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1 Vazios Urbanos e análise da evolução desordenada INTRODUÇÃO Como resultante de abandonos pelo desinteresse de projeto ou falta de verba, através da forma de evolução das cidades e, também, especulação imobiliária, os vazios urbanos são um fenômeno urbano que assolam diversas cidades brasileiras e no mundo. Os vazios urbanos, em sua maioria, pertencem ao setor público, estão localizados nos centros das cidades e, por conseguinte, acarretam em diversos problemas para a cidade e para a sociedade. O local pode se tornar indesejado para a população por motivo do seu aspecto de abandono, foco de acúmulo de resíduo e de violência, além de, entre outros efeitos, trazer insegurança à população e danos a saúde dependendo da tipologia do vazio urbano e do uso anterior do espaço. Ademais, um dos maiores problemas do fenômeno urbano em questão é a falta de função social da propriedade que entre outras consequências descaracteriza o urbano e a estética das cidades. O processo de evolução das cidades brasileiras se deu de maneira intensa e desordenada. A revolução industrial, o êxodo da população em busca de melhoria de vida e a falta de planejamento juntamente com a especulação imobiliária contribuiu para o espraiamento da cidade que teve como consequência a manifestação de espaços vazios, subutilizados e abandonado que descaracterizam as cidades. A origem dos vazios

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Vazios Urbanos e análise da evolução desordenada

INTRODUÇÃO

Como resultante de abandonos pelo desinteresse de projeto ou falta de verba,

através da forma de evolução das cidades e, também, especulação imobiliária, os

vazios urbanos são um fenômeno urbano que assolam diversas cidades brasileiras e

no mundo. Os vazios urbanos, em sua maioria, pertencem ao setor público, estão

localizados nos centros das cidades e, por conseguinte, acarretam em diversos

problemas para a cidade e para a sociedade. O local pode se tornar indesejado para

a população por motivo do seu aspecto de abandono, foco de acúmulo de resíduo e

de violência, além de, entre outros efeitos, trazer insegurança à população e danos a

saúde dependendo da tipologia do vazio urbano e do uso anterior do espaço.

Ademais, um dos maiores problemas do fenômeno urbano em questão é a falta de

função social da propriedade que entre outras consequências descaracteriza o

urbano e a estética das cidades.

O processo de evolução das cidades brasileiras se deu de maneira intensa e

desordenada. A revolução industrial, o êxodo da população em busca de melhoria

de vida e a falta de planejamento juntamente com a especulação imobiliária

contribuiu para o espraiamento da cidade que teve como consequência a

manifestação de espaços vazios, subutilizados e abandonado que descaracterizam

as cidades. A origem dos vazios urbanos possivelmente está ligada à época de

mudanças englobando os contextos sociais, territoriais e econômicos.

É imprescindível propor a reutilização dos espaços vacantes de modo a

integrar e incluir o interesse social no processo da escolha do uso do local, sem o

poder público impor sua finalidade, para que de espaço abandonado o vazio urbano

se reverta em território, expressando identidade e sentimento de pertencimento para

os moradores da cidade e para que o lugar não volte a situação de degradação

abstendo-se de um problema cíclico.

Baseado nas análises, o trabalho tem como objetivo identificar quais os

contextos que resultam a formação dos vazios urbanos a fim de evitar o crescimento

do fenômeno e, para amenizar os impactos dos espaços vacantes já existentes, o

estudo se desenvolve para encontrar maneiras de se reverter as condições desses

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lugares, restituindo-os em espaços de identidade. O estudo em questão se justifica

pela diversidade de contextos que englobam o sua causa e agravamento da

circunstância e pelos variados problemas que o fenômeno urbano expressa na

cidade, podendo destacar a maneira como prejudica a função social, a estética e a

segurança no entorno e na cidade.

1. O FENÔMENO DO VAZIO URBANO E O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO

De acordo com Borde (2003), os vazios urbanos, são a princípio, espaços

sem função, sem conteúdo social que possuem potencial de transformação

revertendo terrenos ou edifícios abandonados em locais qualificados como áreas

livres com potencialidade de valorização. Corroborando com o conceito, Dittmar

(2006), afirma que o fenômeno em questão são espaços construídos ou não que são

caracterizados por serem resíduos do crescimento de desenvolvimento urbano.

Para Portas (2000) a expressão “vazio urbano” é ambígua pois, o terreno

pode não estar totalmente vazio, mas pode estar simplesmente desvalorizado e com

potencialidade para receber outros destinos como reutilização e, ainda assim,

receber essa denominação.

Magalhães (2005) conceitua que a expressão do fenômeno em discussão é

bastante ampla, pois envolve termos variados podendo citar os terrenos vagos,

terras especulativas, devolutas, terrenos subaproveitados, relacionando-se com a

propriedade urbana, ao tamanho e localização.

Com o passar do tempo e evolução dos estudos do fenômeno urbano

surgiram várias tipologias de espaços vacantes e em estudos de diversos tipos

(CLEMENTE; SILVEIRA; SILVEIRA, 2011). Exemplos dessas novas tipologias são

os greyfields e os brownfields.

Os greyfields são especificamente centros comerciais inutilizados que estão

bem localizados e possuem boa infraestrutura sendo, consequentemente, locais que

favorecem a intervenção urbana e exigem menos investimentos financeiros para sua

reativação (SOBEL, 2001 apud BARROS, 2011). A reutilização desses locais

valorizam os subúrbios e diminuem o fluxo de pessoas que se transferem para áreas

mais valorizadas (VASQUES, 2009).

Os brownfields surgiram em decorrência do processo de desindustrialização

que no Brasil é resultante do processo de industrialização baseado no abandono e

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reuso de áreas que, por sua vez, podem estar contaminadas devido a sua utilização

passada (BARROS, 2011). São áreas ou edificações industriais e comerciais

abandonadas e subutilizadas que possuem certo teor de contaminação do solo e,

concomitantemente, obtém potencial para reutilização (VASQUES, 2005). Segundo

Sánchéz (2004), alguns brownfields são áreas contaminadas, porém nem todas as

áreas contaminadas são brownfields. A Universidade Estadual de São Paulo

(UNESP) em convênio com as universidades americanas Universityof Pittsburgh

(UP) e Carnegie Mellon University (CMU) estabeleceu, em 2001, em Rio Claro, o

Grupo de Análise Territorial com Suporte de Geotecnologias, que elaborou, em

2003, o seguinte conceito para brownfields: arcabouço físico-territorial abandonado,

contaminado ou não, de uma atividade socioeconômica relevante em um

determinado período de tempo, passível de redesenvolvimento (BARROS, 2011).

Segundo Spínola (2011) a tipologia em questão, se sofrer algum tipo de

contaminação, pode gerar consequências negativas no âmbito ambiental (através da

poluição do solo, água e presença de gases contaminantes), da saúde pública (pela

inalação, ingestão e contato com materiais contaminados), econômico (valor

financeiro do tratamento das áreas é maior do que a valorização da terra no local) e

urbano (dificuldade na revitalização e reutilização dos terrenos contaminados, facilita

o espraiamento e, por conseguinte, o surgimento de novos vazios urbanos e

aumenta os gastos públicos com infraestrutura, desvaloriza o entorno, acumula lixo,

favorece a ocupação irregular, prejudica o planejamento urbano e a ocupação dos

solos).

O tema dos vazios urbanos e suas tipologias é complexo e envolve diversos

conceitos, termos e formas de analisar (BOMFIM, 2004). Porém, pode-se concluir,

de maneira geral, que crescimento das cidades brasileiras tem como um dos

principais estímulos a especulação imobiliária e fundiária acarretando na

desorganização da estrutura interna das cidades e, por conseguinte, nos vazios

urbanos (DOZENA, 2011).

Do mesmo modo que os conceitos e termos do fenômeno urbano estudado

são abrangentes, são vastas as consequências que uma área abandonada e

degradada traz à cidade, a insegurança para a população e a desvalorização do

entorno são alguns dos aspectos que podem ser citados.

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1.1. CAUSAS, CONSEQUÊNCIAS E SOLUCÕES DE ESPAÇOS VACANTES

Cada vez mais a sociedade brasileira é dominada pela vivência de atividades

provisórias. Ao rever as mudanças que as cidades sofreram, pode-se afirmar que a

Revolução Industrial obrigou o homem a separar sua casa do local de trabalho, e

hoje, através da Revolução Digital, é possível uni-los novamente. Através desse

processo que aconteceu de maneira desordenada e rapidamente, alguns espaços

ficaram vazios de uso e de função (DITTMAR, 2006).

O fenômeno urbano em questão se origina da metropolização das cidades

decorrente do êxodo rural, após a Revolução Industrial, a partir de meados do

século XIX (BORDE, 2006). Borde (2003), contesta que essas áreas são resultados

dos processos de urbanização, da ausência de estudo e especificação de cada

espaço vazio juntamente com a falta de planejamento urbano.

O desenvolvimento do planejamento urbano manifestou-se com o

crescimento das funções do Estado para responder tais necessidades imediatas das

áreas recentemente urbanizadas que responderam ao surto de industrialização de

pós-guerra em certas regiões privilegiadas. Pode-se dizer que o planejamento

urbano é resultado da constante setorização da realidade e da tentativa de

integração dos múltiplos setores num “sistema global” (LAMPARELLI, 1978).

Segundo Verri (2014), a SERFHAU (Serviço de Habitação e Urbanismo)

incentivou o tratamento dos aspectos econômicos, físicos, sociais e institucionais do

planejamento urbano e a associação dos planos nos níveis municipal, regional e

federal. Corroborando com Verri, Costa (1978) afirma que o que mais se

desenvolveu a nível local no quesito de planejamento foi sob o estímulo da

SERFHAU, porém isso se contradiz, pois a influência do planejamento na

transformação concreta das cidades é irrelevante em vista que os problemas

urbanos se agravaram principalmente nos grandes centros metropolitanos e os

planos integrados não chegaram a influenciar a ação pública. Em análise ao

planejamento urbano, Costa (1978) ainda verifica a crise que se manifesta tanto ao

nível da prática quanto no da teoria e mesmo com os avanços o planejamento

urbano parece ter realizado muito pouco do seu objetivo principal que é implementar

politicas afim de resolver os problemas essenciais das cidades.

Segundo Villaça (1999) o planejamento urbano no Brasil passa a ser

identificado como atividade intelectual de elaborar planos, fechada dentro de si

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própria, desvinculada das políticas públicas e da ação do estado e assim a atividade

profissional é afetada, tornando os órgãos públicos em meros institutos de pesquisa

desvinculados da administração pública, tal fato gerou um sentimento de frustação,

pois os planos urbanísticos desenvolvidos na época eram vistosos em sua

concepção e poucos eram implantados e assim tornou-se comum os planos

urbanísticos ficarem na “prateleira” e apenas no papel (DEÁK; SHIFFER, 1999).

Reforçando a crítica, Costa (1978) afirma que o ocorrido não pode ser dito como

planejamento pois foi apenas um exercício ideológico impotente para os problemas

socioeconômicos, uma atividade de gabinete desenvolvida separadamente da

prática administrativa concreta e a maior das contradições desse processo está em

definir objetivos finais que implicam numa alteração do modelo de crescimento

urbano sem que se proponha uma estratégia adequada e coerente. Desse modo as

ideias dos planos passam a ser a ideologia sobre os problemas que atingem as

cidades. Mesmo com a obrigatoriedade do processo de planejamento instituído pelo

Constituição de 1988, a maioria dos planos continua restrita a iniciativas isoladas

que listam problemas e não propõe soluções e assim procuram desviar a atenção

das áreas criticas do processo urbano, promovendo problemas falsos, abstratos ou

inúteis (DEÁK; SHIFFER, 1999).

Pode-se concluir que o desempenho do planejamento urbano não é

realização pura e simples de métodos e técnicas, mas sim a efetiva criação de

canais de participação das classes sociais, que permitam a explicitação das

contradições, interesses e necessidades, no seu processo decisório (LAMPARELLI,

1978). Os planos urbanos brasileiros omitem os problemas e as necessidades das

classes dominantes (VILLAÇA, 1999) e não representam o interesse coletivo

(ROLNIK, 1992 apud BARROS, 2011). Apesar de terem sido elaboradas diversas

formas de planejamento, nenhuma meta foi suficiente para controlar os problemas e

déficits que as cidades adquiriram com o desenvolvimento desordenado e o

aparecimento e crescimento dos fenômenos urbanos, inclusive os vazios urbanos.

Em se tratando dos espaços vacantes, para Sanches (2011), a grande

preocupação que envolve o fenômeno são suas consequências que, além de não

cumprirem sua função social da propriedade, ocasionam na desvalorização do local

e do entorno, na criminalidade e tornam-se local de foco de atividades ilícitas e

acúmulo de lixo.

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Ao analisar as causas e, principalmente, as consequências, chega-se a

conclusão de que é necessária a iniciativa para reutilizar os espaços vacante. Pode-

se solucionar os problemas desses locais através de intervenções urbanas que

podem ser explicadas com os seguintes termos: revitalização, renovação,

regeneração e refuncionalização (VASQUES, 2009).

A revitalização consiste emtornar a vitalizar, dar nova vida (…) fazer intervenções em edifícios ou áreas urbanas com o fim de torná-los aptos a terem usos mais intensos, torná-los atrativos para desencadearem atividades que garantam a vitalidade da área (PISANI, 2002, p. 1).

Apesar de melhorar o espaço, a tipologia de intervenção em questão não

propõe profundas alterações estruturais, ao contrário da renovação que constitui em

demolir o que existe no local degradado. Já a regeneração foca nas mudanças

duradouras das características da área, englobando aspectos físicos, ambientais e

socioeconômicos. Por fim, a refuncionalização, que é o termo mais adequado de

intervenção principalmente para os brownfields, destina-se a lugares em decadência

(EVASO, 1999) e representa a modificação da função de modo a valorizar o uso

comparando as propriedades novas e antigas (VASQUES, 2009).

Além da aplicação dessas estratégias é viável aplicar os instrumentos

urbanísticos instituídos pelo Estatuto da Cidade (lei 10.257 10/07/01) através da

Constituição Federal de 1988 quando a cidade em análise possui um Plano Diretor.

Segundo Dittmar (2006), pode-se aplicar em áreas abandonadas os seguintes

instrumentos: parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, IPTU progressivo

no tempo e desapropriação com pagamento em títulos (são validos para áreas

abandonadas e privadas e visam utilizar os vazios para atendimento de

necessidades emergenciais da população, findando com a especulação imobiliária

nesses locais), operações urbanas consorciadas (consiste em uma parceria entre o

poder público e o privado onde o poder público concede uma área pública para

investidores em troca de melhorias na estrutura urbana da região através de

intervenções de maior escala) e o direito de preempção (dá a preferencia ao poder

público na compra de imóveis de seu interesse a fim de utilizá-los como

regularização fundiária, implantação de equipamentos comunitários, espaços

públicos, de lazer e preservação ambiental).

Especificando a lei da cidade de São Paulo, Barros (2011) afirma que o Plano

Diretor Estratégico (PDE) e os Planos Regionais Estratégicos (PRE) possuem

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instrumentos que estimulam a requalificação das áreas degradadas, principalmente

os brownfields, pois são áreas propicias a contaminação devido ao tipo de uso no

passado. Barros (2011) ainda lista os instrumentos urbanísticos que podem ser

usados são: outorga onerosa (o proprietário poderá construir mais do que o

permitido no coeficiente de aproveitamento mediante pagamento; em áreas

contaminadas o dono do imóvel tem o mesmo direito com a vantagem de ser isento

completo ou parcialmente do valor adicional e, em troca, o mesmo faz a remediação

da área), transferência do direito de construir (como a remediação do local

contaminado pode restringir no uso, o proprietário tem direito a transferir seu imóvel

para outro terreno e, em contrapartida, ele faz a reparação na área e doa para a

prefeitura), operações urbanas consorciadas (para incentivar na correção da

poluição como benefício da troca), fundo de desenvolvimento urbano (proporciona

recursos financeiros para investigar e remediar as áreas prejudicadas) e fundo

especial do meio ambiente (viabiliza financeiramente, entre outras ações, a

recuperação ambiental).

Para a intervenção das áreas abandonadas, seja vazio urbano ou qualquer

uma de suas tipologias, acontecer de maneira completa e satisfatória, a integração e

inclusão social na decisão do uso futuro de locais abandonados possui grande

relevância pois segundo Forsyth e Musacchio (2005 apud BARROS 2011,) a

população desenvolve um sentimento de compromisso com o lugar além de que

somente os moradores podem oferecer informações únicas sobre as necessidades e

valorização dos espaços. Segundo estudos feitos nos EUA, a população residente

em bairros que possuem a tipologia de vazio urbano denominado brownfields dá

prioridade para a intervenção urbana reverter os espaços vacantes em locais de

lazer com equipamentos para a recreação da comunidade (MCCARTHY, 2002 apud

VASQUES, 2009).

1.2. DA DEGRADAÇÃO À UTILIDADE: EXPERIÊNCIAS DE INTERVENÇÃO

Vasques (2009) em sua tese “GEOTECNOLOGIAS NOS ESTUDOS SOBRE

BROWNFIELDS: Identificação de Brownfields em Imagens de Alta Resolução

Espacial e Análise da Dinâmica da Refuncionalização de Antigas Áreas Fabris em

São Paulo” analisou diversos exemplos a serem seguidos de intervenção urbana.

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A autora cita a revitalização feita em brownfields do porto de Amsterdã (figura

1), na Ilha de Java, onde em 1969 muitos dos edifícios foram demolidos e em 1979 o

porto foi desativado acarretando no aparecimento de diversos vazios na área. A

intervenção no espaço se destinou para o uso residencial e apesar da preocupação

com a contaminação do solo a experiência obteve sucesso. Zukin (1989 apud

VASQUES, 2009) aponta que essa tipologia de uso em brownfields se destacou na

década de 70, quando era sinônimo de “fashion” morar em lugares industriais e,

como em Amsterdã, várias cidades seguiram tal segmento como pode ser

identificado em Barcelona que utilizou o solo da antiga fábrica de máquinas e

estruturas de ferro a vapor “Maquinista Terrestre Y Marítima” no bairro Barceloneta

para abrigar habitações públicas e, para acompanhar o estilo industrial, mantiveram-

se a porta de acesso, uma estrutura metálica e um navio convertido em centro

escolar.

Figuras 1: Porto de Amsterdã antes e

depois da refuncionalização

Fonte: Van der Spek (2003, p. 30-32)

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Além do exemplo de Amsterdã e Barcelona, Vasques (2009) analisa a fundo a

refuncionalização executada na região de Lisboa e do Vale do Tejo que são áreas

tradicionalmente industrializadas em Portugal. O espaço em questão está passando

por uma mudança através da troca do setor dominante por um mais dinâmico e

competitivo devido ao declínio das indústrias tradicionais, nas décadas de 1970-80.

Juntamente com a decadência, ocorreu a degradação paisagística influenciada,

principalmente, pela falta de legislação ambiental e planejamento urbano adequado.

Reconhecendo a necessidade de intervenção, alguns planos de

transformações e privatizações começaram a ser pensados para dar novo destino

aos locais industriais – portuários, munindo-as de novas potencialidades. Na época,

Lisboa foi escolhida para sediar uma manifestação cultural denominada Exposição

Mundial de 1998 (Expo’98) que possuía o tema “Os Oceanos, um Patrimônio para o

Futuro” e tinha o objetivo propor uma nova relação entre o Homem e o meio

ambiente (figura 2). Durante 1989 e 1990 o evento induziu a cidade planejar o

reaproveitamento dos terrenos com brownfields gerados pelo processo de

desindustrialização, em especial a zona oriental, escolhida para abrigar a exposição.

Devido à dificuldade da intervenção e o curto prazo para execução das obras

foi criado o Parque EXPO’98 S.A, que se tornou um importante passo dado para o

sucesso da experiência, a fim de objetivar a “concepção, execução, construção,

exploração e desmantelamento da Exposição Internacional, bem como a intervenção

na reordenação urbana da Zona de Intervenção”. Segundo a empresa Parque Expo,

na década de 1960, a área já se encontrava abandonada e degradada, conceituada

como campo contaminado, repleto de acúmulo de danos ambientais.

Os portugueses não desejavam apenas reutilizar a área para as atividades

temporárias da Expo’98, mas sim reconstruir uma zona anteriormente decadente,

visando o futuro da urbanização do local, atração de turistas e aumento do setor

residencial na área. Para Machado (2006, p.85 apud Vasques, 2009), a Exposição

Mundial “visou dar ao território português, e concretamente à cidade de Lisboa, um

reposicionamento num contexto cada vez mais global”. Para alcançar tais objetivos,

reconheceu-se a necessidade de reabilitar ambientalmente a área urbana, atrair a

população, estimular economicamente o espaço valorizando as estruturas e espaços

públicos (MACHADO, 2006 apud VASQUES, 2009). A “Expo’98” transformou o lugar

através, também, da implementação da regeneração urbana do território nomeado

por Zona de Intervenção (ZI) que, em 1983, se tratava de uma área abandonada,

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deteriorada e insalubre.

A mesma autora salientou que, como as transformações não deveriam ser

momentâneas, o Conselho de Ministros n°68/98 determinou os seguintes critérios:

“assegurar a qualidade urbana e ambiental; desenvolver rapidamente atividades

urbanas na zona; e maximizar a liberação de meios financeiros para amortização do

passive” (VASQUES, 2009, p. 70).

Figura 2: Expo’98.

Fonte: Machado (2006 apud Vasques 2009,

p.70)

Portanto, através do evento temporário se desenvolveu o projeto do “Parque

das Nações” (figura 3) para refuncionalizar o espaço de maneira estratégica. O

planejamento do local conta com infraestruturas e equipamentos para lazer, cultura,

espaços verdes, etc.

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Figura 3: Planta do Parque das Nações.

Fonte: Parque Expo98 (1999 apud Vasques, 2009, p. 72)

Entre os pontos negativos, vale ressaltar que tal intervenção aumentou a

especulação imobiliária da área em decorrência do alto investimento realizado no

lugar, porém, é inegável que a reutilização da zona beneficiou a cidade além de

atrair a população e turistas. Como consequência do resultado, o padrão Expo para

revitalizar cidades deu origem ao Programa Polis (baseado na melhora da qualidade

de vida nas cidades por meio de intervenções) e, o projeto da intervenção urbana

passou a ser referenciado internacionalmente por conta da estratégia inovadora de

reversão de uso do território que acarretou no equilíbrio ambiental e na influência

sócio espacial.

Com a refuncionalização e a implantação do Parque almejava-se que o

entorno da área também, de alguma forma, fosse transformado influenciado pela

reutilização, todavia, tal efeito não foi atingido. Segundo Paula Dias (apud Vasques,

2009), engenheira do território da Câmara Municipal de Lisboa (Departamento de

Planejamento Urbano), as expectativas não foram atendidas devido ao Plano Diretor

de 1994, em vigência na cidade, que classificava as áreas com setor industrial,

dificultando as ações e os planos para o local. Analisando a crítica, foi elaborado o

Plano de Urbanização para a Zona Ribeirinha Ocidental (PUZRO) de Lisboa, com o

objetivo de melhorar o entorno do Parque das Nações, definindo as áreas a serem

valorizadas mediante intervenções, visando a qualidade de vida e benefícios para a

ZI.

Vasques (2009) em sua pesquisa também analisa as aplicações dos

instrumentos urbanísticos das Operações Urbanas Consorciadas, como as

Operações Urbanas Faria Lima, Centro e a Diagonal Sul (figura 4) que abrange uma

área do vale do rio Tamanduateí, seus distritos industriais degradados com diversos

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exemplares de brownfields.

Figura 4: Limite Operação Urbana Diagonal Sul

Fonte: Menegon (2008, p. 90)

Segundo Marker (2007) a Operação Diagonal Sul é importante para a história

das intervenções pois prioriza pela primeira vez o redesenvolvimento de brownfields

e o estudo da contaminação do seu solo. Segundo a Secretaria de Desenvolvimento

Urbano da cidade de São Paulo, o objetivo da aplicação do instrumento é

transformar as estruturas urbanas ampliando os espaços públicos, implantando

programas habitacionais de interesse social e de melhorias de infraestrutura além de

mudanças no sistema viário e transportes coletivos a fim de atingir melhorias sociais

e valorização ambiental. A consequência deste tipo de intervenção é a alteração dos

espaços e dos seus usos, criando paisagens urbanas diferenciadas. Tal mudança

acarreta no processo de valorização, pois, transformam o bairro em lugar próspero,

mesmo que o desenvolvimento seja acusado de gentrificação e elitização do local,

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que, segundo Sánchez (2003, p.515 apud Vasques, 2009) após as operações

urbanas os espaços são transformados em “playgrounds da burguesia onde

convivem elegantes mercados, shopping centers, edifícios reciclados, [...]

restaurantes de griffe e hotéis”.

Rufinoni (2009, p.302 apud Vasques, 2009), afirma baseado em análise a

O.U. Diagonal Sul e ao patrimônio industrial que é preciso fazer levantamento

detalhado da área e usá-lo como norte para a elaboração das propostas de

intervenção e, desta maneira, será possível valorizar a cultura.

Somekh e Leite (2009 apud VASQUES, 2009), ainda sugere que o governo

de São Paulo inclua a participação e a integração popular no processo de

intervenção porque o fruto das operações não é democrático, devido a falta de um

instrumento de gestão social adequado. Para Castro (2006 apud VASQUES, 2009),

as Operações Urbanas em São Paulo foram influenciadas pela especulação

imobiliária deixando de priorizar os benefícios públicos.

Vasques (2009, p. 85) no final de suas análises conclui que “projeto alcança

seus objetivos quando consegue materializar seus planos, resolver os problemas e

atender as demandas dos citadinos.”.

A partir dos estudos de caso apresentados pode-se destacar as prováveis

atitudes em relação aos brownfields: ou trata-se uma área industrial abandonada

como uma oportunidade, tendo um olhar visionário, ou como um problema

ambiental. Bowman e Pagano (2004, p.4 apud Vasques, 2009) afirmam que os

visionários enxergam além da ferrugem e do abandono e creem que estas “são

fases na estrada, talvez uma estrada longa, para renovação”, entretanto, “utilizando

efetivamente seus lotes desocupados e propriedades abandonadas, uma cidade

pode se reinventar”.

CONSIDERAÇÕES

É possível observar através das informações presentes na pesquisa que a

evolução de uma cidade depende do modo como é planejada e estruturada e a

ausência de planejamento ocasiona nos fenômenos urbanos que assolam grande

parte das cidades brasileiras. Tais fenômenos descaracterizam o espaço urbano

trazendo consequências negativas para o crescimento das cidades e para entender

a grandeza, especialmente dos vazios urbanos, é essencial o estudo e análise do

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planejamento das cidades que, baseado nas análises realizadas, pode-se afirmar

que a grande maioria é defasada e não possui especificidade em relação à cidade

além de não incorporarem quesitos ambientais na gestão urbana, com exceção, por

exemplo, da cidade de São Paulo que tem uma legislação ambiental pouco mais

desenvolvida e, como foi descrito anteriormente, possui os instrumentos urbanísticos

vinculados com a remediação de áreas poluídas.

Em relação aos vazios urbanos e suas tipologias, nota-se que os espaços

possuem potencial de reutilização e, no caso de áreas contaminadas, de

remediação. Porém, no Brasil as leis que fundamentam a questão são insatisfatórias

podendo destacar que o que mais agrava a situação dos brownfields poluídos é a

ocupação pós-desindustrialização pois os barracões e lugares abandonados são

foco de ocupação irregular. Além dos problemas citados, a falta de concordância

entre leis e gestão municipal e estadual também pode ser sobrelevada.

Para a intervenção urbana ocorrer de maneira ideal é indispensável o

envolvimento do governo local e a participação da população no processo de

intervenção urbana, pois só é usado aquilo que se é desejado e necessário para a

sociedade que, em resposta ao investimento feito, desenvolve de modo natural um

sentimento de identidade, pertencimento e comprometimento com o local e a cidade.

Ademais é imprescindível o entendimento dos conceitos e contextos que

favorecem os vazios urbanos assim como os tipos de intervenção e a melhor

maneira de se reutilizar considerando o interesse social para que o local volte a

cumprir sua função social da propriedade, sem que o problema se torne cíclico.

Com base nesse foco, será possível melhorar o equilíbrio, de modo a

aperfeiçoar o planejamento urbano e privilegiar a integração social, a qualidade e a

organização no meio urbano, prevendo o uso mais adequado dos vazios e a

redução deste fenômeno nas cidades brasileiras.

REFERÊNCIAS

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