lina bo bardi - ggili.com.br · teatro gregório de mattos, ... sobre a linguística arquitetônica...

30
Olivia de Oliveira Lina Bo Bardi Obra construída Built work Fotografias Photography Nelson Kon GG www.ggili.com.br

Upload: dangthuan

Post on 12-Nov-2018

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

Olivia de Oliveira

Lina Bo BardiObra construída Built work

Fotografias Photography Nelson Kon

GG

Lina Bo

Bard

iO

bra co

nstruída B

uilt wo

rkO

livia de Oliveira

GGBooks www.ggili.com.br

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 2: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 3: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

Olivia de Oliveira

Olivia de Oliveira

Lina Bo Bardi

Olivia de Oliveira

24

2242

566080

90

102104

112136142144150160172176

184194206209

230

Acerca de Lina Bo Bardi

Casa de Vidro, São Paulo

Casa do Jardim de Cristal e casa de convidados La Torracia, São Paulo

Casa do Chame-Chame, Salvador (Bahia)

MASP (Museu de Arte de São Paulo), São Paulo

Solar do Unhão, Museu de Arte Moderna daBahia (MAM-BA) e Museu de Arte e TradiçõesPopulares, Salvador (Bahia)

Igreja do Espírito Santo do Cerrado,Uberlândia (Minas Gerais)

Uma visita inesperada

Capela Santa Maria dos Anjos, Vargem GrandePaulista (São Paulo)

SESC Fábrica Pompeia, São Paulo

Ateliê Bo Bardi, São Paulo

Centro Histórico de Salvador (Bahia)

Teatro Gregório de Mattos, Salvador (Bahia)

Ladeira da Misericórdia, Salvador (Bahia)

Casa do Benin, Salvador (Bahia)

Casa do Olodum, Salvador (Bahia)

Centro de Convivência LBA, Cananeia (São Paulo)

Teatro Oficina, São Paulo

Nova Prefeitura, São Paulo

Biografia

nexusTeoria e Filosofia da ArquiteturaSobre a linguística arquitetônica Planejamento ambiental: “desenho” no impasse

Entrevista com Lina Bo Bardi

Concerning Lina Bo Bardi

House of Glass, São Paulo

Crystal Garden House and La Torracia guests’residence, São Paulo

The Chame-Chame House, Salvador (Bahia)

MASP (São Paulo Art Museum), São Paulo

Solar do Unhão, MAM-BA (Bahia Modern ArtMuseum) and Folk Art Museum, Salvador (Bahia)

Espírito Santo do Cerrado Church, Uberlândia(Minas Gerais)

An unexpected visit

Santa Maria dos Anjos Chapel, Vargem GrandePaulista (São Paulo)

SESC Pompeia Factory, São Paulo

Bo Bardi Studio, São Paulo

Salvador old town center (Bahia)

Gregório de Mattos Theater, Salvador (Bahia)

Ladeira da Misericórdia, Salvador (Bahia)

Benin House, Salvador (Bahia)

Olodum House, Salvador (Bahia)

LBA Civic Center, Cananeia (São Paulo)

Oficina Theater, São Paulo

New City Hall, São Paulo

Biography

nexusThe Theory and Philosophy of Architecture On Architectural LinguisticsAmbient Planning. ‘Design’ Impasse

Interview with Lina Bo Bardi

Lina Bo BardiObra construída Built work

Prefácio: Vão Livre Foreword: Open Void

001-003_1-3 crèdits, index.ok 03/04/14 10:11 Página 1

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 4: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

Vão Livre Open Void

More than ten years ago we published this 2G monograph coveringLina Bo Bardi's built work. At last it is published in Portuguese, itsoriginal language, and I must take a few lines to update it.In 2001, to prepare the monograph, I toured the buildings in thecompany of the photographer Nelson Kon and was able to inspectand consider the poor state of repair of many of her buildings. Witha heavy heart I can report that this is still very true. Above all we arestill defenceless against a kind of "deterioration that attacks and dis-torts the deepest meaning of Lina Bo Bardi's architecture”.Now I must write about the threat that the MASP void—called "open"until now—will be enclosed! An editorial in the newspaper O Estadode São Paulo1 announced this proposal and the museum's curatorTeixeira Coelho defended it. He said that the aim is to protect peo-ple who have “the right to cultural access” from “pickpockets”2 and,the author of the editorial adds, “drug addicts and traffickers, home-less people who are taking over the MASP open void”, and concludesthat “a way of freeing the area from them and from demonstrators isto enclose the museum”. The curator himself recognises that “thiswill not eliminate the problem, but it will improve the situation".It seems absurd, but public spaces come to be treated like privatecondominiums. And the MASP open void would not be the first… Inlarge Brazilian cities many of the main and most beautiful publicspaces have already been enclosed. Unfortunately, instead of spend-ing time on our cities, looking after them and revitalising the few fineurban spaces we have, they decided to fence them in on the pretextthat this would eliminate or diminish danger. This attitude is wrongin two ways — it privatises space that should be public, and they turntheir backs on the city and its citizens. It negates the city and treats itas no man's land, handing it over to abandonment and ruin… SãoPaulo, Rio de Janeiro, Salvador… they all move in the same direction.There should be no illusions: social, urban and public security prob-lems must be resolved, not avoided.The MASP was designed as a musée hors des limites3 which literallymeans limitless, as much by its great size as by the idea of how toexhibit and the philosophical and architectural concept. And theemptiness of the void is an essential part of this vision. Lina Bo Bardidesigned the intermediary space as a place where a person is a freeand sovereign individual, and by definition the area is open to theunplanned, a void full of possibilities. As in John Cage's music, thisinterval makes room for incidental, unexpected, accidental thingsand to everything our society tries to deny and repudiate, an under-ground level of reality —one that is oppressed but not suppressed. Iam not going to elaborate, I have already expounded on this topicelsewhere4, but I must emphasise that the open void at the MASP hasfeatures that make it the window of São Paulo society. Now it displayssocial inequalities, distortions and infirmities of the metropolis. In1978, when she started the project for SESC Pompeia, Lina declaredSão Paulo to be a “pile of bones”, and said that it was “the worldchampion city for self-destruction”. She found only one positiveaspect —the city suburbs inhabited by north-easterners, which shesaw as the “true São Paulo”.5 When Lina designed SESC she paidhomage to these forgotten people and their popular culture with fea-tures that include the River São Francisco flowing across the largeleisure area. A core of Lina's thinking is that each of her buildingsdisplays and reserves space for things that western civilisation con-stantly relegates to the second level, forgets or rejects.To enclose the void it is not an accident that Teixeira Coelho providesexcuses that address this question. He evokes a past that he considerswas better than the present: “When the MASP was built São Paulo wasa civilised city, it was possible to step directly from the street into themuseum. No longer. São Paulo is a city that does not even providepublic conveniences on its streets.”6 Certainly he does not know thatbefore the MASP there was a project to build “two big public toilets”in the Trianon belvedere, as Lina reports in the interview published

Mais de dez anos se passaram desde que editamos a monografia 2Gdedicada à obra construída de Lina Bo Bardi. Pareceu-nos importan-te escrever algumas linhas atualizando a presente edição, que final-mente se faz em seu idioma original, o português.Quando em 2001 percorri a obra de Lina Bo Bardi, acompanhadapelo fotógrafo Nelson Kon para preparar esta monografia, pudefazer um balanço do estado de degradação em que se encontravammuitos de seus edifícios. Constato com tristeza que o dito naquelebalanço ainda é hoje de extrema atualidade e, sobretudo, que conti-nuamos sem defesa diante de um tipo de “deterioração que ataca edeturpa o mais profundo sentido da arquitetura de Lina Bo Bardi”.Agora mesmo escrevo sob a ameaça de que o vão do MASP – até aquiconhecido como LIVRE – venha a ser gradeado! A proposta anun-ciada num editorial anônimo do jornal Estado de São Paulo,1 e defen-dida pelo atual curador do museu Teixeira Coelho, visa segundo esteúltimo, proteger os que têm “direito de acesso a cultura” dos referi-dos “batedores de carteira”,2 bem como dos “dependentes e trafican-tes de drogas, moradores de rua que estão tomando conta do vãolivre do MASP”, acrescenta o autor do editorial. Este conclui que“uma forma de livrar o local tanto deles como dos manifestantes écercar o Museu”, medida que o próprio curador reconhece “não eli-minar o problema, mas amenizaria a situação”.Por mais absurdo que pareça, os espaços públicos passaram a ser tra-tados como condomínios privados. E o vão livre do MASP não seria oprimeiro... muitas das principais e mais belas praças públicas dasgrandes cidades brasileiras já encontram-se gradeadas. Lamentavelmente,em vez de ocuparmo-nos das nossas cidades, cuidá-las, revitalizar osraros espaços urbanos de qualidade que ainda existem, opta-se porcercá-los, sob o pretexto de com isto excluir ou amenizar o perigo.Tal atitude é errônea em dois sentidos: por um lado, privatiza aquiloque deveria ser público; por outro, dá as costas a cidade e seus cida-dãos, nega a cidade tratando-a como “terra de ninguém”, entregan-do-a ao abandono e à ruína... São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador...todas elas seguem a mesma direção. Não é preciso iludir-se: os pro-blemas sociais, urbanos e de segurança pública devem ser resolvidos,não esquivados.Ora, o MASP foi concebido como um museu hors des limites,3 o queliteralmente quer dizer fora dos limites, tanto por suas grandesdimensões, como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-sitiva. E o vazio do vão é peça fundamental deste conceito; este espa-ço intermediário projetado por Lina é um lugar onde o sujeito éindivíduo livre e soberano, um lugar por definição aberto ao inde-terminado, um vazio impregnado de possibilidades. Tal como namúsica de John Cage, este intervalo dá lugar ao contingente, ao ines-perado, ao acidental e também a tudo aquilo que nossa sociedadetenta negar e repudiar, o subterrâneo da realidade, aquilo que estáoprimido, mas não suprimido. Não vou estender-me, pois já escrevisobre o tema em outras ocasiões.4 O que, sim, quero salientar é queo vão livre do MASP, por suas características, torna-se a janela dasociedade paulistana. E hoje ele põe de manifesto as desigualdadessociais, as distorções e enfermidades da metrópole urbana. Em 1978,quando iniciava o projeto para o SESC Pompeia, Lina declarou queSão Paulo era uma “ossada”, “a cidade campeã do mundo em auto-destruição”, tendo, como único dado positivo, o cinturão nordestinoque a envolvia e que para ela era a “verdadeira São Paulo”. 5 E ao projetaro SESC, Lina rendeu homenagem a essa população esquecida e à suacultura popular, entre outras com o Rio São Francisco atravessandoo grande espaço de lazer. Cerne do pensamento de Lina, cada umade suas obras põe de manifesto e dá lugar ao que constantemente érelegado ao segundo plano, esquecido ou recusado pelo ocidentecivilizado.Não por acaso, as escusas dadas por Teixeira Coelho para que o vão sejacercado apoiam-se nesta questão, evocando o passado que ele parececonsiderar melhor do que o presente: “Quando o MASP foi construído,

001-003_1-3 crèdits, index.ok 03/04/14 10:11 Página 2

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 5: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

São Paulo era uma cidade civilizada, era possível passar diretamenteda rua para o museu. Hoje, não. São Paulo é uma cidade que sequeroferece banheiro público às pessoas nas ruas”6. Certamente, desco-nhece o fato de que antes do MASP existia um projeto para a cons-trução de “duas grandes privadas” públicas no belvedere do Trianon,tal como evoca Lina na entrevista aqui publicada. Também pareceesquecer que o MASP foi construído em plena ditadura militar, quan-do ninguém tinha direito a manifestar o que seja! Medo, polícia,higiene, censura, palavras que retornam e ressoam constantementenas explicações dadas pelos que defendem viver atrás de grades. Recordo um desenho que Lina fez do vão do MASP, precisamente há48 anos, no dia 5 de novembro de 1965. Trata-se de uma perspectiva dovão do MASP onde parece denunciar as impressões das primeiras con-sequências do golpe militar. O título do desenho em italiano anunciao momento obscuro vivido: l’ombra della sera, “a sombra da noite”.Nele, sob a forma de um protesto censurado, Lina dissimula as pala-vras LIBERDADE e SOLIDÃO, que aparecem como se estivessemgrafitadas na laje de concreto do vão, mas escritas em espelho.Não deixemos que o sentimento de medo, a censura e o isolamentoocupem o vão do MASP nem que sobrepujem e obscureçam os desejosde liberdade e solidariedade clamados pelas arquiteturas concebidas porLina Bo Bardi. O vão deve voltar a ser livre, não porque este era o seuestado original, mas pela originalidade excepcional com que foi pensado,e sobretudo pela abertura que hoje representa, ajudando-nos a cons-truir um olhar crítico sobre nossa contemporaneidade e os desafios aserem encarados na luta contra as desigualdades, as injustiças e a violên-cia, que persistem para além das conquistas democráticas alcançadas.

Olivia de Oliveira

1 “É preciso preservar oMASP”. O Estado de SãoPaulo. São Paulo. 20 nov. 2013. Disponível em:www.estadao.com.br/noticias/impresso,e-preciso-preservar-o-masp,1098579,0.htm. Acesso em: 16 jan. 2014. 2 Gonçalves Filho, Antonio e Maia, Laura. “Sem segu-rança, mostra é canceladano MASP”. O Estado de SãoPaulo. São Paulo, 16 nov.2013. Disponível em:<www.estadao.com.br/noticias/impresso,sem-seguranca-mostra-e-cancelada-no-masp-,1097299,0.htm>.Acesso em: 16 jan. 2014.3 Bardi, Pietro Maria.“Museés hors des limites”.Habitat. n. 4. São Paulo,1951, p. 50.4 Oliveira, Olivia de. Sutissubstâncias da arquitetura deLina Bo Bardi. Gustavo Gili eRomano Guerra editores.Barcelona/São Paulo, 2006,pp. 259-337.5 Soares, Dirceu. “Um centrode lazer na cidade morta”.Folha de S.Paulo. São Paulo,20 jan. 1978.6 Entrevista com TeixeiraCoelho: “Não é o caso deesperar pela solução do problema na cidade todapara decidir o que fazer com o vão livre do MASP”.Cosmopista. São Paulo, 2 dez.2013. Disponível em: <cosmopista.com/2013/12/02/entrevista-com-teixeira-coelho-nao-e-o-caso-de-esperar-pela-solucao-do-problema-na-cidade-toda-para-decidir-o-que-fazer-com-o-vao-livre-do-masp>.Acesso em: 16 jan. 2013.

here. Also it seems that it was forgotten that the MASP was built dur-ing the military dictatorship when nobody had the right to demon-strate about anything! Fear, police, hygiene, blame —words that con-stantly return and reverberate in attempts to defend life behind bar-riers.I remember that Lina produced a drawing of the MASP void on 5November 1965, exactly 48 years ago. It is a perspective of that spacewith an apparent exposure of the initial consequences of the militarycoup. The drawing's title in Italian proclaims the dark time they wereliving through: l’ombra della sera, that is “the shadow of night”. As acensured protest Lina conceals the words liberdade (freedom) andsolidão (solitude) which appear to be drawn on the concrete slababove the void, but in mirror writing.We do not accept that feelings of fear, disapproval and isolation takeover the MASP void, nor that they overtake and obscure the desirefor freedom and solidarity that Lina's architecture demands. Thevoid should go back to being open, not because that was its originalstate, but for the exceptional originality of the concept and particu-larly the opportunity it represents. It helps us to take a critical look atour current circumstances and the challenges of struggling againstthe inequality, injustice and violence that persist despite the successof our democratic gains.

Olivia de Oliveira

1 “É preciso preservar oMASP,” O Estado de São Paulo,São Paulo, 20 November2013. Available in:<www.estadao.com.br/noticias/impresso,e-preciso-preservar-o-masp-,1098579,0.htm>.2 Gonçalves Filho, Antonioand Maia, Laura, “Sem segurança, mostra é cancelada no MASP,” O Estado de São Paulo, SãoPaulo, 16 November 2013.Available in:<www.estadao.com.br/noticias/impresso,sem-seguranca-mostra-e-cancelada-no-masp-,1097299,0.htm>.3 Bardi, Pietro Maria,“Museés hors des limites.”Habitat, no. 4, São Paulo,1951, p. 50.4 Oliveira, Olivia de, SubtleSubstances. The Architecture of Lina Bo Bardi, EditorialGustavo Gili, Barcelona,2006, pp. 259-337.5 Soares, Dirceu, “Um centro de lazer na cidademorta”, Folha de S. Paulo, São Paulo, 20 January 1978. 6 Interview with TeixeiraCoelho: “Não é o caso deesperar pela solução do problema na cidade todapara decidir o que fazer com o vão livre do MASP.”Cosmopista, São Paulo, 2December 2013. Available in:<cosmopista.com/2013/12/02/entrevista-com-teixeira-coelho-nao-e-o-caso-de-esperar-pela-solucao-do-problema-na-cidade-toda-para-decidir-o-que-fazer-com-o-vao-livre-do-masp>.

© Instítuto Lina Bo e P. M. Bardi

001-003_1-3 crèdits, index.ok 03/04/14 10:11 Página 3

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 6: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

4 OLIVIA DE OLIVEIRA

Acerca de Lina Bo BardiConcerning Lina Bo Bardi

The possibility of visiting all of Lina Bo Bardi’s built architecturalwork in a short period of time allowed me to review the works as awhole. Some of these works I had often visited and others I only knewfrom blueprints. It also allowed me to revise and evaluate the currentcondition of this collection. Unfortunately this evaluation is not verypositive. The growing international interest in her work in recenttimes is inversely proportional to the concern for her buildings,which show a nonstop process of deterioration and mishandling. Thefact is that modern Brazilian architecture in general is in a precariousstate of preservation, and Lina Bo Bardi’s work is no exception tothis. I’m not referring to the time factor, to the aging process thateach work has the right to undergo, but to a deterioration thatattacks and undermines the deeper sense of Lina Bo Bardi’s archi-tecture. These attacks do not always occur because of a lack of mate-rial resources, which in certain cases make the decline of the workunavoidable, but come from a wholly other quarter; that is, from sup-posedly well informed bodies with big budgets. The fact that almostall the buildings constructed or renovated by Lina Bo Bardi are reg-istered by various preservation societies as part of the historic her-itage doesn’t prevent their systematic deterioration, mainly due to anunstoppable and overwhelming impulse that kowtows to fashion aswell as to significant business interests. Such interventions not only physically destroy the works, but alsoconceptually contradict Lina Bo Bardi’s strategy as a designer. Linaworked with the extant, observing it carefully, allowing herself to beenthused by the immediate surroundings in order to recreate andtranslate these in her work. Her architectures have the rare capacityto narrate and present the memory of a place. Frequently misunder-stood, they’ve been considered “nostalgic,” a word not in her vocabu-lary. Lina lived in the present, in the real world of real things, and notin things framed by a nostalgic past or a nonexistent future. The past

OLIVIA DE OLIVEIRA (São Paulo, 1962) é arquiteta, formada pela Universidade Federal daBahia e doutora pela ETSAB de Barcelona. Associada ao escritório butikofer de oliveira vernayarchitectes, sediado em Lausanne (Suíça), foi professora assistente no Departamento deArquitetura da EPF de Lausanne (2000-2001) e professora e pesquisadora convidada do mes-trado da Faculdade de Arquitetura na Universidade Federal da Bahia (1995-1997). É autora devários títulos e artigos dedicados à teoria crítica da arquitetura brasileira, entre eles do livro Sutissubstâncias da arquitetura de Lina Bo Bardi (Editorial Gustavo Gili/Romano Guerra, Barcelona/São Paulo, 2006), que recebeu o prêmio do Instituto dos Arquitetos do Brasil (2006) e foi finalistado Jabuti de literatura (2006) e do prêmio do RIBA (2007).

OLIVIA DE OLIVEIRA (São Paulo, 1962) is an architect who trained at the Universidade Federalda Bahia and received a doctorate at Barcelona School of Architecture. She works at butikoferde oliveira vernay architectes, based in Lausanne Switzerland, and was an assistant at theArchitecture Department of the EPF in Lausanne (2000-2001) as well as invited lecturer andresearcher in the Masters programme at the Universidade Federal da Bahia’s ArchitectureFaculty (1995-1997). She is the author of various works and articles that analyse Brazilian archi-tecture including the book Subtle Substances. The Architecture of Lina Bo Bardi (EditorialGustavo Gili, Barcelona, 2006), which received the Institute of Brazilian Architects prize (2006)and was shortlisted for the Jabuti literature prize (2006) and the RIBA prize (2007).

Se a oportunidade de visitar em um curto espaço de tempo todas asobras construídas por Lina Bo Bardi possibilitou-me rever em con-junto obras que já havia frequentado e outras que conhecia apenasno papel, ela permitiu-me também, sem que eu o tivesse premedita-do, repassá-las e fazer um balanço do estado atual desse patrimônio.Lamentavelmente, o balanço não é dos mais positivos. Na contramãodo crescente interesse que sua obra tem registrado e despertado nosúltimos anos em diferentes países e continentes, seus edifícios nãocessam de ser maltratados e deteriorados profundamente. É certoque a arquitetura moderna brasileira, no geral, sofre de um precárioestado de conservação, e nesse sentido a obra de Lina Bo Bardi nãoé exceção. Mas não me refiro aqui à ação do tempo sobre os edifícios,do envelhecimento digno que cada obra tem direito a viver, mas deuma deterioração que ataca e deturpa o mais profundo sentido daarquitetura de Lina Bo Bardi. E esses golpes não se devem tanto àfalta de recursos materiais – o que em alguns casos torna efetiva-mente inevitável a decadência da obra –, mas provêm principalmen-te dos meios supostamente mais bem nutridos e informados. O fatode quase todos os prédios construídos ou restaurados por Lina BoBardi estarem tombados por órgãos de proteção do patrimônio his-tórico não tem impedido a sistemática destruição destas obras, sobre-tudo por conta de um desenfreado impulso avassalador pronto asubstituir o existente em nome da última novidade e do interessemercantil.Essas ações não apenas destroem fisicamente as obras, mas se opõemconceitualmente à atitude de Lina Bo Bardi ao projetar. Lina traba-lha com o pré-existente, observando-o cuidadosamente, deixando-seembeber pelo entorno para recriá-lo e traduzi-lo em sua obra. Suaarquitetura possui a rara capacidade de narrar e apresentar a memó-ria do lugar. Muitas vezes incompreendidas, suas obras foram qualifi-cadas de “nostálgicas” – palavra que jamais teve lugar no vocabulário

004-021_4-21 introducció.ok 27/02/14 15:49 Página 4

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 7: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

5

de Lina Bo Bardi. Lina vive no presente, no mundo real das coisasreais, e não daquelas idealizadas em um passado nostálgico, ou emum futuro inexistente. O passado é para Lina Bo Bardi sinônimo dememória – seja ela individual ou coletiva –, e a memória é o senti-mento humano por excelência. É justamente este respeito ao serhumano, à natureza, à vida o que guia sua arquitetura. Ao projetar,Lina realiza um movimento em direção ao passado para recompô-loe, ao mesmo tempo, em direção ao presente que, por sua vez, vaitomando “uma nova, inesperada e nunca vista forma”. O passado épara Lina Bo algo que ainda está vivo e acontecendo no presente.Seu projeto de restauração para o centro histórico da Bahia, incon-cluso, não apenas densificava o pré-existente como valorizava-o atra-vés de suas características sociais, culturais e religiosas, coisas que, emúltima análise, eram as que mais incomodavam aos que detinham opoder de decisão. Não é difícil compreender isso observando asações posteriormente realizadas no lugar: o projeto que sucedeu aode Lina Bo Bardi transformou o Pelourinho em um centro de con-sumo destinado basicamente ao comércio e ao turismo, conferindo--lhe uma característica não distante do modelo dos shoppings centersque não param de multiplicarem-se, higienizando e homogeneizan-do a cidade. Nessa onda, o Belvedere da Sé – praticamente a únicarealização urbana que Lina Bo Bardi pôde erguer no centro históri-co de Salvador – foi recentemente destruído e substituído por umaárea pavimentada em granito quando da “renovação” da Praça da Sé.Não somente o passado vive na obra de Lina, mas também tudo aqui-lo que não figura em nossas sociedades, ou porque sistematicamenteconsiderado como pano de fundo – a natureza, o silêncio e o vazio –,ou porque descartado como inútil – os objetos perdidos, quebradosou abandonados, o lixo. Lina Bo trabalha com o que tem às mãos,sem menosprezar nada do que encontra pelo caminho; vai reciclan-do materiais e abrindo-lhes novas possibilidades de uso. Essas obras--narrativas aguçam os sentidos e assinalam estratégias de sobrevivên-cia. A consciência desse trabalho respeitoso demonstra uma atitudetanto ética como ecológica. Essa arquitetura tira proveito dos impre-vistos, dos azares, da precariedade e da falta de meios: é um procedi-mento muito próximo do fazer popular, da arte Kitsch, que trabalhaa escassez de meios para obter uma máxima expressividade. De suaobra, surge uma potente crítica à sociedade deteriorada pelo consu-mo, esta mesma que agora dispõe da obra de Lina Bo Bardi ao seubem entender.Em todo caso, desde Sigmund Freud sabemos que recordar o passadoé também a melhor forma de esconjurá-lo. No SESC FábricaPompeia, por exemplo, Lina Bo Bardi preserva a imagem da fábricapara logo subvertê-la: aqui o trabalho torna-se aliado do prazer e nãomais o seu oposto. Ela retira do trabalho aquele caráter desagradável,repressivo, violento e penoso, para associá-lo à sensibilidade, à liber-dade, à imaginação e à libido. O logotipo desenhado para o novoconjunto, com uma chaminé soltando flores em vez de fumaça,expressa-o claramente. É evidente a correspondência com o pensa-mento situacionista, em que o jogo era entendido como representaçãoconcreta da luta por uma vida à medida do desejo, em que o ele-mento de competição, ligado a todas as outras manifestações de tensãoentre os indivíduos, seria abolido para dar lugar a uma concepçãomuito mais coletiva. A criação comum de ambientes lúdicos selecionadose a abolição da distinção entre jogo e vida cotidiana eram a principal

for Lina Bo Bardi was synonymous with memory, individual or col-lective, memory being an innate human sentiment. It is precisely thisrespect for human beings, nature and life that guided her architec-ture. When designing, Lina motioned towards the past in order torecompose it, and simultaneously examined a present then begin-ning to assume a new, unexpected, and never before seen form. Thepast for Lina was something forever alive, something occurring in thepresent.Her unfinished project for the restoration of the historic district ofSalvador not only condensed the preexisting surroundings, but alsoenhanced their social, cultural and religious qualities—which is whatultimately bothered the decision-makers. It isn’t hard to get the mes-sage if you look at the interventions in the area: the plan superim-posed on Lina Bo Bardi’s design transformed the Pelourinho into aconsumer paradise aimed at business and tourism, lending it a qual-ity not unlike the endlessly proliferating shopping centers thathomogenize this city. In this same key, the Belvedere da Sé—pract-ically the only urban intervention Lina Bo Bardi was able to build inthe historic district of Salvador—was recently demolished andreplaced by a granite pavement next to the “renovated” Praça da Sé.Not only does the past live on in Lina’s work, but so does everythingthat is not represented in our society because it has been deemed tobe “background”—nature, silence and emptiness—or because it hasbeen discarded as useless: lost, broken and abandoned; in short,trash. Lina Bo Bardi worked with what she had to hand, without dis-regarding anything she found en route, recycling materials andopening up new possibilities for use. These narrative works heightenthe senses, suggesting strategies for survival. Perceptually, thisrespected work has an ethical and environmentally aware side to it. Itis an architecture that takes advantage of the unexpected, of chance,precariousness and a lack of resources. It is a kind of procedure veryclose to the folksy way of doing things, to kitsch-type art, which workswith the scarcity of means in order to arrive at maximum expressive-ness. Lina Bo Bardi’s oeuvre offers a powerful critique of a societycorrupted by consumerism, the same society that now mistreats it.We know from Freud that remembering the past is the best way ofexorcising it. In the SESC Pompeia Factory, for example, Lina BoBardi preserved the image of the factory in order to undermine it:here work is the ally, and not the enemy, of pleasure. She has work loseits unpleasant, repressive, violent and painful side, and relates it tosensitivity, freedom, imagination and libido. The trademark designedfor the new group, a chimney belching flowers instead of smoke,expresses this clearly. The link with Situationist thinking, where playwas a concrete representation of the life force, where the competitiveelement attached to all interpersonal relations would be abolished,giving way to a notion of collective endeavor, is evident here. The jointcreation of ludic areas in the city and the suppression of the distinc-tion between play and everyday life were the main goals of theSituationist International. These collective constructions were to beinstrumental in the decline of bourgeois society, functioning as botha critique and a total subversion of the bourgeois ideal of pleasure.The intervention Lina Bo Bardi proposed for the historic district ofSalvador was amusing and not “nostalgic,” and dedicated to the gen-eral public, especially children. The SESC Pompeia Factory obviouslyhas an important parallel in the restoration project for the historic

004-021_4-21 introducció.ok 27/02/14 15:49 Página 5

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 8: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

6

SESC Fábrica Pompeia:estúdio de carrinhos paraa venda de guloseimas,também propostos para o Centro Histórico deSalvador. SESC Pompeia Factory:study of small carts forselling snacks, also proposed for the historiccenter of Salvador.

© Instituto Lina Bo e P. M. Bardi

Festa no SESC FábricaPompeia. SESC Pompeia Factorysocial gathering.

© Nelson Kon

004-021_4-21 introducció.ok 27/02/14 15:49 Página 6

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 9: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

7Acerca de Lina Bo Bardi Concerning Lina Bo Bardi

1 Numa das aquarelas feitaspara o Teatro Oficina, LinaBo Bardi anota ao lado detrês desses buracos: “Guerrade España”, deixando clara a correspondência em seuimaginário.

2 Bo Bardi, Lina. “No lugarda antiga fábrica, um centrocultural”. Jornal da Tarde. SãoPaulo, 24 set. 1979.3 Soares, Dirceu. “Um centrode lazer na cidade morta”.Folha de S.Paulo. São Paulo,20 jan. 1978.

4 Ferraz, Marcelo Carvalho(org.). Lina Bo Bardi. SãoPaulo, Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1993, p. 272.

1 In one of the watercolorsmade for the OficinaTheater, Lina Bo Bardi writesbeside one of three complex-es:“Guerra de España” (theSpanish Civil War), makingthe connection clear in herimagination.

2 “No lugar da antiga fábrica,um centro cultural”, O Estadode São Paulo (Jornal da Tarde),24 September 1979.3 Soares, Dirceu, “Um centrode lazer na cidade morta”,Folha de São Paulo, 20 January1978.

4 Ferraz, Marcelo Carvalho(ed.), Lina Bo Bardi, InstitutoLina Bo e P. M. Bardi, SãoPaulo, 1993, p. 272.

center of Salvador. The year 1986 was to signal the final building of theSESC Pompeia Factory sports complex and the beginning of therestoration project for the historic center of Salvador. Almost all theelements used in the SESC would be reused in Salvador. Along withthe construction of the sport complex, the “pre-historic holes” openedin the walls of the “sporting cave,” related by Lina Bo Bardi to recol-lections of war, to a “citadel,” a sheltered and secluded autonomousplace, would not only reappear in the foreground of the OficinaTheater1 but in the historic center of Salvador, whose advanced degra-dation recalled an emergency situation like an earthquake or a bomb-ing. Thus, the rehabilitation of both the factory and the historic cen-ter not only involved recouping the memory of the buildings, but alsothe memory of the place, of the country’s recent past, the recollectionof exile, war, readings, travels, of a personal memory that, as in adream, involuntarily embraces collective memory.Many of the symbolic elements impregnating Lina’s imaginationcame directly from the traditions, cults and folk festivals she experi-enced in the northeast of Brazil. In fact Lina made a distinctionbetween the northeasterners and the people from São Paulo, alwaystaking the part of the former, not out of favoritism, but becauseaccording to her the latter had adulterated native culture and weretoo committed to industrial modernization and imported mass cul-ture, while in the northeast a strong popular, archaic tradition stillheld sway.2 In 1978, when the SESC Pompeia project got underway,she declared that the city of São Paulo was a “skeleton,” “the worldtitle-holder in self-destruction,” the only positive thing about it beingthe northeastern belt that surrounds it—for Lina this was “the trueSão Paulo”3. At the end of the SESC project, during the designing ofthe historic district of Salvador, she wrote: “The people from Bahiaare ‘Old and Modern,’ they are ‘International-Popular,’ and theirinventions owe nothing to colonial rancidity.”4 What really interestedLina was to give a place to all that is forgotten or repudiated by “civ-ilization,” so as to lend balance to the admixture. This is evident inthe SESC: the old and the new, the artisanal and the industrial, thebig and the small, the simple and the complex, the innocent and theaggressive, the delicate and the crude are all worked out in such a waythat one doesn’t impose on the other.The respect for traditional architecture and for popular savoir-faireare evident in the pages of the magazine Habitat, founded in 1951and directed by Lina Bo and her husband, the critic, collector and artgallery owner Pietro Maria Bardi. Running counter to the myth oforiginality promulgated by part of the Brazilian architecture of theday, Lina Bo Bardi looked towards the extreme coherence of thework, its camouflaging within its surroundings, as in the Chame-Chame House and the Valéria Cirell House, both created at the endof the 50s. Her work was not only a manifesto against the idea of anheroic and universal architecture, but also against the notion ofdevelopment associated with progress that became popular duringthe 1950s in Brazil, with Brasilia as a kind of symbolic El Dorado.From that time onwards, Lina Bo Bardi fought, through her workand writings, against such cultural colonialism, one associated withthe overwhelming force of commercial interests.Curiously, the most brutal attacks on Lina Bo Bardi’s work have beenmounted against her museums, exactly the point at which her rupturewith both the hegemonic idea of progress and the Western model of

meta da Internationale, pois revalorização do jogo era entendida emum contexto ideológico claramente definido. Essas construções cole-tivas contribuiriam para a ruína da sociedade burguesa, atuandocomo crítica e subversão completa dos ideais burgueses de prazer.Lúdica, não “nostálgica”, era a intervenção que Lina Bo Bardi pro-punha para o centro histórico de Salvador, dedicada ao homemcomum e, em especial, às crianças. No SESC Fábrica Pompeia isso éevidente, e a obra guarda um importante paralelismo com o projeto derestauração do centro histórico de Salvador. O ano de 1986 marcará otérmino da construção do conjunto esportivo do SESC Pompeia etambém o início do projeto para o centro histórico de Salvador.Quase todos os elementos utilizados no SESC serão reutilizados emSalvador. Contemporâneos à construção do bloco esportivo do SESC,os “buracos pré-históricos” abertos nas paredes da “caverna esporti-va” – e associados por Lina Bo Bardi a recordações de guerra, a uma“cidadela”, um lugar protegido e recolhido em sua autonomia – reapa-recerão tanto no anteprojeto para o Teatro Oficina,1 como no centrohistórico de Salvador, cujo estado de degradação traria à sua mentesituações de emergência: um terremoto ou um bombardeio. Assim,tanto a recuperação da fábrica como a do centro histórico serão nãoapenas recuperação da memória dos edifícios, mas também damemória do lugar, do passado recente do país; memórias de exílios,guerras, leituras e viagens, de uma memória pessoal que se mesclainvoluntariamente, como ocorre em um sonho, à memória coletiva.Muitos destes elementos simbólicos impregnados no imaginário deLina vinham diretamente das tradições, dos cultos e festas populares,vivenciados por ela no Nordeste. De fato, Lina Bo fazia uma distinçãoentre o povo nordestino e o paulistano, sempre situando-se junto aoprimeiro, não por bairrismo, mas porque, segundo ela, este último jáhavia deturpado a cultura autóctone e estava demasiado comprome-tido com a modernização industrial e a cultura de massa importada,enquanto o Nordeste, aos seus olhos, ainda possuía uma força de rea-ção proveniente da sua forte tradição arcaica e popular.2 Em 1978,quando iniciava o projeto para o SESC Pompeia, Lina Bo declarariaque São Paulo era uma “ossada”, “a cidade campeã do mundo emautodestruição”, tendo, como único dado positivo, o cinturão nor-destino que a envolvia e que, para ela, era a “verdadeira São Paulo”,3

enquanto, ao final do projeto para o SESC, durante a concepção doCentro Histórico de Salvador, escreve: “o povo da Bahia é ‘antigo emoderno’, é ‘internacional-popular’ e, nas suas invenções, nada temdo ranço da colônia”.4 O que interessava à Lina era dar lugar a tudoo que constantemente é esquecido ou recusado pela “civilização”, deforma a garantir o equilíbrio dessa mescla, e no SESC isso é claro: oantigo e o novo, o artesanal e o industrial, o pequeno e o grande, osimples e o complexo, o singelo e o agressivo, o delicado e o rudeestão trabalhados de forma que um não se imponha ao outro.O respeito pela arquitetura tradicional e pelo saber fazer popular jávinham sendo registrados desde as páginas da revista Habitat, que LinaBo funda e dirige em 1951 com seu esposo – o crítico, colecionador egalerista de arte Pietro Maria Bardi. Longe do mito da originalidadepropagado pela arquitetura brasileira de então, Lina Bo Bardi pro-cura a contextualização extrema da obra, recorrendo mesmo à camu-flagem com o entorno, como os flagrantes exemplos da casa doChame-Chame ou da casa Valéria Cirell, concebidas a finais da déca-da de 1950. Sua obra não somente constituiu um manifesto contra

004-021_4-21 introducció.ok 03/04/14 10:15 Página 7

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 10: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

8

uma arquitetura heroica e universal, mas também contra a ideia dedesenvolvimento associado ao progresso que desde a década de 1950invadiu o Brasil tendo como imagem emblemática a promessa de umEldorado chamado Brasília. Desde aquela época Lina Bo Bardi vinhalutando, com sua obra e seus escritos, contra esse colonialismo cul-tural, que de braços dados com o impulso avassalador do interessemercantil já avançava a passos largos.

an historical linear time, homogeneous, irreversible and always direct-ed towards the future, was strongest. The potency of these spacesdeeply bothered the Establishment. There are many criticisms ofLina’s museums, especially when it comes to the exhibition areas,which are often thought to be unadaptable. As a consequence of thisnarrow view, inadequate interventions have been realized that expressdisdain as to the meaning and importance of this architecture. The

Vista do MASP da AvenidaPaulista.View of the MASP fromthe Av. Paulista.

© Nelson Kon

004-021_4-21 introducció.ok 27/02/14 15:50 Página 8

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 11: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

9

Curiosamente, os ataques mais brutais feitos à obra de Lina Bo Bardi atin-gem seus museus, justamente ali onde melhor se potencia sua rupturacom a ideia hegemônica de progresso, com o modelo ocidental detempo histórico linear homogêneo e irreversível, sempre dirigido ao futu-ro. A potência desses espaços incomodam profundamente o establishment.As críticas aos museus de Lina são inúmeras, sobretudo no que diz res-peito à inadaptação e condicionamento do espaço para exposições.

most notorious example is the MASP Museum, where a series ofchanges were, and still are being, made that do great violence to thisextraordinary work. It goes without saying that the building has to bemaintained and that certain measures are essential to guaranteeingthe adequate performance of the museum, but these measures havebeen undertaken by ignoring the very qualities of the architecture.Suffice it to say that there are many ways of adapting a museum to its

O MASP em construção,1968.The MASP under construction, 1968.

© Hans Günter Flieg

Acerca de Lina Bo Bardi Concerning Lina Bo Bardi

004-021_4-21 introducció.ok 27/02/14 15:50 Página 9

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 12: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

10

O MASP em construção,década de 1960.The MASP under construction, 1960s.

© Luis Hossaka/Bibliotecae Centro de Documentaçãodo Museu de Arte de SãoPaulo Assis Chateaubriand

© Miroslav Javurek/Instituto Lina Bo e P. M.Bardi

new needs without foregoing its character and the elements thatmake it different, special and unique. There is technique, for one;something Lina never rejected—or she wouldn’t have attempted tocreate such an audacious museum. I’m referring here to the removalof the system of glass exhibition easels specific to this museum, as wellas the 70-meter empty space that is today partially obstructed by bar-riers, screens, ticket booths and a cloakroom counter. I could alsocite the reflective pools that once surrounded the building and whichare now debased with a false bottom or have been buried during arecent renovation, as well as the changes to the lighting system, fur-nishings and materials that are quietly being made throughout thebuilding. Among these countless interventions is the replacing of theGoiás stone floor in the Civic Hall by one of polished granite. “It wastoo much,” claims the current president of the institution, Mr. JulioNeves, also an architect. “The dust the stone produced might be very

Sob esta estreita ótica, intervenções pouco hábeis vêm sendo feitas,denotando um menosprezo ao significado e importância dessas arqui-teturas. O Museu de Arte de São Paulo (MASP) é o exemplo maisconhecido, onde uma série de transformações foram e continuamsendo feitas atentando definitivamente contra essa extraordináriaobra. É indiscutível que medidas de manutenção do edifício sejamindispensáveis, e que outras devam ser implementadas para o bom fun-cionamento do museu, mas elas têm sido realizadas dando as costas àsqualidades dessas arquiteturas.Não creio seja necessário dizer que existem muitas maneiras de adap-tar um museu a suas novas necessidades sem o descaracterizar nemperder aquilo que lhe torna distinto, especial, único. Para tanto, estáaí também a técnica, que, diga-se de passagem, Lina Bo Bardi nuncarelegou, ou jamais teria ousado fazer um museu tão arrojado. Refiro-meaqui sobretudo à retirada do sistema expositivo sobre cavaletes de

>MASP.The MASP.

© Nelson Kon

>

004-021_4-21 introducció.ok 27/02/14 15:50 Página 10

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 13: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

11

vidro, específicos a este museu, assim como ao seu vão livre de 70metros, hoje parcialmente obstruído por barreiras, divisórias, bilhe-terias e um balcão guarda-volumes. Mas poderia referir-me tambémaos espelhos d’água que contornavam o prédio e que foram reduzi-dos com fundo falsos ou simplesmente soterrados em recente refor-ma, bem como às substituições do sistema de iluminação, de mobi-liário e de materiais que vão sendo feitas na surdina e disseminando--se por todo o edifício. Entre as inúmeras intervenções, está a substi-tuição do piso de pedra goiás do hall cívico por granito polido. “Aí jáé demais – reage o atual presidente da instituição, o sr. Júlio Neves,que também é arquiteto –, aquela poeirada que a pedra produziapodia ser moderna demais, mas enchia os quadros de sujeira”.5

Ora, o respeito ao construído não está no fato de mantê-lo inalterado esim traduzido na qualidade do novo. Aqui materiais caros e rebuscadossubstituem soluções simples, econômicas e transparentes que sempre

modern but it covered the pictures in grime.”5

Respect for the building doesn’t mean keeping it unchanged, butsuiting it to currently prevailing standards instead. Here, expensiveand refined materials replace the simple, economical and transpar-ent solutions that were the hallmark of Lina Bo Bardi’s architecture.There are certainly ways of accommodating the new needs of themuseum without losing these qualities, qualities that are ultimately atone with the living conditions in this country. Instead, the MASP isbeing slowly and stealthily transformed into a neutral, hygienic place,just like “all the other museums in the world,” as the architect-presi-dent likes to argue,6 allowing his completely colonized and provincialvision to come to the fore.Coincidentally, also his is the project for the Bela Vista FestivalCenter, which is due to be built by the Silvio Santos Group—one ofthe biggest combines in Brazil—alongside another Lina Bo Bardi

5 Scavone, Miriam, “Polêmicano MASP”, Veja, no. 47, SãoPaulo, 25 November 1998, p. 30. 6 He repeats this on variousoccasions. See Viana, Andrá,“Monumento em Guerra”,Gazeta Mercantil [CadernoFim de Semana], São Paulo,4 May 2001; Fioravante,

Celso, “MASP fecha apóssemestre capenga”, Folha deSão Paulo, 22 July 1999;Ribeiro, Marili, “MASP mos-tra polêmica sobre como exi-bir arte”, Jornal do Brasil, Riode Janeiro, 27 November1998.

Acerca de Lina Bo Bardi Concerning Lina Bo Bardi

5 Scavone, Miriam.“Polêmica no MASP”. Veja, n. 47, p. 30. São Paulo, 25nov. 1998.

004-021_4-21 introducció.ok 27/02/14 15:50 Página 11

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 14: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

12

caracterizaram e qualificaram as arquiteturas de Lina. Certamente,existiria um modo de adaptar-se às novas exigências de uso do museusem perder essas qualidades que, além do mais, são coerentes com ascondições de vida deste país. Em vez disso, o MASP vai sendo trans-formado, aos poucos e sorrateiramente, em um lugar neutro e higiê-nico como “todo museu do mundo”, tal como o arquiteto-presidentetanto gosta argumentar,6 deixando aflorar sua visão absolutamentecolonizada e provinciana.Coincidentemente, é de sua autoria também o projeto do shoppingBela Vista Festival Center que ameaça ser construído pelo GrupoSilvio Santos – uma das maiores redes de comunicação do país – aolado de outro projeto de Lina Bo Bardi, o Teatro Oficina. Se cons-truído tal como hoje está concebido, esse shopping impediria a expan-são prevista por Lina, recentemente retomada em projeto pelo arqui-teto Paulo Mendes da Rocha. O Oficina deveria varar literalmente asparedes do fundo desembocando em uma praça verde e pública queo ligasse ao outro lado da rua, ao vale esverdeado do Anhangabaú. Aideia era de criar uma via de passagem potencializada pela caracte-rística pedestre do bairro do Bixiga, um dos mais antigos da cidadede São Paulo. O projeto de Lina Bo Bardi procurava integrar estepequeno teatro à escala, às características e à diversidade desse bairro.Sua atitude é diametralmente oposta à outra, que com seus 55.000 m2

de teatros, salas de cinema multiplex, parques e restaurantes temáti-cos, distribuídos em oito andares sufocariam não apenas o TeatroOficina, como achatariam a diversidade dos inúmeros pontos delazer, restauração e cultura que hoje integram o Bixiga.Como se não bastasse, tem-se ainda em mira a “recuperação” daGaleria Prestes Maia, o MASP-Centro: “Este museu faz parte do projetode revalorização do centro de São Paulo e tudo o que mais precisaé de água, sabão, segurança, iluminação e a saída dos camelôs – essa éa minha receita para o centro da cidade”.7 Higiene, polícia, medo,perseguição: palavras que assim encadeadas ecoam nos piores regimestotalitários.

“Parafusar quadros em vidro nunca foi solução museológica”,8 alegao professor de história da arte Luis Marquez, ex-curador do MASP.Segundo ele, a solução de Lina Bo Bardi “permaneceu isolada porquenenhum museu de pintura do mundo a adotou”.9 Certamente que oscavaletes de Lina são diferentes e, nesse sentido, permanecem “margi-nais”, à margem do estabelecido. Ora, tudo aquilo que não é rotineiroe assegurado mete medo aos funcionários de carreira e, por conse-guinte, toda a heterogeneidade deve ser erradicada.Sim, a obra de Lina Bo Bardi subverte as normas e por isso mesmoestá sempre em perigo, como alertou o arquiteto Aldo van Eyck, apropósito do MASP: “O que é anormal – neste caso à revelia, devidoa seu caráter único – também é vulnerável no sentido de que corre orisco de ser mudado ou desmantelado completamente”.10

Vale dizer que a concepção arquitetônica e museográfica de Lina BoBardi para o MASP não é absolutamente isolada. Experiências simi-lares vêm sendo realizadas desde os anos trinta na Itália por FrancoAlbini e por Eduardo Persico. Antes disso, em 1924, Frederick Kieslerjá havia inaugurado em Viena, com seu spatial exhibition method, umanova forma de agenciar o espaço que promovia a relação entre osdiferentes objetos nele expostos, indo contra o isolamento da obrade arte até então instituído pelas formas de exposições. Todos esses

project, the Oficina Theater. If built according to plan, this shoppingmall will hinder the extension foreseen by Lina Bo Bardi, a projectrecently revived by the architect Paulo Mendes da Rocha. TheOficina Theater should pierce the back wall and extend towards agreen public square, connecting it to the other side of the street, thegreen valley of Anhangabaú. The idea is to create a passageway typi-cal of the pedestrian zoning of the Bexiga neighborhood, one of theoldest in São Paulo. Lina Bo Bardi’s project attempted to integratethis small theater with the scale, quality and diversity of this neigh-borhood. Lina’s attitude was the exact opposite of Mr. Neves’. Themall has 55,000 m2 of theaters, Multiplex movie houses, parks andtheme restaurants spread over eight floors: it would not only suffo-cate the Oficina Theater, but also obliterate the diversity of the count-less eating, culture and leisure spots that go to form the Bexiga neigh-borhood.And as if that weren’t enough, the “rehabilitation” of the Prestes MaiaGallery, also known as the MASP-Centro, is also on the cards: “ThisMuseum is part of the project to increase the value of downtown SãoPaulo, as well as anything that requires water, soap, safety, light andthe removal of the street- sellers—that is my recipe for the center ofthe city.”7 Hygiene, police, fear and persecution: words that, takentogether, evoke the worst totalitarian regimes.“To shut paintings behind glass was never a museum solution,”8

6 Repetidamente em diferentesdeclarações e ocasiões. Verpor exemplo: Viana, André.“Monumento em guerra”.Gazeta Mercantil. São Paulo, 4 jun. 2001; Fioravante,Celso. “MASP fecha apóssemestre capenga”. Folha de S.Paulo. São Paulo, 22 jul.1999; Ribeiro, Marili.

“MASP mostra polêmicasobre como exibir arte”.Jornal do Brasil. Rio deJaneiro, 27 nov. 1998.7 Declaração de Júlio Nevesrecolhida em: Medeiros,Jotabê. “MASP soterra espelhos d’água e acendepolêmica”. O Estado de S.Paulo, Caderno 2. São Paulo,2 jul. 2001.

8 “MASP”. Jornal da Tarde,Coluna do leitor. São Paulo,3 abr. 2001. 9 Ibidem.10 Van Eyck, Aldo. “A superlative gift”. In Museu deArte de São Paulo. Lisboa,Blau / Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1997.

7 Remark made by JúlioNeves in Medeiros, Jotabê,“MASP soterra espelhos d’água e acende polêmica”,in O Estado de São. Paulo,[Caderno 2], São Paulo, 2 July 2001.

Fachada do TeatroOficina.Facade of the OficinaTheater.

© Nelson Kon

004-021_4-21 introducció.ok 27/02/14 15:50 Página 12

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 15: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

13

Interior do Teatro Oficina.Interior of the OficinaTheater.

© Nelson Kon

Acerca de Lina Bo Bardi Concerning Lina Bo Bardi

004-021_4-21 introducció.ok 27/02/14 15:50 Página 13

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 16: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

14

Pinacoteca do MASP comos cavaletes de vidro.The MASP gallery with itsglass easels.

© Paulo Gasparini/InstitutoLina Bo e P. M. Bardi

>Pinacoteca do MASP,1969.The MASP gallery, 1969.

© Hans Günter Flieg

© Miroslav Javurek/InstitutoLina Bo e P. M. Bardi

004-021_4-21 introducció.ok 27/02/14 15:50 Página 14

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 17: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

15

affirms Art History Professor Luis Marquez, former MASP curator.According to him, Lina Bo Bardi’s solution “remained an isolatedcase because no art museum in the world adopted it.”9 Certainly,Lina’s easels are different and in that sense remain “marginal,” onthe fringes of the established order. Besides, anything that is not typ-ical and routine frightens the art bureaucrats; all heterogeneityought therefore to be eradicated. Lina Bo Bardi’s work upsets thenorms and is thus always in danger, as the architect Aldo Van Eyckwarns about the MASP: “[...] whatever is abnormal—in this case bydefault, due to its unique character—is also vulnerable because it canbe totally modified or dismantled.”10

It is worth mentioning that Lina Bo Bardi’s architectural and muse-um scheme for the MASP is no isolated case. Franco Albini andEduardo Persico made similar experiments in Italy in the 1930s.Before that, in Vienna in 1924, Frederick Kiesler introduced his “spa-tial exhibition method,” a new way of defining space by promoting arelationship between the different objects on show, an idea runningcounter to the isolation of the art object as instituted by the displaytechniques of the day. These architects searched for the same thingas Lina Bo Bardi: to create an ambience or “atmosphere” of close-ness, not only between the works per se but also between the worksand the viewer. We don’t only find references to such systems in thepast. The Dutch architect Piers Gough recently renovated theNational Portrait Gallery in London and explained his scheme fordisplaying “the paintings on glass walls” as being the result of “directinfluence from Lina’s project for the MASP.”11

The interesting thing is that these statements are being used to “puri-fy” and degrade the architecture and exhibition systems planned forthe MASP. On top of that they run counter to statements by otherspecialists from other museums. Eighty replicas of these same easels,banished to the MASP basement, can presently be found in one of

arquitetos buscavam, exatamente como o faz Lina Bo Bardi, criar,com seus sistemas expositivos, um ambiente ou uma “atmosfera” deaproximação tanto entre as obras expostas como entre o visitante e aobra de arte. E não só no passado encontramos referências. Em suarecente reforma da National Portrait Gallery de Londres, o arquitetoholandês Piers Gough explica que sua proposta em expor “as pintu-ras sustentadas em paredes de vidro” recebeu “influência direta doprojeto de Lina para o MASP”.11

O interessante é que os argumentos que vêm sendo utilizados para“purificar” e renegar a arquitetura e os sistemas de exposições previs-tos para o MASP são diametralmente opostos aos utilizados por espe-cialistas de outros museus. Oitenta réplicas desses mesmos cavaletes,relegados ao porão do MASP, atualmente integram uma das princi-pais obras construídas pelo mestre da arquitetura moderna Mies vander Rohe: nada mais nada menos do que o Crown Hall, o salão prin-cipal de exposições do Illinois Institute of Technology (IIT) emChicago. Também o Museu Rietveld, na Holanda, pediu permissãopara copiar os cavaletes de vidro do MASP. Os mesmos que o arqui-teto-presidente do MASP preferiu substituir por paredes de gesso dequatro metros de altura, projetadas por ele mesmo, para dividir osalão da pinacoteca em dez saletas de exposição e dois pares de cor-redores. Com isso, conseguiu-se transformar o que era um dos maisexcepcionais espaços de exposição na mais banal galeria de arte que,para seu regozijo, poderia estar em qualquer parte do mundo.O objetivo aqui, tal como anunciado no website do museu, é “apre-sentar à população um novo conceito de organização do segundoandar – moderno, contemporâneo e inédito no Brasil – caracteriza-do por painéis totalmente móveis, vitrines e sistema de iluminaçãodistribuídos de forma a proporcionar não só exposições rotativas denosso acervo – com melhores visuais para o visitante – como também,e principalmente, condições adequadas para o exercício de ativida-

11 Em carta dirigida aoInstituto Lina Bo e P. M.Bardi.

8 “MASP”, Jornal da Tarde,São Paulo, 3 April 2001.9 Ibid.10 Van Eyck, Aldo, “A superla-tive gift (Um dom superlati-vo)”, Museu de Arte de SãoPaulo, Blau and InstitutoLina Bo e P. M. Bardi,Lisbon, 1997.

11 In a letter addressed to theInstituto Lina Bo e P. M.Bardi.

Acerca de Lina Bo Bardi Concerning Lina Bo Bardi

004-021_4-21 introducció.ok 27/02/14 15:50 Página 15

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 18: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

16

12 Julio Neves in Medeiros,Jotabê, “MASP soterra espe-lhos d’água e acende polêmi-ca”, O Estado de São Paulo[Caderno 2], São Paulo, 2 July 2001.13 See the MASP webpage:<masp.art.br/sobreomasp/historico.php>.14 Ibid.

12 Declaração em: Medeiros,Jotabê. Op. cit.13 “Histórico”. MASPmasp.art.br/sobreomasp/historico.php. Acesso em: 13dez. 2013.14 Ibidem.

des de ensino e atendimento de grupos monitorados, prioridadesestas que ensejam um novo dinamismo na atuação didática domuseu”.Seu modelo de inspiração, declara, é Frank O. Gehry em Bilbao.12

Mesmo se distante da excepcionalidade do outro arquiteto, trata decriar aqui um lugar para exposições temporárias, onde “o visitantesempre encontra uma novidade em sua visita ao museu, por mais fre-quente que seja”.13 Esta nova e contemporaneíssima concepção arqui-tetônica e museográfica – que apenas executada já se considera ana-crônica – substitui aquela imaginada pelo casal Bardi, cuja atual dire-ção do MASP reconhece e enterra em uma única frase:“Revolucionária para sua época”.14 Não apenas o passado é enterra-do, mas também o presente aqui é engolido e substituído por umcenário provisório, de duração ínfima, a ser consumido na imediatezde seu instante.A atual direção do museu – e talvez não somente ela, pois temo queessa ideia seja compartilhada por uma potente minoria capaz de per-suadir a grande maioria – apenas concebe o passado como algo jámorto a ser literalmente ultrapassado, exatamente como ocorre emuma autoestrada: o passado vai sendo deixado para trás, ficando cadavez mais distante. Do retrovisor, o motorista vê cada instante insípidodo presente escoar às suas costas em direção ao passado, cada vezmenor, até não poder mais ser visto nem reconhecido. Já sem olharpara trás, o condutor pisa o acelerador do carro e avança ansioso, emalta velocidade, em direção ao futuro.Na contramão desse conceito, estão os cavaletes da pinacoteca doMASP. Com eles, rompe-se a ideia clássica dos museus – um percursocontínuo linear e unidirecional – tal como o Mundaneum de LeCorbusier ou o Guggenheim Museum de Frank Lloyd Wright, quetraduzem uma noção de tempo progressivo continuamente amplifi-cado, onde o edifício e o visitante avançam no decorrer do tempo.Lina Bo comprime no interior da arquitetura todo o tempo para ofere-cê-lo como um só instante de duração infinita. Este é o sentimentoque temos ao deparar com a pinacoteca do MASP, ou melhor, com oque era a pinacoteca do MASP.Nessa imensa caixa de luz, os quadros de diferentes épocas e estilosflutuavam sem nenhuma espécie de sistematização. Eram apresenta-dos sobre painéis de vidro transparentes apoiados em uma base cúbi-ca de concreto. Para Lina Bo, os quadros deveriam “retornar ao ar”,isto é, ao cavalete, ao momento em que ainda estavam sendo pinta-dos. Com tal atitude, ela promovia uma dupla subversão da ideia deprogresso, seja porque introduzia a noção de reversibilidade dotempo, seja porque, com ela, restabelecia o momento criativo, dequando o quadro ainda se encontrava cara a cara e em pleno diálo-go com o pintor. A meta aqui é de reter o tempo naquele instanteativo para repropô-lo ao visitante, que com a sua presença voltará adialogar e dar vida ao quadro. Suspensos nos cavaletes de vidro, osquadros deixavam as paredes para virem procurar a companhia dopúblico. Misturavam-se ao público e, por transparência, víamos umafusão e superposição de acontecimentos. Aqui quadros e visitantesestavam libertos de todas balizas de épocas e de leituras pré-definidas.Essa concepção é diametralmente oposta ao modelo atual previstopara atender “grupos monitorados”. Lina Bo não concebe o ensinocomo instrução de uma massa teleguiada, mas como cultivo da livredescoberta do indivíduo. E nisso coincide com o revolucionário pro-

the major built works by the master of modern architecture, Mies vander Rohe: the Crown Hall, no less, the main exhibition area of theIllinois Institute of Technology, Chicago. The Rietveld Museum inHolland has also asked permission to copy the glass easels from theMASP. The same easels the architect-president chose to replace withfour-meter-high gypsum walls designed by him to divide the exhibi-tion area into ten little rooms and two sets of corridors. In so doing,he was able to transform what was an exceptional exhibition spaceinto an ordinary art gallery that, to his delight, could be found any-where in the world!The intention, as announced on the museum’s website, is “To presentpeople with a new organizational concept for the second floor—modern, contemporary, and unprecedented in Brazil—characterizedby completely mobile panels, glass showcases and lighting systemslaid out so as to offer not only rotating exhibitions from our own col-lection—with improved display facilities for our visitors—but also,and primarily, proper conditions for teaching and for attending tomonitored groups, these being priorities that provide the opportuni-ty for a new rationale for the museum.” His source of inspiration is, he declares, Frank O. Gehry in Bilbao.12

Ever far from the exceptional quality of the latter, Neves tries to cre-ate a place for temporary exhibitions in which “visitors will alwaysfind something new during their visits, however often that may be.”13

This “new and contemporary” museographic and architectonic con-ception of museum architecture—in which the execution alone isalready an anachronism—replaces the one imagined by the Bardicouple, whom the current MASP management both recognizes andburies in a single phrase: “revolutionary for its time.”14 Not only is thepast buried—the present, too, is swallowed whole and substituted bythe briefest of temporary scenarios, something to be instantly con-sumed. The current management of the museum—and I’m afraid that thisidea is shared by a forceful minority capable of persuading the vastmajority—only understands the past as something dead, literally backthere and ever more distant, as happens in the rearview mirror of anautomobile. Without looking back the driver steps on the gas andanxiously advances, at top speed, towards the future.The MASP painting easels stand opposed to this idea. With them theclassic museum concept—a linear, continuous and one-way high-way—is disrupted. Like Le Corbusier’s Mundaneum or Frank LloydWright’s Guggenheim, they translate an idea of progressive time thatis continually amplified, in which building, visitor and time advanceas one. Inside the architecture Lina Bo Bardi compresses all of time,offering it in an instant that lasts forever. This is the feeling we usedto get when visiting the MASP exhibition hall. In this immense light box, paintings from various periods and in dif-ferent styles floated free of any kind of system. They were displayedon transparent glass panels set on a cubic concrete base. Accordingto Lina Bo Bardi, the paintings should “return to the air,” namely tothe easel, to the time they were still being painted. With this attitudeshe promoted a twin subversion of the idea of progress, whetherbecause it introduced the notion of time’s reversibility or because itreinstated the creative moment, when the painting was face to faceand in deep dialogue with the author. The idea was to hold back timein the active instant in order to offer it again to the visitors, so that

004-021_4-21 introducció.ok 27/02/14 15:50 Página 16

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 19: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

17

15 Declaração de Júlio Nevesem: Pavão, Jadyr. “MASPrejeita tombamento de cava-letes”. Valor. São Paulo, 4 fev.2000.16 Josep Quetglas já explicoude que formas uma obracomo o Museo Guggenheimem Bilbao permite identificar

todas as características quedistinguem a arquitetura doespetáculo em: “Misceláneade opiniones ajenas y prejui-cios propios, acerca delMundo, el Demonio y laArquitectura”. El Croquis, n.92. Madrid, 1998.

15 Statement made by JúlioNeves. Pavão, Jadyr, “MASPrejeita o tombamento decavaletes”, Valor, São Paulo, 4 February 2000.16 Josep Quetglas has alreadyexplained how an artworklike the GuggenheimMuseum in Bilbao allows one

to identify all the characteris-tics that distinguish the archi-tecture from the spectacle in“Miscellany of others’ opi-nions and own prejudicesabout the World, the Deviland Architecture”, El Croquis,n. 92, Madrid, 1998.

cesso de educação proposto por Paulo Freire, cuja raiz residia na“conscientização”, invertendo o processo tradicional do aprendizado.Como em um baile, o visitante é livre para escolher com que quadrovai iniciar a dança. Há uma impressionante sintonia com os objetossuprassensíveis de Hélio Oiticica e Lygia Clark, dois artistas que noBrasil proporão, na mesma época, novas formas de sensibilizar oespectador, solicitando sua participação na obra e criando objetos dearte que incitam ao tato e ao jogo.A obra de arte não se oferece ao espectador como representação, mascomo presença, daí o estranhamento que se sente ao estar em meioa estes quadros: “Como posso me movimentar entre tantos cavale-tes?”15 Diante desses cavaletes de vidro, qualquer um sente-se obriga-do a confrontar o passado e o presente, a ver os quadros, a escutá-lose a recriá-los. E essa noção de presença tem pouco a ver com a deespetáculo, que vincula o espectador a contemplar obediente, auto-mática e passivamente o que lhe é exposto diante dos olhos. O pre-sente vivo contrapõe-se a este modelo de presente agora convertidoem uma pausa inconsistente e desvitalizada.Essa forma de expor encontra ecos na Surrealist Gallery, de FrederickKiesler, e também em seu conceito de tempo, “um todo unificado,que tal como um punho fechado, é pronto a cada instante, ao seabrir, a liberar a energia necessária”, um tempo retido e comprimido,mas não estático; apenas suspenso e pronto a colocar-se em movi-mento com a vida que as pessoas lhe aportam. É uma atitude contrá-ria a de Frank O. Gehry, no Museo Guggenheim de Bilbao,16 conce-bido como um sistema autossuficiente que funciona por si mesmo,sem a necessidade do homem, estabelecendo-se ali como uma colo-nização apartada do lugar ou do existente.Os diretores do MASP não têm sido capazes nem de ver nem de acei-tar que os cavaletes e o edifício são tão importantes quanto os qua-dros neles expostos. Sou contra a ideia bastante difundida de que “osuporte de um quadro não pode ter a mesma importância que a obrade arte”. E com isso não estou defendendo a obra de Lina Bo Bardienquanto marca de identificação pessoal e intransferível, o que seriaanacrônico de minha parte. O que não compartilho é a visão forma-lista e mercantil das coisas implícita nessa afirmação. Tal visão apenasganha sentido se reduzirmos a comparação entre quadro e suporte aum aspecto puramente formal – suporte impõe uma agressão visualfrente aos quadros – ou a uma questão de valor de mercado – supor-te é mais caro que o quadro. Obviamente os cavaletes de vidro doMASP não se encaixam em nenhum dos dois casos: são transparentesjustamente para passarem desapercebidos ao lado do quadro e cons-truídos com materiais e técnicas simples e baratas.Os cavaletes são importantes não por sua aparência formal, mas porabrirem uma nova maneira de relacionar visitantes e quadros. Pois talcomo na obra dos mestres da arquitetura moderna e das primeirasvanguardas, a ruptura formal aqui apoia-se na superação da percep-ção habitual e rotineira do espectador e jamais em um formalismoinconsequente.Fica claro que o que está dissimulado por trás de um vaivém de acusa-ções são modelos expositivos distintos e, sobretudo, concepções ideo-lógicas diametralmente opostas. As declarações dadas pela direção domuseu deixam transparentes por onde passam seus reais interesses:“As pessoas precisam entender que a utilização do suporte de vidronos obriga a ter um par para cada obra, o que limita o número de

their presence would reestablish a dialogue with the painting andimbue it with life. Suspended on glass easels, the paintings would quitthe walls and seek the public’s company. They would mix with thepublic, and via transparency the latter would witness the fusion andsuperposition of events. Here, paintings and visitors were freed fromall signs of period and from any pre-established reading. Such an idea is diametrically opposed to the current model, which issupposed to serve “monitored groups.” Lina Bo Bardo didn’t envi-sion education as the instruction of a guided mass, but as the cultiva-tion of the free discovery of the individual. This coincides with therevolutionary pedagogy proposed by Paulo Freire, whose roots pene-trate “consciousness,” inverting the traditional process of learning. Asin a dance, the visitor is free to choose which painting he or she willstart “dancing” with. There is a striking similarity, here, to the “supra-sensitive” objects of Hélio Oiticica and Lygia Clark, two artists whowere in Brazil during that period, objects suggesting new ways oftouching the spectator, inviting his or her participation in the art-work and creating art objects which call for touching and interaction.The artwork is not offered to the spectator as a representation but asa presence, whence the strangeness experienced when one is amongthese paintings: “How can I move among so many easels?”15 In frontof these glass easels one feels the obligation to confront the past andthe present, to see the paintings, to listen to them and to recreatethem. This idea of presence has little to do with the kind of spectaclethat obliges spectators to compliantly, automatically and passivelycontemplate what is in front of their eyes. The living present isopposed to this model of a present converted into a series of incon-sistent and lifeless pauses.This kind of show finds its echo in Frederick Kiesler’s SurrealistGallery, and also in his definition of time as “a unified whole, whichlike a closed fist is instantly ready, in opening, to disburse the neces-sary energy,” a time confined and compressed but not static, merelysuspended and ready to move with the life people bring to it. This isan attitude at odds with Frank O. Gehry’s Guggenheim Museum inBilbao,16 envisioned as a self-sufficient, colonizing system that func-tions by itself, without the need for human presence.The management of the MASP is incapable of seeing and acceptingthat these easels and this building are as important as the paintingsdisplayed on them in it. I’m against the well-worn idea that “themounting of a painting can never be as important as the paintingitself.” I’m not defending Lina Bo Bardi’s work as a sign of unchang-ing personal identification—that would be an anachronism on mypart. What I don’t agree with is the formalist and mercantilist visionimplied in this statement. The latter can only make sense if we reducethe comparison between painting and mounting to an entirely for-mal question—mounting equals visual aggression towards the paint-ings—or to a question of market values: mounting is more expensivethan the painting. Obviously the glass easels of the MASP don’t fiteither case: they are transparent in order not to be noticed alongsidethe painting; and they are built with simple and inexpensive mater-ials and techniques.Not only are the easels important for their formal appearance, butbecause they also suggest a new way for visitors to relate to the paint-ings. As in the work of the masters of modern architecture and thefirst avant-gardes, formal rupture is substantiated by overcoming the

Acerca de Lina Bo Bardi Concerning Lina Bo Bardi

004-021_4-21 introducció.ok 27/02/14 15:50 Página 17

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 20: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

18

quadros expostos. Com a atual concepção, basta trocar a peça pen-durada na parede e temos maior flexibilidade. Poderemos, duranteum ano, num sistema de rodízio, mostrar até mil obras do acervo.Não sendo escravos dos vidros, não preciso exibir apenas 200 o anointeiro.17

Exposições de artistas famosos atraem o público. Mesmo sem conhe-cer a obra do pintor, as pessoas vêm ao museu”.18

As obras de arte são aqui tratadas como se fossem carne em espetosa serem servidas num “rodízio”, o mais rápido possível ao maiornúmero de pessoas possível. Evidentemente, nem a arquitetura, nema arte nem muito menos os visitantes – generalizados e diluídos numamassa uniforme e acrítica – são protagonistas nesse gênero de museu.Aqui os argumentos que precedem qualquer ação resumem-se a umaquestão quantitativa. A lista de parceiros e patronos dessa chamada“revitalização do MASP” fala por si só: é inteiramente constituída porbancos, grandes grupos financeiros, redes de supermercados e shoppingcenters.19 Nesse ambiente, arquitetura e obra de arte não passam demercadorias e decoração. Vincent van Gogh, Amadeo Modigliani eCamille Corot são oferecidos no site do museu como “brindes” paraservirem de wallpaper – arte para decorar a tela de computadores, damesma forma em que o próprio museu, ali representado por duassignificativas perspectivas: uma no mais alto estilo promocional – quenão se distingue daquelas utilizadas pelos empreendedores para ven-der o último lançamento no mercado imobiliário – e outra, onde umrápido e certeiro “efeito gráfico” borra literalmente o edifício.Aqui, arquiteto e obra estão sempre subordinados a decisões e nor-mas impostas por outrem.Isso que hoje parece natural é estritamente o contrário do modo deproceder tanto de Lina Bo Bardi como dos grandes mestres da arqui-tetura moderna, que sempre precederam o mercado. Na entrevistatranscrita nesta publicação, Lina Bo Bardi conta como convenceutodo o seu entorno – dos amigos ao esposo, do engenheiro à muni-cipalidade – a construir o MASP tal como ele é. Esses arquitetostinham a capacidade de encomendar a si mesmos os projetos paraproduzir como resultado não somente a arquitetura, mas também opróprio cliente, que então era capaz de compreender, necessitar eencomendar aquele projeto. Dessa forma, tais modos de arquiteturaeram capazes de abrir aos usos possibilidades inesperadas. Pois naarquitetura moderna, o estimulante não era a forma em si, mas anovidade de usos que esta permitia e estimulava. E os usos permitiama ação das pessoas.20

O MAM, Museu de Arte Moderna – situado sob a magnífica marqui-se do Parque Ibirapuera, projetada no início da década de 1950 pelaequipe formada por Oscar Niemeyer, Zenon Lotufo, Hélio Uchôa,Eduardo Kneese de Mello, Gauss Estelita e Carlos Lemos –, assimcomo o Museu de Arte Moderna da Bahia, fundado pela própria LinaBo Bardi em 1960 e instalado desde 1963 no Solar do Unhão após serrestaurado pela arquiteta, passaram por reformas para “adaptar-se aoar dos tempos”.Uma das mais alucinantes transformações é o cordão de isolamentocriado pelos painéis de madeira pintados de branco colocados emtodo o perímetro interior do edifício do Solar do Unhão. A instala-ção provisoriamente definitiva impossibilita o acesso às janelas exis-

17 Declaração de Júlio Nevesem: Ribeiro, Marili. “MASPmostra polêmica sobre comoexibir arte”. Jornal do Brasil.Rio de Janeiro, 27 nov. 1998.18 A afirmativa é de FernandoPinho, gerente administrativodo MASP. Assef, Claudia.

“Um legado deChateaubriand ao Brasil”.Estado de Minas. BeloHorizonte, 3 abr. 1997.19 A lista completa pode serconferida no site do museu:<www.masp.art.br>20 Quetglas, Josep. Op. cit.

Museu de Arte Modernade São Paulo sob a marquise do ParqueIbirapuera.São Paulo Museum ofModern Art under theIbirapuera Park canopy.

© Olivia de Oliveira

Escada do Solar doUnhão.The Solar do Unhão staircase.

© Nelson Kon

004-021_4-21 introducció.ok 27/02/14 15:50 Página 18

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 21: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

19

tentes e consequentemente priva o espaço tanto da entrada de luznatural como da esplêndida vista sobre a Bahia de Todos os Santos.Indagado sobre o porquê da reforma, o responsável pelo museu nosexplica: “É que Lina tinha pensado este lugar como um museu dearte popular”.Sem entrar na questão do tom depreciativo usado para falar da artepopular – a arte dos despossuídos, de seres humanos que agonizamcomo cultura e muitas vezes também como grupo ou nação étnica –,separar arte popular de arte erudita é conceber a segunda comoúnica e dominante.As arquiteturas de Lina Bo Bardi não detêm lugares “exclusivos”.Nada, ninguém é excluído dessas construções, sempre aptas à mistu-rar velho e novo, arte popular e arte erudita, intelectuais e analfabe-tos, pobres e ricos, adultos e crianças, negros e brancos, o passado eo presente. Nessas arquiteturas está se realizando a síntese original erevolucionária entre mundos que nossos “homens de cultura” fazemquestão de manter fracionado. E, infelizmente, eles são muitos eencontram-se espalhados pelos principais postos de decisão. Em umartigo,21 o filósofo Eduardo Subirats detecta e repudia esse mesmotipo de discriminação pela arte popular na Bienal de São Paulo de2002, recordando que dar as costas à arte popular é esquecer nãoapenas que a modernidade artística e literária brasileira foi geradapor essa mesma arte, mas também esquecer o papel central da vin-culação entre o popular e o erudito nas manifestações mais inovado-ras das primeiras vanguardas europeias.É justamente com essas vanguardas – da antropofagia ao surrealismo –que a obra de Lina Bo Bardi tece uma importante correlação. Linafaz parte de uma geração que considera o Surrealismo como o últi-mo grande movimento artístico-ético. O Surrealismo procurou supe-rar toda a contradição entre lógico e ilógico, entre sonho e razão,entre realidade e imaginação ou desejo, liberando o inconsciente e,ao mesmo tempo, domando a razão. Assim, liberava-se da crençaideologicamente etnocêntrica e burguesa que distingue e opõerazão-desvario, dia-noite, sonho-vigília, arte erudita-arte popular, pas-sado-presente, etc. Lina Bo Bardi fala de “síntese”, de uma “revisãodos valores humanos contra a destruição”. Seus textos, bem como suaobra inteira, estão carregados de um sentido táctil e tático, solidárioe harmônico implícito do gesto ético e poético de re-ligare, tambémprocurado por André Breton no segundo manifesto do Surrealismo.“Eu nunca esqueço o surrealismo do povo brasileiro, suas invenções,seu prazer em ficar todos juntos, de dançar, cantar. Assim, dediqueimeu trabalho da Pompeia aos jovens, às crianças, à terceira idade:todos juntos”.22

Essa capacidade de mesclar-se está diretamente ligada à capacidadede escuta ao outro, de abertura ao indeterminado e ao azar, no sen-tido utilizado por John Cage, ao que surpreende sem necessidade deapelo ao espetáculo. E o espetáculo das megaexposições é exata-mente o que se visa com as renovações impostas a esses museus.Como prato requentado, o espetáculo é algo sempre preparado deantemão, previsto em todos seus detalhes e em todo seu modo defuncionar; ele está apenas à espera de ser consumido pelo eternoespectador. Ora, nos museus de Lina Bo Bardi – assim como em seusteatros e finalmente em toda sua obra –, não há lugar para espetáculose, por conseguinte, tampouco há lugar para espectadores, para esteser passivo. Suas arquiteturas “são organismos aptos à vida” e nelas as

spectator’s perceptual habits and never by an inconsequential for-malism. It is clear that what is hidden behind the mutual accusationsare distinct exhibition models, and above all diametrically opposedideological beliefs. Statements made by the museum’s managementteam show where their real interests lie: “The public needs to under-stand that the use of the glass mounting obliged us to have one foreach artwork, thus limiting the number of paintings displayed. Withthe current system we have more flexibility in merely changing thepicture hanging on the wall. Using a rotational system, this allows usto show up to a thousand works from our collection in the course ofa year. By not being a slave to the glass mounts, I don’t need to limitthe museum to showing only 200 works per year.”17 Or: “Exhibitionsof famous artists attract the public. Even without knowing the work ofthe painter, people will go to the museum.”18

The artwork is treated as if it were a hamburger in a fast-food joint.Neither the architecture nor the art, and even less the visitors—gen-eralized and diluted into a uniform, uncritical mass—are the mainprotagonists in this sort of museum. Quantity is the final arbiter here.The list of partners and patrons of the so-called “revitalization of theMASP” speaks for itself: it consists entirely of banks, big financialgroups, supermarket chains and shopping centers.19 In such an envi-ronment both the architecture and the art are nothing more thanmerchandising and decorativeness. Van Gogh, Modigliani and Corotare offered on the museum’s website as a gift that can be used as wall-paper: art to decorate your computer screen with. This is in perfectagreement with the two ways the museum is represented: one in thepromotional style—barely distinguished from that used by entrepre-neurs when selling real estate—and the other where a quick and eye-catching “graphic effect” literally smears the building.Here the architect and the artwork are always subordinate to thenorms and decisions imposed by others. What today seems normal isin fact exactly the opposite of Lina Bo Bardi’s methods and those ofother great figures in modern architecture, who always anticipatedthe market. In the interview transcript Lina Bo Bardi tells how sheconvinced her community—from her friends to her husband, fromthe engineer to the city itself—to build the MASP the way it is. Thesearchitects had the ability to develop the project themselves in orderto produce not just architecture but also the need for the client tounderstand and define it himself. In this way the architecture wasopen to unsuspected uses and possibilities. What was stimulatingabout modern architecture wasn’t just the form but the new uses thisform encouraged. And these uses allowed for individual interven-tion.20

Both the Modern Art Museum (MAM)—located beneath the mag-nificent Ibirapuera Park canopy, designed in the early 50s by OscarNiemeyer, Zenon Lotufo, Hélio Uchôa, Eduardo Kneese de Mello,Gauss Estelita and Carlos Lemos—as well as the Bahia Modern ArtMuseum (MAMB), founded by Lina Bo Bardi in 1960 and installedsince 1963 in Solar do Unhão (after being restored by the architectherself), have had to submit to renovation in order to “adapt to thespirit of the times.”One of the more bizarre changes has been the barrier created bywhite-painted wooden panels placed around the entire internalperimeter of the Solar do Unhão building. This temporary, but in

21 Subirats, Eduardo. “Opopular e o pós-vanguardista(ou como é gostoso o meufrancês). Uma crônica daXXV Bienal de São Paulo”.Disponível em: <www.vitruvius.com.br>.Acesso em: 13 dez. 2013.

22 Bo Bardi, Lina. “NaPompeia. O bloco esportivo”.Casa Vogue, p. 134. São Paulo,nov.-dez. 1986. Os grifos sãoda própria Lina.

17 Remark made by JulioNeves, MASP President.Ribeiro, Marili, “MASP mos-tra polêmica sobre como exi-bir arte”, Jornal do Brasil, Riode Janeiro, 27 November1998.

18 This remark is fromFernando Pinho, administra-tive manager of the MASP.Assef, Claudi, “Um legado deAssis Chateaubriand aoBrasil”, Estado de Minas,Minas Gerais, 3 April 1997.

19 The complete list can beseen on the museum website:<www.masp.art.br>.20 Quetglas, Josep, op. cit.

Acerca de Lina Bo Bardi Concerning Lina Bo Bardi

004-021_4-21 introducció.ok 27/02/14 15:50 Página 19

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 22: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

20

pessoas são tratadas como “atores”, isto é, seres que detêm o poderde decisão e de transformação do existente.É fácil imaginar quanto estes lugares chegam a incomodar aos quenão suportam misturar-se nesse tipo de “promiscuidade”. Por isso, énecessário isolar-se, criar um envoltório neutro em torno de si, impe-dir o incômodo em seus mínimos detalhes: nem por artes populares,nem por cavaletes, nem pelos caprichos do tempo, nem por janelas,nem pela desagradável luz do sol, nem pelos sons, nem pelo salitredo mar, nem por seus odores... Livre de tudo, poderiam então, final-mente, estar em condições de apreciar a “obra de arte”, agora “prote-gida” e “preservada”, para não dizer mumificada, nesse lugar insípidoe totalmente mortificado; ou em palavras de Lina: em “um túmulopara múmias ilustres”.

Resta ainda algo a comentar a respeito do formato desta revista.Confrontados com a extensão e diversidade da obra de Lina BoBardi, que abrange da cenografia ao design de móveis, joias e figuri-nos, optamos por reunir aqui toda a obra arquitetônica construída.Alguns desses edifícios já não existem. Uns, porque foram demolidos,caso da casa do Chame-Chame e do Belvedere da Sé, em Salvador.Outros encontram-se bastante modificados, a exemplo do MAM ou doCentro de Convivência LBA em Cananeia. Por uma questão de espa-ço, não foi possível publicar aqui alguns desses casos. Com a decisãode potenciar a obra construída, pensamos que seria oportuno ter, aolado da nova reportagem fotográfica realizada, um conjunto de dese-nhos técnicos que ajudassem à compreensão dos espaços e que aomesmo tempo permitissem ao leitor percorrer estas obras despeda-çadas, modificadas e ameaçadas de desaparecer. Os desenhos agoraapresentados foram completados, retrabalhados ou mesmo total-mente refeitos, com base em diversos tipos de materiais e na infor-mação existente. Como sabemos, Lina sempre preferiu as aquarelase os croquis a cores, sem sombra de dúvidas, muito mais expressivosdo que qualquer um destes desenhos que ela chamaria de “lingua-gem cifrada”. A própria Lina nunca se interessou em publicar suaobra, tal como declarou-me na entrevista aqui transcrita. Entretanto,nossa intenção com os desenhos é realizar um trabalho produtivo,não arqueológico; um trabalho que nos permita observar a obra comatenção e cuidado, mas sem passividade; redesenhá-la para encará-latal como é: aberta e indeterminada. Somos conscientes do risco quecorremos em cometer equívocos. Em todo caso, queremos lembrarque essas arquiteturas, enquanto “organismos aptos à vida”, estãosempre reclamando presença. Nesse sentido, lançamos o convite aoleitor a vir ele mesmo percorrer e experimentar in situ essas obras, quemesmo quando bastante maltratadas, permanecem intactas em suaimensa carga vital e expressiva e em seu maravilhoso poder sugestivo.

fact definitive, solution renders accessibility to the existing windowsimpossible, thus depriving the room of both natural sunlight and thesplendid view of the Todos os Santos Bay. Asked about the reason forthis renovation, a museum spokesperson explained: “Lina had con-ceived the place as a folk museum...” Without getting into the issueof the degrading tone subtending this remark about folk art—the artof the deprived, of human beings who struggle individually and oftenas a group or ethnicity—, the very fact of separating folk from“refined art” involves valorizing the latter as the single, dominantform. Lina Bo Bardi’s architecture doesn’t set out to define an “exclusive”place. Nothing and nobody is excluded from these buildings—shewas always ready to mix the old with the new, popular and refined art,intellectuals and illiterates, rich and poor, adults and children, blacksand whites, past and present. In this architecture the original and rev-olutionary synthesis of different worlds has come about, yet our “cul-tural representatives” would like to see this synthesis shattered. Theyare numerous, alas, and occupy the main decision-making posts. In arecent article21 the philosopher Eduardo Subirats rejected the dis-crimination shown towards popular art in the 2002 São PauloBiennial of Art, arguing that to turn one’s back on folk art is not onlyto forget that Brazilian modern art, both literary and visual, was gen-erated by this same folk art, but also means forgetting the central rolethat the conjunction of the popular and the refined played in theinnovative output of the first European avant-gardes. And it is precisely these avant-gardes—from the anthropophagous toSurrealism—that Lina Bo Bardi’s work correlates with. Lina was apart of a generation that considered Surrealism to be the last greatethico-artistic movement. Surrealism attempted to overcome the con-tradiction between logic and illogicality, dream and reason, realityand imagination (or desire), liberating the unconscious and at thesame time defining the limits of reason. It subverted the ethnocen-tric, bourgeois ideological belief that distinguishes and opposes rea-son/delirium, day/night, dream/waking, refined art/popular art,past/present, etc. Lina Bo Bardi spoke of “syntheses,” of “a re-vision-ing of human values in the face of destruction.” Her writings as wellas her built works are full of tactile and tactical meaning, replete withthe ethical and poetic aspiration to holistic experience called for byBreton in the Second Manifesto of Surrealism. “I find it impossible to for-get the innate Surrealism of the Brazilian people,” she wrote, “itsinventions, its pleasure in being together, in dancing, in singing.Thus it was that I dedicated my work in Pompeia to the teenagers, thekids and the old folk, all together.”22

This ability to intermingle things is directly connected to the abilityto listen to the other, to open oneself to indeterminacy and tochance, in the way John Cage understood it; to what causes surprise,without the need for show. And the show of the mega-exhibition isprecisely the goal of the renovations imposed on these museums.Like a warmed-over dish, the show is something prepared before-hand, foreseen in every detail. And in its modus operandi, the show isjust waiting to be consumed by the eternal spectator. In Lina Bo Bardi’smuseums, however—as well in her theater designs and finally in allher work—there is no place for spectacle and hence no place forspectators, the passive kind, anyway. Her architectures “are organismssuited to life” and in them people are treated as “actors,” meaning

21 Published in Spanish andPortuguese on the Vitruviuswebsite under the title “Opopular e o pós-vanguardista[ou como é gostoso o meufrancês]”. Uma crônica da 25Bienal de São Paulo”,<www.vitruvius.com.br>.

22 Bo Bardi, Lina, “NaPompeia. O bloco Esportivo”,Casa Vogue, November-December 1986, p. 134. The italics are Lina’s.

004-021_4-21 introducció.ok 27/02/14 15:50 Página 20

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 23: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

21

beings who have the power to decide about and change what exists. It is easy to imagine how much these places must bother people whocan’t abide such “promiscuity.” Because of this, it is necessary to iso-late oneself, to wrap oneself in cling-film, to avoid being molested byminor details: by folk art, by easels, by the strangeness of time, by win-dows, by unpleasant sunlight, by sounds, by neither the salty tang ofthe sea, nor its smell… Once free of all this, one can finally apprec-iate the “artwork,” now “protected” and “preserved,” not to sayembalmed, in this tastelessly, totally modified place. In Lina’s words: in“a grave for renowned mummies.”

There is one further comment to be made about the format of thismagazine. Confronted by the volume and diversity of Lina Bo Bardi’swork, which also embraces set-design and furniture design, jewelryand clothing, we have opted to bring together all her built architec-tural work here. Some of these buildings have been demolished; thisis the case with the Chame-Chame House or the Belvedere da Sé inSalvador. Others have been highly modified: the São Paulo MAM orthe LBA Community Center in Cananeia, for instance. Based on thedecision to increase the potential of the built work, we thought itwould be a good idea to place, alongside the newly shot photo-essay,a collection of technical drawings that help one understand thespaces and allow the reader to “tour” these depleted, modified andthreatened works. The drawings shown here have been completed,reworked or sometimes redrawn, based on various kinds of materialand the extant information. As we know, Lina Bo Bardi always pre-ferred watercolor and crayon sketches, because they were much moreexpressive than any of the types of drawing she called “coded lan-guage.” Lina was never interested in publishing her own work, as shetold me in the interview transcribed here. Our aim in publishingthese drawings is to arrive at a productive study, not an archeologicalone, a study that allows us to observe the work with attention andcare, but without passiveness; to redraw it in order to face it the wayit is: both open and indeterminate. We are aware of the risk of mak-ing mistakes. As it is, we would like to remember that these architec-tures, while “organisms fit for life,” are consistently making a claimfor life’s very presence. In that sense, we invite the reader to visit andexperience these works in situ, works that, even if grossly mistreated,are unsullied in their tremendous élan vital and in their wonderfulsuggestive power.

Casa do Chame-Chame,1976.Chame-Chame House,1976.

© Rubem Nogueira Filho

Acerca de Lina Bo Bardi Concerning Lina Bo Bardi

004-021_4-21 introducció.ok 27/02/14 15:50 Página 21

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 24: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

0 5 102 20 m

1

2

3

6

4

4

5

PO

RTO

V I E L A

RUA GENERAL ALMÉRIO DE MOURA

RU

A GEN

ERAL ALM

ÉRIO

DE M

OU

RA

RU

A B

AND

EIR

ANTE

SAM

PAIO

SO

ARES

N

N

22

Residência do casal Bardi, esta primeira obraconstruída pela arquiteta apresenta uma impor-tante afinidade com a obra dos mestresmodernos. Sem reproduzir os modelos poreles propagados, Lina Bo Bardi já realiza umaleitura apurada, atualizada e singular de suasobras. A sua percepção é sensual e minuciosa.Ao observá-las e descrevê-las, ela acentuasobretudo as sensações que o visitante deve-ria ter ao adentrar estas arquiteturas. Essapreocupação estará claramente presente naCasa de Vidro, onde o visitante é conduzidoao seu interior por meio de um percurso precisoe controlado, que acentua a relação da casacom o exterior. A casa tanto acolhe em si oexterior como, ao longo do percurso, apresen-ta-nos esse exterior para que cada vez maisnos aproximemos dele e o compreendamos.O acesso dá-se pela parte de baixo da casa,em um “jardim coberto”, um abrigo de carroque acolhe e protege sem enclausurar. A partir daí o visitante é induzido a subir o pri-meiro lance da escada, atingindo um patamarque o coloca de frente à paisagem. Ainda noexterior, esse patamar anuncia a sensação queserá revivida em seguida no grande salão dacasa. Exterior que se faz interior. Estamosmuito próximos da ideia lecorbusierana, de “o exterior é sempre um interior”. O exterior sóexiste quando captado, percebido, pensado. A paisagem só existe dentro da nossa esfera

Casa de Vidro, São PauloHouse of Glass,São Paulo

1950-1951

craniana, isto é, dentro de uma intenção racionale sensorial. Por isso, quanto mais penetramosessas arquiteturas, mais compreendemos omecanismo de funcionamento daquilo que noscerca. Ao franquear a porta de entrada, o olharcoincide com a árvore situada no centro dopátio interior, como se estivesse em uma casaconstruída sobre uma árvore. Essa sensaçãoaérea é reforçada pelo revestimento do piso,em ladrilho de vidro azul turquesa, uma refe-rência à cor celeste, mas também à cor doslagos, rios e mares. Ao entrar nesta casa tem-sea impressão de estar fora. Desde o primeiroinstante, o olhar é dirigido ao exterior e ao“público”: primeiro a árvore do pátio central;logo, os salões, a vegetação que rodea a casae a vista ao longe da cidade de São Paulo.Enquanto isso, à sua direita, uma parede brancae cega encarrega-se de proteger discretamentetoda a parte íntima da casa. Com ela, Lina BoBardi garante a necessária privacidade, adian-tando uma preocupação com a vida cotidianatravada nos espaços íntimos da casa, comoanos mais tarde proporá Peter Smithson,1 aocomparar as portas de um armário com asfachadas de uma casa. Essa parede é a verda-deira fachada desta casa-armário.“Casa de Vidro” é o apelido que recebeu dosmoradores do bairro, quando este ainda eraum bairro popular, habitado, segundo a arqui-teta, por “pessoas humildes e pobres, mas

proprietárias de casinhas simples com alegresquintais”. Mas é preciso desconfiar desse nomeque se tornou a marca registrada da casa.Não dá a chance de ver a outra parte da casa:a parte não cristalina, construída com tijolo etécnica tradicional.Na realidade, poderíamos dizer que esta casaé híbrida – e esta afirmação será cada vez maisvalidada ao observar o conjunto de sua obra –,que procura reunir a arquitetura moderna àarquitetura tradicional vernácula; à frente abri-ga a parte social e atrás, a parte íntima. Nosseus primeiros estudos, Lina havia imaginadoessas duas partes da casa unidas em um sócorpo. O fato de lhes destacar em dois blocos,

1. Casa de Vidro.House of Glass.

2. Estúdio Bo Bardi.Bo Bardi studio.

3. Moradia do porteiro.Porter’s accomodation.

4. Tanque. Pond.5. Caminhos do jardim.Garden paths.

6. Garagem. Garage.

022-041_22-41 Casa de vidrio.ok 27/02/14 15:55 Página 22

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 25: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

23

<Vista na década de 1950.View, 1950s.

© Chico Albuquerque.Cortesía/Courtesy RicardoAlbuquerque

criando um pátio entre eles, enfatiza a polaridadeexistente, que aqui se busca eliminar. Em vezde dois blocos em oposição, deveríamos com-preendê-los como dois corpos em atração.E mais: o vidro aqui já não tem o sentido estri-to de transparência liberadora cobrado nadécada de 1920, que legitimava também umcaráter inquisitivo e terrificante, enquanto pas-sível de ser utilizado como instrumento devigia, delação e punição. Transparentes sãoapenas as partes sociais da casa. Toda a parteíntima está protegida dos olhares indesejados,assumindo uma forma muito mais próxima àcasinha modesta e ao pudor não exibicionistada gente simples.

Esse vidro forma volume, é película transpa-rente sobre a qual a natureza imprime suasmarcas. Ele é um elemento captador do entor-no que por sua vez projeta seus reflexos sobrea casa. É esse aspecto efêmero, mutante,ambíguo do vidro, que interessa à Lina. A casapermanece camuflada em meio à natureza, da mesma forma que ocorre com os pilaresdelgadíssimos, de apenas 17 cm de diâmetro,pintados de um cinza esverdeado para misturarem-se mais facilmente à vegetação. É como se a casa estivesse sido concebidapara desaparecer. Efetivamente, com o passardos anos, a casa vai perdendo importância emrelação ao entorno, à natureza, aos objetos

1 Smithson, Peter. “In Praireof Cupboard Doors”. ILAUD– International Laboratory ofArchitecture and Urban Design:Signus and Insights, pp. 40-41. Urbino, 1979.

022-041_22-41 Casa de vidrio.ok 27/02/14 15:55 Página 23

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 26: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

24

que acumula e à vida que ali se desenvolve.Casa a meio caminho: metade transparente,metade opaca; metade pública, metade priva-da; metade moderna, metade tradicional;metade aérea, metade aquática; metadeapoiada sobre o terreno, metade sobre pilotis.Casa frágil, provisória, pronta para se destacare partir. Casa-armário ou casa-mochila, ondese guardam as coisas essenciais à vida. Nãoesqueçamos que Lina e Pietro eram emigrados.

This, the Bardi residence, is the architect’s firstbuilt work and displays a close affinity with theworks of the modern masters. Without repro-ducing the models popularized by them, LinaBo Bardi reads these works in a refined, con-temporary and singular way. Her perception issensual and detailed. While observing anddescribing them, she especially stresses thesensations the visitor would have when enter-ing these architectures. This engagement isclearly present in the House of Glass, wherethe visitor is conducted to the interior througha precise and controlled trajectory, one thataccents the relationship between the houseand the exterior. The house shelters the exteri-or within itself, while the trajectory reveals thisexterior, bringing us closer to it and obliging usto understand it.Access is from below the house, from a cov-ered garden, a garage porch that welcomes

and protects without cloistering. From therethe visitor is invited to climb a set of stairs toreach a landing that positions him or her infront of a landscape. Still outside, this landingannounces the sensation that will be revived inthe main lounge: the exterior becomes interior.We are very close to Le Corbusier’s idea that“the outside is always an inside.” The exterioronly exists when arrested, registered andthought through. The landscape only existsinside our brain; namely, within a sentient,rational intent. The more we penetrate intothese architectures, then, the more we are ableto understand the workings of what surroundsus. As we pass through the front door, we seea tree in the center of the internal patio, and itfeels like the house was built on top of a tree.This sensation is reinforced by the floor cover-ing of turquoise vitreous tiles, a reference tothe sky as well as to the color of lakes, riversand seas. Entering this house, we have theimpression of being outside. From the first, ourattention is directed towards the exterior, tothe “public sphere”: first the tree in the centralpatio, then the lounge, then the vegetation sur-rounding the house, and finally the view of thedistant city of São Paulo.In the meantime, to the right, there is a solidwhite wall that discreetly protects the privatepart of the house. With this wall Lina guaran-tees privacy, anticipating a preoccupation with

everyday life that occurs in the private spacesof the house, just as Peter Smithson1 wouldpropose years later, when he compared cup-board doors to the facades of a house. Thiswall is truly the facade of this cupboard-house.The “Casa de Vidro” (House of Glass) is anickname given by the local people, whenaccording to the architect it was still a popularbarrio inhabited by “humble and poor peoplewho owned their simple houses with theircheerful backyards.” One must be wary of anickname that became the house’s hallmark,since it doesn’t apply to the other part of thebuilding, which is not transparent at all, beingconstructed with bricks and by using tradition-al techniques.We could say, in fact, that this house is ahybrid—this statement will become increasinglyvalid as we observe the totality of her works—in which the architect tries to reunite modernand traditional vernacular architecture. Thefront part includes the social areas, the rearpart the private ones. In her first studies, Linahad imagined these two parts united as a singlebody. The fact that she separated the two partswith a central patio emphasizes the existingpolarity she was trying to eliminate. Instead oftwo opposite parts, we ought to understandthem as two mutually attracted bodies.On top of that, the glass here doesn’t have thestrict sense of liberating transparency called

022-041_22-41 Casa de vidrio.ok 27/02/14 15:55 Página 24

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 27: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

25Casa de Vidro, São Paulo House of Glass, São Paulo

for in the 1920s, a transparency which alsohad an inquisitive and terrifying side, since itwas capable of being used as an instrument of surveillance, denunciation and punishment.Only the social parts of the houses are trans-parent. The private areas are protected fromprying eyes, assuming a form much closer tothe modest little house and the unshowy mod-esty of ordinary people. This glass creates volume; it is a transparentfilm on which nature imprints itself. It is an ele-ment that ensnares the surroundings and thenprojects their reflection on the house. Lina isinterested in the ambiguous, transient, mutableaspects of the glass. The house is still camou-flaged in the midst of nature, with the delicate,gray-green pillars—only 17 cm in diameter—blending easily into the vegetation. It is as ifthe house were asked to disappear. As theyears go by the house is in fact losing itsimportance in relation to its surroundings,nature, the objects it accumulates and the lifethat is developed there.

A “halfway house”: half-transparent, half-opaque; half-public, half-private; half-modern,half-traditional; half-aerial, half-aquatic; half-lying on the ground, half-standing on pilotis. Ahouse that is frail, temporary, ready to displayitself and disappear. A cupboard-house orbackpack-house where we keep the essentialsfor life. Don’t forget that Lina and Pietro emi-grated.

Localização Location Rua General Almério de Moura, 200,São Paulo (São Paulo), Brasil/Brazil | Projeto e construçãoProject and construction 1950-1951 | Fotografia PhotographyNelson Kon | Arquivo Archive Chico Albuquerque.Cortesia/Courtesy Ricardo Albuquerque

1 Smithson, Peter, “In Praiseof Cupboard Doors”, ILAUDInternational Laboratory ofArchitecture and Urban Design.Signus and Insights, AnnualReport, Urbino, 1979, pp.40-41.

022-041_22-41 Casa de vidrio.ok 27/02/14 15:55 Página 25

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 28: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

PLANTA PAVT∫ TÉRREO

15

15

16

0 5 10 m21

17

B

A

B

A

D

D

C

C N

10

9

10

11

12

13

14

7

8

7

7

65

3

2

1

4

PLANTA PAVT∫ SUPERIOR

0

B B

A A

D

D

C

C N

26

Primeiro andar. First floor.

1. Entrada. Entrance.2. Biblioteca. Library.3. Sala de estar. Lounge.4. Pátio das Rosas. Rose patio.

5. Lareira. Chimney.6. Sala de jantar. Dining room.

7. Dormitório. Bedroom.8. Closet. Dressing room.

9. Cozinha. Kitchen.10. Dormitório de serviço.

Maid’s room.11. Sala de serviço.

Service room.12. Lavanderia. Laundry

room.13. Varanda. Porch.14. Pátio. Patio.15. Armazém. Store room.16. Sala de máquinas.

Machine room.17. Garagem. Garage.

Andar de acesso.Access floor.

022-041_22-41 Casa de vidrio.ok 27/02/14 15:55 Página 26

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 29: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

27Casa de Vidro, São Paulo House of Glass, São Paulo

Elevação noroeste.Northwest elevation.

Seção DD.DD section.

022-041_22-41 Casa de vidrio.ok 27/02/14 15:55 Página 27

ww

w.g

gili.

com

.br

Page 30: Lina Bo Bardi - ggili.com.br · Teatro Gregório de Mattos, ... Sobre a linguística arquitetônica ... como por sua concepção filosófica, arquitetônica e expo-

28

Elevação sudoeste.Southwest elevation.

022-041_22-41 Casa de vidrio.ok 27/02/14 15:55 Página 28

ww

w.g

gili.

com

.br