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PROJETO DE PESQUISA Edital CNPq: Bolsas no País. Produtividade em Pesquisa – PQ 2015 Comitê Assessor: CS - Antrop., Arqueol., C. Política, Direito, Rel. Internacionais e Sociologia Ciências Sociais Aplicadas: Direitos Especiais Tíitulo do Projeto: Burocracias, Instituições Internacionais, Globalização e Meio Ambiente: Lacunas e recuos no Direito Internacional do Século XXI

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PROJETO DE PESQUISA

Edital CNPq:

Bolsas no País. Produtividade em Pesquisa – PQ 2015

Comitê Assessor:

CS - Antrop., Arqueol., C. Política, Direito, Rel. Internacionais e SociologiaCiências Sociais Aplicadas: Direitos Especiais

Tíitulo do Projeto:

Burocracias, Instituições Internacionais, Globalização e Meio Ambiente:

Lacunas e recuos no Direito Internacional do Século XXI

Autor: Professor Dr. Christian Guy CaubetUFSC. Universidade Federal de Santa Catarina

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Índice

1. Índice . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 Acrônimos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

2. Objetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 2.1. Objetivo geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 2.2. Objetivos específicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 2.3. Relevância social do projeto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 2.4. Palavras-chave . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 2.5. Metas de produção acadêmica para o período do projeto . . . . . . . . . . . . 4

3.0.Metas atingidas em relação à proposta anterior (2011-2016) . . . . . . . . . . . 53. Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

4. Perspectivas teóricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64.1. O contexto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

4.1.1. Período de referência: a partir de 1945 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64.1.2. Ideologia de referência: o desenvolvimento . . . . . . . . . . . . . . . . 7

4.2. Estado e burocracia: o falso ciclo galinha-ovo e a neo-estatização das RI . . . 9 4.2.1. Hipótese de trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94.2.2. Em resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

4.3 A teoria aplicada à temática do projeto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144.3.1. A confusão das práticas fomenta a teia político-jurídica dos textos internacionais.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 4.3.2. Funções da burocracia de instituições internacionais . . . . . . . . . . 164.3.3. Facetas da legitimidade jurídica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

5. A Crise da Água : um exemplo de institucionalização de burocracia especializada . . . 195.1. “Água” versus “Recursos Hídricos”: os fluxos burocráticos de institucionalização da gestão de “recursos” hídricos nacionais . . . . . . . . 195.2. A crise mundial da água não enseja direito humano à água . . . . . . . . . 215.3. A água como direito humano: uma perspectiva de bem estar mínimo e sustentável. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

6. Metodologia da pesquisa e técnicas de trabalho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 236.1. Métodos dedutivo e indutivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 236.2. Obras de doutrina e sua avaliação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

6.2.1. Micro-análise: fatos e dados em textos informativos . . . . . . . . . . 256.2.2.: Monografias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

6.3. Conclusão do estado-da-arte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

7. Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

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Acrónimos

AG Assembleia Geral da ONU

AGCS Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços

AP Ação Pedagógica

CDI Comissão do Direito Internacional, da ONU

COP Conferência das Partes, na Conferência sobre as mudanças climáticas

DIP Direito Internacional Público

BIRD Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento = Banco Mundial

CIRDI Centro Internacional de Resolução de Disputas sobre Investimentos

FAO Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura

FIDA Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola

GATT General Agreement on Tariffs and Trade/ Acordo Geral sobre as Taxas

Alfandegárias e o Comércio.

OIC Organização Internacional do Comércio

OMC Organização Mundial do Comércio

ONG Organização Não Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

PAM Programa Alimentar Mundial (da FAO)

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

PRONAR Programa Nacional de Controle da Qualidade do Ar (Brasil)

RI Relações Internacionais

R-U Reino Unido

SG Secretariado Geral (da ONU)

UE União Europeia

EUA Estados Unidos de América

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNICEF Fundo Internacional das Nações Unidas para a Infância

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2. Objetivos

2.1. Objetivo geralO objetivo geral da pesquisa é estudar as realizações e impactos da burocracia internacional

facilitadora do “desenvolvimento sustentável” da era da Globalização, a partir de 1980; através da análise da produção textual por ela produzida

2.2. Objetivos específicos São objetivos específicos da pesquisa:a) Identificar divergências entre, de um lado, os textos de caráter jurídico ou aparentemente

normativo, definidores de políticas públicas ou de tendências prioritárias em assuntos de meio ambiente, que pareçam ter índole coercitiva, mas não recebem implementação, à luz, de outro lado, de textos de índole acadêmico-científica relativos aos mesmos assuntos, produzidos por instituições públicas ou privadas, internacionais ou nacionais.

b) Contribuir para uma revisão dos conceitos do senso comum (majoritário) em matéria de eficiência da burocracia das instituições internacionais.

c) Caracterizar o papel fiduciário das instituições: avaliar como elas constituem seu capital de confiança junto ao seu contexto social, notadamente graças aos mass mídia.

d) Evidenciar os limites da noção de “desenvolvimento sustentável”, confrontando-a com os dados, provas e evidências coletados na documentação já recolhida e em referencias futuras.

2.3. Relevância social do projeto:

O projeto aponta para diversos déficits das funções do Direito Internacional: no atual período da Globalização, iniciado em 1980, a prioridade outorgada aos assuntos comerciais e financeiros nas relações internacionais se fez em prejuízo de necessidades mais básicas que o comércio e as finanças. As questões de saúde pública e coletiva, de preservação das condições de existência da vida animal e vegetal, dos equilíbrios ambientais, foram contempladas por textos específicos cuja implementação não é considerada assunto relevante pelas instituições e suas instâncias de decisão.Essa falta de legitimidade do DIP já enseja manifestações e distúrbios sociais que não param de avultar desde as ocorrências de Seattle, de 29/11 a 3/12/1999. Mas para além de passeatas, são as condições de vida de centenas de milhões de pessoas que padecem da letargia do DIP em relação aos assuntos objeto do projeto.

2.4. Palavras-chave:

Relações Internacionais; Direito Internacional Público; Globalização; Instituições Internacionais e Meio Ambiente; Desenvolvimento Sustentável; Burocracias, Instituições Internacionais, Globalização.

2.5. Metas de produção acadêmica para o período do projeto:

As metas de produção podem reproduzir as contribuições efetivas do quinquênio vincendo: seis artigos (outros dois já foram entregues para publicação); um livro (outro, relativo às Funções dos tratados na era da democracia de mercado, tem previsão de publicação); dois capítulos de livro; um artigo de jornal; 3 publicações e um resumo em Anais

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de eventos; 6 apresentações de trabalhos; 32 participações em eventos como palestrante ou participante; 3 organizações de eventos.3. 0. Metas atingidas em relação à proposta anterior (2011-2016)

Publicações: seis artigos (outros dois já foram entregues para publicação até Dez. 2015); um livro (outro, relativo às Funções dos tratados na era da democracia de mercado, tem previsão de publicação até o fim do quinquênio de ref.); dois capítulos de livro; um artigo de jornal; 3 publicações e um resumo em Anais de eventos; Outros: 6 apresentações de trabalhos; 32 participações em eventos como palestrante ou participante; 3 organizações de eventos. 3 entrevistas em redes sociais; 3 prod. técnicas; disciplinas ministradas em duas instituições brasileiras (UFAL e UFSC) e uma estrangeira (Ocean University of China, Qingdao, P.R. of China).

3. Introdução A proteção do meio ambiente, em âmbito internacional, se realiza por meio de ações

específicas nas relações jurídicas: tratados, instituições, ações bilaterais ou multilaterais diplomáticas de natureza intergovernamental, iniciativas de associações privadas empresariais ou civis do tipo ONG –Organizações Não Governamentais- ou outras iniciativas, como certas fundações e atividades acadêmico-científicas. Este enunciado não é limitativo: é só levar em consideração a carta encíclica papal1, do mês de maio de 2015, relativa às questões socioambientais e seu considerável impacto político e social.

Optar pelos parâmetros jurídicos, compreender o emaranhado de situações e definir o número de elementos que podem ser considerados essenciais para explicar assuntos de meio ambiente, requer uma epistemologia particular, com enfoque que situa este projeto na seara dos Direitos Especiais que lidam com contextos incluindo diversos graus de complexidade. Deve-se considerar as disciplinas acadêmicas de Relações Internacionais e de Direito Internacional Público –DIP-, porém com enfoques e insumos metajurídicos.

O projeto lida com um subconjunto das relações, práticas e comportamentos de agentes burocráticos das relações internacionais a partir do início dos anos 1980, período comumente chamado de Globalização. Mais precisamente: o projeto lida com textos oriundos de agentes públicos e privados que lidam com a organização da globalização, em função de suas tarefas burocráticas nas instituições onde trabalham habitualmente. O enfoque é a identificação da maneira como uma burocracia internacional recente, posterior a 1945, já instituiu uma maneira específica de reger as relações internacionais a partir de questões postuladas como mais importantes e hierarquizadas em função de premissas que atendem os interesses de um número reduzido de categorias sociais. Nessa hierarquização, o “devido lugar” das questões ambientais assinala uma leviandade preocupante. Essas afirmações podem ser formuladas em razão de uma característica notável do trabalho burocrático: os textos produzidos engendram um efeito de credibilidade, seu aspecto fiduciário é essencial. Tanto as formulações precisas de recomendações da AG da ONU, sem efeito coercitivo, como as

1 Carta Encíclica Laudato si’ do Santo Padre Francisco sobre o cuidado da casa comum. Roma (Itália), 24/5/2015. 246 parágrafos. No seu capítulo V, parágrafos 163 a 188, o texto evoca, notadamente: ALGUMAS LINHAS DE ORIENTAÇÃO E AÇÃO: 1. O diálogo sobre o meio ambiente na política internacional. 2. O diálogo para novas políticas nacionais e locais. 3. Diálogo e transparência nos processos decisórios. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/. Acesso em 10/7/2015

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lacunas que tornam oco o conteúdo de inúmeros dispositivos “de meio ambiente” revelam que a burocracia internacional trabalha com seus objetivos e metas, que se tornam de uma grande precisão, com grande poder de coerção, quando os assuntos em pauta são os do comércio e da finança.

O subconjunto evocado privilegia as relações que impactam o meio ambiente, com o pressuposto de que essas relações já se tornaram um desafio dramático para as populações humanas; e com a constatação de que são insuficientes os esforços atualmente (ano de 2015) realizados para encaminhar soluções. Essa constatação pode resultar de análises e convicções de grupos minoritários, mas os majoritários já não sabem mais desqualificar de maneira convincente os argumentos apresentados pelos minoritários. A “Conferência do clima”, com os posicionamentos críticos dos cientistas/estudiosos, ilustra essa situação para o ano em curso (Dez. 2014/Dez.2015).

Os elementos mais relevantes das análises incluem as funções estatais e a burocracia, o caráter científico dos dados usados pelos decisores e outros envolvidos, como os cientistas, minoritários, porém incontornáveis, a fidedignidade dos dados jurídicos de instituições que nem sempre tipificam o caráter normativo dos textos que adotam ou divulgam.

4. Perspectivas teóricas

4.1. O contexto

4.1.1. Período de referência: a partir de 1945

A perspectiva posta como eixo principal do projeto conduz a considerar o Direito, as normas jurídicas de DIP, como insumos sociológicos e de ciência política. O enfoque partirá menos da análise das relações entre Estados, via seus representantes qualificados (diplomatas e funcionários públicos), e mais das outras pessoas e meios diretamente implicados na realização de “políticas públicas” internacionais; com base em hipóteses de trabalho relativas não apenas ao Direito em si, mas ao fato de saber se o Direito se dá os meios de se tornar um instrumento de intervenção real na vida socioambiental, ou seja, se ele cumpre o que parece prometer e promover. Em matéria jurídica de proteção ambiental, a própria existência de uma “mudança climática” constantemente invocada como um produto e uma causa autoevidentes de impactos violentos, questiona a validade de muitas medidas e enfatiza a vacuidade de constantes iniciativas estatais que “pareciam” lidar com o fenômeno, por se apresentarem como textos jurídicos, mas apenas reproduziam omissões crônicas.

A COP 21, próxima Conferência de Paris sobre as mudanças climáticas (30/11 a 4/12 de 2015) é exemplo de destaque neste assunto. O número de cientistas que “alertam” os responsáveis políticos, em particular os das instituições especializadas do “sistema das Nações Unidas”, cresceu a tal ponto que na conferência COP 20, em Lima (Peru, Dezembro de 2014), são eles que foram objetos dos maiores destaques da imprensa especializada. Isso ocorre em razão de suas denúncias relativas à premência da tomada de decisões eficientes e ao fato de que o texto final da conferência intergovernamental de Lima foi (por eles) avaliado como totalmente insuficiente e inadequado para enfrentar os desafios das mudanças climáticas e de seus inúmeros impactos. Na COP 21, as disputas em jogo são complexas.

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O documento final da COP 20, cauteloso e vago, determinava que as partes devem indicar o que pretendem, redigindo Cartas de Intenções Adotadas Nacionalmente (sigla em inglês: INDC). Reafirmava o princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas como recorrente ato de fé dos países pobres: os desenvolvidos devem financiar, capacitar e transferir tecnologias para os países em desenvolvimento. O princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, é uma quadratura do círculo. Significa, para as autoridades dos países “em desenvolvimento”, que são os países ricos que devem pagar a conta dos acertos climáticos, pois vêm poluindo há muito mais tempo; além de outros acertos. Os países ricos têm o objetivo político, de uns poucos anos para cá, de derrubar este mito: não querem pagar.

. Os diplomatas brasileiros propõem uma diferenciação concêntrica: “na qual os países se distribuiriam em bandas de compromisso, com possibilidade de transição de uma zona para a outra dependendo do contexto e das capacidades correntes de cada país”. Até que apareça um mecanismo de gestão eficiente de uma fórmula tão vaga, a ponto de poder ser aceito por todos, deve-se manifestar extrema cautela.

Ainda existe uma expectativa, no processo de negociações da COP 21, formulada como: Sem perdas líquidas (No net loss): mecanismo que objetiva acatar as emissões de gases de efeito estufa, desde que se definam compensações. É um “Mecanismo de Desenvolvimento Limpo”, ou: o mesmo que adotar/manter o princípio Pagador-Poluidor.

E quanto ao Fundo Verde do Clima e financiamento? Este, aprovado em 2010, na COP 16, em Cancun, estabelece dois mecanismos de financiamento: um de curto prazo chamado fast start (2011-2013) que nunca saiu do papel; e outro que tinha o objetivo de atingir US$ 100 bilhões anuais de 2013 a 2020. O Fundo começou a receber recursos somente em 2013: pouco mais de US$ 10 bilhões provenientes de 29 países.2

A título de comparação, só as subvenções outorgadas pelas autoridades dos países desenvolvidos às companhias petrolíferas, no ano de 2014, somam mais de 400 bilhões de dólares. Essas subvenções são pagos a mando de líderes políticos que afirmam constantemente que “o Estado não deve interferir na economia”...

4.1.2. Ideologia de referência: o desenvolvimento

Desenvolvimento é uma palavra que parece amplamente familiar mas que não resiste a um exame criterioso, como sói acontecer quando se lida com uma crença3. “Desenvolvimentismo” é uma palavra eventualmente usada para evocar os excessos na exploração dos recursos dos países “em (via de) desenvolvimento”, quer esses excessos resultem de decisões puramente nacionais ou associadas a ações exteriores/coloniais, ou de políticas colonialistas, “pós-coloniais” ou não. Porém é uma palavra ultrapassada desde os anos 1980, no contexto de uma globalização ultraliberal que pressionou a curva ascendente de destruição dos recursos naturais e das condições de sua realização, até torná-la vertical.

O desenvolvimentismo dava uma sensação de falta de ar. Já parecia absurdo, mas foi substituído por um novo tipo de produtivismo que, à falta de palavra operacional, pode ser 2 As informações destes parágrafos foram resumidas a partir de um texto de: SANTOS, Maureen. Entenda a COP 21 e as disputas em jogo. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/541630, acesso em: 13/4/2015.3 RIST, Gilbert. Le développement. Histoire d’une croyance occidentale. Paris: Presses de Sciences Po. 2 Ed. 2001. 442 p.

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chamado de “crescimentismo”4: destruição dos recursos + seu desperdício + resíduos irrecuperáveis e tóxicos + poluições crônicas prejudiciáveis às condições de manutenção da vida. Passou-se da falta de ar à garantia da asfixia. O crescimentismo multiplica as escalas de exploração e os efeitos dos empreendimentos agrícolas, minerários e industriais atuais, face a normas ambientais que já tentaram apresentar-se como garantias mas que estão sucumbindo frente aos efeitos letais de um princípio que foi subvertido: a não regressão das normas em matéria ambiental. Mas quem se lembra da intervenção de Sônia Guajajara na COP 16, em Cancun, México? Poderia ser a Senadora Kátia Abreu, hoje Ministra da Agricultura, na oportunidade laureada com o Prêmio Motosserra de Ouro, entregue pela então COIAB –Confederação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira- em razão de sua “contribuição dada ao aumento do desmatamento na Amazônia”? 5

O desenvolvimento poderia ser sustentável? As respostas a esta pergunta certamente não seriam de fácil formulação. Algumas delas são objeto de reflexões nas obras resenhadas na parte final do projeto. No contexto atual da Globalização, em todo caso, não há como responder afirmativamente. Em um mundo que adora evoluir à sombra de paradigmas científicos sem, no entanto, se curvar muito aos pré-requisitos registrados na obra A Estrutura das revoluções científicas, de Thomas Kuhn, já se aceita considerar o paradigma do “Antropocena”, como nova era específica da história da humanidade, com início marcado nas primeiras manifestações da revolução industrial. A partir do início do século XVIII, as invenções e intervenções humanas alteraram de tal maneira o meio ambiente que estaria configurado um novo período específico da história da humanidade.

Os números comprovam: em relação a 1750, em razão das emissões humanas, a atmosfera “enriqueceu-se com 150% de metano, 63% de protoxido de azoto e 43% de dióxido de carbono. A concentração deste passou de 280 partículas por milhão (ppm) na véspera da revolução industrial a 400 ppm em 2013, ou seja um nível sem igual desde três milhões de anos.No mesmo período, a biodiversidade conheceu um desmoronamento cujo ritmo é de cem a mil vezes mais rápido que o ritmo biológico normal. A gravidade da situação é tal que os biólogos falam da “sexta extinção maciça” desde o aparecimento da vida na terra –sendo a quinta a dos dinossauros. Finalmente, os ciclos biogeoquímicos da água, do azoto e do fosfato alteraram-se fortemente. A título de exemplo, 45 000 barragens de mais de 15 metros de altura represam atualmente 15% do ciclo hidrológico dos rios do planeta6.

Entretanto, o que parece óbvio em diversas esferas do conhecimento não engendrou revoluções semelhantes na concepção do mundo como unidade de administração e de gestão sob a batuta de uma abrangente burocracia administrativa. Fala-se em aldeia global, em 4 BRZEZINSKI, Maria Lúcia Navarro Lins. Para entender Belo Monte: a história de uma usina hidrelétrica contada pelo jornal O Estado de S. Paulo. In: Christian Guy Caubet (org.); Maria Lúcia Navarro Lins Brzezinski. Além de Belo monte e das outras barragens: o crescimentismo contra as populações indígenas. Cadernos IHU- Instituto Humanitas Unisinos; Universidade do Vale do Rio dos Sinos n. 47 (2014). São Leopoldo: IHU/Unisinos, 2a ed., 102 pp. Conforme p. 28-32: Índios e licenças como ameaças ao crescimento brasileiro.5 ARRISI, Bárbara Maisonnave. Índios versão 20 ponto 11. O Estado de S. Paulo.17/4/2011. Caderno J, p.6. Coluna 36 LE MONDE DIPLOMATIQUE. Manuel d’histoire critique. De la révolution industrielle à nos jours. Coordonné par Benoît Bréville et Dominique Vidal. Paris: Le Monde Diplomatique. 2015, p 176.

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globalização, em parâmetros neoliberais aplicáveis às trocas mundiais como mercado amplamente unificado, mas não se percebe que essas abstrações, que qualificam relações práticas, só possuem uma vida efetiva em razão de motores que engendraram novas relações estatais, mantendo parte das antigas. Um desses motores é o Direito. Elaborar normas jurídicas e não aplica-las é uma prática essencial do mundo globalizado, i.é: das instituições que obram para globaliza-lo; eventualmente contra as instituições que obram em promover o Direito e sua implementação, como a CDI. De que adianta a CDI ter trabalhado 25 anos para elaborar seus relatórios sobre o uso das águas internacionais para fins distintos da navegação, se a “Comunidade internacional”, via ONU, adota o fruto de seu trabalho (Convenção de Nova York, adotada pela ONU em 1997) e leva outros 25 anos para promover a vigência dessa convenção? Poucos ainda indagam publicamente:

Pode o Direito Internacional impor essas normas e processos aos Estados ribeirinhos ou força-los ou apontar para aqueles Estados para aceita-las? Até que ponto o direito existente, ou as propostas para sua codificação ou desenvolvimento progressivo avançados pela Associação de Direito Internacional (ILA) e, mais recentemente, pela Comissão de Direito Internacional (CDI), contribuem ao objetivo de uso ótimo e equitativo?7

Menos ainda são as pessoas que chamam a atenção para a crise de legitimidade que passou a afetar o conjunto do sistema, eivado do vício de carência de implementação de seu próprio Direito.

4.2. Estado e burocracia: o falso ciclo galinha-ovo e a neo-estatização das RI

A burocracia internacional é autora majoritária de um grande número de normas e de similinormas das relações internacionais, sem que este fenômeno seja objeto da devida atenção. Por similinormas, assinalam-se elaborações textuais que reproduzem o estilo típico da redação jurídica, sem que o resultado constitua uma norma jurídica; porém induz o leitor a pensar que se depara com um tipo de obrigação. Não procede a crítica que alegaria que se os profanos (os leitores) não conseguem identificar uma norma, é mais um motivo para “recorrerem a um advogado” ou, no caso de relações internacionais, a um docente de DIP. Pois está “público e notório” que as “normas” de DIP chegam a funcionar de maneira tão pouco coercitiva que já se inventaram expressões como soft law ou standards para dar conta de uma das quadraturas do círculo normativo: como explicar que uma norma possa ser de Direito e não produzir efeito obrigatório?

4.2.1. Hipótese de trabalho

7 Can international law impose such norms and procedures on the riparian states or constrain or prod those states to accept them? To what extent does existing law, or proposals for its codification and progressive development put forward by the International Law Association (ILA) and, most recently, the International Law Commission (ILC), contribute to the goal of optimal and equitable utilization. BENVENISTI, Eyal. Collective Action in the Utilization of Shared Freshwater: The Challenges of International Water Resources. The American Journal of International Law, Vol. 90, No. 3 (Jul., 1996), pp. 384-415 Published by: American Society of International Law. http://www.jstor.org/stable/2204064 Accessed: 13-08-2015

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É hipótese de trabalho deste projeto verificar o fato de que uma nova estrutura burocrática estatal-internacional está engendrando uma “neo-estatização” em âmbito internacional. Retoma-se a assertiva de Pierre Bourdieu em relação à burocracia e ao Estado-Nação, para aplica-la à burocracia e às formas neoliberais de agenciamento das RI.

Eu gostaria de tentar verificar essa proposição segundo a qual é a constituição de instâncias burocráticas autônomas em relação à família, à religião, à economia que é a condição do surgimento do que se chama Estado-nação, a partir do processo pelo qual essa constituição progressiva se operou. Como se construiu essa ficção jurídica que consiste essencialmente em palavras, em modos de organização, etc.?8

Esta é a indagação, e sua prudente formulação, que cabe aplicar aos modelos de relação que as burocracias internacionais tratam de inventar para o mundo neoliberal globalizado. Esses modelos são às vezes implícitos e diversos aspectos de suas feições serão expostos no projeto.

Pode-se considerar a gênese do Estado a partir da burocracia que o destilou; pois não é o Estado que produz a burocracia, mas o labor de administradores dedicados, muitas vezes legistas, que produz o Estado. Este aparente paradoxo servirá de ponto de partida às reflexões ulteriores deste projeto, no qual a “realidade social” considera o Estado e a burocracia de maneira análoga à que Pierre Bourdieu evocava ao descrever a “física” e a “fenomenologia” sociais:

Grupos e classes sociais estão por fazer. Não estão dados na “realidade social”, [..] . Mas isso não quer dizer que não seja possível construir qualquer coisa, de qualquer modo, nem na teoria nem na prática.Passamos então da física social para a fenomenologia social. A “realidade social” de que falam os objetivistas também é um objeto de percepção. E a ciência social deve tomar como objeto não apenas essa realidade, mas também a percepção dessa realidade, as perspectivas, os pontos de vista que, em função da posição que ocupam no espaço social objetivo, os agentes têm sobre essa realidade. Tanto as visões espontâneas do mundo social, as folk theories de que falam os etnometodólogos, ou o que chamo de sociologia espontânea, bem como as teorias eruditas e a sociologia, fazem parte da realidade social e, como a teoria marxista, por exemplo, podem adquirir um poder de construção absolutamente real.A ruptura objetivista com as prenoções, com as ideologias, com a sociologia espontânea, com as folk theories, é um momento inevitável, necessário, do trabalho cientifico –não se pode dispensá-lo, como fazem o interacionismo, a etnometodologia e todas as formas de psicologia social, que se apegam a uma visão fenomenal do mundo social, sem se expor a graves erros. Mas é preciso operar uma segunda ruptura, mais difícil, com o objetivismo, reintroduzindo, num segundo momento, o que se precisou descartar para construir a realidade objetiva.9

Como pré-requisito da análise das formas de gestão do mundo globalizado do século XXI, o analista depara-se com os práticas relacionais da Globalização desde o início dos anos 1980. Os marcos simbólicos de referência são os dos mandatos do Presidente Ronald Reagan (EUA)

8 BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. Cursos no Collège de France (1989-92). São Paulo: Companhia das Letras. 2014. p. 729 BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense. 2004, p. 156-157.

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e da Primeira Ministra Margareth Thatcher (R-U). Em 35 anos, instalou-se, paralelamente ao núcleo da ONU (que nasceu com uma finalidade que não era a de fazer a globalização comercial), uma burocracia que operacionalizou a Globalização, à imagem do que ocorreu quando a burocracia das monarquias europeias e asiáticas criou o Estado como forma de organização social. Está tão certo que a ONU não foi criada para operar a globalização comercial, que a OIC –Organização Internacional do Comércio - proposta fora do ambiente da ONU, não vingou quando da tentativa de cria-la, em reunião denominada Conferência Internacional sobre Questões Monetárias e Econômicas. Mas A OIC não vingou, a não ser nas feições do GATT, apesar de algumas fortes convicções em sentido contrario,

A primeira conferência visando ao estabelecimento da OIC, foi realizada em outubro de 1946, em Londres, e CLAIR WILCOX, chefe da delegação americana, textualmente, declarava: “Entre as muitas tarefas da reconstrução econômica que ainda restam, a nossa é sob todas as formas a mais importante. […] Se a nossa ordem política e econômica devem ser reconstruídas, nós então precisamos prover, em nossa carta de comércio mundial, as sólidas fundações sobre as quais a superestrutura da cooperação internacional deve repousar.”10

Pierre Bourdieu oferece uma reflexão interessante sobre o Estado, nas aulas que ministrou no Collège de France de 1989 a 1992. O resultado apareceu em obra impressa após seu desaparecimento, ocorrido em março de 2003. Essa obra é parte importante de um legado que não precisa ser enfatizado. O autor parte de constatações elementares relativas à definição do Estado11.

Os dois sentidos da palavra “EstadoNos dicionários, há duas definições do Estado que são justapostas: Estado 1 no sentido de aparelho burocrático de gestão dos interesses coletivos, e Estado 2 no sentido de âmbito em que a autoridade desse aparelho se exerce (p. 64-65).O dicionário de filosofia clássica de Lalande retoma as duas definições na ordem seguinte: definição 1: ‘Sociedade organizada tendo um governo autônomo e representando o papel de uma pessoa jurídica distinta com respeito a outras sociedades análogas com as quais está em relação’. Em outras palavras, a definição 2 tornou-se a definição 1. Definição 2: ‘O conjunto dos serviços gerais de uma nação, o governo e o conjunto da administração’. Na hierarquização dessas duas definições, ha uma filosofia do Estado que todos nós temos em mente e que é, parece-me, a filosofia implícita subjacente à distinção Estado/serviço público. A visão do Estado como conjunto de pessoas organizadas que mandatam o Estado é a visão tacitamente democrática da sociedade civil da qual o Estado se aparta, nas más ocasiões (quando se fala de sociedade civil, é para dizer que o Estado deveria lembrar-se da existência da sociedade civil) (p. 65-66).Essa visão democrática é completamente falsa e o que eu gostaria de demonstrar [...] é que o Estado, no sentido de ‘conjunto de serviços de uma nação’, é que faz o Estado no sentido de ‘conjunto de cidadãos com uma fronteira’. Há uma inversão inconsciente das causas e dos efeitos, típica da lógica do fetichismo, uma fetichização do Estado que consiste em fazer como se o Estado-nação, o Estado como população organizada, existisse

10 SATO, Eiiti. Mudanças estruturais no sistema internacional: a evolução do regime de comércio do fracasso da OIC à OMC. (2001). https://scholar.google.com.br/ Acesso em 13/7/201511 BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. Cursos no Collège de France (1989-92). São Paulo: Companhia das Letras. 2014, p. 64 a 66.

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primeiro, ao passo que a tese que eu gostaria de avançar e de pôr à prova, de uma espécie de história da gênese do Estado em duas ou três tradições, é a ideia inversa; isto é, a de que há um certo número de agentes sociais – entre os quais, os juristas- que representaram um papel eminente, em especial os detentores desse capital de recursos organizacionais que era o direito romano. Esses agentes construíram progressivamente essa coisa que chamamos o Estado, ou seja, um conjunto de recursos específicos que autorizam seus detentores a dizer o que é certo para o mundo social em conjunto, a enunciar o oficial e a pronunciar palavras que são, na verdade, ordens, porque têm atrás de si a força do oficial (p. 66).

Essa longa citação talvez pudesse ser dispensada se não estivesse em jogo a analogia que se pretende fazer entre a formação plurissecular dos Estados nacionais (dos séculos XIII a XVIII) e a gênese atual de formas organizacionais em âmbito mundial. A maioria dos cientistas políticos concorda com a gênese do Estado na fase final da Alta Idade Média, mesmo que com reticências à noção de fetichização ou às restrições aplicadas à democracia pelo autor. São ideias que também perpassam as trinta páginas dedicadas pelo Dicionário de Política “de Norberto Bobbio” à questão do Estado12. É notável que, nesta obra, o assunto Estado Contemporâneo seja primeiro abordado através de aspectos circunstanciais ligados a períodos ou práticas específicos, antes da apresentação, in fine, do trabalho de Pierangelo Schiera dedicado ao “Estado Moderno” (p. 425-431). Este autor observa a mesma evolução do Estado/administração interna ao Estado/representação externa. O encontro entre os “movimentos” políticos e econômicos, opostos, do papado e dos monarcas,

[...] realizou-se bastante lentamente num primeiro plano, espacial, constituído pelo ‘território’: extensão física suficientemente ampla de terreno, de modo a permitir a crescente integração de interesses e de relações entre grupos vizinhos e a receber o reconhecimento e a disciplina institucional. É a passagem que Theodor Mayer sinteticamente definiu na tese ‘do Estado para associações pessoais ao Estado territorial institucional” (Personenverbandstaat e Institutioneller Flaechenstast).[Em seguida, ainda haverá] a passagem do senhorio terreno (Grundherrschaft) à soberania territorial (Landeshoheit), através do Landesherrschaft.Finalmente, a relegação a plano secundário das forças religiosas permitiu a ascensão do poder temporal.] Não foi por acaso que o Terceiro Estado ofereceu ao príncipe, em sua maioria, os ‘auxiliares’ de que se serviu para fundar, teoricamente, e colocar em ato, concretamente, sua nova soberania.13

A “burocracia internacional” não é apenas a que nasceu a partir da ONU. Os funcionários públicos internacionais são um dos vetores do núcleo ativo da elaboração dos parâmetros institucionais da globalização. Eles fornecem destacada participação na elaboração dos fios condutores, para um vasto público internacional que participa de reuniões, conferências, negociações, congressos, mesas de trabalho, secretarias etc... de um número considerável de instituições. São essas numerosas instituições, como está ilustrado no item II.3., infra, que induzem os meio e formas que estruturam as RI.

12 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 5a Ed. Brasília: Editora UnB; Imprensa Oficial, 2000, vol.1, p. 401-431.13 Op. cit. p. 426

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As instituições, o que são? São o fiduciário organizado, a confiança organizada, a crença organizada, a ficção coletiva reconhecida como real pela crença e, por isso, tornando-se real. Evidentemente, dizer de uma realidade que ela é uma ficção coletiva é uma maneira de dizer que isso existe fantasticamente, mas não como acreditamos que exista. Há profusões de realidades das quais o sociólogo é levado a dizer que elas não existem como se crê que existam, para mostrar que existem mas de maneira totalmente diferente – o que faz que as pessoas guardem sempre a metade de minha análise e me façam dizer o contrário do que eu quis dizer.[...] As instituições são o fiduciário organizado e dotado de automatismos. O fiduciário, uma vez que é organizado, funciona como um mecanismo. [...] Fala-se de mecanismo para dizer que são processos regulares, repetitivos, constantes, automáticos, que reagem ao modo de um automatismo. Esse fiduciário existe independentemente das pessoas que habitam as instituições consideradas.14

São esses automatismos que permitem que as mais de dez mil páginas do tratado de Marraquech, constitutivo da OMC, façam sentido. Sua redação não dependeu de um escriba único nem de um grupo reduzido de coautores. Centenas de pessoas trabalharam com base em referencias unificadas, ideologicamente coerentes, para elaborar um texto que não está sujeito a questionamentos de conjunto; mesmo que haja divergências de interpretação, como sempre ocorre em matéria jurídica. Os tribunais que decidam. E, em nome de automatismos novos, é normal que nasçam tribunais internacionais, como o CIRDI – Centro Internacional de Resolução de Disputas sobre Investimentos, oriundo da Convenção de Washington de 1965 em função de uma “ideia” surgida no Banco Mundial. Também deve ser resultado de automatismos , o fato de

o teor de algumas discussões travadas nas reuniões preparatórias e o texto final da Convenção justamente com as notas explicativas elaboradas pelos diretores executivos do Banco mundial ensejaram algumas dúvidas sobre a neutralidade e a imparcialidade do sistema do CIRDI. De um lado, a Convenção possui um caráter declaratório, deixando a maioria das decisões a cargo da manifestação voluntária das partes, o que contemplaria o respeito à soberania dos Estados. Do outro, verificou-se que a redação das disposições é demasiado ampla, a ponto de permitir interpretações extensivas, muitas vezes explicitamente rejeitadas pelos países em desenvolvimento nas reuniões preparatórias15.

4.2.2. Em resumo

Os elementos deste projeto já somam os seguintes assuntos: adequação (ou não...) das normas jurídicas internacionais aos problemas de meio ambiente que elas pretendem resolver, leque de atores: estatais, pesquisadores e cientistas, ONG, funcionários de organizações e outras instituições internacionais, públicas e privadas. O estudo pretende polarizar-se em torno de questões de normas de DIP relativas a assuntos precisos, em que as normas jurídicas, às vezes complexas, parecem suficientemente elaboradas, foram objeto de negociações e ensejaram mecanismos jurídicos precisos, mas os

14 BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. Op. cit. p. 7115 COSTA, Larissa. Arbitragem internacional e investimentos estrangeiros. São Paulo: Lawbook Edições. 2007, p. 256

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resultados esperados não só não se produzem, mas se constata que o contexto atual passou a ser muito pior que o que deveria ter sido remediado pela adoção dessas normas elaboradas.

Existe hoje em dia um número elevado, majoritário, de problemas que passaram a ameaçar a qualidade de vida das populações do planeta, apesar de serem objetos de tratados, às vezes de diversos tratados complementares, que não produzem os efeitos “previstos”. Uma lista não exaustiva incluiria, de maneira apenas ilustrativa: a qualidade da água e o acesso à água, proclamado Direito Humano pela ONU, mas sem efeito concreto; a pesca e a depleção progressiva de estoques e espécies marinhas; as condições da produção agrícola (abuso de agrotóxicos; uso de biotecnologias como a transgenia; criação intensiva de espécies para finalidade de consumo humano; usurpação de terras para finalidade de cultivos de exportação – land grabbing- em prejuízo das culturas de subsistências de populações locais desamparadas; exploração de recursos minerais em condições incompatíveis com a preservação das condições de vida das populações; transportes internacionais de mercadorias de todas espécies e de insumos formalmente excluídos do transporte internacional, por tratados, como os resíduos industriais tóxicos e perigosos, exportados das áreas industriais, para países sem proteção alguma, às centenas de milhares de toneladas/ano; poluentes orgânico-persistentes.

4.3. A teoria aplicada à temática do projeto

A metodologia de trabalho leva em consideração o conjunto de exigências formuladas a partir da elaboração dos objetivos: confrontar as normas jurídicas, seu conteúdo, metas assumidas e implementação, com os resultados verificados de maneira científica. Portanto, é necessário identificar normas e estudá-las, assim como identificar ocorrências relevantes que permitam estabelecer os parâmetros de realidade da norma aplicada (ou não...) no mundo social. Entende-se por “realidade das normas” o conjunto e contexto de fatos que autorizam afirmar que a norma “corporificou-se” em práticas sociais. Este é um desafio pouco enfrentado pelos estudiosos do DIP; e pelos estudiosos do Direito em geral.

4.3.1. A confusão das práticas fomenta a teia político-jurídica dos textos internacionais

Podem-se ilustrar algumas das dificuldades de usar essa metodologia com as práticas da ONU relativas à adoção frequente de textos não-jurídicos publicamente apresentados de maneira ambígua em relação à sua força executória. Esses textos são declarações, proclamações, Cartas, relatórios, balanços, inquéritos, investigações et alii, que informam sobre determinados assuntos e chegam a propagar convicções (formar opiniões públicas) favoráveis à “imagem” de instituições; porém sem terem valor jurídico no sentido de sua adoção formal como texto obrigatório e sujeito a implementação, com prazos, atribuições, autoridades responsáveis e formas de coerção. Um texto “adotado pela ONU” recebe um grande crédito público por diversos motivos, um dos quais é de ser propagandeado pelos mass media (meios de comunicação de massa) como se efetivos fossem e garantissem, como comportamentos obrigatórios, os conteúdos que enunciam.

Esse perigo, de muitas recomendações da AG permanecerem inócuas, foi analisado de há muito. Na área financeira, por exemplo,

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A atitude de nítida hostilidade do BIRD [em relação ao aceite formal da primazia das decisões dos órgãos da ONU e da aplicação das recomendações da AG] acarretou longa controvérsia jurídica com o Secretário Geral da ONU.O Banco Mundial negou-se, nos anos 1966/67, a implementar as resoluções da AG pedindo que todos se abstivessem de fornecer qualquer assistência aos governos português e sul-africano. Arguiu com base em suas obrigações estatutárias e na sua independência institucional em relação à ONU. [...]De fato, a vontade exacerbada do banco de manter sua independência –perfeitamente fundamentada em direito- pode parecer politicamente muito contestável quando isso a leva a dar seu apoio de facto a Estados que se colocaram fora de uma certa legitimidade internacional16.

Existe outra área em que as decisões dos órgãos políticos, de decisão, da ONU, estão recebendo críticas agudas: a das questões militares e de ingerências militares de Estados membros. Este assunto, pela sua abrangência, não está incluído no projeto.

Nos assuntos de meio ambiente, emparedados em áreas marginais em relação ao comércio e às finanças, pelas decisões e omissões dos órgãos políticos da própria ONU, os textos carentes de força jurídica continuam gerando um interesse relativo. Um teste interessante, entretanto, poderá ser feito com a “última” agenda da ONU, dita Agenda 2030, sobre o desenvolvimento (no caso, dito “sustentável”), agora relativa a um período posterior a 2015:

O processo de chegada à agenda de pós-desenvolvimento é conduzido por Estados membros com ampla participação de Grupos Maiores e outros participantes da sociedade civil.Houve inúmeros insumos na agenda, notadamente um conjunto de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos por um grupo de trabalho aberto da Assembleia Geral, o relatório de um grupo intergovernamental de peritos em financiamento, diálogos na AG sobre facilitação de tecnologia e muitos outros.A Assembleia Geral pediu que o Secretário Geral sintetizasse o alcance total dos insumos e apresentasse um relatório de síntese antes do fim de 2014 como contribuição às negociações intergovernamentais no caminho para a Cúpula.17

16 EISEMANN, Pierre Michel. Article 48. In COT, Jean-Pierre; PELLET, Alain. La Charte des Nations Unies. Commentaire article par article. Paris; Bruxelles: Economica. 1985, p. 751 e 753. Pode-se citar: “Artigo 48. 1. A ação necessária ao cumprimento das decisões do Conselho de Segurança para manutenção da paz e da segurança internacionais será levada a efeito por todos os Membros das Nações Unidas ou por alguns deles, conforme seja determinado pelo Conselho de Segurança.2. Essas decisões serão executas pelos Membros das Nações Unidas diretamente e, por seu intermédio, nos organismos internacionais apropriados de que façam parte.” Texto in: BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto n.19.841, de 22 de outubro de 1945. Promulga a Carta das Nações Unidas, da qual faz parte integrante o anexo Estatuto da Corte Internacional de Justiça, assinada em São Francisco, a 26 de junho de 1945, por ocasião da Conferência de Organização Internacional das Nações Unidas.17 The process of arriving at the post 2015 development agenda is Member State-led with broad participation from Major Groups and other civil society stakeholders.There has been numerous inputs to the agenda, notably a set of Sustainable Development Goals (SDGs) proposed by an open working group of the General Assembly, the report of an intergovernmental committee of experts on sustainable development financing, GA dialogues on technology facilitation and many others.The General Assembly called upon the Secretary-General to synthesize the full range of inputs and to present a synthesis report before the end of 2014 as a contribution to the intergovernmental negotiations in the lead up to the Summit.

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Esse texto integra uma estratégia de comportamento, muito além de uma estratégia de comunicação pública, que possui diversas funções de legitimação. Essas funções beneficiam a ONU, suas instituições, as tarefas que executam; criam expectativas dos receptores das mensagens e engendram sua boa vontade, comportamentos básicos da relação emissor-receptor, fundamentais para produzir e reproduzir relações sociais estáveis, e particularmente relações de dependência. A noção de desenvolvimento, agora dito sustentável, não será analisada em termos de obrigação jurídica, pois até agora existe consenso: seus objetivos são econômicos e seus meios políticos; não é um texto normativo. A noção voltará a ser considerada após mostrar, de um ponto de vista teórico, elementos da função gestora da burocracia internacional.

4.3.2. Funções da burocracia de instituições internacionais

À Agenda 2030 incumbe suceder desgastadas agendas anteriores que foram utilizadas enquanto rendiam credibilidade. A noção de “desenvolvimento econômico” vingou nas relações entre Estados e Nações, e na disciplina de Relações Internacionais, a partir da Declaração do Presidente dos EUA que a engendrou “conceitualmente”. Desgastada por décadas de disfunções finalmente transformadas em críticas convincentes, a noção foi sublimada no “conceito de desenvolvimento sustentável”. Conheceu avatars como os “Objetivos do Milênio”. Necessita de reformas cosméticas para encontrar novo fôlego. Esta é uma das tarefas precípuas das burocracias internacionais: inventar uma aparência de novidade para reproduzir as crenças atuais e os comportamentos que elas engendram. É um aspecto essencial de produção de crenças, convicções e adesão a modelos e, simultaneamente, de sua divulgação, em que as burocracias internacionais oficiam e podem ser analisadas à luz das categorias de Pierre Bourdieu, como a da “denúncia das mitologias intelectuais”:

Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron criticam os intelectuais que anunciam a transformação do homem contemporâneo em um novo homem, produzido pela força dos meios de expressão que ele próprio criou. Neste contexto, o poder da imagem emergiria em detrimento do verbo, assumindo uma nova “condição cósmica “ (Morin, 1969, p.191). Assim as massas ingressariam numa nova civilização instituída pela mídia, na qual as pessoas não teriam a consciencia dessa ingresso.18

As pessoas que inventam uma nova agenda para o mundo (nada menos) encontram-se na posição de Autoridades Pedagógicas, por se beneficiarem de uma posição privilegiada de emissores-divulgadores, colocados de antemão como detentores originários legítimos das opções já realizadas. A releitura de páginas específicas de Bourdieu sobre a Ação Pedagógica –AP- evidencia o fator de poder inerente à posição de emissor de mensagens em relação à

ONU BRASIL. Países chegam a acordo sobre nova agenda de desenvolvimento pós-2015. Informe da ONU Brasil; EcoDebate, 04/08/2015. Disponível em: http://www.ecodebate.com.br/2015/08/04/paises-chegam-a-acordo-, acesso em 04/08/2015. O texto refere-se ao documento: Transforming our world: the 2030 agenda for sustainable development, , 1st August 2015, disponível em: https://sustainabledevelopment.un.org/post2015. 18 MIRANDA, Luciano. Pierre Bourdieu e o campo da comunicação : por uma teoria da comunicação praxiológica. Porto Alegre : EDIPUCRS. Coleção Comunicação-34. 2005. P. 22

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massa de receptores; e não apenas nas relações escolares ou de mestre para alunos em geral. O Grau Zero do raciocínio de Bourdieu reside na definição da Violência Simbólica:

0. Todo poder de violência simbólica, i.é. todo poder que consegue impor significações e a impô-las como legítimas dissimulando as relações de força que fundamentam sua força, acrescenta sua própria força, i.é, propriamente simbólica, a essas relações de força. [...]1. Do duplo arbitrário da Ação Pedagógica.1. Toda ação pedagógica (AP) é objetivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por um poder arbitrário, de um arbitrário cultural19.

Ocorre que os autores da recém-divulgada Agenda 2030, que não são as pessoas que representam os Estados na AG –Assembleia Geral- da ONU, desempenham o papel de AP em relação a todos os agentes de RI que recebem sua mensagem e, por diversos motivos, a retomam e transmitem para seus próprios públicos. Dessa maneira, um texto que não possui nenhuma força obrigatória, passa a difundir a crença de que existe um consenso “da ONU” em relação ao conteúdo textual veiculado. Os mass mídia ampliam o impacto do texto, ao comentá-lo como se representasse um consenso universal carimbado pela ONU; independentemente de ser um texto jurídico ou não. São agentes burocráticos de um sistema parcialmente mundial que decidem, dentro dos parâmetros próprios das práticas onusenses [i.é: da ONU], acender novo farol que deve nortear as crenças das populações letradas.

4.3.3. Facetas da legitimidade jurídica

Um aspecto importante do assunto é que as ambiguidades da comunicação entre autores-emissores-divulgadores dos textos de referência e o público-receptor incluem os textos não-jurídicos e as normas jurídicas em um mesmo limbo e uma mesma opacidade. Com efeito, os emissores muito raramente comentam ou divulgam a natureza, se jurídica ou não, dos textos que emanam de “Autoridades” da ONU e de outras instituições.

O direito limita-se a consagrar simbolicamente, por um registro que eterniza e universaliza, o estado das relações de forças entre os grupos e as classes que produz e garante praticamente o funcionamento de tais mecanismos. Por exemplo, além da distinção entre a função e a pessoa, entre o poder e seu detentor, ele registra e legitima a relação estabelecida, em determinado momento do tempo, entre diplomas e cargos (em função do bargaining power dos vendedores e compradores da força qualificada de trabalho, isto é, garantida do ponto de vista escolar) e materializada em determinada distribuição dos ganhos materiais e simbólicos atribuídos aos detentores (ou não detentores) de diplomas. Assim, ele fornece a contribuição de sua própria força, isto é, propriamente simbólica, à ação do conjunto dos mecanismos que permitem fazer a economia da reafirmação contínua das relações de força pelo uso declarado da força.20

19 BOURDIEU, Pierre e PASSERON, Jean-Claude. La reproduction. Eléments pour une théorie du système d’enseignement. Paris: Les Editions de Minuit, 1970, p. 18 e 19.20 BOURDIEU, Pierre. A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos. São Paulo: Zouk, 2a Ed., 2004, p. 199.

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A legitimidade, comum denominador entre a decisão politica e o Direito, exige que decisões de consenso tomadas no âmbito da AG sejam levadas em consideração, com seriedade, i.é com vontade e constância, no intuito de sua implementação. Do contrário, a carência de legitimidade solapa a credibilidade da instituição. A credibilidade da ONU, que enseja, há anos, críticas e denúncias, está hoje muito enfraquecida. Um dos motivos dessa perda de credibilidade é o uso que fez, ou deixou de fazer, do DIP. Continuam muito atuais as críticas proferidas em 1938 por um professor que só podia, à época, referir-se à liga das Nações:

O Direito Internacional pode ser, em si, uma pequena ciência bem arrumada, mas se falhar em ter utilidade para guiar as políticas dos Estados em assuntos de momentos sérios, o jurista internacional só pode ser preocupado com seu estudo. É com excessiva frequência, no passado, que ele assumiu a atitude que o mundo está defasado com seu direito, e é com excessiva raridade que ele considerou o ponto que é possivelmente sua ciência que deve ser, em parte, censurada. 21

Este ano de 2015 deu um exemplo de como a ONU pode precipitar seu declínio em matéria de decisões políticas na área ambiental.

Do ponto de vista da proteção do patrimônio ambiental do planeta Terra, o ano de 2015 começou em dezembro de 2014, em Lima, e termina em 4 de dezembro, em Paris, na COP – Conferência das Partes- 21. No mês de dezembro de 2014, a conferência internacional intergovernamental COP 20, em Lima (Peru), testemunhou a gênese política do “grupo dos cientistas”: os que criticaram, com veemência, de seu ponto de vista de cientistas, os resultados (ineptos) que o estamento político “do planeta” pretendia ter alcançado. Isso ocorreu no momento em que o estamento político anunciava, em tom de regozijo, os “progressos” consolidados das negociações em torno do clima. Segundo os cientistas que estudam a questão das mudanças climáticas, é duvidoso que ainda seja possível concretizar o objetivo da COP –Conferência das Partes- em matéria de luta contra as alterações climáticas. Esse objetivo é o de que os esforços mancomunados de todas as populações do mundo consigam limitar o aumento do aquecimento total do planeta em não mais de dois graus centígrados, até o ano de 2030, em relação à temperatura média observada no início do século XVIII, época da revolução industrial. Esse resultado já não pode ser alcançado: a luta contra os abusos da Economia do Carbono não ensejou decisões práticas eficientes.

Os resultados a serem anunciados em Paris continuarão enfatizando o êxito progressivo das negociações e a proclamar o consenso de todos os representantes de Estados em torno de objetivos cada vez mais precisos; porém ainda longe de configurar as garantias que o Direito deveria dar a todos os interessados. Particularmente aos habitantes dos países arquipelágicos de Tuvalu e Vanuatu, cujo território está afundando no oceano Pacífico e que

21 International law may be a neat little science within itself, but if it fails to be of service in guiding the policies of states in matters of grave moment, the international lawyer cannot but be alarmed for his study. Too often in the past he has assumed the attitude that the world is out of step with his law, and too seldom has he considered the point that perhaps his science is partly to blame. PAYSON, S. What is the Trouble with International Law? The American Political Science Review, Vol. 32, No. 3 (Jun., 1938), pp. 478-494 Published by: American Political Science AssociationStable URL: http://www.jstor.org/stable/1949126 Acesso: 13/08/2015

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não sabem se serão hospedados no território de outro Estado ou se, individualmente, deverão se juntar aos desafortunados já chamados de migrantes ambientais.

A credibilidade recomenda que a transparência predomine na informação entre os órgãos de uma mesma instituição e entre as instituições que pretendem concorrer na consecução das mesmas finalidades declaradas. Um dos instrumentos do entrosamento reside na confecção e circulação de relatórios, já objeto de providencias na II Assembleia Geral da ONU, em 1947.

[...] a Assembleia Geral interessou-se muito depressa no Art. 64, recomendando, na sua segunda sessão, que o Secretário Geral fizesse, a cada ano, relatório ao Conselho [ECOSOC] e que este fizesse seu relatório à Assembleia sobre as medidas adotadas pelos governos para aplicar as recomendações. O desafio do Art. 64 ficou em plena luz quando foi observado que, se fossem adotadas resoluções que não fossem aplicadas, “a Organização das Nações unidas perderia todo prestígio(...) e cairia na letargia.22

Hoje em dia, a exigência de transparência está dirigida à ONU e suas instituições, conjuntamente com instituições não-onusenses, pois são inúmeros os exemplos de empreendimentos mancomunados entre todas elas. Entretanto, conseguir informações sobre os empreendimentos é uma esperança cada vez mais distantes: o “déficit democrático” passou a ser uma categoria paradigmática de análise das RI, particularmente nas relações intraeuropeias, e nenhuma Convenção de Aarhus parece suficiente para remediar a apatia das autoridades face às exigências de informação de seus cidadãos. A Convenção de Aarhus, assinada na Dinamarca a 25/6/1998, é relativa ao acesso à informação na U.E. Seu intitulado é: Participação do Público no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente.

Outra referencia paradigmática para perceber o papel de uma burocracia da Globalização, é a questão da água. É uma situação de multiplicação de agentes burocráticos concorrendo, em uma miríade de instituições, para privatizar a gestão da água, no intuito de realizar lucros. A título de exemplo, pode-se considerar uma questão de gestão de recursos hídricos no Chile.

5. A “crise da água” : um exemplo de institucionalização de burocracia especializada

5.1. “Água” versus “Recursos Hídricos”: os fluxos burocráticos de institucionalização da gestão de “recursos” hídricos nacionais

22 Assemblée Générale, II, 2ème Commission, 33 ème séance, p. 8 et 9. MANIN, Aleth. Article 64. In COT, Jean-Pierre; PELLET, Alain. La Charte des Nations Unies: Commentaire article par article. Paris; Bruxelles: Economica. 1985, p. 985.. Pode-se citar: “Artigo 64. 1. O Conselho Econômico e Social poderá tomar as medidas adequadas a fim de obter relatórios regulares das entidades especializadas. Poderá entrar em entendimentos com os Membros das Nações Unidas e com as entidades especializadas, a fim de obter relatórios sobre as medidas tomadas para cumprimento de suas próprias recomendações e das que forem feitas pelas Assembleia Geral sobre assuntos da competência do Conselho.2. Poderá comunicar à Assembleia Geral suas observações a respeito desses relatórios.”

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A “crise da água” é um fenômeno recente: nasceu no início dos anos 1960. Seus primeiros marcos jurídico-políticos são a Conferência de Estocolmo (cf. Declaração Final e seu Princípio n. 20, a polêmica da “partilha” dos recursos transfronteiriços, de rios internacionais), a conferência da ONU de Mar del Plata (14 a 25/3/1977), e o longo processo de elaboração, pela CDI – Comissão de Direito Internacional, da ONU, de um texto que permitisse encaminhar um tratado internacional sobre os “recursos hídricos”, que ensejou a Convenção sobre o Direito relativo aos usos dos cursos de água internacionais para fins diversos da navegação, dita Convenção de Nova York (1997), que entrou em vigor no ano de 2014. Em relação ao ano de 1997, pode-se dizer que o contexto do uso e do consumo da água mudou completamente. Os interesses envolvidos cresceram de maneira exponencial, as intervenções institucionais também, como ilustra o caso da água no Chile; país onde a água chegou a ser juridicamente concebida como um bem privado.

A INBO Newsletter do mês de junho 2015 dá como assunto resolvido o fato de que, sob a égide de um agreement de cooperação institucional assinado em setembro de 2013 com a autoridade nacional da água do Peru, a Agência da Água francesa de Artois-Picardie está providenciando apoio para um projeto que objetiva: implementar um sistema de taxa ecológica (tarifas econômicas para captação de água e para descargas de águas servidas); desenvolver Conselhos de bacias para os recursos hídricos e Planos de Manejo. “Hoje em dia, a implementação de tarifas econômicas está efetiva no Peru, baseada no método de cálculo recomendado no estudo do Banco Mundial” 23. Nada, na resenha das ocorrências relatadas, indica que as referências ambientais e sociais estão sendo levadas em consideração. Afinal, dizer que se está “implementando um sistema de taxa ecológica” quando, em realidade, se promovem “tarifas econômicas para captação de água e descargas de águas servidas”, revela o quanto se está equivocado em relação às questões ecológicas que envolvem a água. Incluir “descargas de águas servidas” na implementação de um “sistema de taxas ecológicas”, é promover a subversão do Princípio Poluidor-Pagador (como sanção administrativa ou penal de uma conduta ilícita, ou ambas categorias) e referendar, sem debate público, a instituição da prática externalizante Pagador-Poluidor (como solução administrativa que transforma em externalidade econômica privada uma tragédia sanitária pública). Tampouco há referência, na matéria citada, à promoção do Acesso à água e ao saneamento básico ao status de Direito humano, pela ONU, no ano de 201324.

Um fenômeno que merece destaque, é a flexibilidade da colaboração entre instituições que são nacionais pela rotina de seu trabalho, como a implementação de políticas públicas, e internacionais pelos contatos que promovem para divulgar ações, efetuar planejamento, oferecer modelos de gestão ou outros. No caso supra evocado, no Chile, a colaboração se efetua entre “agências” que não possuem atribuições específicas para agir em âmbito internacional, mas que trabalham em rede com outras instituições que incentivam suas iniciativas, como o World Water Fórum, que promove, há anos, os pontos de vista do liberalismo econômico para a gestão da água. Os estados-maiores mundiais da água são instituições e conglomerados industriais e financeiros como: Suez; Vivendi; Conseil Mondial

23 AUBERT, G. In Peru, there are now economic fees for water use! In: INBO Newsletter n.23. June 2015 p. 26 Disponível em: www.eau-artois-picardie.fr; www.inbo-news.org.24 Christian Guy Caubet. A água do século 21: Mercadoria, direito humano, direito fundamental? In EMBRAPA. Direito Ambiental. Brasília: Embrapa, 2015, v. 2, seção 1, parte 1, capítulo 4, p. 105 -118.

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de l’Eau/ World Water Council, envolvido na organização trienal do Fórum mundial da Água; Organisation Internationale de l’Eau; Water Global Partnership; OMC com a Rodada de Doha etc... Essas instituições praticam atividades de fomento, consultoria, lobby, facilitação entre grupos públicos, privados e membros de burocracias estatais. O Conseil Mondial de l’Eau é um agrupamento de centenas de instituições, empresas, agentes do setor público ou privado, agências das Nações Unidas, Banco Mundial e algumas ONGs. Trata-se de um organismo privado a serviço de interesses particulares. Como associação privada com sede em Marselha (França), o grupo integra Véolia/Água - Suez e a Lyonnaise des Eaux, e inclui a Agência da Água Seine-Normandie e o Cercle Français de l’Eau.

No conjunto, as reuniões dessa associação promovem os encontros necessários entre os representantes da classe política francesa e os empreendedores que vendem os serviços relacionados à água no mundo inteiro; no contexto particular que eclodiu com a Rodada de Doha (novembro 2001) e com o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (AGCS), último rebento da OMC, agora transformada em Tratado Transatlântico e outras modalidades de negociação entre EUA e UE para voltar a ampliar o mercado globalizado. Qual é a filosofia política dessa nebulosa econômica? No II Fórum Mundial da Água, em Amsterdã (Países-Baixos, 2000), já “não havia alternativa”. Com efeito, diversos funcionários e experts do Banco Mundial declararam oficialmente, em nome do Banco, que “não havia alternativa”, referindo-se à privatização da água, fato histórico absolutamente incontornável, segundo eles25. Tornar a água um direito humano, nesse contexto, passou a ser um desafio incompatível com os ditames da economia.

5.2. A crise mundial da água não enseja direito humano à água

Em 12 de março de 2009, foi publicado o Terceiro Relatório Mundial da Água, pela Organização das Nações Unidas (ONU). É uma publicação científica trienal, que aparece pouco antes da realização do Conselho Mundial da Água. Sob a coordenação da Unesco, 26 agências da ONU trabalharam na redação do documento, cuja tonalidade maior é de alarme. No preâmbulo, o Diretor-geral da Unesco adverte: “Apesar do caráter vital da água, o setor padece de falta de interesse político, de uma má governança e de subinvestimento”26.

O Relatório observa que o crescimento demográfico mundial, de 80 milhões de pessoas/ano, aumenta as necessidades de água em 64 bilhões de metros cúbicos anuais. O aumento das chamadas classes médias urbanas pressiona a demanda hídrica em razão do aumento do consumo de pão, leite e carne. Simultaneamente, as alterações climáticas mundiais transformam as condições da produção de alimentos. Poucas pessoas, entretanto, ligaram o contexto da crise mundial da água ao das negociações internacionais sobre a redução dos gases de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento climático global do planeta; e seus efeitos desastrosos para a manutenção dos estoques de água disponíveis e a recorrência de catástrofes hídricas. Pelo uso abusivo de suas vazões, aumenta o número dos grandes rios que não chegam mais ao mar. É o caso do Rio Colorado (USA/México), do Rio Nilo e do Rio 25 HALL, David. Introdução. In BALANYÁ, Belén et alii. Por un modelo público de agua. Triunfos, luchas y sueños. Espanha: El Viejo Topo. 2005, p. 26.26 UNESCO. Water in a changing world: The United Nations World Water Development Report 3. Paris: Unesco; Earthscan, 2009. 318 p. Ver (acesso em 7/7/2015 ): http://webworld.unesco.org/water/wwap/wwdr/wwdr3/pdf/WWDR3_Water_in_a_Changing_World.pdf

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Amarelo, cujos caudais minguantes parecem longínquos. Por que não atentar, então, para a sorte idêntica que espera o Rio São Francisco?

O Relatório 2009 concluía: “Para ser mais realista, é preciso acrescentar que com base nos dados apresentados nesse primeiro WWDR [World Water Development Report], as perspectivas de várias centenas de milhões de pessoas e de seu meio ambiente, nos países de renda media inferior, não são boas”.

O Relatório 2014 constata que a situação piorou. Observa que o desafio atual consiste em estender os serviços às populações não atendidas :

As principais crises regionais e mundiais (clima, pobreza, famina, saúde e finança) que colocam em perigo a subsistência de grande número de pessoas, particularmente dos três bilhões de pessoas que vivem com menos de US$ 2,5/dia, estão interconectados através das problemáticas de água e de energia.Cerca de 768 milhões de pessoas, no mundo, não têm acesso a uma fonte de água melhorada e uns 2,5 bilhões de indivíduos continuam privados de saneamento melhorado. Segundo certas estimativas, o número de pessoas que não podem gozar de seu direito à água alcançaria até 3,5 bilhões. Por outro lado, mais de 1,3 bilhão de pessoas ainda não têm acesso à energia elétrica e uns 2,6 bilhões usam combustíveis sólidos (principalmente a biomassa) para cozinhar. Uma estreita correlação entre as doenças respiratórias devidas a um ar interior poluído e as doenças diarreicas ou de origem hídrica causadas por uma carência de acesso à água potável e ao saneamento demonstra que esses números designam frequentemente as mesmas pessoas.27

Uma observação importante, para concluir esta parte, é relativa à instrumentalização das instituições em função de prioridades que chegam a ser incompatíveis com os objetivos mais óbvios do Direito internacional: efeito útil das normas, prioridades funcionais para a paz, a equidade, etc. Um ex-Membro da CDI observa:

Enquanto as normas de direito internacional, corretamente entendidas, são suficientemente flexíveis para sua adaptação a condições cambiantes como as do desenvolvimento, da população, do crescimento e da mudança climática, os tratados são essencialmente instrumentos rígidos que só podem ser modificados em certas condições. Os países deveriam levar esses fatos em consideração quando esboçam os regimes para governar seus recursos compartilhados de água doce, inclusive instituições comuns de gestão.28

No âmbito da Globalização, as funções dos tratados e das instituições burocráticas receberam um tratamento que afetam as possibilidades das normas surtirem efeitos tradicionais em DIP. As instituições comuns de gestão, conditio sine qua non para dar efeito a normas de cooperação/

27 ONU; UNESCO. Rapport Mondial sur la mise en valeur des ressources en eau 2014 - WWDR 2014: Eau et Energie. Résumé exécutif, p.3. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0022/002269/226962f.pdf, acesso em 8/8/201528 McCAFFREY, Stephen. The need for flexibility in freshwater treaty regimes. In Natural Resources Forum. 27 (2003), p. 156-162.While the rules of international law, properly understood, are sufficiently flexible to permit adaptation to changing conditions such as development, population, growth and climate change, treaties are essentially rigid instruments that are modifiable only under certain conditions. Countries should take this fact into account in designing the regimes to govern their shared freshwater resources, including joint managements institutions.

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integração de gestão de bacias, são muito menos efetivas do que os tratados que objetivam: 1) estabelecer/proclamar/confirmar a soberania dos signatários sobre águas comuns; 2) reforçar a soberania dos signatários em relação a outros Estados.

5.3. A água como direito humano: uma perspectiva de bem estar mínimo e sustentável?

O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais do Conselho Econômico e Social – ECOSOC-, órgão da ONU encarregado de monitorar a aplicação do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, emitiu, já em 2003, a Observação Geral n. 15 relativa ao “direito humano à água”. As Observações Gerais são interpretações do Pacto. Não possuem efeito vinculante: os Estados podem implementá-las se quiserem. A Observação Geral n. 15 é um documento de 60 pontos, dividido em VI seções. Ela evoca o Direito humano à Água da seguinte maneira:

O direito humano à água atribui a todos água suficiente, segura, aceitável, fisicamente acessível e a um preço razoável para usos pessoais e domésticos. Uma quantidade adequada de água é necessária para prevenir a morte por desidratação, para reduzir o risco de doenças relacionadas com água e para prover água para cozinhar, consumir e para satisfazer necessidades pessoais, domésticas e de higiene.29

Outra vez, para evocar um tema tão complexo como o dos “recursos hídricos” em um caso particular de relações internacionais, foi necessário constatar que diversas instituições, desde modestas agências de água até o poderoso Banco Mundial [que foi concebido como órgão da ONU e nunca permitiu que a ONU o regesse], constituem um emaranhado de relações que regem muitas situações internacionais sem parecerem fazê-lo.

Mas o Direito humano à água e ao saneamento ainda foi objeto dos cuidados da ONU. Em 28/7/2010, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Resolução 10967, apresentada pela Bolívia, pela qual reconheceu, apos 15 anos de deliberações, “o acesso a uma água de qualidade e a instalações sanitárias como um direito humano”, sem afirmar que os Estados têm uma responsabilidade prioritária na implementação da Resolução. A Resolução foi adotada por 122 votos a favor e 41 abstenções. Dentre de um contexto que evoluiu muito, em 15 anos, a favor da commodification da água, é de se perguntar se a resolução 10967, que não possui força obrigatória, receberá a atenção de quem pode tomar as providencias necessárias para atender os que mais padecem da falta de água em quantidades e qualidade suficientes.

6. Metodologia da pesquisa e técnicas de trabalho

6.1. Métodos dedutivo e indutivo

Em se tratando de trabalhar sobre normas jurídicas, o método dedutivo apresenta vantagem quando os efeitos de obrigações legais devem ser apresentados em função de

29 ONU. ECOSOC. E/C.12/2002/11, de 20 de janeiro de 2003.

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constatações de fato, ou de direito, que fluem da observação de ocorrências em relação a normas em vigor.

Quando, por outro lado, o objetivo também é de avaliar correlações como as que fornecem a matéria da reflexão nas ciências exatas, muitas vezes o raciocínio indutivo, aparentemente menos certeiro quanto aos resultados que pode trazer, pode ser privilegiado no intuito de avançar para novos e profícuos conhecimentos. A conclusão é de Gaston Bachelard, um dos notáveis epistemólogos do século XX, em obra versando sobre os caminhos da descoberta científica, com ênfase nas estruturas mentais dos pesquisadores. Em tom bem humorado, o professor de física, explicando os “tipos” de raciocínio científico, observa:

Estabelecer a psicologia da paciência cientifica significa acrescentar à lei dos três estados do espírito cientifico uma espécie de lei dos três estados da alma, caracterizados por interesses:Alma pueril ou mundana, animada pela curiosidade ingênua, cheia de assombro diante do mínimo fenômeno instrumentado, brincando com a física para se distrair e conseguir um pretexto para uma atitude séria, acolhendo as ocasiões do colecionador, passiva até na felicidade de pensar.Alma professoral, ciosa de seu dogmatismo, imóvel na sua primeira abstração, fixada para sempre nos êxitos escolares da juventude, repetindo ano após ano o seu saber, impondo suas demonstrações, voltada para o interesse dedutivo, sustentáculo tão cômodo da autoridade, ensinando seu empregado como fazia Descartes, ou dando aula a qualquer burguês como faz o professor concursado.Enfim, a alma com dificuldade de abstrair e de chegar à quintessência, consciência científica dolorosa, entregue aos interesses indutivos sempre imperfeitos, no arriscado jogo do pensamento sem suporte experimental estável; perturbada a todo momento pelas objeções da razão, pondo sempre em dúvida o direito particular à abstração, mas absolutamente segura de que a abstração é um dever, o dever científico, a posse enfim purificada do pensamento do mundo!30

6.2. Obras de doutrina e sua avaliação

Obras acadêmico-científicas relativas a questões técnicas, científicas, a fidedignidade de dados, a fontes e informações de difícil acesso, constituem parte do substrato direto da pesquisa. Não é possível confiar apenas nos conhecimentos jurídicos e nos textos normativos, para entender os fenômenos e comportamentos dos agentes sociais em questões de meio ambiente. Parte considerável do tempo será dedicada à busca de informação fidedignas, que possam auxiliar no entendimento dos textos jurídicos e de outra natureza (administrativos no sentido de promover ações e gestões, planejamento, comportamentos que produzam efeitos em prol da proteção ambiental. Durante os últimos cinco anos, a par dos esforços para lidar com as exigências da pesquisa em curso, este proponente arquivou centenas de documentos que possuem grande utilidade para entender os parâmetros da proposta. São relatórios oficiais ou de instâncias privadas, da esfera da ONU e de várias de suas instituições especializadas, monografias volumosas ou sintéticas, publicações de ordem comercial divulgando a ação de

30 BACHELARD, Gaston. A formação do espírito cientifico. Contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996, p. 12-13.

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empresas e pessoas, e que trazem informações que vão muito além do que os autores pensavam revelar de sua atuação.

Não é possível apresentar todos os documentos coletados, ou mesmo listá-los, todos, nas referências bibliográficas. Mas alguns são apresentados para evidenciar a variedade das fontes e sua riqueza informativa, notadamente porque transmitem bases de raciocínios e até raciocínios jurídicos de grande utilidade para qualificar assuntos de meio ambiente e suas consequências. O fato de o Ministério Público Federal ter pedido parecer a dois docentes de botânica /fitologia não transforma esses docentes em juristas. Mas disso não há necessidade: a conclusão de seu parecer revela os profundos equívocos de políticas públicas que carecem de ter pensado mais oportunamente em se socorrer das luzes que elas já não possuíam quando foi tomada a decisão inicial errônea.

6.2.1. Microanálise: fatos e dados em textos informativos

Apresenta-se quatro exemplos de microanálise de fatos e dados em textos informativos.

Exemplo 1: Análise técnica acerca dos riscos associados ao glifosato, agrotóxico com uso autorizado no Brasil.

Dois docentes da UFSC, solicitados pelo Ministério Público Federal para darem parecer sobre o uso de Glifosato, observam:

No Brasil, a portaria número 2.914 de 2011, do Ministério da Saúde, estabeleceu em 500 microgramas por litro (0,5 ppm) a concentração máxima de glifosato permitida na água potável. Entretanto, os dados da literatura apresentados no presente artigo demonstram que, nesta concentração, o glifosato apresenta efeitos tóxicos aos seres humanos.Por outro lado, os efeitos teratogênicos, genotóxicos e de desregulador endócrino descritos na literatura e citados no presente parecer justificam o banimento do uso do glifosato e derivados no Brasil, com base na a lei número 7.802 de 1989, que estabelece, no Artigo 3o:§ 6o Fica proibido o registro de agrotóxicos, seus componentes e afins:[...] c) que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, deacordo com os resultados atualizados de experiências da comunidade científica;d) que provoquem distúrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor, de acordocom procedimentos e experiências atualizadas na comunidade científica; [...][Parecer:] “d) DAS CONSIDERAÇÕES FINAISDiante dos efeitos tóxicos resumidamente descritos para o glifosato e suas formulações, é relevante enfatizar que a ampla utilização de produtos à base de glifosato tem resultado na contaminação ambiental não só nas regiões onde é aplicado, mas também atinge alvos muito distantes dos locais de aplicação. Desta forma, é imperativo que os registros dos herbicidas a base de glifosato sejam imediata e rigorosamente reavaliados.31

31 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC. Notícias da UFSC: uso de glifosato pode causar riscos à saúde, indica parecer técnico de pesquisadores da UFSC, 24/7/2015. Disponível em: http://noticias.ufsc.br/2015/07/uso-de-glifosato-. Trata-se do Parecer técnico n. 01/2015, de 23/05/2015, lavrado a pedido do MPF –Ministério Público Federal, de autoria de Prof. Dres. Sônia Corina Hess e Rubens Onofre Nodari.

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Exemplo 2: A França não cumprirá o compromisso de Grenelle. A França está “incapacitada de alcançar” o objetivo de reduzir em 50% o uso dos

pesticidas até 2018, segundo o Ministro da agricultura, Stéphane Le Foll. Em 24/7, diante da missão comum de informação sobre os pesticidas no Senado, o Sr. Le Foll estimou que esse compromisso, adotado na oportunidade do Grenelle do Meio Ambiente, em 2007, estava fora de alcance, “a menos de acelerar um processo em condições e em medidas que eu não imagino hoje”. A federação de entidades ecologistas France Nature Environnement – FNE- chamou o ministro a “não questionar” um compromisso “validado e entendido pelo mundo agrícola”. Para a FNE, “o problema não é o objetivo mas a vontade política de alcança-lo”. Em 2011, o mercado francês dos pesticidas progrediu1,3% em volume e 5% em valor de negócio.32

Exemplo 3: ONU e outras organizações internacionais. No caso de organizações internacionais, a leitura dos documentos deve ser submetido

a um “decodificador” que permita identificar a realidade dos fatos em textos geralmente elaborados de maneira a não apresentar críticas nem responsabilidades diretas, não incriminar pessoas nem evidenciar erros e falhas, institucionais ou não. Quando um relator escreve que uma instituição “deveria aumentar a coerência e a interação entre todos os atores implicados, inclusive os diversos componentes da sociedade civil” [e que] “As organizações que lidam com alimentação, FAO, PAM e FIDA, em colaboração com o PNUD, a UNICEF, o Banco Mundial e os bancos regionais de desenvolvimento, deveriam cooperar mais eficazmente, aproveitando suas atribuições respectivas, na realização do Direito à alimentação em âmbito nacional, respeitando devidamente seus respectivos mandatos”, dito relator evidencia as falhas na coordenação dos projetos, no planejamento das ações, também observa que os titulares de cargos e funções burocráticas não procuram aproveitar os recursos disponíveis na “Sociedade Civil” ou junto aos programas e políticas públicas dos Estados. Na p. 21, parágrafo 41, do mesmo documento, o Relator lamenta que “o Banco Mundial, nas suas políticas de empréstimos e de cobrança de dívidas, e nos seus programas de ajustes estruturais,[não] seja protegido o direito à alimentação.33

Uma leitura indireta de mesmo tipo pode ser aplicada ao Relatório 2009 sobre recursos hídricos, supra citado, quando observa: “Desafio n. 11: Admite-se que os princípios de uma governança eficaz incluem a participação das partes, a transparência, a equidade, a responsabilidade financeira, a coerência, a capacidade de ajuste, a integração e as questões éticas”34. Deduz-se que poucas instituições devem ter uma “governança eficaz”...

Exemplo 4: PRONAR –Programa Nacional de Controle da Qualidade do Ar- (Brasil)

32 Tradução do original em francês publicado em: http://www.lemonde.fr/planete/article/2012/08/07/l-inquietant-effet-cocktail-des-pesticides-sur-nos-cellules. Acesso em 9/8/201533 ONU. Assemblée Générale. Rapport du Rapporteur Spécial sur le droit à l’alimentation, Olivier de Schutter. A/HRC/16/49. 20 décembre 2010. 22 p. Rapport de M. Olivier de Schutter. Rapport spécial sur le droit à l’alimentation. Mission au Canada. 2 au 6 mai 2012. Não grifado no original.

34 UNESCO. Water in a changing world – The United Nations World Water Development Report 3. Paris: Unesco: Earthscan, 2009, 318 p. Acesso em 7/7/2015. Disponível em: <http://webworld.unesco.org/water/wwap/wwdr/wwdr3/pdf/WWDR3_Water_in_a_Changing_World.pdf>

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Estudo revela que 25 anos após a criação do PRONAR, pouco se fez para monitorar a qualidade do ar no Brasil. Este texto evidencia o quanto instituições internacionais podem ter dificuldades na implementação de programas, por causas de falhas em âmbito nacional de países beneficiários de convênios:

[...] apesar de o Brasil estar entre os seis países que mais publicam artigos sobre o tema, ainda não conseguiu estabelecer políticas públicas que tragam melhorias para a qualidade do ar e, assim, para a saúde da população. Um estudo feito recentemente pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade (ISS) revelou que o monitoramento da qualidade do ar no Brasil é incompleto, insuficiente e pouco representativo. Apenas 11 das 27 unidades federativas (40%) monitoram o ar, somente 1,7% dos municípios brasileiros são cobertos pelo monitoramento, nem todos os poluentes considerados mais prejudiciais à saúde são monitorados e o acesso às informações é bastante difícil. Os dados são obtidos através de 252 estações de monitoramento que representam 94 municípios mais o Distrito Federal. Em 2013, o Instituto Saúde e Sustentabilidade pesquisou sobre a Rede Nacional de Monitoramento da Qualidade do Ar e não encontrou dados que representassem o cenário nacional. Em 2014 o ISS verificou que “(...) em muitos casos, não há transparência e, sim, descaso. “Há estados que não atualizam seus boletins desde 2007, caso do Espírito Santo, e até mesmo desde 2002, caso do Rio Grande do Sul”, afirma. O acesso aos resultados é limitado e a transparência está prejudicada. O único exemplo a ser seguido é o website da CETESB, responsável pelo monitoramento no Estado de São Paulo, com uma plataforma interativa, relatórios completos e atualizados (de 2013).Além de não haver uma padronização na coleta, divulgação e atualização dos dados, há ainda o fato de que muitas estações não monitoram os poluentes prejudiciais à saúde humana e monitoram os mais irrelevantes. “Fumaça e partículas totais em suspensão (PT) são poluentes desatualizados com os novos conhecimentos sobre seus efeitos, enquanto que o material particulado (MP) deve ser monitorado com urgência”, alerta Evangelina.Outros dois pontos a serem levados em consideração são: quantidade e localização das estações. Para que o monitoramento seja completo e realista, o número e local das estações deveriam ser definidos de acordo com a extensão territorial do Estado, o número de habitantes, o tamanho da frota e a quantidade de indústrias na região. “86 estações para monitorar o Estado de São Paulo são suficientes?”, questiona a diretora. Os estados com mais estações são São Paulo (86) e Rio de Janeiro (80), ao passo que Minas Gerais e o Rio Grande do Sul têm 20 cada e o Distrito Federal apenas 4.35

6.2.2. Monografias

Resenhar obras não-jurídicas, como fundamento de um projeto, não costuma ocorrer em projetos “de Direito”. No projeto ora apresentado, é uma necessidade. Sem informações “de cultura geral”, que emanam desses textos, não haverá como opinar validamente em relação às temáticas “de meio ambiente”, tais como aproveitadas bem ou mal- em textos jurídicos. Aliás, já são vários os autores de textos sobre questões ambientais que sabem que a

35 Notícia publicada 11 de julho de 2014 em: www.saudeesustentabilidade.org.br. No caso, também se verifica a dificuldade de resumir relatórios cuja densidade de referências é necessária para entender o que está ocorrendo.

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cultura geral ambiental é um mínimo para opinar sobre os desafios da proteção, da conservação e da gestão da natureza. Só que não é apenas uma procura de “cultura geral”.

Sabe-se que é preciso buscar noções mais completas, abrangentes e pormenorizadas: não há como proteger espécies de peixes sem conhecer seus hábitos, alimentação, migrações, ou sem conhecer as práticas de seus predadores: a espécie que pesca e não quer renunciar a suas práticas. São muitos desafios simultâneos, que ilustram os que deverão ser enfrentados para recolher dados de qualidades sobre a temática burocracia/gestão-da-Globalização/recuperação do meio ambiente.

As obras aqui resenhadas trazem exemplos de subsídios relevantes para entender os impactos da espécie humana no planeta Terra, e organizar sistemas jurídicos no intuito de uma proteção efetiva. São obras que pareceram adequadas. Podem ser substituídas por outras, desde que permitam receber um fundo idêntico de informações semelhantes. Citá-las como parte do estado-da-arte é uma necessidade do tipo da pesquisa que se apresentou.

a) Environnement, discours et pouvoir / Meio ambiente, discurso e poder36 A perspectiva da Political Ecology estuda as questões de meio ambiente e de gestão

dos recursos naturais a partir do estudo do poder de decisão que se aplica entre agentes dominantes. Ela tem uma predileção para a análise dos discursos e narrativas que fundamentam as discussões políticas mais destacadas, em assuntos como meio ambiente e desenvolvimento.

A Political Ecology está muito presente na geografia e na antropologia anglo-saxônica. Os pesquisadores consideram os discursos como produtos de suas relações e das que eles têm com outras estruturas, dominantes na sociedade e que influenciam os atores localmente. Os discursos analisados podem ser os de atores locais, pode ser a Convenção sobre a diversidade biológica (Capítulo 4 da obra); ou mudança climática e conflito no Sahel (Capítulo8); ou sobre três rios (Capítulo 9).

b) L’évaluation de la durabilité / A avaliação da durabilidade37. A avaliação da sustentabilidade, dita durabilidade na língua francesa, apareceu já nos

anos 1980. Portanto já passou no vocabulário comum com a aura dada pela Comissão Brundtland: aproveitar os recursos do planeta sem prejudicar as futuras gerações nas suas próprias necessidades futuras. Vasto programa, que levou a formular indagações sobre os parâmetros da durabilidade. Particularmente em razão da necessidade de fornecer explicações para a elaboração de referencias normativas públicas ou privadas. As opções da obra são de: 1) estabelecer um domínio próprio do desenvolvimento sustentável, em relação ao crescimento, à pobreza, à periodicidade longa ou curta de suas fases; 2) considerar que o tema inclui um conjunto de temáticas: biodiversidade, indústria, produções agrícolas industriais; urbanismo; paisagens; 3) enfrentar a questão como um processo: já que a durabilidade, em si, não pode ser satisfatoriamente descrita, pode-se considerar uma instrumentalização via

36 GAUTIER, Denis; BENJAMINSEN, Tor A. Environnement, discours et pouvoir. L’approche Political Ecology. Paris: Quae. 2012, 256 p.37 VIVIEN, Franck-Dominique ; LEPART, Jacques; MARTY, Pascal. L’évaluation de la durabilité. Paris: Quae, 2013.

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requisitos para sua implementação: princípios de conduta (previsão, precaução, participação) que permitem monitorar o assunto.

c) Nature à vendre / Natureza à venda38.O que são os serviços ecossistêmicos e em que eles apresentam algum interesse para

medir e avaliar de maneira econômica os insumos fornecidos pela natureza aos humanos? A autora mostra como essa visão monetária dos recursos vivos, implicou em uma dinâmica de mercantilização; com estratégias de conservação guiadas por chamados dos mercados.

A base que sustenta essa visão é a percepção da natureza como ecossistemas providenciando suas benesses via serviços ecossistêmicos, norma recente no universo da conservação. Os serviços são de suporte e regulação, de abastecimento e de contribuições culturais.

A natureza está colocada como um elemento funcional que dá a contribuição just in time que se pede. É esta instrumentalização e a quantificação dos elementos aproveitados que, somados correspondem à mercantilização da biodiversidade.

d) Les interactions hommes-milieux / Interações homens-meios ambientes39.As interações homens-meios são caminhos de mão dupla: influência do meio sobre as

ações e funcionamento das sociedades humanas; efeito das atividades e decisões humanas nos meios (ambientes). Os observatórios homens-meios/contextos são ferramentas para entender os desafios ligados às mudanças globais e à globalização de todas as atividades, com ênfase em: biodiversidade, vulnerabilidade dos meios e territórios, incidências sobre recursos e saúde das populações.

O objetivo principal da obra é a elaboração de um quadro conceitual, epistemológico e operacional para o estudo interdisciplinar das interações identificadas. Colaboram os partícipes de diversas disciplinas, com intercâmbios entre a esfera científica e os atores sociais políticos, associativos e econômicos. No capítulo 9, Charles Figuières et Jean-Michel Salles voltam a um assunto estudado em Nature à vendre (ver supra) : para um economista, o que significa colocar preços sobre a natureza ? Outros assuntos: A questão da incomensurabilidade. A ausência de neutralidade do dinheiro. Incompatibilidades entre valores seculares, valores sagrados e tabus. Desafios para a análise custo-benefício.

e) Rendre possible / Tornar possível40.Trata-se de uma obra em homenagem a Jacques Weber, economista e antropólogo

autor de várias obras relativas aos modos de apropriação da natureza, à gestão dos recursos renováveis e à biodiversidade.

f) L'homme peut-il s'adapter à lui-même? / Pode o homem adaptar-se a si mesmo?41

38 MARIS, Virginie. Nature à vendre. Les limites des services écosystémiques. Paris: Quae, 2014.39 CHENORKIAN, Robert; ROBERT, Samuel. Les interactions hommes-milieux . Questions et pratiques de la recherche en environnement. Paris: Quae, 2014, 182p.40 BOUAMRANE, Meriem; ANTONA, Martine ; BARBAULT, Robert ; CORMIER-SALEM, Marie-Christine. Rendre possible. Jacques Weber, itinéraire d’un économiste passe-frontières. Paris: Quae. 2013, 304 p. 41 TOUSSAINT, Jean-François ; SWYNGHEDAU, Bernard ; BŒUF, Gilles. L'homme peut-il s'adapter à lui-même ? Paris : Quae. 2012, 188 p. 

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Obra de reflexão sobre as capacidades, declaradas limitadas, de adaptação do ser humano. Os limites à adaptação são genéticos, culturais, ambientais, biológicos, gnosiológicos. As disciplinas que podem fornecer elementos de compreensão vão da genética à matemática, incluindo a medicina, a biologia. Essas aptidões limitadas devem enfrentar transtornos planetários relativos à alimentação: sistemas agrícolas e sua capacidade de resistir à produção ótima; esgotamento das terras aráveis e de sua água; biodiversidade marinha e continental e Um mar sem peixe. Esta contribuição será resenhada (é de autoria de Philippe Cury), infra. O pano de fundo de todas as contribuições à obra: a mudança climática.

A segunda parte do livro oferece um raro estudo, em obras sobre meio ambiente: reflexões sobre as questões demográficas. Na terceira, as forças de coerção e as agendas políticas contemplam temas como: energia, economia e sociedade; energia solar; estragos humanos na biodiversidade e inelutável perda de riqueza com a perda de biodiversidade.

E já que foi evocada a questão demográfica, deve-se citar outra contribuição científica que toma posição, enfrentando os tabus. Com efeito, refletir sobre a questão demográfica adotando a posição de ignorar os perigos do crescimento populacional, dito “descontrolado” ou não e, por isso mesmo, formular recomendação a favor desse controle, é expor-se imediatamente às mais variadas censuras religiosas e à acusação de malthusiano, i.é discípulo de Thomas Malthus, conhecido pela teoria segundo a qual o crescimento da população (que é geométrico) tende sempre a superar a produção de alimentos (que é apenas aritmético), o que torna necessário o controle da natalidade. O Ensaio sobre a população (1798), de Malthus, seria obra de anticristo, segundo os detratores de Malthus.Duas instituições prestigiosas, The Rockefeller Foundation e The Lancet Commission on Planetary Health publicaram um relatório sobre a salvaguarda da saúde” humana à época do antropocena. Uma conclusão do relatório é que

a redução do aumento populacional é essencial para levar a humanidade a uma trajetória mais sustentável de desenvolvimento, mas não será suficiente para evitar um severo prejuízo ambiental, a não ser que seja combinado com políticas de redução de consumo de recursos materiais e de emissão de gases de efeito estufa nas economias de alta renda e nas economias emergentes42 .

g) Une mer sans poissons / Um mar sem peixes43 Um mar sem peixes não é um desafio impossível para a espécie humana: ela já

conseguiu realizar essa façanha. O repentino desaparecimento do bacalhau dos bancos de Terra Nova (Canadá) criou um choque e resultou em moratória na pesca, em 1992. Mas o peixe não “voltou” até hoje. E é possível que a façanha seja repetida, pois de se mantiver o ritmo atual de sobrepesca, poluição e destruição dos meios marinhos, os peixes mais capturados hoje em dia terão desaparecido até o início dos anos 2050. Mas não é só: 42 Reduction of population growth is essential to move humanity towards a more sustainable trajectory of development, but it will not be sufficient to avoid severe environmental damage unless it is combined with policies to reduce consumption of material resources and greenhouse gas emissions in high-income and emerging economies. THE ROCKEFELLER FOUNDATION – LANCET COMMISSION ON PLANETARY HEALTH. Safeguarding human health in the Anthropocene epoch: Report of The Rockefeller Foundation– Lancet Commission on planetary health. p. 13. Disponível em: www.thelancet.com Acesso em: 6/8/2015.43 CURY, Philippe ; MISEREY, Yves. Une mer sans poissons. Paris : Calmann-Lévy. 2008, 283 p.

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perturbando o conjunto da cadeia trófica, a pesca também está destruindo os ecossistemas marinhos.

A espécie humana haverá de explorar seus recursos vivos até esgotamento ou conseguirá preservá-los? O objetivo do livro é de responder esta pergunta, com elementos de reflexão fundamentados em abordagem histórica, na análise das mais recentes descobertas da ecologia marinha e na compreensão antropológica da exploração.

Em VIII capítulos, o livro mostra tudo o que podem fazer os humanos para tirar seu provento do mar, “superpredadores em uma natureza frágil”. O Capítulo VI trata da “questão crucial da gestão do recurso”, temática que parece mais condizente com os textos jurídicos. Mas só parece: sem estudar as questões ecológicas, os juristas continuarão trazendo respostas escritas defasadas em relação às necessidades. O capítulo, aliás, mostra o pouco caso pela conservação que fazem os responsáveis pelos estragos nos oceanos: pescadores, políticos, diplomatas, vendedores, armadores, burocratas da pesca da U.E. em Bruxelas, e nenhum para fazer decidir que está na hora de poupar as populações humanas das costas da África, cujos peixes desaparecem, ou as populações de atum vermelho do Mar Mediterrâneo, que estão se juntando aos bacalhaus de Terra Nova...

A conclusão dos Autores oferece um otimismo que, mesmo moderado, destoa das descrições interessantes e fundamentadas que eles ofereceram na apresentação de seus trabalhos.

6.3. Conclusão do estado-da-arteAs obras resenhadas aqui fazem parte do projeto de pesquisa a título de amostragem

necessária. Um projeto que depende de parâmetros de interdisciplinaridade deve apresentar um leque de fontes, mesmo que subjetivamente indicadas. A maioria dos autores poderia ser catalogada como “cientistas”; muitos são integrantes de instituições universitárias de ensino e de pesquisa, ou ambos tipos. Sua condição não os exime de eventualmente pertencer também à burocracia definidora dos rumos das políticas ambientais internacionais; fato que não deveria surpreender. Seria mais fácil procurar responsáveis pelos impactos negativos ao meio ambiente em âmbitos circunscritos. Infelizmente a tarefa de encontrar responsáveis haverá de permanecer complexa, particularmente em razão do fato de que os docentes da área jurídica, por exemplo, dão uma contribuição importante às “burocracias”. Cabe lembrar nessa conclusão a importante afirmação de que o projeto não procura estudar os burocratas, mas os textos que elaboram.

Uma das obras identificadas para esse projeto junta artigos de dezenas de universitários da área jurídica, reunidos para defender o meio ambiente em obra editada pelo subprograma do Caribe promovido pelo PNUMA. Um número considerável dos trabalhos publicados está assinado por pessoas que tiveram responsabilidades administrativas e políticas de diversas naturezas: funcionários públicos administrativos, ministros de Estado, promotores e procuradores públicos, chefes de repartições, professores, em carreiras profissionais de órgãos públicos estatais nacionais ou internacionais, no sistema da ONU ou fora dele... Muitos deles assumem posições ou fazem comentários que pouco ajudam para resolver os problemas ambientais.

Não contar com uma forte Organização de meio ambiente resultou em uma proliferação de mais de 500 tratados internacionais, feitos não no âmbito do

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PNUMA mas em outras organizações.Por outro lado, a negociação internacional em matéria ambiental é cada vez mais política. Atualmente, pretende-se que a comunidade científica tenha um papel importante na tomada de decisões, que sua opinião seja levada em consideração.Ademais, as decisões importantes, as que afetam a governança, estão sendo tomadas cada vez mais fora do âmbito do meio ambiente. Algumas das instituições que tomam decisões a esse respeito definem a proteção ambiental mundial, como a Organização Mundial do Comércio, o Banco Mundial e outros tipos de entidades financeiras. Isso ocorre pelo fato de não haver sistema nem Organizações fortes, no mesmo nível dessas entidades.44

Essas observações confirmam o vulto dos desafios; e o fato de que, mesmo pensando nos mesmos assuntos, os mais variados rumos acabam sendo propostos, geralmente com boa fé. Somos todos burocratas? Não necessariamente, mas todos nós elaboramos textos.

6.4. Referências bibliográficas

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44 No contar con una organización fuerte de medio ambiente ha resultado en una proliferación de más de 500 tratados internacionales, hechos no en el marco de PNUMA sino como ámbito de trabajo de otras organizaciones.Por otro lado, la negociación internacional en materia ambiental es cada día más política. Actualmente, se pretende que la comunidad científica tenga un papel importante en la toma de decisiones, que su opinión sea tomada en cuenta.Por otra parte, las decisiones importantes, las que afectan a la gobernanza, se están tomando cada vez más fuera del ámbito del medio ambiente. Algunas de las Instituciones que toman decisiones al respecto condicionan la protección ambiental mundial, como la Organización Mundial del Comercio, el Banco Mundial y otro tipo de entidades financieras. Esto ocurre por no tener un sistema ni Organizaciones fuertes, al mismo nivel de esas entidades.RAMBLA, Amparo. Gobernabilidad ambiental internacional. IN ONU. PNUMA. 2010, Programa de las Naciones Unidas para el Medio Ambiente. Oficina Regional para América Latina y el Caribe. Quinto Programa Regional de Capacitación en Derecho y Políticas Ambientales. p. 11

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