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2 PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA: DESAFIOS, CONFLITOS E PERSPECTIVAS NO TRABALHO DOCENTE Maria Auxiliadora da Silva CAVALCANTE 1 RESUMO: Este texto tem como objetivo analisar os principais desafios, conflitos e perspectivas de professores que atuam no ensino fundamental, sobretudo no que diz respeito à necessidade de se apropriar e também de incorporar algumas concepções de língua/linguagem e de gramática, advindas das pesquisas em linguística, e, por conseguinte, adotar novas práticas pedagógicas com relação ao processo ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa nos anos iniciais, bem como analisar se essa necessidade interfere (ou não) no trabalho docente. Para tanto, realizamos uma pesquisa em turmas do ensino fundamental, de escolas da rede pública de Maceió- Al Brasil, na qual realizamos entrevistas semiestruturadas, através da aplicação de questionários. Como abordagem metodológica, adotamos a pesquisa qualitativa, nos moldes da Etnografia. Fundamentamos a pesquisa com base em Cavalcante (2008), Geraldi (2001), Marcuschi (2001), dentre outros. Defendemos a realização de pesquisas voltadas para o trabalho docente, realizado por professores que ensinam Língua Portuguesa, porque o processo de reestruturação do trabalho pedagógico, que se constata, nas duas últimas décadas, trouxeram novas demandas, novas formas de organização de gestão, para todos os educadores, inclusive, e sobretudo, para o/a professor (a) de Língua Portuguesa, a quem geralmente se atribui o fracasso em relação ao mal desempenho dos alunos. Isso, não somente, no diz respeito aos usos linguísticos, mas também em relação a todo o processo de ensino e aprendizagem de uma forma mais ampla. No entanto, mesmo diante dessa intensificação do trabalho docente, ainda se verifica uma carência de pesquisas voltadas, não somente para as condições atuais do trabalho docente do professor que ensina Língua Portuguesa no ensino fundamental, mas também para os conflitos e perspectivas que tal professor (a) está vivenciando com relação à necessidade cada vez maior de apropriação e de transposição de determinados subsídios teóricos para fundamentar o ensino da Língua Portuguesa. Os resultados indicam que os professores se sentem pressionados a mudar suas práticas voltadas para o ensino da Língua Portuguesa, sobretudo, após cursos de atualização que são ofertados pela Secretaria de Educação do Município. No entanto, declaram-se inseguros e 1 Interletras, volume 3, Edição número 18,outubro 2013/ março.2014 - p

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PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA: DESAFIOS, CONFLITOS E PERSPECTIVAS NO TRABALHO DOCENTE

Maria Auxiliadora da Silva CAVALCANTE1

RESUMO: Este texto tem como objetivo analisar os principais desafios, conflitos e perspectivas de professores que atuam no ensino fundamental, sobretudo no que diz respeito à necessidade de se apropriar e também de incorporar algumas concepções de língua/linguagem e de gramática, advindas das pesquisas em linguística, e, por conseguinte, adotar novas práticas pedagógicas com relação ao processo ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa nos anos iniciais, bem como analisar se essa necessidade interfere (ou não) no trabalho docente. Para tanto, realizamos uma pesquisa em turmas do ensino fundamental, de escolas da rede pública de Maceió- Al Brasil, na qual realizamos entrevistas semiestruturadas, através da aplicação de questionários. Como abordagem metodológica, adotamos a pesquisa qualitativa, nos moldes da Etnografia. Fundamentamos a pesquisa com base em Cavalcante (2008), Geraldi (2001), Marcuschi (2001), dentre outros. Defendemos a realização de pesquisas voltadas para o trabalho docente, realizado por professores que ensinam Língua Portuguesa, porque o processo de reestruturação do trabalho pedagógico, que se constata, nas duas últimas décadas, trouxeram novas demandas, novas formas de organização de gestão, para todos os educadores, inclusive, e sobretudo, para o/a professor (a) de Língua Portuguesa, a quem geralmente se atribui o fracasso em relação ao mal desempenho dos alunos. Isso, não somente, no diz respeito aos usos linguísticos, mas também em relação a todo o processo de ensino e aprendizagem de uma forma mais ampla. No entanto, mesmo diante dessa intensificação do trabalho docente, ainda se verifica uma carência de pesquisas voltadas, não somente para as condições atuais do trabalho docente do professor que ensina Língua Portuguesa no ensino fundamental, mas também para os conflitos e perspectivas que tal professor (a) está vivenciando com relação à necessidade cada vez maior de apropriação e de transposição de determinados subsídios teóricos para fundamentar o ensino da Língua Portuguesa. Os resultados indicam que os professores se sentem pressionados a mudar suas práticas voltadas para o ensino da Língua Portuguesa, sobretudo, após cursos de atualização que são ofertados pela Secretaria de Educação do Município. No entanto, declaram-se inseguros e insatisfeitos com a formação continuada que lhes são oferecidas nesses cursos.

PALAVRAS-CHAVE: Fundamentos; Concepção de Linguagem; Ensino de Língua Portuguesa.

Introdução

A partir do início da década de 1990, o contexto mundial vem passando por mudanças significativas nas mais diversas esferas das práticas sociais, inclusive, trazendo novas demandas com relação à necessidade de melhoria na oferta e na qualidade da escolarização que, por sua vez, passa a fazer forte pressão para que o professor incorpore novas práticas, novas concepções, novos conhecimentos, novas posturas diante de sua atividade docente, diante dos colegas e diante dos alunos. Com isso, há uma imposição de revisão/atualização de alguns pressupostos teóricos que fundamentam suas praticas docentes, qualificando-as e ampliando seus efeitos. Em

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contrapartida, as secretarias municipais de Educação do Estado de Alagoas, bem como muitas escolas da Rede Estadual, promovem ao longo de cada ano vários cursos de curta duração, rotulados de forma genérica de formação continuada, para que os professores “melhorem/atualizem” sua prática docente.

No entanto, com relação às demandas relacionadas à formação docente, o que se constata é que ainda não existe no Brasil uma política claramente configurada acerca da formação docente, tanto inicial quanto continuada. Essa ausência vem gerando desconforto e desânimos no professorado, que se sente insatisfeito com os resultados de seu trabalho. Além disso, a maioria dos professores que atua na educação básica brasileira teve sua formação inicial com base num paradigma que hoje se rotula de “tradicional”. Essa situação provoca um grande desconforto na atuação do professor que se sente meio perdido ao ver, por um lado, sua formação inicial desqualificada nos cursos de formação continuada, e por outro, sente-se pressionado a incorporar em suas práticas docentes aquilo que se propõe como sendo o paradigma “salvador” qualidade da educação.

Gostaríamos de ressaltar que a motivação para a presente pesquisa/reflexão surgiu quando ministrávamos as disciplinas “Estagio Supervisionado no Curso de Letras, e Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa no Curso de Pedagogia da UFAL, sobretudo, nas turmas do turno noturno, onde os alunos são também, em sua grande maioria, já são professores”. E a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96; e também da necessidade de mudança na carreira profissional, com aumento de salário em função da qualificação e da titulação; muitos professores estão complementando a sua formação com cursos de licenciaturas, em cursos noturnos, depois de um dia de trabalho docente.

Nas turmas de Pedagogia da UFAL, que cursaram o 4° e 5°2 períodos no segundo semestre de 2009 e primeiro semestre 2010, no turno noturno, constatava-se que de cada 50 alunos, 40 já são professores há mais de 5 anos, muitos com mais de 10 anos de atuação no magistério. E os demais iniciaram a docência após o primeiro semestre do Curso de Pedagogia.

Gostaríamos de ressaltar de que somos conscientes de que uma reflexão acerca das concepções de linguagem e de gramática também está ligada a uma questão mais abrangente que é a questão da formação docente tanto inicial quanto continuada, que carece de uma política claramente configurada, que leve em conta vários fatores, acerca do processo de formação docente de alunos que já são docentes, dos espaços destinados a essa formação, das condições de formação acadêmica, do currículo dessa formação, dos suportes e apoios acadêmicos e tecnológicos, das condições de trabalho dos docentes formadores de professores, bem como da necessidade de planejamentos articulados entre as diversas instituições que realizam a formação inicial e a formação continuada.

2 Na Universidade Federal de Alagoas cada período equivale a um semestre cursado. As turmas de Pedagogia do turno diurno concluem o curso após o 8° período; as turmas do turno noturno conclui após o 9° período.

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Diante desse cenário, este texto tem como objetivos, num primeiro momento, refletir sobre as principais concepções de língua/linguagem e de gramática que podem subsidiar o processo ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa no ensino fundamental; e no segundo momento, analisar os principais desafios, conflitos e perspectivas de professores que atuam no ensino fundamental, sobretudo no que diz respeito à necessidade de se apropriar e também de incorporar algumas concepções de língua/linguagem e de gramática, advindas das pesquisas em linguística, e, por conseguinte, adotar novas práticas pedagógicas com relação ao processo ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa no ensino fundamental. Para tanto, realizamos uma pesquisa com cinco professoras, da faixa etária de 33 aos 58 anos, sendo três com formação inicial em Letras e duas com formação inicial em Magistério, todas com mais de 10 anos de atuação no ensino da Língua Portuguesa no ensino fundamental em escolas da rede pública de ensino de Alagoas. Fundamentamos a pesquisa com base em Cavalcante (2008), Geraldi (2001), Marcuschi (2001), dentre outros.

Defendemos a realização de pesquisas voltadas para o trabalho docente, realizado por professores que ensinam Língua Portuguesa, na Educação Básica, sobretudo, no ensino fundamental, porque o processo de reestruturação do trabalho pedagógico, que se constata, nas duas últimas décadas, trouxeram novas demandas, novas formas de organização de gestão, para todos os educadores, inclusive, e sobretudo, para o/a professor (a) de Língua Portuguesa, a quem geralmente se atribui o fracasso em relação ao mal desempenho dos alunos (CAVALCANTE, 2009). Isso, não somente, no diz respeito aos usos linguísticos, mas também em relação a todo o processo de ensino e aprendizagem de uma forma mais ampla. No entanto, mesmo diante dessa intensificação do trabalho docente, ainda se verifica uma certa carência de pesquisas voltadas, não somente para a reflexão das concepções de linguagem que subsidiam o trabalho docente do professor que ensina Língua Portuguesa no ensino fundamental, mas também para os conflitos e perspectivas que tal professor(a) está vivenciando com relação à necessidade, cada vez maior, de participar de cursos/formações para ampliar determinados sua formação científica e, por conseguinte, fundamentar suas atividades docentes, com base em pressupostos teóricos mais atuais, ou mais validados por determinados grupos.

Diante do exposto, nosso interesse aqui é refletir sobre algumas concepções de língua/linguagem e de gramática que podem subsidiar o processo ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa no ensino fundamental, buscando apontar suas contribuições para as análises em torno dos desafios, conflitos e perspectivas por que passa os professores de língua Portuguesa que atuam no magistério há mais de 10 anos.

1. Concepções de linguagem

Com base em Cavalcante (2008), observa-se que das muitas questões discutidas na atualidade que interfere diretamente no resultado do trabalho docente e, por conseguinte, no desempenho dos alunos, está a questão da concepção de língua/linguagem que fundamenta o processo ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa. No entanto, tal conhecimento, de certa forma, ainda circula de forma

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restrita em determinados espaços ou instituições, não chegando, de forma mais abrangente, adequada e sistemática junto aos professores que atuam na educação básica brasileira, sobretudo junto aqueles professores que atuam nos anos iniciais do ensino fundamental, ou quando isso ocorre é através de cursos/formações de curta duração, rotulados de atualização/capacitação ou simplesmente de formação continuada.

Com base nos depoimentos de professores que participam de tais formações, constata-se que esses cursos/formações carecem, por um lado de um planejamento que leve em conta as reais necessidades dos professores público-alvo; e por outro lado; carecem de um acompanhamento/avaliação junto aos professores com o objetivo de aos poucos irem avançando na apropriação e incorporação dos conhecimentos adquiridos em tais formações e, por conseguinte, possibilitar possíveis alterações em suas práticas docentes.

Nesse sentido, Libâneo (2003) diz que é necessário que uma cultura geral mais ampliada, que oportunize melhor a capacidade de aprender a aprender, a competência para saber agir na sala de aula, habilidades comunicativas, domínio da linguagem bem como, saber usar meios de comunicação e articular as aulas com às mídias e multimídias.

Com relação ao processo de formação continuada na área de Língua Portuguesa, conforme depoimentos dos alunos-professores, que participam de forma rotineira dos chamados cursos de capacitação/atualização/formação, que são ofertados tanto pelas secretarias municipais de educação quanto escolas estaduais em Alagoas; observa-se que um mesmo curso/formação é ministrado vários anos seguidos, com os mesmos conteúdos, através dos mesmos slides, dos mesmos textos xerocopiados, pelos mesmos professores e quase sempre pela mesma empresa de consultoria, sem que nunca se faça um diagnóstico ou uma pesquisa, mesmo que de forma exploratória, junto aos professores, público-alvo de tais cursos, com intuito de saber deles o que desejam ou que necessitam aprender/atualizar/conhecer/praticar para melhorar suas atividades docentes, ou mesmo para fazer uma avaliação sobre essas formações. No entanto, tais cursos, na visão desses professores, não possibilitam mudanças significativas nas atividades docentes.

Para Nóvoa (2004), um dos aspectos principais do processo de requalificação do docente centra-se em sua formação, que deve, segundo o autor, levar em consideração a inteireza do educador: sua história, seu aprendizado, sua experiência particular. Contemplando-se tais aspectos, torna-se possível para os professores manterem-se atualizados (tanto no que se refere a conteúdos como a métodos de ensino) e, consequentemente, diversificarem suas práticas pedagógicas, de forma a atender à variedade de alunos que encontram em sala de aula. Salienta, no entanto, que a busca individual por atualização é sempre mais difícil e que, por essa razão, o local de trabalho constitui o espaço ideal para a formação continuada dos docentes.

Para tentar contribuir acerca das questões relativas à formação docente inicial e continuada no que diz respeito ao processo ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa, tomando por base Cavalcante (2008), Geraldi (2001), Marcuschi (2001), entre outros, vamos discorrer sobre as concepções de língua/linguagem na visão

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tradicional, na visão estruturalista e na visão sociointeracionista, tentando ver possíveis implicações dessas concepções no trabalho docente.

Na visão tradicional, a linguagem é compreendida como representação do pensamento, o que significa que os estudos realizados sob essa perspectiva se voltam para o percurso psíquico da linguagem, porém sem relacioná-la com as estruturas sociais. Dessa concepção, deriva uma noção de língua universal, transparente, capaz de transmitir ideias de forma clara, precisa e sem equívocos, ou seja, espelhar o pensamento (ORLANDI, 1999). Nessa perspectiva, a língua tem como modelo os escritores mais significativos da literatura luso-brasileira, os chamados “clássicos”.

Pesquisas em linguística demonstram que essa é a noção de linguagem que está na base da maioria dos exercícios gramaticais desenvolvidos na educação básica. Fato que acarreta grandes dificuldades em relação ao processo ensino e aprendizagem da língua materna porque, além de conceber a linguagem tão somente como espelho do pensamento, isto é, de forma bastante limitada, a língua é colocada como um objeto pronto e acabado que tem que ser apreendida da forma como é transmitida. Para a maioria dos estudiosos, nessa perspectiva, o aluno não tem a possibilidade de construir, reconstruir, processar, ressignificar sua língua, mas tão somente o dever de memorizar, classificar, imitar e, sobretudo, reproduzir as estruturas linguísticas que são repassadas na sala de aula. Isso porque a ênfase é dada ao produto em detrimento do processo.

Dessa forma, para muitos autores, o aluno exerce um papel essencialmente passivo, cabendo-lhe o dever de extrair do texto exatamente o que o autor quis dizer. Em contrapartida o professor que trabalha com base nessa concepção de linguagem, quase sempre, é rotulado de “tradicional”, “autoritário”, “arcaico”, principalmente perante os cursos de formação continuada.

Outra concepção que, para muitos autores, também vê a linguagem de forma muito restrita, isto é, somente sob alguns aspectos, é a estruturalista, fundada pelo suíço Ferdinand de Saussure, na primeira década do século XX. Nessa perspectiva, a linguagem é concebida como um instrumento de comunicação, derivando daí uma noção de língua como um sistema abstrato, um fato social, geral, virtual, cujas estruturas se completam, se superpõem e se relacionam. Na visão de Saussure, a linguagem deve ser separada entre língua e fala. A língua é colocada como homogênea, pura e pertencente ao social. Sendo essa estruturada a partir de um sistema de signos, isto é, um conjunto de unidades que estão organizadas formando um todo (SAUSSURE, 1995). Segundo Marcuschi (2001), atualmente essa é a noção de linguagem que predomina nos livros didáticos de português, em relação às atividades de compreensão, nos quais compreender é o mesmo que identificar informações textuais.

Diferentemente das duas concepções anteriores, a concepção fundamentada no sociointeracionismo compreende a linguagem como um lugar de interação humana. Através da qual o sujeito pratica ações que não conseguiria realizar, a não ser falando/escrevendo/lendo/ouvindo e interagindo. Além disso, compreende-se que é através da linguagem que homens e mulheres se comunicam, têm acesso às informações, constroem e reconstroem seus conhecimentos, suas visões de mundo, expressam e defendem pontos de vistas, que podem, inclusive, ser diferentes, em

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relação a um mesmo objeto. Por outro lado, isso não quer dizer que as relações com a linguagem sejam sempre harmoniosas, muito pelo contrário, algumas vezes a interação verbal é bastante conflituosa, até porque sempre envolve relações de poder.

Na visão sociointeracionista, a língua não é tão somente representação do pensamento ou um instrumento de comunicação. Ela também é um meio de conscientização, de persuasão, de dissimulação, de dominação, bem como de libertação. Também não é neutra, não é uniforme e muito menos pura. Ela varia e muda, ou seja, é heterogênea por natureza.

Diante do que foi exposto, o que se observa é que a tendência sociointeracionista apresenta mais possibilidades de contribuir para a melhoria da qualidade do processo ensino e aprendizagem da língua portuguesa. Porém é interessante destacar que o que diferencia a perspectiva sociointeracionista das outras concepções de linguagem é, sobretudo, o tipo de abordagem que se vai fazer em relação à prática docente, à seleção dos textos que se vai adotar, ou mesmo à metodologia que se vai adotar para trabalhar esses textos; se de uma forma contextualizada ou não; se na perspectiva da intertextualidade ou não; se relacionando os conteúdos linguísticos com a variedade de língua usada na comunidade ou não; se aproveitando as discussões da/com e sobre a língua para mostrar a necessidade de que cada vez mais se amplie o conhecimento da língua para o respeito à identidade do outro, bem como para o desenvolvimento da consciência crítica e da própria cidadania do sujeito aprendiz. Isto quer dizer que o tempo todo o professor deve ter consciência de cada ação desenvolvida através do trabalho docente.

No entanto, essa concepção é bem recente, decorrente de resultados de pesquisas em várias perspectivas, desde a Análise do discurso, a Sociolinguística, a Linguística textual, a Sociologia, Psicologia, bem como das contribuições de Vygotsky. Porém mesmo sabendo que tais conhecimentos são muito recentes, espera-se que o professor que foi formado na perspectiva tradicional assista um minicurso de 30 horas e inove sua prática com base nesses pressupostos e que os “bons” resultados sejam instantâneos tanto do ponto de vista qualitativo quanto quantitativo. Isso da forma mais rápida e objetiva possível.

2. Concepções de gramática

Também tomando por base Cavalcante (2008), com relação às concepções de gramática que fundamentam o trabalho de análise linguística no ensino fundamental, sobretudo nos anos iniciais, pode-se dizer esse tema merece ser abordado de uma forma mais sistemática, porque se constata que os conhecimentos produzidos pela linguística ainda não estão subsidiando de forma mais consistente o ensino da Língua Portuguesa em sala de aula, sobretudo no que diz respeito às questões gramaticais. O que se observa é que essas questões são vistas quase sempre a partir de uma única concepção – a normativa .

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Vale salientar que as noções de gramática podem ser bastante diferentes ou variadas, conforme o quadro teórico que seja adotado para subsidiar os estudos gramaticais, bem como, conforme o aspecto/fenômeno que se queira colocar em evidência.

Para Possenti (1996), o termo gramática pode ser compreendido da seguinte forma: a) como um conjunto de regras que devem ser seguidas (como é o caso da gramática normativa); b) como um conjunto de regras que são de fato seguidas (como é o caso da gramática descritiva) e c) como um conjunto de regras que o falante domina e usa (como é o caso da gramática internalizada)

Ensinar gramática, na visão normativa, significa ensinar regras para usar “bem” a língua (“correta”, sem “equívocos”, “transparente”). Um dos graves problemas dessa concepção advém do fato de que por língua se entende tão somente uma única variedade de língua – a variedade padrão- desprezando-se as demais, ou seja, aquelas que não estejam conforme o que foi prescrito na gramática normativa. E como os nossos alunos, bem como grande parte dos professores, são usuários de variedades que apresentam vários casos de variação linguística, que se distanciam do que prescrevem as gramáticas normativas, essa perspectiva de ensino da gramática nem sempre é bem sucedida.

Essa concepção, atualmente, ainda predomina nos exercícios gramaticais de grande parte dos livros didáticos de português, tanto dos anos iniciais (1° ao 5° ano) quanto dos anos mais elevados do ensino fundamental (6° ao 9° ano), muito embora sua origem esteja na Antiguidade Clássica. Seus danos atingem professores e alunos. Aos primeiros fazendo com que se sintam incompetentes e insatisfeitos com o desempenho de seus alunos, uma vez que não conseguem fazer com que estes, de fato, apreendam aquilo que é recomendado como o “certo” pelas gramáticas normativas; aos segundos, fazendo com que também, de certo forma, sintam-se incapacitados/limitados porque na maioria das vezes não conseguem imitar, reproduzir e memorizar as “benditas regras gramaticais” e colocá-las de forma visível em suas produções textuais orais e escritas.

Além dessas concepções de gramáticas já mencionadas, existem várias outras, porém para esta reflexão, detemo-nos em três; as duas já referidas e esta denominada de gramática descritiva, que procura descrever as regras que são seguidas pelos falantes. Porém, diferente da concepção tradicional, nesta qualquer variedade de língua (padrão “nós vamos”, não padrão “nóis vai”) pode ser objeto de estudo.

Segundo Possenti (1996), esse segundo conceito de gramática é o que orienta o trabalho dos linguistas, cuja preocupação maior é descrever e orientar as realizações linguísticas tais quais acontecem. Isso significa que o objetivo é tornar conhecidas as regras que são de fato usadas pelos falantes. Neste tipo de trabalho, a preocupação maior é tornar conhecidas, de forma explícita as regras de fato seguidas. Isso é importante porque os estudos linguísticos têm demonstrado que existe diferença entre as regras que devem ser seguidas e as regras que são de fato seguidas.

As pesquisas em linguística também atestam que nos últimos anos vem ocorrendo muitas alterações no sistema pronominal, que podem interferir, de forma bastante significativa, na aquisição das regras da gramática normativa.

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Dessa forma, a terceira concepção de gramática se refere ao conjunto de regras que o falante domina e de fato usa – a chamada gramática internalizada. Esse conjunto corresponde ao saber linguístico que o falante de uma língua desenvolve dentro de certos limites que são impostos por sua dotação genética - humana. Essa concepção foi desenvolvida a partir do quadro teórico gerativista proposto pelo linguista Noam Chomsky. Nessa perspectiva, para se saber uma língua, bem como sua gramática, não é preciso passar por um processo de escolarização sistematizado, mas tão somente ser falante nativo de uma língua. Isso significa que todo falante nativo sabe sua língua, e, por conseguinte a gramática de sua língua e ainda é capaz de fazer julgamentos, apreciações e reconhecimentos sobre diferentes variedades linguísticas com as quais convive.

Assim, consideramos ser de fundamental importância refletir não somente sobre as concepções de língua/linguagem e de gramática que subsidiam o processo ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa no ensino fundamental, sobretudo nos anos iniciais do ensino fundamental, mas também para os possíveis desafios, conflitos e perspectivas que os professores vivem decorrentes sobretudo de uma formação inicial que teve por base concepções que atualmente se diz “tradicional”.

3. Desafios, conflitos e perspectivas na realização de atividades docentes

Com intuito de compreender de forma mais significativa a visão das professoras sobre os principais desafios, conflitos e perspectivas acerca das atividades de Língua Portuguesa, com relação ao ensino da gramática, em escolas da rede pública de ensino de Alagoas, no nível fundamental, realizamos uma pesquisa com cinco professoras, as quais serão referidas neste texto como P1, P2, P3, P4 e P5.

Para a realização desta, utilizamos dois instrumentos de coleta de dados: um questionário enviado por e-mail e respondido também por e-mail, contendo 08 perguntas fechadas e 08 perguntas abertas; e também uma entrevista, que foi realizada através de um site de relacionamento da internet, o bate papo do MSN, visando, sobretudo, esclarecer algumas dúvidas presentes nas respostas dos questionários.

Como critério para a seleção das professoras, utilizamos o fato de todas as professoras atuarem no ensino fundamental (4°, 5°, 6°, 7°, 8° e 9° ano), bem como lecionarem Língua Portuguesa em escolas da rede pública de ensino de Alagoas e também terem mais de 10 anos de atuação no magistério. Além disso, também levamos em conta o fato de tais professoras terem sido ex-alunas dos cursos de Letras ou de Pedagogia da UFAL.

No primeiro momento da pesquisa, enviamos um questionário para cerca de 30 ex-alunos e alunas, dos cursos de Letras e também de Pedagogia da Universidade Federal de Alagoas, enfatizando que gostaríamos que respondessem o questionário somente quem estivesse em sala de aula no nível fundamental, em escolas da rede publica de

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Alagoas. O questionário foi organizado com 8 perguntas fechadas que visavam traçar minimamente um perfil das professoras e 8 perguntas abertas, voltadas para o levantamento dos seus desafios e perspectivas como docentes de Língua Portuguesa. A partir das respostas das questões fechadas, nossa ideia era conhecer um pouco a formação inicial e continuada dessas docentes, sua experiência com o magistério, bem coma quantidade de cursos de formação continuada que já haviam participado. Além disso, também queríamos identificar a turma que estava lecionando, entre outros aspectos.

Com base nas 8 perguntas fechadas do questionário enviado às professoras elaboramos o quadro a seguir.

Quadro 1

Professora Idade Formação

inicial

Formação

Continuada

Tempo de

magistério

Série/ano que leciona

P1 39 Letras Especialização 21 anos 9° ano e 2° Ensino

Médio

P2 42 Magistério

nível médio

Graduanda de

Pedagogia

10 anos 4° ano Ensino

Fundamental

P3 43 Magistério

nível médio

Graduanda de

Pedagogia

15 anos 5° , 6° e 7° ano

Ensino Fundamental

P4 33 Letras Especialização 18 anos 9° ano Ensino

Fundamental

P5 58 Letras Especialização 27 anos 7° e 8° ano ensino

Fundamental

As questões abertas visavam, sobretudo, compreender o ponto de vista das professoras sobre os principais conflitos e desafios com que se deparam, em relação à necessidade de se apropriar e também de incorporar algumas concepções de língua/linguagem e de gramática e, por conseguinte, adotar novas práticas pedagógicas. Para além desse objetivo, também perguntamos quais as principais dificuldades encontradas para trabalhar as questões gramaticais no ensino fundamental, bem como quais as principais estratégias utilizadas para abordar as questões de gramáticas, levando em conta as orientações advindas dos cursos/capacitações formações das quais participavam.

A partir do ponto de vista das professoras, constata-se que são muitos os desafios e conflitos com se deparam no cotidiano escolar, como a falta de clareza do se espera de em termos de conhecimento linguístico de alunos no ensino fundamental, tanto por parte dos professores quanto por parte dos coordenadores pedagógicos.

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Primeiro é o desconhecimento de como realmente as coisas são, não é muito definido como a língua e linguagem deva ser trabalhada em sala de aula. No entanto, em relação ao ensino de língua/linguagem fala-se muito que precisa estar centrado no texto. Mas muitas pessoas e até mesmo quem fala muito nas escolas, como os coordenadores pedagógicos, ainda desconhecem os estudos que têm sido feitos nas áreas da psicolinguística e da linguística textual ou conhecem, porém não tem ainda muito claro como colocá-los em prática em sala de aula, ou seja o saber fazer . Concepções de língua e linguagem, não se sabe se a gramática deve ser dada isoladamente, ou contextualizada, isso se torna muito complicado para os professores, pois os mesmos também sentem dificuldade de ensinarem e de aprenderem a gramática dessa forma, como não têm esse conhecimento apropriado, causa uma grande confusão, e muitas vezes o aluno é que sai no prejuízo3 (P2).

Com base no que diz P2, que tem como formação inicial o magistério em nível médio, atualmente cursa Pedagogia e atua há mais de 10 anos nos anos iniciais do ensino fundamental, é possível perceber que existe muita insegurança e desconhecimento de como trabalhar as questões de linguagem de uma forma mais significativa, mais atraente e mais efetiva. Essa falta de clareza, com relação ao que ensinar, como ensinar e para que ensinar, poderia ser minimizada se a escola levassem em conta as orientações dos PCN de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental, sobretudo do 1° e do 2° ciclos nos momentos de planejar suas formações/capacitações/cursos.

Para P4, graduada em Letras e com pós-graduação lato sensu, que atua há 18 anos no ensino fundamental, em turmas de Língua Portuguesa, as dificuldades são provenientes de vários fatores.

Acredito que a dificuldade tem vários fatores, que passam por questões sócio-políticas a questões mais particulares, mas de um modo geral, a dificuldade do ensino de língua/linguagem e gramáticas, nas séries iniciais, passa pela questão da formação do professor, que muitas vezes, já vêm de uma educação tradicional, e trabalham da forma como foram educados. E, às vezes, mesmo recebendo uma orientação mais atual, advindas de estudos mais recentes, de cursos, das formações, deparam-se com uma realidade precária de ensino (crianças que chegam à escola chorando de fome, ou que sofreram ou sofrem de violência (no bairro ou familiar), falta de material, falta de apoio da equipe de trabalho, falta de envolvimento da família na vida escolar dos filhos, ou seja, falta de uma infraestrutura de pessoal e de (P4).

A visão de P4 aponta o porquê de em Alagoas, a Educação Pública continuar com os piores indicadores do País, pois anos após anos, a taxa de analfabetismo4 parece 3Ao longo do texto apresentamos as citações das professoras em itálico para diferenciar da citações do autores que fundamentam esta pesquisa.4 Gostaríamos de esclarecer que não estamos querendo dizer que a Educação de Jovens e Adultos não seja eficiente em Alagoas, mas que a Educação, sobretudo, no ensino fundamental regular diurno, nos anos

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estagnada em torno de 22% na população com mais de 15 anos (SILVA, 2009). E o mais grave é que grande parte desses analfabetos está na faixa etária de 15 a 25 anos de idade, ou seja, pessoas que por ocasião da lei LDB 9349 de 1996 estavam cursando o ensino fundamental regular, o qual não lhes possibilitou a apropriação adequada das para competências e habilidades em Língua Portuguesa para ler e escrever, e por conseguinte avançar em sua escolaridade.

Com relação às dificuldades de se adotar nas práticas de sala de aulas as concepções de linguagem e de gramática, consideradas mais atuais, P4 aponta como problema o fato de grande parte dos professores terem sua formação inicial com base no que atualmente se rotula de “formação tradicional”. Na sua opinião, aqueles que não sabem, apenas estão reproduzindo a forma que aprenderam e lhes parecem mais fácil.

Com relação à questão sobre a importância dos estudos gramaticais no ensino fundamental as professoras defendem que a tais estudos são necessários para a ampliação do conhecimento da língua numa perspectivas mais ampla.

Para mim o ensino de gramática é a base da Língua Portuguesa. não o ensino de regras simplesmente decoradas, é importante conhecer os mecanismos linguísticos , saber como os elementos se combinam na língua, qual a importância de cada um na formação do vocábulo ou sentença gramatical. Só pode avaliar a riqueza da língua e da linguagem quem adquire o saber funcional dessas regras na fala e na escrita, compreendendo as relações morfossintáticas necessárias à construção das ideias (P5).

Na visão de P4, o ensino de gramática, é muito importante, não pelas cobranças institucionais, ou mesmo para indicar aos alunos o que está “certo” ou “errado”, mas porque ela – e aqui não me refiro à gramática normativa -, mas a gramática que apresenta e respeita a diversidade gramatical de diferentes comunidades linguísticas, nos orienta a pensar a língua em sua estrutura e análise de outra forma (P4).

Outra professora que também defende o ensino da gramática no ensino fundamental é P3. Na sua opinião, a importância da gramática está na competência do professor ao trabalhá-la em sala de aula, não priorizando conceitos e nomenclaturas, mas possibilitando a liberdade de pensamento e de expressão verbal. Não há dúvida de que se deve ensinar a gramática normativa nas aulas de Língua Portuguesa, embora sabe-se perfeitamente que ela em si não ensina ninguém a falar, ler e escrever com precisão. O dever da escola é oferecer condições ao aluno de adquirir competência para usá-la de acordo com a situação vivenciada (P3).

O que se constata nos posicionamento das cinco professores, que contribuíram nesta pesquisa, é que os estudos gramaticais são importantes para o processo ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa de uma forma bastante significava, pois ajudam no processo de análise e síntese, independente de servir para escrever, ler e falar nas mais diversas circunstâncias e níveis de letramento (P1).

iniciais, não está promovendo o letramento necessário, para que os alunos do ensino regular não voltem aos 15 anos para serem novamente alfabetizados na Educação de Jovens e Adultos

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Com relação às principais estratégias utilizadas para trabalhar as questões de gramática, algumas professora dizem que trabalham a partir de textos elaborados pelos próprios alunos, com propostas de reescritas e de reflexão linguística, porém essa prática nem sempre é apoiada pela escola.

Após a reflexão acerca das concepções de linguagem e de gramática, que podem subsidiar o processo ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa no ensino fundamental, bem como da breve discussão sobre os desafios e conflitos acerca do ensino da gramática no ensino fundamental, podemos concluir que os maiores conflitos e desafios ainda são decorrentes do fato de que grande parte dos professores tem sua formação inicial com base no que atualmente se rotula de “formação tradicional, bem como da existência de uma certa insegurança e desconhecimento de como trabalhar as questões de linguagem de uma forma mais significativa, mais atraente e mais efetiva em sala de aula com base em pressupostos mais recentes. No entanto, as cinco professoras demonstraram que conhecem os pressupostos teóricos mais atuais e dizem subsidiar suas atividades docentes com base neles. No entanto, sentem-se ainda de certa forma pressionadas a mudar suas práticas voltadas para o ensino da Língua Portuguesa, declarando-se inseguras e insatisfeitas com a formação continuada que lhes são oferecida nesses cursos.

Diante do exposto, vem a última questão desta pesquisa: quais são as perspectivas em relação ao trabalho docente de professores que ensino Língua Portuguesa no ensino fundamental? A resposta a essa questão não é simples e não pode se restringir aos posicionamentos das professoras que muito nos ajudaram nesta pesquisa, mas envolve inúmeras variáveis, desde a efetivação de uma política nacional claramente configurada para a formação docente tanto inicial quanto continuada, que leve em conta o fato de que nos cursos de licenciatura, sobretudo do turno noturno, os alunos já são docentes nos anos iniciais e outros anos, até no ensino fundamental maior. Porém de uma forma mais particular, consideramos que os cursos de licenciaturas, e aqui nos referimos aos cursos de Letras e Pedagogia da Universidade Federal de Alagoas, vem, nos últimos, sendo muito procurados nos processos seletivos, pois em 1991 o curso de Letras na modalidade Português Literatura, no turno diurno, ofereceu 30 vagas e consegui 17 inscritos, com 13 aprovações e 8 conclusões em 1995. Atualmente o curso de letras oferece 80 vagas, com uma concorrência em torno de 5 candidatos por vaga; Pedagogia que também no início dos anos 90 não atraia muitos candidatos, atualmente oferece 40 vagas para cada turno, sendo 80 vagas para o diurno e 40 para o noturno, cuja concorrência também está em torno de 6 candidatos por vaga. E o que se observa é que a cada ano entra mais alunos na graduação com uma formação básica mais significativa.

Para além disso, a cada ano a Universidade Federal de Alagoas oferece mais bolsas de iniciação à pesquisa Científica aos alunos de graduação, os quais ao concluírem estão ingressando na Pós-Graduação. Para além dessa realidade, todas as professoras que participaram da pesquisa demonstraram em suas respostas conhecimento sobre os pressupostos linguísticos que podem subsidiar o processo ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa de forma mais atual, fatos que apontam boas perspectivas para o trabalho docente, porém como isso vem ocorrendo de forma isolada, anda levará algum tempo para que os resultados satisfatórios sejam mais significativos e abrangentes.

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VYGOTSKI, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

Possui Graduação em Letras pela Universidade Federal de Alagoas (1996), Doutorado em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Alagoas (2001) e Pós-Doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto-PT (2011). É professora associada nível II da Universidade Federal de Alagoas (2002). É Membro do Colegiado do Programa de Pós-Graduação da UFAL e professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFAL e dos Cursos de Graduação em Pedagogia presencial e à distância, do Curso de Letras, atuando nos seguintes temas: ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa, variação linguística, alfabetização e letramento, formação de professores inicial e educação continuada. É líder do Grupo de Pesquisa CNPq EDUCAÇÃO E LINGUAGEM: FORMAÇÃO E TRABALHO DOCENTE e membro do Grupo de Pesquisa “Escola, Currículo e Formação de Identidades”-CIIE da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto-PT. Coordenou o PROCAD 168/2007, em parceria com a PUC -São Paulo e a Estácio de Sá No Rio de Janeiro, no qual desenvolve a pesquisa "Trabalho Docente e Subjetividade", com foco em questões relacionadas às atividades docentes, no período de 2008 a 2012. É Vice - Coordenadora do PROCAD UFAL/UERJ e UFRN. Atualmente coordena o PIBID Pedagogia UAB/UFAL/[email protected] / [email protected]

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