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CEFORTE ANTROPOLOGIA PROF: PR. DANIEL LOUREIRO

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Page 1:  · Web viewA Antropologia é uma disciplina relativamente recente no âmbito das Ciências Sociais, se tomarmos como uma referência importante para o seu início, por exemplo, o

CEFORTE

ANTROPOLOGIA

PROF: PR. DANIEL LOUREIRO

MURIAÉ2018

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ANTROPOLOGIA E RELATIVISMO CULTURAL ANTROPOLOGIA

A Antropologia é uma disciplina relativamente recente no âmbito das Ciências Sociais, se tomarmos como uma referência importante para o seu início, por exemplo, o livro Primitive Culture (1871, Inglaterra), de Edward Tylor. Desde seus primórdios, a Antropologia elegeu a cultura humana e seus múltiplos desdobramentos como seu objeto de estudo principal, o que ainda é uma marca característica geralmente associada a esta disciplina, o que ainda é historicamente posterior à Sociologia.

Enquanto esta última se debruçava, desde meados do século XIX, em pesquisas sobre os problemas urbanos causados pelo avanço e estabelecimento do capitalismo industrial no mundo ocidental, a Antropologia focou seus estudos em povos considerados exóticos, geralmente situados fora do ambiente das cidades americanas e europeias.

A relação com o outro foi enfoque característico das pesquisas antropológicas, sobretudo a partir da crítica ao etnocentrismo dos estudos evolucionistas. Enquanto, atualmente, nos estudos antropológicos contemporâneos prevalecem interpretações que enaltecem o multiculturalismo e a convergência de culturas distintas, no final do século XIX, predominava o evolucionismo nos estudos culturais.

O texto abaixo comenta alguns aspectos da obra do antropólogo Franz Boas (1858-1942) que, com uma postura que assumia o relativismo cultural, rompeu com uma tendência predominante da antropologia no século XIX, assim instaurando uma nova forma nos estudos antropológicos.

A noção de cultura em Franz Boas

“Toda a obra de Boas é uma tentativa de pensar a diferença. Para ele, a diferença fundamental entre os grupos humanos é de ordem cultural e não racial.[...]

Ao contrário de Tylor, de quem ele havia, no entanto, tomado a definição de cultura, Boas tinha como objetivo o estudo “das culturas” e não “da Cultura”. Muito reticente em relação às grandes sínteses especulativas, em particular à teoria unilinear então dominante no campo intelectual, apresentou em uma comunicação de 1896 o que considerava os “limites do método comparativo em antropologia”. [...] Cada cultura representava uma totalidade singular e todo seu esforço consistia em pesquisar o que fazia sua unidade. Daí sua preocupação de não somente descrever os fatos culturais, mas de compreendê-los juntando-os a um conjunto ao qual estavam ligados. Um costume particular só pode ser explicado se relacionado ao seu contexto cultural. Trata-se, assim, de compreender como se formou a síntese original que representa cada cultura e que faz a sua coerência. Cada cultura é dotada de um “estilo” particular que se exprime através da língua, das crenças, dos costumes, também da arte, mas não apenas desta maneira. Este estilo, este “espírito” próprio a cada cultura influi sobre o comportamento dos indivíduos.”

ETNOCENTRISMO

A escola antropológica representada por Franz Boas rompeu com o modelo evolucionista de interpretação das culturas, que as julgava de acordo com uma visão linear de progresso. Assim, no modelo calcado no evolucionismo, como Edward Tylor, Cultura tinha uma concepção universalista, baseado na ideia de uma unidade psíquica da humanidade: com isso, para pensadores como Tylor e outros que se fundamentavam em torno de ideias de um darwinismo social, as culturas evoluiriam, passando todas pelos mesmos estágios, rumo ao progresso. Boas

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negou esse modelo de explicação baseado na evolução de estágios culturais, adotando, por outro lado, uma perspectiva particularista que via cada cultura como algo único.

Desse modo, as diferenças entre culturas não eram mais interpretadas por um suposto grau de avanço rumo ao progresso. As culturas passaram a ser compreendidas como algo único e os costumes e regras sociais de um determinado povo deveriam ser interpretados de acordo com as funções que desempenhavam em cada sociedade. A partir daquele momento (início do século XX), o relativismo cultural foi tomado como uma espécie de regra de conduta antropológica, combatendo, por sua vez, todo e qualquer esboço de postura etnocêntrica que fazia com que o pesquisador julgasse as demais culturas com base na sua.

ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA

A Antropologia é uma disciplina de extrema importância. Encontramos a seguinte informação no Jornal do Brasil, 02/12/1990, na seção Ciência:

“Em sua busca da origem do homem, a antropologia não precisa mais se basear apenas no estudo das marcas de civilizações soterradas por toneladas de terra. Cada vez mais ela começa a contar com a ajuda de uma ferramenta valiosa: a genética. Ao lado de construções, costumes e santuários, os grupos humanos em suas imigrações e vaivéns pelo planeta, em contato com outros grupos, vão deixando suas pegadas genéticas. Para rastrear essas pegadas, 146 laboratórios do mundo todo se uniram para estudar 400 grupos étnicos, trocar informações e montar o maior banco de dados sobre genética da História”.

Saber de que forma se originou a vida biológica humana é uma curiosidade para os leigos e um objeto de pesquisa para os cientistas e estudiosos em geral. Há teorias, as mais variadas, sobre a origem do homem, porém contrárias à Bíblia. Não passa de especulação e simples hipóteses. De um lado está a teoria da evolução, do outro, a da criação. Para aqueles o manual é A Origem das Espécies de Charles Darwin, para estes, a única fonte autorizada e verdadeira acerca do assunto é a Bíblia Sagrada, corroborada pelas ferramentas científicas verdadeiras.

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A pesquisa, a qual a comunidade cristã apresenta quanto à origem da vida humana, está fundamentada sob o ponto de vista teológico e neste sentido a antropologia é um importante caminho para o estudo do homem.

I. DEFINIÇÃO

A Palavra antropologia significa, basicamente, estudo do homem. É uma disciplina que investiga as origens, o desenvolvimento e as semelhanças das sociedades humanas assim como as diferenças entre elas. A palavra antropologia deriva de duas palavras gregas: anthropos, que significa “homem” ou “humano”; e logos, que significa “pensamento” ou “razão”. Os antropólogos comumente investigam as formas de desenvolvimento do comportamento humano, objetivando descrever integralmente os fenômenos sócio-culturais. Em geral, a antropologia pode ser dividida em vários segmentos:

II. CIENTÍFICA

Esse ramo da antropologia estuda o homem em duas categorias: Biológica e Cultural. A antropologia biológica é geralmente classificada como uma ciência natural, enquanto a antropologia cultural é considerada uma ciência social. A antropologia biológica, como o nome já indica, dedica-se aos aspectos biológicos dos seres humanos. Busca conhecer as diferenças ditas raciais e étnicas, a origem e a evolução da humanidade. Os antropólogos desta área de conhecimento estudam fósseis e observam o comportamento de outros primatas.

A antropologia cultural dedica-se primordialmente ao desenvolvimento das sociedades humanas no mundo. Estuda os comportamentos dos grupos humanos, as origens da religião, os costumes e convenções sociais, o desenvolvimento técnico e os relacionamentos familiares. Um campo muito importante da antropologia cultural é a lingüística, que estuda a história e a estrutura da linguagem. A lingüística é especialmente valorizada, porque os antropólogos se apóiam nela para observar os sistemas de comunicação e apreender a visão do mundo das pessoas. Através desta ciência também é possível coletar histórias orais do grupo estudado. História oral é constituída na sociedade a partir da poesia, das canções, dos mitos, provérbios e lendas populares.

II. FILOSÓFICA

Procura investigar o homem numa perspectiva mais profunda do que tem sido feito em outras áreas de conhecimento. Utiliza-se de matérias como: a metafísica, a epistemologia e a ética. Neste segmento se estuda todo o conhecimento que o homem tem reunido em torno de si.

III. TEOLÓGICA

Estuda a origem, a natureza e a relação do homem com o Ser Supremo. Deus tinha um propósito para o homem ao criá-lo. O Senhor criou o homem segundo a sua imagem e semelhança, e o fez sob um plano abençoador. No entanto o ser humano escolheu desobedecer a Deus dando ouvido ao Diabo. A partir daí, Deus põe em ação o plano que Ele já tinha reservado, para resgatar o homem que havia pecado. Quando o homem pecou, Deus sacrificou um animal e com a pele fez a túnica de peles à Adão e a Eva (Gn 3.21). Isto prefigura um ato redentor e resgatador. No Novo Testamento Jesus, segundo João “é o Cordeiro que tira o pecado do mundo” (Jo1. 29).

IV. A COMPLEXIDADE DO HOMEM

Jamie Buckingham no prefácio do livro “Fósseis que Falam” escreveu: “Todos os homens perguntam: De onde vim?... É importante saber de onde viemos... porque nossa origem diz para

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onde nos encaminhamos”. A antropologia teológica afirma que o homem é um ser criado por Deus. Há dois tipos de interpretação:

1. Criação Mediata Esta corrente de interpretação é parecida com a teoria da evolução. Segundo o pastor Gilmar Vieira Chaves, na revista Obreiro, os adeptos desta corrente de pensamento interpretam que “Deus criou aquele estágio elementar de vida que, a partir de milhões e milhões de anos, transformou-se no que somos hoje”.

2. Criação Imediata Os que defendem essa teoria afirmam que o ser humano saiu das mãos de Deus com a estrutura e características do homem atual. Deus criou o homem do nada e o fez surgir por meio do seu poder. É um confronto com a teoria da Criação Mediata, pois, Deus não possibilitou o processo de evolução ao homem.

V. ADÃO E EVA FORAM PERSONAGENS REAIS?

Algumas personalidades teológicas insistem em desacreditar nos fatos bíblicos, extraindo deles a sua verdade, transformando-os em mentiras, e minando conseqüentemente a base da ortodoxia doutrinária. É o caso da historicidade do casal Adão e Eva. Supondo-se que esses personagens não existiram na história, mas são apenas figuras fictícias, todo o conceito teológico que depende e está fundamentado na existência deste casal sucumbiria. Quem são esses personagens? Qual a importância de sua origem?

As idéias teologicamente liberais originaram-se por volta dos séculos 18 e 19 na Alemanha. Por infelicidade deu-se em ambiente protestante, e, posteriormente, também nos círculos católicos. Esses teólogos liberais desenvolveram e aplicaram a chamada “Alta Crítica”, que pode ser identificada como um dos maiores inimigos das Sagradas Escrituras e o método literário de interpretação consistia numa investigação minuciosa e atenta do texto bíblico, entretanto de maneira naturalista e racional, condenando os milagres bíblicos a meras lendas e contos populares. O que percebemos é que, na verdade, aqueles que se propõe a tal investigação, não crêem de fato em Deus e conseqüentemente nos milagres que obrou, tributando como impossível a narrativa de Gênesis. Note, conforme Romanos 5.12,21 que a realidade da existência de uma pessoa, depende da outra: “Portanto, como por um homem (Adão) entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram [...] Para que, assim como o pecado reinou na morte, também a graça reinasse pela justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo nosso Senhor”. O curioso que muitos destes teólogos liberais negam a historicidade do casal, mas aceita a de Jesus, todavia, por meio deste texto bíblico percebe-se que não há como Jesus ser real e Adão e Eva apenas um produto da ficção humana. A Bíblia não nos deixa em dúvidas, pois afirma: “Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva” (1Tm 2.13).

Se não tivesse existido literalmente um Adão, como se explicaria a questão do pecado, que entrou no mundo por intermédio dele? Norman Geisler arremata: “Se não tivesse havido de fato a queda, então o ensino espiritual quanto ao pecado herdado e quanto à morte física, dele decorrente, estaria errado”. Em seus ensinos Jesus se referiu à criação de Adão e Eva como verdades históricas: “... no princípio macho e fêmea os fez...” (Mt 19.4). E o ensino moral de Jesus quanto ao casamento? “Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, e serão dois numa só carne?” (Mt 19.5). Quando os fariseus disseram que Moisés “admitia” o divórcio, Jesus lhes respondeu: “... mas ao princípio não foi assim” (Mt 19.8). Atentemos para a Bíblia quando diz que “os homens maus e enganadores irão de mal para pior, enganando e sendo enganados” (2Tm 3.13).

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CONCLUSÃO

A mesma fé que temos na doutrina da criação, criticada pelos “cientistas”, deve ser recíproca aos que acreditam numa criação do homem puramente humanista e racional. A revista Defesa da Fé nº 60, página 55, descreve: “O criacionismo escolhe acreditar que Deus é o criador de todas as coisas, inclusive da vida. O evolucionismo acredita na obra do acaso que vai transformando uma forma de vida em outra, num processo cego e sem nenhum objetivo final”.

Concluo com as palavras do pastor Elinaldo Renovato na Lição da Escola Bíblica Dominical sob o título Doutrinas Bíblicas, página 43: “Deus criou o homem com propósitos específicos e definidos: para a sua glória (Is 43.7;60.21;61.3;Lc 2.14); para a satisfação de sua vontade soberana; (Ef 1.5,6,9; Ap 4.11); e para a honra especial de seu Filho Jesus, o restaurador de todas as coisas (Cl 1.16; Hb 2.10).

CONCEITOS DE ALTERIDADE

O conceito de alteridade refere-se ao processo de interação e socialização. O contato com o “outro” serve-nos como “espelho” ao evidenciar nossas diferenças. O contato com o “outro” serve-nos como “espelho” ao evidenciar nossas diferenças

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A vida social em nosso mundo contemporâneo é bastante agitada, concorda? Em nossa convivência urbana, em que milhares de pessoas habitam um mesmo espaço, separadas, muitas vezes, apenas por finas paredes, mesmo quando não queremos, acabamos por ter que interagir com os “outros” de alguma forma.

Mesmo sem percebermos ou ainda sem dizer uma única palavra, ao nos confrontarmos com o estranho, o não familiar, de alguma forma, nossas condutas, ações e pensamentos moldam-se a partir dessa interação. Essa interação entre o “eu”, interior e particular a cada um, e o “outro”, o além de mim, é o que denominamos de alteridade. Esse conceito parte do pressuposto de que todo indivíduo social é interdependente dos demais sujeitos de seu contexto social, isto é, o mundo individual só existe diante do contraste com o mundo do outro.

O antropólogo brasileiro Gilberto Velho elucida: “A noção de outro ressalta que a diferença constitui a vida social, à medida que esta efetiva-se através das dinâmicas socais. Assim sendo a diferença é, simultaneamente, a base da vida social e fonte permanente de tensão e conflito.”* Simplificando, Gilberto Velho mostra de que forma a interação entre a parte íntima e interior do indivíduo e o outro forma o cerne da vida social. Ao interagirem, os indivíduos reafirmam o que faz parte de si mesmo e o que faz parte do mundo externo.

Esse processo de diferenciação é parte também da construção da identidade do sujeito, que se molda a partir da distinção entre “o que eu sou” e “o que eu não sou”. Esse ponto leva-nos ao problema fundamental da questão: a impossibilidade da existência do eu-individual sem o conflito com o diferente, o estranho, o outro.

A ideia da alteridade é tratada por algumas disciplinas distintas, sendo a Psicologia, a Filosofia e a Antropologia as principais. Emboras suas abordagens sejam diferentes, o conflito entre o mundo interno e o mundo externo sempre está em questão.

Para a Antropologia, a alteridade volta-se para a observação do contato cultural entre grupos étnicos diferentes e dos conflitos consequentes que se desenvolveram sob diferentes perspectivas. A descoberta do “Novo Mundo”, isto é, o início da colonização europeia nas Américas, parece ser o ponto de partida para os questionamentos que envolvem a ideia de alteridade. O encontro com o “outro” é marcado pelo medo e pelo fascínio, pela distinção clara entre o que é estranho e o que não é. O contraste cultural, de certa forma, acaba fortalecendo a noção de que “aquilo que sou é diferente daquilo que não sou”, o que, em outras palavras, significa dizer que o mundo estranho é um enorme espelho que reflete o que é familiar ao destacar tudo aquilo que nos é estranho.

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IDENTIDADE ANTROPOLÓGICA

Com o surgimento dos debates em torno da pós-modernidade e do multiculturalismo, no final do século xx, o tema das identidades veio à tona na História. Na verdade, a noção de identidade não é nova nas ciências humanas, já sendo bem conhecida da Psicologia e da Antropologia, mas é uma preocupação recente para os historiadores, desenvolvida principalmente por aqueles que trabalham com a interdisciplinaridade. Esse conceito tem atingido relevância tal para a compreensão do mundo de hoje que alcançou já as salas de aula, o que é visível, por exemplo, na inquietação dos educadores em promover a conscientização sobre a diversidade cultural brasileira: o conhecimento dessa diversidade passa pela definição das identidades étnicas, regionais, entre outras. A noção de identidade tornou-se, assim, um dos conceitos mais importantes de nossa época.

O conceito de identidade vem levantando muitas questões em diversos campos das ciências humanas. Sua origem remete à Filosofia e à Psicologia, mas hoje a Antropologia tem sido uma das ciências mais prolíficas em seu estudo. Além disso, a área interdisciplinar conhecida como Estudos Culturais – um dos principais frutos da pós-modernidade nas ciências humanas e sociais – também tem questionado a construção de identidades sob os prismas mais diversos: sociológicos, linguísticos e por meio da teoria da comunicação. Nesse contexto, a noção de identidade gerou muitos conceitos diferentes: identidade nacional, identidade étnica, identidade social, cada um deles com uma gama de significados e métodos de análise próprios.

Na antropologia, o conceito de identidade serve para uma infinidade de abordagens diferentes. O antropólogo social Roberto DaMatta, por exemplo, usa a noção de identidade social para discutir a construção de uma identidade nacional brasileira. Em sua obra O que faz o Brasil Brasil, DaMatta se preocupa em responder como se constrói uma identidade social e, mais

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especificamente, como um povo se transforma em Brasil. Para ele, a construção da identidade social é feita de afirmativas e negativas, a partir dos posicionamentos dos indivíduos diante das situações do cotidiano. De acordo com DaMatta, uma pessoa cria sua identidade ao se posicionar diante das instituições, ao responder às situações sociais mais importantes da sociedade: como um indivíduo entende o casamento, a Igreja, a moralidade, a Arte, as leis etc., é o que define sua identidade social. Esses perfis seriam construídos a partir das fórmulas dadas pela sociedade, e não criados simplesmente pela escolha individual.

Um ponto de vista muito controverso no trabalho de DaMatta, entretanto, é sua definição de uma identidade brasileira única. Para ele, o Brasil se define qualitativamente a partir do futebol, do carnaval, do sincretismo, da sensualidade etc. E muitos são os pensadores que criticam essa visão, considerando-a muito simplista, por escamotear todas as diferenças regionais, étnicas e sociais existentes no Brasil e considerar apenas os estereótipos criados sobre o Brasil.

A questão das identidades tem gerado, ainda na Antropologia, muitas outras vertentes de trabalho. Na América Latina, diversos têm sido os autores preocupados com a ligação entre identidade, nação e etnia, que refletem sobre a construção das identidades étnicas, regionais e nacionais, conceitos muitas vezes interligados. Para autores como George Zarur e Parry Scott, o conceito de identidade é muito importante para a compreensão do mundo globalizado, em que o enfraquecimento dos Estados nacionais tem gerado a fragmentação das identidades nacionais e o ressurgimento de outras identidades, de gênero, étnicas, justamente dessa fragmentação. Nesse sentido, é possível estudarmos as identidades com base em muitas premissas, como, a partir do hibridismo, ou seja, da sobreposição de identidades diferentes, o que é cada vez mais comum nos países que recebem grandes levas de imigração. Nesses lugares, os imigrantes de diferentes origens se mesclam, assim como suas culturas, criando culturas híbridas. Essa Antropologia estuda a identidade em seu caráter relacional, ou seja, uma identidade se constrói a partir do encontro com os outros.

Recentemente, a História, dentro dos novos interesses gerados pela interdisci-plinaridade e pela pós-modernidade, tem tentado trabalhar com o conceito de identidade. Talvez um dos principais campos da historiografia a refletir sobre essa noção seja o dos estudos da memória. Para David Lowenthal, identidade e memória estão indissociavelmente ligadas, pois sem recordar o passado não é possível saber quem somos. E nossa identidade surge quando evocamos uma série de lembranças. Isso serve tanto para o indivíduo quanto para os grupos sociais.

Mas, talvez o campo de estudos que mais tem-se preocupado com a questão da identidade seja o dos Estudos Culturais. Tal campo, surgido na Inglaterra no final do século xx com autores como Stuart Hall, tem como objetivo criticar o estabelecimento de hierarquias culturais, nas quais algumas culturas são consideradas superiores a outras. Esses estudos têm grande interesse em discutir conceitos como raça, etnia e nação do ponto de vista da produção cultural, trabalhando com temas como indústria cultural, cultura popular, colonialismo e pós-colonialismo. Temas para os quais a compreensão da construção das identidades é fundamental. É dessa perspectiva que Tomaz Silva afirma que a compreensão da identidade deve levar em consideração sua relação intrínseca com a diferença, pois a identidade não existe sem a diferença: ao dizer que somos brasileiros, estamos automaticamente dizendo que não somos alemães, nem chineses, por exemplo. Kathryn Woodward concorda com essa perspectiva, determinando a identidade como uma construção relacional, ou seja, para existir ela depende de algo fora dela, que é outra identidade. Além disso, precisamos considerar que toda identidade é uma construção histórica: ela não existe sozinha, nem de forma absoluta, e é sempre construída

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em comparação com outras identidades, pois sempre nos identificamos como o que somos para nos distinguir de outras pessoas. A identidade feminina, por exemplo, se constrói ante a identidade masculina, a identidade dos negros ante a identidade dos brancos etc.

Mas por que o conceito de identidade é algo tão frisado pelas ciências humanas do século xxi? Antropólogos e culturalistas acreditam que a globalização aproximou culturas e costumes e, logo, identidades diferentes. Assim, a convivência com o diferente faz com que as identidades aflorem. Por outro lado, a crise do Estado nacional e dos valores instituídos pelo Iluminismo e pela Revolução Industrial tem trazido a necessidade de construção de novos valores, buscados sobretudo nas identidades de grupos, de gênero, étnicas, regionais. Vemos, assim, a complexidade da noção de identidade e sua enorme importância para a construção da cidadania. Ao levantarmos em sala de aula a bandeira do respeito à diversidade cultural, às minorias, estamos nos inserindo na discussão sobre a identidade. Nesse sentido, não podemos apenas receber as conclusões oferecidas pelos livros didáticos, é preciso aprofundamento nos debates sobre as várias faces da construção das identidades no mundo globalizado.

UNIVERSALIDADE

Conforme Silva, a universalidade refere-se às possibilidades construídas pelo gênero humano e que podem ser apropriadas pelo indivíduo, é o que permite aos homens produzirem seus meios de satisfação das necessidades, apropriarem-se desses meios por eles produzidos e do conhecimento decorrente dessa atividade, tornando-os órgãos de sua individualidade, transformando-os em seu corpo inorgânico e em condição de sua existência.

SINGULARIDADE

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O conceito e singularidade é o que distingue um homem de outros, é o que o torna único na ontogênese humana. A singularidade é produto da história das condições sociais e materiais do homem, a forma como ele se relaciona com a natureza e com outros homens.

PARTICULARIDADE

A particularidade constitui as mediações que determinam a singularidade e a universalidade e concretizada na singularidade. O indivíduo (singular) apropria-se do corpo inorgânico e transforma-o numa possibilidade de se desenvolver plenamente (universalidade). Cada sociedade oferece condições materiais específicas para que os seus membros possam se desenvolver e essas condições se referem à particularidade.

ANTROPOLOGIA MISSIONÁRIA

“A ciência da antropologia social deve ser reconhecida como disciplina essencial no treinamento missionário” (Edwin Smith, 1924).

INTRODUÇÃO

Meu objetivo neste texto é expor a aplicação específica do conhecimento antropológico no ambiente missionário em processos que envolvem encontro de culturas que aqui denominarei de antropologia missionária.

Por antropologia missionária não me refiro à antropologia produzida por um segmento religioso ou uma antropologia missional - direcionada pelos valores teológicos da missão - mas sim ao estudo derivado do processo de utilização dos elementos antropológicos aplicados ao ambiente de interculturalidade envolvendo ações missionárias.

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Desejo também levantar alguns assuntos a partir da relação da antropologia com a missiologia (e antropólogos com missionários), suas mútuas contribuições, distinções, preconceitos e também possibilidades

ANTROPOLOGIA APLICADA ÀS AÇÕES MISSIONÁRIAS

O estudo e uso da antropologia nas ações missionárias é relativamente novo e possivelmente recebeu seu primeiro forte impulso a partir da publicação do artigo de Malinowski intitulado Practical Anthropology (Antropologia Prática) em 1929, ironicamente ele mesmo um opositor à atuação missionária, com algumas exceção. Um dos pioneiros no incentivo do uso da antropologia nas ações missionárias foi Edwin Smith (1876-1957), filho de missionários e nascido na África do Sul, tendo servido também como missionário entre 1902 e 1915 entre o povo Baila-Batonga na Zâmbia. Apesar de se considerar apenas um antropólogo amador, sua constribuição nesta área junto aos movimentos missionários foi marcante, bem como o reconhecimento que recebeu da comunidade antropológica internacional da época, sendo membro da Royal Anthropological Institute of Great Britain de 1909 até sua morte e tendo atuado por alguns anos como presidente da mesma. Nos Estados Unidos da América a publicação do periódico com o mesmo título – Practical Anthropology – em 1953 serviu à comunidade missionária evangélica pela iniciativa de Robert Taylor no Wheaton College. Esta publicação gerou um crescente interesse e uso da antropologia no treinamento missionário e associaram-se a ela os escritos de Eugene Nida, William Smalley, William Reyburn e Charles Taber, entre outros (WHITEMAN, 2004).

Enquanto o estudo do homem pelo homem encontra suas raízes nos primórdios da sociedade, a antropologia, como ciência social, manifesta seu desenvolvimento teórico nos séculos 19 e 20 sob a influência de um ambiente de transformação social, descobertas científicas e exposição das idéias de Karl Marx, Emile Durkheim, Max Weber e outros pensadores. A partir daí a antropologia passa a ser construída pelo estruturalismo de Lévy-Strauss, o culturalismo de Franz Boas, a proposta interpretativa de Clifford Geertz e a abordagem pós moderna de James Clifford, entre diversas outras influências, moldando variadas abordagens sobre o mesmo objeto de estudo, o homem, e a busca por conhecê-lo em sua multiforme área de vivência. A divisão incipiente da Antropologia em física e cultural não resulta puramente dos métodos usados para estudá-la, mas de sua própria história no desenvolvimento de teorias físicas (biológicas) e culturais (sociais) na pesquisa do homem, sua existência e comportamento (BARRETT, 2009, pp. 5-10).

Tradicionalmente a Escola Americana divide a antropologia em física, cultural, arqueológica e linguística, demarcando mais amiúde suas áreas de pesquisa. A antropologia cultural, bem como outras, possui uma ampla variedade de aplicações e pesquisa como a arte, saúde, educação, alimentação, comunicação, religião, imagem, etnicidade e outras, em franca demonstração da necessidade dos óculos antropológicos na abordagem acadêmica ou prática de qualquer área de experimentação e interação humana.

É nesta esteira da busca pela compreensão do homem que algumas obras influenciaram profundamente o treinamento missionário incorporando ao mesmo o estudo antropológico. Marvin Mayers, Ph.D. em antropologia, publicou Christianity Confronts Culture: A Strategy for Cross-Cultural Evangelism em 1974 contribuindo para a construção de uma ponte entre a evangelização e a sensibilidade cultural. Charles Kraft, com treinamento em antropologia, publicou Christianity in Culture em 1979, demonstrando o quanto a cultura influencia a maneira de compreendermos a teologia. Apesar dos questionamentos teológicos à sua obra houve uma positiva influência no

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treinamento missionário e na observação das influências culturais. Paul Hiebert, antropólogo, missiólogo e missionário, defendeu em seu livro Anthropological Insights for Missionaries, em 1985, que o missionário precisava conhecer as Escrituras, para entendê-la e interpretá-la, e conhecer o homem, para se comunicar com ele. Ao longo de seus 10 livros e 150 artigos expôs a necessidade de uma antropologia aplicada ao contexto, necessidades e ações missionárias, e é provavelmente a maior influência nesta geração quanto ao uso da antropologia no treinamento missionário.

Diversas conferências evangélicas com a intenção de valorizar o uso da antropologia no meio missionário ganharam forma desde meados do século 19. As mais conhecidas foram as de Nova York em 1854, a de Liverpol em 1860 e a de Londres em 1888, esta com 1.600 pessoas representando 53 sociedades missionárias. Porém, neste período o marco de despertamento para o estudo da antropologia no meio missionário ocorreu em Edimburgo em 1910: “Edimburgo é importante porque mostra que missionários lutavam com todas as críticas que antropólogos faziam” (WHITEMAN, 2004, p. 40). O resultado desta conferência foi um amplo e crescente envolvimento com o estudo antropológico no meio missionário mundial.

Podemos aqui propor que a antropologia missionária visa o estudo do homem como ser biológico e cultural com a finalidade de desenvolver relações interpessoais equilibradas e comunicação inteligível em um ambiente de partilha das verdades de Cristo e envolvimento com a sociedade abordada, suas virtudes e desafios.

CONTRIBUIÇÃO MISSIONÁRIA PARA A ANTROPOLOGIA

Segundo Taber (2000) a primeira explícita interação entre missionários e antropólogos ocorreu em 1860 quando missionários passaram a servir como pesquisadores de campo para antropólogos que se alojavam no ambiente acadêmico.

Darrell Whiteman nos diz que “ é importante relembrar que os primeiros antropólogos coletaram informações para a construção de suas teorias a partir de viajantes e, mais tarde, missionários, e não a partir de encontros diretos com ‘os nativos’” (WITHEMAN, 2004, p. 36) e expõe que antropólogos como Tylor e Morgan, dentre tantos outros, utilizaram a força missionária mundial como seus pesquisadores de campo: “Lewis Henry Morgan, autor de Systems of Consanguinity and Affinity in the Human Family (1871) enviou seu questionário sobre parentesco para missionários em todo o mundo, pedindo que preenchessem as informações e enviassem de volta para ele” (WHITEMAN, 2004, p. 36).

Vários outros missionários no fim do século 19 e início do século 20 colaboraram e produziram vasto material para a antropologia mundial, como as importantes etnograficas do missionário anglicano Robert Codrington (1830-1922) que escreveu a obra The Melanesians: Studies in Their Anthropology and Folkore em 1891, John Batchelor (1854-1944) que publicou Ainu Life and Lore em 1927, Charles Fox (1878-1977) que lançou The Threshold of the Pacific: An Account of the Social Organization, Magic, and Religion of the People of San Cristoval in the Solomon Islands em 1924, o missionário francês Maurice Leenhardt (1878-1954), autor do clássico Do Kamo: Person and Myth in the Melanesian World em 1947, (citado por Evans-Pritchard como o autor de uma das melhores monografias antropológicas jamais escritas), William Wiser (1890-1961) que publicou, juntamente com Charlotte Wiser (missionários presbiterianos na Índia) um dos primeiros trabalhos antropológicos sobre aquele país intitulado Behind Mud Walls, em 1930, entre vários outros como Alfred Peny (1845-1935), A. Hopkins (1869-1943) e Walter Ivens (1871-1939), todos missionários-antropológos e pesquisadores de campo.

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Além do trabalho etnográfico de campo pode-se também observar as contribuições no treinamento missionário-antropológico como a iniciativa de Wilhelm Schmidt (1868-1954) que fundou em 1906 o periódico Anthropos para publicação da vasta quantidade de etnografias produzidas por missionários, chegando a mais de 650 publicações, as quais muniam universidades e os mais diversos círculos antropológicos com toda a diversidade de pesquisa e registro (TABER, 1991) .

Apesar da antropologia ser reconhecida como ciência social nos séculos mais recentes ela encontra sua inspiração e fundamento nos encontros de culturas entre os séculos 16 e 19 relatados por viajantes, exploradores, comerciantes e missionários. Durante o chamado “grande século missionário” (1792 a 1914) o movimento missionário evangélico mundial atuou intensamente em cenários interculturais e desenvolveu uma grande quantidade de estudos etnográficos (EKSTRÖM, 2001, pp. 67-73). Este contexto intercultural, bem como a ênfase missionária na formação de líderes locais, plantio de igrejas autóctones e tradução da Bíblia para as línguas maternas, influenciou a expectativa e treinamento missionário mundial incluindo em seu currículo assuntos como linguística, antropologia, interculturalidade e contextualização, com várias outras vertentes.

Em seu livro Anthropology Debt’s to Missionaries os autores destacam a expressiva contribuição das pesquisas e experiências interculturais missionárias ao longo de mais de 3 séculos para a construção da etnografia e moderna antropologia, e destacam que isto ocorria em uma época quando ainda não existia o ambiente de rivalidade entre os segmentos. É comum, ainda em nossos dias, observar a quantidade de informações etnográficas de coleta missionária nas pesquisas e dissertações acadêmicas de terceiros, mesmo que nem sempre tal contribuição receba a devida menção (BROWN, PLOTNICOV, SUTLIVE, 2007).

Eugene Nida explica que esta contribuição missionária para a pesquisa antropológica se dá na coleta, organização e distribuição de informações etnográficas através da sua vivência prolongada com o grupo com o qual se relaciona, o aprendizado da língua materna e busca por um relacionamento aproximado. Não é incomum encontrar missionários vivendo décadas entre um mesmo povo, ou gerações de missionários em uma permanência prolongada no mesmo grupo.

ANTROPÓLOGOS VERSUS MISSIONÁRIOS

Utilizo ‘versus’ de forma exploratória, expondo uma realidade vivida, porém não desejada. Antropólogos e missionários possuem nas últimas décadas uma história de encontros e desencontros devido a vários fatores, conceituais e metodológicos, e talvez especialmente à própria natureza de suas funções na relação com a sociedade. Ao passo que antropólogos se propõe à produção de conhecimento, a partir de uma abordagem de pesquisa e reflexão, missionários se dedicam principalmente à produção de serviço, em ações de relação e intervenção. Antropólogos se aproximam dos grupos humanos com a pergunta “o que significa?”, enquanto missionários o fazem indagando “qual é o sofrimento?”. A primeira pergunta induz à pesquisa e a segunda à evangelização e/ou um projeto social.

Esta diferença funcional explica também as raízes da mútua frustração. Antropólogos percebem as ações missionárias como sendo intervencionistas, geradoras de mudanças e, em uma perspectiva relativista, nocivas ao grupo. Por outro lado, missionários percebem as pesquisas antropológicas como sendo estéreis, com desencanto por não se associarem

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diretamente às necessidades do segmento humano estudado. Não é incomum observar antropólogos questionando a base do conhecimento teórico de missionários em relação à antropologia e cultura (“são despreparados para a interpretação cultural”), como missionários questionando a utilidade da pesquisa antropológica, sobretudo em áreas de grave sofrimento humano (“são dedicados à pesquisa de interesse próprio, mas insensíveis ao outro”).

Quanto ao conhecimento encontramos discordâncias metodológicas. No meio missionário há forte ênfase na permanência prolongada com o grupo com o qual se relaciona, aprendizado da língua e integração com o grupo. São comuns os relatos missionários de permanência prolongada, acima de 10 anos de relação direta com o grupo, com ênfase na relação pessoal. No meio antropológico há forte ênfase na pesquisa, não tanto na relação pessoal. São comuns as pesquisas antropológicas realizadas a partir de uma permanência curtíssima (6 a 12 meses), e com ênfase na metodologia. As críticas que se cruzam seguem este processo de relação com a sociedade da qual se aproximam. Antropólogos diriam que missionários são intuitivos e pouco metodológicos, portanto sem utilização de um processo científico para as interpretações culturais e ações sociais. Missionários diriam que antropólogos são pouco relacionais, insensíveis às demandas comunitárias e, portanto, sem uma integração social necessária para as interpretações culturais. Se nos bastidores das universidades de ciências sociais se cultivam as histórias de missionários que, de forma intuitiva, estariam provocando abusos na relação com outros grupos, nos centros de treinamento missionário são comuns as histórias de antropólogos e suas pesquisas que abrigariam equívocos devido ao pouco conhecimento geral, linguístico e relacional com grupo.

Utilizo estereótipos de antropólogos e missionários para fins de comparação, o que não abrange toda a vivência antropológica nem mesmo missionária. Este distanciamento entre antropólogos e missionários não é uniforme no mundo, havendo lugares com maior ou menos aproximação. Também creio que uma aproximação entre estes dois segmentos – antropólogos e missionários – geraria um ganho científico e social, pois integraria uma pesquisa metodológica mais científica com uma relação social mais integral. Estou certo que tal aproximação acontecerá a partir das relações pessoais entre os segmentos, e a queda de preconceitos.

Ainda pensando nas distinções comparadas, é notável o compromisso do antropólogo com um processo científico-político. As pesquisas e produções literárias seguem escolas e se comprometem com suas teorias, sem transitar entre escolas rivais e evitando cruzamento de citações. Este compromisso científico-político do antropólogo gera cadeias de apoio (e desagravo) a pensadores, escolas e obras. O compromisso do missionário é menor com o processo científico-político e maior com o objetivo sociocomunitário. Neste trânsito, e com estes objetivos, missionários frequentemente pinçam das diversas escolas, teorias e pensadores, as ‘partes’ que se mostram úteis para a leitura de certa realidade e com a finalidade aplicada. Isto se deve a alguns motivos, mas principalmente à necessidade de ver seus estudos e pesquisas transformados em ações comunitárias relevantes que serão testadas logo a seguir em projetos e programas junto a um grupo. Esta distinção, quanto ao compromisso, também é norteadora da metodologia adotada pelas partes e suas expectativas.

MISSIONÁRIOS-ANTROPÓLOGOS

É ainda incipiente a presença de missionários-antropólogos no universo missionário mundial, porém não é nova esta função. Desde 1868 até nossos dias diversos acadêmicos missionários desenvolveram pesquisas e elaboraram estudos motivados pela produção de uma linha de treinamento antropológico e missionário, como George Harris, Wilhelm Schmidt, Edwin

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Smith, Eugene Nida, Louis Luzbetak, Paul Hiebert, Alan Tippett, Charles Kraft, David Hasselgrave, David Barrett e David Bosh, apenas para citar alguns.William Cameron Towsend (1896 – 1982), fundador das organizações Wycliffe Bible Translator e SIL International gerou o foco na tradução da Bíblia para línguas minoritárias fomentando uma grande ênfase no estudo das comunicações interculturais com fundamentação antropológica que segue ainda hoje com a renomada publicação Ethnologue (LEWIS, 2009) e tantas outras ações.

Hiebert (1999, p. 15-6) nos diz que a antropologia colabora com as ações missionárias por (1) fazer compreender situações transculturais, (2) esclarecer tarefas missionárias como a tradução da Bíblia e aquisição de uma nova língua, (3) auxiliar a compreensão dos processos de conversão, incluindo a mudança social, (4) ajudar a comunicar o evangelho de forma relevante para aquele que o ouve, (5) construir relacionamentos interculturais criando pontes de compreensão e comunicação.

Ainda que haja grandes controvérsias a respeito da antropologia aplicada é indiscutível a invariável tendência mundial instrumentalista a qual caminha para, cada vez mais, utilizar a antropologia como área do conhecimento humano aplicada nas soluções dos problemas sociais. A antropologia aplicada é reconhecida como a união entre o conhecimento e a ação, a pesquisa e a atividade. A antropologia missionária pode ser vista, portanto, como a antropologia aplicada às pesquisas e ações missionárias.

No Brasil, a antropologia aplicada ao trabalho missionário foi orientada, em um primeiro momento, por algumas pessoas, dentre as quais destaco os professores Barbara Burns, Frances Popovich, Isabel Murphy, Paul Freston e Rinaldo de Mattos os quais, em suas relevantes e diferentes ações de treinamento, lançaram luz sobre o valor da sociologia, antropologia e fenomenologia da religião no currículo missionário, cujo resultado é visto em quase todos os centros de treinamento missionário em nosso país. Além dos diversos centros de treinamento missionário, algumas iniciativas complementares como o Instituto MultiEthnos e o Instituto Antropos cooperam com a conscientização e formação missionária evangélica com ênfase na antropologia aplicada. A Capacitação Antropológica coordenada pelo Instituto Antropos contribuiu nesta direção treinando 237 missionários entre 2001 e 2009. Também a Faculdade Etnia, estabelecida em 1997, é uma das primeiras pós graduações com ênfase antropológica de orientação missionária. A UniEvangelica e Instituto Antropos lançaram em 2010 a primeira pós graduação em antropologia intercultural no país, e coordenada pelo segmento missionário, crendo ser possível gerar no Brasil um número crescente de missionários-antropólogos nos próximos anos com um efeito positivo também nos centros de treinamento missionário (e não apenas presente atuação de campo) onde boa parte dos missionários-antropólogos devem investir em algum momento de suas vidas e trabalho.

Além das preciosas obras com teor antropológico aplicáveis às ações missionárias no mundo, e várias traduzidas para o Português, algumas publicações neste viés foram escritas no Brasil, nesta incipiente produção de literatura em antropologia missionária: Antropologia Aplicada (Roger Bastide, 1979), Missões e a Igreja Brasileira - Perspectivas Culturais (Timóteo Carriker, 1993), De Todas as Tribos (Isaac Souza, 1996), A Manipulação no Processo de Evangelização (Stephenson Araújo, 1996), Messianismo e modernidade – Repensando o messianismo a partir das vítimas (Luiz Rossi, 2002), Religião e Política, Sim; Igreja e Estado, não (Paul Freston, 2006), Indígenas do Brasil (Organizado por Ronaldo Lidório, 2006), Contextualização: A Fiel Comunicação do Evangelho (organizado por Bárbara Burns, 2007), A Questão Indígena (Organizado por Isaac Souza & Ronaldo Lidório, 2008), O Evangelho e a Cultura, Leituras para uma Antropologia Missionária (Timóteo Carriker, 2008), Antropologia Missionária (Ronaldo

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Lidório, 2008), Fenomenologia da Religião (Cácio Silva, 2009), além do periódico Antropos – Revista de Antropologia, em formato online lançado pelo Instituto Antropos em 2007 e atualmente na 4ª edição.

Foram também publicados no Brasil mais de uma centena de artigos tratando de aspectos da antropologia aplicada às ações missionárias desde a década de 70 e publicados em sites especializados como o periódico Antropos (www.revista.antropos.com.br), Departamento de Assuntos Indígenas da Associação de Missões Transculturais Brasileiras (www.indigena.org.br) e Instituto Antropos (www.instituto.antropos.com.br).

Devemos perceber, portanto, que missionários-antropólogos estiveram sempre presentes ao longo da história das missões desde 1868 com forte produção literária e também grande influência nos centros de treinamento missionário mundial.

ANTROPOLOGIA DA COMUNICAÇÃO E AS DEMANDAS MISSIONÁRIAS

Há contínua necessidade da Antropologia missionária prosseguir em outros degraus de estudo, pesquisa e aplicação. Por um lado, devido a sua ênfase etnográfica estudos foram feitos em milhares de grupos e segmentos sociais nos ultimos 150 anos envolvendo cosmovisão, organização social e análise linguística.

Se a experiência de campo é um ponto forte entre a comunidade missionária mundial, a ausência de métodos de pesquisa tem sido um de seus desafios. Diversos métodos surgiram no intuito de fornecer ao segmento missionário ferramentas de pesquisa, estudo e comunicação em contexto intercultural, especialmente ligados às sociedades missionárias no século 19 e início do século 20. Outros, com maior rigor científico, surgiram a partir da década de 60. Basicamente são métodos em três áreas distintas: a antropologia (métodos etnográficos e de registro cultural), a linguística (métodos de análise linguística e tradução da Bíblia), e a missiologia (métodos de evangelização transcultural e plantio de igrejas culturalmente relevantes).

De forma geral poderíamos afirmar que o contexto de treinamento missionário necessita passar de sua fase etnográfica e adentrar a etnológica. É preciso não se contentar tão somente na coleta sistemática de dados culturais, mas também em sua análise e compreensão, e nesta direção há duas áreas de forte carência de atenção nos estudos e preparo missionário mundial: o estudo da identidade cultural e a comunicação intercultural.

Laburthe-Tolra e Warnier conceituam identidade como “um princípio de coesão por uma pessoa ou grupo. Ela permite que se distinguam dos outros, se reconheçam e sejam reconhecidos” (1997, p. 420). Os estudos identitários são de vital importância para uma compreensão mais profunda do outro (como ele se vê), sua percepção de pertencimento e para tornar os encontros e diálogos inteligíveis e aplicáveis. A ausência deste estudo fatalmente conduzirá a intervenções desfavoráveis ao contexto e real necessidade do grupo com o qual se relaciona. Identidade cultural é um estudo utilizado para o desenvolvimento de padrões de observação, compreensão e relacionamento entre culturas, o que sugere uma forte influência não apenas nos aspectos relacionais mas também comunicacionais entre os grupos.

William Gudykunst e Bella Mody em sua obra Handbook of Intercultural and International Communication fazem uma diferenciação intencional e sistemática entre comunicação transcultural, intercultural e internacional. Identifica comunicação transcultural como sendo comparativa, entre elementos e segmentos de culturas distintas. O objetivo primário da comunicação transcultural é a compreensão a partir do ponto de vista do experimentador da

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cultura observada ou estudada. Desta forma, a transculturalidade torna-se, como área de pesquisa e estudo, ferramental e útil, sobretudo para ambientes de construção de relacionamentos, negociações e comércio (GUDYKUNST & MODY, 2002)

Poderíamos afirmar que comunicação intercultural, por sua vez, tem o seu foco na comunicação entre pessoas de culturas distintas sendo menos comparativa e mais relacional . O objetivo principal da comunicação intercultural é a troca (de informação, conceitos, vivência e/ou qualquer outra área de conhecimento e cultura) a partir das relações comunicacionais. A interculturalidade, portanto, pode ser vista como um fenômeno de encontro de culturas e troca de conhecimento e vivência. Se por um lado é menos utilitária que a comunicação transcultural, em que distingue de forma plena o transmissor do receptor, por outro propõe-se a gerar um ambiente favorável a relações mais profundas em que transmissor e receptor se fundem na busca pelo sentido, conhecimento e diálogo.

De certa forma poderíamos afirmar que enquanto a comunicação transcultural objetiva a compreensão (de um sobre outro), a intercultural propricia o diálogo (de um com o outro). Comunicação intercultural e internacional também constituem áreas de diferentes focos e pesquisas, visto que nasceram a partir de demandas igualmente distintas. A comunicação intercultural parte da análise do indivíduo e sua sociedade, seu bojo cultural e sua cosmovisão. A comunicação internacional parte de uma análise mais contextual, da nação, país, empresa ou qualquer outro ambiente que lhe sirva de plataforma para a definição do contexto de análise, com suas normas, conceitos, organização e cultura. Enquanto a primeira se propõe a gerar elos de ligação, relacionamentos dialógicos na construção de valores, a segunda busca soluções para mútuo entendimento na construção de programas e projetos.

Poderíamos, portanto, sugerir que a antropologia missionária seja dialógica (por se fundamentar na troca de informações e percepções da visão de mundo), relacional (que se desenvolve nos ambientes de relacionamento pessoal), intercultural (ambienta-se na sociedade humana e no encontro de culturas), ideológica (objetiva comunicar valores bíblicos) e comunicacional (valoriza os processos de transmissão da mensagem na língua do grupo com o qual se relaciona).

EVANGELIZAÇÃO

A antropologia missionária cristã, buscada e defendida, não é impositiva nem destruidora de culturas, pois contém salvaguardas éticas e relacionais, que são também bíblicas. As ações missionárias, porém, são julgadas ao longo da história (e ainda o são hoje) a partir dos fantasmas da imposição catequista que houve durante os processos colonialistas. Deve-se fazer, portanto, a diferença entre evangelização e catequese, diferenciação esta não apenas metodológica mas conceitual, ou seja, que expressa as transformações quanto a abordagem do outro e exposição do evangelho nos últimos séculos.

Por catequese me refiro não apenas ao modelo tradicional católico romano, mas a qualquer modelo – cristão ou não cristão, católico ou evangélico – que se baseie (1) na imposição de valores em lugar de sua exposição, (2) nos códigos de quem transmite e não de quem recebe, (3) na proposta de relação do grupo alvo com a igreja-instituição e não com a igreja-pessoas, (4) no alvo de adequar o ouvinte a uma forma religiosa nominal, e (5) não ajudá-lo a compreender o sentido do evangelho.

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Assim, propõe-se uma comparação didática. Enquanto a evangelização se dá com os códigos do ouvinte, (língua materna e cultura) a catequese ocorre com os códigos do transmissor. A evangelização se concentra na mensagem do evangelho a ser transmitida enquanto a catequese se centraliza nos símbolos e estrutura da igreja que o faz. Se por um lado a evangelização tem como alvo o povo e a geração de um acesso ao conhecimento de Cristo, a catequese visa a igreja-instituição e seu fortalecimento estrutural. A evangelização é dialógica e relacional, uma vez que utiliza de processos de conversação, exposição e discipulado, que visa o entendimento da mensagem e sua aplicação na vida diária. A catequese é impositiva e distanciada, pois ocorre no ensino não dialogado e em um ambiente de transmissão sem conversação, quase puramente litúrgico.

A antropologia missionária possui a função de, por meio da educação antropológica, evitar os processo de catequese e fomentar a evangelização com característica dialógica, ética, relacional, inteligível e funcional.

ÚLTIMAS PALAVRAS

Ao longo de 1 século e meio de publicações antropológicas com aplicabilidade missionária podemos observar o grande valor que antigos missionários, bem como sociedades missionárias, deram ao uso da antropologia para o direcionamento de suas abordagens de campo e o treinamento das novas gerações. Pontuo alguns valores da antropologia missionária:

1. Leva a perceber os diferentes contextos no qual se está inserido, e prepara para neles transitar.

2. Expõe a importância e complexidade da cultura, bem como as possibilidades científicas de interpretá-la.

3. Identifica os mecanismos sociais que colaboram para melhor aquisição linguística e integração pessoal no grupo abordado.

4. Conscientiza que todo encontro cultural é um processo de troca e, como tal, ao mesmo tempo rico e sensível.

5. Destaca a relevância da compreensão da cultura para o desenvolvimento de ações comunitárias que evitem o paternalismo, o assistencialismo e o imposicionismo.

6. Colabora na identificação, com o grupo, das áreas de carência e demanda social e as possibilidades de ações de minimização do sofrimento humano.

7. Instrui sobre a abordagem evangelizadora, para que seja inteligível para o receptor e ética entre as partes.

8. Apresenta a sociedade humana de forma completa, inserida em sua cultura, e não divorciada do seu contexto e história.

9. Capacita metodológica e cientificamente para a análise cultural e os processos de comunicação interpessoal, cultural, transcultural, intercultural e internacional.

10. Ajuda a apresentar Jesus Cristo como a verdade de Deus para o próprio povo, em sua visão de mundo, e não como uma história distanciada do grupo.