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Avaliem, utilizando os conceitos discutidos em sala de aula sobre ondas e som o texto abaixo: Erros e mitos em acústica arquitetônica: isopor, caixa de ovos e afins por Elvira Viveiros Temas relacionados à acústica têm recebido, recentemente, a dedicação por parte de muitos pesquisadores do País. Até a mídia não-especializada tem dado atenção à questão, mas, infelizmente, o que parece estar se disseminando é a desinformação. Se a publicação de um equívoco é indesejável, a ausência de posição crítica por parte da comunidade científica é inaceitável, pois os erros se consagram com o endosso da veiculação. Dessa forma, é imperativo o questionamento a respeito do que sai publicado, colaborando-se para que crenças populares sejam desfeitas. Este artigo procura contribuir para a melhora na qualidade da produção em acústica, fazendo uma reflexão a cerca das incorreções freqüentemente publicadas no País. A primeira parte enfoca os materiais que são considerados mitos, com exemplos extraídos da mídia. A seguir, apresentam-se erros conceituais encontrados em artigos científicos ou veículos de massa. Sugerem-se possíveis razões que possam ter contribuído para essa deficiência de conhecimento em acústica. Mitos em acústica

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Avaliem, utilizando os conceitos discutidos em sala de aula sobre ondas e som o texto abaixo:

Erros e mitos em acústica arquitetônica: isopor, caixa de ovos e afins por Elvira Viveiros

Temas relacionados à acústica têm recebido, recentemente, a dedicação por parte de muitos pesquisadores do País. Até a mídia não-especializada tem dado atenção à questão, mas, infelizmente, o que parece estar se disseminando é a desinformação. Se a publicação de um equívoco é indesejável, a ausência de posição crítica por parte da comunidade científica é inaceitável, pois os erros se consagram com o endosso da veiculação. Dessa forma, é imperativo o questionamento a respeito do que sai publicado, colaborando-se para que crenças populares sejam desfeitas.

Este artigo procura contribuir para a melhora na qualidade da produção em acústica, fazendo uma reflexão a cerca das incorreções freqüentemente publicadas no País. A primeira parte enfoca os materiais que são considerados mitos, com exemplos extraídos da mídia. A seguir, apresentam-se erros conceituais encontrados em artigos científicos ou veículos de massa. Sugerem-se possíveis razões que possam ter contribuído para essa deficiência de conhecimento em acústica.

Mitos em acústica

Caixa de ovo

Parte do inconsciente coletivo, a caixa de ovo desfruta de status não superado por nenhum outro material. A trivial embalagem tem desempenho quase mítico, conceito gozado principalmente entre músicos. Absorver, isolar, ‘abafar’ o som, as mais diversas funções são associadas ao objeto, sempre com performance imbatível. A Figura 1 transcreve trecho de entrevista no “Jornal Hoje”, da Rede Globo, transcrita em seu site:

O desconhecimento sobre o comportamento acústico dos materiais alimenta, inclusive, um comércio paralelo, voltado ao atendimento do imaginário popular. A Figura 2 mostra anúncio encontrado em site da internet destinado ao comércio de produtos entre

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particulares. A crença de que caixas de ovos têm utilidade para fins de adequação acústica de ambientes não é algo específico do Brasil, mas, inacreditavelmente, têm abrangência mundial. Em site de empresa britânica especializada em controle de ruídos, na página dedicada a perguntas do público em geral, encontra-se a questão colocada mais uma vez: “Can I use egg boxes to sound insulate my room? No. Absolutely not!”, que se traduz por “Posso utilizar caixas de ovos para isolar minha sala? Não, de jeito nenhum!”.

Uma possível explicação para a associação da caixa de ovos com qualidade acústica talvez estejaem sua geometria. Como diversos materiais de absorção comercialmente vendidos têm superfície não plana, que lembra a embalagem, talvez creditem bom desempenho de absorção à forma em si, e não ao material. O perfil sinuoso, porém, tem como fim o aumento da área do material, ele sim responsável pela absorção.

A matéria prima da caixa de ovos não é permeável ao fluxo de ar, o que é impeditivo para um bom desempenho de absorção resistiva.

É entendimento do autor, no entanto, que a camada de ar aprisionada entre as caixas e a parede pode ser responsável por trazer algum amortecimento sonoro, o que explica a satisfação com o recurso por parte de alguns ‘músicos de garagem’.

Isopor

A incompreensão dos fenômenos acústicos chega, até, a ter conseqüências desastrosas. Em 2003, o uso de fogos de artifícios em casa noturna, em Belo Horizonte, iniciou um incêndio que consumiu o estabelecimento. Agravado pelo fato das saídas de emergência estarem trancadas, o grande número de vítimas foi decorrente da velocidade com que o fogo se alastrou. Infelizmente, a imprensa à época creditou ao ‘isolamento acústico’ a responsabilidade da situação em razão da existência de um forro de isopor sobre o palco, conforme descrito na Figura 3(a), em trecho de reportagem publicada sobre o assunto.

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Apesar de a notícia mencionar, genericamente, apenas a expressão ‘isolamento’, é de conhecimento do autor que se refere a isolamento acústico, pois assim foram feitas referências em reportagens sobre assunto, até mesmo no principal jornal de TV aberta do país, o Jornal Nacional. Procurada pelo autor, infelizmente a rede de televisão nada veiculou, permanecendo para os espectadores a informação que o isopor era para fins de isolamento acústico. Não é somente o público leigo que considera isopor como elemento de isolamento acústico. O jornal A Notícia publicou reportagem onde apresenta o projeto de uma casa de isopor, de autoria de uma professora universitária. Conforme mostra a Figura 3(b), novamente o isopor é alçado à condição de provedor de ‘isolamento acústico’.

A incapacidade de distinguir materiais com desempenhos distintos está presente em pessoas com diferentes níveis de envolvimento com o tema, desde a academia até o público em geral. Esse desconhecimento também é encontrado em categorias sociais diversas. A Figura 4 mostra um fragmento de reportagem publicada na revista Isto É, onde são descritos detalhes do seqüestro do publicitário Washington Olivetto, ocorrido em São Paulo. Apesar de não estar especificado, é dito que as paredes do cativeiro tinham revestimento de isolamento acústico. Outros veículos, porém, noticiaram que painéis de isopor forravam as paredes. Este autor contatou diversos órgãos de imprensa, à época, corrigindo a qualificação de ‘material de isolamento acústico’ dado ao isopor, mas não houve correção da informação. Ficou disseminada, mais uma vez, a inadequada designação.

Uma das possíveis razões do isopor ser interpretado como material de isolamento acústico reside no fato dele ser bom isolante térmico. Como há materiais que são

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utilizados como recheio de componentes duplos, tanto para isolamento térmico quanto acústico, como a lã de vidro, por exemplo, a generalização termina por incluir todos os materiais e o isopor ganha adjetivo indevido. O item 3.4 discute a classificação de material ‘termo-acústico’ mais detalhadamente.

Erros conceituais

Isolamento aéreo

Isolamento sonoro e absorção acústica são rotineiramente confundidos entre si, apesar de envolverem fenômenos distintos e requererem, inclusive, materiais com características físicas opostas para que tenham um desempenho satisfatório.

Isolamento relaciona-se com transmissão sonora. O isolamento oferecido por um componente da edificação, seja ele parede ou piso, é sua capacidade de restringir a transmissão sonora. Da relação entre energia incidente e energia transmitida é definido o grau de isolamento acústico da partição, que dependerá de quatro fatores principais: massa, rigidez, amortecimento e conexão estrutural. A transmissão sonora através da partição é resultado da vibração a que ela foi submetida, fruto da variação de pressão da energia sonora incidente. O resultado é que o painel irradia energia acústica para o lado oposto e quanto mais denso for o elemento, mais dificuldade haverá de impor a vibração, para larga faixa de freqüência.

Por outro lado, absorção é o mecanismo que converte o som em outra forma de energia para, ao final do processo, dissipá-la na forma de calor [13] e que, para tal, depende da permeabilidade ao fluxo de ar do material. É fundamental, então, a presença de canais de arno interior do material, o que os torna, necessariamente, materiais de baixa densidade específica e, portanto, inadequados como elementos de isolamento sonoro.

Apesar de distintos nas propriedades físicas, materiais que se prestam ao isolamento e à absorção sonora são, comumente, trocados. Em artigo apresentado em um Encontro Nacional de Conforto no Ambiente Construído, ENCAC, onde são apresentados resultados de medições do isolamento acústico de diversos tipos de panos de vidro, está presente, em diversos momentos, a confusão entre os fenômenos de isolamento e absorção acústica, conforme exemplo apresentado na Figura 5.

Há misturas alternativas às tradicionais da construção civil, que buscam baratear a obra ou o reaproveitamento de resíduos de processos industriais, a quem são imputadas qualidades de isolamento acústico, apesar de aditivos pouco contribuírem para o aumento da massa do novo elemento. A Figura 6 apresenta um desses exemplos, extraído de dissertação de mestrado da área de engenharia de produção. Ali, credita-se ao acréscimo fibras secas, resíduo da reciclagem de papel, a capacidade de tornar o revestimento elemento de isolamento acústico.

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Isolamento de vibrações

As lajes dos edifícios de apartamentos precisam, principalmente, ter capacidade de isolar o ruído estrutural, normalmente proveniente do caminhar, da queda de objetos e de alguns eletrodomésticos. Uma menor transmissão sonora será obtida com amortecimento desses impactos sobre a estrutura, normalmente com a utilização de ‘piso flutuante’, onde o elemento que recebe o impacto está estruturalmente desconectado da laje através de uma camada de material resiliente.

A fragilidade acústica da edificação brasileira é marcante. Pesquisas conduzidas pelo LabCon/UFSC, estimam uma queda, ao longo dos séculos, de aproximadamente 36 dB na qualidade do isolamento aéreo da moradia brasileira. Apesar do pouco feito a respeito das paredes, há algumas tentativas de atender as reclamações de proprietários de apartamentos quanto ao impacto. Todavia, o desconhecimento é, novamente, obstáculo para a intervenção adequada, pois o material de amortecimento tem sido misturado a outros elementos, ao invés de formar uma camada independente.

Desse modo, o comportamento resiliente fica comprometido. A Figura 7 apresenta um exemplo, do arquivo pessoal do autor, onde é descrita uma camada de ‘brita leve’, que deveria desempenhar o papel do elemento sob o piso flutuante. Pode-se observar, ainda, que a desconexão estrutural, fundamental para a eficiência do sistema, foi traduzida no emprego de ‘papel de embalagem’ colocado no perímetro.

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Vegetação como barreira acústica

É inquestionável que a vegetação é um elemento paisagístico expressivo, cuja utilização na composição urbana traz benefícios. Seu uso, porém, não deve ser superestimado e considerado como barreira acústica. Estudos demonstram que para obter-se uma atenuação significativa, a massa de vegetação deve ter em torno de 30 metros de profundidade. O entendimento de que a vegetação atua como barreira acústica é generalizado, encontrando-se a afirmação entre arquitetos, urbanistas, técnicos de prefeituras e população em geral. Em dissertação de mestrado na área de engenharia de produção de universidade brasileira encontra-se o erro conceitual, conforme Figura 8.

Em anais do ENCAC encontra-se, novamente, a vegetação como elemento de atenuação sonora ao longo do caminho de propagação, conforme Figura 9(a). Em outro exemplo, na Figura 9(b), trecho do documento que apresenta o resultado da reunião de moradores de área residencial onde é demandada a criação de barreira acústica com vegetação.

Há casos em que uma proposta acertada tem que concorrer com a falta de conhecimento. A Figura 10 traz trecho de artigo onde é narrada disputa judicial entre residentes de determinada região e o DERSA, órgão do governo estadual paulista responsável pelas rodovias. Vê-se que a barreira acústica, determinada em juízo, é satiricamente chamada de ‘muralha da China’.

Pior ainda, a empresa resiste a cumprir sua obrigação de dar proteção às residências contra o ruído do tráfego automotivo, respaldada em estudo de impacto ambiental que prevê apenas a colocação de árvores. Portanto, técnicos produziram um estudo específico sobre o problema e a solução indicada foi a vegetação. Foram plantadas árvore e, conforme o texto não resolveram o problema, como esperado.

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Por fim, cabe destacar que a utilização de uma fileira de árvores pode até mesmo ser indesejável. Estudos demonstram que os ouvintes tendem a superestimar a audibilidade do ruído quando a visão da fonte sonora é bloqueada, mesmo que por vegetação.

Material “termo-acústico”

Amplamente disseminada no setor de construção civil é a qualificação de um material como “isolante termo-acústico”. Induzidos pelo objetivo, justificável, de buscar a ampliação do mercado consumidor, o setor varejista dissemina interpretações incorretas sobre o comportamento acústico de materiais. A Figura 11(a) apresenta notícia veiculada em revista de circulação nacional sobre concreto com densidade específica inferior ao convencional, o que, contraditoriamente, parece justificar o comportamento térmico e acústico. Apesar de contatada por este autor, a revista não publicou correção alguma. Na parte (b), mostra trecho de página da internet de uma universidade federal brasileira, cujo banco de dados de materiais de construção descreve o PVC e o identifica como isolante termo-acústico. Sendo um material leve, novamente tal caracterização é indevida.

Acústica de salas

Em espaços fechados, o campo sonoro é determinado pelas características das superfícies de fechamento. Os estudos do campo gerado e dos fenômenos acústicos associados são tratados, na acústica de salas, pela teoria da onda. Talvez por estarem mais facilmente relacionados a sensações sonoras subjetivas, tais fenômenos são descritos, e confundidos, rotineiramente. Reverberação, difusão, reflexão e absorção se misturam na análise do campo sonoro. Na teoria da acústica de salas há os campos sonoros reverberante, anecóico, o que são modelos dos campos difuso, livre e semi-livre (melhor definido como ‘campo livre sobre plano refletor’), respectivamente.

Em artigo apresentado no ENCAC, cujo extrato encontra-se na Figura 12, vê-se a expressão ‘campo sonoro semi-reverberante. Tal definição é uma contradição em si,

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pois para existir um campo reverberante o espaço tem de ser, necessariamente, fechado, com superfícies de entorno rígidas. Se um lado é aberto, cujo modelo matemático corresponde à superfície com absorção sonora igual a um, desmontam-se as condições de campo reverberante, pois características tais como intensidade sonora igual à zero em qualquer ponto da sala ou distribuição uniforme de energia sonora desfiguram-se.

Contraditoriamente, no mesmo artigo, quando os autores buscam associar determinada geometria urbana a um modelo teórico, não utilizam a definição de ‘semi-livre’ mas sim fazem a correlação com campo livre, ainda mais distante da comparação com campo livre sobre plano refletor (ou ‘semi-livre’), conforme pode ser visto na Figura 13.

Ainda em projetos que envolvam fenômenos acústicos trazem alguns deslizes teóricos. Em matéria intitulada “Lazer em todos os sentidos”, na Revista Projeto, seção “Cuidados com a acústica”, consta: “… Fulana de tal, arquiteta especializada em projetos de home theaters, elogia o desempenho das paredes em alvenaria de tijolos, sem revestimento. “Elas refletem as cias sonoras em várias direções, o que ajuda a distribuir e absorver o som pela sala”.

Aqui, a escolha de determinada altura para o pé-direito em combinação com a largura e o comprimento escolhidos pelos arquitetos, tem a capacidade de evitar a reverberação, que é o processo de decaimento sonoro em uma sala. Nenhuma geometria teria tal propriedade. A revista foi contatada pelo autor e os erros discutidos com a jornalista responsável. A posição da revista, ao final, foi de considerar desnecessária a reparação em edição posterior. Em artigo apresentado no ENAC, novamente, é imputada à geometria características.

Elvira Viveiros

Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo, mestrado em Acústica de Salas e doutorado em Acústica de Edificações, pelo School of Architecture and Building Engineering – University of Liverpool e Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente é professora da Universidade Federal de Santa Catarina e coordenadora do GAAMA – Grupo de Acústica Arquitetônica e do Meio Ambiente, lecionando na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo.

Publicado em http://tratamentoacustico.com.br/artigo/47/