed., pág. 91. No sentido de que o critério do art. 65.º-A, al. e) (ou b), na nova redacção) deve ser bilateralizado veja-se Teixeira de Sousa, A Reforma da Acção Executiva, págs. 80-82.87

(?) Acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Fevereiro de 2003, in Colectânea de Jurisprudência XXVIII, (2003), tomo I, pág. 104 (competência dos tribunais portugueses para executar a

97

A regra da competência exclusiva dos tribunais portugueses em sede de

execução delimita-se pela existência de bens em Portugal, móveis ou imóveis

(diversa a situação da LOFTJ de 2008)(88).

É duvidoso que o princípio da autonomia da vontade se aplique à acção

executiva (pacto atributivo ou privativo de jurisdição), atento o disposto no art.

65.º-A, alínea e) (ou b), na redacção da LOFTJ de 2008).

III. Ainda no domínio da competência internacional, a redacção introduzida

em 2003 do art. 65.º-A estabelece a exclusividade da competência dos

tribunais portugueses sem prejuízo de que se encontre estabelecido “em

regulamentos comunitários ou em outros instrumentos internacionais”.

Teremos, por isso, de atender aos Regulamentos de Bruxelas I e de Bruxelas II

à Convenção de Lugano I e à Convenção de Lugano II (nas relações com a

Noruega). Remete-se para o que se deixou atrás referido (Capitulo I, n.º 13).

Na prática, só têm competência os tribunais do Estado Membro da União

Europeia ou do País do Espaço europeu onde haja bens (lugar da execução),

ainda que seja discutível se, por exemplo, o art. 22.º do Regulamento de

Bruxelas I prevê um caso de competência internacional exclusiva.

IV. No domínio da competência interna dos tribunais portugueses, teremos

de começar pela competência em razão da matéria.

Na LOFTJ de 1999 (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro), teremos de atender

aos diferentes tribunais:

- aos tribunais de competência genérica compete “exercer, no âmbito

do processo de execução, as competências previstas no Código de

sentença proferida por tais tribunais, embora se pretendesse penhorar bens no estrangeiro). Cfr. arts. 65.º, n.º 1, alínea b) e 90.º, n.º 1.88

(?) Vejam-se sobre este ponto M. Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lisboa, Lex, 1998, págs. 126 e segs., e Reforma de Acção Executiva cit., págs. 81-83; Anselmo de Castro, Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 5.º ed., Coimbra, Almedina, págs. 66-68.

98

Processo Civil, onde não houver juízos de execução” (art. 77.º, n.º 1, al.

c));

- aos tribunais de família, enquanto tribunais de competência

especializada, compete preparar e julgar as acções e execuções por

alimentos entre cônjuges e ex-cônjuges (art. 81.º, alínea f)), bem como a

fixação de alimentos devido aos filhos menores ou maiores e

emancipados, preparando e julgando as execuções por alimentos (art.

82.º, n.º , alínea e));

- aos tribunais de trabalho compete conhecer, em matéria civil, das

execuções fundadas nas suas decisões ou noutros títulos executivos,

ressalvada a competência atribuída a outros tribunais (art. 85.º, alínea n));

- às varas cíveis, tribunais de competência especifica, compete

“exercer, nas acções executivas fundadas em título que não seja decisão

judicial, do valor superior à alçada da Relação, as competências previstas

no Código de Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela

competência dos juízes de execução (art. 97.º, n.º 1, al. b));

- o art. 102.º-A, estabelecia que competia aos juízos de execução

exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas

no Código de Processo Civil (reacção do Decreto-Lei n.º 38/2003). A Lei

n.º 42/2005, de 29 de Agosto, acrescentou dois números a este artigo,

estabelecendo-se no n.º 2, que estão excluídos da competência dos

juízos de execução “os processos atribuídos aos tribunais de família e

menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos

tribunais marítimos e as execuções de sentenças proferidas por tribunal

criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr

perante o tribunal civil”; o n.º 3 do art. 102-A, estabelece que, “compete

também aos juízos de execução exercer, no âmbito do processo de

execução por dívidas de custas cíveis e multas aplicadas em processo

cível, as competências previstas no Código de Processo Civil não

atribuídas aos tribunais de competência especializada referidas no

número anterior”;

99

- O art. 103.º estabelece que, “sem prejuízo da competência dos juízos

de execução, os tribunais de competência especializada e de

competência específica são competentes para executar as respectivas

decisões” (redacção da Lei n.º 42/2005).

Na LOFTJ de 2008 (que só vigora, na 1.º instância, nas três comarcas-

piloto, tendo sido anunciado pelo Governo que vai ser diferida a entrada em

vigor dessa Lei no resto do Pais para 2014), a solução mantém-se inalterada.

Dispõe o seu art. 126.º:

“1. Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.

2. Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos aos juízos de família e menores, aos juízos do trabalho, aos juízos de comércio, aos juízos de propriedade intelectual e aos juízos criminais que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível.

3. Compete também aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução por dívidas de custas cíveis e multas aplicadas em processo cível, as competências previstas no Código de Processo Civil não atribuídas aos juízos de competência especializada referidos no número anterior”

Deve notar-se que os tribunais tributários e administrativos têm

competências em razão da matéria no domínio da execução das suas

decisões, como vimos no Capítulo I, n.º 11. Trata-se de um critério de

atribuição positiva, tal como se prevê nas duas LOFTJ, de 1999 e de 2008,

quanto a diferentes tribunais. Existe uma competência residual a favor dos

tribunais judiciais (arts. 18.º, n.º 1, LOFTJ e 66.º).(89)

V. No domínio da competência em razão da hierarquia, importa chamar a

atenção para que só os tribunais de 1.ª instância têm competência executiva 89(?) Cfr. Lebre de Freitas, Acção Executiva cit., 5.ª ed., pág. 105.

100

(arts. 90.º, n.º 1 e 91.º, n.º 1)(90). Deve notar-se que as Relações têm

competência, como tribunais de primeira instância, para certas acções

declarativas de indemnização contra magistrados (arts. 1083.º e segs.) para as

acções de revisão de sentença estrangeira e para a concessão do exequatur

às decisões dos tribunais eclesiásticos. O Supremo Tribunal de justiça também

tem competência como tribunal de 1.ª instância para certas acções de

indemnização contra magistrados. A eventual execução de sentenças

condenatórias destes tribunais superiores, e de decisões estrangeiras, de

tribunais estaduais ou arbitrais, cabe sempre à 1.ª instância (art. 91.º).

VI. A competência em razão do valor

O art. 20.º da LOFTJ de 1999 estabelece que a lei do processo determina

o tribunal em que a acção deve ser instaurada em face do valor da causa. Na

LOFTJ de 2008 não se faz qualquer referência à competência em razão do

valor. Já o art. 68.º estatui que as leis de organização judiciária determinam

quais as causas que, pelo valor do processo ou pela forma de processo

aplicável, se inserem na competência de tribunais singulares ou colectivos,

prevendo o Código os casos em que se pode renunciar ao tribunal colectivo.

Efectivamente, as competências entre os tribunais de competência

genérica, de competência especializada e de competência específica

distinguem-se em função da matéria e da forma do processo e não do valor.

Só relativamente aos títulos extrajudiciais, e também quanto aos arbitrais,

pode ser invocado um critério de valor, quando não haja juízo de execução: às

varas cíveis competem as acções executivas de valor superior à alçada dos

tribunais da Relação (art. 97.º, n.º 1, alínea b), LOFTJ de 1999) e aos juízos

cíveis às restantes acções executivas (art. 99.º da mesma Lei).

Na LOFTJ de 2008, existem juízos de competência genérica e juízos de

competência especializada, não intervindo o valor da acção ou execução na

atribuição de competências em razão da matéria (cfr. arts. 110.º, n.º 2, alínea

b) , 114.º, alínea g)). Mas já nos juízos de competência especializada cível,

intervém o critério do valor (cfr. art. 128.º, n.º 1, alínea b), quanto aos juízos da

90(?) Cfr. Lebre de Freitas, Acção Executiva cit., 5.ª ed., págs. 106-107.

101

grande instância cível, e arts. 129.º, n.º 1, quanto aos juízos da média instância

cível e 130.º quando aos juízos da pequena instância cível).(91)

VII. A competência em razão do território – títulos executivos judiciais

Importa analisar as chamadas “disposições especiais sobre execuções”

(secção V do Capítulo III, “Da competência Interna” do Livro II d Código de

Processo Civil). Trata-se dos arts. 90.º a 95.º.

O art. 90.º estatui (na redacção introduzida pela Lei n.º 14/2006, de 26 de

Abril), no seu n.º 1:

“Para a execução que se funde em decisão proferida por tribunais portugueses, é competente o tribunal do lugar em que a causa tenha sido julgada.”

Por seu turno, o n.º 3 deste artigo 90.º estabelece que a execução corre

por apenso ao processo declarativo onde foi proferida a sentença condenatória

“excepto quando, em comarca com competência executiva específica, a

sentença haja sido proferida por tribunal com competência específica cível ou

com competência genérica, e quando o processo tenha entretanto subido em

recurso, casos em que corre no traslado, sem prejuízo da possibilidade de o

juiz da execução poder, se entender conveniente, apensar à execução o

processo já findo.”

Por regra, como vimos, proferida a decisão condenatória pelo tribunal de

1.ª instância, o requerimento executivo é apenso ao processo declarativo,

embora esta regra fizesse mais sentido quando o requerimento executivo era

apresentado em suporte de papel. Quando é apresentado – como é a regra –

em suporte informático, o que importa é que se junte a sentença condenatória,

também em ficheiro informático. Deve notar-se que, se houver condenação

proferida por uma vara cível de Lisboa, a execução corre no juízo de execução

de Lisboa (cfr. art. 102.º-A da LOFTJ de 1999, conjugado com este art. 90.º, n.º

3).

91(?) Cfr. Lebre de Freitas, A Acção Executiva cit., 5.ª ed., pág. 107; detalhadamente e sobre a LOFTJ DE 2008, Amâncio Ferreira, Curso, 12.ª ed., págs. 100-102.

102

O traslado ou certidão da sentença condenatória é utilizado quando esta

esteja sujeita a recurso, com efeito meramente devolutivo (cfr. arts. 47.º, n.º 1,

e 693.º, n.º 1)(92).

Tratando-se de execução de sentença proferida em tribunais superiores,

em acção proposta na Relação ou no Supremo – a regra não se aplica, pois, às

decisões confirmatórias ou total ou parcialmente revogatórias das Relações e

do Supremo, em via de recurso (cfr. art. 47.º) – é competente para a execução

o tribunal do domicílio do executado, salvo o caso especial do art. 89.º. Para tal

o processo é enviado ao tribunal de primeira instância, ou, estando pendente

recurso, é enviado um mero traslado (art. 91.º).

Há regras específicas quanto às execuções por custas, multas e

indemnizações seja quando proferidas em processos declarativos que correm

na 1.ª instância – como é a regra e é o que sucede na maioria esmagadora dos

casos – seja quando proferidas em processos que correm nos tribunais

superiores (Relações e Supremo). A regra no primeiro caso é da competência

do tribunal do lugar em que correu o processo declarativo (art. 92.º; o n.º 2

prevê a apensação da execução por custas, multas e indemnização à

execução instaurada por uma das partes contra o condenado).

Tratando-se o título executivo de uma sentença do tribunal estadual

estrangeiro, a mesma só é título executivo depois de revista e confirmada,

através do processo especial previsto nos arts. 1094.º a 1102.º, salvo quando

provenha de tribunal do espaço europeu (em que se aplicam os Regulamentos

de Bruxelas I e Bruxelas II, as Convenções de Lugano e Lugano II ou os

regulamentos sobre título executivo europeu, sobre acções de pequeno

montante e de injunção europeia, como atrás se referiu). O art. 95.º estabelece

que a competência neste caso determina-se nos termos do art. 91.º, na

redacção introduzida em 2003 e que pôs termos a dúvidas e a soluções de

sentido oposto propugnadas pela doutrina(93).

92(?) Ver Lebre de Freitas, Acção Executiva, 5.º ed., págs. 108-109. A LOFTJ de 2008 (Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto) deu nova redacção do art. 90.º, a qual só vigora nas comarcas de Baixo Vouga, Grande Lisboa Noroeste e Alentejo Litoral. Nessa redacção só o n.º 3 é alterado, substituindo-se as expressões “tribunal de competência específica” e “tribunal de competência genérica” por “juízo de competência especializada cível ou de competência genérica”. Não há alteração do sentido normativo mas pura actualização de terminologia.93(?) Sobre a problemática de competência para executar títulos judiciais estrangeiros remete-se para Lebre de Freitas, Acção Executiva, 5.ª ed., págs. 110-112, e para Amâncio Ferreira,

103

Quanto às decisões dos julgados de paz (cfr. Lei n.º 78/2001, de 13 de

Julho), estas são executadas nos tribunais judiciais de primeira instância, visto

os julgados de paz carecerem de competência executiva (art. 6.º daquela Lei).

A execução há-de correr no tribunal da comarca do lugar em que tem sede o

julgado de paz (art. 96.º, n.º 1, e 6.º, n.º 2, da Lei n.º 78/2001).

Por último, convirá referir os títulos de formação judicial que são as

injunções a que tenha sido aposta a fórmula executória. Neste caso, na

ausência de norma especial no Código de Processo Civil, hão-de aplicar-se as

regras constantes do art. 94.º, dado o seu carácter geral(94).

VIII. A competência em razão do território: decisões arbitrais.

O art. 90.º, n.º 2, dispõe que, se a decisão tiver sido proferida por árbitros

em arbitragem que tenha tido lugar em território nacional - e a que se aplica,

por isso, a Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto,

art. 37.º independentemente de se tratar de uma arbitragem comum ou de uma

arbitragem internacional, que é aquela que, decorrendo em Portugal, resolve

um litígio que põe em jogo “interesses do comércio internacional” (art. 32.º da

LAV) – o tribunal territorialmente competente é o da comarca do lugar da

arbitragem.

Tratando-se de sentença arbitral que tenha sido proferida por árbitros em

arbitragem que tenha tido lugar no estrangeiro, carece a mesma de

exequibilidade até ter sido reconhecida nos termos da Convenção de Nova

Iorque sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais

Estrangeiras (1958).

Tal reconhecimento compete aos tribunais judiciais de 1.ª instância,

segundo jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal de Justiça, embora se

aplique o processo especial de revisão e confirmação de sentenças

estrangeiras (arts. 1094.º a 1102.º), em conjugação com a referida Convenção

de Nova Iorque.

Curso, 12.ª ed., págs. 104-105 (crítico do art. 95.º actual)94

(?) Neste sentido, Amâncio Ferreira, Curso cit., 12.ª ed., pág. 104 e Lebre de Freitas, Acção Executiva, 5.ª ed., pág. 110.

104

IX. Tribunal competente para as execuções com base em título extrajudicial

Nesta matéria, rege o art. 94.º, o qual abrange todos os títulos

extrajudiciais, de natureza negocial, administrativa ou especial, as injunções a

que tenha sido aposta a fórmula executória e ainda certos títulos judiciais

(sentenças condenatórias de tribunais não integrados na ordem dos tribunais

judiciais).

Haverá que distinguir uma regra especial e uma regra de natureza geral e

duas regras complementares, de natureza residual.

A regra especial consta do n.º 2 do art. 94.º e aplica-se às execuções

para entrega de coisa certa ou por dívida com garanta real: o tribunal

competente é o do lugar onde a coisa se encontra ou da situação dos bens

onerados(95).

A regra geral consta do n.º 1 do art. 94.º: a competência é do tribunal do

domicilio do executado, embora o exequente possa optar “pelo tribunal do lugar

em que a obrigação deve ser cumprida” (forum solutionis), mas isto “quando o

executado seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicilio do

exequente na área metropolitana de Lisboa ou Porto, o executado tenha

domicílio na mesma área metropolitana”. Aplica-se às execuções por dívida

pecuniária sem garantia real ou para prestação de facto.(96) As pessoas

singulares só podem, pois, ser demandadas como executadas no lugar de

cumprimento da obrigação se quer elas, quer os exequentes tiverem domicílio

ou sede em comarcas das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

Existem ainda duas regras complementares, que constam dos nos 3 e 4 do

art. 94.º:

95(?) Havendo pluralidade de bens onerados ou para entrega ou se o único imóvel a entregar ou onerado se situar na área de mais de uma comarca, dever-se-ão aplicar subsidiariamente as regras constantes do art. 73.º, aplicável à acção declarativa (cfr. nos 2 e 3). Neste sentido, Lebre de Freitas, Acção Executiva, 5.ª ed., págs. 109-110, nota (10).96

(?) Sobre a história legislativa da Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, que alterou a redacção dos arts. 74.º, n.º 1, 94.º, nº1 e 110.º, n.º 1, veja-se o que consta do Acórdão Uniformizador do STJ n.º 12/2007, in Diário da República I Série, de 6 de Dezembro de 2007.

105

“3. Quando a execução haja de ser instaurada no domicilio do executado e este não tenha domicilio em Portugal, mas aqui tenha bens, é competente para a execução o tribunal da situação desses bens.

4. É igualmente competente o tribunal da situação dos bens a executar quando a execução haja de ser instaurada em tribunal português, por via da alínea e) do art. 65.º-A e não ocorra nenhuma das situações previstas nos artigos anteriores e nos números anteriores deste artigo.”

X. Não existe praticamente a possibilidade de celebração de pactos de

aforamento (art. 110.º), no domínio da acção executiva. De facto, há casos em

que não podem ser afastadas por convenção das partes as regras de

competência territorial: é do conhecimento oficioso a incompetência em razão

do território por afastamento, pelo exequente ou mesmo com base em pacto de

aforamento, das normas dos arts. 90.º, n.º 1, primeira parte do n.º 1 do art.

94.ºe n.º 2 do art. 94.º. É o que resulta do art. 110.º, n.º 1, al. a) (97). Poder-se-á

conceber a possibilidade de celebração de um pacto de aforamento apenas

quando o executado não tenha domicílio em Portugal (cfr. art. 94.º, n.º 3)

24. PERSONALIDADE E CAPACIDADE JUDICIÁRIA DAS PARTES

I. Quanto à personalidade judiciária das partes, não aparecem, na acção

executiva, quaisquer especialidades, em relação à regulamentação geral

aplicável às acções declarativas (cfr. arts. 5.º a 8.º).

II. Também quanto à capacidade judiciária e ao suprimento da incapacidade

se aplicam as regras dos arts. 9.º e seguintes.

25. LEGITIMIDADE DAS PARTES

97(?) Sobre a controvérsia doutrinal perante a versão originaria do Código de Processo Civil de 1961, remete-se para Lebre de Freitas, Acção Executiva, 5.º ed., págs. 117-118.

106

I. Existem no título II do Livro I do Código de Processo Civil regras especiais

quanto à legitimidade (singular e plural), activa e passiva, no processo

executivo e que têm a ver com o carácter formal do título executivo.

II. Os arts. 55.º a 57.º regulam a legitimidade singular na acção executiva.

A regra geral consta do n.º 1 do art. 55.º:

“A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição do devedor.”

Naturalmente que, numa sentença judicial, estão identificados o autor e o

réu e a parte condenatória identifica credor e devedor da prestação (por

exemplo: o Réu António é condenado a pagar ao credor José a quantia de …..,

o autor reconvindo é obrigado a entregar ao réu reconvinte o imóvel sito

em….).

O mesmo se diga do comum dos documentos negociais mais solenes

(escrituras ou testamentos públicos; documentos particulares autenticados).

O n.º 2 do art. 55.º - que não aparecia no Código de 1939, tendo sido

introduzido em 1961 – trata do caso dos títulos ao portador e estatui que a

execução será promovida pelo portador do título (por exemplo, portador da

letra de câmbio ou de livrança).

O art. 56.º prevê o que chama desvios à regra geral da determinação da

legitimidade do exequente ou do executado. No n.º 1prevê-se o caso de ter

havido sucessão no direito ou na obrigação, devendo a execução correr entre

os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da

obrigação exequenda (o herdeiro do credor invoca a sucessão mortis causa

para fundar a sua legitimidade para executar o devedor, condenado em acção

declarativa ainda proposta pelo de cuius). Trata-se de um caso de habilitação –

legitimidade feita logo no requerimento inicial (diferente é a situação de uma

107

das partes morrer na pendência de execução: haverá que fazer a habilitação

através de um incidente de habilitação).

O art. 56.º, n.º 2, prevê a situação das dívidas com garantia real

constituída por terceiro (ou, em que o bem onerado pelo devedor foi transmitido

a terceiro por aquele) e determina que a acção executiva seguirá directamente

contra os bens de terceiro (que deverá ser demandado como executado, claro),

se o exequente pretender fazer valer a garantia, “sem prejuízo de poder desde

logo ser também demandado o devedor”. Tal significa que o credor exequente

pode escolher entre demandar apenas o terceiro proprietário do bem

hipotecado para garantir as dívidas do devedor, ou, então, demandar esse

terceiro e o devedor em litisconsórcio. Deve notar-se que, se o credor

demandar apenas o devedor e não o terceiro proprietário do bem hipotecado,

tal não parece ter o significado de renúncia do exequente à garantia hipotecária

sobre bem de terceiro, embora não possa na execução proceder-se a essa

penhora, sem que o executado possa suscitar a questão do prévio

reconhecimento da insuficiência dos bens dados em garantia, nos termos do

art. 835.º, n.º 1(98).

O n.º 3 do art. 56.º prevê a possibilidade de o exequente fazer intervir o

devedor na execução instaurada apenas contra o proprietário ou possuidor do

bem onerado, quando se tenha reconhecido nessa execução a insuficiência

dos bens onerados com a garantia real para a satisfação do seu crédito. Nesse

caso, a execução prossegue contra o devedor, podendo ser penhorados outros

bens deste (a execução cessa quanto ao primitivo executado, continuando

contra o interveniente provocado que é o devedor).

A partir da Reforma de 2003, permitiu-se a demanda conjunta do

proprietário dos bens onerados e devedor e do terceiro possuidor desses bens

(n.º 4 do art. 56.º), muito embora o credor possa dirigir a execução só contra o

devedor proprietário dos bens onerados, os quais podem ser penhorados ainda

que estejam na posse de terceiro.

Deve notar-se que o art. 56.º prevê a situação de haver bens móveis ou

imóveis onerados por terceiro, ocorrendo a oneração de direitos, no caso de

98(?) Sobre este ponto vejam-se Lebre de Freitas, A Acção Executiva cit., 5.ª ed., págs. 125-127; Amâncio Ferreira, Curso 12.ª ed., págs. 77-80.

108

penhor de créditos, o credor pignoratício pode cobrar os créditos directamente

ao devedor, se dispuser de título executivo (cfr. arts. 681.º, 684.º e 685.º do

Código Civil).

O art. 57.º rege para uma situação de título executivo judicial com eficácia

perante terceiros: neste caso, a execução pode ser promovida não só contra o

devedor, mas ainda contra as pessoas em relação às quais a sentença tenha

força de caso julgado (como seja, o chamado em intervenção principal quando

este pudesse ser demandada com o primitivo réu em litisconsórcio voluntário –

cfr. arts. 325.º, n.º 1, e 328.º, n.º 2)(99).

Já no caso de impugnação pauliana, o adquirente dos bens demandado

com o alienante nesta acção declarativa, se a mesma for procedente, poderá

ser demandado em execução com base nessa sentença nos termos dos arts.

616.º, n.º 1, do Código Civil e 55.º, n.º 1(100).

III. O Ministério Público tem legitimidade específica para promover a

execução por custas e multas judiciais (art. 59.º). Poderá igualmente

representar o Estado que pretenda intentar uma acção executiva no foro civil.

A acção executiva por custa e multas judiciais está regulada nos arts. 35.º

e 36.º do Regulamento de Custas Processuais de 2008 (aprovado pelo

Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro).

26. LEGITIMIDADE DOS CÔNJUGES

99

(?) Para aprofundamento desta matéria, aconselha-se a leitura de J. P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo cit., págs. 118-119, M. Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular cit., pág. 141, Lebre de Freitas, Acção Executiva cit., págs. 127-130, Amâncio Ferreira Curso cit., págs. 80-81. Na doutrina mais antiga, Alberto dos Reis, Comentário do Código de Processo Civil, I, Coimbra, Coimbra Editora, pág. 97. Deve notar-se que Teixeira de Sousa entende que, verdadeiramente, o art. 57.º só se aplica ao caso de substituição processual previsto no art. 271.º (a sentença produz efeitos em relação ao adquirente ainda que este não intervenha no processo).

100(?) Lebre de Freitas, Acção executiva 5.ª ed., pág. 125, criticando posição diversa de Amâncio Ferreira, Curso, 12.ª ed., pág. 79.

109

I. Se o título executivo contemplar os dois cônjuges, seja como credores,

seja como devedores, não há dúvida de que ambas podem instaurar a acção

executiva ou contra ambos pode ser instaurada a acção executiva.

II. Se a dívida de um dos cônjuges for própria, só pode ser demandado em

execução o cônjuge devedor, desde que haja título executivo (judicial ou

extrajudicial) contra ele. Por essa dívida irão responder em primeira linha, os

seus bens próprios ou, subsidiariamente a sua meação, nos bens comuns do

casal, de harmonia com o disposto na lei civil (art. 1696.º, n.º 1, do Código

Civil).

III. Se a dívida for comum e não houver título extrajudicial, ambos os

cônjuges devem ser demandados na acção declarativa contra eles instaurada

(art. 28.º-A, n.º 3). Trata-se de um caso de litisconsórcio necessário passivo. A

execução deverá ser instaurada contra ambos os cônjuges, sob pena de

ilegitimidade, sanável por intervenção do cônjuge não demandado no

requerimento de execução.

Pode, porém, suceder que embora a dívida seja comum, o credor só

disponha de título executivo contra um dos cônjuges. Se se tratar de um título

judicial, é controvertido saber se a situação pode ser corrigida, na medida em

que nem o autor, nem o réu integraram o contraditório, requerendo a

intervenção do cônjuge não demandado na pendência da acção declarativa.

TEIXEIRA DE SOUSA sustenta, em tal caso, que fica precludida a

possibilidade de fazer intervir na acção executiva o outro cônjuge, devendo a

dívida ser tratada como própria do cônjuge demandado(101). Contra este ponto

de vista, LEBRE DE FREITAS / RIBEIRO MENDES sustentam que sempre se

poderá demandar o cônjuge não primitivamente demandado para obter título

executivo contra ele(102).

101(?) A Reforma da Acção Executiva cit., pág. 89.102

(?) Código de Processo Civil Anotado, 3.º vol., 1.º ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2003, págs. 365 e segs.

110

Na execução movida contra um só dos cônjuges, se forem penhorados

bens comuns do casal, por não se conhecerem bens próprios do executado

suficientes para o pagamento da quantia exequenda, o cônjuge é citado, para

no prazo da oposição, requerer a separação de meações (arts. 825.º, n.º 1,

864.º, n.º 3, a)).

IV. A Reforma da Acção Executiva procurou resolver alguns problemas

levantados pela situação dos cônjuges na acção executiva, passando a prever

a possibilidade de formação de um título executivo contra o cônjuge não

obrigado no título, na própria acção executiva, quando esse título executivo não

fosse uma sentença judicial.

Quando, numa execução movida contra um só cônjuge, se tenha

fundamentadamente alegado que a dívida, constante de título diverso da

sentença, é comum, o cônjuge do executado é citado para, em alternativa e no

mesmo prazo, “declarar se aceita a comunicabilidade da dívida, baseado no

fundamento alegado, com a cominação de, se nada disser, a dívida ser

considerada comum, para os efeitos de execução e sem prejuízo da oposição

que contra ela deduza” (art. 825.º, n.º 2).

Sendo considerada comum a dívida, a execução prossegue também

contra o cônjuge não executado, podendo ser penhorados bens deste. Nos

termos do art. 1695.º, n.º 1, do Código Civil, pelas dívidas que são da

responsabilidade de ambos os cônjuges (dívidas comuns) “respondem os bens

comuns do casal e, na falta ou insuficiência deles, solidariamente, os bens

próprios de qualquer dos cônjuges”.

Já no caso de o cônjuge citado ter recusado a comunicabilidade, sem ter

requerido a separação de bens, nem apresentado certidão de acção pendente

para partilha, a execução segue sobre os bens comuns (art. 825.º, n.º 4).

Quando o exequente não alegue que a dívida é comunicável, pode o

executado ou o outro cônjuge, requerer, no prazo da oposição, a separação de

bens ou juntar a certidão de processo de inventário pendente, sob pena de a

execução prosseguir sobre os bens penhorados (art. 825.º, n.º 5).

111

Em disposição paralela a do n.º 2 do art. 825.º, o n.º 6 deste artigo prevê

que possa ser o próprio cônjuge executado a suscitar a questão da

comunicabilidade da dívida. Nesta situação, o cônjuge não executado, se não

tiver requerido a separação de bens, é notificado para os termos e efeitos do

n.º 2, aplicando-se os nos 3 e 4, se não houver oposição do exequente.

Quando o cônjuge não executado ou o outro cônjuge tiver junto o

requerimento a pedir a separação, ou se for junta a certidão do inventário, a

execução fica suspensa até à partilha. No caso de os bens penhorados não

terem cabido ao cônjuge executado, podem ser penhorados outros que lhe

tenham cabido, permanecendo a anterior penhora até nova apreensão (n.º 7 do

art. 825.º).

V. Deve notar-se que, como veremos adiante, o cônjuge não executado

deve ser citado para a execução quando a penhora tenha recaído sobre bens

imóveis ou estabelecimento comercial que, apesar de serem bens próprios de

executado, este não possa alienar livremente (cfr. art. 1682.º-A do Código

Civil). É o que dispõe o art. 864.º, n.º 3, alínea a), 1.ª parte(103).

27. PATROCÍNIO JUDICIÁRIO

I. Tal como na acção declarativa, há casos em que a lei processual impõe o

patrocínio judiciário.

II. O art. 60.º, sob a epígrafe “intervenção obrigatória de advogado”,

estabelece que é obrigatório o patrocínio judiciário por advogado “nas

execuções de valor superior à alçada da Relação e nas de valor inferior a esta

quantia, mas excedente à alçada do tribunal de primeira instância, quando

tenha lugar algum procedimento que siga os termos do processo declarativo”.

103(?) Sobre esta matéria remete-se para Teixeira de Sousa, Reforma da Acção Executiva, págs. 92-96, Maria José Capelo, “Pressupostos processuais gerais”, in Themis ano IV (2003), n.º 7, págs. 79-93; Lebre de Freitas, Acção Executiva cit., 5.ª ed., pág. 233 e segs. e Amâncio Ferreira, Curso cit., 12.º ed., págs. 212-217.

112

Tal significa que, nas execuções de valor superior a 30.000 euros, o patrocínio

por advogado é sempre obrigatório. Nas execuções cujo valor se situe entre

€5.001 e €30.000, o patrocínio só é obrigatório se forem deduzidos incidentes

de natureza declarativa (liquidação nos termos do n.º 4 do art. 805.º; oposição

à execução; oposição à penhora; reclamação de créditos).

No apenso de verificação de créditos, o patrocínio de advogado só é

obrigatório quando seja reclamado algum crédito com valor superior à alçada

do tribunal da comarca e apenas para apreciação dele (art. 60.º, n.º 2). Tal

significa que, se o crédito reclamado não for impugnado, não há lugar a

patrocínio obrigatório.

Curiosamente, o n.º 3 impõe o patrocínio obrigatório não só por

advogado, como também por advogado estagiário ou solicitador –

diferentemente do que ocorre no processo declarativo, em que o patrocínio

obrigatório só é exercido por advogado (art. 32.º) - nas execuções de valor

superior à alçada do tribunal de 1.ª instância (isto é, entre €5.001,00 e

€30.000,00) ainda que não sejam deduzidos procedimentos que sigam os

termos do processo declarativo (conjugação do n.º 3 com a parte final do n.º 1

do art. 60.º).

Se houver recursos interpostos em processo de execução, é sempre

necessária a constituição de advogado (art. 32.º, n.º 1, alínea c), norma de

carácter geral)(104).

28. PLURALIDADE DE PARTES

I. Tal como no processo declarativo, no processo executivo pode haver

lugar a situações de litisconsórcio, seja activo, seja passivo, seja misto

(simultaneamente activo e passivo). Pode também haver situações de

litisconsórcio inicial ou sucessivo.

As situações de litisconsórcio voluntário são frequentes na acção

executiva. Mas pode haver situações de litisconsórcio necessário se a lei, o

104(?) Remete-se para Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5.ª ed., págs. 133-134.

113

negócio jurídico ou a natureza de prestação impuserem a presença de uma

pluralidade de partes, embora sejam de verificação rara. Daí que ALBERTO

DOS REIS afirmasse que nunca havia lugar a litisconsórcio necessário na

acção executiva (105). Não parece, porém, que tenha razão, podendo haver

situações de litisconsórcio necessário, como, por exemplo, numa execução

para entrega de coisa certa em que o bem seja de vários comproprietários ou

pertença a um casal, que se obrigou a entregá-lo no título executivo. O mesmo

se diga no caso da execução para prestação de facto em que haja vários

obrigados a prestar o facto(106).

O litisconsórcio sucessivo pode ocorrer se for chamado a intervir um

terceiro ao lado do executado. Na prática só se põe a situação de intervenção

principal, nomeadamente em casos de litisconsórcio necessário (cfr. art. 269.º,

n.º 1). A própria lei prevê situações de litisconsórcio sucessivo (arts. 56.º, n.º 2,

828.º, n.º 5; art. 828.º, n.º 2; art. 825.º, nos 2, 3 e 6). Há jurisprudência que nega

a possibilidade de intervenção principal no processo executivo, salvo nos casos

previstos na lei.

Parece que o chamamento do cônjuge nos termos do art. 864.º-A, n.º 3,

a), 1.ª parte, é um caso de litisconsórcio sucessivo, sendo o cônjuge hoje

tratado pela lei como parte principal.

Já o chamamento dos credores com garantia real configura a entrada

(eventual) no processo de partes acessórias, que poderão passar a partes

principais (art. 920.º, n.º 2).

II. O Código de Processo civil prevê igualmente a situação de coligação no

processo executivo, seja a coligação activa, seja a coligação passiva, seja a

coligação activa e passiva.

O art. 58.º, n.º 1, prevê, desde a Reforma de 2003, várias situações:

105

(?) Processo de Execução cit., I, pág. 97.106

(?) Veja-se a notícia de controvérsia quanto às execuções contra um dos cônjuges, embora a dívida seja comum em Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5.ª ed., pág. 137, nota (7).

114

a) Coligação de exequentes contra um executado ou contra vários executados litisconsortes;

b) Um exequente ou vários, exequentes litisconsortes ou coligados demandam vários devedores coligados, desde que obrigados no mesmo título;

c) Um ou vários exequentes litisconsortes ou vários credores coligados demandam vários devedores coligados, “titulares de quinhões no mesmo património autónomo ou de direitos relativos ao mesmo bem indiviso, sobre os quais se faça incidir a penhora.”

As situações de coligação não podem legalmente ser admitidas se ocorrer

incompetência absoluta do tribunal para algumas das execuções, se as

execuções tiverem fins diferentes ou se a alguma das execuções corresponder

processo especial diferente do processo que deve ser empregado quanto às

outras, sem prejuízo do disposto nos nos 2 e 3 do art. 31.º (n.º 1 do art. 53.º

para que remete o n.º 1 do art. 58.º).

Não obsta à cumulação de pedidos na execução a circunstância de serem

ilíquidas algumas das quantias exequendas, desde que a liquidação dependa

unicamente de operações aritméticas (art. 58.º, n.º 2).

É ainda aplicável à coligação o disposto nos nos 2, 3 e 4 do art. 53.º

(normas sobre competência em caso de cumulação de títulos executivos

judiciais ou de formação judicial, títulos executivos judiciais ou títulos de

formação judicial e títulos extrajudiciais; e pluralidade de títulos extrajudiciais).

É o que decorre do n.º 3 do art. 58.º.

Pode haver uma situação de coligação sucessiva activa quando um

credor com garantia real (que não seja um privilégio creditório geral) descubra

que já existe uma execução contra o devedor onde está penhorado o bem

sobre que incide a garantia e desde que não tenha sido proferida ainda neste

processo sentença de graduação de créditos (art. 832.º, n.º 4, para onde

remete o art. 58.º, n.º 4)(107).

107(?) Sobre a coligação remete-se para Lebre de Freitas, Acção Executiva, 5.ª ed., págs. 142-144.

115

III. A falta de um litisconsorte, em litisconsórcio necessário, acarreta a

ilegitimidade do exequente ou do executado (art. 28.º, n.º 1). O vício pode ser

corrigido, seja através de intervenção provocada do litisconsorte ausente na

pendência de execução nomeadamente a convite do juiz (art. 812.º-E, n.º 3;

820.º), seja através de um chamamento após um despacho de indeferimento

liminar transitado ou de uma sentença que julgue procedente a oposição do

executado (art. 269.º, n.º 1).

No caso de coligação ilegal, o juiz pode convidar o exequente ou

exequentes a escolher o pedido que pode prosseguir (art. 812.º-D) ou pode a

questão ser suscitada pelo executado ou executados na oposição à execução

(art. 814.º, alínea c)).

29. CUMULAÇÃO INICIAL E SUCESSIVA DE EXECUÇÕES

I. O art. 53.º, n.º 1, prevê uma situação em que um credor ou credores

litisconsortes podem cumular inicialmente contra o mesmo devedor ou contra

devedores litisconsortes pedidos executivos, ainda que fundados em títulos

diferentes, quando não se verifiquem certos requisitos impeditivos constantes

das três alíneas desse número e que já atrás referimos (ocorrência de

incompetência absoluta do tribunal para alguma das execuções; as execuções

terem fins diferentes; a alguma das execuções corresponder processo especial

diferente do processo que deva ser empregado quanto às outras, sem prejuízo

do disposto nos nos 2 e 3 do artigo 31.º).

Os nos 2, 3 e 4 deste art. 53.º contêm regras especiais de competência

territorial consoante o concurso de títulos executivos que se verifique.

II. Pode haver cumulação sucessiva, nos termos do art. 54.º, quando o

exequente, em execução ainda não extinta, venha pedir a execução de outro

título, desde que não se verifique nenhuma das circunstâncias impeditivas

previstas no n.º 1 do art. 53.º. Pode supervenientemente cessar o obstáculo de

116

diversidade das finalidades diversas das execuções, se a execução iniciada

com vista à entrega de coisa certa ou de prestação de facto haja sido

convertida em execução para pagamento de quantia certa, como veremos à

frente.

30. AS VICISSITUDES DA ACÇÃO EXECUTIVA

I. A acção executiva inicia-se com a apresentação do requerimento

executivo em tribunal (arts. 810.º e 267.º, n.º 1), apresentação que é feita, em

regra, por via electrónica.

Pode o exequente requerer a citação prévia do executado, mesmo

quando a lei não o imponha, nomeadamente para conseguir a interrupção do

prazo prescricional (art. 810.º, n.º 1, alínea j); art. 812.º-F, n.º 1). Essa citação

tem os efeitos gerais previstos nos arts. 267.º, n.º 2 e 268.º.

II. A instância executiva pode passar por diferentes vicissitudes, como a

instância declarativa. Assim, pode suspender-se nos termos do art. 276.º. Pode

igualmente modificar-se subjectivamente, pela intervenção de litisconsortes,

nomeadamente na sequência de convite de juiz constante de despacho de

aperfeiçoamento ou de despacho de citação. Pode haver cumulação sucessiva

de pedidos nos termos do art. 54.º, caso em que ocorre uma modificação

objectiva. A dedução de oposição à execução pode ter, em certos casos, efeito

suspensivo de execução (art. 818.º, n.º 1).

III. A instância executiva pode extinguir-se por ter sido efectuado o depósito

da dívida e custas ou da quantia liquidada pelo executado, nos termos dos arts.

916.º e 917.º. Pode terminar por desistência do exequente (art. 918.º), pode

terminar pelo pagamento ao exequente e, eventualmente, a credores

reclamantes, após a realização coerciva (art. 919.º, n.º 1, al. b)). Pode terminar

por inutilidade superveniente da lide, nos casos referidos no n.º 3 do art. 832.º

(desconhecimento da existência de bens penhoráveis), no n.º 6 do art. 833.º-B

117

(não pagamento pelo executado, nem indicação por este de bens penhoráveis)

ou n.º 6 do art. 875.º (adjudicação do direito de crédito penhorado a título de

dação pro solvendo, com correlativa extinção da execução).

IV. O art. 20.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro,

contém uma norma transitória do seguinte teor:

“Os processos de execução pendentes à data da entrada em vigor do presente decreto-lei [que ocorreu em 31 de Março de 2009] e que estejam suspensos ou que se venham a suspender ao abrigo do n.º 6 do artigo 833.º do Código de Processo Civil extinguem-se por força da aplicação do n.º 6 do artigo 833.º-B excepto se, no prazo de 30 dias contados a partir da data de entrada em vigor do presente decreto-lei ou da notificação da suspensão, se posterior, o exequente declarar por via electrónica que o processo se mantém suspenso.”

Neste caso de extinção, “há dispensa de pagamento de custas

processuais e dos encargos que normalmente seriam devidos por autores, réus

ou terceiros intervenientes, não havendo lugar à restituição de que já tiver sido

pago, nem à elaboração da respectiva conta.” (n.º 6 deste art. 20.º).

V. Note-se que pode extinguir-se a execução por inexistência de obrigação

exequenda, no caso de vir a ser definitivamente revogada a decisão dada à

execução, por procedência de um recurso (cfr. art. 47.º, n.º 2) ou procedência

da oposição à execução (art. 817.º, n.º 4)

VI. A utilização do processo declarativo quando o autor disponha de título

executivo (“com manifesta força executiva”) não tem qualquer repercussão em

processo executivo que venha depois a ser intentado, com base no título

executivo judicial formado. De facto, o autor será obrigado a suportar as custas

118

da acção declarativa, porque podia ter recorrido logo à acção executiva (cfr. art.

449.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c)).

VII. Pode haver casos de renovação de uma execução extinta, quando o título

executivo “tenha trato sucessivo”, caso em que, no mesmo processo já extinto,

o exequente pode pedir a realização coerciva de prestações que se vençam

posteriormente (art. 920.º, n.º 1).

Também os credores reclamantes podem requerer o prosseguimento da

execução extinta, havendo bens penhorados sobre que tenham garantia real e

que não chegaram a ser vendidos, nem adjudicados (art. 920.º, nos 2, 3 e 4).

O próprio exequente pode ainda requerer a renovação da execução

extinta nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 919.º, quando indique bens

penhoráveis, aplicando-se o anterior processado (art. 920.º, n.º 5).

119

V

A EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA

31. ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA. DISPOSIÇÕES REGULADORAS DOS PROCESSOS COMUM E ESPECIAIS

I. O art. 801.º estabelece que as disposições subsequentes se aplicam, na

falta de disposição especial em contrário e em tudo o que se mostre

compatível, a todas as espécies e formas de execução.

Diferentemente do que sucedia antes da Reforma da Acção Executiva de

2003, no domínio da Revisão de 1995-1996, em que existia uma forma

ordinária e uma forma sumária nas execuções comuns, que se distinguiam em

função do título executivo que lhes servia de base – e diferentemente também

do que sucedia na versão originária do Código de Processo Civil de 1961, em

que havia oito formas distintas de tramitação, em virtude de se cruzarem as

tramitações em função da finalidade de execução (para pagamento de quantia

certa; para entrega de coisa certa e para prestação de facto) e em função do

valor de execução e da natureza do processo declarativo onde se formara o

título (formas ordinária, sumária e sumaríssima), não havendo forma

sumaríssima na execução para prestação de facto – agora não existem

tramitações diversas em função do valor ou da natureza de título (formas

ordinária, sumária e sumaríssima), existindo apenas uma tramitação única.

De facto, o art. 465.º estabelece que o processo comum de execução

segue forma única.

Por outro lado, o art. 466.º estabelece regras sobre disposições

reguladoras, que convém conhecer. Transcreve-se, por isso, o preceito:

“1 – São subsidiariamente aplicáveis ao processo comum de execução, com as necessárias adaptações, as

120

disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da acção executiva.

2 – À execução para entrega de coisa certa e para prestação de facto são aplicáveis, na parte em que o puderem ser, as disposições relativas à execução para pagamento de quantia certa.

3 – Às execuções especiais aplicam-se subsidiariamente as disposições do processo comum” (108)

II. Como decorre do n.º 3 deste artigo, pode haver processos especiais de

natureza executiva. Bastará recordar neste momento alguns deles: a execução

por custas, regulada no Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo

Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (arts. 35.º e 36.º, tendo

legitimidade activa para a execução o Ministério Público): execução por

alimentos (art. 1118.º) e ainda a execução para venda de navio abandonado

(art. 18.º do Decreto-Lei n.º 202/98, de 10 de Julho) (109).

III. O processo comum para pagamento de quantia certa deve ser utilizado

para cobrança de créditos pecuniários, ainda que ilíquidos, com base em título

executivo que defina o respectivo limite.

Em princípio, não há a expectativa de apreensão de quantias em dinheiro

para satisfação do credor, salvo se o executado pagar voluntariamente a

quantia exequenda e as custas ou se forem encontradas quantias em dinheiro

no domicílio ou sede do executado. No comum dos casos, a execução é feita

através de meios subrogatórios, com apreensão de bens ou direitos que,

depois de alienados, permitirão a obtenção de fundos para pagar a quantia

exequenda.

Escreve o Prof. LEBRE DE FREITAS sobre o âmbito de aplicação da

execução para pagamento de quantia certa:

108(?) Remete-se para Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto, Código cit., vol. 2.º, 2.º ed., págs. 241-243.109

(?) Sobre esta última execução remete-se para Amâncio Ferreira, Curso cit., 12.º ed., págs. 504-506.

121

“A obrigação pecuniária reveste normalmente a natureza de obrigação de quantidade, cujo objecto é um certo valor expresso em moeda que tenha curso legal em Portugal (art. 550 CC). Quanto às outras duas modalidades que pode assumir (obrigação de moeda específica e obrigação em moeda com curso legal apenas no estrangeiro), a primeira dá sempre lugar à execução para pagamento de quantia certa, mesmo que falte ou não tenha curso legal a moeda estipulada (arts. 555.º e 556.º), enquanto a segunda se executa através de processo para entrega de coisa certa […]”(110)

32. A fase introdutória da acção executiva: apresentação de requerimento executivo e eventual recusa pelo agente de execução ou pela secretaria

I. Vamos iniciar o estudo sistemático da acção executiva para pagamento

de quantia certa, segundo a ordenação legal que reflecte a marcha do

processo executivo.

II. Há autores que, na doutrina portuguesa, procuram sistematizar a sua

exposição em função do modelo de tramitação mais simples, e até mais

frequente nas execuções de valor limitado nas relações entre fornecedor ou

prestador de serviços e consumidor. Para tal distinguem a tramitação que

ocorre quando não aparecem incidentes ou “enxertos” de natureza declarativa:

- Fase introdutória (apresentação de requerimento inicial e eventual

despacho liminar do juiz e citação anterior à penhora);

- Fase da penhora;110(?) A Acção Executiva, 5.ª ed., pág. 153. Este Autor, remetendo para Castro Mendes, explicita que, tendo o executado prometido entregar ao exequente certa moeda estrangeira (por exemplo, $50.000 USD), o exequente deve intentar acção executiva para entrega de coisa certa, embora se não forem encontradas no património do devedor notas de dólares nesse ou noutro montante, o exequente deva converter a execução noutra para pagamento de quantia certa (art. 931.º). Nos termos do direito substantivo, o executado neste caso tem a faculdade de pagar ao exequente o correspondente em euros, “segundo o câmbio do dia do cumprimento e do lugar para este estabelecido, salvo se essa faculdade houver sido afastada pelos interessados” (art. 558.º, n.º 1, do Código Civil). Ver Castro Mendes Direito Processual Civil, III vol., ed. AAFDL, 1987, págs. 907-910.

122

- Fase da venda e pagamento.

Tais autores estudam depois os processos de natureza declarativa que

surgem como incidentes ou tramitações dependentes do processo executivo: a

eventual liquidação que não dependa de simples cálculo aritmético (art. 805.º,

n.º 4); a oposição à execução (arts. 813.º-819.º); a oposição à penhora (arts.

863.º-A e 863.º-B; tratando-se de oposição de terceiro, o incidente de

embargos de terceiro – arts. 351.º - 359.º); a reclamação de créditos por

credores privilegiados com vista ao reconhecimento ou verificação daqueles e

posterior graduação (arts. 865.º - 869.º)(111).

III. Abordar-se-ão sucessivamente a fase introdutória da acção executiva e

distinção de tramitações nessa fase, a eventual oposição à execução, a fase de

penhora e da respectiva realização, os meios de oposição à penhora e os

efeitos desta, passando depois para a eventualidade de reclamação de créditos

privilegiados, para finalmente tratar da fase do pagamento, onde avulta a

problemática da venda executiva, seu regime e invalidade.

Convirá notar que o Código sistematiza a regulamentação da acção

executiva para pagamento de quantia certa em 8 secções (fase introdutória;

oposição à execução; penhora; citações e concurso de credores; pagamento;

remição; extinção e anulação da execução; recursos).

IV. Tal como sucede no processo declarativo, a instância executiva inicia-se

com a apresentação do requerimento executivo (cfr. art. 267.º, n.º 1).

O art. 810.º regula detalhadamente as formalidades do requerimento

executivo.

Em tal requerimento – que deve ser preferencialmente enviado por via

electrónica ao tribunal de execução acompanhado dos documentos nele

111(?) É paradigmático o caso de Anselmo de Castro, Acção Executiva Singular, Comum e Especial cit., págs. 105-106. Ver também com uma ordenação diversa Teixeira de Sousa, A Reforma da Acção Executiva cit., o qual trata da oposição à execução a propósito das condições de exequibilidade e pressupostos processuais gerais (cfr. págs. 99 e segs).

123

mencionados, nomeadamente do título executivo (art. 810.º, nos 7 e8), sendo

depois remetido também por via electrónica ao agente de execução aí

designado – o exequente tem de ou, nalguns casos, pode:

a) identificar as partes (indicando os seus nomes, domicílios ou sedes,

e, sempre que possível, profissões, locais de trabalho, filiação e

números de identificação civil e de identificação fiscal);

b) indicar o domicílio profissional do mandatário judicial (se existir

mandatário nomeado);

c) designar facultativamente o agente de execução (cfr. art. 808.º, nos 3 e

4);

d) indicar o fim da execução;

e) expor sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando

não constem do título executivo;

f) formular o pedido; declarar o valor da causa;

g) liquidar a obrigação e escolher a prestação, quando assim caiba ao

credor;

h) indicar, sempre que possível, o empregador do executado as contas e

os bens deste, bem como os ónus e encargos que sobre eles

incidam;

i) requerer a citação prévia ou a dispensa de citação prévia, nos

casos em que é admissível (n.º 1 do art. 810.º).

Esta matéria está regulamentada pelos arts. 2.º e 3.º da Portaria n.º 331-

B/2009, de 30 de Março.

No n.º 5 do art. 810.º, a lei indica quais os dados que devem ser

fornecidos pelo exequente para identificação dos bens penhoráveis, indicando

que tal deve ser feito “tanto quanto possível”. São contemplados

sucessivamente os prédios, rústicos ou urbanos, os móveis, os créditos e ainda

os direitos a bens indivisos.

124

Deve notar-se que do requerimento executivo terão de constar outras

indicações se a obrigação exequenda for condicional ou estiver dependente de

uma contraprestação (art. 804.º), se o exequente pedir a dispensa de citação

prévia do executado (art. 812.º-F, n.º 3), etc..

Entre os documentos que devem acompanhar o requerimento executivo,

avulta o título executivo, o qual deve ser remetido por cópia ou através do

original “quando o requerimento é entregue por via electrónica ou em papel,

respectivamente” (art. 810.º, n.º 6, alínea a)). Deve igualmente ser remetido o

documento “comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial ou da

concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total ou

parcial do mesmo, nos termos do artigo 150.º-A” (art. 810.º, n.º 6, alínea d)). O

exequente poderá ainda juntar documento com o código de acesso a certidões

disponibilizadas electronicamente relativas aos bens penhoráveis indicados

que tenha sido possível obter junto de conservatórias do registo predial, registo

comercial e automóvel, bem como de outros documentos relativos aos bens

penhoráveis.

Deve notar-se que a parte representada por advogado, advogado

estagiário ou solicitador de execução está obrigada a apresentar o

requerimento inicial por via electrónica (art. 810.º n.º 10); se o não fizer e

entregar a execução em suporte de papel tem de pagar uma multa processual

fixa, de valor de metade de uma unidade de conta (a unidade de conta

processual, UC, está fixada em 2010 em € 102)(112).

A designação do agente de execução fica, porém, sem efeito, se este

declarar, por meios electrónicos, que não aceita a designação (art. 810.º, n.º

12, e art. 5.º da Portaria n.º 331-B/2009, de 30 de Março).

V. Após a Reforma da Reforma da Acção Executiva, além da taxa de justiça

inicial que o exequente deve pagar, se não estiver isento, nomeadamente por

dispor de concessão de benefício de apoio judiciário (cfr. art. 6.º do

112(?) O art. 5.º do Regulamento das Custas Processuais define o que é unidade de conta. Deve notar-se que, em princípio, o valor da unidade de conta em 2010 deveria ser de €105, mas a revogação da Portaria n.º 1514/2008, de 24 de Dezembro, pela Portaria n.º 1547/2008, de 31 de Dezembro, parece ter implicado a manutenção do valor de unidade de conta fixado para 2009.

125

Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008,

de 26 de Fevereiro e que se aplica aos processos instaurados após 20 de Abril

de 2009, data da entrada em vigor desse Regulamento, art. 6.º), tem ainda de

fazer um adiantamento por conta de honorários e despesas do agente de

execução, de forma faseada (cfr. art. 15.º da Portaria n.º 331-B/2009). Os

honorários dos solicitadores de execução passaram, a partir de 31 de Março de

2009 (data da entrada em vigor da Reforma da Reforma da Acção Executiva) a

ter limites máximos (arts. 18.º e 20.º e Anexo I à Portaria n.º 331-B/2009, de 31

de Março)

VI. O agente de execução passou, a partir da Reforma da Reforma da Acção

Executiva, a ter o poder de recusa do requerimento executivo, quando a ele

caiba o desempenho de diligências na acção executiva. Antes de 31 de Março

de 2009, tal poder cabia à secretaria. Esta última mantém a anterior

competência quando lhe caiba assegurar as diligências executivas, se não

houver agente de execução nomeado (art. 808.º, nos 4, 5, 8 e 13).

Os fundamentos de recusa do requerimento executivo são taxativos.

- não observância pelo requerimento do modelo aprovado para os

requerimentos executivos ou omissão de alguns requisitos impostos

pelo art. 810.º, n.º 1;

- não apresentação ou do título executivo ou de cópia ou manifesta

insuficiência da cópia ou do título apresentado;

- omissões previstas nas alíneas f), g) e h) do n.º 1 do art. 474.º (não

tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida

ou a concessão de apoio judiciário, salvo o caso urgente previsto no

art. 467.º, n.º 5; falta de assinatura do requerimento; não redacção em

língua portuguesa).

126

É o que dispõe o n.º 1 do art. 811.º.

Desta decisão cabe reclamação para o juiz de execução, sendo, em

regra, irrecorrível o despacho do juiz, salvo nos casos previstos na parte final

do n.º 2.

Pode ser aperfeiçoado o requerimento no prazo de 10 dias ou juntos os

documentos em falta, sob pena de extinção da execução (nos 3 e 4 do art.

811.º)

VII. O agente de execução pode ser designado pela secretaria, se o

exequente não o tiver feito ou se tiver ficado sem efeito a designação feita pelo

exequente (art. 811.º-A)

33. DISTINÇÃO DE TRAMITAÇÕES NA FASE LIMINAR. NECESSIDADE OU DISPENSA DE DESPACHO LIMIAR; CITAÇÃO DO EXECUTADO IMEDIATA OU SUBSEQUENTE

I. Embora o processo de execução comum tenha forma única (art. 465.º), tal

não significa que não haja tramitações algo diversas, consoante deva haver, ou

não, despacho liminar, ou consoante a citação do executado se deva fazer logo

na fase introdutória antes da penhora (citação imediata ou prévia) ou apenas

depois da penhora (citação subsequente).

II. Durante o período de vigência inicial do Código de 1961, tinha de haver

sempre, em qualquer processo executivo, despacho liminar, que podia ser de

citação do executado, de indeferimento do requerimento executivo ou de

aperfeiçoamento ou correcção.

Mesmo depois da Revisão de 1995-1996 do Código de Processo Civil,

continuou a haver despacho liminar e, em regra, quando o título fosse

extrajudicial nomeadamente, tinha também de haver nomeação de bens à

penhora ou dedução de oposição à execução (através dos então chamados

127

embargos de executado). Era o que resultava dos arts. 811.º, 811.º-A e 811.º-

B, tendo os dois últimos artigos sido aditados pelo Decreto-Lei n.º 329-A/985,

de 12 de Dezembro (primeiro diploma da Revisão de 1995-1996).

A partir da Reforma de 2003, a situação mudou radicalmente. Nem

sempre haverá despacho liminar e, em grande número de casos, a citação do

executado (e, eventualmente, também a do cônjuge não executado) só ocorre

após a penhora de bens do executado.

A Reforma da Reforma alterou de novo esta matéria.

III. A) O despacho liminar – embora a versão resultante da Reforma da

Reforma (2008) nem sempre seja suficientemente clara, teremos de conjugar o

disposto nos arts. 812.º-C, 812.º-D e 812.º-E para sabermos quando há lugar,

ou não, a despacho liminar e quando deve ser decretado o indeferimento

liminar.

O art. 812.º-C tem, de facto, de ser conjugado como o art. 812.º-F para

saber em que casos é que há dispensa de citação prévia (isto é, citação

anterior à penhora) do executado.

Comecemos pelo despacho liminar.

O art. 812.º-D estabelece sete casos em que o agente de execução deve

remeter o processo executivo (em rigor, o requerimento executivo) ao juiz para

despacho liminar. Não quer dizer, no entanto, que seja uma enumeração

taxativa sem excepções. De facto, bastará ver as quatro alíneas do n.º 2 do art.

812.º-F que constituem excepção ao art. 812.º-D. Vejamos então as situações

elencadas nas sete alíneas do art. 812.º-D e em que há lugar a despacho

liminar:

- nas execuções movidas apenas contra o devedor subsidiário (cfr. art.

828.º);

128

- quando ocorra a situação em que a prova de verificação da condição

na execução de obrigação sujeita a condição suspensiva ou de

dependência de contraprestação do exequente (por exemplo, nos

contratos sinalagmáticos) não possa ser feita por documento, tendo o

juiz de apreciar outras provas, nomeadamente prova testemunhal, com

ou sem contraditório (cfr. art. 804.º, nos 2 e 3);

- nas execuções fundadas em acta de reunião de assembleia de

condóminos (cobrança de créditos respeitantes às contribuições para

ss despesas comuns na propriedade horizontal), nos termos do

Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro;

- nas execuções fundadas em título executivo extrajudicial, nos termos

do Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU, aprovado pela Lei

n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro; ver sobretudo o art. 15.º deste diploma);

- no caso de o agente de execução duvidar da suficiência do título ou da

interpelação ou notificação do devedor (deve notar-se que o agente de

execução pode rejeitar o requerimento executivo quando “seja

manifesta a insuficiência da cópia ou do título apresentado” – art. 811.º,

n.º 1, alínea b));

- no caso de o agente de execução suspeitar que se verifica uma

situação prevista nas alíneas b) e c) do art. 812.º-E que leva ao

indeferimento liminar (ocorrência de excepções dilatórias, não

supríveis, de conhecimento oficioso; em caso de execução fundada em

título negocial, “seja manifesto, face aos elementos constantes dos

autos, a inexistência de factos constitutivos ou a existência de factos

impeditivos ou extintivos da obrigação exequenda que ao juiz seja lícito

conhecer”)

129

- por último, uma situação respeitante a um título arbitral (sentença

proferida em processo arbitral) que ocorre quando o agente de

execução “duvidar de que o litígio pudesse ser cometido à decisão de

árbitros” (alínea g) deste art. 812.º-D), “quer por estar submetido, por lei

especial, exclusivamente a tribunais judiciais ou a arbitragem

necessária” (cfr. art. 1.º, n.º 1, 1.ª parte, da LAV, Lei n.º 31/86, de 29 de

Agosto), quer por o direito litigioso ser inarbitrável objectivamente, ou

seja, por tal direito não ser disponível (art. 1.º, n.º 1, 2.ª parte da LAV)

Fora destes sete casos, não há, em regra, lugar a despacho liminar.

O despacho liminar pode ser de citação, de indeferimento liminar ou de

aperfeiçoamento (art. 812.º-E, n.º 3). O despacho de indeferimento liminar pode

ser parcial.

Há lugar a indeferimento liminar em três casos (art. 812.º-E):

- quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título;

- quando ocorram excepções dilatórias, não supríveis, de conhecimento

oficioso;

- quando, fundando-se a execução em título negocial, seja manifesto,

face aos elementos constantes dos autos, a inexistência de factos

constitutivos ou a existência de factos impeditivos ou extintivos as

obrigação exequenda de conhecimento oficioso.

Pode haver, como se disse, lugar a indeferimento parcial,

designadamente quanto à parte do pedido que exceder os limites constantes

do título executivo (art. 812.º-E, n.º 2).

130

Quando os vícios não sejam suficientemente graves (isto é, não estejam

previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 812.º-E), há lugar a um despacho

de aperfeiçoamento ou correcção destinado a suprir irregularidades do

requerimento executivo ou a sanar a falta de pressupostos processuais, casos

em que se aplicará o n.º 2 do art. 265.º, com as necessárias adaptações(113).

Por último, o art. 820.º (permite ao juiz de execução, sem prejuízo da

remessa para despacho liminar nos termos do disposto no art. 812.º-C),

conhecer oficiosamente das questões a que aludem os nos 1 a 3 do art. 812.º-E,

bem como a alínea g) do art. 812.º-D, até ao primeiro acto de transmissão de

bens penhorados(114). Pode haver rejeição da execução ou, não sendo o vício

suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se.

Importa notar que esta matéria do despacho liminar suscita algumas

dificuldades interpretativas.

Importa referir o que escreve o Prof. LEBRE DE FREITAS:

“A reforma da acção executiva [de 2003] continuou a afirmar, como regra, a necessidade de despacho liminar (anterior art. 812-I), mas introduziu tantas excepções que ele passou a ser estatisticamente uma excepção. A reforma da reforma [de 2008] optou antes por indicar, por um lado, os casos em que não há, em princípio, […] despacho liminar (art. 812.º-C) e, por outro, aqueles em que o despacho liminar deve, também em princípio […], ter lugar (812.º-D), correndo assim o risco de divergências interpretativas quando se ponha a questão da aplicação analógica de uma ou outra norma a um caso omisso”(115)

De facto, do art. 812.º-C resultam os casos em que, por regra, não há

despacho liminar, nem citação prévia do executado (cfr. art. 812.º-F, n.º 1).

Segundo o art. 812.º-C, subordinado à epígrafe “Diligências iniciais”:113(?) Dispõe o n.º 2 do art. 265.º: “O juiz providenciará, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis da sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando estiver em causa alguma modificação subjectiva da instância, convidando as partes a praticá-los”114

(?) Sobre o art. 820.º remete-se para Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5.ª ed., págs. 164-165.115

(?) A Acção Executiva, 5.ª ed., pág. 159.

131

“Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o agente de execução que receba o processo analisa-o e inicia imediatamente as consultas e as diligências prévias à penhora nos termos dos artigos 832.º e 833.º-A, e procede à penhora nas execuções baseadas em:

a) Decisão judicial ou arbitral;

b) Requerimento de injunção no qual tenha sido aposta a formula executória;

c) Documento exarado ou autenticado, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, ou documento particular com reconhecimento presencial de assinatura do devedor, desde que:

i) O montante da dívida não exceda a alçada do tribunal da relação e seja apresentado documento comprovativo da interpelação do devedor, quando tal fosse necessário ao vencimento da obrigação;

ii) Excedendo o montante da dívida a alçada do tribunal da relação, o exequente mostre ter exigido o cumprimento por notificação judicial avulsa ou equiparada.

d) Qualquer outro título de obrigação pecuniária vencida de montante não superior à alçada do tribunal da relação, desde que não tenham sido indicados à penhora, pelo exequente, estabelecimento comercial, direito real menor que sobre eles incida ou quinhão em património que os inclua.”

Deve notar-se que há, portanto, dispensa de despacho liminar, por regra

(cfr. as excepções constantes do art. 812.º-D) e dispensa de citação prévia, por

regra (cfr., por exemplo, art. 812.º-F, n.º 1, parte final) relativamente a títulos

executivos mais “seguros”, judiciais ou arbitrais, de formação judicial (caso da

injunção com aposição de fórmula executória) ou documentos extrajudiciais em

que tenha havido interpelação do devedor quando se trate de obrigações puras

(a forma de interpelação é mais exigente quando o valor do pedido exequendo

é superior a €30.000, valor actual da alçada da Relação, na medida em que se

exige notificação judicial avulsa, mesmo que a obrigação já esteja vencida).

132

A alínea d) prevê títulos executivos de valor igual ou inferior à alçada da

Relação (portanto, de valor igual ou inferior a €30.000) em que o exequente

não tenha indicado certos bens à penhora no requerimento executivo. Na

redacção do art. 812.º-A, n.º 1, alínea d) (Reforma de 2003), previa-se além

dos 3 casos agora especificados no correspondente art. 812.º-C, n.º 1, alínea

d) (estabelecimento comercial, direito real menor que sobre ele incide ou

quinhão ou património que o inclua) ainda a situação de bens imóveis. Não se

percebe se foi um lapso do legislador ou se de facto se pretendeu retirar

desses casos os bens imóveis, embora não tivesse havido o cuidado de

emendar o plural “eles” e “os” na nova redacção (na anterior, tinha sentido

referir “bem imóvel, estabelecimento comercial ou direito real menor que sobre

eles incida”, “quinhão ou património que os inclua”)(116).

IV. B) A citação prévia à penhora ou citação subsequente (dispensa de citação prévia). O art. 812.º-F estabelece, como regra geral, que a penhora é

efectuada sem citação prévia do executado nas situações previstas no art.

812.º-C, excepto quando a citação prévia pelo agente de execução tenha sido

requerida pelo exequente (por exemplo, se for necessário conseguir

rapidamente a interrupção da prescrição ou quando haja que proceder à

liquidação nos termos do art. 805.º, n.º 4).

Quando os processos forem remetidos ao juiz de execução pelo agente

de execução para despacho liminar, há sempre citação prévia, sem

necessidade de despacho do juiz, em quatro casos:

- quando, em execução movida apenas contra o devedor subsidiário, o

exequente não tenha pedido a dispensa da citação prévia;

- no caso do n.º 4 do art. 805.º (liquidação que não dependa de mero

cálculo aritmético);

116(?) Sobre este ponto, veja-se Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5.ª ed., pág. 161, que preconiza uma interpretação correctiva, considerada incluindo “bem imóvel”, o que parece razoável.

133

- nas execuções fundadas em título extrajudicial de empréstimo

contraído para aquisição de habitação própria hipotecada em garantia;

- quando, no registo informático de execuções, conste a menção da

frustração, total ou parcial, de anterior acção executiva movida contra o

executado (art. 812.º-F, n.º 2).

Por outro lado, desde a Reforma de 2003, passou a prever-se a

possibilidade de o exequente pedir que seja dispensada a citação prévia do

executado, a título cautelar, tendo para o efeito de alegar factos justificativos do

receio de perda da garantia patrimonial do crédito exequendo. Tal dispensa de

citação prévia a título cautelar consta hoje do n.º 3 do art. 812.º-F. O juiz pode

decidir que é procedente o pedido de dispensa de citação prévia do executado,

face às provas produzidas pelo exequente sem contraditório, “quando se

mostre justificado o alegado receio de perda da garantia patrimonial do crédito

exequendo” (n.º 4 do art. 812.º-F).

Pode ainda haver dispensa judicial de citação prévia quando haja especial

dificuldade em efectuar a citação prévia, designadamente por ausência do

citando em parte certa, a requerimento do exequente “quando a demora

justifique o justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito” (art. 812.º-

F, n.º 5).

34. A EVENTUAL OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO. O SEU REGIME

I. Quando o executado é citado para os termos da execução – e se houver

despacho liminar e citação prévia à penhora, ele é citado “para, no prazo de 20

dias, pagar ou opor-se à execução” (art. 812.º-E, n.º 5) – pode ele entender que

dispõe de razões para alegar que essa execução não pode subsistir, total ou

134

parcialmente, por causa da falta de fundamentos substantivos ou processuais.

Pode então opor-se à execução.

Trata-se, assim, de uma fase processual eventual, já que, em

elevadíssimo número de execuções, o executado opta por não deduzir

oposição, considerando que não tem fundamentos para se opor à mesma, já

que deve a quantia exequenda e não pode ou não quer pagá-la.

II. Dispõe o art. 813.º, sob a epígrafe “oposição à execução e à penhora”:

“O executado pode opor-se à execução no prazo de 20 dias a contar da citação, seja esta efectuada antes ou depois da penhora.”

A citação ordenada por despacho liminar é prévia em relação à penhora

(art. 812.º-E, n.º 5, acima referido). A citação subsequente à penhora está

disciplinada pelo art. 864.º, n.º 2. Pode ainda haver uma notificação do

executado nos casos do n.º 8 do art. 864.º (ou citação prévia ou cumulação

sucessiva de outro título).

III. A oposição à execução constitui uma verdadeira acção declarativa

“enxertada” no processo executivo, que corre por apenso ao processo de

execução e relativamente a qual só o juiz pode despachar (reserva do juiz).

Há quem fale a este propósito de uma contra-acção declarativa do

executado (que aí figura como autor) contra o exequente (que aí figura como

réu). Mas nunca pode haver reconvenção neste processo.

Escreve LEBRE DE FREITAS:

“A oposição à execução visa a extinção de execução,

mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito

exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou

135

geral, da acção executiva […] Constituindo a oposição à

execução uma verdadeira acção declarativa […], nela é

possível ao executado, não só levantar questões de

conhecimento oficioso […] mas também alegar factos

novos, apresentar novos meios de prova e levantar

questões de direito que estejam na sua disponibilidade (ex:

a prescrição ou a compensação que não tenha invocado

antes da acção executiva: art. 303 CC e 848-1 CC)”(117)

IV. Quando não tenha ocorrido a citação antes da penhora, o executado deve

cumular com a eventual oposição à execução a oposição que quer deduzir

contra a penhora, nos termos do art. 863.º-A (n.º 2 do art. 813.º).

Sendo a matéria da oposição è execução superveniente – isto é,

verificou-se depois do prazo a contar da citação do executado – “o prazo conta-

se a partir do dia em que ocorra o respectivo facto ou dele tenha conhecimento

o opoente” (n.º 3 do art. 813.º).

Deve notar-se que, dada a natureza de uma acção declarativa de “contra-

ataque” do executado contra o exequente”, na oposição à execução, havendo

vários executados, nenhum deles se pode prevalecer do prazo para deduzir

oposição de outro, que venha a terminar mais tarde do que o do primeiro. Daí

que o art. 813.º, n.º 4, norma introduzida na Reforma de 2003 e que consagrou

o ensinamento do Prof. LEBRE DE FREITAS, diga que não é “aplicável à

oposição o disposto no n.º 2 do art. 486.º”.

V. Os fundamentos de oposição não são os mesmos relativamente aos

diversos tipos de títulos executivos. São mais restritos quando o título executivo

seja uma sentença judicial ou um título de formação judicial como a injunção

com aposição de fórmula executória, ou ainda, uma sentença arbitral, são mais

amplos quando seja baseada num título não judicial, sobretudo se se tratar de

um título negocial previsto nas alíneas b) e c) do art. 46.º. Deve notar-se que se

discute na doutrina portuguesa, desde os anos setenta do passado século, se

117(?) A Acção executiva, 5.ª ed., pág. 171.

136

na oposição às execuções com base em título judicial são taxativos os

fundamentos de oposição e se poderão ser suscitados outros fundamentos

através de mero requerimento(118). Parece que haverá certos aspectos de

natureza processual que poderão ser suscitados pela parte, devendo os autos

ser remetidos ao juiz de execução para decisão (art. 809.º, n.º 1, alínea d)).

VI. Nas execuções baseadas em título não judicial ou equiparado, podem ser

alegados, não só os fundamentos previstos no n.º 1 do art. 814.º (fundamentos

de oposição à execução baseada em sentença ou injunção), como também

“quaisquer outros que possam ser invocados no processo de declaração” (art.

816.º).

De facto, estamos então perante a primeira apreciação judicial dos

contratos ou outros actos jurídicos que dão origem à obrigação exequenda.

VII. Tratando-se o título executivo de sentença, nacional ou estrangeiros (esta

devidamente reconhecida, seja nos termos do processo especial de revisão e

confirmação de sentença estrangeira, seja nos termos de convenção

internacional ou regulamento comunitário) ou de injunção com aposição da

chamada fórmula executória, os fundamentos de oposição acham-se

taxativamente enumerados no art. 814.º, nos 1 e 2.

Há fundamentos que dizem respeito ao título executivo (inexistência ou

inexequibilidade deste), outros dizem respeito ao processo executivo (falsidade

do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa

no processo executivo; falta de qualquer pressuposto processual de que

dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu

suprimento; incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não

removidas na fase introdutória do processo), um outro diz respeito ao processo

declarativo que precedeu o processo executivo e onde se formou o título

executivo judicial (falta ou nulidade da citação para a acção declarativa quando

o réu não tenha intervindo no processo (119)), outro ainda tem a ver com a 118(?) Sobre a polémica na nossa doutrina, remete-se para Lebre de Freitas, A Acção Executiva cit, págs. 185 a 188.119

137

existência de caso julgado anterior à sentença que se executa (estando, pois,

em causa, uma relação entre duas acções declarativas anteriores à acção

executiva onde é deduzida a oposição – arts. 675.º e 814.º, n.º 1, alínea f)). De

especial importância, por ter a ver com a subsistência da obrigação exequenda,

é o fundamento substantivo constante da alínea g) desse n.º 1 do art. 814.º que

se transcreve:

“Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento. A prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio”(120)

Deve notar-se que quando o título executivo seja uma sentença

homologatória de confissão ou transacção, qualquer causa de nulidade ou de

anulabilidade destes actos pode ser fundamento de oposição (alínea h) do n.º 1

do art. 814.º).

Mais discutível é a solução de equiparação de um título de formação

judicial, a injunção a que foi aposta a fórmula executória, à sentença judicial, na

medida em que o silêncio do destinatário da injunção é equiparado à inacção

do réu revel, na revelia relativa. Seja como for, é essa a solução constante do

n.º 2 do art. 814.º;

“O disposto no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, à oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta a fórmula executória, desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido” (121)

(?) Se a falta ou nulidade da citação do executado ocorrer quanto ao processo executivo há então uma nulidade de processo, arguível a todo o tempo nos termos do art. 921.º.

120(?) Se a compensação podia ter sido exercida logo na contestação da acção declarativa, a circunstância de não ter sido feita tal compensação não permite que seja suscitada com base nesta alínea g), na oposição ao processo executivo.121

(?) O n.º 3 do art. 814.º, impõe, neste casos, que o expediente respeitante à injunção seja enviado oficiosamente e exclusivamente por via electrónica ao tribunal competente para a execução.

138

VIII. Entrando no campo da sentença arbitral como título executivo utilizado

para instaurar certa execução, o art. 815.º declara que constituem fundamentos

de oposição “não só os previstos no artigo anterior mas também aqueles em

que pode basear-se a anulação judicial da mesma decisão.”

Trata-se de solução discutível, visto que a parte condenada na acção

arbitral tem o prazo de um mês para deduzir pedido de anulação, nos termos

dos arts. 27.º e 28.º da LAV, nos tribunais judiciais, quando a arbitragem tenha

tido a sua sede em Portugal (ou, cabendo recurso da decisão arbitral, os

fundamentos de anulação têm de constar da alegação desse recurso a

apresentar com o requerimento de interposição do recurso de apelação, em

regra em 30 dias). Ora, a circunstância de ter deixado passar o prazo para

propor a acção de anulação ou para interpor recurso da sentença arbitral não

inibe o condenado de suscitar um fundamento de anulação na acção executiva,

dispondo, assim, de um duplo prazo para requerer tal anulação. (122)

IX. A regulação do processo declarativo de oposição à execução aparece nos

arts. 817.º e 818.º.

Já vimos que há um prazo de caducidade de 20 dias, contados em regra

da citação, para o executado deduzir a oposição através de um articulado

sujeito a despacho liminar do juiz da execução (art. 812.º-E, n.º 5, e 813.º, n.º

1). Este prazo conta-se nos termos do art. 144.º, n.º 1.

São fundamentos de indeferimento liminar a dedução do articulado inicial

(petição da oposição) fora do prazo, o não ajustamento do fundamento

invocado ao disposto nos arts. 814.º a 816.º e, por último, a manifesta

improcedência (art. 817.º, n.º 1).

Se for recebida a oposição, o exequente é notificado por contestar a

petição de oposição no prazo de 20 dias.

122

(?) Sobre o regime dos arts. 814.º e 815.º veja-se, de forma desenvolvida, Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5.ª ed., págs. 172-182 e Amâncio Ferreira, Curso, 12.ª ed., págs. 174-181. Veja-se, no caso de superveniência objectiva, o lugar paralelo do art. 929.º, n.º 3.Sobre a execução de sentenças arbitrais remete-se para Paula Costa e Silva, “A execução em Portugal de decisões arbitrais estrangeiras”, na Revista da Ordem dos Advogados, ano 67 (2007), III, págs. 629 e segs.

139

A oposição à execução é autuada por apenso, havendo lugar a

pagamento de taxa de justiça pelo opoente e pelo exequente, se não gozarem

do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa da taxa de justiça.

Não há mais articulados, nomeadamente réplica para resposta a

excepções. Não é nunca admissível reconvenção.

Seguem-se os termos do processo sumário de declaração.

Se o exequente, notificado para contestar a oposição, não apresentar

esse articulado de resposta, entra em revelia, aplicando-se o disposto nos arts.

484.º, n.º 1, e 485.º (revelia operante ou inoperante). Não se consideram,

porém, confessados, na revelia operante, “os factos que estiverem em

oposição com os expressamente alegados pelo exequente no requerimento

executivo” (art. 817.º, n.º 3). Quer dizer, considera-se, apesar da autonomia

deste processo declarativo “enxertado” na execução, que são relevantes os

factos alegados pelo exequente-réu no requerimento executivo, como se se

tratasse de uma contestação antecipada.

A procedência da oposição reconhecida na sentença final deste apenso

de natureza declarativa extingue, total ou parcialmente, a execução (n.º 4 do

art. 817.º). Deve notar-se que a decisão final da oposição é impugnável por

recurso de apelação (art. 922.º-B, n.º 1, alínea c)).

A sentença final do processo de oposição faz caso julgado material

quando conheça de aspectos atinentes ao mérito da causa, nomeadamente a

subsistência da obrigação exequenda.(123).

X. Por seu turno, o art. 818.º disciplina o efeito de recebimento da oposição.

A regra geral é a de que o recebimento da petição de oposição não acarreta a

suspensão do processo de execução. Todavia, de forma excepcional, a

execução suspende-se em dois casos: se o executado opoente prestar caução

ou quando, tendo o opoente impugnado a assinatura de documento particular e

123(?) Sobre a problemática do caso julgado na oposição à execução remete-se para Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5.ª ed., págs. 191-197. Em sentido contrário, veja-se Amâncio Ferreira, Curso cit., pág. 186, remetendo para Anselmo de Castro. Sobre esta matéria, consulte-se Carlos Oliveira Soares, “O Caso Julgado na Acção Executiva”, in Thermis, ano IV (2000), n.º 7, págs. 241 e segs.

140

apresentado documento que constitua princípio de prova, o juiz, ouvido o

exequente, entenda que se justifica a suspensão (art. 818.º, n.º 1). Esta

solução de suspensão em casos de afirmação pelo executado da não

genuinidade de assinatura no título executivo surgiu com a Revisão de 1995-

1996.

Todavia, se não tiver havido citação prévia e tiverem sido penhorados

bens ao executado, a dedução de oposição que seja recebida leva à

suspensão do processo de execução, sem prejuízo do reforço ou da

substituição da penhora (art. 818.º, n.º 2).

Todavia, a suspensão da execução cessará, prosseguindo a execução,

se o executado opoente, por negligência sua, não der impulso à execução

durante 30 dias, ficando esta parada (n.º 3 do art. 818.º).

Prosseguindo a execução na pendência de oposição, “nem o exequente,

nem qualquer outro credor pode obter pagamento”, sem prestar caução (n.º 4

do art. 818.º). Esta solução é racional pois a procedência da oposição pode

acarretar a extinção da execução, prevenindo-se desse modo o risco de

insolvência do exequente ou de credores reclamantes que, entretanto, tiverem

recebido os seus créditos.

XI. O art. 819.º estabelece um caso de responsabilidade civil do exequente,

se proceder a oposição à execução, sem que tenha tido lugar a citação prévia

do executado. Em tal caso, o exequente “responde pelos danos a este

[executado] culposamente causados e incorre em multa correspondente a 10%

do valor da execução, ou da parte dela que tenha sido objecto de oposição,

mas não inferior a 10UC nem superior ao dobro do máximo da taxa de justiça,

quando não tenha agido com a prudência normal, sem prejuízo de

responsabilidade criminal em que possa também incorrer”(124). Esta

responsabilidade civil é requerida no próprio processo executivo(125).

124(?) Sobre esta norma veja-se Lebre de Feitas / Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado cit., 1.ª ed., 3.ºvol., págs. 330-333. Esta disposição é paralela à do art. 390.º, n.º 1, quanto a procedimentos cautelares.125

(?) Veja-se o caso paralelo, quanto aos procedimentos cautelares, constante do art. 390.º, n.º 1.

141

XII. O último artigo desta Secção já não se refere à fase eventual de

oposição, como vimos atrás.

Esta disposição foi reformulada na Reforma de 2003 e alterada na

Reforma da Reforma de 2008.

Mesmo que não tenha sido enviado o processo ao juiz para despacho

liminar (art. 812.º-C), o juiz pode conhecer oficiosamente das questões a que

aludem os nos 1 e 3 do art. 812.º-E (casos de indeferimento liminar não

supridos), bem como na alínea g) do art. 812.º (caso de execução de sentença

arbitral, em que haja dúvidas sobre a arbitrabilidade objectiva do litígio), até ao

primeiro acto de transmissão dos bens penhorados (momento que é o termo

final do prazo atribuído ao juiz).

O n.º 2 prevê as consequências desta intervenção do juiz:

“Rejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, ordenando-se o levantamento da penhora, sem prejuízo de prosseguir com objecto restrito quando a rejeição for parcial” (126)

35. A FASE DA PENHORA. PENHORABILIDADE DE BENS IMÓVEIS, MÓVEIS OU DIREITOS. ORDEM DA PENHORA

I. Importa abordar agora a penhora, a qual ocorre, por regra, nas execuções

para pagamento de quantia certa que não venham a terminar na fase

introdutória ou então no momento das diligências iniciais seja pelo pagamento

da quantia exequenda e encargos pelo executado, seja por outra causa de

extinção de execução, nomeadamente o desconhecimento da existência de

bens penhoráveis.

126

(?) Remete-se para Lebre de Freitas / Ribeiro Mendes, Código cit., 3.º vol., 1.ª ed., págs. 333-336. O n.º 2 do art. 820.º não foi alterado em 2008. Sobre a origem deste artigo que remonta a 1939 veja-se este comentário. O n.º 2 do art. 820.º tem como lugares paralelos os arts. 812.º-E, nos 2 e 3, e o art. 817.º, n.º 4.

142

II. Tenha ou não havido citação prévia do executado, o agente de execução

deve proceder a consultas e diligências tendentes a encontrar bens que

possam ser penhorados

O art. 832.º estatui, no seu n.º 1, que tais consultas – nomeadamente a

bases de dados – e diligências têm início no prazo máximo de 5 dias. Tal prazo

é contado a partir de um termo a quo variável:

- da apresentação do requerimento executivo que dispense o

despacho liminar e a citação prévia do executado (cfr. arts.

812.º-C, 812.º D e 812.º F);

- do termo do prazo para a oposição do executado citado

previamente à penhora, quando não tenha sido deduzida tal

oposição;

- da notificação da secretaria ao agente de execução, depois

de proferido despacho que dispense a citação prévia (cfr. art.

812.º-F, nos 3, 4 e 5) ou não suspenda a execução nos termos

do art. 818.º ou, suspendendo-se a execução, após ser julgada

improcedente a oposição deduzida (cfr. art. 817.º, n.º 4).

III. Antes de proceder às diligências prévias à penhora, o agente de

execução tem o dever de consultar sempre o registo informático de execuções,

para averiguar se o executado tem outras execuções pendentes contra ele

instauradas ou se tem execuções findas sem integral pagamento.

No caso de ter sido movida execução que tenha terminado sem integral

pagamento, o agente de execução, face à perspectiva de o executado estar

insolvente de facto ou, pelo menos, de não ter bens conhecidos, deve

comunicar o resultado das suas consultas ao exequente, não se aplicando os

nos 4 a 7 do art. 833.º-B, “extinguindo-se imediatamente a execução caso não

sejam encontrados ou não sejam indicados bens à penhora pelo exequente”

(art. 832.º, n.º 3). A preocupação do legislador é evitar que prossigam

143

execuções sem quaisquer perspectivas de descoberta de bens penhoráveis

que possam ser vendidos.

O n.º 4 do art. 832.º prevê uma situação de coligação sucessiva ex lege a

que já se fez referência. Quando contra certo executado pender uma execução

para pagamento de quantia certa, o agente de execução remete o novo

requerimento de execução contra o mesmo devedor, desde que, por um lado, o

novo exequente seja titular de um direito real de garantia sobre o bem

penhorado no anterior processo, desde que tal garantia real não seja um

privilégio creditório geral, e, por outro lado, não tenha ainda sido proferida

sentença de graduação de créditos no anterior processo. O n.º 5 deste artigo

explicita que, se no momento da remessa do pedido, na primitiva execução já

tiver sido aberta a fase do concurso de credores, o requerimento executivo vale

como reclamação de créditos; se o processo ainda não tiver chegado à fase do

concurso (cfr. arts. 865.º e segs), constitui-se coligação de exequentes.

No caso de, na fase liminar da penhora, não haver lugar à extinção de

execução (situação prevista no n.º 3 deste art. 832.º) nem a remessa do

requerimento para execução já pendente (situação prevista nos nos 4 e 5 do

mesmo art. 832.º), o agente de execução inscreve no registo informático de

execuções os dados referidos no art. 806.º, n.º 1, e prossegue com as

diligências prévias à penhora.

IV. O art. 833.º-A regula as diligências prévias à penhora.

Tais diligências nem sempre ocorrem. De facto, se o exequente tiver sido

diligente e tiver indicado no requerimento executivo bens penhoráveis referidos

nas alíneas a) a d) do n.º 1 do art. 834.º de valor presumivelmente igual ou

superior ao crédito exequendo acrescido das custas previsíveis de execução,

não é necessário que o agente de execução ande à procura de outros bens

penhoráveis, devendo iniciar a penhora por tais bens (art. 833.º-A, n.º 1).

Se todavia o exequente não tiver indicado bens penhoráveis devidamente

identificados e que observem os requisitos do n.º 1 do art. 833.º-A, o agente de

execução deve levar a cabo as diligências prévias adequadas para

identificação ou localização de bens penhoráveis do executado. Para tal

144

procederá o agente de execução, sem necessidade de qualquer autorização

judicial, “à consulta, nas bases de dados da administração tributária, da

Segurança Social, das conservatórias do registo predial, da Segurança Social,

das conservatórias do registo predial, comercial e automóvel e de outros

registos ou arquivos semelhantes, de todas as informações sobre a

identificação do executado junto desses serviços e sobre a identificação e a

localização dos seus bens” (art. 833.º-A, n.º 2; cfr. o n.º 3 deste artigo sobre os

elementos de identificação necessários para acesso a tais consultas).

Através das bases de dados da Administração Tributária, é possível

descobrir a existência de bens penhoráveis relativamente aos quais são pagos

impostos reais ou a situação tributária do executado e dos rendimentos

declarados. A Segurança Social permite, através do acesso às respectivas

bases de dados, averiguar se o executado é trabalhador por conta própria ou

alheia e, neste último caso, quem é a entidade patronal e quais os salários

pagos. Também é possível averiguar se o executado é pensionista da

Segurança Social.

A regulamentação dos acessos à base de dados consta da Portaria n.º

331-A/2009, de 30 de Março. O s arts. 3.º e 4.º regulam a consulta directa às

bases de dados da Administração Tributária e às bases de dados da

Segurança Social, respectivamente.

Através do registo predial, é possível localizar a situação jurídica de

imóveis do executado. O registo automóvel permite o acesso ao registo dos

veículos do executado e dos ónus que sobre eles incidem. Através do registo

comercial, é possível averiguar os cargos de administrador ou gerente

exercidos pelo executado quais as sociedades por quotas de que o executado

é sócio, etc. A base de dados do registo civil permite descobrir os dados de

identificação do executado, o seu estado civil.

Quando o agente de execução não consiga obter o acesso electrónico

aos elementos sobre a identificação e a localização dos bens do executado e a

localização de bens deste, os serviços públicos competentes são obrigados a

fornecer tais informações ao agente de execução “por meio mais célere e no

prazo de 10 dias” (art. 833.º-A, n.º 6).

145

A consulta de outros elementos protegidos pelo segredo fiscal ou por

outros dados sujeitos a regime de confidencialidade, fica sujeita a despacho

judicial de autorização, aplicando-se o n.º 2 do art. 519.º-A, com as necessárias

adaptações.

O acesso aos dados cobertos pelo sigilo bancário, nomeadamente a

identificação das contas bancárias de que o executado é titular em algum ou

alguns bancos está dependente de autorização do juiz de execução (cfr. art.

861.º-A, n.º 1).

V. Os resultados das diligências prévias à penhora são comunicados pelo

agente de execução ao exequente ou ao seu mandatário, preferentemente por

via electrónica (art. 833.º-B).

Se tiverem sido encontrados bens penhoráveis, a penhora desses bens

seguir-se-á decorridos 5 dias sobre a notificação feita ao exequente, podendo

este, durante esse prazo, ou declarar que não pretende que sejam penhorados

determinados bens imóveis ou móveis não sujeitos a registo identificados, ou

então declarar que desistiu da execução.

Se o agente de execução não tiver encontrado bens penhoráveis, o

exequente deve, no prazo de 10 dias contados da notificação pelo agente de

execução deste resultado, indicar bens a penhora, devendo o agente de

execução penhorá-los.

Se o exequente não indicar bens penhoráveis, o executado deve ser

citado pelo agente de execução para, ainda que se oponha à execução, “pagar

ou indicar bens para penhora, no prazo de 10 dias, com a advertência das

consequências de uma declaração falsa ou de falta de declaração, nos termos

do n.º 7, e a indicação de que pode, no mesmo prazo, opor-se à execução” (n.º

4 do art. 833.º-B). A execução extingue-se se o executado não pagar, nem

indicar bens à penhora (n.º 6 do art. 833.º-B). Pode não haver citação mas

notificação do executado para pagar ou indicar bens à penhora, quando tenha

tido lugar a citação prévia.

146

O n.º 7 do art. 833.º-B prevê um caso de responsabilidade civil a cargo do

executado. Transcreve-se este número:

“Quando, após a extinção da execução, se renove a execução, nos termos do n.º 5 do artigo 920.º, e se verifique que o executado tenha bens penhoráveis, fica este sujeito a sanção pecuniária compulsória, no montante de 5% da dívida ao mês, com o limite mínimo global de mil euros, desde a data da omissão até à descoberta dos bens, quando:

a) Não tenha feito qualquer declaração; ou

b) Haja feito declaração falsa de que tenha resultado o não apuramento de bens suficientes para satisfação da obrigação”

VI. Quer o exequente, quer o agente de execução ou o oficial de justiça, quer

o próprio juiz de execução têm de saber que nem todos os bens patrimoniais

(bens e direitos) podem ser objecto de penhora.

De facto, há bens impenhoráveis de forma absoluta ou relativa, ou só

parcialmente penhoráveis.

É, assim, preciso analisar quais os bens que podem ser objecto de

penhora.

A regra geral sobre penhorabilidade consta do art. 821.º.

O n.º 1 deste art. 821.º estabelece que estão sujeitos à execução “todos

os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei

substantiva, respondem pela dívida exequenda.”

Por outro lado, o n.º 2 esclarece que, nos casos especialmente previstos

na lei, podem ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha

sido movida contra ele. Bastará recordar os casos regulados nos arts. 56.º, n.º

2, ou 828.º (em especial, o n.º 2).

A regra de que só podem ser penhorados bens do executado não tem

excepções.

147

O n.º 3 do art. 821.º estabelece uma importante regra de limitação da

penhora, que mostra que a execução civil – diferentemente da insolvência –

não é uma execução universal de todos os bens do devedor, por regra:

“A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis de execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20%, 10% e 5% do valor da execução, consoante, respectivamente, este caiba na alçada do tribunal de comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da relação, ou seja superior a este último”

Quer dizer, a percentagem de 20% é aplicável até ao somatório de €5000

(dívida exequenda e despesas previsíveis), o de 10% ao somatório entre

€5.000 e €120.000 e a de 5% às execuções cujo somatório exceda €120.000.

Por outro lado e como refere LEBRE DE FREITAS:

“A satisfação do direito do exequente […] é conseguida, no processo de execução, mediante a transmissão de direitos do executado, seguida, no caso de ser feita para terceiro […], do pagamento da divida exequenda.

Mas, para que essa transmissão se realize, há que proceder previamente à apreensão dos bens que constituem o objecto desses direitos, ao mesmo tempo paralisando ou suspendendo, na previsão dos actos executivos subsequentes, a afectação jurídica desses bens à realização de fins do executado, que fica consequentemente impedido de exercer plenamente os poderes que integram dos direitos de que sobre eles é titular, e organizando a sua afectação específica à realização do fim da execução [..]

É nessa apreensão judicial de bens do executado que se traduz a penhora […], que é assim o acto judicial fundamental do processo de execução para pagamento de quantia certa, aquele em que é mais manifesto o exercício do poder coercitivo do tribunal: perante uma situação de

148

incumprimento, o tribunal priva o executado do pleno exercício dos seus poderes sobre um bem que, sem deixar ainda de pertencer ao executado, fica a partir de então especificamente sujeito à finalidade última de satisfação do crédito do exequente […], a atingir através da disposição do direito do executado nas fases subsequentes da execução. Destas se poderá, assim, dizer que são como que a consequência natural da penhora, que é o acto executivo por excelência”(127)

VII. Ainda a propósito dos princípios gerais da penhora, é posto em destaque

pelo Prof. LEBRE DE FREITAS que da articulação dos arts. 821.º e 822.º a

824.º-A com os arts. 601.º e 818.º do Código Civil, assim como da sua

aproximação com o disposto nos arts. 825.º a 828.º, 835.º, n.º 1, e 56.º, n.º 2, é

possível extrair-se os seguintes princípios gerais:

“- Todos os bens que constituem os património do devedor, principal ou subsidiário, podem ser objecto de penhora, à excepção dos bens inalienáveis e de outros que a lei declare impenhoráveis.

- Os bens de terceiro […] só podem ser objecto de execução em dois casos; quando sobre eles incida direito real constituído para garantia do crédito exequendo; quando tenha sido julgado procedente impugnação pauliana de que resulte para o terceiro a obrigação de restituição dos bens ao credor […].[..]

- Há que ter em consta os desvios resultantes da existência de patrimónios autónomos, da constituição de garantias reais sobre bens próprios do devedor e da articulação de responsabilidades entre devedor principal e devedor subsidiário, desvios estes que, na maior parte dos casos, se exprimem em diferentes regimes de penhorabilidade subsidiária.

- Nunca podem ser penhorados senão bens do executado, seja este um devedor principal, um devedor subsidiário ou um terceiro. Esta regra não tem excepções.”(128)

127(?) A Acção Executiva, 5.ª ed., págs. 205-206. Na primeira nota do texto transcrito chama-se a atenção para que a satisfação do direito do exequente é acompanhada com a dos credores com garantia real que venham a reclamar o pagamento dos seus créditos na execução.128(?) A Acção Executiva, 5.ª ed., págs. 208-209.

149

VIII. Em princípio os bens existentes no património do executado são

penhoráveis (129).

Mas há excepções de natureza legal e de natureza convencional. Há,

pois, casos de impenhorabilidade.

O art. 822.º elenca um conjunto de bens “absoluta ou totalmente

impenhoráveis”, onde se encontram as coisas ou direitos inalienáveis, os bens

do domínio público do Estado e das restantes pessoas colectivas públicas, os

objectos cuja apreensão seja ofensiva dos bons costumes ou careça de

justificação económica, os bens especialmente destinados ao exercício do culto

público (edifícios de igrejas, seus livros, objectos de arte, etc.) os túmulos

(onde se encontram sobretudo os jazigos), os bens imprescindíveis a qualquer

economia doméstica que se encontrem na residência do executado, salvo se

se tratar de execução destinada ao pagamento do preço da respectiva

aquisição ou do custo da sua reparação, os instrumentos indispensáveis aos

deficientes e os objectos destinados ao tratamento de doentes.

É discutido na jurisprudência se, por exemplo, um televisor ou um

computador não são hoje bens imprescindíveis a qualquer economia

doméstica.

Há outros bens que são só relativamente impenhoráveis, dependendo da

finalidade da execução ou do comportamento do executado ou até da relação

do crédito exequendo com esse bem.

Por exemplo, existe uma impenhorabilidade regra dos bens do domínio

privado do Estado e de outras pessoas colectivas públicas, concessionárias de

obras ou serviços públicos ou de pessoas colectivas de utilidade pública, que

se encontrem especialmente afectos à realização de fins de utilidade pública,

excepto tratando-se da execução de dívida com garantia real (art. 823.º, n.º 1).

A isenção da penhora abrange, em regra, os instrumentos de trabalho e

os objectos indispensáveis ao exercício da actividade ou formação profissional

do executado, salvo se forem indicados à penhora pelo executado ou a

129

(?) o património de uma pessoa é o conjunto de bens ou direitos avaliáveis em dinheiro, para utilizar uma expressão do Prof. Galvão Telles. Na esfera patrimonial de uma pessoa há bens e direitos que integram o activo e outros que integram o passivo.

150

execução se destinar ao pagamento do preço da sua aquisição ou do custo da

sua reparação ou se forem penhorados como elementos corpóreos de um

estabelecimento comercial (art. 823.º, n.º 2).

Há certos bens ou direitos que são parcialmente penhoráveis. Por isso

são relativamente impenhoráveis (art. 824.º):

- 2/3 dos vencimentos, salários ou prestações de natureza

semelhante, auferidos pelo executado;

- “2/3 das prestações periódicas pagas a título de aposentação

ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por

acidente ou renda vitalícia ou de quaisquer outras pensões de

natureza semelhante.

Deve notar-se que esta penhorabilidade parcial é justificada pelo princípio

da dignidade humana (art. 1.º da Constituição da República Portuguesa – CRP)

é susceptível de ser graduada em certos casos pelo agente de execução ou

pelo juiz (130). São criticáveis as soluções que permitam ao agente de execução

praticar actos de resolução de controvérsias ou litígios, ainda que reclamáveis

para o juiz. Nesta matéria afigura-se que, sob pena de inconstitucionalidade, a

primeira e a última palavra deve ser do juiz.

A impenhorabilidade de 2/3 dos vencimentos e prestações periódicas

(englobando diferentes realidades) tem como limite máximo o montante

equivalente a 3 salários mínimos nacionais à data de cada apreensão (o salário

mínimo nacional em 2010 é de €475) e como limite mínimo, quando o

executado não tenha outro rendimento e o crédito exequendo não seja de

alimentos, o montante equivalente a um salário mínimo nacional (art. 824.º, n.º

2).

Na penhora de dinheiro ou de saldo bancário de conta à ordem é

impenhorável o valor global correspondente a um salário mínimo nacional (n.º 3

do art. 824.º). O art. 824.º-A prevê que “são impenhoráveis a quantia em 130(?) Cfr. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5.º ed., pág. 230 nota 23-A, Amâncio Ferreira, Curso cit., 12.ª ed., pág. 208.

151

dinheiro ou o depósito bancário resultante da satisfação de crédito

impenhorável, nos mesmos termos em que o era o crédito originariamente

existente” (por exemplo, os vencimentos pagos pela entidade patronal por

crédito em conta bancária à ordem não perdem essa qualidade depois de

depositados…).

A partir da Reforma da Reforma da Acção Executiva (2008), a

requerimento do executado e ouvido o exequente, deve o agente isentar de

penhora os rendimentos do executado pelo prazo de 6 meses, se o agregado

familiar do executado tiver um rendimento relevante para efeitos de protecção

jurídica igual ou inferior a ¾ do valor do Indexante de Apoios Sociais (no ano

de 2010, ¾ do valor de €419,22, ou seja, €314,42). Nos mesmos termos, em

vez da isenção, o agente de execução deve reduzir para metade a parte

penhorável dos rendimentos de executado (de 1/3 para 1/6), pelo prazo de 6

meses, se o agregado familiar do executado tiver uma rendimento relevante

para efeitos de protecção jurídica superior a ¾ e igual ou inferior a duas vezes

e meia do valor da Indexante de Apoios Sociais. Noutras situações, o agente

de execução apenas pode propor ao juiz a redução, por período que considere

razoável, da parte penhorada dos rendimentos, ponderados vários factores (art.

824.º, n.º 6).

Para além destas situações, “o agente de execução pode, a requerimento

do exequente e ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo e o

estilo de vida e as necessidades do executado e do seu agregado familiar,

ouvido o executado, propor ao juiz o afastamento do disposto no n.º 3 e reduzir

o limite mínimo imposto no n.º 2, salvo no caso de pensão ou regalia social.”

As decisões do agente de execução previstas nos nos 4 a 7 são

fundamentadas e susceptíveis de reclamação para o juiz, sendo certo que as

decisões tomadas pelo agente de execução nos nos 4 e 5 são de

constitucionalidade mais que duvidosa, como se referiu. O n.º 9 do art. 824.º

parece raiar o ridículo, não se vendo bem, como nota AMÂNCIO FERREIRA,

que o juiz precisasse de tal “muleta para exercer o seu múnus”(131).

131(?) Curso cit., 12.ª ed., pág. 211.

152

A Revisão de 1995-1996 colheu alguma inspiração na lei processual civil

francesa de 1991 para proceder a uma revisão dos conceitos de bens absoluta

e relativamente impenhoráveis. Por outro lado e como se refere no preâmbulo

do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro (segundo diploma desta

Revisão):

“Quanto à penhorabilidade parcial – para além de se estabelecer que os regimes ora instituídos prevalecem sobre quaisquer disposições legais especiais que estabeleçam impenhorabilidades absolutas sem atender ao montante dos rendimentos percebidos, em flagrante violação do princípio da igualdade (cfr. nomeadamente os Acórdão nos 349/91 e 411/93 do Tribunal Constitucional sobre a impenhorabilidade absoluta das pensões de segurança social, decorrente do artigo 45.º, n.º 4, da Lei n.º 28/84, de 11 de Agosto) -, são atribuídas ao juiz amplos poderes para, em concreto, determinar a parte penhorável das quantias e pensões de indole social percebidas [atendendo] à real situação económica do executado e seu agregado familiar, podendo mesmo determinar a isenção total da penhora quando o considere justificado.”

Depois da revisão de 1995-1996, o Tribunal Constitucional formou

jurisprudência no sentido de que a dignidade da pessoa humana impedia a

penhora de parcelas de rendimentos de trabalho ou de pensões de invalidez ou

velhice que ultrapassassem o limite do salário mínimo nacional (Acórdãos nos

318/99, 62/02, 177/02, 96/04 e 306/05). No seu Acórdão n.º 657/06, o Tribunal

Constitucional afastou-se dessa jurisprudência dominante, através de uma

maioria tangencial, não julgando “inconstitucional a norma que resulta da

conjugação do disposto na alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 824.º do

Código de Processo Civil (na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25

de Setembro), na interpretação de que permite a penhora de qualquer

percentagem no salário de executados, quando tal salário é inferior ao salário

mínimo nacional ou quando, sendo superior, o remanescente disponível para

os mesmos, após a penhora, fique aquém do salário mínimo nacional” (132). Esta

132(?) In Acórdãos do Tribunal Constitucional, 66.º vol., págs. 485 e segs (onde se descreve a evolução jurisprudencial). Neste Acórdão considerou-se que, sendo inquestionável a

153

jurisprudência confirma as soluções adoptadas pelo Legislador na Reforma de

2003.

IX. O art. 822.º, no seu início, refere que são absolutamente impenhoráveis

os “bens isentos de penhora por disposição especial” e ainda as “coisas ou

direitos inalienáveis (alínea a)).

Os bens objectivamente indisponíveis não podem, claro, ser penhorados,

porque não teria sentido nem seria legalmente possível transmiti-los a

terceiros, nomeadamente através da venda executiva. Por isso, são

impenhoráveis os bens do domínio público (art. 822.º, alínea b)) e bens ou

direitos inalienáveis, no domínio do direito substantivo: bastará recordar o

direito a alimentos (art. 2008.º, n.º 1, do Código Civil), o direito de uso e

habitação (art. 1488.º do Código Civil), o direito à sucessão de pessoa viva (art.

2028.º do Código Civil), a posição do arrendatário de prédio para habitação

(exceptuado o caso de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, só é

transmissível por morte do primitivo arrendatário, em certas circunstâncias –

arts. 1105.º e 1106.º do Código Civil). Há em vários diplomas casos de direitos

indisponíveis (por exemplo, o direito moral de autor no Código do Direito de

Autor e dos Direitos Conexos) que não podem ser penhorados.

Também não são penhoráveis as partes de sócio na sociedade em nome

colectivo (art. 183.º do Código das Sociedades Comerciais), os géneros e

mercadorias depositadas nos armazéns gerais (art. 414.º do Código

Comercial), os manuscritos inéditos, esboços, telas ou esculturas, quando

incompletos, salvo oferecimento ou consentimento do autor (art. 50.º do

referido Código de Direito de Autor e dos Direitos Conexos) o crédito de

alimentos (art. 2008.º, n.º 2, do Código Civil) além de muitos outros. LEBRE DE

FREITAS distingue entre a (in)disponibilidade substantiva objectiva e a

subjectiva, chamando a atenção para que as normas de indisponibilidade

subjectiva actuam “eliminando ou restringindo os poderes de disposição do

sujeito sobre os bens próprios”, o que pode ter, ou não, consequências no

prevalência do princípio da dignidade humana sobre o direito do credor, quando aquele imponha uma solução que conflitue com esta, não se vê que a Constituição obste a que sejam as instâncias judiciais a realizar um juízo casuístico de ponderação e adequação.

154

plano da penhorabilidade. Por exemplo, no caso do direito do credor

pignoratício de venda de coisa empenhada (a atribuição do poder de

disposição a terceiro visa um fim de garantia), pode penhorar-se o bem

empenhado (cfr. art. 666.º do Código civil). No caso de haver necessidade de

uma autorização ou consentimento de terceiro para a disposição válida de

coisas, esse terceiro (tutor ou curador) tem de intervir na execução ao lado do

executado (art. 10.º, n.º 1)(133). Pode ainda haver casos de impenhorabilidade

convencional, decorrente de pacto celebrado entre credor e devedor (arts.

602.º, 603.º e 833.º do Código Civil).

X. Para além de bens penhoráveis e de bens impenhoráveis, há casos de

penhorabilidade subsidiária que decorrem do regime substantivo.

Diz-se que um bem só é subsidiariamente penhorável quando só pode ser

penhorado depois de determinados bens, ou outro património, terem sido

excutidos, sendo insuficiente para a realização do fim de execução.

Chamar-se-á a atenção para alguns desses casos:

- a responsabilidade comum do casal e responsabilidade própria dos

cônjuges, que já analisámos atrás: as dívidas comuns são satisfeitas por

bens comuns ou, subsidiariamente, pelos bens próprios de cada cônjuge

(sendo a responsabilidade dos cônjuges solidária, salvo no regime de

separação); as dívidas próprias de cada cônjuge responsabilizam os

bens próprios do cônjuge devedor e só subsidiariamente a sua meação

(cfr. art. 1691.º a 1696.º do Código Civil); o regime processual consta do

art. 825.º;

- a responsabilidade subsidiária com prévia excussão surge quando os

sócios da sociedade comercial em nome colectivo e de sociedade civil,

bem como os sócios comanditados nas sociedades em comandita (arts.

175.º, n.º 1 e 465.º do Código das Sociedades Comerciais, art. 997.º do

Código Civil) e também o fiador civil que goza do benefício de prévia

133(?) Tem o maior interesse, para aprofundar esta matéria, a leitura de A Acção Executiva, 5.ª ed., págs. 209-218.

155

excussão (arts. 627.º, n.º 2 e 638.º do Código Civil) (134) são chamados a

pagar a quantia exequenda. Embora a lei substantiva faça depender a

excussão prévia de manifestação de vontade do devedor subsidiário, o

art. 828.º, desde a Reforma de 2003, derroga o regime substantivo,

fazendo funcionar automaticamente a excussão prévia(135),distinguindo a

lei processual diferentes situações: execução movida contra o devedor

principal e o subsidiário (n.º 1 do art. 828.º), execução movida apenas

contra o devedor subsidiário e em que este invoca o benefício de

excussão prévia, caso em que o exequente pode chamar o devedor

principal à execução (art. 828.º, n.º 2). No caso de não haver citação

prévia do executado – cfr. art. 812.º-F, n.º 2, alínea a), que prevê que, na

execução apenas contra o devedor subsidiário, deve haver citação

prévia deste, salvo se o exequente tiver pedido a dispensa de citação

prévia – só é admissível a penhora de bens do devedor subsidiário em

certas circunstâncias (sendo a execução dirigida contra o devedor

principal e o devedor subsidiário, depois de executados todos os bens,

salvo se se provar que o devedor subsidiário renunciou ao benefício de

prévia excussão; sendo a execução movida contra o devedor

subsidiário, quando se mostre que o devedor principal não tem bens ou

se prove que o devedor subsidiário renunciou ao benefício de prévia

excussão, muito embora o devedor subsidiário possa invocar o benefício

de excussão prévia em oposição à penhora – art. 828.º, nos 3 e 4). Deve

notar-se que se a execução tiver sido movida apenas contra o devedor

principal e os bens deste se revelarem insuficientes, pode o exequente

chamar a execução o devedor subsidiário (através de intervenção

principal provocada)(136).

134(?) Nas obrigações cambiárias o avalista responde solidariamente com o avalizado. Na fiança civil, o fiador pode renunciar ao benefício de prévia excussão, passando a responder a título principal com o devedor (art. 640.º). A fiança comercial tem natureza solidária (art. 101.º do Código Comercial).135

(?) Ver Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5.ª ed., pág. 229-23. 136(?) Sobre o art. 828.º remete-se para Lebre de Freitas / Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, 3.º vol, 1.ª ed, págs. 375-383 (o texto comentado é o original, sem as alterações da Reforma da Reforma).

156

XI. Nas disposições gerais sobre penhorabilidade de bens, aparecem ainda

reguladas três situações que vale a pena referenciar:

- penhora em caso de comunhão ou compropriedade – sendo a

execução movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares do

património autónomo ou bens indivisos (por exemplo, herdeiro na

herança indivisa; cônjuge quanto à penhora da meação) – , não podem

ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma

fracção de qualquer deles, nem uma parte especifica do bem indiviso. A

penhora há-de recair sobre o quinhão do executado no património

autónomo (por exemplo, na herança indivisa) ou sobre a quota de

compropriedade (1/3 do prédio indiviso, por exemplo). Mas, quando em

execuções diversas, “sejam penhorados todos os quinhões no

património autónomo ou todos os direitos sobre o bem indiviso, realiza-

se uma única venda, no âmbito do processo em que se tinha efectuado

a primeira penhora com posterior divisão do produto obtido” (art. 826.º,

n.º 2);

- bens a penhorar na execução contra o herdeiro por dívidas da

herança – a regra é a de que só podem penhorar-se os bens que ele

tenha recebido da herança (art. 827.º, n.º 1). Mas se a penhora recair

sobre outros bens, o herdeiro executado pode requerer ao agente de

execução o levantamento da penhora sobre tais bens, indicando os bens

da herança que tiver em seu poder. Mas o exequente pode opor-se a

esse levantamento. Não havendo oposição do exequente, o

requerimento é deferido pelo agente de execução. Havendo oposição do

exequente, o executado só pode obter esse levantamento, se não tiver

aceite a herança a benefício de inventário, desde que alegue e prove

que os bens penhorados não provieram da herança, ou que não recebeu

da herança mais bens do que indicou ou, se recebeu mais, que os

outros foram todos aplicados em solver encargos dela (art. 827.º, nos 2 e

3).

157

- Penhora de mercadorias carregadas em navio, caso em que pode ser

autorizada a descarga, ainda que o navio esteja despachado para

viagem, se o credor satisfizer por inteiro o frete em dívida, as despesas

de carga, estiva, desarrumação, sobredemora e descarga ou prestar

caução ao pagamento dessas despesas (art. 830.º). A solução

compreende-se pois a apreensão efectiva causa perturbação à viagem

programada do navio.

XII. O art. 831.º contém uma regra importante sobre a apreensão de bens do

executado em poder de terceiro. Tal regra provém do Código de 1939.

Segundo o n.º 1 do art. 831.º, o agente de execução pode apreender os

bens do executado que se encontrem, por qualquer título, em poder de terceiro

– seja posse, seja mera detenção – sem prejuízo dos direitos que por este seja

lícito opor ao exequente. Trata-se de um corolário da regra dos nos 1 e 2 do art.

821.º(137). Terceiro para este efeito é quem não é parte na execução. Note-se

que, se o terceiro for titular de um direito real menor de gozo (direito de

usufruto, de superfície, por exemplo) ou de um direito real de garantia (penhor

de coisa ou direito de retenção) poderá na primeira situação, reagir

juridicamente em defesa da sua posse, através de embargos de terceiro, ou

exercer, na segunda situação, os seus créditos garantidos pelo bem

penhorado, deduzindo reclamação de créditos nos termos dos arts. 865.º e

segs..

No acto de apreensão, deve verificar-se se o terceiro tem os bens em seu

poder por via de um direito real de garantia (penhor ou direito de retenção), e,

verificando-se ser esse o caso, deve ser imediatamente citado para reclamar

os seus créditos, salvo se tal não puder ser feito de forma regular. Neste último

caso, deve ser anotado o respectivo domicílio para efeito de posterior citação.

É o que resulta dos nos 2 e 3 do art. 831.º.

137(?) Cfr. Lebre de Freitas / Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, 3.º vol., 1.º ed., pág. 385.

158

XIII. A partir da Reforma da Reforma de 2008, passou de novo a haver uma

ordem legal de realização da penhora(138).

Na redacção da Reforma de 2003, o n.º 1 do art. 834.º estabelecia como

regra que a penhora começava “pelos bens cujo valor pecuniário [fosse] de

mais fácil realização e se [mostrasse] adequado ao montante do crédito do

exequente”.

Em 2008 eliminou-se a discricionariedade do agente de execução na

ordem da realização da penhora:

“Independentemente da ordem pela qual o exequente indicou bens à penhora, do resultado das diligências prévias à penhora e dos bens nomeados à penhora pelo executado, o agente de execução deve efectuar a penhora daqueles bens preferencialmente pela seguinte ordem:

a) Penhora de depósitos bancários;

b) Penhora de rendas, abonos, vencimentos, salários ou outros créditos se permitirem, presumivelmente, a satisfação integral do credor no prazo de seis meses;

c) Penhora de títulos e valores mobiliários;

d) Penhora de bens móveis sujeitos a registo se, presumivelmente, o seu valor for uma vez e meia superior ao custo da sua venda judicial;

e) Penhora de quaisquer bens cujo valor pecuniário seja de fácil realização ou se mostre adequado ao montante do crédito do exequente.” (n.º 1 do art. 834.º)

Mesmo que o valor de imóveis ou de estabelecimentos comerciais seja

excessivo em relação ao montante do crédito exequendo, pode proceder-se a

penhora de imóveis ou de estabelecimentos comerciais “quando a penhora de

outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no

prazo de seis meses” (n.º 2 do art. 834.º).

138(?) Sobre a sucessão de regimes quanto à chamada ordo executionis remete-se para Amâncio Ferreira, Curso cit, 12.ª ed., págs. 233-235.

159

Pode em certos casos, haver lugar à substituição ou reforço da penhora

(n.º 3 do art. 834.º). O executado pode opor-se à nova penhora (n.º 4 do art.

834.º).

No caso de substituição do bem penhorado por outro, só depois da nova

penhora é levantada a anterior (n.º 5 do art. 834.º).

No caso de já haver penhora e o executado vir a opor-se à execução

(nomeadamente porque a citação foi posterior à penhora), este pode requerer

“a substituição da penhora por caução idónea que igualmente garanta os fins

da execução” (n.º 6 do art. 834.º; veja-se o disposto no art. 818.º, nos 1 e 2).

XIV. O art. 835.º, n.º 1, regula a ordem da penhora no caso de haver garantias

reais. Aí a penhora “inicia-se pelos bens sobre que incida a garantia e só pode

recair sobre outros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o

fim da execução”.

Já o n.º 2 prevê as situações de penhora de quinhão em património

autónomo (por exemplo, penhora do quinhão hereditário de um herdeiro numa

herança indivisa) ou de direito sobre bem indiviso (por exemplo, quota de um

comproprietário) em que seja possível utilizar o mecanismo do n.º 2 do art.

826.º (penhora de todos os quinhões do património autónomo ou de todos os

direitos de um bem indiviso, por serem executados todos os contitulares nessa

ou noutras execuções para se fazer uma única venda), a penhora deve

começar por esse bem.

36. A REALIZAÇÃO DA PENHORA

I. Acabámos de ver que o art. 821.º, n.º 1, estatui que estão sujeitos à

execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos

da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda. Vimos, por outro lado,

que existe a regra sem excepções de que só podem ser penhorados bens de

quem for executado. Vimos também que há certos bens que são

impenhoráveis de forma total e absoluta e outros que são penhoráveis em

160

certas condições ou em certa parte (arts. 822.º, 823.º, 824.º e 824.º-A). Vimos

ainda algumas situações reguladas na lei relativamente à penhora (penhora da

meação e de bens próprios do cônjuge não executado que é chamado à

execução; penhora em caso de comunhão ou de compropriedade; penhora de

bens por dívidas da herança na execução contra o herdeiro; casos de

penhorabilidade subsidiária e de penhora de mercadorias carregadas em

navio).

Analisámos também a regulação legal da situação de apreensão de bens

de executado que estão na posse ou detenção de terceiro (art. 831.º).

Importa ver agora brevemente como se realiza a penhora.

Veremos que a lei distingue entre a penhora de imóveis, de móveis e de

direitos.

A matéria é regulada com detalhe na lei (arts. 838.º a 863.º).

Deve notar-se que a realização da penhora é documentada através da

elaboração de um auto cujo modelo consta do anexo I da Portaria n.º

700/2003, de 31 de Julho (art. 836.º). A penhora é levada a cabo pelo agente

de execução ou pelo oficial de justiça nas execuções em que não há agente de

execução.

Deve chamar-se a atenção para que o agente de execução tem o dever

legal de informar o exequente de todas as diligências efectuadas para realizar

penhoras e os motivos de eventual frustração daquelas, através de meios

electrónico (art. 837.º).

II. Penhora de Imóveis – A penhora de imóveis, prédios rústicos ou urbanos,

realiza-se através do registo na respectiva conservatória do registo predial, só

depois se lavrando o respectivo auto.

Dispõe o art. 838.º:

“1 – A penhora de coisas imóveis realiza-se por comunicação electrónica do agente de execução ao serviço de registo competente, o qual vale como pedido de registo,

161

ou com a apresentação naquele serviço de declaração por ele subscrita.

2 – Inscrita a penhora e observado o disposto no n.º 5, é enviada ou disponibilizada por via electrónica, ao agente de execução, certidão dos registos em vigor sobre os prédios penhorados.

3 – Seguidamente, o agente de execução lavra o auto da penhora e procede à afixação, na porta ou outro local visível do imóvel penhorado, de um edital, constante de modelo aprovado por portaria do Ministério da Justiça.

4 – O registo provisório da penhora não obsta a que a execução prossiga, não se fazendo a adjudicação dos bens penhorados, a consignação judicial dos seus rendimentos ou a respectiva venda sem que o registo se haja convertido em definitivo, podendo o juiz da execução, ponderados os motivos da provisoriedade, decidir que a execução não prossiga, se perante ele a questão for suscitada.

5 – O registo da penhora tem natureza urgente e importa a imediata feitura dos registos anteriormente requeridos sobre o bem penhorado.”

Para se compreender perfeitamente o processo da penhora de imóveis

importa ter uma ideia básica de como funciona o registo predial em Portugal. O

registo não é obrigatório, mas, na prática, vem a ser indispensável, porque em

todos os negócios de transmissão ou oneração de imóveis o respectivo acto

pressupõe o controlo de regularidade registral do respectivo imóvel. Existem

conservatórias com competência territorial fixada e aí existem fichas da

descrição quanto a cada imóvel ou fracção autónoma deste onde ficam

inscritos ou averbados os registos de diferentes vicissitudes relativas aos

respectivos prédios (por exemplo, constituição ou alteração do regime de

propriedade horizontal de um prédio urbano; oneração através de hipoteca;

cancelamento da hipoteca; registos provisórios de aquisição ou oneração,

registo da propriedade, etc.). Ora, por regra, o registo da penhora de imóvel é

definitivo. Pode, porém, ser provisório se o prédio em causa estiver registado

em nome de terceiro (que pode ser um antigo proprietário que entretanto

vendeu o bem ao executado, sem que este inscrevesse a compra no registo,

ou que pode ser um novo proprietário que, anteriormente ao registo da

162

penhora, adquiriu o imóvel ao executado). Neste caso, no direito anterior à

Revisão de 1995-1996, a execução não corria até que estivesse documentado

no processo o registo definitivo da penhora. O n.º 4 do art. 838.º permite que a

execução prossiga até à fase da venda, período em que o agente de execução

ou o exequente procurará eliminar os motivos da provisoriedade. Pode, por

último, suceder que o próprio prédio não conste do registo predial (não esteja

descrito na conservatória competente), situação hoje menos frequente mas que

pode ocorrer em zonas rurais, sobretudo quanto a prédios rústicos. Em tal

caso, terá o agente de execução de promover a descrição do prédio que

pretende penhorar, só depois se podendo fazer, claro, o registo da penhora.

Todas estas questões estão reguladas no Código de Registo Predial.

Deve notar-se que, se o exequente tiver obtido o arresto do imóvel

indicado à penhora, o arresto converte-se em penhora, sendo tal conversão

averbada no registo (art. 846.º).

Como se referiu, após o pedido de registo da penhora na conservatória o

agente lavra o auto da penhora e publicita no local (na porta da rua do imóvel

urbano; no portão de uma quinta; numa árvore do prédio rústico não murado,

etc.) através de edital.

Se a penhora for realizada pelo agente de execução, este fica, por regra,

investido na qualidade de depositário (o chamado fiel depositário) do imóvel.

Se a penhora for levada a cabo por oficial de justiça, este designa como

depositário um terceiro, mas em ambas as situações, a designação do

depositário poderá ser feita doutro modo, isto é, “salvo se o exequente

consentir que seja depositário o próprio executado ou outra pessoa designada

pelo agente de execução”, ou então, tratando-se o bem penhorado da casa de

habitação do executado, será este o depositário, tal como o será o arrendatário

se o bem estiver arrendado, ou o retentor, se houver um direito de retenção

sobre o imóvel (art. 839.º, n.º 1). Os nos 2 e 3 do art. 839.º regulam situações

respeitantes à penhora de bens arrendados.

Quando não se esteja nas situações previstas nos nos 1 e 2 do art. 839.º,

o agente de execução deve tomar posse efectiva do imóvel (n.º 1 do art. 880.º)

o que implica poder ter de ultrapassar resistências por parte do executado ou

163

de terceiros. O agente de execução pode solicitar nos termos do n.º 2 do art.

840.º, directamente o auxílio das autoridades policiais (por exemplo, tomada de

posse de uma instalação fabril, ocupada por trabalhadores ou outros credores).

Quando, porém, tenham de ser arrombadas portas ou se receie haver oposição

às diligências de realização da penhora, o agente de execução pede a

intervenção do juiz, através de requerimento fundamentado, cabendo ao juiz

determinar o auxílio das autoridades policiais para abrir ou arrombar portas ou

para neutralizar qualquer tentativa de resistência (art. 840.º, n.º 3).

As diligências em casa habitada ou numa sua dependência fechada, só

podem realizar-se entre as 7 e as 21 horas, “devendo o agente de execução

entregar cópia do auto da penhora a quem tiver a disponibilidade do lugar em

que a diligência se realiza, o qual pode assistir à diligência e fazer-se

acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança que, sem delonga, se

apresente no local” (n.º 3 do art. 840.º).

A extensão da penhora de imóveis estende-se às partes integrantes,

frutos, naturais ou civis, desde que não sejam expressamente excluídos e

nenhum privilégio exista sobre eles (art. 842.º). Os frutos pendentes podem ser

penhorados em separado quando não falte mais de um mês para a época

normal da colheita.

O depositário judicial tem o dever de administrar o imóvel com a diligência

e o zelo de um bom pai de família e tem a obrigação de prestar contas

(despesas urgentes com o imóvel, rendas recebidas, etc.).

Pode haver um acordo entre exequente e executado sobre o modo de

explorar os bens penhorados. Na falta de acordo decide o juiz, depois de

ouvido o depositário. O agente de execução, quando seja depositário, pode

socorrer-se, na administração dos bens, de colaboradores que actuam sob sua

responsabilidade (art. 843.º, n.º 3).

Pode haver remoção do depositário quando esta não cumpra os deveres

do seu cargo (art. 845.º).

A partir da Reforma da Acção Executiva (2003), passou a prever-se a

possibilidade de divisão do prédio penhorado, se o valor deste exceder

manifestamente o da dívida exequenda e dos créditos reclamados, a pedido do

164

executado, e sem prejuízo do prosseguimento da execução. A questão é

decidida pelo agente de execução, depois de ouvidos os interessados (art.

842.º-A). É muito discutível, do ponto de vista de política legislativa, a solução

legal de atribuir ao agente de execução a resolução de situações litigiosas,

embora tal resolução possa ser objecto de reclamação para juiz. Poder-se-á

mesmo acusar a solução de ser inconstitucional (139).

Por último, pode haver o levantamento da penhora, nomeadamente por

falta de efectivação de diligências para a realização do pagamento efectivo do

crédito nos seis meses anteriores ao requerimento do executado. A Reforma

da Reforma de 2008 atribuiu o poder de levantamento da penhora ao agente

de execução, afastando – a meu ver, indevidamente – o juiz dessa decisão.

Deve notar-se que, havendo falta de diligência do exequente em promover o

andamento da execução, pode qualquer credor reclamante com créditos

vencidos, que pretenda ser pago pelo produto da venda de bens penhorados,

substituir-se ao exequente na prática do acto que tenha negligenciado, desde

que tenham passado 3 meses sobre o início da actuação negligente do

exequente e enquanto não for requerido o levantamento da penhora (art.

847.º).

III. Penhora de móveis – o princípio geral é o de que, neste caso, há efectiva

apreensão dos bens e sua imediata remoção para depósitos (públicos ou

privados) – é o que dispõe o art. 848.º, n.º 1. Os depósitos públicos estão

previstos no art. 36.º, n.º 1, da Portaria n.º 331-B/2009, de 30 de Março. Pode

haver depósitos privados equiparados àqueles.

Há uma presunção iuris tantum de titularidade pelo executado dos bens

que sejam encontrados em seu poder. Mas tal presunção pode ser ilidida

perante o juiz mediante prova documental inequívoca do direito de terceiros,

sem prejuízo de um meio processual de reacção contra a eventual penhora, o

incidente de embargos de terceiro.

Por isso pode dizer-se que, no acto da penhora o executado ou outra

pessoa presente protesta contra o propósito de apreensão, invocando e 139(?) Em sentido crítico, Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5.ª ed., pág. 240 e Amâncio Ferreira que acolhe as criticas daquele (Curso cit., 12.ª ed., pág. 244, nota 460).

165

provando que os bens são de terceiro. Fala-se por vezes de protesto imediato

para referir esta forma de reacção (cfr. art. 848.º, n.º 2).

Sobre a entrada no domicílio do executado aplicam-se as regras para a

penhora de imóveis (art. 848.º, n.º 3 que remete para os nos 2 a 6 do art. 840.º

veja-se o art. 850.º).

Se forem apreendidos dinheiro, papéis de crédito, pedras e metais

preciosos, são depositados em instituição de crédito, à ordem do agente de

execução.

O art. 848.º-A prevê a possibilidade de cooperação do exequente,

principal interessado na realização da penhora, nomeadamente facultando os

meios necessários à apreensão de móveis (por ex., veículo para transportar os

bens apreendidos para um depósito).

Da penhora é lavrado auto segundo o modelo aprovado pela Portaria n.º

700/2003, de 31 de Julho (art. 849.º). Do auto consta cada um dos bens

apreendidos com o respectivo valor (fala-se de verbas).

Não se podendo concluir a penhora num só dia, faz-se a imposição de

selos nas portas das casas e tomam-se as providências necessárias à sua

garantia (art. 849.º, n.º 3).

Os bens móveis registáveis (veículos automóveis, navios, aeronaves) são

penhorados nos termos da penhora de imóveis (art. 851.º que remete para o

art. 838.º). No caso de penhora de veículos automóveis, à penhora segue-se a

imobilização do veículo penhorado (através de imposição de selos ou

imobilizador e de apreensão do documento de identificação do veículo). Só há

remoção do veículo se o agente de execução entender que tal é necessário

para a salvaguarda do bem (art. 851.º). Os nos 4 e 5 deste artigo respeitam à

penhora de navios ou aeronaves (cfr. arts. 852.º e 853.º - modo de fazer

navegar o navio penhorado).

Havendo depositário – e, em principio, assim ocorre – o agente de

execução pode solicitar a apresentação dos bens recebidos. Se o não fizer em

certo prazo sem justificação, é logo ordenado pelo juiz arresto nos bens do

166

depositário (art. 854.º). Antes da Constituição de 1976, previa-se uma prisão de

natureza compulsória, até à apresentação dos bens dados em depósitos.

Aplicam-se subsidiariamente as regras sobre penhora de imóveis (art.

855.º).

IV. Penhora de direitos – Numa economia em que os bens imobiliários já não

são o expoente máximo dos patrimónios, é natural que sejam mais frequentes

as penhoras de direitos.

Antes de mais, são penhoráveis direitos de crédito do executado,

nomeadamente o direito de parte do salário ou pensão devido pela entidade

patronal ou organismo de Segurança Social (ou Caixa Geral de Aposentações

quanto a boa parte dos funcionários e trabalhadores da Função Pública). Mas

pode ser um outro crédito, nomeadamente proveniente de uma relação

contratual ou extracontratual.

O art. 856.º regula a penhora de créditos em geral. Tal penhora consiste

na notificação feita ao devedor, com as formalidades da citação pessoal e

sujeita ao regime desta, de que o crédito fica à ordem do agente de execução,

o que tem como consequência que o devedor não pode cumprir a sua

obrigação pagando directamente ao seu credor, desconsiderando o efeito da

penhora. O devedor tem de declarar se o crédito existe, quais as garantias que

o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que

possam interessar à execução.

O silêncio do devedor é interpretado pela lei como um comportamento de

reconhecimento da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora

(no requerimento executivo ou em requerimento subsequente). Se falta

conscientemente à verdade (nomeadamente, dizendo que o crédito não existe)

incorre na responsabilidade do litigante de má fé (n.º 5 do art. 856.º).

Se o crédito estiver garantido por penhor, é feita a apreensão de coisa

objecto desse penhor, aplicando-se as regras sobre penhora de coisas móveis.

Se estiver garantido por hipoteca, faz-se no registo o averbamento de penhora

de crédito hipotecário (art. 856.º, n.º 6).

167

Se o devedor negar a existência do crédito, são notificados o exequente e

o executado para se pronunciarem, no prazo de 10 dias, devendo o exequente

declarar se mantém a penhora ou desiste dela (art. 858.º, n.º 1).

Se o exequente mantiver a penhora, o crédito passa a considerar-se

litigioso e como tal será transmitido.

Quando a dívida se vença e o devedor não a haja contestado, deve pagá-

la ao agente de execução, sob pena de ser executado, servindo de título ou a

declaração de reconhecimento ou a notificação sem resposta (art. 860.º, n.º 3).

Se o devedor, apesar de nada dizer, vier a demonstrar, em oposição à

execução contra ele movida pelo exequente ou adquirente do crédito, que este

crédito do devedor, primitivo executado, não existe, não é obrigado a pagar o

valor do crédito, mas “responde pelos danos causados, nos termos gerais,

liquidando-se a sua responsabilidade na própria oposição, quando o exequente

faça valer na contestação o direito à indemnização” (art. 860.º, n.º 3). Trata-se

de uma solução de tipo reconvencional.

Por seu turno, o art. 861.º regula a penhora de outras situações

creditórias (penhora de rendas, abonos, vencimentos ou salários) e o art. 861.º-

A a penhora dos créditos do depositante bancário sobre a instituição devedora

(penhora de depósitos bancários).

A penhora de depósitos bancários carece de despacho prévio do juiz e

está detalhadamente regulada nos 14 números do art. 861.º-A.

Importa chamar a atenção para que, por vezes, é difícil ao exequente (e,

claro, ao agente de execução) saber se o executado é depositante de fundos

num Banco. Por isso, é preciso, por vezes, fazer numerosas consultas, que têm

custos para o exequente (cfr. art. 861.º-A, n.º 12).

A regulamentação prevê as situações de contitularidade de contas

bancárias, presumindo a lei que cada contitular tem uma parte igual à dos

outros (presume-se que, sendo três os contitulares, e sendo executado um só

deles, só pode penhorar-se 1/3 dos saldos). Pode haver redução dos

montantes penhorados em diferentes contas bancárias, por vezes envolvendo

várias instituições.

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Há critérios legais de preferência em caso de o executado ter contas

diversas: entre contas de depósitos à ordem e depósito a prazo, a penhora

deve preferencialmente incidir sobre estas últimas (art. 861.º-A, n.º 5).

O saldo penhorado pode ser afectado, quer em benefício, quer em

prejuízo, do exequente, podendo ser debitados montantes de cheques já pagos

a terceiros e só depois enviados à compensação pelas forças do saldo dessa

conta. Podem também certos créditos na conta beneficiar o exequente,

estendendo-se o objecto da penhora para englobar esses montantes (art.

861.º-A, n.º 10).

Note-se que os bancos, como quaisquer devedores, têm de comunicar

em dez dias o montante de saldos existentes na conta do executado ou a

inexistência da conta ou saldo (art. 861.º-A, n.º 8).

O Código de Processo Civil regula ainda a penhora de direitos ou de

expectativas de aquisição de bem determinados (por exemplo, penhora da

posição de promitente comprador com eficácia real; penhora de direito de

preferência de origem legal ou fundado em contrato com eficácia real). Como

refere LEBRE DE FREITAS, este art. 860.º-A aplica-se também à penhora de

direito que seja objecto de negócio condicional (cfr. art. 274.º, n.º 1, do Código

Civil) e à expectativa de aquisição do bem vendido com reserva de propriedade (140). Aplicam-se as regras de penhora de créditos, sendo certo que, quando o

objecto a adquirir for uma coisa que esteja na posse ou detenção do

executado, cumprir-se-á ainda o previsto nos artigos referentes à penhora de

móveis ou imóveis (art. 860.º-A, n.º 2).

Podem ainda ser penhorados direitos reais menores (penhora de

usufruto, ou de nua propriedade apenas)(141)

140(?) Cfr. A Acção Executiva, 5.ª ed., págs. 252-255.141

(?) Remete-se para Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5.º ed., págs. 248 e segs.