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Educação em Ciências com orientação CTS/PC em contexto da
interdisciplinaridade no 1.º e 2.º CEBAndreia Correia
Salomé Oliveira
Resumo O presente artigo relata um projecto para os primeiros anos de escolaridade, tendo como
orientações as finalidades da Educação em Ciências ligadas à perspectiva Ciência, Tecnologia
e Sociedade (CTS) e a promoção das capacidades de pensamento crítico (PC) nas crianças.
Procura, também, potenciar a interdisciplinaridade entre as Ciências, a Matemática, a Língua
Portuguesa, as Expressões e as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC).
Foram produzidos e adaptados diversos recursos didácticos com orientações CTS, os quais
foram implementados a alunos do 1.º e 2.º CEB. Estes recursos didácticos partem de
situações-problema do dia-a-dia das crianças e pretendem que estas assumam um papel
activo, interventivo e esclarecido na sociedade dos nossos dias.
Outro objectivo deste artigo é evidenciar a relevância deste tipo de actividades desde os
primeiros anos de escolaridade, na medida em que estas permitiram: adquirir conhecimento
científico; desenvolver capacidades para continuar a aprender e pensar de forma crítica; saber
decidir e discutir preocupações sociais e respeitar o meio ambiente.
A metodologia usada neste estudo foi de índole exploratória, de natureza qualitativa - testagem
do projecto-piloto.
Este estudo foi desenvolvido, em rede, por duas investigadoras, com o intento de contribuir
para o desenvolvimento da Educação em Ciências recorrendo às potencialidades das
diferentes ferramentas tecnológicas facilitadoras do processo de ensino/aprendizagem.
Palavras-chave: Educação em Ciências, Pensamento Crítico, CTS, Interdisciplinaridade
Introdução
A necessidade de apoiar e fundamentar as práticas de professores, torná-las mais
eficazes e a urgência de uma Educação em Ciências como orientação CTS promotora
de capacidades de PC dos alunos, mediante a utilização de estratégias de
aprendizagem activas (explicitamente orientadas para o PC), com uso de ferramentas
tecnológicas, são os motivos que justificam a escolha deste tema.
Na opinião de Pereira (2002), a visão da Educação em Ciências, centrada na aquisição
de conhecimentos, demonstrou ser, além de redutora, pouco eficaz no sentido de
formar cidadãos cientificamente cultos e preocupados com as questões da actualidade,
surgindo a necessidade de um Ensino das Ciências que desse ênfase às inter-relações
CTS. Esta orientação do Ensino das Ciências preconiza, entre outros, um ensino que
parta de questões-problema do dia-a-dia dos alunos, dos fenómenos com os quais
estes se deparam diariamente, não descorando a evolução e a pertinência da
tecnologia na sociedade. O objectivo último desta orientação é dotar os alunos de
capacidades de pensamento na tomada de decisões relacionadas com o dia-a-dia
pessoal e social, bem como compreender as implicações que a Ciência e a Tecnologia
têm na sociedade e a influência que esta exerce sobre as primeiras (Cachapuz, Praia e
Jorge, 2002).
Segundo Tenreiro-Vieira e Vieira (2000) a orientação CTS e o PC aparecem como
duas das finalidades da Educação em Ciências, desde os primeiros anos de
escolaridade, que mais contribuem para a meta da literacia científica. O PC quando
promovido de forma intencional e explícita contribui para que cada indivíduo participe
democraticamente, na sociedade de forma isenta e interventiva.
Na perspectiva dos autores referidos no parágrafo anterior as capacidades de PC são
fundamentais na resolução de problemas de forma eficaz e na tomada de decisões
racionais sobre questões sociais que envolvem a Ciência e a Tecnologia.
Nesta perspectiva, o Currículo Nacional do Ensino Básico (ME – DEB, 2004, p. 129),
no capítulo relativo às Ciências Físicas e Naturais, refere:
O papel da Ciência e Tecnologia no nosso dia-a-dia exige uma população com
conhecimento e compreensão suficientes para entender e seguir debates sobre
temas científicos e tecnológicos e envolver-se em questões que estes temas
colocam, quer para eles como indivíduos quer para a sociedade como um todo.
De acordo com ME – DEB (2004, p. 133) para que tal aconteça, os alunos devem ser
envolvidos em “situações de aprendizagem centradas na resolução de problemas” que
promovam o “pensamento de forma criativa e crítica”.
O desenvolvimento de actividades e materiais promotores de PC, testados e validados
são fundamentais para que os professores possam incrementar práticas de educação,
significativas, em ciências, ou seja, capazes de promover a literacia científica. É de
igual importância saber que estratégias são propícias ao desenvolvimento de
capacidades de PC nos alunos.
O presente artigo foi redigido em díade. Deste modo, toda a secção inerente ao
enquadramento teórico é comum aos dois projectos, incluindo a justificação do tema,
bem como as questões do estudo. A principal diferença é a população alvo do projecto-
piloto implementado, num caso o 1º CEB e no outro o 2º CEB. No 1.º CEB o projecto
centrou-se nas áreas de Estudo do Meio, Matemática, Língua Portuguesa, Expressões
e TIC. No 2.º CEB nas áreas de Ciências da Natureza, Matemática e TIC.
Objectivos e questões do estudo
O objectivo deste estudo é:
- Conceber, produzir, implementar e avaliar recursos didácticos para alunos do 1.º e 2.º
CEB com orientação CTS/PC em contexto da interdisciplinaridade, no âmbito da
Educação em Ciências.
No 1º CEB desenvolve-se interdisciplinaridade entre as Ciências, a Matemática, a
Língua Portuguesa, as Expressões e as TIC e no 2.º CEB entre as Ciências da
Natureza, a Matemática e as TIC.
A realização deste estudo pretende dar resposta às seguintes questões:
- Que recursos didácticos podem ser concebidos e produzidos com orientação CTS/PC
em contexto de interdisciplinaridade entre as ciências e outras áreas curriculares, nos
primeiros anos de escolaridade?
- Que aprendizagens, a nível conceptual, procedimental e atitudinal, desenvolvem os
alunos com os recursos implementados?
Enquadramento teórico
Esta secção é constituída por duas partes: uma aborda o ensino das ciências com
orientações CTS/PC e a outra clarifica os conceitos de interdisciplinaridade,
multidisciplinaridade e transdisciplinaridade.
O ensino das Ciências com orientações CTS/PC
Uma das estratégias apontadas para o ensino das ciências é o trabalho prático como
defendem alguns autores, nomeadamente Caamaño (2003), que expressa que os
trabalhos práticos são actividades de suma importância no ensino das ciências uma
vez permitirem atingir uma multiplicidade de objectivos, designadamente: (i) a
familiarização, observação e interpretação dos fenómenos que são objecto de estudo
nas aulas de ciências; (ii) o contraste de hipóteses [previsões nesta faixa etária] nos
processos de modelagem da ciência escolar; (iii) a aprendizagem do manusear de
instrumentos e técnicas laboratoriais e de campo; (iii) a aplicação de estratégias de
investigação para a resolução de problemas teóricos e práticos; (iv) a compreensão
dos procedimentos próprios da ciência.
Nesta linha, uma aula de ciências não pode ser apenas o tempo em que o professor
expõe conceitos e conteúdos. Deverá ser, por excelência, o tempo e o espaço onde o
aluno participa activamente dialogando, interrogando-se, escutando, respondendo,
concordando e discordando, racionalmente, com as situações com que se depara,
contribuindo com todas as suas potencialidades e saberes e compreendendo que
existem muitos modos de conhecer e de dizer (Almeida, 2005).
Os alunos ao resolverem situações problemáticas do dia-a-dia familiarizam-se com o
trabalho científico e aprendem procedimentos próprios da indagação, argumentação,
justificação, promovendo a compreensão conceptual e procedimental da ciência numa
perspectiva holística (vê a aprendizagem dos procedimentos integrada nas actividades
globais de resolução de problemas), numa perspectiva externalista da ciência, partindo
de questões surgidas do quotidiano dos alunos – problemas locais e/ou globais
(Cachapuz, Praia e Jorge; 2002).
O actual currículo nacional para o Ensino Básico preconiza o ensino das Ciências com
cariz CTS ao afirmar que a "interacção Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente
deverá constituir uma vertente integradora e globalizante da organização e da
aquisição dos saberes científicos" (ME-DEB, 2001, p. 134). Este documento enfatiza a
importância da promoção do PC dos alunos, impulsionador da literacia científica,
recomendando que estes devem saber: interpretar, avaliar as evidências recolhidas,
construir argumentos persuasivos, tomar decisões, formular problemas e hipóteses,
planear investigações, prever e avaliar resultados e fazer inferências.
De acordo com Vieira e Tenreiro-Vieira (2009) o PC é hoje considerado o ideal central
da educação e a base social para se adquirir igualdade de direitos e de liberdade
cívica. Apesar disso, os estudos referem que a promoção das capacidades de PC tem
sido um ideal esquecido. Por este motivo existe uma larga preocupação com a
incapacidade das instituições educativas em ensinarem os estudantes a pensarem
efectivamente. A maioria dos alunos não aprendem a pensar de forma crítica, porque
tal não lhes é ensinado ou encorajado. Desde a década de 80 que educadores e
investigadores começaram a demonstrar interesse pelo PC.
São várias as razões apontadas para a necessidade de desenvolver capacidades de
PC na escola. Vieira (2003/2009) apresenta algumas dessas razões. A primeira razão
advém do próprio significado de PC, que pretende que cada indivíduo seja capaz de
pensar criticamente sobre as suas crenças, explicitando razões racionais e não
arbitrárias que as justifiquem e as sustentem. A segunda razão apontada refere-se ao
facto do PC ser considerado importante para viver numa sociedade tecnológica, com
competência cívica para possibilitar, por exemplo, a participação esclarecida nas
instituições democráticas, nas quais cada cidadão é confrontado com a necessidade de
tomar decisões racionais, de pensar por si próprio, identificar e resolver problemas e de
trabalhar em colaboração com os colegas na procura de soluções. O cidadão na sua
vida pessoal e profissional necessita usar capacidades de pensamento crítico, para
avaliar, tomar decisões e fazer juízos relativos à informação a obter, em que acreditar e
usar. O PC permite a tomada de posição sobre questões científicas de modo a detectar
incongruências na argumentação ou evidências insuficientes para sustentar uma
conclusão. A rápida evolução da Sociedade dos nossos dias desactualiza a maioria
dos conhecimentos de hoje num futuro muito próximo. As mudanças económicas e a
instabilidade no mundo laboral fazem com que os indivíduos tenham várias actividades
profissionais ao longo da vida e com que sejam chamados a participar em debates
públicos sobre questões sociais, cada vez mais complexas e actuais.
Nesta conjectura, torna-se impossível prever a informação que os alunos necessitarão
no futuro e, consequentemente, o que deverá ser ensinado. O PC faz com que os
alunos sejam aprendizes independentes, ao longo da vida.
A terceira razão apontada, corresponde à ética do ser humano visto este ter
potencialidades que os outros animais não têm, pelo que deve ser tratado com respeito
e ser visto como alguém que é capaz de crescer de forma autónoma.
A educação CTS e o pensamento crítico têm vindo a ser incorporados nos currículos
de Ciências de diversos países, incluindo Portugal, constituindo-se como finalidades
basilares no ensino desta disciplina, encarado este, sobretudo, como promotor da
literacia científica dos alunos. (Tenreiro-Vieira e Magalhães, 2006; Vieira, 2003).
Nesta perspectiva, defende-se que o Ensino das Ciências tenha uma orientação
CTS/PC, na medida em que parte de fenómenos conhecidos pelos alunos fomentando,
nestes, uma forma crítica de pensar, promovendo a literacia científica. O ensino das
Ciências deve promover cidadãos cientificamente literados, com “capacidades e
compreensão suficientes para entender e seguir debates científicos e envolver-se nas
questões que a tecnologia coloca, quer para eles como indivíduos quer para a
sociedade como um todo” (Tenreiro -Vieira, 2004).
As metas para a educação CTS dão ao professor a liberdade de aprender e gerir a
educação dos alunos. Por isso, na educação CTS, o professor sublinha o processo de
aprendizagem e não o produto, ajuda o aluno a conseguir nova informação, a organizá-
la e a testá-la, não se limitando a mostrar o que deve ser aprendido (Canavarro, 1999).
Segundo este autor é necessário integrar várias áreas do saber, como a Matemática, a
Química, as outras Ciências e as várias Ciências Sociais, uma vez que os problemas
reais da vida raramente são chamados de "Química" ou "Matemática".
Sobre este assunto (Morin, 1999/2002) profere que para estudar [trabalhar em sala de
aula] uma questão da vida quotidiana são precisas múltiplas aproximações, ou seja, é
necessário o estudo da questão como um todo, sem compartimentos estanques. O
conceito de interdisciplinaridade é fundamental (Fourez, 2000), pois, só desta forma, se
poderá obter a compreensão do mundo no seu todo, especialmente no que diz respeito
às complexas inter-relações Ciência, Tecnologia e Sociedade. Por outro lado, a Ciência
só sairá das suas "fronteiras internas" se tiver uma orientação problemática
contextualizada socialmente.
Em suma, o ensino das Ciências dever ser pautado por uma orientação CTS, promotor
de pensamento crítico.
Interdisciplinaridade entre ciências e outras áreas curriculares
É importante clarificar conceitos como interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e
transdisciplinaridade, mostrando diversas perspectivas de interpretação dos conceitos
em causa.
Segundo Pimenta (2005), existem algumas confusões terminológicas nos conceitos de
multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Em muitos textos faz-
se uma utilização indiferenciada deles e em outros criam-se fronteiras manifestamente
artificiais entre eles.
De acordo com Oliveira (2005), multidisciplinaridade deve entender qualquer tipo de
associação mínima entre duas ou mais disciplinas, não exigindo alterações na forma e
organização do ensino, mas supondo, contudo algum esforço de coordenação entre os
professores sobre estas matérias. Conforme os casos, esse esforço poderá traduzir-se
numa simples organização temporal do processo de ensino/aprendizagem de
determinados conteúdos programáticos, ou na colaboração com vista à recolha de
informações provenientes das disciplinas envolvidas ou ainda na análise conjunta de
um mesmo objecto, no encontro preciso para a resolução de um problema concreto.
De acordo com Lamas (2000), a interdisciplinaridade é o envolvimento de várias
disciplinas, no mesmo propósito, mas com uma íntima coordenação e inter-adaptação
metodológica, com carácter de continuidade, tendo em vista o mesmo objectivo. Por
esta razão, não deve ser confundida com multidisciplinaridade, já que esta consiste na
colaboração de várias disciplinas, no âmbito de determinada pessoa. É temporalmente
limitada e cada disciplina mantém a sua autonomia e metodologia própria.
Para Oliveira (2005), a interdisciplinaridade compreende a combinação entre duas ou
mais disciplinas, com vista à compreensão de um objecto a partir da confluência de
pontos de vista diferentes e tendo como objectivo final a elaboração de uma síntese
relativamente ao objecto comum. Segundo o mesmo autor, a interdisciplinaridade
implica alguma reorganização do processo de ensino/aprendizagem e supõe um
trabalho continuado de cooperação dos professores envolvidos.
De acordo com Lamas (2000), a transdisciplinaridade permite aos professores
encontrar um tema comum e trabalharem-no, de vários ângulos, de acordo com os
horizontes teóricos em que se inserem, fazendo recurso a uma metodologia comum.
Já Oliveira (2005), refere que a transdisciplinaridade é o nível máximo de interacção
disciplinar que seria possível alcançar num sistema de ensino. É a unificação de duas
ou mais disciplinas, tendo por base a explicitação dos seus fundamentos comuns, a
construção de uma linguagem comum, a identificação de estruturas e mecanismos
comuns de compreensão do real e a formulação de uma visão unitária e sistemática de
um sector mais ou menos alargado do saber.
De acordo com o mesmo autor a escola não pode alhear-se aos novos fenómenos
sociais e tem de ser capaz de se flexibilizar de modo a acompanhar a sociedade
moderna, já que a globalização gera a necessidade de acabar com esquemas rígidos e
únicos. Neste contexto, os professores devem ter práticas curriculares guiadas pela
selectividade, essencialidade e adequação, pelo que lhes cabe decidir o que ensinar,
quando ensinar e como ensinar. A emergência de uma nova cultura de escola, em que
se desenvolva um trabalho cooperativo entre os docentes da mesma área disciplinar,
do mesmo ano escolar e entre os professores dos vários níveis sequenciais de ensino,
é necessária para uma aprendizagem interdisciplinar. Surge, assim, a
interdisciplinaridade como tentativa de superar uma visão fragmentária dos objectos e
dos acontecimentos através da confrontação de olhares plurais na sua observação.
Metodologia de investigação
Consideramos o projecto em rede uma mais-valia na medida em que permitirá um
melhor conhecimento de funcionamento de dois ciclos de ensino diferentes (1.º e 2.º
CEB), o que só é possível com o trabalho em díade. O facto de constituir uma díade de
investigação, possibilitará, ainda, uma melhor articulação curricular e metodológica
entre esses dois ciclos de ensino. O projecto em rede possibilita a rentabilização
cronológica, o confronto e debate de ideias, a reformulação e o aperfeiçoamento
e a partilha de saberes e experiências, tornando o estudo mais completo e
enriquecedor.
O estudo desenvolvido é de natureza qualitativa - testagem do projecto-piloto, de índole
exploratório.
Identificação dos participantes do estudo
O estudo será desenvolvido no ensino oficial público, com alunos do 1.º e 2.º CEB.
No 1.º CEB incidirá numa turma de 1.º ano de escolaridade, pertencente a uma escola
situada no concelho de Santa Maria da Feira – Aveiro, cuja professora titular da turma
é Salomé Oliveira. A turma é constituída por 20 alunos, a frequentarem o 1.º ano de
escolaridade, com idades compreendidas entre os 5 e os 6 anos. Existem dois
subgrupos bem distintos: um é composto por 18 alunos que atingem, com facilidade, as
competências previstas para o 1º ano de Escolaridade. O outro grupo é composto por 2
alunos que não acompanham o primeiro na área de Língua Portuguesa. Nas restantes
áreas o segundo grupo efectua as mesmas actividades do grande grupo, com o apoio,
individualizado, da professora titular.
No 2.º CEB incidirá numa turma do 5.º ano de escolaridade, pertencente a uma escola
situada no concelho de Santa Maria da Feira – Aveiro, na qual a docente Andreia
Correia foi colocada a 19 de Abril, para leccionar a disciplina de Matemática. A turma é
constituída por 25 alunos, com idades compreendidas entre os 10 e os 12 anos, dois
deles com uma retenção no 1.ºCEB e outro com uma retenção no 2.ºCEB. De acordo
com as informações transmitidas pelo director da turma, trata-se de uma turma
bastante heterogénea, em que a maior parte dos alunos não revela muitas dificuldades
na aprendizagem. Contudo dois alunos revelam muitas dificuldades em se
concentrarem na sala de aula e na compreensão dos conteúdos, encontrando-se
ambos, com planos de recuperação.
Papel dos participantes do estudo
De acordo com Pardal e Correia (1995) o pesquisador pode ter uma postura passiva –
quando interage com os observados o mínimo possível – ou activa – que maximiza a
sua participação, no sentido de obter uma qualidade maior de dados. A análise e
recolha de dados, ocorre neste estudo, através da participação das pesquisadoras em
sala de aula, há deste modo, a presença constante do observador nas actividades do
grupo. Neste caso, ambas as investigadoras adoptam dois papéis, participam nas
actividades da organização ao mesmo tempo em que as observam (Godoy, 1995).
Deste modo, as investigadoras têm um papel activo na implementação do estudo, visto
que não se mantêm exteriores à observação, não são apenas espectadoras. Vivem a
situação, sendo-lhes possível conhecer, o fenómeno em estudo, a partir do seu interior.
Técnicas e instrumentos de investigação de recolha de dados
A recolha de dados decorrerá no contexto da implementação das actividades, em sala
de aula, durante e após a realização das actividades.
No 1.ºCEB, serão utilizadas três técnicas e três instrumentos de recolha de dados: (i)
Observação, Instrumento de análise através do diário do investigador/professor (ii)
Análise - Instrumento de análise – Lista de Verificação - das fichas de trabalho e
documentos produzidos pelos alunos; e (iii) Inquérito - Questionário de auto-avaliação
de desempenho dos alunos.
No caso do 2.ºCEB, serão usadas três técnicas e dois instrumentos de recolha de
dados, (i) Observação - Instrumento de análise através do diário do
investigador/professor e da lista de verificação adaptada de Martins et al. (2007), (ii)
Análise - Instrumento de análise – Lista de Verificação - das fichas de trabalho e
documentos produzidos pelos aluno; e (iii) Inquérito - Questionário de avaliação de
aprendizagens dos alunos - questões desafio do guião da Sustentabilidade na Terra de
Martins et al. (2010).
A análise de conteúdo será a técnica de tratamento dos dados, privilegiada, por ambas
as investigadoras, quer pela natureza qualitativa da investigação, quer porque através
dela descobrem-se as aprendizagens efectuadas pelos alunos, tal como define Sousa
(2005, p.264) análise de conteúdo é a análise de “um ou mais documentos, com o
propósito de inferir o seu conteúdo imanente, profundo, oculto”.
Actividades implementadas
No 1.º CEB foram criados onze recursos didácticos partindo de uma questão-problema
e também foi implementado um recurso didáctico adaptado de Paixão. (2010) “O
tamanho e o rigor” Grandezas e Unidades de Medida. Os diferentes recursos didácticos
encontravam-se agrupados por etapas (de A a G) de forma a proporcionar um fio
condutor e orientador para os alunos.
A tabela que se segue apresenta o tema central em estudo “Explorando… condições
de equilíbrio de uma balança”, a identificação das etapas, o nome dos recursos
didácticos criados (Situações-problema) e as estratégias usadas na implementação de
tais recursos didácticos.
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Etapa RECURSOS DIDÁCTICOS(Questão-problema) ESTRATÉGIA(S)
A“O que é uma balança?” Pesquisa bibliográfica online.
B
B1 – “Para que eram usadas as primeiras balanças?”Pesquisa bibliográfica online (Actividade acompanhada pelos encarregados de educação).
B2 – “Como eram feitas as primeiras balanças (de que materiais eram feitas)?”
Visualização do ppt “Balanças Antigas”; Debate e ilustração de como eram feitas as primeiras balanças.
B3 – “Como funcionavam as primeiras balanças?”
Manuseamento livre, da balança antiga; Realização de experiências diversas com o objectivo de equilibrar os pratos da balança; Registo fotográfico, feito pelos alunos; Promoção e moderação do debate sobre as experiências efectuadas e os resultados obtidos.
C
C1 – “As balanças evoluíram. Discute as razões pelas quais evoluíram”
Visualização do ppt “Balanças Modernas”; Debate e ilustração de como são feitas as primeiras balanças.
C2 – “Vamos construir uma balança?”Construção de artefactos com base em orientações de protocolos; Registo fotográfico.
D
D1 - “Em que situações do dia-a-dia utilizo, em minha casa, produtos que foram armazenados ou embalados, tendo como recurso uma balança?”
Actividade de recolha de dados através do desenho; recorte; fotos,…(efectuada com o acompanhamento dos pais).
D2 – “Apresenta os dados recolhidos numa tabela.”
Apresentação dos dados recolhidos em casa; Preenchimento de uma tabela; Tratamento e exploração de dados recolhidos
D3 – “Apresenta os dados recolhidos num gráfico.”Construção de um gráfico de barras, em papel quadriculado; Ilustração do gráfico; Interpretação, oral, dos dados.
E
E - “Como equilibrar os dois pratos de uma balança?”(1) Recurso didáctico adaptado de Paixão. (2010).
“O tamanho e o rigor” Grandezas e Unidades de Medida
Exploração das condições de equilíbrio de uma balança de pratos discutindo as questões: O que vamos mudar….; O que vamos medir….O que vamos manter….; O que vamos fazer…; O que precisamos….; Exploração das ideias prévias dos alunos; Execução da experimentação; Observação e registo dos resultados obtidos; Comparação dos resultados obtidos; Registo fotográfico.
FF1 – “Como equilibrar uma balança de dois pratos para pesar o saco de 16 Kg de maçãs vermelhas da avó Maria?”
Realização de uma investigação matemática; Comparação de resultados (semelhanças e diferenças entre os resultados); Tentativa de descoberta de outras formas para equilibrar os pratos da balança.
G Álbum fotográfico digital. Criação de um álbum digital de fotografias.
Blog “Cientistas de Palmo e Meio”Criação e início da dinamização do blog “Cientistas de Palmo e Meio”.
O que aprenderam os alunos? Realização Ficha de Avaliação das aprendizagens.
No 2.º CEB foram propostas para exploração, em contexto de sala de aula, duas
questões-problema, sendo a primeira: “ Onde existe água e como está distribuída no
planeta Terra?”, e a segunda: “Será que toda essa água se pode beber?”. Ambas as
questões foram retiradas do guião “Explorando interacções…Sustentabilidade na
Terra” de Martins et al (2010), tal como o material elaborado. As duas questões foram
abordadas em duas aulas de 90 minutos cada, na disciplina de Estudo Acompanhado.
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RECURSOS DIDÁCTICOS
(Questões-problema)ESTRATÉGIA(S)
Leitura e exploração do texto “Gota de água”. De Helena Henriques.
A - “Onde e como está distribuída a água no planeta?”
A1-Onde acham que existe água? Em que estado físico da matéria se encontra? Será essa água toda igual?
Pesquisa online do significado de algumas palavras desconhecias.
(http://www.infopédia.pt/lingua-portuguesa/)
Diálogo com os alunos acerca do tema, com objectivo de fazer surgir a questão-problema em estudo.
Elicitação de ideias - Registo das previsões individuais dos alunos numa ficha de trabalho
Debate das previsões de cada aluno.
Observação e exploração de uma apresentação em PowerPoint, elaborada pela investigadora, relativa à localização e volume e percentagem de água no planeta.
Registo na ficha de trabalho (texto livre), por parte dos alunos, das suas aprendizagens até ao momento. Respostas às questões A1.
A2 - “Onde acham que existe mais água doce na Terra?”
Elicitação de ideias - Registo das previsões individuais dos alunos numa ficha de trabalho.
Registo e debate das previsões de cada aluno.
Observação e exploração do diapositivo relativo à distribuição em percentagem da água global e da doce no planeta e análise de uma tabela da relação entre a água salgada e a doce em cem litros.
Análise de uma imagem do mapa-mundo, contendo as percentagens de água doce e de população disponíveis por regiões do planeta.
Comparação ente as ideia prévias e os dados da realidade.
Preenchimento, na ficha de trabalho, de uma tabela com a percentagem de água e de população em várias regiões do planeta. Resposta à questão problema A2.
Registo da resposta à questão-problema A e conclusões, na ficha de trabalho
A3 - “Será que toda essa água se pode beber?”
Como é a água existente? Podemos beber todos os tipos de água?
Debate oral das ideias dos alunos (revelando preocupações com a falta de água doce e sugerindo procedimentos para uma melhor utilização da mesma).
Registo da resposta à questão-problema A3.
Como elaborar um gráfico no computador?
Que programa usar para a sua construção?
Construção de gráficos, em grupos, recorrendo ao Excel representativos da distribuição da água doce vs salgada no planeta e da distribuição da água doce por diferentes regiões da Terra.
O que aprenderam os alunos? Elaboração de uma Ficha individual de Avaliação das aprendizagens.
Considerações finais
Os recursos didácticos e as estratégias implementadas, no projecto-piloto, no 1.º e 2.º
CEB revelaram-se de grande eficácia e produtividade, junto dos alunos, a nível
conceptual, procedimental e atitudinal, conforme demonstra a lista de verificação
usada.
Tal como afirmam autores como Harlen (1997), nos primeiros anos de escolaridade é
muito importante que o ensino das ciências tenha como ponto de partida o trabalho
prático, o que aconteceu nesta implementação. No 1.º CEB, os alunos reagiram com
naturalidade, uma vez que já realizam este tipo de trabalho desde o início do ano
lectivo, no ensino experimental das ciências. O uso das TIC (powerpoint; consultas
bibliográficas na internet e o uso da máquina digital), o manuseamento dos diferentes
tipos de balanças e a construção de artefactos também suscitaram grande interesse.
A participação dos encarregados de educação na pesquisa bibliográfica online, na
recolha de informação oral e na construção de artefactos foram três pontos muito fortes
verificados na implementação deste projecto, na medida em que o contexto de familiar
também foi abrangido. Desta forma foi incentivada a participação, activa e interventiva
dos encarregados de educação no percurso escolar dos seus educandos e estreitam-
se laços de companheirismo e de trabalho em díade pelos alunos.
As dificuldades encontradas na implementação deste projecto derivaram do facto da
sala não ter condições físicas para albergar 20 alunos (a sua área não ultrapassa os 18
m2) e colocar as mesas para trabalhar em grupo não é tarefa fácil nem rápida. Acresce
ainda o facto do único computador que existe na sala não ser compatível com o
datashow utilizado e ser necessário usar o pc portátil da docente. Para tal foi
necessário desalojar 2 alunos da carteira da frente.
A criação do blog “Cientistas de Palmo e Meio” será o culminar deste projecto, sendo
desenvolvido e dinamizado, nos próximos 3 anos lectivos, até ao terminus do 1.º CEB
deste grupo turma. Com esta ferramenta pretende-se: (i) que os pais acedam ao blog
com os seus educandos acompanhando e participando no seu desenvolvimento
escolar; (ii) dotar os alunos de competências no uso das TIC; (iii) divulgar o trabalho
desenvolvido com e pela turma e (iv) fazer intercâmbios com outras turmas de outras
escolas.
As actividades exploradas no 2.º CEB tratam de situações-problemas que integram a
Ciência, a tecnologia, a Sociedade e o Ambiente. Estas proporcionaram aprendizagens
de interesse para os alunos, centradas num tema muito importante socialmente e
também muito debatido do dia-a-dia, a actual escassez de água potável! Os alunos
apresentaram-se motivados durante todas as questões, apresentaram e justificaram as
suas ideias, conseguiram dar resposta às questões problemas apresentadas e foram
ainda além dessas questões, sugerindo ideias para diminuir o consumo da água,
revelando uma grande preocupação com este tema.
Nas duas aulas de 90 minutos, a lista de verificação revela que apenas alguns alunos
foram capazes de elaborar previsões justificando-as, todos participaram no debate das
ideias, todos fazem interpretações coerentes com as evidencias mas nem todos
elaborarem textos/discursos de forma a estabelecer conclusões. Constata-se também
que os alunos estavam muito participativos oralmente, contudo sentiam algumas
dificuldades em redigir as suas ideias. Na segunda aula implementada, é notória uma
melhoria, por parte dos alunos, na justificação das suas previsões, As actividades
implementadas dotaram os alunos de atitudes de respeito pelo ambiente, em particular,
a preservação da água e a preocupação pelo desenvolvimento sustentável. Permitiram
ainda o ensino das Ciências para a cidadania, pois promoveram a discussão e o
debate, sobre temas reais e de controvérsia social, permitindo aos alunos constatar
argumentos contra e a favor da necessidade de uma correcta utilização da água.
O uso das TIC na consulta de informação (apresentação em Power Point e Internet) e
a elaboração de gráficos no Excel, em grupos de trabalho, suscitaram, tal como no
1.ºCEB, grande interesse nos alunos.
As grandes dificuldades sentidas na implementação deste Projecto no 2.ºCEB
prendem-se com o facto de as actividades serem implementadas numa aula de Estudo
Acompanhado, numa turma desconhecida para a investigadora, o que não permitiu
uma aceitação inicial da actividade e algumas dificuldades de diálogo com os alunos.
Outra dificuldade sentida foi a falta de tempo e compatibilidade de horário para
implementar outras actividades inicialmente previstas, como o caso do Courseware
SERe. Teria sido muito benéfico ter implementado uma maior diversidade de
actividades/ estratégias, de acordo com o guião “Explorando interacções -
Sustentabilidade na Terra, do Programa de Formação Continua em Ensino
Experimental das Ciências, ou até mesmo criar outras e implementar, e por isso no
futuro, aspira-se a concepção, implementação e avaliação de recursos promotores da
interdisciplinaridade entre as Ciências e outras áreas curriculares, no 1º/2.º CEB, assim
como, a implementação e avaliação de actividades promotoras de PC.
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