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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
UMA HISTÓRIA DE PARTIDOS: ORGANIZAÇÃO E ATUAÇÃO POLÍTICAS DA ELITE MARANHENSE A PARTIR DA ASSEMBLEIA PROVINCIAL E DA
PRESIDÊNCIA DA PROVÍNCIA (1842/1857)
NÍVEL: MESTRADO
ARTHUR ROBERTO GERMANO SANTOS
Guarulhos
2016
ARTHUR ROBERTO GERMANO SANTOS
UMA HISTÓRIA DE PARTIDOS: ORGANIZAÇÃO E ATUAÇÃO POLÍTICAS DA ELITE MARANHENSE A PARTIR DA ASSEMBLEIA PROVINCIAL E DA
PRESIDÊNCIA DA PROVÍNCIA (1842/1857)
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de São Paulo como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em História.
Orientador: Prof. Dr. André Roberto de Arruda Machado
Guarulhos 2016
SANTOS, Arthur Roberto Germano Santos.
Uma história de partidos: organização e atuação políticas da elite maranhense a partir da Assembleia Provincial e da Presidência da Província (1842/1857) / Arthur Roberto Germano Santos. – Guarulhos, 2016.
136fls. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de São Paulo, Escola
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Pós-graduação em História, 2016.
Orientador: André Roberto de Arruda Machado.
A history of parties: political organization and action of Maranhão’s elite from the Provincial Assembly and the Provincial Presidency (1842/1857).
1. Província do Maranhão. 2. Assembleia Provincial. 3. Presidência da Província. 4. Partidos 5. Elites Políticas I. Machado André R. de Arruda II. Universidade Federal de São Paulo
A tristeza que me salteou então, salteia-me novamente ao escrever essas últimas cansadas, e enfadosas linhas. Não há remédio, curvo-me ao destino inexorável, e já agora assinar-me-ei sem murmurar.
Timon, o Misantropo
AGRADECIMENTOS
Finalizar um trabalho deste tipo é sempre lembrar sua natureza coletiva, e a
trajetória que o possibilitou. Desta feita, agradeço a CAPES, por ter financiado esta
empreitada e permitido que eu pudesse me dedicar integralmente ao processo de
pesquisa e escrita.
Agradeço, primordialmente, ao meu orientador, André Machado, que nesses
anos de mestrado, com suas palavras firmes, sua presença constante e seu incentivo, foi
fundamental para a finalização da pesquisa. Sua sugestão de que eu pensasse a
construção do meu trabalho à moda de João José Reis e de István Jancsó, dois dos
maiores historiadores que já tive a oportunidade de ler, sempre me fez pensar que ele
esperava as melhores coisas de mim. Espero, aqui, recompensar pelo menos parte dessa
expectativa. À professora Wilma Peres Costa, que abraçou com entusiasmo o meu tema
quando ingressei na UNIFESP e me deu dicas preciosas na qualificação, agradeço
muitíssimo, assim como à professora Andréia Slemian, que com sua cuidadosa leitura
do meu trabalho me ajudou a compreender e pensar outras problemáticas suscitadas por
ele. Agradeço ainda aos demais professores do Programa de Pós-Graduação em História da
UNIFESP, pelas discussões e debates instigantes e pela riqueza das leituras propostas,
especialmente aos professores Edilene Toledo, Jaime Rodrigues, e Luigi Biondi.
A amizade foi igualmente importante nessa trajetória. A meu grande amigo Thiago
(Leite) Mota, parceiro de discussões e debates por vezes ferrenhos, companheiro nos
momentos felizes e difíceis, que compartilha comigo a maranhensidade da qual somos
constantemente lembrados e também muitos momentos dessa vida, meu fraterno
agradecimento.
A UNIFESP não me proporcionou somente a oportunidade de estudar e aprender,
mas de conhecer pessoas muito interessantes. Eu me tornei amigo de algumas delas e quero,
agora, agradecê-las por compartilhar o caminho comigo. À Gabriela Nery, as palavras
parecem insuficientes. De uma amizade singular, possível devido a uma série de eventos
excepcionais, hoje compartilhamos mais do que afinidades acadêmicas: uma vida de
projetos e vivências. Muito obrigado por tudo.
A Rafael Domingos, que me acolheu mais de uma vez e se tornou um parceiro
intelectual por oposição (normalmente às minhas ideias, mas às vezes a mim) e um amigo; à
querida Anita Lazarim, companheira do oitocentos, de debates e controvérsias, e também de
partilhas e viagens; a Victor Figols, que deixou de ser um parceiro das quintas mágicas para
se tornar um de todas as horas; ao Carlos Malaguti, Maria Clara Castro, Caio Gerbelli,
André Rocha, Lucas Thiago, Paula Broda, Kauan Willian e demais do Conselho Editorial
da Hydra, meu mais sincero agradecimento.
O maior agradecimento, certamente, é para minha família, e em especial aos meus
pais. Eu só consigo imaginar o quão difícil foi para vocês, após tudo o que aconteceu,
aguardar que eu terminasse essa jornada. À minha Mãe, dedico estas e outras palavras, e a
ela agradeço com o mais sincero e verdadeiro amor. Pai, eu sei que foi difícil, mas aqui está.
Minha gratidão é infinita, assim como minha admiração, afeto e carinho. Aos meus
‘irmãos’, Bia e Neylor, obrigado pelo companheirismo e amparo. Nossas experiências
compartilhadas e as palavras de apoio de vocês foram um sólido esteio nessa jornada. Apoio
foi essencial, e da minha Tia Remédios eu o recebi numa escala que será difícil retribuir.
Nunca esquecerei o que a senhora fez por mim, e lhe agradeço imensamente. Yuri, meu
“prirmão”: teus estímulos foram muito importantes para mim, e nosso laço, natalício,
ultrapassa em muito essa eventualidade. A Marina e Seane: agradeço vocês pela amizade.
Por fim, agradeço à Stéphanie, a pessoa que esteve comigo por todo esse tempo e
que, espero, estará por muito mais. Sem a tua presença na minha vida esse trabalho não
seria possível. Espero estar à altura de tal amor e companheirismo.
RESUMO
A presente pesquisa pretende estudar e analisar a organização e atuação da elite política
provincial maranhense, em meados do século XIX, entre 1842 e 1857. Busca
compreender, dentro e partir do espaço institucional da Assembleia Provincial, sua
capacidade de manobra e influência nos assuntos do governo provincial e, por
conseguinte, se conseguia realizar seus (possíveis) projetos. Para tal, a pesquisa abrange
o período de início de funcionamento normal da Assembleia Provincial até o ano de
1857, legislatura posterior à lei de Círculos, que reconfigura a forma de composição do
legislativo provincial; estuda, ainda, o funcionamento da Presidência da Província,
órgão idealizado como o representante local do governo central, para compreender a
relação desta instituição com a Assembleia e os limites estabelecidos para a ação da
última. Para averiguar como se realizava a atuação das elites locais no âmbito do
governo provincial, analisarei um corpus documental específico, qual seja: as atas da
Assembleia, leis orçamentárias, correspondência oficial, relatórios dos presidentes de
província e orçamentos. Para compreender o debate público que enseja as ações do
deputado, recorrerei aos jornais do período. Por fim, consultarei as coleções de Leis do
Império e da Província para entender a organização institucional.
Palavras-chave: Província do Maranhão, Assembleia Provincial, Presidência da
Província, Partidos, Elites Políticas.
ABSTRACT
This research aims to study and analyze the political organization and action of
Maranhão’s provincial elite in the mid-nineteenth century, between 1843 and 1857. It
seeks to understand, within and from the institutional space of the Provincial Assembly,
its maneuverability and influence in the affairs of provincial government, and therefore,
it they could carry out their (potential) projects. To this end, the research covers the
beginning of the normal functioning of the Provincial Assembly until the year of 1857,
the subsequent legislature to the Lei dos Círculos, which reconfigures the form of
composition of the provincial legislature; it also studies the functioning of the
Provincial Presidency, body idealized as the local representative of the central
government, to understand the relationship of this institution with the Assembly and the
limits set for the actions of the latter. To verify how the local elites acted in the
provincial government, I will analyze a specific documentary corpus, namely: the
minutes of the Assembly, budget laws, official correspondence, reports of the provincial
presidents and budgets. To understand the public debate that entails the Member's
actions, I shall turn to the newspapers of the period. Finally, I will consult the
collections of Laws of the Empire and the Province to understand the institutional
framework.
Key-words: Maranhão Province, Provincial Assembly, Provincial Presidency, Parties,
Political Elites.
LISTA DE MAPAS, GRÁFICOS E TABELAS Mapa 1 BACIAS HIDROGRÁFICAS DO MARANHÃO...................................................41
Mapa 2 NORTE DO MARANHÃO, SÉCULO XIX ….................................................….49
Tabela 1 DEMOGRAFIA DO MARANHÃO: SÉCULOS XVII, XVIII E XIX......................42
Tabela 2 JUNTAS PROVISÓRIAS....................................................................................48
Tabela 3 JORNAIS MARANHENSES................................................................................63
Tabela 4 DISTRIBUIÇÃO DE INFLUÊNCIA DO PARTIDO CONSERVADOR (1840/1860) .....................................................................................................................…..65
Tabela 5 DISTRIBUIÇÃO DE INFLUÊNCIA DO PARTIDO LIBERAL (1840/1860)............65
Tabela 6 LEGISLATURAS ............................................................................................69
Tabela 7 DEPUTADOS QUE TOMARAM ASSENTO NAS LEGISLATURAS ANTERIOR E POSTERIOR À LEI DOS CÍRCULOS................................................................145
Gráfico 1 PORCENTAGEM DAS DOTAÇÕES ORÇADAS EM RELAÇÃO À RECEITA (1846-1847).......................................................................................................133
Gráfico 2 EVOLUÇÃO DA RECEITA PROVINCIAL (EM CONTOS DE RÉIS)................135
Gráfico 3 DOTAÇÕES DA FORÇA POLICIAL E OBRAS PÚBLICAS EM RELAÇÃO À RECEITA..........................................................................................................135
Quadro 1 DEMONSTRATIVO DO NÚMERO DE CIDADÃOS QUALIFICADOS VOTANTES NAS DIFERENTES FREGUESIAS DA PROVÍNCIA DO MARANHÃO...................................................................................................109
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................... p. 12
CAPÍTULO I. O GOVERNO DAS PROVÍNCIAS E A PROVÍNCIA DO
MARANHÃO
1.1 Províncias de um Império................................................................................ p. 29
1.1.1 A Assembleia Legislativa Provincial e a Presidência da Província............... p. 34
1.2 O Maranhão: economia e sociedade................................................................ p. 38
1.3 A composição da elite maranhense.................................................................. p. 47
CAPÍTULO II. ORGANIZAÇÃO POLÍTICA
2.1 Elite provincial maranhense e a ocupação da política....................................... p. 67
2.2 Uma história de partidos................................................................................... p. 74
2.3 Contra o presidente: acusações e disputas ....................................................... p. 93
2.4. Ainda o presidente: anulações e fraudes nas eleições.................................... p. 103
CAPÍTULO III. ATUAÇÃO POLÍTICA
3.1. Legislaturas.................................................................................................... p. 118
3.1.1 As legislaturas ligueiras.............................................................................. p. 129
3.1.2 O tesouro provincial em disputa nas legislaturas posteriores....................... p. 137
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ p. 142
FONTES E BIBLIOGRAFIA GERAL DA PESQUISA.................................. p. 148
a) Fontes documentais.......................................................................................... p. 148
b) Fontes bibliográficas........................................................................................ p. 150
12
INTRODUÇÃO
Este trabalho analisa a organização e atuação políticas dos Presidentes de
Província e dos deputados da Assembleia Legislativa Provincial do Maranhão entre
1842 e 1857. Irá privilegiar, especificamente, a cidade de São Luís, onde se localizava o
governo provincial, composto pela Presidência da Província e pela Assembleia
Provincial. A primeira será analisada porque era considerada a representante do governo
central em âmbito local e a responsável por preservar os interesses daquele. A
presidência tinha, dentre outras atribuições, a capacidade de veto de projetos
apresentados pela Assembleia (embora este veto fosse apenas suspensivo e pudesse ser
derrubado pelos deputados). A segunda, por ser considerado, pela historiografia, o local
privilegiado de ação das elites locais, onde eram votadas as leis orçamentárias da
província, criados impostos, resolvidas questões sobre a instrução pública, obras
públicas, bens provinciais e, ainda, legislava-se sobre empregos provinciais e
municipais, entre outras atribuições. A escolha da província do Maranhão se deve ao
fato de ela permitir lançar luz tanto nas questões no estudo de outras províncias
anteriormente analisadas por esse enfoque (São Paulo, Pernambuco, Bahia, Rio de
Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais), como por suscitar novos questionamentos.
Ou seja, pretendo inscrevê-la no quadro geral e, ao mesmo tempo, perceber sua
especificidade1. Para a elite provincial maranhense, no plano dos discursos e projetos, o
desenvolvimento econômico da província era muito importante. Na prática (ainda
idealizada no discurso), isto se realizaria pela educação moral e civilização dos
“indolentes” (livres pobres, indígenas), substituição da mão-de-obra servil e escrava,
considerada de baixa qualidade, pela mão-de-obra estrangeira e pela reorganização das
contas públicas e realização de obras para o avanço da estrutura produtiva da província2.
Dessa forma, o problema que moverá o trabalho é o seguinte: qual a organização
e atuação da elite política provincial maranhense – a partir do espaço de intervenção 1 Como asseverou Jancsó, a interface Estado-nação ganha novos contornos quando pensada a partir das virtualidades, processos, conflitos e contradições que “perpassavam a simultânea moldagem de ambos”, ciente que “a ampla gama dos projetos políticos que tiveram vigência no continente do Brasil entre o final do século XVIII e meados do XIX expressava também uma diversidade de virtualidades políticas de tipo nacional à qual não se deveria ignorar”. JANCSÓ, István. Este livro. In: ____________. (org.). Brasil: formação do Estado e da Nação. São Paulo: Hucitec, Unijuí, Fapesp, 2003, p. 15-16. 2 Cf. FARIA, Regina Helena Martins de. A transformação do trabalho nos trópicos: propostas e realizações. Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco. Recife. 2001 e ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. A ideologia da decadência: uma leitura antropológica da história da agricultura no Maranhão. Rio de Janeiro: Casa 8, 2008.
13
aberto pela Assembleia – para levar a cabo seus (possíveis) projetos na administração da
província do Maranhão? Para verificar esta questão, proponho o estudo a partir dos
trabalhos da Assembleia Legislativa Provincial. Importa, aqui, analisá-la no período de
normalidade institucional, pois em um período como o da Balaiada a Assembleia teve
funcionamento atípico. Assim, o início do exame se dá em 1842, princípio da legislatura
imediatamente posterior à “Guerra”. O corte em 1857 permite, além de uma visão
dilatada, perceber de forma mais aprofundada os eventos que estruturam suas disputas,
pois finda em legislaturas importantes. Primeiro, foram legislaturas que viram o
orçamento provincial obter incremento relevante (devido, dentre outras razões, ao
aumento na arrecadação dos impostos com a venda de escravos), como foi uma das
mais produtivas do ponto de vista da aprovação de leis. Segundo, em 1855, foi
promulgada a Lei dos Círculos, lei que, segundo aponta José Murilo de Carvalho3, foi
produzida para evitar o provincialismo nas bancadas da Assembleia Geral, uma vez que
os deputados agora seriam eleitos pelos votos do Distrito, não pelos votos de toda
Província. Esperava-se que o caráter compósito das bancadas acabaria diminuindo a
coesão de suas querelas. Como as Assembleias Provinciais deveriam seguir as mesmas
regras, um novo quadro se apresenta. Conforme Miriam Dolhnikoff4 argumentou, a
organização legal vigente até então “impedia que fazendeiros com influência apenas em
uma pequena localidade dominassem o Legislativo. Assim, “[s]omente aqueles com
capacidade de obter votos nos mais diversos pontos da província, transcendendo o
âmbito local, conseguiriam ser eleitos”. Ao finalizar a análise em 1857, pretendo,
portanto, verificar se houve mudança no perfil dos deputados eleitos na legislatura que
encerra após a promulgação lei dos círculos; isso permite, ainda, apontar se houve ou
não reconfiguração dos grupos políticos no âmbito provincial.
*
No debate sobre a Independência e construção do Estado nacional brasileiro, tem
prevalecido a perspectiva de que as elites locais, as forças centrífugas que tenderiam ao
esfacelamento do território, advogavam projetos localistas, em detrimento de uma
orientação nacional aventada por uma elite radicada no Rio de Janeiro. Existe um 3 Cf. CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem; Teatro de Sombras. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2007. 4 DOLHNIKOFF, O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil do século XIX. São Paulo: Globo, 2005, p. 98.
14
conjunto de trabalhos - hoje considerados clássicos na historiografia do período - que
sustenta essa interpretação. Sendo assim, considero importante cotejá-los para que eu
possa situar, com maior precisão, o lugar do qual parto para realizar o meu trabalho.
Sérgio Buarque de Holanda, em sua interpretação seminal sobre a
Independência, compreende que, de fato, a “Nação” brasileira não foi forjada com o
processo de emancipação política. Pelo contrário, esta poderia, inclusive, ser
considerada “simples guerra civil de portugueses”5, de importância menor para
evidenciar a construção da unidade do país. Assim, Holanda aponta que se no plano da
estrutura social e econômica a aristocracia agrária e os burocratas reinóis não
pretendiam realizar mudanças significativas, uma vez que eram seus privilégios que
estavam em questão, no plano das instituições foi necessário realizar grandes esforços
para a criação de um Estado centralizado e robusto, capaz de manter a unidade desejada.
Desse modo, Holanda compreende que a ideia de “causa nacional” talvez seja
uma falsa questão para retratar o momento da independência: segundo ele, “no Brasil as
duas aspirações – independência e unidade – não nascem juntas e por longo tempo não
caminham de mãos dadas”6. Esse ponto é fundamental para a sua análise, pois já denota
a complexa imbricação entre as tendências de “unidade” e “dispersão”, ecoando uma
propensão advinda do passado colonial brasileiro (localismo x centralização): Pois não é durante a Regência e, ainda, nos oito ou nove anos que se seguem à Maioridade, que forças centrífugas latentes, capazes de, sem um freio, levar à desintegração do Império bragantino na América, se fazem mais ruidosamente manifestas? Se fosse possível marcar mais nitidamente o remate do processo tendente à unidade nacional, depois da dispersão, caberia talvez situá-lo por volta de 1848, o ano em que nossos liberais quebram os remos7.
Assim, a desagregação da herança colonial se daria, como se deu, na visão de Holanda,
quando os potentados locais estivessem submetidos à autoridade do governo central.
Controlados os localismos e suplantados os meios que, por tanto tempo, lhe deram
vazão, os conservadores, em 1840, buscarão revigorar o governo central, em detrimento
das Assembleias provinciais8.
5 HOLANDA, Sérgio Buarque de. A herança colonial: sua desagregação. In: ________. História geral da civilização brasileira. (tomo II O Brasil Monárquico, vol. 1). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004, p. 13. 66 Idem, Ibidem, p. 9. 7 Id., Ibid., p. 15. 8 Id., Ibid., p. 25.
15
Maria Odila Leite Dias, em conhecido ensaio, entende seguir um caminho muito
próximo ao trabalho de Sérgio Buarque de Holanda9. Neste, ela estuda o processo de
interiorização da metrópole no eixo Centro-Sul do país. A sua intenção é desvencilhar-
se de interpretações que enfocam a emancipação política como revolução brasileira
nativista. Para ela, a separação política prescinde de um caráter nacional, e não foi a
responsável pela unidade territorial do país. Nesse sentido, a integração entre as
províncias ocorre a partir da imposição da corte, no Rio de Janeiro, galgada por meio da
luta pela centralização e da “vontade de ser brasileiros”, para ela, quiçá “uma das
principais forças políticas modeladoras do império”10. É nesse quadro de lutas que a
centralização aparece como alternativa plausível para coibir possíveis – e temidas –
revoltas escravas, bem como dar continuidade a uma forma de exploração econômica
que remetia aos tempos coloniais. O 'haitianismo' – o temor de uma insurreição de
escravos ou de mestiços como a que ocorreu no Haiti em 1794 – desempenhou um
papel político fundamental frente aos regionalismos e a diversidades de interesses que
poderiam criar cisões entre as classes dominantes da colônia11.
Nessa interpretação, a Corte e o Império brasileiro seriam praticamente uma
extensão da estrutura colonial. O processo de consolidação nacional teria ocorrido por
meio de acordos entre as elites, com imposições do poder central sobre os interesses
regionais.
José Murilo de Carvalho, por sua vez, ao estudar a elite política imperial, discute
a importância de uma socialização comum e de uma mentalidade forjada nos quadros do
Antigo Regime Português para o surgimento de uma elite política homogênea, munida
de “concepção e capacidade de implementar determinado modelo de dominação
política” nacional12, diferente dos modelos ambicionados pelas elites regionais,
considerados forças centrífugas por possuírem demandas localistas dos respectivos
grupos provinciais. Para ele, a relevância da elite está ligada ao peso maior que cabia à
iniciativa do Estado em forjar a nação. Isso era especialmente notável em países como o
Brasil, de capitalismo atrasado ou frustrado, onde, na ausência de uma burguesia
9 Ainda que, do ponto de vista interpretativo, ela esteja analisando o processo numa chave distinta, enfatizando como a própria transmigração da Coroa Portuguesa para o Brasil já é em si uma ruptura, ruptura que carrega consigo as dissidências internas entre portugueses do reino e portugueses da corte que levarão à ruptura política formal com Portugal. 10 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole (1808 - 1853). In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). 1822: dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1986, p. 169. 11 Idem, Ibidem, p. 175. 12 CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem; Teatro de Sombras. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2007, p. 21.
16
relevante capaz de regular as situações de mercado, caberia ao Estado tomar as medidas
necessárias. Assim, o Estado imporia uma trajetória específica13, e “agiria por meio da
burocracia que ele treinava para as tarefas de administração e governo. Essa burocracia
poderia ter composição social variada”, entretanto “era sempre homogênea em termos
de ideologia e treinamento”14. No Brasil, nas palavras do próprio José Murilo de
Carvalho, o elemento localista foi recorrente no processo de Independência e durante
toda a Regência. A centralização imperial foi uma façanha do governo imperial
influenciada por vários fatores: a formação da elite política, as revoltas, a perturbação
da ordem social escravista, o temor da fragmentação, o apelo simbólico da monarquia15.
Para ele, a vitória do “projeto nacional” sobrepujou os interesses provinciais e os
manteve afastados do centro de irradiação do poder: o governo central.
A interpretação de Ilmar Rohloff de Mattos se dá em chave teórica bastante
distinta da dos trabalhos anteriores16. Em O Tempo Saquarema, Mattos analisa a
importância do partido conservador e da classe dirigente a sua frente - os Saquaremas -
na construção e consolidação do Estado brasileiro.
Sua principal contribuição se pauta na ideia de que o Estado Imperial, passado o
período da “Reação”, tem a direção definida pelo Partido Conservador e, dentro dele,
pelo grupo Saquarema. A construção dessa direção política teve como base a inclusão
dos Luzias, os liberais, mas de forma subordinada, tolhendo e controlando a
participação destes nas questões decisórias. É importante notar que para Ilmar Rohloff a
classe senhorial não é um produto direto da estrutura escravista, mas tem uma formação
histórica bastante específica. Nesse sentido, a formação do Estado ocorre em
concomitância com a da classe que a dirige. Só é possível dimensionar a relevância das
lutas pelo poder entre “trindade saquarema” e os luzias na construção do “tempo
saquarema” como hegemonia política, como “direção moral e intelectual” do país tendo
em vista essa peculiaridade. Em uma leitura gramsciana do Estado - o Estado na forma
ampliada - as organizações ditas privadas são parte de sua morfologia, e utilizam os
13 Nesta trajetória a educação Coimbrã - e depois as faculdades de direito de Pernambuco e Sâo Paulo - a influência do “direito romano, a ocupação burocrática, os mecanismos de treinamento, tudo contribuía para dar a elite que presidiu a consolidação do Estado imperial um consenso básico em torno de algumas questões essenciais”, diferente dos anseios localistas das facções provinciais. CARVALHO, op. cit., p. 231. 14 Idem, Ibidem, p. 229. 15 CARVALHO, José Murilo de. Pontos e bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: UFMG, 1998, p. 179. 16 MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema: a formação do Estado Imperial. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Acess, 1999.
17
aparelhos privados de hegemonia para tornar suas visões de mundo universais17. No
Brasil, foram os cafeicultores os responsáveis pela moldagem e conteúdo do Estado no
Império, tornando-se (e tornando-o) assim o principal agente histórico de ação.
É interessante perceber que apesar de produzir um trabalho de matriz
completamente distinta, Ilmar Mattos acaba insistindo no fato de que há um agente
histórico (a classe senhorial) que imprime um projeto nacional a partir do Estado e
submete os grupos locais (e suas demandas) ao seu julgo e direção. “Com efeito, se os
Saquaremas conseguem estar no governo do Estado e no governo da Casa, é por que
eles também forjaram a Coroa em partido [...]”18.
Destarte, é com o recente trabalho de Miriam Dolhnikoff19 que emerge a
interpretação de que no Brasil, em vez de assistirmos a uma progressiva centralização
político-administrativa materializada a partir das medidas do chamado “Regresso
Conservador”, ultimado em 1841, teríamos, pelo contrário, uma configuração
institucional de tipo federalista, proporcionada pelo “Avanço Liberal” de 1831, e não
suprimida posteriormente. Essa interpretação ampara-se, em linhas gerais, no exame
mais demorado da capacidade legislativa e extrativa das províncias daquela época20. A
autora chegou à conclusão de que as províncias dispunham, na verdade, de uma
capacidade extrativa relativamente ampla, a despeito das impressões legadas por parte
da historiografia. Dessa maneira era possível às elites locais - graças à implantação de
um arranjo político pelo qual foram acomodadas, em vez de sufocadas pela
centralização - disporem de uma parcela significativa de autonomia para realizarem a
administração provincial.
A interpretação de Dolhnikoff, acredito, permite entender a dinâmica da política
provincial de outra maneira, permitindo ir além da premissa da centralização político-
17 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Vol. 2, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p. 254-255 e __________. Cadernos do cárcere. Vol. 5, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 84. Para uma discussão sobre a pertinência desses conceitos para analisar a política imperial, ver MARTINS, Maria Fernanda Vieira. Das Racionalidades da História: O Império do Brasil em perspectiva teórica. Almanack, v. 04, p. 53-61, 2012 e SALLES, Ricardo. O Império do Brasil no contexto do século XIX. Escravidão nacional, classe senhorial e intelectuais na formação do Estado. Almanack, v. 1, p. 5-45, 2012. 18 Mattos, op. cit., p. 169. 19 DOLHNIKOFF, Miriam. Elites regionais e a construção do Estado nacional. In: JANCSÓ, István (Org.). Brasil: formação do Estado e da Nação. São Paulo: Hucitec, Unijuí, Fapesp, 2003. ____________. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil do século. XIX. São Paulo: Globo, 2005. 20 Especificamente: Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo.
18
administrativa avançada pelos outros autores21. Pretendo, nesse sentido, seguir a senda
aberta por esta autora no estudo da política provincial maranhense. Por conseguinte, o
farei na análise da organização e atuação (e dos limites impostos a essa atuação) da elite
maranhense no período recortado. Partirei do pressuposto de que “as elites regionais
constituíam-se também em elite política, cujo desejo de autonomia não era sinônimo de
uma suposta miopia localista e estava acoplado a um projeto político que acomodava as
reivindicações regionais em um arranjo nacional”22.
**
Acredito ser notório que boa parte do debate anteriormente aludido aponta, de
alguma forma, para a questão da centralização vs. descentralização. Sobre isso, gostaria
de fazer algumas observações. Por um lado, a perspectiva de que as elites locais eram
elites localistas é sustentada, nesta historiografia, por duas percepções centrais: em
primeiro lugar, a de que o Estado se formou antes da nação, logo a unidade tinha que ser
forjada pelo ente forte da equação, o Estado; em segundo lugar, essa tendência
centrífuga era resultado do localismo das próprias elites provinciais, engolfadas em
disputas intestinas que convulsionaram a ordem imperial em construção (a Regência é o
exemplo fundamental aqui). Por outro lado, dessas percepções decorre que o esforço
para a centralização era, também, um esforço para a unidade, unidade alcançada a partir
do centro e que teve como objetivo político fundamental recuperar prerrogativas
institucionais perdidas com o Ato Adicional (daí o Regresso Conservador). Nesse
sentido, os autores que consideram que as elites provinciais eram elites localistas
consideram, também, que o Estado brasileiro, à época, era um Estado bastante
centralizado23. O ponto que não deve ser perdido de vista, a meu ver, é que importa
21 Interessante notar como, em chave distinta, pensando num estado relativamente centralizado, Fernando Uricoechea já antecipara essa discussão: “O esquema proposto por este trabalho como o mais adequado à interpretação dessa questão durante o Império é aquele que concebe a interação da autoridade central com o poder local como um processo complexo, composto de antagonismos relativos, identidades relativas, e autonomias relativas entre os dois atores”. URICOECHEA, Fernando. O Minotauro Imperial: a burocratização do estado patrimonial brasileiro no século XIX. Rio de Janeiro/São Paulo: DIFEL. 1978, p. 108. 22 DOLHNIKOFF, 2003, p. 432. 23 Barman, por outro lado, insiste no fato que a recentralização da política brasileira, na década de 1840, levou o governo central a uma dependência tão grande das forças provinciais a ponto de impedi-lo de realizar reformas ousadas e independentes (ele está se referindo, especificamente, à necessidade dos gabinetes de utilizarem seus aliados provinciais para garantir o resultado nas eleições). BARMAN, Roderick J. Brazil: the forging of a nation, 1798-1852. Stanford University Press Stanford: California, 1988, p. 224-227.
19
menos o grau de (des)centralização do Império brasileiro, e sim que as elites provinciais
eram parte fundamental do Império em construção.
Gostaria, inclusive, neste trabalho, de passar ao largo desta questão por
compartilhar da percepção de Andréa Slemian. Para ela, os problemas levantados pela
relação das diversas instituições - em construção - na primeira metade do século XIX,
no Brasil, demonstra a dificuldade trazida pelo “binômio centralização/descentralização
como categoria explicativa para se entender a criação constitucional imperial, por mais
que os coevos constantemente o evocassem como poderosa arma no debate político”24.
Ela compreende que a criação de instituições como as Assembleias Provinciais criou
um espaço de jurisdição local, com Executivo e Legislativo próprios. No entanto, a
vinculação com a Corte se mantinha, senão por qualquer outra razão, pela manutenção
da unidade territorial. Desse modo, “por mais (des)centralizado que possa ser
caracterizado o arranjo institucional do Império, ressaltar que, de modo geral, teria
predominado ou a autonomia das partes ou uma eficácia centralizadora promovida pela
Corte pode vir a prejudicar uma ampla percepção da complexidade das variáveis em
jogo nessa estrutura”25. Acredito que isso se aplica ao caso da elite provincial
maranhense. Conquanto conviva com um espaço institucional de consecução de seus
interesses – a Assembleia Provincial – a elite maranhense, mais de uma vez, se organiza
politicamente em torno da figura do Presidente da província, considerado um delegado
do governo central. Dessa maneira, privilegiar a organização institucional e os papéis
que deveriam ser desempenhados pelos atores nesta estrutura pode nublar o exame da
disputa política local.
***
24 SLEMIAN, Andréa. Sob o império das leis: Constituição e unidade nacional na formação do Brasil (1822-1834). Tese de doutorado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006, p. 302. Ver também FERREIRA, Gabriela Nunes. Centralização e descentralização no Império: o debate entre Tavares Bastos e visconde do Uruguai. São Paulo, Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo/Editora 34 e COSER, Ivo. O debate entre centralizadores e federalistas no século XIX: a trama dos conceitos. Rev. bras. Ci. Soc., São Paulo, v. 26, n. 76, p. 191-206, Junho, 2011. 25 E “ainda mais porque, sobretudo após o Ato Adicional, consolidar-se-ia uma base jurídica que iria colocar em pauta a possibilidade de interpretação da lei de acordo com projetos mais “federalistas” ou mais “centralizadores”, contribuindo na formação de um espaço privilegiado para tensões e conflitos”. Idem, Ibidem, p. 302-303.
20
Resta, acredito, uma questão a responder: elite? Como observa Lynch26, a
segunda metade do século XX é pontuada por um renovado interesse na temática da
história política. Esse interesse foi estimulado pela reconstrução epistemológica da área
e, portanto, por uma extensa renovação de ideias proporcionada pelas contribuições de
pensadores de inclinações teóricas distintas como Koselleck, Brunner, Pocock e
Skinner. Nesse chamado “renascimento” da história política27, no que diz respeito à
matriz francesa, “há [também] um interesse renovado não apenas pelas elites políticas,
mas também pelas elites intelectuais”28. Como demonstrei acima, já existe, no Brasil,
um prolífico debate acerca da participação das elites na formação do estado nacional.
A despeito do que argumentei anteriormente, segundo Codato e Perissinoto, “a
partir de meados da década de 1980, os estudos sobre as elites políticas, que [no Brasil]
nunca foram abundantes, praticamente desapareceram”29. Dentre os dois trabalhos
citados como representantes de estudos sobre essas elites, está o de José Murilo de
Carvalho. A partir dessa consideração, a seguinte pergunta poderia surgir: qual a razão
para desconsiderar outros trabalhos que, de uma maneira ou outra, utilizaram essa
noção, especialmente no campo historiográfico? Há, acredito, uma primeira explicação
satisfatória para a questão. Os sobreditos autores estão preocupados com trabalhos
produzidos no universo conceitual da Ciência Política, tributários das contribuições
seminais de Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca, situadas na primeira metade do século
XX. O próprio José Murilo de Carvalho30 alicerça sua contribuição sobre as elites no
trabalho desses dois pensadores. Nessa perspectiva, seria difícil considerar como
integrantes desse rol trabalhos desconectados com este debate e com seus
desdobramentos, como os questionamentos sobre “quem governa?”31. Uma segunda
explicação seria a frouxidão teórica com a qual o termo é utilizado; um conceito de
difícil definição, mesmo quando qualificado ou contextualizado, indicando que é,
quando muito, apenas uma “zona de investigação científica cobrindo profissionais da 26 Cf. LYNCH, Christian Edward Cyril. A Democracia como Problema: Pierre Rosanvallon e a Escola Francesa do Político. In: ROSANVALLON, Pierre. Por uma história do político. São Paulo: Alameda, 2010. 27 Cf. RÉMOND, René (org.). Por uma história política. 2ª edição. Rio de janeiro: Editora FGV, 2003. e FERREIRA, Marieta de Moraes. "A nova 'velha história': o retorno da história política". Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, 1992, p. 265-71. 28 ALTAMIRANO, Carlos. Ideias para um programa de História intelectual. Dossiê História Social dos Intelectuais Latino-Americanos. Tempo Social, junho, v. 19, n.1, 2007, p. 2. 29 CODATO, Adriano; PERISSINOTTO, Renato. Dossiê “elites políticas”. Revista de Sociologia Política. Curitiba, v. 16, no. 30, jun. 2008. 30 Ver Capítulo I d’A construção da ordem. 31 DAHL, Robert A.. Who Governs? Democracy and Power in an American City. New Haven: Yale University, 2005.
21
política, empresários, legisladores, etc., e não evoca nenhuma implicação teórica
particular”32. Giovanni Busino, aponta, não obstante, que “elite” pode ser entendida
como uma minoria que dispõe, em uma sociedade determinada, em um dado momento, de privilégios decorrentes de qualidades naturais valorizadas socialmente (por exemplo, a raça, o sangue etc.) ou de qualidades adquiridas (cultura, méritos, aptidões, etc.). O termo pode designar tanto o conjunto, o meio onde se origina a elite (por exemplo, a elite operária, a elite da nação), quanto os indivíduos que a compõem, ou ainda a área na qual se manifesta sua preeminência. Plural, a palavra “elites” qualifica todos aqueles que compõem o grupo minoritário que ocupa a parte superior da hierarquia social e que se arrogam, em virtude de sua origem, de seus méritos, de sua cultura ou de sua riqueza, o direito de dirigir e negociar as questões de interesse da coletividade33.
Apesar da definição trazida por Busino ainda não ser muito precisa, algo que recai na já
criticada dificuldade de operação que o conceito pode acarretar34, penso ser importante,
para o caso do Brasil, manter “a vasta zona de investigação, [...] pois permite a
compreensão do grupo, tendo em vista seu caráter mais peculiar, ou seja, a pluralidade
de funções e atividades a que se dedicam seus membros”35. Voltaremos a esse ponto.
Aqui, é importante ponderar as contribuições de Pierre Rosanvallon para a
discussão, tributárias das reflexões de Claude Lefort. Para Lefort, o político é elemento
instituidor do social36. Para haver uma sociedade é necessário que haja um lugar de
poder a que ela faça referência e que lhe dê coesão. Assim, o político aparece como
“precondição da vida social”37. Compreendendo a acuidade desse argumento,
Rosanvallon propõe que façamos uma história do “político”, uma história que
consideraria um enfoque globalizante em que a esfera do político aparece como aquela
em que se imbricam todos os níveis que conformam a existência. Nesse sentido, a
diferenciação do político para a política é clara; a segunda sendo definida como “o
campo imediato da competição partidária pelo exercício do poder, da ação
governamental cotidiana e da vida ordinária das instituições”, e a primeira como o “[...]
32 SCOTT, John. Les élites dans la sociologie anglo-saxonne. In: SULEMAN, Ezra; MENDRAS, Henri. Le recruitment des élites en Europe. Paris: Editions La Decouvérte, 1995, p. 9. 33 BUSINO, Giovanni. Elites et élitisme. Paris: Presses Universitaires de France, 1992, p. 4. 34 Cf. FARIAS FILHO, Milton Cordeiro. Elites políticas regionais. Contornos teórico-metodológicos para identificação de grupos políticos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol.26, n.77, 2011 35 MARTINS, Maria Fernanda Vieira. A velha arte de governar. Um estudo sobre política e elites a partir do Conselho de Estado (1842-1889). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2007, p. 28. 36 LEFORT, Claude. Essais sur le politique, XIXe-XXe siècles. Paris: Editions du Seuil, 1986, p. 19-21. 37 LYNCH, op. cit., p. 23.
22
poder da lei, do Estado e da nação, da igualdade e da justiça, da igualdade e da
diferença, da cidadania e da civilidade [...]”38.
A perspectiva de Rosanvallon é interessante porque nos permite problematizar o
sentido imediatamente partidário-administrativo que a noção de elite política pode
suscitar, notadamente nos trabalhos historiográficos brasileiros que versam sobre o
século XIX. Num período em que uma das tarefas fundamentais para os atores políticos
é construir e solidificar o Estado, tarefa diretamente relacionada com as redes de
interesse e as estratégias de ação que esse(s) grupo(s) mobiliza(m), parece justificável
que a política seja o eixo explicativo fundamental dos eventos da época. Mais complexo
é pensar uma conjunção de elementos que nos ajude a observar, de maneira ampla, as
relações sociais que nos levaram a determinada ordem das coisas. Isto porque “não é
possível, por exemplo, compreender a instabilidade estrutural de um regime
conformando-se com o relato das crises ministeriais ocorridas na zona visível da
cena”39.
Um dos elementos dignos de nota quando se fala da conjunção acima é a
composição social dos grupos considerados como “elite(s)”. O argumento de José
Murilo de Carvalho nos ajuda nesse sentido. Se os membros da elite - sentido amplo - se
tornaram a elite política nacional - sentido estrito - devido a um treinamento específico,
ao acesso a um tipo determinado de distinção (letramento) e, por conseguinte, acesso ao
exercício do poder político, como seria possível caracterizá-la como elite política
somente, e não pensá-la também como elite cultural? Ora, como argumenta Sirinelli: o meio intelectual não é um simples camaleão que toma espontaneamente as cores ideológicas do seu tempo. Concorre, pelo contrário, para colorir seu ambiente. [...] [Dele] participam os que possuem, a um ou outro título, poder de ressonância. Faculdade de eco de que decorrem imediatamente duas questões. Por um lado, como avaliar a amplitude deste eco e o seu impacto na esfera política? Por outro, no domínio mais preciso das culturas políticas e da sua constituição, qual a parte das grandes ideologias forjadas ou veiculadas pelos letrados?40
Em vista dessa percepção, é forçoso observar que ao mesmo tempo em que
havia necessidade de contemplar os interesses de classes economicamente dominantes,
o Estado também era um vetor de absorção de pessoas que não estavam imediatamente
38 ROSANVALLON, Pierre. Por uma história do político. São Paulo: Alameda Editorial, 2010, p. 73. 39 Idem, Ibidem, p. 79. 40 SIRINELLI, Jean-François. As elites culturais. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François (dir.). Para uma história cultural. Lisboa: Editorial Estampa, 1998, p. 265.
23
ou primordialmente envolvidas com a lavoura41, processo capitaneado pelos grandes
agricultores. Dessa forma, alcançados os cargos públicos, a burocracia estatal passava a
deter uma privilegiada capacidade de atuação e controle, regulado pela dinâmica de
interesses e força de “pressão” dos setores destacados daquela sociedade. Isso, quando
contrastado com a noção de elites culturais, demonstra que a noção de elite deve
necessariamente englobar e enfatizar estes fatores. Sirinelli notou “o caráter polissêmico
da noção de intelectual, o aspecto polimorfo do meio dos intelectuais, e a imprecisão daí
decorrente para se estabelecer critérios de definição da palavra”42; por isso mesmo,
penso que a noção de elite aqui utilizada deva, ainda, se fiar em mais uma perspectiva.
Ela servirá para mensurar, pelo menos conceitualmente, a configuração da elite,
enquanto tal, na esfera da atuação política. Isto porque se entende que uma elite
dirigente “[...] é uma minoria de indivíduos cujas preferências regularmente prevalecem
em casos de diferenças acerca das escolhas dos objetivos políticos fundamentais”. São
elas decisões sobre gastos e tributação, subsídios, programas de bem estar social,
política militar, entre outras. Ademais, Dahl pensa que
[...] que há certa diferença de algum significado teórico entre um sistema no qual um pequeno grupo domina outro que se opõe a ele, e outro no qual um grupo domina uma massa indiferente [...]. [Nesse caso, seria] [...] necessário o exame de uma série de casos mostrando uniformemente que quando a “ordem” era autoritariamente baixada pela chamada elite, a maioria indiferente aceitaria imediatamente a alternativa não tendo nada mais a recomendar intrinsicamente43.
41 Aqui, falo especificamente dos profissionais liberais (advogados, médicos, professores, engenheiros, jornalistas) na fase de “nacionalização da elite”. Não se pode perder de vista que, mesmo esses profissionais, em certas ocasiões, poderiam ser também proprietários rurais. “Partimos da suposição de que o emprego público era a ocupação que mais favorecia uma orientação estatista e que melhor treinava para as tarefas de construção do Estado na fase inicial de acumulação do poder. A suposição era particularmente válida em se tratando de magistrados que apresentavam a mais perfeita combinação de elementos intelectuais, ideológicos e práticos favoráveis ao estatismo. [...] O grosso dos profissionais liberais era formado por advogados. Havia duas razões [...] para distingui-los dos magistrados em relação à capacidade e orientação políticas. A primeira é que quase todos foram educados no Brasil e não em Coimbra como os magistrados [...]. A segunda é que o advogado tem uma relação com o Estado muito distinta da do magistrado. O último é um empregado público, encarregado de aplicar a lei e defender a ordem. O advogado um instrumento de interesses individuais ou de grupos, [podendo] ser porta-voz de oposições quanto do poder público”. Assim, ”dentro do grupo de profissionais liberais, de acordo com nosso critério, se um indivíduo tinha mais de uma ocupação era classificado na que fosse mais próxima à experiência de governo” CARVALHO, op. cit., p. 99-101. Por certo, o próprio Carvalho reconhece essa relação ao recorrer à imagem da “ilha de letrados”, mas acredito que se deve insistir nesse ponto. 42 SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: RÉMOND, René (org.). Por uma história política. 2ª edição. Rio de janeiro: Editora FGV, 2003, p. 242. 43 DAHL, Robert. Uma crítica do modelo de Elite Dirigente. In: AMORIM, Maria Stella (org.). Sociologia Política II. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970, p. 93, 99 e 97 respectivamente. Há, ainda, uma crítica ao modelo defendido por de Dahl. “Com essa abordagem, o pesquisador poderia começar, não como faz o sociólogo que pergunta "Quem domina?" nem como faz o pluralista que pergunta "Alguém tem poder?", mas investigando a "mobilização de viés" particular da instituição sob escrutínio. Então, tendo analisado os valores dominantes, os mitos, os procedimentos políticos e as regras estabelecidas do jogo, ele poderia fazer uma cuidadosa investigação sobre quais pessoas ou grupos, se algum, ganha com o
24
Tentarei seguir esta perspectiva conjunta quando tratar sobre a elite política provincial
maranhense.
Aqui, cabem ainda algumas considerações. Trabalharei com uma distinção
analítica. A elite maranhense engloba os indivíduos dessa zona ampla de investigação.
De fato, compreendo que exista uma divisão relativamente clara das esferas de
influência. Os membros mais proeminentes da elite maranhense – a elite política
maranhense – buscam aglutinar a influência política e determinar quem deverá ocupar
os cargos mais importantes da província. Assim, a elite política maranhense é aquela
que ocupa, majoritariamente, os cargos do governo central (deputados e senadores do
Império). A elite política provincial é aquela que ocupa, majoritariamente, os cargos do
Executivo (excetuando-se aqui a Presidência da Província) e Legislativo Provincial. No
entanto, quem decide quem vai ocupar cada esfera são os membros da elite política
maranhense. Compreendo que essas são as duas principais frações da elite maranhense.
Dentro dessa dinâmica, há dois grupos relativamente distintos que tentam se organizar a
partir das alcunhas de Liberal e Conservador. Essas alcunhas flutuam e se modificam no
decorrer das duas décadas analisadas. De todo modo, estaríamos diante de dois grupos
que tentam dominar um ao outro e influenciar os rumos da política local.
****
O objetivo principal deste trabalho é analisar a organização e atuação políticas
da elite política provincial, dentro e partir do espaço institucional da Assembleia
Provincial. Pretendo observar sua capacidade de manobra e influência nos assuntos do
governo provincial e, por conseguinte, sua configuração e capacidade de realizar seus
projetos (políticos e/ou de poder). Isso será verificado por meio de quatro eixos: a
origem, atuação e composição da Assembleia Legislativa Provincial e sua influência; a
criação de tributos e isenções fiscais pela Assembleia; a organização das armas ensejada
por iniciativa do Legislativo; a atuação e influência da Presidência da Província, no
período estudado, para compreender a relação com a atuação dos membros da
Assembleia e os limites impostos (ou não) a essa atuação. viés existente e quais, se algum, é prejudicado por ele. Em seguida, ele poderia investigar a dinâmica da não-tomada de decisões [nondecision-making]; ou seja, ele examinaria em que medida e de que maneira o status quo que orientou pessoas e grupos influencia os valores dessa comunidade e essas instituições políticas”. BACHRACH, Peter; BARATZ, Morton S.. Duas faces do poder. Rev. Sociol. Polit., Curitiba, v. 19, n. 40, Oct. 2011, p. 156.
25
Para realizar a análise dos diferentes níveis de nosso trabalho, é preciso dar
conta de um corpo documental específico. Para averiguar como se realizava a atuação
dos deputados no âmbito do governo provincial, faz-se necessário utilizar a
documentação gerada pela Assembleia Legislativa Provincial do Maranhão: as atas da
Assembleia, leis orçamentárias, correspondência oficial e relatórios dos presidentes de
província. Não se pode perder de vista a importância da interlocução com a Coleção das
Leis do Império e a Coleção das Leis da Província do Maranhão, essenciais para
entender a esfera de ação de cada órgão estudado. Por fim, para dar conta da disputa
política, é inevitável investigar os debates realizados na esfera pública, e, portanto,
analisarei alguns jornais e periódicos do período. Nesse sentido, vê-se que a
documentação elencada e disponível para a realização do trabalho é estruturalmente
burocrática (a exceção dos jornais, que têm uma dinâmica particular). E cada uma delas
apresenta um desafio específico. As atas da Assembleia Provincial não são os anais da
assembleia. Portanto, não possuem a transcrição dos debates parlamentares dos
deputados. São documentações resumidas que contém a ordem do dia, projetos
colocados em votação, emendas propostas, encaminhamentos para comissões e
encaminhamento geral do projeto (emenda, sanção ou recusa pela Casa ou comissão
responsável). Ademais, não estão disponíveis as atas para todos os anos (analisarei as de
1843, 1845, 1846, 1847, 1849, 1850, 1853 e 1856).
Os jornais, por sua vez, trazem “transcrições” dos debates na Assembleia, mas
transcrições bastante interessadas em determinados pontos de vista e suscitadas por
disputas e questões específicas. Trazem, ainda, manifestos políticos dos grupos
(partidos) envolvidos nas disputas pela proeminência provincial. Seu caráter de narração
hodierna das disputas políticas ajuda a mapear as alianças políticas do período.
Analisarei, primordialmente, seis jornais: O Bemtevi, A Revista, O Progresso, O
Estandarte, O Observador e O Publicador Maranhense. Farei menção e trarei
informações colhidas em outros jornais, mas os supracitados configuram o núcleo
principal deste tipo de fonte, no trabalho.
Por fim, há os relatórios do presidente da província e a correspondência entre a
Assembleia Provincial e a Presidência da Província. Os primeiros são uma fonte
conhecida e já bastante trabalhada. Permanecem, porém, como fonte importante para
ilustrar a perspectiva de um ator considerado fundamental na disputa política local. As
correspondências (disponíveis para todos os anos do trabalho exceto 1849 e 1855),
conquanto sejam muito pouco informativas dos debates políticos e da própria atuação
26
política dos deputados, pois trazem ou comunicam, majoritariamente, pequenas
informações burocráticas cotidianas, ajudam a iluminar certas situações nas quais as
outras fontes se mostram limitadas. Este é o caso, por exemplo, de fraudes nas eleições.
Normalmente a Assembleia Provincial demanda das autoridades (a Presidência da
Província inclusa) as ações cabíveis, ou recebe, remetido pela autoridade provincial,
relatórios dos órgãos policiais. Estes casos representam a minoria da documentação,
mas, ainda assim, são valiosos para o exame que pretendo realizar.
Tendo apresentado os objetivos e fontes do trabalho, descrevo a seguir os três
capítulos que compõem esta dissertação. No primeiro capítulo, pretendo caracterizar a
elite maranhense no período estudado. Antes disso, contudo, entendo que seja
fundamental delinear as grandes linhas conformadoras da atuação destes deputados.
Nesse sentido, é importante observar a concepção e constituição da estrutura
institucional disputada pelos membros da elite. Do mesmo modo, é necessário
compreender a estrutura produtiva da província do Maranhão e a distribuição da riqueza
para entender melhor o horizonte de suas ações. Ou seja, iniciarei o trabalho esboçando
um panorama tanto do estabelecimento da Província como unidade política do Império,
como da estrutura produtiva da província do Maranhão. Acredito que elas serão
informativas não só ao leitor, mas ao trabalho em geral. Em relação à elite, a
caracterização será ampla. Não se trata somente da elite que ocupou a Assembleia
Legislativa Provincial, mas, primordialmente, um quadro geral da elite política
provincial. Isto é importante para que seja possível identificar quais frações da elite
ocupavam a Assembleia, as relações de força entre as frações da elite e suas posições (e
posicionamentos) nos debates mais gerais travados na esfera pública da província
(notadamente os jornais).
No segundo capítulo, para identificar a configuração da elite provincial,
mapearei, a partir das informações e debates nos jornais, a formação e organização dos
grupos políticos que se aglutinam em torno de determinados projetos, interesses,
perspectivas ou identidades. Isso permitirá verificar se essa configuração dos grupos
influencia, de alguma forma, a composição da Assembleia, e também permite situar o
significado da participação dos deputados na Assembleia Provincial. Um ponto central
para compreender a organização dos grupos maranhense, acredito, passa pela reiterada
referência à organização partidária local e suas mutações. Nesse sentido, tomo como
eixo central para análise a formação da Liga Liberal Maranhense, uma aglutinação de
dissidentes dos dois principais partidos da província do Maranhão: cabanos
27
(saquaremas/conservadores) e bemtevis (luzias/liberais). Espero demonstrar que sua
formação mesma, em 1846, está ligada ao passado e futuro dos grupos políticos
maranhenses.
Também pretendo, neste capítulo, fazer uma primeira incursão sobre o papel e
influência do presidente da província na disputa política local. Para isso, narrarei
brevemente três casos similares relacionados aos presidentes mais longevos em seus
cargos. Assim, busco ilustrar em que medida os delegados do governo imperial se
envolviam nas disputas locais e quais recursos mobilizavam quando (e se) o faziam.
Finalizo o capítulo narrando a anulação do pleito de 1842 por entender que ele ilustra a
atuação dos diversos atores políticos provinciais naquele momento, e prolongo a análise
até meados da década de 40, tentando situá-la de maneira um pouco mais ampla.
No terceiro capítulo, analiso a atuação da elite política provincial na Assembleia
Legislativa maranhense. Farei uma descrição e análise dos temas fundamentais para a
administração da província que estavam sob a responsabilidade dos deputados
provinciais; quais sejam: a organização fiscal e das armas. Isto será relevante para
observar se e como os deputados privilegiaram determinados projetos na administração
dos recursos provinciais.
Em concomitância a isso, aprofundarei a análise da presidência da província e sua
influência na disputa política provincial. Para isso, é importante descrever, neste
período, a atuação dos presidentes da província em relação aos projetos aprovados (ou
não aprovados) na Assembleia Provincial (evitando uma exposição cronológica sobre
todos os presidentes da província do período), e como exerceu suas prerrogativas legais
(veto presidencial, remissão de leis conflituosas à Assembleia Geral etc.).
Pretendo ainda compreender, a partir das leis aprovadas e do comportamento
parlamentar, se a elite política provincial tinha projetos e quais eram eles. Tendo isto em
mente, buscarei observar em que medida foi ou não possível leva-los a cabo (ou seja,
sob quais restrições e contrapesos). E, caso não tenham sido realizados, a que isso se
deveu (a restrição orçamentária tem sido hipótese balizadora). Tentarei entender o que
significa a aprovação de determinados projetos e não outros dentro da configuração de
poder (institucional e extra-institucional) no período.
Os trabalhos que se debruçam sobre a atuação política nos órgãos provinciais
têm detalhado seu funcionamento para, então, responder à questão que os orienta44. No
44 CIRINO, Raissa. Pelo Bem da “Pátria” e pelo Imperador: o Conselho Presidial do Maranhão na construção do Império (1825-1831). Dissertação (Mestrado) – Departamento de História, Universidade
28
caso do trabalho de Edneila Chaves45, após demonstrar que a classe dominante
centralizava praticamente todos os recursos financeiros do município de Rio Pardo, ela
observa que, com variações mínimas, os representantes do legislativo municipal
provinham das classes dominantes daquele local. Minha preocupação, por outro lado, é
compreender como os grupos políticos disputavam o espaço mesmo da Assembleia.
Nesse sentido, estou interessado em compreender a atuação dos deputados provinciais
menos em relação às suas posições de classe, e mais em relação às suas filiações
políticas e partidárias. Assim, este capítulo está voltado diretamente para o debate
historiográfico sobre o delineamento dos espaços de atuação e a importância relativa do
Legislativo Provincial e do que lá se decide para os negócios provinciais e seus
respectivos embates políticos.
Federal do Maranhão, São Luís, 2015; DELFIM, Maria Elisa. Viva a Independência do Brasil: a atuação da elite política sanjoanense no processo de Independência (1808-1822). Dissertação (Mestrado) – Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal de São João Del Rei, 2011; SANTANA, Rosane Soares. Centralização, descentralização e unidade nacional, 1835-1841: o papel da elite política baiana. 2002. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de História da Universidade Federal da Bahia. 45 CHAVES, Edneila Rodrigues. Hierarquias sociais na Câmara Municipal em Rio Pardo (1833-1872). Tese de doutorado apresentada ao Departamento de História do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2012.
29
CAPÍTULO I – O GOVERNO DAS PROVÍNCIAS E A PROVÍNCIA DO
MARANHÃO
1.1 Províncias de um Império
Nos últimos anos, a historiografia brasileira tem privilegiado, no estudo da
Independência e da construção do Estado imperial, um ponto de vista que compreende
esses temas como parte de um processo mais amplo. Este processo, por sua vez, não
enfoca somente o Sul do país, mas engloba as outras províncias e suas elites locais.
Nesse sentido, tem-se destacado o papel central das províncias e das elites provinciais
na formação da monarquia brasileira, uma vez que as assembleias provinciais têm sido
vistas como espaço fundamental para a consecução e acomodação dos interesses
provinciais. Não mais consideradas somente como forças centrífugas e, sim, como
partes integrantes e construtoras do pacto constitucional do império46.
De fato, alguns estudos têm demonstrado que as elites locais - graças à
implantação de um arranjo político pelo qual foram acomodadas, em vez de sufocadas
pela centralização - dispunham de uma esfera de ação para realizarem a administração
provincial. Tendo isto em vista, diversos trabalhos têm sido feitos sob a perspectiva da
atuação dos agentes em nível provincial, discutindo desde os Conselhos de Presidência
da Província e o Conselho Geral da Província até as Câmaras Municipais47. Todos eles,
acredito, tentam compreender a esfera provincial de ação. Por esta razão, os retomarei a 46 GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. O Império das Províncias. Rio de Janeiro, 1822-1889. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/Faperj, 2008 p. 10 e SLEMIAN, Andréa. Sob o império das leis: Constituição e unidade nacional na formação do Brasil (1822-1834). Tese de doutorado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006. 47 CARVALHO, Marcio Eulério Rio de. Afirmação de uma esfera pública de poder em Minas Gerais (1821-1851). Tese de doutorado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2003; CIRINO, Raissa. A Construção do Estado Brasileiro no Império e Elite Política do Maranhão: apreciações iniciais (1825-1827). In: III Simpósio de História do Maranhão Oitocentista Impressos do Brasil no Século XIX, 2013, São Luís; DOLHNIKOFF, Miriam. Caminhos da conciliação: o poder provincial em São Paulo, 1835-1840. Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1993 e 2005, op. cit.; GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. op. cit. e “Política Provincial na Formação da Monarquia Constitucional Brasileira. Rio de Janeiro, 1820-1850, in: Almanack Brasiliense (online), nº 07, maio/2008, pp.119-137; LEME, Marisa Saenz. São Paulo no 1º Império: poderes locais e governo central. In: OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles; PRADO, Maria Ligia Coelho; JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. (Org.). A história na política, a política na história. São Paulo: Alameda/Programa de Pós-Graduação em História Social USP, 2006. pp. 59-80 e Dinâmicas centrípetas e centrífugas na formação do Estado monárquico no Brasil: o papel do Conselho Geral da Província de São Paulo. In.: Revista Brasileira de História, jan./jun. 2008, vol.28, no.55, p.197-215; OLIVEIRA, Carlos Eduardo de. Poder local e palavra impressa: a dinâmica política em torno dos Conselhos Provinciais e da imprensa periódica em São Paulo, 1824-1834. 2009. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de da História Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009.
30
seguir para tentar compreender a perspectiva que norteou o estabelecimento das
Assembleias Legislativas Provinciais.
No século XIX, no período que nos interessa aqui (início da década de 1840), o
Brasil consagrou um arranjo institucional que deu poderes legislativos e administrativos
para as Assembleias Legislativas provinciais. Esse arranjo não foi fruto de um esforço
localizado dos legisladores brasileiros no período do Ato Adicional; de fato, se inscreve
na esfera mais ampla da definição da esfera provincial de poder e da realização do pacto
político que foi a Constituição de 1824. A autonomia provincial e o peso relativo das
instâncias de poder têm centralidade no debate sobre a organização política e
institucional desde os primórdios do Império48. A legislação consagrou duas instituições
que abriram espaço para a atuação política na esfera provincial: os conselhos da
presidência, autoria da Assembleia Constituinte e Legislativa das Províncias do Brasil; e
os conselhos gerais de província, previstos na Constituição outorgada de 1824. O
conselho da presidência era composto pelo presidente da província, indicado pelo
governo central, e por seis conselheiros, e a ele competia "fomentar o desenvolvimento
agrícola, comercial, industrial, educacional e sanitário, estabelecer novas Câmaras e
abrir estradas, catequizar índios e facilitar a lenta emancipação dos escravos [...]"49.
No Maranhão, Raissa Cirino afirma que o Conselho Presidial (outra
denominação para o Conselho de Presidência) não só foi responsável pela vocalização
dos interesses provinciais, como para a resolução das necessidades da província,
decidindo sobre conflitos de jurisdição, cobranças das Câmaras, medidas emergenciais
para solucionar crises agrícolas, entre outras. Para ela, uma das possíveis explicações
para que as decisões “tenham se concentrado no Conselho Presidial é o atraso na eleição
da Assembleia Geral”, quando inclusive “foi necessário o uso da legislação herdada do
Estado português”. Um exemplo disto foi o caso da educação pública. Quando chamado
a se pronunciar sobre o assunto, em julho de 1825, não havia ainda diretriz formal do
governo central (que só veio a luz em fins de 1827, por decreto). Não obstante, o
Conselho Presidial não se furtou de se pronunciar sobre a questão da “educação da
48 Cf. FERNANDES, Renata Silva. A organização dos governos das províncias do Império do Brasil: o Conselho da Presidência e o Conselho Geral de Província (1823-1834). In: Anais eletrônicos do XXVII Simpósio Nacional de História: Conhecimento Histórico e Diálogo Social. Natal: UFRN, 2013. De fato, podemos situar essa discussão desde a instalação das Cortes e, com elas, da criação das Juntas de Governo, que transformam as capitanias definitivamente em províncias, e devem ser “consideradas uma verdadeira ruptura com a prática vigente”. Cf. SLEMIAN, op. cit., p. 46-48. 49 BRASIL. Carta de Lei de 20 de outubro de 1823. Coleção das Leis do Império.
31
mocidade”, com base na legislação portuguesa50. Em outras situações, “o Conselho
teve relativa autonomia para deliberar de acordo com os interesses da elite provincial”51.
Para este trabalho, é importante sublinhar a gênese e função desta instituição por duas
razões: primeiro, para observar e enfatizar o fato da elite provincial já ocupar os espaços
institucionais provinciais desde sua primeira instalação e funcionamento, e para
ressaltar que esses mesmos espaços institucionais desempenharam um papel relevante
na execução dos negócios provinciais.
Nesse movimento mais amplo de definição da esfera provincial, os Conselhos
Gerais, por outro lado, órgãos já previstos na constituição de 1824, tardaram a ser
instalados, e só passaram a funcionar em algumas províncias a partir da lei de 1828. A
constituição previa que era da alçada deste conselho “propor, discutir, e deliberar sobre
os negócios mais interessantes das suas províncias; formando projetos peculiares, e
acomodados ás suas localidades, e urgências”52. Não caberia ao conselho legislar, mas
propor leis que seriam ratificadas (ou não) pela Assembleia Geral. Nas províncias mais
populosas, o conselho era composto por 21 membros, eleitos da mesma forma que os
deputados da Assembleia Geral, e nas menos populosas, 13 membros. Os Conselhos
Gerais foram acolhidos pelos contemporâneos como o primeiro passo para um
legislativo provincial53. No entanto, havia confusão sobre as atribuições desses
conselhos entre os coetâneos, ocasionando conflitos jurisdicionais e sobreposição entre
as deliberações do Conselho da Presidência e do Conselho Geral54. A diferença
fundamental, neste caso, é que o Conselho da Presidência era um órgão que contava
com renda própria (1/8 das sobras da renda provincial) para realizar suas despesas e,
diferente do Conselho Geral, não só era ligado ao executivo provincial como possuía
poder executivo55. Isso não quer dizer que o Conselho Geral era um órgão
desimportante. Quer dizer, apenas, que existiam limitações à sua atuação dentro da
estrutura política na qual seu funcionamento foi concebido. No caso de São Paulo, em
concomitância com a produção de propostas e projetos para a organização geral da
província, houve, também, debates e posicionamentos sobre a distribuição dos poderes
50 Em um dos casos, uma Carta Régia de 1800. CIRINO, Raissa. E O CONSELHO RESOLVEU: análise das ações políticas do Conselho Presidial do Maranhão na área de educação pública (1825-1828). Anais da VI Jornada Internacional de Políticas Públicas. 2013. 51 CIRINO, op. cit., p. 7-8. 52 BRASIL. Constituição política do Império. 1824. In: BUENO, José Antônio Pimenta. Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império. 1857 (1ª Ed.). 53 OLIVEIRA, op. cit., p. 150. 54 Cf. FERNANDES, op. cit., p. 12-14. 55 OLIVEIRA, op. cit., p. 173-174.
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econômicos e políticos e sobre os rumos do Estado nacional brasileiro56. Ora, tais
atividades foram fundamentais para a institucionalização da estrutura política provincial
e para a construção e viabilização de sua máquina administrativa.
Nesse sentido, os anos que se seguiram observaram à tendência de
fortalecimento das esferas locais de poder, uma das soluções encontradas para a
integração das “partes” no “todo” do nascente Império57. Esse arranjo veio a luz após
negociações parlamentares iniciadas em 183158. Como demonstra Miriam Dolhnikoff,
havia grande resistência, por parte dos parlamentares (especialmente os Senadores), em
relação a um projeto de reforma constitucional que tornava o Brasil, logo em seu 1º
artigo, uma monarquia federativa. Isto porque continha um artigo – dentre outros59 –
que extinguia a vitaliciedade dos mandatos dos parlamentares do Senado. Se,
textualmente, a concessão ao primeiro artigo não foi feita na comissão da Câmara que
aprovou a versão do projeto que a continha, a reforma constitucional, de fato, deu
maiores poderes às províncias.
Com frequência, as reformas constitucionais de 1834 são associadas ao debate
sobre o federalismo. No entanto, é importante notar que a questão da federação não era
novidade no debate parlamentar brasileiro. Desde a Assembleia Constituinte de 1823
deputados se esforçaram para demonstrar a compatibilidade entre monarquia e
federalismo60. Naquela oportunidade, prevalecia no debate o entendimento de que
federação era sinônimo de confederação61. A discussão do Ato Adicional, já na década
de 30, se deu de maneira diferente. Nesta, observamos uma mudança substancial em
relação ao conteúdo do debate. Segundo Ivo Coser, os federalistas executa(ra)m duas tarefas: a primeira consistiu em extirpar o elemento confederativo da ideia de federação. Mais precisamente, apresentar
56 LEME, Marisa Saenz. Dinâmicas centrípetas e centrífugas na formação do Estado monárquico no Brasil: o papel do Conselho Geral da Província de São Paulo. Rev. Bras. Hist..2008, vol.28, n.55, p. 205. Oliveira (op. cit.) também sublinha que uma tarefa importante dos Conselhos Gerais era o controle das municipalidades, apesar de não encontrar muitas evidências desses conflitos para São Paulo. 57 SLEMIAN, op. cit., p. 229. 58 DOLHNIKOFF, 2005, p. 93. 59 Extinção do Conselho de Estado e do Poder Moderador. Dentre os dois, o primeiro artigo foi aprovado. 60 COSER, Ivo. O pensamento político do Visconde de Uruguai e debate entre centralização e federalismo no Brasil (1822-1866). Tese (Doutorado em História) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2006, p. 52-54. 61 “No debate político brasileiro da década de 1820 não existia uma separação entre a ideia de confederação e de federação. Tendo em vista a análise feita anteriormente, podemos definir confederação da seguinte maneira: uma reunião de estados independentes que formam uma aliança. Os fins aos quais se destinam esta aliança eram definidos consensualmente entre os seus membros. Cada estado-membro da Confederação guardava para si uma margem de autonomia na qual o poder central não poderia, legitimamente intervir sem o seu consentimento. Nesta esfera os estados eram livres para determinar os fins e os meios da sua ação. Para os federalistas brasileiros, a trajetória histórica brasileira fornecia uma base para que o arranjo confederativo fosse introduzido na Constituição”. Ibidem, p. 76.
33
o conceito de federação sem a ideia de que as províncias fossem Estados independentes, dotados de constituição própria e ligados por um governo central. A segunda tarefa, consisti(u) em iniciar a revisão do grau de extensão do federalismo realizado pelo Código do Processo. As revoltas regenciais e os diversos conflitos armados que as eleições da máquina do Judiciário provocaram, levaram os federalistas a repensar os mecanismos descentralizadores do Código do Processo. As correntes federalistas extirpam o elemento democrático presente no Código do Processo – a eleição direta do juiz de paz, o júri popular, o promotor e juiz municipal escolhidos pela Câmara Municipal – e concentram sua defesa no interesse provincial. O federalismo deveria ser um processo controlado pelas elites provinciais, representadas na assembleia provincial. Deveria caber ao legislativo provincial controlar em que grau a descentralização era aplicável às condições da província62.
Neste ponto, Ivo Coser traz uma interpretação diferente da corrente acerca dos
efeitos que as elites alocadas no Estado buscavam ao defenderem a promulgação da
emenda constitucional. Para ele, não foram os conservadores que iniciaram o processo
de revisão da descentralização, processo que, para a historiografia brasileira, culmina
na Lei de Interpretação do Ato Adicional (o chamado “Regresso Conservador”, de
1840), mas “os liberais moderados (que) recusam o encontro com as demandas das
classes subalternas por terra e vão buscar a reforma do Estado imperial por dentro”63.
De modo que é “no Ato Adicional, e não na Lei de Interpretação [...], (que ele enxerga)
o primeiro momento deste recuo”64.
De fato, esta interpretação se diferencia das interpretações clássicas por duas
razões65: primeiro, identifica os defensores do projeto federalista como revisores da
descentralização proporcionada pelo Código do Processo (1827), o que retira a
identidade imediata que se poderia fazer entre federalismo/descentralização; e enfatiza
a transformação e, de certa forma, recuo pelo qual o pensamento federalista passou
frente à “eclosão do Brasil ‘profundo’”66. Mas por que recuo? Para Coser, o Código do Processo foi um momento culminante das ideias de federalismo no Brasil. O debate político sobre o Código do Processo revela que em torno deste foram mobilizados temas como direitos civis, interesses, justiça e, principalmente, o federalismo. Conforme pudemos observar, o Código do Processo foi entendido como um ponto central do programa federalista. A eleição do juiz de paz e o processo de escolha do júri, do juiz municipal e do promotor deveriam colocar o poder próximo aos cidadãos ativos. Nas ideias mobilizadas em torno dele os temas da liberdade, entendida como participação, e da proteção à propriedade caminham juntas. O cidadão
62 Ibid., p. 118. 63 Ibid., p. 119. 64 Ibid. 65 Ainda que não seja exatamente uma interpretação nova. Ver FLORY, Thomas. Judge and jury in imperial Brazil, 1808-1871. Social control and political stability in the new state. Austin, Texas: University of Texas press, 1981, p. 158. 66 COSER, op. cit., p. 110.
34
brasileiro, afastado da justiça por séculos de dominação colonial seria chamado a participar da justiça [...]67.
Dessa forma, a perspectiva de mobilizar a sociedade e seus cidadãos a partir do âmbito
local sucumbe perante uma reorganização do projeto federalista; doravante, se pretendia
reformar o Estado a partir de dentro, com as elites locais assumindo o papel primordial
de realização e manutenção da ordem nas Assembleias Provinciais. Como afirma Coser,
a “reforma do Estado Imperial não será mais uma tarefa vinda da sociedade, mas de
elites alocadas no Estado”68.
1.1.1 A Assembleia Legislativa Provincial e a Presidência da Província
Essa tendência culminará na reforma constitucional de 1834, o chamado Ato
Adicional. Como aponta Dolhnikoff, o ponto central do projeto originalmente aprovado
na Câmara era o artigo 9º, que previa a criação das Assembleias Provinciais69. Foi no
artigo 10, entretanto, que se desenhou a profundidade da reforma. Nele lemos que cabe
às Assembleias Legislativas Provinciais legislar sobre a divisão civil, judiciária e
eclesiástica da província; a instrução pública; polícia e economia municipal; fixação das
despesas municipais e provinciais e os impostos necessários para satisfazê-las, desde
que não fira as imposições do governo central; criação e supressão dos empregos
municipais e provinciais e seus vencimentos; obras públicas, estradas e navegação na
província. Cabia ainda ao Legislativo Provincial organizar os regimentos internos e
fixar a força policial da província, com informação do presidente da província; regular a
administração dos bens provinciais e promover, juntamente com o governo central, a
catequese e civilização dos índios, entre outras atribuições70.
As Assembleias Provinciais substituíram os Conselhos Gerais de Província. Elas
deveriam ser compostas por trinta e seis membros nas províncias de Pernambuco,
Bahia, Rio de Janeiro, Minas e São Paulo; vinte e oito membros no Maranhão, Pará,
Ceará, Paraíba, Alagoas e Rio Grande do Sul; e vinte nas demais províncias. A
composição dos legislativos provinciais foi justificada em relação a sua extensão
territorial e importância política. A reunião deveria ocorrer na capital das províncias, e
67 COSER, Ivo. Visconde do Uruguai: centralização e federalismo no Brasil – 1823-1866. Belo Horizonte/Rio de Janeiro, Editora da UFMG/Iuperj, 2008, p. 96. 68 COSER, 2006, p. 119. 69 DOLHNIKOFF, 2005, op. cit., p. 95. 70 Ato Adicional. In: KUGELMAS, op. cit., p. 601-602.
35
as sessões, com duração de dois meses, poderiam ser prorrogadas a critério do
Presidente da Província. Os membros das assembleias provinciais tinham direito a
receber, diariamente, durante o tempo das sessões ordinárias, extraordinárias e das
prorrogações, um subsídio pecuniário marcado pela própria assembleia provincial na
primeira sessão da Legislatura antecedente. Tinham também, quando moravam fora do
lugar da sua reunião, uma indenização anual para as despesas de ida e volta71.
Numa organização institucional como esta, qual seria o papel do presidente da
província? Segundo José Pimenta Bueno72, sendo o Presidente da Província um dos
principais agentes do poder central, ele seria uma peça de suma importância para o bom
funcionamento da máquina administrativa estatal. Dessa forma, os ministérios deveriam
contar que os presidentes fossem os “centros locais, que executem fielmente suas ordens
e instruções [...]”73.As outras atribuições dignas de nota, definidas na letra da Lei de 3
de outubro de 1834, “que dá regimento aos Presidentes de Província”, são: Art. 1° O Presidente da Província é a primeira autoridade dela. Todos os que nela se acharem lhe serão subordinados, seja qual for a sua classe ou graduação. A autoridade, porém, do Presidente da Província, em que estiver a Corte, não compreenderá a mesma Corte, nem o seu Município.[...] Art. 5.° Ao presidente da província, além das atribuições marcadas na lei da Reforma Constitucional, e nas demais leis em vigor, compete: § 1.° Executar e fazer executar as leis. [...] § 3.° Inspecionar todas as Repartições, para conhecer o estado elas, e dar a providência necessária para que estejam , e se conservem segundo a lei. § 4.° Dispor da força a bem da segurança da Província. Somente porém nos casos extraordinários, e indispensáveis, fará remover as Guardas Nacionais para fora dos seus Municípios, e nem consentirá que os exercícios, mostra, ou paradas se façam fora das Paróquias respectivas; exceto se forem contíguas, ou tão próximas umas das outras, que pouco incômodo cause a reunião dos guardas delas. [...] § 6.° Prover os empregos que a Lei lhe incumbe, e provisoriamente aqueles, cuja nomeação pertença ao Imperador”74.
As atribuições expressas no Ato Adicional versam sobre a incumbência do Presidente
da Província de sancionar as leis aprovadas pela Assembleia Provincial; convocá-la, em
71 Idem, Ibidem. 72 Também conhecido como Marquês de São Vicente, foi um político de grande importância do Brasil Imperial. Primeiro Juiz da Comarca de Santos, Chefe de Polícia, Desembargador da Relação do Maranhão, Desembargador na Corte, Conselheiro de Estado, Ministro dos Negócios da Justiça, Presidente do Conselho de Ministros, Ministro dos Negócios Estrangeiros, Presidente de Província, Deputado Geral e Senador. Publicou, antes da obra que faço referência, “Apontamentos sobre as formalidades do Processo Civil” (1850) e “Apontamentos sobre o processo Criminal Brasileiro (1857)”. BRASIL, Senado Federal. Senadores. Senador Pimenta Bueno. Disponível em: http://www.senado.gov.br/sf/senadores/senadores_biografia.asp?codparl=1883&li=16&lcab=18771878&lf=16 . Acesso em: 7 de agosto de 2014. 73 BUENO, José Antônio Pimenta. Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império. 1857 (1ª Ed.) In: KUGELMAS, Eduardo (org). José Antônio Pimenta Bueno, Marquês de São Vicente. São Paulo: Ed. 34, 2002, p. 395. 74 Lei Nº 40 de 3 de outubro de 1834, p. 53-54. BRASIL. Coleção das Leis do Império.
36
caráter ordinário ou extraordinário; suspender a publicação de leis provinciais e expedir
instruções, ordens e regulamentos que se adequem à boa execução das leis provinciais.
Como era responsabilidade do presidente da província sancionar as leis, havia a
possibilidade de negação da sanção. Dessa maneira, configurado o veto, o projeto
retornaria para apreciação dos deputados, para nova deliberação, em face das
justificativas do presidente. Caso o projeto fosse aprovado – mesmo sem modificações –
por dois terços dos votos, ele retornaria ao presidente; dessa vez, para sanção
obrigatória75. É importante lembrar, no entanto, que as Assembleias Provinciais eram
regidas pelos artigos 81, 83, 84, 85, 86, 87 e 88 da Constituição. Neles, lemos: Art. 81. Estes conselhos terão por principal objeto propor, discutir e deliberar sobre os negócios mais interessantes das suas províncias; formando projetos peculiares e acomodados às suas localidades e urgências. Art. 82. Os negócios que começarem nas câmaras serão remetidos oficialmente ao secretário do Conselho, onde serão discutidos a portas abertas, bem como os que tiverem origem nos mesmos conselhos. As suas resoluções serão tomadas à pluralidade absoluta de votos dos membros presentes. Art. 83. Não se podem propor nem deliberar nestes conselhos projetos: 1º) Sobre interesses gerais da Nação. 2º ) Sobre quaisquer ajustes de umas com outras províncias. 3º) Sobre imposições cuja iniciativa é da competência particular da Câmara dos Deputados: art. 36. 4º) Sobre execução de leis, devendo porém dirigir a esse respeito representações motivadas à Assembleia Geral e ao Poder Executivo conjuntamente. Art. 84. As resoluções dos Conselhos Gerais da Província serão remetidas diretamente ao Poder Executivo, pelo intermédio do presidente da província. Art. 85. Se a Assembleia Geral se achar a esse tempo reunida, lhe serão imediatamente enviadas pela respectiva secretaria de Estado, para serem propostas como projetos de lei e obter a aprovação da Assembleia por uma única discussão em cada câmara. Art. 86. Não se achando a esse tempo reunida a Assembleia, o Imperador as mandará provisoriamente executar, se julgar que elas são dignas de pronta providência, pela utilidade que de sua observância resultará ao bem geral da província. Art. 87. Se porém não ocorrerem essas circunstâncias, o Imperador declarará que suspende o seu juízo a respeito daquele negócio, ao que o Conselho responderá que recebeu mui respeitosamente a resposta de Sua Majestade Imperial. Art. 88. Logo que a Assembleia Geral se reunir, lhe serão enviadas assim essas resoluções suspensas, como as que estiverem em execução, para serem discutidas e deliberadas na forma do art. 8576.
Pela leitura da lei, além da sanção presidencial, todos os atos legislativos
provinciais deveriam ser remetidos ao Poder Legislativo Geral afim de se examinar sua
75 Ato Adicional, op. cit., p. 604-605. Ainda segundo Dolhnikoff, ainda que considerássemos o veto do presidente província como um entrave fundamental para a consecução da autonomia das elites provinciais, a própria lei limitaria bastante a capacidade do presidente de interferir nas decisões do Legislativo provincial. Para um exame mais demorado dessa questão, ver DOLHNIKOFF, 2005, p. 103-108 e passim. 76 BRASIL. Constituição política do Império. 1824. In: BUENO, José Antônio Pimenta. Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império. 1857 (1ª Ed.), : KUGELMAS, Eduardo (org). José Antônio Pimenta Bueno, Marquês de São Vicente. São Paulo: Ed. 34, 2002
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conformidade com a constituição, onde poderiam ser revogados (ainda que, ao mesmo
tempo, pudessem ser executados, em caráter provisório, pelo próprio presidente
provincial - por ordem do governo central - caso a Assembleia Geral não estivesse
reunida). Entre o 10º e 20º artigos do Ato Adicional, no entanto, essa atribuição da
Assembleia Geral é limitada e situada: quando há conflito com prerrogativas de outras
províncias e/ou do governo central, ou tratados. Este ponto é importante pois - em
conjunção com o art. 16 do Ato Adicional77 - reforça e circunscreve os limites das ações
dos deputados provinciais, ações que, em tese, deveriam tratar somente das questões
provinciais. Não foi assim, no entanto, que as coisas decorreram durante o século XIX.
As instâncias constantemente entravam em conflitos interpretativos sobre a lei e a esfera
de ação de cada órgão, e agiam à revelia da decisão das outras instâncias78. O exame de
Hermeto Carneiro Leão transcrito nas atas é, nesse sentido, muito ilustrativo: [r]ecorda que não é a primeira vez que ele emite uma opinião idêntica, sendo certo que a sua doutrina a respeito da questão tem sido constante, e professada perante diferentes Ministérios. Argumentou que diferentes Ministérios têm suspendido a execução de chamadas Leis provinciais, contrárias à Constituição, e aos Tratados, ou que prejudicam os impostos Gerais. Disse que o direito que tem o Governo Geral de suspender semelhantes Leis indevidamente sancionadas pode derivar-se do artigo dezesseis do Ato Adicional. Se ao Governo Geral compete a sanção definitiva no caso da não sanção do Presidente, também a ele deve competir a revogação da sanção do Presidente no caso de ter sido indevidamente dada, e de ser a Lei sancionada contrária à Constituição. Entendia que esta doutrina tornava-se ainda mais plausível, quando se observava que a Lei que autorizou as reformas da Constituição não permitia alteração alguma no Poder Moderador, e assim devendo este ficar intacto, e sem quebra nas suas atribuições, era visto que a sanção permitida aos Presidentes de Província não era senão uma sanção provisória fundada na presunção de que os Presidentes representariam a vontade da Coroa, e por isso não podia prevalecer tal sanção, quando os Presidentes, abusando do poder que lhes fora confiado, procediam como o ex-Presidente de Minas contra as suas instruções, e contra a Constituição, sancionando uma Lei manifestamente incompetente. Considerou como imoral e perigosa a observância de atas das Assembleias Provinciais contrários à Constituição, e manifestamente usurpadores de atribuições da Assembleia Geral79.
77 Art. 16. Quando, porém, o Presidente negar a sanção por entender que o projeto ofende os direitos de alguma outra Província, nos casos declarados no § 8º do art. 10, ou os tratados feitos com as nações estrangeiras, e a Assembleia provincial julgar o contrário por dois terços dos votos, como no artigo precedente, será o projeto, com as razões alegadas pelo Presidente da Província, levado ao conhecimento do Governo e Assembleia Geral, para esta definitivamente decidir se ele deve ser ou não sancionado. BRASIL, Lei nº 16, de 12 de Agosto de 1834 (Ato Adicional). 78 Cf. DOLHNIKOFF, 2005 e GOUVÊA, Maria de Fátima. O Império das Províncias - Rio de Janeiro, 1822-1889. Rio de Janeiro: Faperj, 2006, passim. 79 BRASIL, Senado Federal. Atas do Conselho de Estado. 11 de janeiro de 1849, p. 96-97.
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Ainda em relação ao cargo de presidente da província, uma característica se
destacava: era um cargo de alta rotatividade80. Segundo, José Murilo de Carvalho, “[...]
a presidência de província, apesar de todos os esforços do Imperador em contrário, era
cargo muito mais político do que administrativo, como o indica a grande mobilidade de
presidentes e o pouco tempo que permaneciam nos postos”81. A ideia por trás da
mobilidade era a de, com isso, manter a fidelidade dos homens indicados, pois,
normalmente, provinham de outras províncias e, desse modo, poderiam ser um
entreposto livre de ligações com as questões locais e suas possíveis influências. Não
obstante, “na prática [...] isso não impedia que alguns presidentes se demorassem mais
tempo no cargo e fossem nascidos na província encarregados de administrar”82. Ora,
mas dada essa estrutura, qual seria a importância de um agente do governo central num
arranjo institucional em que as elites locais teriam poderes para gerir os negócios
provinciais? Segundo Dolhnikoff, a “uniformidade do Império dependia dos delegados
do governo central em cada província. As reformas liberais impuseram um modelo que
previa a autonomia provincial, mas com o cuidado de não colocar em risco a integridade
territorial”83. Assim, os presidentes de província se configuravam, no projeto liberal,
como elementos locais articuladores da unidade, responsáveis por prestar informações
minudenciadas ao governo central e, dessa maneira, viabilizar o controle do território
nacional por parte de um Estado em construção84. Sua relevância, portanto, não deve ser
negligenciada.
1.2 O Maranhão: economia e sociedade
Como aponta Regina Faria85, amparada nos relatos de Spix e Martius86, em
1821, São Luís, a capital do Maranhão, seria “a quarta cidade do Brasil em população e
80 URICOECHEA, Fernando. O Minotauro Imperial: a burocratização do estado patrimonial brasileiro no século XIX. Rio de Janeiro/São Paulo: DIFEL. 1978, p. 109-111 e CARVALHO, 2007, op. cit., p. 123-124. 81 CARVALHO, op. cit., p. 123. 82 DOLHNIKOFF, 2005, op. cit., p. 102. 83 Ibidem, p. 115. “Por várias razões, é óbvio que a criação das Assembleias provinciais instituiu definitivamente, na ordem constitucional, um espaço de jurisdição local, com Executivo e Legislativo próprios. Entretanto, mantinha-se também sua vinculação, nos mais variados níveis, com a Corte, haja vista a pretensão de unidade de todos os territórios americanos anteriormente portugueses” SLEMIAN, op. cit., p. 303. 84 Cf. SLEMIAN, op. cit.. 85 FARIA, Regina Helena Martins de. A transformação do trabalho nos trópicos: propostas e realizações. Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco. Recife. 2001, p. 30.
39
riqueza, depois do Rio de Janeiro, Salvador e Recife”. Os viajantes destacam, em suas
observações, o “imponente casario, com sobrados de dois ou três andares, espalhados
pela Praia Grande – o bairro mais importante –, e ficam agradavelmente surpresos com
aquilo que chamam ‘“dignidade do comportamento e tom seguro e educado da
sociedade”’. O relato do viajante alemão Robert Ave-Lallemant, presente em Viagem
pelo Norte do Brasil, de 1859, também é lisonjeiro. A impressão não poderia ter sido mais favorável. O mais belo domingo estendia-se sobre a terra e sobre o mar. A cidade desdobrava-se sobre altas colinas, banhada de três lados pelo mar com bonitos, magníficos mesmo, edifícios. Entre todas as construções salientavam-se uma bateria, o palácio do governo, a catedral e uma pequena igreja no fim da cidade. Diante da resplandecente cidade, ancoravam cinco vasos de guerra brasileiros e uma bonita frota mercante; flâmulas e bandeiras tremulavam ao longe, e devo dizer que, depois das três grandes cidades comerciais, Rio, Bahia e Pernambuco, a cidade do Maranhão merece indubitavelmente, a classificação seguinte, e tem realmente esplêndida aparência87.
Esta imponência apontava para o crescimento econômico maranhense a partir de
meados do século XVIII, proporcionado pela criação da Companhia Geral de Comércio
de Grão-Pará e Maranhão (1755), uma companhia monopolista, criada por Pombal, que
objetivou fomentar a atividade comercial das duas capitanias. A partir de sua criação
houve grande influxo de mão-de-obra escravizada, estimulando o ainda nascente núcleo
agroexportador maranhense88. Isto tudo fazia parte da política de incremento da
agricultura colonial desenvolvida por D. José I e pelo Marquês de Pombal. Ao assegurar
o financiamento e escoamento da produção, facilitando o acesso à terra a grandes
produtores, e criar a infraestrutura necessária, esses governantes imprimiram um novo
ritmo na economia da região, cujos efeitos não tardaram a aparecer89.
É interessante notar, como demonstra Antônia Mota, que determinadas áreas do
interior da província têm uma ocupação que data do início do século XVIII, com a
pecuária extensiva, a partir de uma frente pastoril advinda de Pernambuco e Bahia90.
Esse frente juntava-se a outra que avançou no início do século XVII, tendo por base o
86 SPIX, Johanm Baptista von; MARTIUS, Carl. Friederich Philipp von. Viagem pelo Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1981, p. 269-272. 87 LALLEMANT-AVE, Robert. Viagem pelo Norte do Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro. Coleção de Obras Raras, 1961, p. 19-20. 88 Cf. DIAS, Manuel Nunes. Fomento e mercantilismo: a companhia geral do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778). Pará: Universidade Federal do Pará, 1971. Para compreender melhor a criação da Companhia no quadro das disputas comerciais entre Portugal e Inglaterra, ver MAXWELL, Kenneth. Pombal, Paradox of the Enlightenment. Cambridge: Cambridge University Press, 1995, p. 68-71 e passim. 89 FARIA, op. cit., p. 31. 90 MOTA, Antônia da Silva. Família e Fortuna no Maranhão Setecentista. In: COSTA, Wagner Cabral da (org.). História do Maranhão: novos estudos. São Luís: EDUFMA, 2004, p. 53.
40
modelo de ocupação dos engenhos de açúcar, embora em escala menor quando
comparada ao nordeste açucareiro91. Apesar desse movimento, a ocupação se deu de
maneira bastante lenta, de maneira que, até meados do século XIX, o Maranhão poderia
ser considerado uma província de “fronteira”, com largas porções de seu território com
escasso controle estatal, ocupado pelo “gentio e índios bravios”, assim como
aquilombados92. Quando se fala em ocupação do território, a infraestrutura local,
especialmente a de transporte, tem influência fundamental. No Brasil do século XIX,
ainda predominava o "antigo sistema de circulação", baseado na combinação de caravanas de muares, carros de boi e, nos cursos fluviais navegáveis, canoas. As tropas representaram a face mais visível da circulação antiga, principalmente no Sul, em São Paulo e Minas Gerais. A cena típica do Brasil escravista, no que se refere ao transporte de pessoas e mercadorias, era o lote de burros conduzido pelo tropeiro montado no cavalo madrinheiro da tropa93.
O Maranhão não destoava muito do quadro geral. Segundo Socorro Cabral, faltou à
província “uma política de desenvolvimento do transporte que permitisse a execução de
obras de desobstrução dos leitos dos rios, construção de barragens, canais e outros
serviços, melhorando as condições de navegabilidade de forma a fomentar”94 a
navegação dos rios, que eram extensos e cortavam toda a província, como se vê no
mapa 1. “As vias terrestres [...], apesar de precárias, foram importantes na vida da
região”95. A estrada da “Passagem da Manga [por exemplo, nos arredores do Rio
Parnaíba], serviu para o escoamento das boiadas sertanejas com destino aos centros
açucareiros”96 como os do Alto Itapecuru, que por sua vez mantinham estreita relação
com Caxias, principal vila comercial da região97.
91 Idem, Ibidem, p. 52. 92 Cf. ASSUNÇÃO, Mathias Röhrig. “Quilombos maranhenses”. In: REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos. (org.). Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 93 MARTINS, Marcos Lobato. As variáveis ambientais, as estradas regionais e o fluxo das tropas em Diamantina, MG: 1870-1930. Revista Brasileira de História. [online]. 2006, vol.26, n.51, pp. 144-145. 94 CABRAL, Maria do Socorro Coelho. Os caminhos do gado: conquista e ocupação do Sul do Maranhão. São Luís: EDUFMA, 2008, p. 117. 95 Idem, Ibidem. 96 Id., Ibid., p.118. 97 RIBEIRO, Francisco de Paula. Memórias do sertão maranhense. Ed. Siciliano, 2002, p. 175.
41
MAPA 1 - BACIAS HIDROGRÁFICAS DO MARANHÃO98
98 Mapa da divisão atual do Maranhão. Imagem disponível em: www.ibge.gov.br. Rio Itapecuru (1.090 km) / Mearim (966 km) / Grajaú (690 km) / Pindaré (468 km).
42
Esse perfil populacional previamente aludido aponta para uma peculiaridade.
Isto porque, diferente de outras capitanias do Nordeste, o Maranhão baseou sua mão-de-
obra no trabalho forçado dos índios, conhecendo um ciclo de trabalho indígena bem
mais duradouro. Por isso, a entrada vultosa de africanos escravizados nas décadas
anteriores à Independência mudou significativamente esta capitania99.
TABELA 1 - DEMOGRAFIA DO MARANHÃO: SÉCULOS XVII, XVIII E XIX100
Localidade Ano Número de habitantes
São Luís 1637 310
São Luís 1648 480
São Luís 1658 700
São Luís 1677 2.000
São Luís 1724 3.000
São Luís 1788 16.580
São Luís 1815 30.000
São Luís 1819 30.000
Maranhão 1778 47.410 (Aproximadamente 25,5% de escravos [12.000])
Maranhão 1822 152.892 (55,3% de escravos) [84.534]
Maranhão 1841 217.054 (51,6% de escravos) [111.905]
Maranhão 1872 359.048 (20,8% de escravos) [74.939]
A entrada vertiginosa de escravos no Maranhão – chegando a compor
praticamente metade da população da província101 – se deu com a montagem do sistema
99 ASSUNÇÃO, Mathias Röhrig. Miguel Bruce e os horrores da anarquia no Maranhão, 1822-27. In: JANCSÓ, István. (Org.). Independência: História e Historiografia. São Paulo: Hucitec, 2005, p. 346. 100 Até 1755, Santos afirma que a capitania do Maranhão havia recebido cerca de 3 mil escravos. Entre 1755 e 1777, esse número triplica. Cf. MEIRELES, Mário. Op. cit. p. 209-210; CALDEIRA, José de Ribamar C.. O Maranhão na literatura dos viajantes do século XIX. Coleção César Marques, vol. 2. 1991, p.16-22; PEREIRA DO LAGO, Antonio Bernardino. Estatística histórica-geográfica da Província do Maranhão. Lisboa: Typ. da Real Academia das Ciências, 1822, passim; BRASIL. Recenseamento da população do Império do Brasil, 1872 e SANTOS, Maria Januária Vilela. A Balaiada e a insurreição de escravos do Maranhão. São Paulo: Ática, 1983, p. 14-15.
43
agroexportador. Esse sistema, caracterizado por um tipo específico de acumulação,
solidificou o capital mercantil e comercial, conjugando assim os interesses de
exploração tanto dos grandes proprietários rurais como os da Metrópole102, dando aos
proprietários a estrutura necessária103 para reprodução de seus negócios, ainda que sob a
dependência dos comerciantes portugueses104. Organizada a plantation escravista,
voltada para o mercado externo de alimentos e matérias-primas, construiu-se um
sistema que tinha como dinâmica os momentos de expansão e crise105. O Maranhão,
atendendo à demanda do mercado externo, dirigiu sua atenção à produção de algodão e
arroz106. Essas culturas foram especialmente favorecidas pelas lutas de Independência
das Colônias Inglesas na América do Norte (no caso do algodão, fornecido à Inglaterra)
e pela crise produtiva do trigo português, bem como o crescimento populacional
europeu (no caso do arroz)107.
Como demonstra o quadro acima, a Companhia teve efeito relevante e visível na
composição da população maranhense no período e na entrada de escravos. Com o fim
da Segunda Guerra de Independência dos Estados Unidos (1815) e, por conseguinte, a
101 Ver PEREIRA, Josenildo de Jesus. Na fronteira do cárcere e do paraíso: um estudo sobre as práticas de resistência escrava no Maranhão oitocentista. 2001. Dissertação (Mestrado em História) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, SP; Idem. As representações da Escravidão na imprensa jornalística no Maranhão na década de 1880. 2006. Tese (Doutorado em História Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. 102 Cf. FARIA, op. cit. e passim. 103 Como observa Antônia Mota, op. cit, p. 53, no século XVII as “fazendas, unidades produtivas mais importantes [do] período, tinham uma rentabilidade reduzida, e como o próprio dono estava à frente dos negócios o controle contábil era mínimo”. 104 Mathias Assunção aponta que “que em poucas outras regiões brasileiras existia dependência tão grande dos fazendeiros em relação ao [setor] comercial”, notando que no “tempo da Companhia, os lucros dos comerciantes eram de 45% na importação de fazendas secas da Europa, com adicionais de 5% se a compra fosse a crédito, e eram provavelmente ainda mais altos na exportação. Lucros abusivos foram a principal queixa dos fazendeiros contra a Companhia”. ASSUNÇÃO, Mathias Röhrig. Exportação, mercado interno e crises de subsistência numa província brasileira: o caso do Maranhão, 1800-1850. Estudos Sociedade e Agricultura, v. 14, p. 32-71, 2000, p. 33. 105 FARIA, op. cit., p. 32. 106 Ver VIVEIROS, Jerônimo de. História do comércio do Maranhão (1612-1895). São Luís: Associação Comercial do Maranhão, 1954, v. 2; CALDEIRA, José de Ribamar Chaves. Origens da indústria do sistema agro-exportador maranhense. Estudo micro-sociológico da instalação de um parque fabril em região do nordeste brasileiro no final do século XIX. 1989. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo; MESQUITA, Francisco de Assis Leal. Vida e morte da economia algodoeira do Maranhão: uma análise das relações de produção na cultura do algodão, 1850/1890. São Luís: EDUFMA, 1987; RIBEIRO, Jalila Ayoub Jorge. A desagregação do sistema escravista no Maranhão (1850-1888). São Luís: SIOGE, 1990; FARIA, Regina Helena Martins de. Trabalho escravo e trabalho livre na crise da agroexportação escravista no Maranhão. 1998. Monografia (Especialização em História Econômica Regional) – Departamento de História, Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA. 107 FARIA, Regina. Descortinando o Maranhão oitocentista. In: COELHO, Mauro Cezar; GOMES, Flávio dos Santos Gomes; QUEIROZ, Jonas Marçal de; MARIN, Rosa Elizabeth Acevedo; PRADO, Geraldo. (Org.). Meandros da História: trabalho e poder no Grão-Pará e Maranhão. Séculos XVIII e XIX. Belém: UNAMAZ, 2005., p. 232.
44
reorganização de sua produção, o país volta a figurar entre os líderes mundiais na
produção de algodão e arroz. Na mesma época, outros países, como Egito e Índia,
incentivados pela Inglaterra, passam a ocupar maior espaço no mercado internacional,
aumentando a oferta de algodão, diminuindo os preços e a lucratividade e levando a
cotonicultura brasileira a perder espaço para os seus concorrentes. No Maranhão a
produção declina, acompanhada pelo fato de que o consumo no mercado interno era
diminuto. As exportações de arroz seguiram caminho análogo, ainda que, diferente do
algodão, a queda tenha sido compensada com o aumento do consumo no mercado
interno. Ao buscar alternativas para a crise de meados do XIX, vários fazendeiros de
algodão transferiram capitais e mão-de-obra para a agroindústria açucareira108. A
exportação de açúcar manteve a relação com a dinâmica conjuntural, favorecida que foi
pela desorganização temporária da produção das Antilhas Inglesas109, após a abolição da
escravidão naquele local. Não obstante, segundo Jerônimo de Viveiros, é digna de nota
a atuação do Presidente da província Joaquim Franco de Sá, que administrou entre 1846
a 1848, no sentido de incentivar a produção de açúcar em uma província que, em 1822,
contava com apenas sete engenhos, e em 1860 já tinha cerca de 400 engenhos110. De
fato, há certo consenso na historiografia maranhense111 de que o sistema agroexportador
se rearranja a partir da década de 40 do século XIX, com a sobredita transferência de
recurso da cotonicultura para a produção de açúcar significando a transformação da
província do Maranhão em exportadora de açúcar.
Mas se o sistema agroexportador favorecia momentos de profundas “crises”, isso
não significava desagregação total da atividade econômica da província. Esse fato é
especialmente notável, para o período que nos interessa, com o desenvolvimento de
outros setores da economia mesmo em momentos conjunturais desfavoráveis à
produção agroexportadora. Houve, por exemplo, a criação do Banco Comercial do
Maranhão, em 1846, da Companhia Rio Anil, em 1850, responsável pelo encanamento
e distribuição de águas do rio anil, e a organização da pequena produção agrícola (de
108 FARIA, 2005, p. 234. 109 Cf. WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel. Capital e propriedade fundiária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 33. 110 VIVEIROS, op. cit., p. 206. 111 Como a própria FARIA, 2001, p. 35, aponta. Cf. CARVALHO, Carlos Jesus de. Ascensão e crise da lavoura algodoeira no Maranhão. (1760-1910). Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Agrícola) – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 1982. CALDEIRA, 1989, op. cit.; FARIA, Regina Helena Martins de. Trabalho escravo e trabalho livre na crise da agroexportação escravista no Maranhão. 1998. Monografia. (Especialização em História Econômica Regional) – Departamento de História, Universidade Federal do Maranhão. São Luís, 1998; MESQUITA, op. cit.; RIBEIRO, 1990, op. cit.; VIVEIROS, op. cit.;
45
“moradores e/ou agregados” das grandes propriedades), responsável não só pela
subsistência das famílias, mas pelo “comércio local e interprovincial de alimentos
(arroz, farinha de mandioca, aguardente, milho e algodão)”112.
Alfredo Wagner Almeida aventou que as crises, inerentes a um sistema
agroexportador dependente, foram alvo de interpretações “peculiares” pelos
contemporâneos, as quais chamaram de “decadência da lavoura”. Essa decadência era
sempre tomada pelo signo da falta: “falta de conhecimentos profissionais”, “falta de
capitais”, “falta de braços”, “falta de comunicações apropriadas”, “falta de terras por
causa do gentio”. Dessa maneira, criou-se uma “periodização ortodoxa”113 em que a
“antiga barbárie” (anterior à intervenção pombalina), dava espaço à opulência (período
normalmente entendido até 1810) e, por fim, aos tempos em que se vive: a decadência.
Até fins de século XIX, essa percepção perdurou no discurso dos letrados e burocratas
maranhenses, não importando qual fosse a situação “real” da província no período. Faz-
se relevante notar esse fato pois, “tornando-se senso-comum nas interpretações sobre o
Maranhão, inclusive nas interpretações hodiernas que tratam da crise final da agro-
exportação e da crise do escravismo”114, a ideia da decadência da lavoura pode
obscurecer a análise da atuação das elites e dificultar uma crítica adequada das fontes.
Isto porque o próprio Alfredo Wagner demonstra que os presidentes de província
reproduzem, de forma recorrente, esse discurso em seus relatórios.
Talvez o grande demarcador desse discurso da decadência e dessa periodização
ortodoxa seja Raimundo José de Souza Gaioso. A partir da obra de Bernardo Pereira de
Berredo, Gaioso estabelece o momento fundante da prosperidade da província do
Maranhão:
É certo que nos anais do Maranhão, sabiamente compilados por Bernardo Pereira de Berredo, que veio governar este Estado no ano de 1718, se podia achar tudo que era capaz de formar a instrução dos curiosos, tocante ao princípio deste estabelecimento, sua independência, e geografia local; porém nenhuma memória se acha nele que decida sobre objetos agricúlticos da capitania, pois que do estabelecimento da companhia geral do comércio em 1756, data o princípio de sua prosperidade, na criação da riqueza territorial115.
Um pouco adiante, Gaioso enfatiza: 112 FARIA, 2005, p. 237. 113 ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. A ideologia da decadência: uma leitura antropológica da história da agricultura no Maranhão. Rio de Janeiro: Casa 8, 2008, p. 42-46. 114 FARIA, 2001, p. 37. 115 GAIOSO, Raimundo José de Souza. Compêndio histórico-político dos princípios da lavoura do Maranhão. Paris: Oficina de P. N. Rougeron, 1818, p. xxiv.
46
Qual outra fênix renascida das cinzas, o Maranhão levanta sua altiva cabeça para emparelhar com as províncias mais opulentas do Brasil. Apenas saído da gentilidade, ele não conhecia nem comércio, nem agricultura: os portos se achavam sem comunicação, os poucos efeitos da sua produção empatados; a cidade sem edifícios; os moradores dispersos, e finalmente reputado como inútil este fértil torrão116.
Nos trechos acima, acredito ser interessante observar como Gaioso compreende o
caráter inaugural do empreendimento colonial da Companhia para a então capitania. De
fato, não precisamos nos deixar capturar pela narrativa para perceber que o autor busca
– também – cristalizar uma interpretação inaugural. Mas por que isso é importante?
Como vinha argumentando anteriormente, a percepção da decadência é recorrente no
discurso letrado maranhense no século XIX. Mas não só. Essa periodização também
ofereceu um padrão explicativo para a historiografia posterior, como é o caso, por
exemplo, do trabalho de Francisco de Assis Leal e José Tribuzzi Gomes. A
caracterização de Gomes é emblemática e, portanto, importante de ser reproduzida: A expansão econômica do período 1756-1820, que evidenciava a viabilidade de desenvolver-se uma economia no trópico úmido, fez-se a taxas de crescimento realmente espetaculares e possibilitadas pelo ingresso da massa de trabalhadores escravos, cuja força de trabalho era intensivamente explorada, pela ampla disponibilidade de terra acessível, graças à navegabilidade dos grandes rios convergentes ao porto da capital117.
A leitura de um clássico da economia brasileira118 também nos faria crer que o
Maranhão desponta como um núcleo de desenvolvimento e prosperidade num período
de crise e depressão generalizada da economia colonial, mas análises mais recentes
apontam para o fato de que o Rio de Janeiro e o seu o complexo açucareiro apresentam
um quadro de crescimento e expansão interna119, um tendência crescente que se mantém
até a década de 20 do século XIX. Portanto, importa frisar novamente que, de modo
geral, as crises conjunturais do sistema agroexportador não significam paralisia total da
vida econômica da província, ainda que, “se o parâmetro de comparação para a
decadência fossem os países centrais do capitalismo industrial ou mesmo as províncias
116 Idem, Ibidem, p. xxi. 117 GOMES, José Tribuzzi Pinheiro. Formação econômica do Maranhão: uma proposta de desenvolvimento. São Luís: FIPES, 1981. p. 13. 118 “A pequena colônia, em cujo porto entravam um ou dois navios por ano e cujos habitantes dependiam do trabalho de algum índio escravo para sobreviver, conheceu excepcional prosperidade no fim da época colonial, recebendo em seu porto de cem a cento e cinquenta navios por ano e chegando a exportar um milhão de libras. Excluído o núcleo maranhense, todo o resto da economia colonial atravessou uma etapa de séria prostração nos últimos decênio do século”. FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. SP: Cia. Ed. Nacional, 1980, 17. ed. p.91. 119 FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo e FARIA, Sheila de Castro. A economia colonial brasileira (séculos XVI-XIX). São Paulo: Atual Editora, 2000, p. 98-101.
47
cafeeiras do Brasil, seria inevitável concordar que o Maranhão realmente estava mais
atrasado”120. No entanto, a comparação é produzida a partir de um olhar para o suposto
passado áureo e exitoso da economia local.
Nessa medida, a constatação de que o Maranhão foi uma colônia periférica do
império colonial português até praticamente as décadas finais do XVIII e experimentou
notável crescimento econômico após esse período, traz à baila questões importantes,
pois se a Companhia criou condições para o desenvolvimento de uma economia baseada
na plantation121, os ditos lavradores também enveredaram pelo caminho do monopólio
comercial (primeiro por parte dos portugueses da metrópole, depois dos “nativos”) e do
endividamento sistemático devido à fraqueza do meio circulante na província122. Assim,
a grande entrada de escravos e a fragilidade dos fazendeiros frente aos comerciantes,
aliado às sequenciais crises da economia maranhense, obrigaram a elite política local a
se desdobrar para superar os possíveis conflitos que as situações de carestia poderiam
trazer. Isso logo após a “dissolução da velha ordem entre 1820-1823, [que] deixou uma
lacuna e instigou intensa luta pelo poder regional”123 e desorganizou a produção entre
1822-23. Antes de entrar nesse ponto, é importante caracterizar, com mais calma, a elite
política local.
1.3 A composição da elite maranhense
Segundo Antônia Mota, no Maranhão a concentração de renda era elevadíssima.
Um pequeno grupo de proprietários concentrava grandes e pequenas fortunas124,
especialmente porque a população livre era bastante pequena. De 1794 a 1824, dois
terços da fortuna da provincial advinha dos proprietários do Itapecuru, denominação que
englobava desde o golfão maranhense (de São Luís a Cururupu) até a região do atual
município de Itapecuru125, como se pode ver no mapa 2. Ainda segundo ela: A compilação dos dados mostrou que as maiores fortunas estavam em mãos dos proprietários rurais, muitos deles aparentados entre si. Pedro Miguel Lamagnère, que possuía a segunda maior fortuna entre os inventários da amostra, era cunhado de João Belfort que, por sua vez, era irmão de
120 FARIA, 2001, p. 37. 121 ASSUNÇÃO, 2000, p. 36. 122 Idem, Ibidem, p. 57-67. 123 ASSUNÇÃO, 2005, p. 353. 124 MOTA, Antonia da Silva. A Dinâmica colonial portuguesa e as redes de poder local na Capitania do Maranhão. Tese - Doutorado em História da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007, p. 53. 125 Idem, Ibidem, p. 46-64.
48
Francisca Maria, ambos eram tios de Joana Maria Freire e Bernardino José Pereira de Castro. Ana Tereza Ferreira de Castro também pertencia a este grupo familiar. O parentesco dos Belfort com o coronel José Antônio Gomes de Sousa, que possuía a terceira maior fortuna, já foi evidenciado neste estudo. Difícil não deduzir que os membros destas famílias se ajudassem mutuamente, concentrando grandes fortunas126.
TABELA 2 – JUNTAS PROVISÓRIAS127
Constituição das Juntas Provisórias de Governo
Primeira Junta Provisória e Administrativa do Maranhão (16/02/1822)
Bispo D. Fr. Joaquim de Nossa Senhora do Nazaré (presidente), brigadeiro Sebastião Gomes da Silva Belfort (secretário), chefe de esquadra Felipe de Barros e Vasconcelos, desembargador João Francisco Leal, tesoureiro (aposentado) da Fazenda Real, Tomás Tavares da Silva, coronel de milícias Antônio Rodrigues dos Santos, e tenente de milícias Caetano José de Sousa.
Primeira Junta Provisória (depois da Adesão - 08/08/1823)
Miguel Ignácio dos Santos Freire e Bruce (presidente), Lourenço de Castro Belfort (1º secretário), Pe. Pedro Antônio Pereira Pinto (2º secretário), José Felix Pereira de Burgos (governador das armas), Joaquim José Vieira Belfort, Antônio Joaquim Lamagner Galvão, Fábio Gomes da Silva Belfort, Antônio Raimundo Belfort Pereira Burgos.
Segunda Junta Provisória (depois da Adesão - 29/12/1823)
Miguel Ignácio dos Santos Freire e Bruce (presidente), José Lopes de Lemos (secretário), Rodrigo Luís Salgado de Sá Moscoso (governador das armas), José Joaquim Vieira Belfort, Antônio Joaquim Lamagner Galvão, Luiz Maria da Luz e Sá, Sysnando José de Magalhães.
A junta instalada na capital (ver tabela 2), São Luís, formada majoritariamente
por portugueses, logrou manter um controle acirrado sobre os grupos políticos do
restante da província, lutando pela manutenção do Império português. Isto porque, no
pós-independência, cidades importantes do interior, como Itapecuru e Caxias, criaram
suas próprias juntas, negando a autoridade da junta ludovicense128. Com o retorno do
absolutismo em Portugal, “muitos liberais, tanto portugueses como brasileiros, se
convenceram de que agora eles estariam em melhor situação com uma monarquia
constitucional brasileira, liderada por um príncipe de sangue português”129. Após a
adesão à Independência, em 1824, José Félix Pereira de Burgos assumiu a linha de
126 Id., Ibid., p. 54. 127 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Maranhão. In: As Juntas governativas e a independência. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional/Conselho Federal de Cultura, 1975, v. 1. 128 GALVES, Marcelo Cheche. “Ao público sincero e imparcial”: Imprensa e independência do Maranhão (1821-1826). Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2010, p. 14. 129 ASSUNÇÃO, Mathias Röhrig. Miguel Bruce e os horrores da anarquia no Maranhão, 1822-27. In: JANCSÓ, István. (Org.). Independência: História e Historiografia. São Paulo: Hucitec, 2005, p. 350.
49
frente da atuação política. Filho de pai homônimo e de Anna Thereza Belfort,
compunha, com seus familiares, o grupo que formou o primeiro governo pós-
independência, com Miguel Bruce (também membros das juntas provisórias). Primos
entre si, eles eram netos do irlandês Lourenço Belfort, do português Antônio Gomes de
Sousa e do francês Pierre Lamagnère130. Para Mota, a proeminência política deste grupo
estava alicerçada no destaque econômico da ‘parentela’ Belfort, Gomes de Sousa e
Lamagnère.
MAPA 2 – NORTE DO MARANHÃO, SÉCULO XIX131
130 MOTA, Antônia da Silva. Famílias de elite no Maranhão Pombalino: tecendo redes de solidariedade e poder. Anais do XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA. Fortaleza: Editora UFC, 2009. p. 2. 131 PEREIRA, Josenildo de Jesus. As representações da escravidão na imprensa jornalística do Maranhão na década de 1880. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (Universidade de São Paulo), 2006, p. 29.
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Para Assunção, não se pode “atribuir a adesão do Maranhão à Independência
unicamente à chegada imperial sob as ordens de Cochrane, desprezando os fatores
internos”132. O fator crucial, segundo ele, foi a chegada de tropas independentistas
vindas do Ceará e do Piauí. A maioria dos fazendeiros maranhenses mantinha uma
posição neutra em relação à causa, mas quando as tropas começaram as incendiar as
fazendas daqueles que mantinham fidelidade com Portugal, rapidamente José Felix
Pereira de Burgos, importante membro da elite, aliou-se aos “patriotas”, tendo a
chegada de Cochrane apenas caráter acelerador da iminente derrubada da junta
portuguesa, ocorrida em 28 de julho de 1823. Burgos proclamou rapidamente governo
provisório em Itapecuru, composto por junta de oito membros (integrada
majoritariamente pelos membros das influentes famílias Burgos e Belfort), alijando do
poder os líderes do exército patriota alocados em Caxias. Ciosos de participação política
pela atuação que tiveram na adesão da Independência, as tropas foram “desmobilizadas
mediante pagamento de soldos de mais de 200 contos”, permitindo que as elites da
capital e do baixo Itapecuru monopolizassem o poder regional no período posterior (os
membros das famílias supracitadas). A segunda Junta formada, assim como a primeira,
foi “constituída pelos membros proeminentes das elites da principal área de plantation e
de São Luís, capital e mais importante ponto da província”133. Apesar de brigas
intestinas das elites pela manutenção e participação no poder, e da consequente
reconfiguração regional da influência após a Independência134, que permaneceu
basicamente da forma anteriormente delineada até a Balaiada, em alguns casos não foi
possível evitar o retorno dos portugueses. Mathias Assunção narra o caso de Severino
Alves de Carvalho, em Brejo, a principal vila do baixo Parnaíba. Último “comandante-
geral antes da Independência”, ele defendeu “o governo colonial até os derradeiros dias
da Junta”. “Por essa razão, foi substituído pelo patriota Caldas Ferreira”. Já em 1826,
“por meio de intriga, [...] com ajuda de falsa testemunha, [...] tornou-se novamente
comandante-geral de Brejo”. Chegou inclusive a ser coronel da guarda nacional.
“Quando, finalmente, em 1838, pôs a faixa verde de prefeito, a continuidade política
com os velhos tempos coloniais não poderia ter sido mais evidente”. Assim, “os
rebeldes balaios do Vale do Paraíba, [...] reproduziam o discurso patriota vigente
132 Ibid., p. 351. 133 Ibid., p. 358. 134 O que, como já observei, significou tanto a proeminência das elites provenientes de São Luís e da área de plantation (Alcântara, Icatu, Rosário e Itapecuru Mirim, todos a um dia de viagem de São Luís) como a substituição dos portugueses no poder.
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durante a luta pela Independência”, tornando-se também a insurreição um ato de
vingança “contra a abastada família Alves de Carvalho”135.
Enfatizar a atuação da elite na reconfiguração desse quadro ajuda a compreender
o conflito que ocorrerá alguns anos depois: a Balaiada. Como aponta Assunção136, o que
se chamou de “crise da agricultura” e a “desagregação da economia“ não podem ser
considerados traços fundamentais para entender a eclosão do movimento137. Isto porque
é “problemático estender o conceito de crise a uma duração de meio século138 e tirar
conclusões sobre o estado geral da economia apenas com base no caso do algodão e
sobre uma suposta crise pecuária”139. Como apontado anteriormente, a explicação
central para a guerra140 pode ser alinhavada a partir dos conflitos da Independência. Esta
resultou na monopolização do poder provincial pelas elites locais das principais áreas da
“grande lavoura” e da cidade de São Luís, em 1823. De 1835 em diante, há uma
reorganização no seio da elite maranhense, com a ascensão das famílias Franco de Sá e
Jansen à proeminência política e partidária (liberal). Essa ascensão faz parte de um
contexto mais amplo. Janotti entende que as disputas no governo central, durante a
Regência, ocorreram em concomitância ao surgimento de um discurso “das camadas
sociais marginalizadas, de forte cunho social”141. No Maranhão, entre 1835 e 1837, a
presidência foi do Barão de Pindaré, tio de Joaquim Franco de Sá, indicando certa força
dos Bemtevis (liberais) maranhenses. Em 1838, após eleição fraudada, os cabanos
(conservadores) assumiram o controle da Assembleia Provincial e alijaram os liberais
do poder. “Nesse clima de avanço e recuos da construção do poder, surgiu a Balaiada
em 1838. Durante todo o período inicial da Balaiada, os bem-te-vis não cansaram de
responsabilizar os cabanos pelo crescimento da revolta”142. Assim, os liberais buscaram
mobilizar parte considerável da população politicamente excluída da província, uma das
causas principais para a revolta143. Com o crescimento da dimensão da revolta, ambos
135 ASSUNÇÃO, 2005, p. 358-359. 136 ASSUNÇÃO, 2000, p. 43. 137 Interpretação de SANTOS, Maria Januária Vilela. A Balaiada e a insurreição de escravos no Maranhão. São Paulo: Ática, 1983, p. 35-42. 138 Os dados em que ela se baseia são de 1810-11. 139 ASSUNÇÃO, 2000, p. 43-44. 140 Ver ASSUNÇÃO, Mathias Röhrig. A guerra dos Bem-te-vis: a balaiada na memória oral. São Luís: EDUFMA, 2008. 141 JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. Balaiada: construção da memória histórica. História, Franca, v. 24, n. 1, 2005, p. 54. 142 Idem, Ibidem. 143 Ver a avaliação um pouco diferente da nossa feita por ASSUNÇÃO, Mathias Röhrig. Cabanos contra bem-te-vis: a construção da ordem pós-colonial no Maranhão (1820-1841). In: DEL PRIORE, Mary; GOMES, Flávio. Os senhores dos rios: Amazônia, margens e histórias. Rio de Janeiro: Elsevier /
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os grupos passaram a defender medidas militares contra os rebeldes, e se reorganizaram
em torno dos presidentes da província para retomar a influência na disputa política. São
esses grupos que estudarei aqui.
Antes de caracterizar os membros dessa elite pós-balaiada, é preciso ponderar
alguns pontos. É difícil precisar a composição ideológica da elite maranhense no
período em questão. Sob o espectro aqui explorado – o da organização e atuação
políticas – não fica claro se há, dentre os atores políticos, uma cultura política
relativamente homogênea, como se viu em outros lugares e esferas144. Mesmo após uma
análise dos jornais, um dos locais privilegiados do debate político naquele tempo, deixa
apenas entrever em que medida os grupos se identificavam com determinada vertente do
espectro político do ponto de vista doutrinário (talvez essa seja uma exigência muito
ampla para o período). Isso é especialmente notório quando observamos que, na década
de 40, boa parte da discussão política local gira em torno da organização (e
reorganização) partidária dos grupos políticos locais. Por outro lado, a organização dos
grupos a partir de alcunhas específicas – especialmente as de Liberal (Bemtevi) e
Conservador (Cabano) – é razoavelmente organizada, a ponto de podermos identificar,
com certa estabilidade, estes dois grupos (e um terceiro, de dissidentes, aqui e acolá)
durante as duas décadas analisadas. Voltarei a este ponto no capítulo seguinte.
Para compreendermos com mais acuidade nosso objeto, é importante notar que a
imprensa tornou-se um espaço de embate para a elite a partir do notório aumento da
circulação dos impressos, deflagrado pela Revolução do Porto, no período pré-
Independência145. Como aponta Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves, os panfletos,
jornais e folhetos políticos tornaram-se os veículos fundamentais para a circulação de
ideias, valores e símbolos na Corte146. No período imediatamente posterior à
Independência, as províncias começaram a observar os efeitos da expansão desses Campus, 2004, p. 224-225. Assunção tem em mente aqui o vasto número de rebeldes livres, vaqueiros escravos e fazendeiros que participaram da Balaiada – por vezes ecoando um “liberalismo revolucionário popular” – que não encontravam expressão nos mecanismos de representação política da época. 144 Cf. CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem; Teatro de Sombras. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2007; NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves. Corcundas e constitucionais. A cultura política da independência (1820-1822). Rio Janeiro: Revan/ FAPERJ, 2003. É preciso ter em mente que esta homogeneidade sempre se refere a frações específicas da elite política (o que nos levaria até a falar de uma elite da elite), como demonstram, por exemplos, em momentos distintos, os trabalhos de BASILE, Marcello, Revoltas regenciais na Corte: o movimento de 17 de abril de 1832, Revista Anos 90, UFRGS, Porto Alegre, v. 11, n. 19/20, p.259-298, jan./dez. 2004 e SILVA, Ana Rosa Cloclet. Constitucionalismo, autonomismos e os riscos da 'mal-entendida liberdade': a gestação do liberalismo moderado em Minas Gerais, de 1820 a 1822. Tempo (Niterói. Online), v. 33. 145 Cf. RIBEIRO, Gladys Sabina. A liberdade em construção: identidade nacional e conflitos antilusitanos no Primeiro Reinado. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. 146 NEVES, op. cit., p. 52.
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“mecanismos de participação política”147, naquilo que seria uma nascente esfera pública
de participação de debate, esfera que não incluía apenas os jornais, mas os clubes, as
associações, o teatro, as bibliotecas, entre outros148.
No Maranhão, especificamente, é consenso na historiografia que o primeiro
jornal a aparecer foi o Conciliador Maranhense149, em abril de 1821, manuscrito,
considerado, por muito tempo, um jornal “português”, imagem cristalizada, como
demonstra Marcelo Galves150, a partir do juízo de Vieira da Silva em sua História da
Independência no Maranhão151. Um pouco antes, em 1817, surge o Teatro União, onde
se apresentavam espetáculos variados. Posteriormente é aberta a Biblioteca Pública, em
1831, o Liceu Maranhense e o Seminário Episcopal em 1838. Em 1844, aparece a
Associação Literária Maranhense, responsável pelo Jornal de Instrução e Recreio.
Fundada por Luís Antônio Vieira da Silva152, foi composta por membros como Antônio
Henriques Leal e Gonçalves Dias. O Gabinete Português de Leitura, enfim, aparece em
1852. Tudo isso em concomitância ao surgimento e estabelecimento do que ficou
conhecido, na genealogia da construção do mito ateniense153, como “Grupo
Maranhense” (1832-1868) de literatos do Romantismo brasileiro: Manuel Odorico
Mendes, Francisco Sotero dos Reis, João, Francisco Lisboa, Trajano Galvão de
Carvalho, Antônio Gonçalves Dias, Antônio Henriques Leal, Joaquim Gomes de Sousa,
Joaquim de Sousa Andrade (o Sousândrade) e César Augusto Marques. Além destes,
pode-se citar: Lisboa Serra, Almeida Braga, Marques Rodrigues, Vieira da Silva,
Cândido Mendes de Almeida, Pedro Nunes Leal, Belarmino de Matos, Gentil Homem
147 MOREL, Marco. Independência no papel: a imprensa periódica. In: JANCSÓ, István (org). Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec-Fapesp, 2005b, p. 617. 148 Cf. HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural na esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003; MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades imperiais (1820-1840). São Paulo: HUCITEC, 2005. 149 MARTINS, Ricardo André Ferreira. Breve panorama histórico da imprensa literária no Maranhão oitocentista. Animus: Revista interamericana de comunicação midiática. V.18, jul-dez 2010. 150 GALVES, Marcelo Cheche. “Ao público sincero e imparcial”: Imprensa e independência do Maranhão (1821-1826). Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2010, p. 94. 151 Juízo que, por sua vez, teria sido formado a partir da influência do trabalho de Sotero dos Reis. Cf. VIEIRA DA SILVA, Luís Antonio. (1862) História da independência da província do Maranhão (1822-1828). 2 ed. Rio de Janeiro: Companhia Editora Americana, 1972 (Coleção São Luís, v. 4), p. 72-73. 152 Visconde de Vieira da Silva foi advogado, poeta, jornalista, escritor, deputado provincial (1860), deputado geral (1861-63, 1867-73) e senador do império de 71 até o fim da vida, em 1889. Formado em leis e cânones pela Universidade de Heidelberg, em 1849. 153 BORRALHO, José Henrique de Paula. Terra e céu de nostalgia: tradição e identidade em São Luís do Maranhão. Assis: Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Dissertação de Mestrado, 2000, p. 40.
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d’Almeida Braga, Antônio Joaquim Franco de Sá, Francisco Dias Carneiro, Joaquim
Serra154.
Seguindo aqui o caminho de análise aberto por Henrique Borralho, parto das
biografias escritas no Pantheon Maranhense155 para realizar a apresentação da elite
maranhense no período, mas não só. Parto delas porque fazem parte do “grande
processo de afirmação de grupos políticos, uma conjugação da sociabilidade [...], além
de uma exemplificação das disputas intra-elite”156. Mas não só delas também porque há
notícias nos jornais que apontam para as reuniões partidárias dos grupos políticos locais.
Essa disputa intra-elite me interessa particularmente. Como apontei na introdução,
compreendo que havia no Maranhão, à época, uma elite maranhense que disputava o
poder político na província. Entendo, no entanto, que havia uma divisão. A fração da
elite que chamei de “elite política maranhense” é aquela que tem a proeminência
política e capacidade decisória para determinar quem disputará os cargos do governo
central (deputados e senadores). É ela, também, que dará o apoio considerado
fundamental para a condução dos negócios na esfera provincial, ajudando a eleger os
deputados para a Assembleia Legislativa Provincial. Essa elite também tinha suas
divisões internas tanto entre grupos (Bemtevis vs Cabanos) como intra-grupo (divisões
entre liberais). A partir dos quadros, tento demonstrar como os grupos se organizavam a
partir das lideranças. Estas lideranças, por sua vez, eram organizavam e influenciavam a
elite política provincial radicada na Assembleia, ainda que não tenha sido possível
identificar influências discerníveis nas decisões tomadas nas votações do legislativo
provincial157. Antes de começar a leitura a seguir, recomendo que observem
154 MARTINS, Ricardo André Ferreira. Atenienses e fluminenses: a invenção do Cânone Nacional. Anais do Seta, Campinas, v. 2, p. 293-298, 2008, p. 295. 155 LEAL, Antonio Henriques. Pantheon Maranhense. Ensaios biográficos dos Maranhenses ilustres já falecidos. São Luis, 1873; Rio de Janeiro: Alhambra, 1987. Tomo I. ______. Pantheon Maranhense. Ensaios biográficos dos Maranhenses ilustres já falecidos. São Luis, 1875; Rio de Janeiro: Alhambra, 1987. Tomo II. A maior parte das informações a seguir são retiradas da obra de Henriques Leal e da documentação dos jornais. Onde é possível, confronto com o texto de Borralho, 2009; Ver ainda COUTINHO, Mílson. Fidalgos e barões: uma história da nobiliarquia luso-maranhense. São Luís: Instituto Geia, 2005; MARQUES, César Augusto. Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão. Maranhão: Tipografia do Frias, 1870: Rio de Janeiro: Fonfon e Seleta,1970 e SILVA, Gilmar. Memórias Históricas escritas pelo Doutor César Augusto Marques. 1907. Caxias: Editora JM, 2010. Outras referências serão indicadas, quando necessário. 156 “A obra, para além das críticas de Frederico Corrêa (1878), interpretando-a como concessão e formação de uma coterie, também pode ser vista como o resultado de um perfil dessa elite corroborando para a construção de uma cultura oficial brasileira no plano local”. BORRALHO, José Henrique de Paula. A Athenas Equinocial: a fundação de um Maranhão no Império Brasileiro. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense - UFF. Tese de Doutorado, 2009, p 98-99. 157 Talvez essa seja uma exigência muito difícil de ser satisfeita mesmo levando em consideração fontes que normalmente se prestariam para tal empreitada, como as cartas.
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atentamente os quadros (ao final do capítulo) de influência que produzi a partir das
fontes da pesquisa. Eles ajudarão a discernir melhor os atores e guiarão o leitor na
análise das biografias.
Não seria, portanto, sem justificativa começar pelo Barão do Pindaré, Antônio
Pedro da Costa Ferreira, membro de uma família que desde os primórdios do sistema
constitucional se digladia com seus adversários políticos pela primazia na comarca de
Alcântara (os Franco de Sá e Costa Ferreira, liberais, e os Viveiros de Castro,
conservadores)158. Nasceu em 26 de dezembro de 1778, em Alcântara, filho do Tenente-
Coronel Ascenso José da Costa Ferreira e de Maria Teresa Ribeiro da Costa Ferreira.
Aos 14 anos foi para Coimbra, onde recebeu o grau de bacharel em Leis em 1803.
Retornou ao Maranhão para a administração da fazenda Boa União, com seu pai.
Em 1808, foi nomeado como fiscal da junta da vila de Alcântara, tornando-se
logo depois superintendente até 1823. Alcança vaga de suplência, como deputado, para
as cortes portuguesas, nesse mesmo ano. Foi eleito Deputado Geral na 2ª legislatura da
Câmara, pelo Maranhão, entre 1830-1833. Apoiou a candidatura de Joaquim Franco de
Sá para o Senado do Império. A mãe de Franco de Sá era irmã de Antônio Pedro, casada
com o Major Romualdo Antônio Franco de Sá. Morreu aos 82 anos de idade, em 18 de
julho de 1860, após destacada carreira política (também foi Senador, eleito em 1834 e
ocupou o cargo de presidente da província do Maranhão entre 1834 e 1837)159.
Joaquim Mariano Franco de Sá, por sua vez, era natural de Alcântara, filho do
ex-vice-presidente da província Romualdo Antônio Franco de Sá e de Estela Francisca
Costa Ferreira. Joaquim Franco de Sá se casou com a filha do Barão de Pindaré,
Lucrécia Rosa Costa Ferreira. Iniciou seus estudos na Universidade de Coimbra,
concluindo o curso de Humanidades. Iniciou também o curso de Direito, em Portugal, e
o finalizou em Olinda, em 1832. Fundou, no Maranhão, o jornal Americano, em 1836,
dedicado à divulgação dos ideais liberais; também serviu de sustentação à presidência
da província do tio, juntamente com o Eco do Norte, de João Lisboa. Em 1837 se tornou
vice-presidente da província do Maranhão. Foi presidente da província da Paraíba em
1844 e deputado geral pelo Maranhão na legislatura de 1845-47. Elegeu-se Senador do
Império em 1849 e foi nomeado desembargador da relação do Maranhão.
158 LEAL, op. cit., tomo I, p. 123. 159 Cf., também, Antônio Pedro da Costa Ferreira. In: COUTINHO, Mílson. Fidalgos e barões: uma história da nobiliarquia luso-maranhense. São Luís: Instituto Geia, 2005.
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Para Borralho, a partir de 1842, os políticos do Maranhão começam a repercutir
as disputas entre liberais e conservadores, ocorridas no centro político nacional, na
esfera local. Segundo ele, foi uma divergência entre os próprios liberais que ocasionou a primeira cisão também no ano de 1842, em decorrência do predomínio da família Jansen que controlava o partido. Esse controle foi o responsável pelo alijamento da candidatura de João Francisco Lisboa para Deputado Geral em detrimento do nome de Isidoro Jansen, filho de Ana Jansen. Os dissidentes liberais agruparam antigos rivais, como os descontentes do antigo partido cabano, agora reunidos sob a alcunha de Gavião. Sotero dos Reis, antigo opositor dos liberais, inimigo mordaz de João Lisboa, passava a defender princípios que tanto combatera160.
Nesse período ocorre a formação da Liga Progressista161, partido de sustentação
da presidência da província de Franco de Sá, em 1846. Com a morte Franco de Sá, em
1851, abre-se novamente vaga para o Senado. Esta vaga, contudo, é ocupada pelos
saquaremas, que elegem seu líder Jerônimo José de Viveiros em 1852. Com essa
eleição, segundo Borralho, os Saquaremas de Alcântara passam a controlar a política
maranhense por período significativo162. Já em 1848 a Liga Maranhense começa a
perder sua proeminência política. Isso ocorre porque – de acordo com um coetâneo
ligueiro, Soteiro dos Reis163 – o novo presidente da província, Antônio Joaquim Alvares
do Amaral, entendeu que deveria se colocar no centro dos partidos e fazer uma
administração equânime. Para realizar tal feito, “teve de fazer não poucas nomeações e
demissões para satisfazer as exigências da oposição que o cercava e lisonjeava”164. Essa
oposição, o partido Bemtevi, enfraquecido na administração Franco de Sá – nessa
narrativa – teria voltado a ocupar cargos na administração provincial e, com isso,
retomado a capacidade de alijar politicamente os membros da Liga (acusado de ser um
partido que só existia nos cargos públicos). O próprio Franco de Sá ficou conhecido, na
imprensa oposicionista, como o “Metralhador”, acusado de ter demitido quase 100
funcionários (entre titulares e suplentes) da administração provincial165. Essa fração do
160 BORRALHO, 2009, p. 122. 161 Voltarei a falar da Liga oportunamente. 162 BORRALHO, 2009, p. 124. Uma afirmação curiosa pois, até a década de 60, dos três senadores do Maranhão, dois são considerados liberais (Carlos Muniz e Costa Ferreira). 163 MARANHÃO. A Revista. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 13 de janeiro de 1849, p. 4. 164 Idem, Ibidem. 165 MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 18 de maio de 1849, p. 1-4.
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Partido Bemtevi que se opôs à administração Franco de Sá ganhou, por sua vez, na
imprensa ligueira, o epíteto de Camarilha166.
A outra explicação dada, por um jornal oposicionista saquarema (cujo redator
era Cândido Mendes), para o rápido declínio político da Liga Maranhense passa ao
largo da influência do presidente da província posterior, e enfatiza a incapacidade
política do próprio Franco de Sá. Ele teria perseguido “precipitada e violentamente os
camarilheiros, [...] dando subida importância ao grupo Jansenista [que] desalienou de si
as simpatias dos homens sensatos e bem intencionados”167. Além disso, teria tentado
conciliar grupos opostos: os Jansen Pereira e a oposição Bemtevi lidera por Jansen do
Paço (a dita Camarilha). Por fim, além da demasiada atenção dada ao grupo Jansenista,
Franco de Sá teria tentado fazer com que a Liga assumisse o credo político Luzia, o que
acabara afastando de si “as simpatias dos Saquaremas”168.
José Jansen do Paço e Isidoro Jansen Pereira partem do mesmo parentesco
genealógico, o mestre-de-campo Teodoro Jansen Müller169. A família Jansen do Paço,
entretanto, não faz parte da genealogia direta da família de Ana Jansen (a Jansen
Pereira), Rainha do Maranhão170, que alcançou a riqueza após casar-se com Izidoro
Rodrigues Pereira, pertencente a uma das famílias mais ricas do Maranhão no período.
O que se sabe do bacharel José Jansen do Paço é que foi deputado geral em três
legislaturas (44/47, 49/52, 69/72) e que entrou em colisão com a administração Franco
de Sá após se considerar pessoalmente atacado pelo então Senador Costa Ferreira,
grande apoiador político de Franco de Sá171. O coronel Isidoro Jansen Pereira,
comandante superior da Guarda Nacional172, filho de Ana Jansen e Izidoro Pereira, por
sua vez, foi deputado geral na legislatura de 1848/1851 e presidente da Câmara
166 Em artigo d’O Progresso, reproduzido no Publicador Maranhense, considerava-se que o chefe da Camarilha – a oposição liberal à Liga Maranhense – era José Jansen do Paço. MARANHÃO. O Publicador Maranhense. Periódicos (1842-57): Biblioteca Nacional (BN), 3 de julho de 1847, p. 2-3. MARANHÃO. O Progresso. Periódicos (1847-57): Biblioteca Nacional (BN). 21 de maio de 1847, p. 4. 167 MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1847-61): Biblioteca Nacional (BN), 7 de dezembro de 1851, p. 2. 168 Idem, Ibidem. 169 COUTINHO, 2005, p. 255-256. 170 JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. Três mulheres da elite maranhense. Revista Brasileira de História, ANPUH/Contexto: São Paulo, v.16, n.31/32. MORAES, Jomar. Ana Jansen, rainha do Maranhão. Jomar Moraes (org). 2 ed. São Luis: ANL/ALUMAR, 1999. 171 MARANHÃO. A Revista. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 25 de setembro de 1847, p, 3-4. 172 MARANHÃO. O Publicador Maranhense. Periódicos (1842-57): Biblioteca Nacional (BN), 12 de agosto de 1842, p, 3.
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Municipal de São Luís. Era considerado uma das principais lideranças da Liga173. Não
consegui localizar a naturalidade de Jansen do Paço. No Caso de Isidoro Jansen, as
fontes indicam que ele é natural da capital, São Luís. Em 1846, os Jansen Pereira e
Jansen do Paço entram em conflito e passam a seguir caminhos distintos na política,
ainda que sob a alcunha do liberalismo174.
Os erros de cálculo político de Franco de Sá, ainda na visão de Cândido Mendes,
teriam aproximado Jansen do Paço, José Mariani e José Maia aos dissidentes cabanos
(dissidência na qual ele mesmo se inclui), dando origem a uma nova aliança a partir do
final de 1848; nas suas palavras, os “Saquaremas, nutridos da melhor fé, generosamente
lhe abriram os braços e saudaram como novos amigos”175. Nessa narrativa, os Bemtevi
da Estrella176 se juntaram aos Saquaremas, até o final de 1850, para, em conjunto,
protagonizar as ações políticas na província. Essa teria sido outra aliança de curta
duração porque, ainda segundo o redator do Observador, desde 1849, com a nomeação
do presidente da província Herculano Ferreira Penna, os Estrella da Camarilha
buscaram “dispor exclusivamente das boas graças do governo”177. Com o aumento da
representação para a Câmara Geral em 1850, os Saquaremas tentaram se organizar para
ocupar uma das vagas abertas. Tal tentativa teria sido repelida pela decisão de uma
“Comissão Central” dos dois partidos (sem a participação de qualquer Saquarema),
sendo indicada uma chapa de maioria Bemtevi com apenas um Saquarema como
participante: o Sr. (Frederico José) Corrêa178. Por fim, afirma o redator do Observador,
“no que toca a eleição do senador acrescido, ela ainda ocupa a atualidade – para saber-
se que um só saquarema não fez parte da lista tríplice, e o mesmo aconteceria com os
snrs. Ângelo [Moniz] e Joaquim Mariano [Franco de Sá] se fosse possível excluí-los”179
173 MARANHÃO. A Revista. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 9 de outubro de 1847, p, 3. A Liga Maranhense está sendo considerada um marco de periodização aqui, pois, após sua desagregação, como já apontei, diz-se que há predomínio conservador na política provincial. 174 MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1847-1861): Biblioteca Nacional (BN), 7 de dezembro de 1851, p, 2. 175 MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1847-1861): Biblioteca Nacional (BN), 21 de dezembro de 1851, p, 1. 176 Era na Rua da Estrella, na botica do Sr. Villela, que se subscrevia e vendia o Estandarte, jornal desta fração do partido liberal. 177 MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1847-61): Biblioteca Nacional (BN), 21 de dezembro de 1851, p. 1. 178 Os eleitos foram José Jansen do Paço, Cândido Mendes de Almeida, Franco de Sá, Herculano Ferreira Penna (o então presidente da província), Antônio Barros e Vasconcelos e Gregório Tavares Osório de Maciel da Costa. Cf. MARQUES, César Augusto. Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão. Maranhão: Tipografia do Frias, 1870: Rio de Janeiro: Fonfon e Seleta,1970, p.178. 179 MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1847-61): Biblioteca Nacional (BN), 21 de dezembro de 1851, p. 2. Para a lista tríplice de senador, os candidatos do grupo de José Mariani, segundo Cândido
59
(leia-se, se o grupo de Mariani tivesse força para fazê-lo). Esses motivos teriam levado à
cisão dessa aliança em 1851, quando o presidente já era o conservador Eduardo Olímpio
Machado, uma vez que “a Camarilha ficará satisfeita [...] que consiga meter no senado o
seu Chefe, ainda com o sacrifício da dissolução do partido Bemtevi”180 Para Cândido
Mendes, restaria saber se “o ministério [continuaria] a deixar-se tão grosseiramente
iludir”181.
O comendador Ângelo Carlos Muniz é outra figura importante que possui
limitada informação biográfica. Sabe-se que foi proprietário rural e vice-presidente da
província entre 1844 e 1846 (vice-presidente de três presidentes diferentes). Contudo,
não reassumiu o cargo quando da ascensão de Joaquim Franco de Sá à presidência da
província. Assumiu a vaga de deputado provincial e presidente da Assembleia
Provincial em 1847182, período em que os liberais estão em disputa entre si (Jansen e
Muniz)183 e com a Liga (Muniz era um grande opositor). Foi também Senador do
Império entre 1852 e 1863, ano do seu falecimento. Era irmão de João Bráulio Muniz,
filhos de Raimundo José Muniz e de Anna Isabel Lamagnére Muniz. Este último nasceu
no Maranhão, em 1796, numa família de lavradores. Formou-se em direito na
Universidade de Coimbra. Foi eleito deputado para Assembleia Geral pelo Maranhão
por duas vezes seguidas, entre 1826 e 1831. Integrou a Regência Trina Permanente,
junto com o deputado José da Costa Carvalho e o brigadeiro Francisco de Lima e Silva,
entre 1831 e 1835184.
Talvez coubesse citar aqui Odorico Mendes, grande amigo e primo de João
Bráulio Muniz, deputado geral nas mesmas legislaturas. Uma das razões para não traçar,
mais detidamente, seu perfil é o fato de sua carreira política já estar praticamente
encerrada na década de 40 (foi eleito deputado geral outra vez, em 1845, por Minas
Gerais). A partir desse período passa a se dedicar mais à carreira literária. Não obstante,
teve destacado papel na imprensa maranhense, iniciando sua atuação no seu jornal
Mendes, eram ele próprio, João Antônio de Miranda e Jerônimo José de Viveiros. Essa informação consta na edição citada na nota seguinte. 180 MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1847-61): Biblioteca Nacional (BN), 11 de janeiro 1852, p. 2. 181 MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1847-61): Biblioteca Nacional (BN), 21 de dezembro de 1851, p. 1. 182 MARANHÃO. O Progresso. Atas da Assembleia Legislativa Provincial Periódicos (1847-57): Biblioteca Nacional (BN), . 17 de maio de 1847, p. 2-3. 183 MARANHÃO. O Progresso. Periódicos (1847-53): Biblioteca Nacional (BN), 16 de janeiro de 1847, p. 3-4. Cf. BORRALHO, 2009, passim. 184 Com informações de ENGEL, Magali Gouveia. Ato Adicional de 1834 (verbete), In: Dicionário do Brasil Imperial (1822- 1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
60
intitulado Argos da Lei, em 1825. Manteve ferrenha disputa política com João Antonio
Garcia de Abranches, português e redator do Censor, iniciado no mesmo ano (ambos
palco da disputa maranhenses contra portugueses)185.
A partir de 1852, a política maranhense, nas lentes dos periódicos – pelo menos
os interessados no espaço da Assembleia Provincial e dos desdobramentos que ali
ocorrem – fica dividida entre os liberais da Estrella e os anti-Estrella (incluindo aí os
Saquaremas). O debate na imprensa assume uma tendência de encapsulamento e fica
circunscrito, majoritariamente, às tentativas deste ou daquele grupo de angariar mais ou
menos apoio político. Após a eleição de Cândido Mendes para a Câmara Geral em 1850
e Jerônimo José de Viveiros para o Senado em 1852, a correlação de forças, numa
leitura retrospectiva de um periódico liberal como A Imprensa, é de “anos de domínio
conservador”186. Em 1853 Eduardo Olímpio Machado retorna à presidência da
província e, dessa vez, segundo a imprensa liberal oposicionista do Estandarte, “não
respeita lei alguma; [...] [e] converte sua vontade em lei”187 com o apoio da maioria188.
Nas discussões da Assembleia de dezembro de 1853, teria conseguido aprovar, com
amparado pelos 15 deputados de sua base, o aumento da despesa provincial para o
dobro da receita, impedindo a discussão por parte da oposição. Para o Estandarte, tal
interferência seria inaudita a ponto de merecer uma coluna fixa – “Mofina” – veiculada
de dezembro de 1853 até fevereiro de 1854, relembrando o fato e os deputados que
apoiaram esta manobra189. Tinha a adesão do então Senador (e deputado provincial)
Jerônimo José de Viveiros.
Jerônimo José de Viveiros e Francisco Mariano de Viveiros Sobrinho são as
duas figuras mais proeminentes do partido conservador maranhense na década de 50. O
primeiro, nascido em São Luís em 1784, era lavrador e criador em Alcântara, casado
com Ana Rosa Mendes Viveiros. Foi Senador do império de 1853 a 1857, ano do seu
falecimento. Seu filho nasceu em Alcântara em 1819 e morreu na mesma cidade, em
1860. Bacharel em matemática em 1839, pela Universidade de Coimbra, foi Deputado
185 Cf. GALVES, Marcelo Cheche. Entre o centro e a província: a primeira eleição para deputado geral no Maranhão pós-independência. Cadernos de Pesquisa, São Luís, v. 20, 2013. 186 MARANHÃO. A Imprensa. Periódicos (1857-62): Biblioteca Nacional (BN), 18 de julho de 1857, p. 1. 187 MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 22 de dezembro de 1853, p. 1. 188 Para formar essa maioria, é acusado, pela oposição, até de tentar “comprar o independente dr. João Bernardino Jorge Junior, com o lugar de inspetor de instrução pública”. MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 8 de dezembro de 1853, p. 3. 189 MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 8 de dezembro de 1853 a 2 de fevereiro de 1854, p. 1.
61
Provincial (41/42, pleito anulado e na legislatura seguinte) e Deputado Geral em 1857.
Em 1853 é agraciado com o título de Barão de São Bento. Em 1859, após a morte de
seu pai, compôs a lista tríplice para a vaga de Senador. O Imperador escolheu Joaquim
Vieira da Silva e Souza190. Juntamente com seu pai, dividiu a liderança do partido
conservador até suas respectivas mortes, e polemizou ferozmente com o liberal Carlos
Fernando Ribeiro, seu conterrâneo, também conhecido como Barão de Grajaú – uma
das mais longevas lideranças liberais, a partir da década de 50 – nas páginas de A Nova
Época (com o apoio de Luiz Antônio Vieira da Silva, Antônio Marcelino Nunes
Gonçalves, Manoel Moreira Guerra e José Silvestre Reis Gomes). Carlos Ribeiro191, por
sua vez, entrava neste embate por meio das páginas de O Progresso (em 1854 e 1862-
66). Redigiu ainda n’A Imprensa, entre 1857-62, e n’A Moderação, entre 1856-59.
Eduardo Olímpio Machado permanece na presidência da província até sua
morte, em 1855. Por ocasião de seu falecimento, o Observador publica uma biografia
do ex-presidente da província, de autoria de Sotero dos Reis192. Homenagens também
lhe são prestadas na página do Publicador Maranhense193. O Estandarte nem em morte
deixou de lhe fazer oposição, pois “quem lesse as folhas que endeusavam
constantemente o snr. Olímpio Machado [...], nunca lhe passaria, por certo, pela ideia
que houvesse um homem que em poucos dias [...] o excederia em atividade”194:
190 Outra destacado político conservador, teve uma carreira política ampla. Segundo Henriques Leal, era a “arredio dos partidos que se digladiavam na província”. Nascido em 12 de janeiro de 1800, na Vila do Rosário, Maranhão, e falecido em 23 de junho1864, na rua dos Remédios, onde residia, em São Luis, Maranhão. Filho do brigadeiro Luiz Antônio Vieira da Silva e de Maria Clara Gomes de Souza. Matriculado no curso de Direito da Universidade de Coimbra [1817], recebeu o grau de bacharel em.1822. Membro da primeira Câmara Independente do Maranhão (13.08.1823). Juiz de Direito e de Ausentes em São Luis (1824), Juiz de Fora de Fortaleza [1825], Provedor da fazenda dos Defuntos e Ausentes, resíduos e Capelas [03.08.1825]. Também foi Ouvidor da Província do Ceará [1829]. Desembargador da Relação do Maranhão [1840]. Presidente da Relação do Maranhão [1853,1856, 1859 e1863], Deputado da Junta do Comércio do Maranhão [1850]. Ministro do Supremo Tribunal de Justiça [1864]. Deputado da Assembleia Geral, pelo Maranhão [1834-37 e 1838-41]. Senador do Império, pelo Maranhão [1860-1864]. Presidente da Província do Rio Grande do Norte [1831] e da Província do Maranhão [1832]. Ministro de Estado do Império [1835]. Ministro de Estado da Marinha [1835]. Ministro de Estado da Guerra [1835]. Comendador da Ordem de Cristo [1840]. Conselheiro do Império [1841]. Sócio honorário da Academia Imperial de Medicina. Fidalgo Cavaleiro [1855]. Cf. BARATA, Carlos Eduardo de Almeida e BUENO, Antônio Henrique da Cunha. Dicionário das famílias brasileiras. Tomo 1, 2 volumes; Tomo II, 2 volumes. Tomo I: Rio de Janeiro: Ibero América, 1999; Tomo II: São Paulo: Árvore da Terra, 2001 e LEAL, tomo I, 1987, p. 226. 191 Barão de Grajaú, vice-presidente da província do Maranhão entre o final de 1847 e 1848, secretário de governo de Joaquim Franco de Sá, foi vereador da Câmara Municipal de São Luís, deputado provincial e deputado geral em diversas legislaturas. Cf. COUTINHO, op. cit., p. 298-299. 192 MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1847-61): Biblioteca Nacional (BN), 30 de outubro de 1855. 193 MARANHÃO. O Publicador Maranhense. Periódicos (1842-57): Biblioteca Nacional (BN), 13 de agosto de 1855. 194 MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 28 de agosto de 1855, p. 4.
62
Joaquim Vieira Teixeira Belfort. O 5º vice-presidente – e presidente em exercício desde
o início de agosto daquele ano, em razão da enfermidade de Machado – seria o “gênio
da época” 195 que deveria ter administrado a província durante todo esse tempo.
É de difícil qualificação a conjuntura política dos anos 1855-57. Em primeiro
lugar porque é a primeira legislatura fruto da Lei dos Círculos, da qual falarei no final
do trabalho. Em segundo lugar porque é a legislatura que já conviveu bons anos com a
proposta e a prática da Conciliação. E em terceiro, e talvez mais importante, lugar,
devido ao desaparecimento do Estandarte em 1857 e o surgimento de novos jornais no
mesmo período. Isto dificulta a contextualização das posições dos novos jornais numa
perspectiva um pouco mais longa. De todo modo, O Observador considera que Cruz
Machado, o presidente empossado em 1856, seria o primeiro a conseguir aplicar
sabiamente os princípios da conciliação. Seria ele também o primeiro – de sua “posição
muito elevada, de onde [os presidentes] devem dominar inteiramente os partidos”196 – a
se recusar a utilizar tais princípios (como todos os anteriores) de forma parcial, ainda
mais porque, a partir de 1855, “o artigo n.1 do decreto 842, de 19 de setembro de 1855
[...] [os impediu] de ser eleitos deputados na província em que exercem a respectiva
autoridade”197. Isto, por sua vez, seria um estímulo para que o interesse provincial fosse
resguardado, pois o presidente, “combinando o princípio conservador com o progresso
refletido, tem por fim a satisfação da maior soma de interesses atuais possível”198.
A Imprensa, que lança seu primeiro número no ano seguinte, sustenta que “com
a política de concórdia e moderação, sábia e sinceramente realizada, o País não deixará
de prosperar”199. De todo modo, permanece a cisão entre conservadores e liberais, pelo
menos no que diz respeito à administração provincial. A Nova Época e O Progresso
digladiam durante todo o ano de 1856. O primeiro em defesa da administração Cruz
Machado; o segundo, denunciando suas mazelas.
Para concluir, considero importante dizer que não se pretendeu, aqui, fazer um
estudo prosopográfico da elite política maranhense200. Não obstante, tentei - o máximo
195 Idem, Ibidem. 196 MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1847-61): Biblioteca Nacional (BN), 29 de janeiro de 1856, p. 1. 197 Idem, Ibidem. 198 Id., Ibid.. 199 MARANHÃO. A Imprensa. Periódicos (1857-62): Biblioteca Nacional (BN), 4 de junho de 1857, p. 1. 200 Cf. HEINZ, Flávio M. (org.). 2006. Por outra história das elites. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas; STONE, Lawrence. Prosopografia. Rev. Sociol. Polit. [online]. 2011, vol.19, n.39 e MONTEIRO, Lorena. Estudos de elites políticas e sociais: as contribuições da Sociologia e da História. Sociedade e Cultura. Goiânia, 2009, 12 (1).
63
possível - dar uma noção mais ampla de uma parcela significativa da elite maranhense:
tanto a parcela envolvida com os cargos do governo central e que tentava ditar os rumos
gerais da disputa política local, como dos políticos que se relacionavam com eles.
Acredito não ser demasiado aborrecido lembrar que o foco deste trabalho está na
organização e atuação política, sob um ponto de vista narrativo e analítico201. De outro
modo, acredito que uma prosopografia destes atores não só seria uma tarefa árdua e
longa, como seria praticamente outro trabalho202. Reiterando: pretendi, aqui, realizar um
recorte representativo da elite política maranhense, na medida em que ela se relaciona
com os acontecimentos da esfera política local sem, contudo, perder de vista sua relação
com o processo político mais amplo. Note-se que os biografados centrais foram ou
Deputados Gerais ou Senadores do Império. Acredito que esse universo de amostragem,
conquanto pequeno, é significativo para ilustrar tanto as redes de sociabilidade como as
filiações político-partidárias. No próximo capítulo, a partir dos jornais, espero analisar o
debate e as disputas políticas – sua organização – para, no terceiro capítulo, relacioná-
las e lançar luz sobre a atuação política dos políticos recorrentes da Assembleia
Provincial. Sempre que possível, tentarei trazer dados de formação, ocupação e origem
social que ajudem a compreender melhor estes sujeitos. Vejamo-nos a seguir.
TABELA 3 – JORNAIS MARANHENSES203
Jornal Atuação Autor/Redator(es) principal(is)
O Conciliador 1821-23 Antonio Marques da Costa Soares
O Argos da Lei 1824 Odorico Mendes
O Censor 1825-31 Garcia de Abranches
O Farol Maranhense 1827- 31 José Cândido Morais Silva
201 Diferente de, por exemplo, DELFIM, op. cit. e SANTANA, op. cit.. 202 Muito mais próximo, para o caso do Maranhão, do já bastante citado BORRALHO, 2009. 203 Segundo levantamento feito por Roseane Pinheiro, o primeiro jornal a aparecer fora da cidade de São Luís foi O Telégrafo, de 1848, em Caxias. Após a aparição deste jornal, só surge outro jornal fora da cidade em 1876, em Viana, intitulado A Alavanca. Cf. PINHEIRO, Roseane Arcanjo. Um mapa da difusão do Jornalismo Maranhense nos Séculos XIX e XX. In: V Congresso Nacional de História da Mídia, 2007, São Paulo-SP. V Congresso Nacional de História da Mídia, 2007, p. 3-5 e passim. Para as outras informações, ver BORRALHO, idem; ibidem, p. 314; COUTINHO, Mílson. Fidalgos e barões: uma história da nobiliarquia luso-maranhense. São Luís: Instituto Geia, 2005, p. 267-273, p. 286-300, 426-430 e passim; GALVES, Marcelo Cheche. “Ao público sincero e imparcial”: Imprensa e independência do Maranhão (1821-1826). Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense - UFF. Tese de Doutorado, 2010, p. 88-89 e JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. João Francisco Lisboa: Jornalista e historiador. São Paulo, Ática, 1977, p. 239-240.
64
O Brasileiro 1832
João Francisco Lisboa204 Eco do Norte 1834-36
Crônica Maranhense 1838-1841
O Publicador Maranhense 1842-1855(57)205
Americano 1836 Joaquim Mariano Franco de Sá
O Bem-te-vi 1838/47-49/1853 Estevão Rafael de Carvalho206
Jornal de Instrução e Recreio 1845 Luís Antônio Vieira da Silva
O Investigador 1836-1840 Sotero dos Reis
A Revista 1840-50
O Progresso 1847-57 Theóphilo Leal, Fábio Alexandrino de Carvalho Reis, Carlos Fernando
Ribeiro
O Estandarte 1847-57 Jansen do Paço, José Mariani,
Gregório Tavares Ozorio Maciel da Costa
O Observador 1847-1861 Cândido Mendes
A Nova Época 1856-1858 Francisco Mariano de Viveiros Sobrinho, Antônio Marcelino
Nunes Gonçalves
204 Nasceu em Pirapemas, Maranhão, em 1812, e faleceu em Lisboa, em 1863. Liberal convicto, jornalista, historiador, Deputado provincial (1834-39 e 1848) e membro da Academia Brasileira de Letras. Fundou e dirigiu, no Maranhão, vários jornais, dentre os quais o famoso Jornal de Timon (1852). Para uma visão mais detalhada ver JANOTTI, op. cit., cap. 1. 205 A data de 1855 coincide com saída de João Lisboa do Jornal, passando a se dedicar à parte final do Jornal de Timon. 206 Em 1838. Não consegui identificar o autor nos outros anos.
65
TABELA 4 – DISTRIBUIÇÃO DE INFLUÊNCIA DO PARTIDO CONSERVADOR (1840/1860)
Lideranças Figuras proeminentes
Jerônimo José de Viveiros (Senador do Império,
1853-57)207
Francisco Mariano de Viveiros Sobrinho (Deputado Geral, 1857-60).
Cândido Mendes (Deputado Geral, 1843/1850-60, redator de O Observador).
TABELA 5 – DISTRIBUIÇÃO DE INFLUÊNCIA DO PARTIDO LIBERAL (1840/1860)
Lideranças Figuras proeminentes Correligionários
Antônio Pedro da Costa Ferreira, Barão
do Pindaré (Senador do Império,
1837-1860).
Joaquim Mariano Franco de Sá (Deputado Geral 1841-47, Presidente da Província 1846-1848,
Senador do Império 50-51).
João Francisco Lisboa (chefe da Liga Liberal Maranhense,
Redator do Publicador Maranhense)
Francisco Sotero dos Reis (Redator de A Revista, Deputado Provincial).
Antônio Raimundo Franco de Sá (Diretor Geral dos
Índios, Deputado Provincial 1841-46).
Altino Lellis de Morais Rego208
Carlos Fernando Ribeiro
Ângelo Carlos Muniz (Senador do Império, 1852-1863, Presidente
da Assembleia Provincial em
1847209).
- -
-
- -
-
207 Deputado provincial em 1853, já como Senador. 208 Tenente Coronel da Guarda Nacional, Deputado Provincial em 1849, apresentou à Assembleia Provincial um requerimento de anistia dos envolvidos na Revolução Praieira, diretor interino da Colônia Militar de São Pedro de Alcântara do Gurupi, entre 1859 e 1866. 209 Sua eleição à presidência da Assembleia foi considerada, pela A Revista (05/06/1847), como uma vitória da oposição à Liga Maranhense.
66
José Jansen do Paço
(Deputado Geral, 1844-47, 49-52, 69-
72).
Isidoro Jansen Pereira (Presidente da Câmara
Municipal 1847, Deputado Geral 1848-1851).
Manoel Jansen Ferreira (Deputado Provincial 1843-48)
Manoel Jansen Pereira (Deputado Geral 1842-1845, Deputado Provincial 1846-
1849)
José Mariani210
José da Silva Maia211
Tenente Coronel Antônio Jansen do Paço (Deputado
Provincial 1842)
210 Desembargador, cunhado de Jansen do Paço, compôs a lista tríplice do Senado em 1851, na qual Ângelo Carlos Moniz é eleito. MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1847-53): Biblioteca Nacional (BN), 31 de maio de 1851, p. 3. 211 Médico e vereador (e presidente) na Câmara Municipal de São Luís em recorrentes legislaturas entre 1853-1860. MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1847-53): Biblioteca Nacional (BN), 19 de abril de 1857, p. 4.
67
CAPÍTULO II - ORGANIZAÇÃO POLÍTICA
2.1 Elite provincial maranhense e a ocupação da política
A historiografia maranhense tem enfatizado pouco a importância da Assembleia
Legislativa Provincial enquanto espaço de atuação das elites política locais. Pude
identificar apenas dois trabalhos em que a Assembleia Legislativa aparece como foco: o
de Milson Coutinho e Flávio Reis212. O primeiro trabalho não pretendeu realizar um
estudo historiográfico sobre a Assembleia Provincial, mas a crônica do Legislativo
maranhense, desde sua gênese. Este trabalho, conquanto não traga contribuições
analíticas, é de muita valia por ser o primeiro esforço de compilação factual sobre a
instituição. O segundo, com o qual dialogarei constantemente aqui, trabalha com a
Assembleia Legislativa, mas se interessa particularmente pelo período posterior (1890)
ao deste trabalho. A autor realiza esse recorte por compreender que até o final da década
de 1840, no Maranhão, “não existia propriamente um setor voltado para a ocupação da
política e o padrão de liderança ainda predominante era aquele típico da dominação
local, onde os chefes de clã exerciam o mando como atividade subsidiária”. De fato,
para Reis, somente a partir das décadas de 50 e 60 do século XIX é que podemos
vislumbrar “uma definição mais clara dos atores políticos e de afirmação de um padrão
de carreira política”213.
É preciso situar bem a discussão para que certas coisas não fiquem
incompreendidas. Trabalho aqui com a noção de que as elites locais participavam de
projeto nacional institucionalizado a partir do Ato Adicional. De sua efetivação decorre
a divisão de competências (legislativa, tributária e coercitiva) entre os governos central
(Coroa e seus Ministérios) e local (Províncias). Desse modo, as elites da província
participavam do jogo político administrando as tarefas do Estado em âmbito local, bem
como negociando questões de interesse na Assembleia Geral. Não me debruçarei, aqui,
portanto, sobre as questões que envolvem a atuação de deputados maranhenses no Rio
de Janeiro. Ou seja – e nunca é demais enfatizar – pretendo verificar a primeira parte
dessa participação: a administração das tarefas de Estado no âmbito local e a disputa
política que a envolve. Assim, pretendo verificar a atuação não somente no plano legal 212 COUTINHO, Milson. O Poder Legislativo do Maranhão (1830-1930). São Luís: Edição da Assessoria de Comunicação da Assembleia Legislativa do Maranhão, 1981 e REIS, Flávio. Grupos Políticos e Estrutura Oligárquica no Maranhão. São Luís: Unigraf, 2007. 213 REIS, op. cit., p. 49.
68
(do previsto), mas na ‘prática’. Tendo dito isto, começarei por uma questão: é possível
falar de elite política provincial no Maranhão? Flávio Reis sublinhou a inexistência de
um setor voltado especificamente para a ocupação da política. Existem, no entanto,
indícios de que esse pode ter sido um exame apressado.
Acredito que há, sim, substrato tanto na historiografia como nas fontes, para
afirmarmos que existia uma elite política provincial que influenciava os rumos da
política local e que lutou por uma configuração específica de poder. Verificaremos isto
com mais vagar no decorrer do capítulo. Importa fazer aqui duas observações
importantes. A primeira concerne à análise feita por Flávio Reis. Como se viu, para ele,
não se podia nem bem falar da existência de um setor voltado para a ocupação política
da província, uma vez que eram os chefes das famílias que exerciam influência no
âmbito local como efeito decorrente de suas posições econômicas. Para o nosso
trabalho, esta concepção apresenta problemas. A negação da existência um setor voltado
para a ocupação política da província, do ponto de vista aqui sustentado, não se coaduna
com a existência de uma elite política provincial que tinha como espaço de ação
privilegiado a Assembleia Legislativa Provincial. Antes de qualquer coisa, é importante
dizer que, apesar de uma noção bastante ampla de elite possa dirimir essa questão, e de
já ter argumentado em favor da manutenção de uma zona de investigação ampla, se
furtar a enfrentar esta questão é se furtar a resolver o problema posto por este trabalho.
Poder-se-ia argumentar que se fala aqui de mera distinção teórica, uma vez que
Reis é tributário da categoria analítica do coronelismo214 e, portanto, trabalha com o
conceito de oligarquia como grupo responsável pela mediação política entre governo
central e governo local. Segundo o próprio autor
O termo “oligarquia” será utilizado, então, para designar a categoria dos políticos que exerceram as funções de mediação entre a província e o governo central e de organização da disputa política no âmbito regional [...]. A posição marginal significava uma dependência maior em relação ao centro, o que implicaria em interferências constantes nas disputas dos grupos políticos locais. No modelo de construção do estado imperial, a armadura institucional centralizada foi definida sem que houvesse burocracia verticalizada ou uma cadeia de compromissos do tipo contratual (e não clientelístico) que a sustentasse, favorecendo a constituição de um setor de mediação e abrindo espaço para a formação de grupos políticos oligárquicos estimulados pelo próprio poder central215.
214 Ver LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. São Paulo: Companhia das Letras, 2012 e CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discussão Conceitual. Dados, Rio de Janeiro, v. 40, n. 2, 1997. 215 REIS, op. cit., p. 22-23.
69
A leitura do trecho anterior deixa claro que há, de fato, diferenças conceituais216. Não
obstante, acredito que o problema seja mais factual que conceitual. A base principal
desta crença reside na observação de uma ocupação regular, nas duas décadas de nossa
análise, dos assentos da Assembleia Legislativa Provincial por parte de membros
específicos da elite maranhense217.
Dados concernentes às cinco legislaturas da década de 1840 (iniciando na de
41/42 e finalizando na de 48/49) compõem uma amostragem interessante. Para construir
o quadro recorrente de deputados que ocuparam assentos na Assembleia, selecionei
aqueles que participaram na maioria absoluta das legislaturas do período (3 de 5).
Apliquei o mesmo expediente para a década posterior, ainda que esteja analisando
apenas quatro legislaturas218. Desse modo, tem-se a configuração a seguir:
TABELA 6 - LEGISLATURAS219
Deputados 41/42 43/44 44/45 46/47 48/49
Antônio Raimundo Franco de Sá (liberal)220 x x x x
José Miguel Pereira Cardoso221 x x x x
216 Importa lembrar que, antes de começar esta seção, sublinhei o objetivo deste trabalho: a administração das tarefas de Estado no âmbito local e a disputa política que a envolve. Não se quer aqui desconsiderar o papel de mediação, com o governo central, das “oligarquias”, mas perceber se essa posição de dependência e sujeição atribuída à província não foi uma conclusão tirada com base mais na perspectiva adotada do que na verificação das fontes. 217 Isto sem investigar, ainda, se essa elite exerceu uma direção discernível na Assembleia Legislativa no período estudado. 218 Isto gerou uma diminuição no número de deputados com ocupação regular na década de 50. Observei, no entanto, que houve recorrência de 13 deputados em pelo menos duas (ou seja, metade) legislaturas durante o período de 1850 a 1857. 219 Não foi possível achar dados de filiação partidária para todos os deputados recorrentes. Tentaremos compreender seus posicionamentos a partir das votações na Assembleia. Publicador Maranhense (01/04/1843), Biblioteca Pública Benedito Leite. MARANHÃO, Atas da Assembleia Legislativa Provincial de 2 maio de 1845 e 4 de setembro de 1850. MARANHÃO, Ofícios de 18 de junho de 1844, 3 de maio de 1847, 6 de setembro 1851, 28 de junho de 1852, 31 de outubro de 1853, 1 de dezembro de 1853, 4 de maio de 1854, 7 e 9 de junho de 1856 e 22 de setembro de 1857. Correspondência da Assembleia Legislativa à Presidência da Província. Setor de avulsos, 1841-1857. Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM). 220 Presidente da Assembleia em 1845 e 1846. Sabe-se, por Jerônimo Viveiros, que Antônio Raimundo fez parte dos maranhenses oriundos de Alcântara que estudaram em Coimbra. Ver VIVEIROS, Jerônimo. Alcântara no seu passado econômico, social e político . São Luís: Fundação Cultural do Maranhão, 3ª edição. 1977, p. 62-63 e BORRALHO, José Henrique de Paula. A Athenas Equinocial: a fundação de um Maranhão no Império Brasileiro. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense - UFF. Tese de Doutorado, 2009, p. 131-134. 221 Presidente da Assembleia 1848, médico da Câmara Municipal formado em Coimbra.
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Augusto César da Rocha222 x x x
Gregório Tavares Ozorio Maciel da Costa (liberal opositor da liga)223 x x x
Tibúrcio da Silva Tavares224 x x x
Antônio Lobato D’Araújo x x x x
Manoel Jansen Ferreira (liberal)225 x x x x
José Sanches (liberal)226 x x x
Antônio Lobato D’Araújo227 x x x
Paulo Nunes Cascaes228 x x x x x
Francisco Sotero dos Reis x x
Frederico José Corrêa x
João Caetano Lisboa x x
Francisco de Mello Coutinho Vilhena x x
Manuel Cerqueira Pinto (liberal opositor da liga)229 x x
José Martins Ferreira(liberal)230 x x
222 Tenente Coronel da Legião dos guardas nacionais de Rosário 223 Juiz de direito desde 1842, foi para a Comarca de Brejo (1849), anteriormente da comarca de Estancia, Sergipe. Liberal de Caxias, deputado geral pelo Maranhão na 8ª legislatura. Falecido em 30 de novembro de 1851. FACULDADE de Direito, São Paulo. Bacharéis formados pela Faculdade de Direito de S. Paulo, desde a sua fundação, que teve lugar em 1828. In: MARQUES, Joaquim Roberto de Azevedo. Memorial paulistano para o anno de 1863. São Paulo: Typ. Imparcial, de J. R. de A. Marques, 1862. p.48. Escreveu n’O Unitário (1846), juntamente com Manoel Jansen Pereira e Casimiro de Moraes Sarmento. SILVA, Gilmar. Memórias Históricas escritas pelo Doutor César Augusto Marques. 1907. Caxias: Editora JM, 2010, p. 192-193. 224 Desembargador, Presidente da Assembleia Legislativa Provincial em 1849. Membro da Liga em 1847, é apoiado pelo O Estandarte (24/10/1849), jornal do partido Bem-te-vi (liberal) e opositor da Liga na legislatura seguinte. 225 Redator do Correio Maranhense, membro do partido liberal que apoiava a família Jansen, mas se opunha à Liga Maranhense. O Bem te Vi (04/10/1847). 226 Presidente da Assembleia Legislativa Provincial (1847), durante as ausências de Ângelo Carlos Moniz. 227 Cônego prebendado, Arcediago, vice-presidente da Assembleia Provincial em 1849. 228 Inspetor do Tesouro Público Provincial, fez franca oposição à administração Franco de Sá. 229 Não compareceu às sessões preparatórias e de abertura da legislatura de 49/50. Mandou seu diploma para a Assembleia para que tivesse o destino mandado no artigo 5º do regimento. MARANHÃO, Ata de 4 de setembro da sessão preparatória da Assembleia Legislativa Provincial. O Publicador Maranhense (17/09/1850). Biblioteca Pública Benedito Leite (BPBL). Chefe de polícia em 1847, opositor da liga. 230 Juiz Municipal e de órfãos, comarca de Chapada (1849). O Progresso (01/03/1847) o situa no campo de interesse oposto ao da Liga Maranhense.
71
231 Considerado pelo O Observador (08/03/1849), p.3 como figura proeminente da revolta de Raimundo Gomes (a Balaiada) e protegido pelo jornal liberal O Progresso. 232 Considerado apoiador da administração de Eduardo Olímpio Machado, presidente da província conservador, pelo O Estandarte (08/12/1853), p.1. 233 Considerado apoiador da administração de Eduardo Olímpio Machado pelo O Bemtevi (20/12/1853). 234 Da Guarda Nacional, lavrador, também considerado apoiador da administração de Eduardo Olímpio Machado pelo O Bemtevi (20/12/1853), p.1. 235 Visconde de São Luís, nascido em Rosário em 1823, formou-se em Leis, em Olinda, em 1845. Após finalizar seus estudos, assumiu o cargo de juiz municipal em Codó e Coroatá. Em 1848, costura alianças com o Partido conservador e, com o apoio de sua família (Belfort), é eleito para a Assembleia Provincial. Saiu do Legislativo maranhense para carreira política nacional, primeiro como deputado geral em 1855, pelo Maranhão, depois como presidente de província em quatro províncias diferentes, entre 1858 e 1862 (Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Alagoas). Retorna ao Rio de Janeiro, primeiro como deputado geral (1862-65) e depois como Senador do Império (1865-1889). Cf. COUTINHO, 2005, p. 267-271.
Deputados 50/51 52/53 54/55 56/57
Tibúrcio da Silva Tavares x
José Martins Ferreira x x
Francisco de Mello Coutinho Vilhena x x
Francisco Sotero dos Reis x x
José Sanches x x
Manuel Cerqueira Pinto x
Frederico José Corrêa x x
João Caetano Lisboa x
Paulo Nunes Cascaes x
Ten. Cel. Ricardo da Silva Ferro231 x x x
José Sérgio Ferreira x x x
Major José Esteves da Serra Aranha232 x x x x
José Miguel Pereira Cardoso x x
José Maria Barreto Junior233 x x x x
Tenente Coronel Raimundo Jansen Serra Lima234 x x x
Antonio de Brito Souza Gaioso x x x
Antônio Marcelino Nunes Gonçalves235 x x x
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Ou seja, na primeira década, e somente nela, há uma recorrência de 10 deputados nas 5
legislaturas. Na segunda década, esse número cai para 8, em 4 legislaturas. No decorrer
das duas décadas, 6 deputados estiveram em pelo menos 3 legislaturas diferentes. Vinte
e cinco deputados, portanto, ocuparam assento nas nove legislaturas analisadas. Isso,
que fique claro, não significa que os projetos pelos quais lutaram (se lutaram) foram os
finalmente aprovados pela maioria, ou que foram esses os deputados que detiveram a
maior influência. Aponta, entretanto, para um esforço de ocupação, se não sistemático,
regular do espaço de poder que era a Assembleia Legislativa neste período. Em vista
dos dados, acredito não ser possível argumentar que não havia um setor voltado para a
ocupação política da província nas décadas de 1840 e 1850.
É digno de nota que figuras importantes do panteão maranhense não apareçam
na listagem feita acima. De fato, das figuras relevantes no cenário político local que
podem ser importantes para lograr uma visão mais ampla da configuração política da
Assembleia Legislativa nessa primeira década, apenas uma faz parte do Panteão: Sotero
dos Reis, um “árcade neoclássico, foi membro do Conselho Provincial, professor [...] e
é considerado decano do jornalismo maranhense”236. Outra figura importante é José
Jansen do Paço (Legislaturas de 41/42, 43/44), deputado que possivelmente só não
retornou à Assembleia Legislativa Provincial por conta de sua eleição para a
Assembleia Geral, na legislatura de 45-47237. Sua família, à época de seus mandatos,
lutava pelo controle do partido Liberal238. Ao examinar a ação dos deputados
legislaturas que nos interessam, procurarei investigar se essa participação regular se
revestia de algum caráter específico.
Como enfatizei no capítulo anterior, os atores da disputa política, no Maranhão,
na década de 1840, recorre muito à discussão sobre a organização partidária. Nos
debates recentes sobre a organização partidária no Brasil Império, tem-se enfatizado as
diferenças ideológicas entre os dois principais partidos políticos, bem como a relevância
dessas clivagens para a aprovação das reformas institucionais pelas quais o Estado
brasileiro passou na primeira metade dos oitocentos. Essa discussão, no entanto, quando
voltada para a disputa partidária provincial, caracteriza-a como localista, personalista,
paroquial e contingencial.
Jeffrey Needell, debatendo estas questões, avalia que 236 Ibidem, p. 58. 237 BORRALHO, 2009. 238 BORRALHO, op. cit., p. 120.
73
ainda que as fontes analisadas forneçam alguma ideia de como os partidos se organizaram no âmbito provincial durante a década de 1840, seria um equívoco supor que tal organização, uma vez alcançada, fosse sustentada com êxito. Quaisquer que fossem as necessidades eleitorais e ideológicas que conduziram inicialmente essa organização, seus aspectos paroquiais, contingenciais e altamente personalistas poderiam comprovar que se tratava de uma fundação instável. Há claras indicações, por exemplo, de que o mais organizado, coerente e disciplinado dos dois partidos, o Conservador, estava sujeito a vulnerabilidades regionais do início ao fim. Essa era evidentemente a fragilidade do partido no Nordeste239.
É interessante notar como essa discussão parece ocorrer na contramão do debate sobre o
papel das elites provinciais na formação do estado imperial brasileiro. Como sublinhei
anteriormente, nos últimos anos, a historiografia brasileira tem privilegiado, no estudo
da Independência e da construção do Estado imperial, um ponto de vista que
compreende esses temas como parte de um processo nacional. Esta perspectiva não
enfoca somente o Sul do país, mas engloba as outras províncias e suas elites locais,
reiterando as assembleias provinciais como espaço central de acomodação e
consideração dos interesses das elites provinciais que conformaram o império brasileiro.
O trabalho de Needell, nessa medida, abre uma discussão importante. A partir do
caso do Maranhão, por exemplo, ele lança algo similar a uma ‘hipótese controle’,
permitindo discutir se, de fato, trata-se de perspectivas diferentes sobre o mesmo objeto
(elites locais vs partidos localistas); permite, ainda, saber se a percepção dele (Needell)
sobre a organização partidária local e o seu significado é precisa ou se estamos diante de
generalizações amparadas em casos diferentes (uma resposta que só poderei dar de
maneira limitada, certamente). Graham240 já havia sublinhado que as divisões
partidárias não se davam por oposição ideológica, mas por laços pessoais, o que tornava
as definições locais e até nacionais problemáticas quando analisadas do ponto de vista
da lealdade partidária (programática). Barman, por outro lado, considera que foi em
meados de 1840 que ambos partidos surgiram na política nacional, levando ao
estabelecimento, nas províncias, de dois grupos locais relativamente opostos que
disputavam a hegemonia provincial por motivos puramente eleitorais241.
239 NEEDELL, Jeffrey D. Formação dos partidos políticos no Brasil da Regência à Conciliação, 1831-1857. Almanack Braziliense, São Paulo, n. 10, nov. 2009, p. 18. 240 GRAHAM, Richard. Patronage and Politics in Nineteenth-Century Brazil. Stanford, CA: Stanford University Press, 1990, p. 148-149. 241 BARMAN, Roderick J. Brazil: the forging of a nation, 1798-1852. Stanford University Press Stanford: California, 1988, p. 225-226.
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É fundamental dizer que o surgimento dos partidos, ao redor do mundo, no
século XIX, não corresponde a um modelo242. Não obstante, Sartori indica que seu traço
distintivo, nesse período, é o fato de organizar os membros dentro do parlamento, não o
de se organizar em relação ou para os eleitores; ou seja, o fato de aglutinar uma visão
‘para dentro’243. No caso do Brasil, é possível dizer que prevaleceu o surgimento de
grupos organizados antes de um eleitorado. Atores individuais mobilizaram as clivagens
e criaram novas identidades políticas diante dos desafios enfrentados na luta política
cotidiana.
2.2 Uma história de partidos
[...] [V]ede como esses partidos, por mais que multipliquem as precauções e as injustiças, por mais que triunfem absolutamente, se acham exaustos e moribundos ao cabo de três ou quatro vitórias sucessivas, e se esvaem ao menor sopro, como essas múmias do Egito, que numa aparente integridade têm triunfado dos séculos, e se desfazem em vil poeira ao simples toque do viajante curioso que ousa devassar a solidão das pirâmides244.
Se levarmos em consideração a avaliação de João Lisboa, será difícil discordar
da perspectiva de Needell sobre os partidos provinciais. Para ele, “um mecanismo tão
simples não pode satisfazer à multiplicidade dos chefes locais em disponibilidade, e por
isso a cada nova complicação da política provincial, aparecem novos partidos, não se
sabe de onde saídos, e como organizados”245. A Liga Maranhense – marco de
periodização deste trabalho – de fato, é formada por dissidentes dos dois partidos
(bemtevis e cabanos, liberais e conservadores, ou progressistas e ordeiros), insatisfeitos
com a condução da política provincial maranhense. Esse partido é fundado como um
núcleo político de sustentação do presidente da província do Maranhão de 1846:
Joaquim Franco de Sá. Nesse sentido, se situa muito mais na esfera de um Partido da
Ordem, à moda de Needell, do que um partido ordeiro, de estirpe e inclinação
ideológica tipicamente conservadora246. É interessante notar que conquanto a Liga
242 Cf. SCARROW, Susan E. The Nineteenth-Century Origins of Modern Political Parties: The Unwanted Emergence of Party-Based Politics. In: Handbook of Party Politics. London: Sage, 2006. 243 SARTORI, Giovanni. Parties and Party Systems. A Framework for Analysis. University of Essex: ECPR, 2005, p. 18. 244 LISBOA, João Francisco. Jornal de Timon: Partidos e eleições no Maranhão. In: LEAL, Antônio Henriques (org.). Obras de João Francisco Lisboa. Vol. I. São Luís: Typ. de B. de Mattos, 1864, p. 224-377. 245 Idem, Ibidem, p. 224-225. 246 Para Needell, a ideia de “partido da ordem” era usada como forma de distinção do próprio grupo (majoritário) em relação à oposição, que seriam os “anarquistas”. O seu traço mais distintivo seria “a
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Maranhense possa ser considerada uma formação partidária – partido dos notáveis247 –
que busca resolver as questões imediatas da província do Maranhão, ao se tornar o
partido da ordem, suas alianças não lhe dão nem mais do que pequena maioria
(situacional), nem tampouco contribuem para um perfil ideológico marcado.
Como venho enfatizando durante o trabalho, tomei a formação da Liga
Maranhense como marco porque a ela é dada centralidade tanto nos discursos dos
contemporâneos quanto na historiografia que versa sobre o período. Outra característica
que espero demonstrar a seguir é que a formação da Liga está diretamente conectada
com a própria história e composição dos partidos maranhenses durante o período
anterior e posterior (ou pelo menos é o que nos querem fazer crer seus idealizadores).
Dessa maneira, ainda que essa pequena caracterização acima tenda a reforçar o ponto de
vista de que os partidos políticos, nesse período, eram majoritariamente formas de
organização que contemplavam interesses e objetivos pessoais, espero conseguir, após a
exposição a seguir, demonstrar um pouco melhor a razão pela qual os homens daquele
tempo despendiam tanto esforço em construir, manter e aprofundar instituições que
seriam, supostamente, “falseadas” pelas suas práticas248.
Prossigo, então, com João Lisboa. Considero proveitoso retomá-lo porque sua
trajetória política é ilustrativa da organização partidária maranhense. Inicia sua carreira
no jornalismo no Farol Maranhense, em 1832, após a fuga de José Cândido de Moraes
e Silva de São Luís. Essa fuga foi precipitada pela prisão, por parte do presidente da
província, dos rebeldes da Setembrada, que tinha como mentor principal o próprio José
Cândido. A Setembrada (13/09/1831)249 foi um motim com apoio popular e de
manutenção e segurança da ordem política, social e econômica”. Ou seja, partido da ordem contra partido da oposição (que, no caso do governo central, incluía desde uma esquerda exaltado-reformista até uma direita moderada monarquista). Ainda que a alcunha ordeiro aparecesse, sua conotação ideológico-partidária, para ele, é posterior. Cf. NEEDELL, Jeffrey. Brazilian Party Formation: Questions of Ideology, Party Labels, Leadership, and Political Practice, 1831-1888. Almanack Braziliense. São Paulo, n°10, nov. 2009, p. 68 e passim. 247 Cf. OPPO, Anna. Partidos políticos. In: BOBBIO, Norberto; PASQUINO, Gianfranco; MATTEUCCI, Nicola. Dicionário de Política. Brasília: Editora da UnB, vol. 2, 2010. 248 Se se pode esboçar uma primeira resposta: “Uma profusão de leis debatidas e promulgadas tinha como objetivo expresso eliminar as fraudes. Pode-se argumentar que essas tentativas eram mera formalidade. Mas o empenho com que deputados e senadores debatiam a legislação eleitoral denuncia uma real vontade de normatizar as eleições. Além disso, como aponta Bolívar Lamounier, a opção pelo governo representativo era a opção pela criação de um espaço institucional de resolução dos conflitos inter pares, de modo a conferir estabilidade ao regime”. DOLHNIKOFF, Miriam. Império e governo representativo: uma releitura. Cad. CRH, Salvador, v. 21, n. 52, p. 13-23, abr. 2008, p. 17. 249 “A Setembrada foi às terras maranhenses a primeira explosão desse liberalismo idealista”. Para Abranches, outras lideranças, como Frederico Magno Abranches e Egydio Launé, queriam a deposição do presidente da província e a proclamação de uma república. ABRANCHES, Dunshee. A setembrada ou a Revolução Liberal de 1831 em Maranhão. Rio de Janeiro: Typografia do Jornal do Commercio, Rodrigues e Cia. 1931, p.7, p. 357 e passim.
76
batalhões de guarda. Tinha como uma das suas principais reivindicações o afastamento
e exílio dos portugueses e simpatizantes do rei dos cargos públicos da província do
Maranhão. Essa movimentação, logo após a abdicação de D. Pedro I, profundamente
ligada ao antilusitanismo, está relacionada com a derrubada do presidente da província
do Pará250. Lisboa, apesar de, à época, se identificar como um exaltado251, assume, n’O
Farol, uma postura de crítica a ambas as facções. Abandona o jornalismo nessa época
(segundo ele próprio, por “enfado e cansaço”). Não obstante, não passa muito tempo
longe da pena e em 1834, a partir do Eco do Norte, se torna uma das figuras principais
do liberalismo maranhense. Juntamente com Joaquim Franco de Sá no Americano,
passa a dar sustentação à presidência da província (1834-1836) do tio de Franco de Sá,
Antônio Pedro de Costa Ferreira (futuro Barão de Pindaré), já eleito Senador do
Império. Em 1834 (até 1837) Lisboa é eleito deputado provincial e, na legislatura
seguinte (iniciando em 1838), é reeleito para mais um mandato. É nesse período que
eclode a Balaiada252.
Francisco Sotero dos Reis, futuro aliado e, à época, um conservador, foi um dos
responsáveis por acusar Lisboa e o partido liberal de dirigir o movimento revoltoso253.
Num contexto de encarniçada luta política nos periódicos (Crônica Maranhense, de
Lisboa; Investigador/A Revista, de Sotero do Reis; O Bemtevi, de Estevão Rafael
250 Para uma análise mais detida dessa questão, ver MACHADO, André Roberto de A. O Fiel da Balança. O papel do Parlamento Brasileiro nos desdobramentos do golpe de 1831 no Grão-Pará. Revista de História, número 164, janeiro-junho, 2011. 251 “Os moderados seguiam os postulados clássicos do liberalismo, tendo em Locke, Montesquieu, Guizot e Constant suas principais referências; pretendiam, e conseguiram efetuar reformas político-institucionais que reduziam os poderes do imperador, conferiam maiores prerrogativas à Câmara dos Deputados e autonomia ao Judiciário, e garantiam a observância de direitos previstos na Constituição, almejando uma liberdade moderna, que não ameaçasse a ordem imperial. Já os exaltados, adeptos de um liberalismo radical de feições jacobinistas, inspirado sobretudo em Rousseau, buscavam conjugar princípios liberais clássicos com ideais democráticos, pleiteando profundas reformas políticas e sociais, como uma república federativa, a extensão da cidadania política e civil a todos os segmentos sociais livres, o fim gradual da escravidão, uma relativa igualdade social e até um tipo de reforma agrária. Por sua vez, os caramurus filiavam-se à vertente conservadora do liberalismo, tributária de Burke; críticos ferozes da Abdicação e avessos a qualquer reforma na Constituição, vistas como quebra arbitrária do pacto social, almejavam uma monarquia constitucional fortemente centralizada, ao estilo do Primeiro Reinado e, excepcionalmente, nutriam anseios restauradores”. BASILE, Marcello. Revolta e cidadania na Corte regencial. Tempo. 2007, vol.11, n.22 p. 32, nota 1. 252 Uma das maiores insurreições populares do Império, mobilizou cerca de 12.000 mil homens contra os governos das províncias do Maranhão e Piauí, e se espalhou até alguns municípios do Ceará. Foi tanto uma revolta de fazendeiros de gado liberais (no sul do Maranhão e em boa parte do Piauí) como – e fundamentalmente - uma revolta de camponeses e escravos (no vale do Itapecuru e no Maranhão Oriental). Mathias considera que as causas fundamentais para o conflito são a exclusão política, a discriminação racial por parte das autoridades e o recrutamento para o exército e marinha. Cf. ASSUNÇÃO, Matthias Röhrig. Histórias do Balaio. Historiografia, memória oral e as origens da Balaiada. História Oral. Revista da Associação Brasileira de História Oral, n. 1, 1998, p- 73 e passim, 253 Quase a totalidade deste excerto biográfico se baseia em JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. João Francisco Lisboa: Jornalista e historiador. São Paulo, Ática, 1977, p. 23-27.
77
Carvalho; e O Legalista, de Cândido Mendes), Lisboa é preterido pelos liberais na lista
dos deputados gerais em favor de um membro da família Jansen – Manoel Jansen
Pereira – e se desilude com a política. Os motivos para essa escolha não ficaram claros.
De todo modo, João Francisco Lisboa abandona a política e o jornalismo até 1842.
É justamente nesse período que A Revista busca, constantemente, situar a
reformulação dos partidos maranhenses no universo mais amplo do Império. Segundo
seu redator, Sotero dos Reis, desde 1841 para cá que começou a vagar a ideia de conciliação ou fusão de partidos. Essa ideia nasceu da mesma luta dos extremos que se combatiam, porque os dois grandes partidos em que se achavam divididos o império, o progressista e o ordeiro, não faziam mais do que justificar cada um pelos seus os excessos dos outros [...]254.
Dessa narrativa, penso, sobressaem, duas questões. Primeiramente, ele reitera a
denominação relacionada aos partidos do governo imperial (“progressista” e “ordeiro”).
Em segundo lugar, ele analisa a nova composição partidária maranhense como tributária
da noção de Conciliação, produzida a partir de movimentações que diziam respeito aos
acontecimentos no governo central, e que só ganharão força central na década seguinte.
Para Reis, Cândido Mendes, conservador e adversário político, nas páginas do
Observador, cometia profundo equívoco ao compreender que sustentava os princípios e interesses do Partido Saquarema no Maranhão . [...] Partido Saquarema é o nome que, no tempo do dois de fevereiro, se deu no Rio a oposição, em razão de ter um dos seus chefes o seu estabelecimento de lavoura perto da Vila ou povoação de Saquarema255.
Mais ainda: para Sotero dos Reis, não havia identidade entre o partido cabano do
Maranhão de sua época e o partido saquarema. Quando muito, esse paralelo poderia ser
feito com o partido cabano de 1836. Querer que os cabanos de hoje tenham os mesmos princípios e interesses do partido ordeiro, que era aqui conhecido com essa denominação, seja uma mesma coisa que o atual partido saquarema do Rio de Janeiro, quando os partidos entre nós tem passado por tantas modificações, é mostrar-se obstinado em cerrar os olhos à evidência dos fatos, ou desconhecer inteiramente a história contemporânea256.
Ou seja, a tendência vista no Maranhão estaria duplamente ligada ao centro nacional de
poder, por dois movimentos. Se, por um lado, os partidos maranhenses se
reorganizavam tendo em vista as movimentações políticas em âmbito nacional
254 MARANHÃO. A Revista. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 14 de agosto de 1847, p. 4. 255 MARANHÃO. A Revista. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 31 de agosto de 1847, p. 3. 256 Idem, Ibidem, p. 3-4.
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(movimento de aproximação), os partidos locais guardavam, ao mesmo tempo, a
especificidade advinda de suas disputas e embates (movimento de afastamento). Essa
duplicidade será reiterada durante toda a existência da Liga. Haverá o momento de
situá-la e matizá-la em relação ao contexto político nacional. Por enquanto, fica uma
indagação: mas de que reorganização Sotero dos Reis fala? Ele compreende que, de
1841 em diante, há número considerável de ligas e fusões de cabanos e bemtevis, ou de
dissidentes do partido ordeiro e do partido progressista. Para sustentar sua tese, ele cita
três anos: 1842, 1843 e 1847, o último sendo o ano da formação da Liga Liberal
Maranhense. Com essas datas, ele quer lembrar as “alianças dos snrs. Miranda257 e
Venâncio258, delegados de ministérios ordeiros, com o partido bemtevi”, e enraizar a
Liga na genealogia dos partidos maranhenses. E mesmo que não estivesse interessado
em tão ambicioso projeto intelectual quando historiava os partidos maranhenses, Sotero
dos Reis queria, no mínimo, demarcar, criticamente, um espaço de legitimidade fundado
em sua própria experiência política. Não é sem razão lembrar que foi ele mesmo ativo
defensor e partícipe do partido ordeiro desde 1836; e, em 1847, ele não só mudou de
partido, mas passa a defendê-lo juntamente a um inimigo de outrora: João Francisco
Lisboa.
Essa percepção mais elementar nos leva a uma segunda questão presente na
caracterização de Reis: o fato dele considerar que alianças entre antigos defensores
deste ou daquele partido desqualifica quaisquer reivindicações de filiação partidária (e,
no caso de Cândido Mendes, ideológica). Em outras palavras, está implícita a ideia de
que deputados e/ou políticos, ao realizarem alianças a despeito de convicções
ideológicas, estariam impedidos de reivindicar uma identidade partidária, ainda mais
porque o “erro do Sr. Cândido Mendes está em persuadir-se, ou mostrar-se persuadido,
de que os partidos são, ou devem ser, estacionários, erro grosseiro, origem de muitos
outros”259.
Essa primeira falha de percepção ocasionaria o segundo, e mais grave erro de
Cândido Mendes. Ao ignorar as mudanças pelas quais os partidos passam, Mendes
ignoraria também a pertinência da Liga enquanto tal. “Nega as modificações porque
passam os partidos: nós lhe respondemos com a realização dessas modificações. Nega a 257 João Antônio de Miranda, presidente da província do Ceará (1839-40), Pará (1840) e Maranhão (1841-42). 258 Venâncio José Lisboa, presidente da província do Maranhão entre 1842-43. Entre 1838-39, foi presidente da província de São Paulo. 259 MARANHÃO. A Revista. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 14 de agosto de 1847, p. 4.
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existência da liga maranhense: nós lhe respondemos com a existência dela na capital e
no interior”260. De modo que, estando justificada a Liga, só não se aceitaria seu
propósito por vaidade, rusgas pessoais, erro de avaliação ou algo pior.
Toda a organização ligueira estaria laureada pelas aclamações públicas
alcançadas na capital e nos municípios do interior (Guimarães, Viana, Itapecuru-Mirim
e Brejo), e pelo impulso recebido pela indústria agrícola. Portanto, se tomássemos ao pé
da letra o apaixonado discurso de Sotero dos Reis, nada restaria da crítica de seu
opositor. Mas o que diz, de fato, Cândido Mendes? Em verdade, com grande desprazer da maioria deste partido da província, via-se o abuso inqualificável que um periódico - ex-orgão do Cabanismo, julgou dever fazer da vontade dos seus correligionários por sua alta recreação, declarando esse partido ligado, afivelado a não sabemos que mistifório, ou anguzada política, conhecida popularmente por – liga – sem o partido saquarema ser consultado para tais combinações261.
Ou seja, o que se coloca, aparentemente, para Mendes, é que o próprio Sotero dos Reis
não possuía legitimidade para afirmar que cabanos estavam ligados à Liga. Digo
aparentemente porque, no desenrolar de sua argumentação, Mendes deixava entrever
uma motivação quiçá mais profunda: estes passos do redator dessa folha conquanto inconsiderados podiam, não obstante, ser relevados, se os resultados posteriores justificassem sua boa fé [...], ganhando o partido Saquarema consideração e importância com a aliança por ele negociada, pois, devemos confessar, não somos opostos às alianças e conciliações262.
A discussão historiográfica sobre o período nos faria pensar que essa ‘consideração’ diz
respeito à indicação a cargos públicos, e não me parece que ela esteja distante do
horizonte desta fala263. Não obstante, Mendes estava tentando combater, naquele
momento, a ideia de que a Liga se fundava sobre o antigo partido cabano, o que levaria
a pensar que “esse partido está sepultado, ou o consideram como tal”264. Esse incômodo
com o sepultamento dos partidos, a propósito, também é partilhado pelos liberais265.
Considero-o fundamental nesse quadro de reorganização dos grupos político-partidários 260 Idem, Ibidem. 261 MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 27 de julho de 1847, p. 1. 262 Idem, Ibidem. 263 “Social structure defined by kinship and community gave way to party patronage in the mid-nineteenth century. […] The Brazilian state managed to graft party politics onto a preexisting system based on kinship ties and personal loyalty”. BIEBER, Judy. Power, Patronage, and Political Violence: State Building on a Brazilian Frontier, 1822-1889. Lincoln: University of Nebraska Press, 2000, p. 153. Ver também GRAHAM, Richard. Patronage and Politics in Nineteenth-Century Brazil. Stanford, CA: Stanford University Press, 1990, p. 160-166. 264 MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 27 de julho de 1847, p. 2. 265 MARANHÃO. O Bemtevi. Periódicos (1847-53): Biblioteca Nacional (BN), 8 de agosto de 1847, p.1.
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maranhenses. Isto porque – e este é um ponto fundamental a reiterar – entendo essa
insistência na existência dos partidos como significativa, ainda que possa apontar menos
para a existência dos partidos em si do que para os laços entre os grupos que se
organizam a partir dessas alcunhas. Dito de outro modo, considero importante notar o
significado que essas organizações adquirem para os atores políticos daquele período.
Assim, compreendo estar seguindo caminho similar ao trilhado na reavaliação das
eleições no mesmo período, questão intimamente ligada com o debate aqui realizado266.
Reiterando: o empreendimento de forjar um projeto partidário (de poder?) a partir de
termos que não remetiam unicamente à esfera local, têm significado; que ele decida
insistir nessa filiação, ainda que do ponto de vista puramente retórico267, também.
No que diz respeito aos liberais, é preciso fazer uma ponderação: existiam
muitas vozes que reivindicavam o liberalismo no debate público. A imprensa liberal
maranhense, após a Guerra, ficou dividida. Estevão Rafael Carvalho foi o redator de O
Bemtevi durante a Balaiada, em 1838, com notória atuação. Neste mesmo periódico
também apareceram artigos de João Francisco Lisboa. Em 1842, João Lisboa assume a
pena de O Publicador Maranhense. Em 1847, com a formação da Liga, reaparece o
Bemtevi, com duras críticas a João Lisboa. No mesmo ano, nasce o Bemtevi
Maranhense, jornal também liberal, reivindicando o brasão e a real filiação ao partido, e
O Progresso, jornal liberal que apoiava a administração de Franco de Sá. Por último, O
Estandarte, fundado em 1847, jornal Bemtevi crítico da Liga Liberal Maranhense.
Desse ponto de vista, vê-se que a Liga Liberal Maranhense estava envolta na
organização da imprensa política maranhense, e os embates entre os grupos que se
opunham ganharam vida em suas páginas. No caso do Bemtevi, isso veio acompanhado
de um exame extremamente negativo da situação. Vejamo-lo.
É razoável supor que O Bemtevi, após 1838, tenha sido descontinuado e, no ano
que faremos referência daqui em diante (1847), tenha retornado à circulação268. É
266 “Além de constatar que práticas corruptas infestavam os pleitos no Brasil do século XIX, é necessário que o historiador investigue o significado que o processo eleitoral adquiria para os agentes históricos envolvidos. Afirmar que as eleições no Império eram manipuladas e que a fraude e a violência eram disseminadas tornou-se já um lugar comum. O que ainda está por ser explicado são os motivos pelos quais as disputas eleitorais eram tão intensas e a razão pela qual os votantes, os eleitores e as diversas autoridades envolvidas no processo valorizavam tanto o direito dos cidadãos expressarem-se por meio do voto”. SABA, Roberto Nicola P. As 'eleições do cacete' e o problema da manipulação eleitoral no Brasil monárquico. Almanack, Guarulhos, 2011, p. 26. 267 Cf. CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Topoi. Rio de Janeiro, n. 1, 2000. 268 Não consegui identificar o redator deste período.
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inclusive o que dá a entender o seu redator no primeiro número que tive acesso, daquele
ano: O Bemtevi, vendo que o despotismo tinha erguido o seu trono nesta província, apareceu e cantou, até que o lançou por terra. Retirando-se para suas florestas, na sua despedida, prometeu três cantos em futuras épocas. Bastantes anos tem decorrido depois dessa promessa, e, no decurso deles, muitas coisas singulares se passaram, e muitos venderam-se aos inimigos da liberdade e da prosperidade da Província! Hoje, que o Despotismo e tudo quanto há de sórdido formaram uma Liga para oprimirem o povo, O Bem Tevi torna a aparecer em campo para defender o mesmo povo e derrotar o monstro. [...] Viva o Partido Bemtevi. Morra a Liga269.
Desse trecho, fica patente uma distinção: o vocabulário empregado pelo periódico. Com
linguagem muito similar aos periódicos do período pós-independência270, recorre à
noção de despotismo, em oposição à liberdade, e se manifesta a favor da luta contra a
opressão do povo. Conquanto a utilização destes termos pudesse situar seu lugar no
debate político-doutrinário tanto provincial como nacional, a leitura dos outros números
do jornal deixa ver que seus redatores estão pouco interessados em levar a cabo uma
“pedagogia liberal”271. De fato, quase a totalidade de suas intervenções jornalísticas diz
respeito às formações de grupos, alianças e ações políticas decorrentes dessas alianças
(como assumir ou ser demitido de um cargo), ou antagonizar esta ou aquela figura
importante do partido no poder. Não entendo, contudo, que esta seja uma esfera menor.
Ela é central para a compreensão da correlação de forças na Assembleia Legislativa
Provincial.
Ainda sobre a questão doutrinária, cabem algumas palavras sobre os principais
jornais maranhenses do período. O Publicador Maranhense, cujo responsável era João
Lisboa, dedicava boa parte de suas páginas às notícias do governo (seja central ou
provincial272). Neste, foram publicadas a maioria das Atas da Assembleia Legislativa
Provincial. Apesar de seu caráter oficioso, frequentemente publicava notícias de outros
jornais do Brasil (Jornal do Comércio, Diário de Pernambuco, Sentinela da Monarquia) 269 MARANHÃO. O Bemtevi. Periódicos (1847): Biblioteca Nacional (BN), 28 de julho de 1847, p.1. 270 Cf. CRESPO, Fernanda e NUNES, Talita. Aurora Fluminense: A voz dos moderados (1827-1832). In: RIBEIRO, Gladys Sabina (org.). Brasileiros e cidadãos: modernidade política (1822-1930). São Paulo: Alameda, 2008, v. 1, p. 395-407. Lúcia Bastos Neves faz uma análise minudenciada dos significados e da recorrência do termo despotismo na linguagem política da independência. Cf. NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Corcundas e constitucionais: a cultura política da Independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revan / Faperj, 2003, p. 119-135. 271 Ou a difusão das ideias ilustradas por meio dos periódicos (como as noções de liberdade, constituição e pacto social). Cf. SILVA, Wlamir. A imprensa e a pedagogia liberal na província de Minas Gerais (1825-1842). In: NEVES, L. et al. (orgs.). História e imprensa: representações culturais e práticas de poder. Rio de Janeiro: DP&A Faperj, 2006. 272 No caso do governo provincial, além das Atas da Assembleia, algumas atas da Câmara Municipal de São Luís também foram publicadas, juntamente com informações oficiais da Tesouraria da Fazenda, Repartição da Polícia e da Presidência da Província (inclusive trechos do relatório dos presidentes).
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e ocasionalmente do exterior (Le Siécle, Times, Journal Des Débates e La Presse),
avançando um posicionamento bastante marcado de defesa à Monarquia. Em seus
primeiros anos, se pronuncia esporadicamente sobre os assuntos da província. É a partir
de 1847 que suas intervenções passam a ser mais frequentes e avultadas, ainda que
constantemente ocupassem a menor parte do jornal. O Progresso, de Alexandre
Theóphilo Leal, Fábio Alexandrino de Carvalho Reis e Carlos Fernando Ribeiro273, um
jornal que em 1847 teve frequência praticamente diária, se comparado ao Publicador,
tem uma regularidade menor de intervenções, apesar de ser igualmente ocupado por
notícias do governo central e provincial (em relação ao governo central, uma quantidade
menor documentos oficiais e, em contrapartida, maior de notícias de jornais). Muitas de
suas páginas eram ocupadas por anúncios e notícias diversas sobre a província. Nesse
sentido, ainda que possamos situar, de maneira relativamente segura, o espectro político
com o qual seus redatores se identificavam, seus escritos na imprensa, pelo menos até o
final da década de 50 do século XIX, tocam apenas tangencialmente na questão da
doutrina política liberal (por vezes acusado, pela oposição, de propalar um liberalismo
exaltado). A Revista, de Sotero dos Reis, segue expediente similar (repercutindo
notícias do governo central por meio da reprodução de jornais como A Sentinela da
Monarquia), com a diferença de trazer escassas notícias do governo provincial e dedicar
boa parte de suas quatro páginas a comentar os acontecimentos políticos da província do
Maranhão.
Retomando essa história de partidos – pelos partidos – que venho fazendo até
aqui, cumpre situar, nessa discussão, a posição de O Estandarte, o outro jornal da
oposição liberal. Em seu “Traços de uma história contemporânea", o redator busca
matizar aquilo que, na sua concepção, vinha se construindo na imprensa maranhense,
notadamente n’O Progresso, sobre a oposição Bemtevi ao projeto da Liga Liberal
Maranhense. Este redator, escrevendo em 1853, já bem distante do auge ligueiro (e
quando sua existência já era considerada, pela oposição, praticamente finda), procura
lidar com uma acusação que, a seu ver, era usada de modo enviesado: a de
exclusivista274.
273 Secretário da Presidência da Província por boa parte da segunda metade da década de 1840, inclusive na administração de Franco de Sá, e uma das principais lideranças liberais da década de 1850. 274 Sartori comenta longamente o fato de mesmo após a acolhida positiva, por Edmund Burke, do conceito de partido, por bastante tempo, da França Revolucionária de Danton e Saint Just aos Estados Unidos de Washington e Madison (até, alguns anos depois, à publicação da obra de Benjamin Constant), a ideia de partido como facção, unidos por paixões ou interesses opostos aos dos outros cidadãos, permanece como a associação mais comum. Cf. SARTORI, op. cit., p. 4-12.
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se o fundador da Liga, dizemos nós, podia encher o seu quadro de todos os matizes, se era isto uma ação meritória, o que não contestamos: por que razão não podiam os Bemtevis, ou a Estrella, [...] colocar um ou outro matiz convenientemente no seu pobre debuxo?275
Na avaliação do autor dessa série de intervenções não era sem motivos o fato da Liga
Maranhense ter se autodenominado liberal, ainda que tenha acolhido pessoas de todos
os espectros políticos. Isto porque se “estivesse no poder o partido conservador a Liga
seria chamada conservadora. Por igual razão, e em obséquio à opinião liberal, visto que
o fundador era delegado do governo luzia, e só em obséquio a este, a Liga tomou o
sobrenome de liberal”276. Esse exame, como se pode depreender, servia a dois
propósitos: demonstrar a falsidade da acusação de exclusivista, e demonstrar que a Liga
Liberal não só não fazia jus à alcunha, como a mobilizava ao sabor do governo que o
beneficiasse.
A retomada de uma administração (a de Franco de Sá) já finda havia cinco anos
tinha, igualmente, seu viés de interesse claro. O objetivo era se afastar daquelas práticas
e criticar a administração do então presidente da província, Eduardo Olímpio Machado,
pois os “Ligueiros da capital, com a mesma avidez com que a gentalha faminta recebe o
caldo [...], aceitaram a esmola que o snr. Olímpio Machado lhes fez dos lugares da
Câmara Municipal”277. Haveria, segundo o redator d’O Estandarte, uma série de fatos
que se prestariam à demonstração das mazelas de seus adversários. A Liga Liberal
Maranhense, representada aqui pelo O Progresso, “sempre que pode, trisca no governo
saquarema, apesar da proteção que seus compartidários tem dele recebido, sendo todos
despachados para os melhores lugares da fazenda e da magistratura”. Ao mesmo tempo,
o redator d’O Progresso teria atacado os Bemtevis por se ressentirem do governo luzia,
“que sustentava seu delegado [Franco de Sá] que tão cruelmente os perseguia”. O
redator d’O Estandarte argumenta que “só queriam que os deixassem votar livremente”.
Segundo ele, na eleição geral de 1848, não havia Bemtevi que tivesse votado sem risco
de vida, e alguns a teriam perdido “antes que votassem”. Logo eles que professavam “a
mesma doutrina do governo. [...] As baionetas conquistaram a vitória que não foi
275 MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 1 de dezembro de 1853, p 3. 276 MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 24 de novembro de 1853, p 4. 277 MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 15 de dezembro de 1853, p 3.
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incruenta” 278. Ele, enfim, se questiona: “por que razão os Bemtevis são criminosos de
lesa-liberalismo e ele[s] não?”279
Muitas questões se apresentam após a leitura desse trecho. A primeira delas,
acredito, é a vinculação de Franco de Sá ao governo central, como delegado280 dos
liberais (Luzias) no Maranhão. Quando da sua ascensão à presidência da província
(entre 1846 e 1848), vivia-se, no Brasil, justamente o período do chamado quinquênio
liberal, período no qual a balança de poder pendeu para estes281. E, se observarmos
atentamente o tom da acusação, de alguma maneira essa caracterização ecoa uma
interpretação tradicional da função do presidente da província: a de figura central e
decisiva na disputa política local282. De fato, se levássemos em consideração apenas a
ampla vitória, nas eleições para deputado geral em 1848, dos candidatos escolhidos pela
Comissão Central da Liga Maranhense283 (Joaquim Mariano Franco de Sá, Fábio
Alexandrino de Carvalho, Francisco José Furtado e o Coronel Isidoro Jansen Pereira284,
ocupando todas as vagas dos deputados gerais da província), seria difícil discordar dessa
interpretação. No entanto, há elementos no próprio libelo285 que afastam essa impressão
inicial. Primeiramente, assumindo como verdade o relato oposicionista, é notório o fato
de o governo central ter decidido amealhar o apoio de um grupo indistinto, liberal de
ocasião, e não dos liberais ‘históricos’ (Bemtevis). Na historiografia, da série de
explicações possíveis para este fato, acredito que a mais adequada seja a posição
privilegiada que um presidente da província local tinha para organizar seu grupo
278 MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 1 de dezembro de 1853, p 3. 279 Idem, Ibidem. 280 Uma associação já clássica que remonta aos contemporâneos e está presente em obras díspares como a de Tavares Bastos e a já citada do Marquês de São Vicente. Cf. BASTOS, Tavares. A Província: Um estudo sobre a descentralização no Brasil. (1870) São Paulo: Ed. Brasiliana, 1937. 281 Cf. CASTRO, Paulo Pereira Castro. “Política e administração de 1840 a 1848”. In HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Diefel, 1985. 5ª edição. Tomo II, vol. II. 282 “Os fatos posteriores mostrarão, entretanto, que a figura dominante no cenário provincial continuaria a ser o presidente da província, delegado do imperador, cuja função política mais importante era garantir a vitória eleitoral dos candidatos apoiados pelo governo”. LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 98. 283 Segundo O Progresso, o chefe da Liga era João Francisco Lisboa. “Acharam-se presentes os snrs. Lisboa, Coronel Isidoro, Sotero, Jansen Ferreira, Theóphilo, Serra, Marcolino de Lemos, Desembargador Lobato, Cacio, Dias Vieira, Macedo e Altino: faltando com causa participada os Srs Sabino e Machado. MARANHÃO. O Progresso. Periódicos (1847-57): Biblioteca Nacional (BN). 2 de novembro de 1847, p. 4. 284 Ainda que o último candidato eleito para concorrer, pela Comissão Central, tenha sido Lisboa Serra, e o eleito o Coronel Isidoro Jansen (também da Liga). 285 Ver BENTIVOGLIO, Julio Cesar. Panfletos políticos e política no Brasil oitocentista: a facção áulica e os bastidores da Corte de D. Pedro II. Revista do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro, v. 1, 2012.
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político e disputar as eleições286. Isso, inclusive, poderia indicar menos a falta de força
(ou de ‘estirpe’ liberal) do grupo oposicionista e mais a capacidade do presidente local
de “diminuir o poder desses feudos privados”287. Outrossim, como aponta Marcus de
Carvalho para o caso de Pernambuco, não havia identidade necessária entre os gabinetes
do Império e os grupos locais. Inclusive, uma dissidência do Partido Liberal
Pernambucano, o chamado Partido Praieiro, conseguiu, em 1845, vencer a disputa pela
nomeação do presidente da província e lograr o domínio da política local pelos três anos
posteriores (até a queda do gabinete)288.
Em segundo lugar, o redator d’O Estandarte é rápido em lembrar o fato de que
mesmo durante o domínio dos gabinetes conservadores, o grupo ligueiro continuava a
se beneficiar de cargos importantes. Franco de Sá, inclusive, é eleito Senador no final de
1848. Por outro lado, em suas palavras, “quando a imprensa Bemtevi deixou aos
Ligueiros o campo livre dos luzias, ninguém esperava que descessem tão depressa”289.
Essa descida diz respeito à queda do gabinete liberal em 1848, depois de demonstrada a
incapacidade dos liberais de governar com estabilidade290. No entanto, a subida do
governo conservador não coincidiu com a nomeação do próximo presidente da
província, uma vez que seu primeiro relatório é de julho de 1848 e a transição para o
gabinete conservador ocorre apenas em setembro do mesmo ano. De todo modo, a
mudança de presidentes291, para os atores da imprensa política ludovicense, mudou a
configuração de poder da província. Sotero dos Reis, n’A Revista, argumentava que O
Observador e O Estandarte (um saquarema e um liberal), “que tanto cortejaram o Snr.
Amaral, estão-lhe agora fazendo desapiedada guerra depois da mudança de ministério
[...], a ver se o novo gabinete o demite”. Ele, “um antigo cabano” que defendeu “os
286 Essa vantagem é comumente associada aos vice-presidentes, que normalmente eram oriundos da própria província. Cf. DOLHNIKOFF, op. cit., 2005, p. 102-103 e passim e SENA, Ernesto Cerveira de. Além de eventual substituto. A trama política e os vice-presidentes em Mato Grosso (1834-1857). Almanack, v. 4, 2012, p. 82-86 e passim. 287 GRAHAM, op. cit., p. 130. No caso específico, os antigos cabanos (saquaremas) e os liberais que se reivindicavam ‘históricos’ (os Bemtevi). 288 CARVALHO, Marcus J. M. de. Os nomes da revolução: lideranças populares na Insurreição Praieira, Recife, 1848-1849. Rev. Bras. Hist., São Paulo , v. 23, n. 45, p. 209-238, Julho de 2003, p. 211-212. 289 MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 1 de dezembro de 1853, p 3. 290 IGLÉSIAS, Francisco. Vida Política, 1848-1868. In: In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). História Geral da Civilização Brasileira. Tomo II: o Brasil monárquico. Vol. 5: Reações e Transações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004, p. 20. Ver também NEEDELL, Jeffrey. The Party of Order. The Conservatives, the State, and Slavery in the Brazilian Monarchy, 1831-1871. Stanford: Stanford University Press, 2006, p. 115. 291 Saiu Joaquim Franco de Sá e assumiu a presidência Antônio Joaquim Alvares do Amaral. Nascido na Bahia, foi presidente da província de Sergipe em 1846. BLAKE, Sacramento. Dicionário biobibliográfico brasileiro, v. 1, Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1883, p. 195.
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ministérios Saquaremas enquanto eles o combatiam, [...] [tomou] a defesa do presidente
tão injustamente agredido”292. Já o redator d’O Progresso, afirmava que Alvares do
Amaral, “longe de nos ser favorável, nos prejudicou consideravelmente nas demissões e
nomeações que fez mormente para os cargos de polícia”; não obstante, seu juízo dessa
administração não é negativo, uma vez que considerava que o presidente “continuou
moderado e neutro” apesar da grande oposição dos “corcundas-bemtevis”293, fazendo
cessar as demissões de ambos os lados. O redator d’O Estandarte, por outro lado,
explicava sua ojeriza ao ‘Snr. Amaral’ pelo fato de ele ter ido “para o Maranhão com
missão de proteger os Bemtevis (cruelmente perseguidos pelo Metralhador) e que
trouxe as melhores cartas de recomendação do Sr. Moura Magalhães”. No entanto, na
contramão dessa expectativa, Amaral teria sido um presidente que “sempre os
sustentou”294.
Antes de prosseguir com a análise desta história contemporânea, gostaria de
ilustrar, mais um pouco, a rusga dos Bemtevi com o presidente Antônio Alvares do
Amaral. Segundo notícia d’O Estandarte, o ex-presidente Amaral “mandou dizer no
Governo Imperial que sendo chamado à responsabilidade o periódico a Voz do
Bacanga, apresentara-se em juízo como responsável dessa folha o Sr. Coronel Antonio
Jansen do Paço” (um bemtevi). O periódico foi chamado em juízo para explicar seu
republicanismo, “doutrinas incendiárias e absurdas”, que um periódico monarquista
como O Estandarte nunca defenderia. Esse expediente teria sido utilizado por que O ministério estando nas melhores disposições a respeito do Partido Bemtevi e em boas relações com muitos de seus membros, convinha quebrar essas relações, e pintar na corte as coisas de modo que o governo protegesse o novo Partido Saquarema, composto de Sás, Jansens, etc., para o qual mandou o sr. Amaral convidar o dr. Cândido Mendes, oferecendo-lhe deputação, secretaria etc., etc. etc.” 295.
As ordens teriam partido da Comissão Central do Partido Bemtevi que, em sua versão,
“não deu nem nunca podia dar ordens de tal natureza, reprovando ela com indignação
tais ideias e planos tão subversivos”. Para além de sua defesa clara da monarquia
292 MARANHÃO. A Revista. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 13 de novembro de 1848, p. 4. 293 Reproduzido em MARANHÃO. A Revista. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 13 de janeiro de 1849, p. 4. 294 MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 15 de janeiro de 1849, p 4. 295 MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 15 de janeiro de 1849, p. 4.
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reproduzida em jornal da corte296, sua insuspeição estaria justificada porque teriam sido
eles “exclusivamente com O Observador [...] [que fizeram] guerra aos Praieiros de
Pernambuco, e que [frustraram] os planos de desordens de praieiros d’esta Província”.
Os “Srs. da Liga que transcreveram em suas folhas todos os artigos incendiários da
Imprensa Praieira Pernambucana”; “nós que combatemos a contra-pancada do sr.
Franco de Sá quando aqui chegou a notícia da revolução francesa de fevereiro”297.
Novamente, muitas questões se apresentam, mas gostaria, nesse momento, de isolar
uma delas. Nesse trecho, faz-se novamente referência a uma Comissão Central que
definia as ações e os termos que guiavam um partido maranhense. Essa estrutura
organizacional, que pretendo demonstrar ser relativamente estável durante os anos,
estabelecia claramente os grupos distintos que disputavam o poder na província do
Maranhão. Não tratarei da diferença doutrinária ou ideológica que O Estandarte tenta
instituir ao narrar esses eventos por compreender que se tratava de uma distinção de
ocasião. Não me parece que a Liga Maranhense buscava evocar qualquer ideal exaltado
ou republicano, e não tenho notícia que nenhum de seus próceres o tenha feito298.
Portanto, importa reter aqui a organização do grupo político a partir da existência de sua
Comissão Central.
Retomando e finalizando a história: como vimos acima, a existência da Liga
enquanto liga liberal é dada como fruto da conveniência e proximidade política (o que,
por um lado, poderia dar algum lastro para a acusação de republicano – haja visto sua 296 MARANHÃO. O Correio da Tarde. Periódicos (1848-52): Biblioteca Nacional (BN), 13 de dezembro de 1848, p. 1-2. 297 MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 15 de janeiro de 1849, p. 4. 298 A menos que se considere que os redatores de periódicos como a Voz do Bacanga eram ligueiros (certamente eram liberais exaltados), o que não pude verificar. Sotero dos Reis, por exemplo, apesar de admirar a força e organização dos Praieiros, escreveu: “Fazer uma revolta porque foram nomeados ministros homens deste e não daquele partido, é atentar contra o livre exercício dos direitos políticos, ou querer impor ministros ao chefe de estado, despojando-o de uma de suas prerrogativas”. O Publicador Maranhense, de João Lisboa, manteve longa relação com o Diário de Pernambuco, publicando frequentemente excertos desse jornal (notadamente sobre o exterior). Como se sabe, O Diário de Pernambuco era considerado um jornal que se opunha ferrenhamente aos Praieiros. Ainda assim, a posição de João Lisboa, por vezes, parecia mais comedida que a deles em determinadas questões: “Damos no presente número importantíssimas notícias da Europa que alcançam até 29 de março. Como, porém o Diário de Pernambuco donde as extratamos, seja inteiramente favorável à revolução francesa, continuamos a publicação dos extratos dos jornais ingleses, que a consideram sob um aspecto diferente. A diversidade das apreciações não deixará de agradar e aproveitar aos leitores do Publicador”. Em relação à praieira, Lisboa manteve em prática similar ao publicar artigos do Diário Novo (pró-Praieiros) e do Diário de Pernambuco. Do Progresso, jornal o qual o Estandarte pode estar se referindo, não possuo os números de 1848-49. Cf. MARANHÃO. A Revista. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 2 de dezembro de 1848, p. 4; MARANHÃO. O Publicador Maranhense. Periódicos (1842-57): Biblioteca Nacional (BN), 16 de maio de 1848, p. 4. Sobre o Diário de Pernambuco, ver CARVALHO, Marcos J. M.; CÂMARA, Bruno D. A Insurreição Praieira. Almanack Braziliense (Online), v. 8, 2008, p. 18 e passim.
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celebração do credo liberal e alguma simpatia pelos pernambucanos da praieira – e por
outro funciona como um lembrete de como certos epítetos são utilizados, na luta
política, enquanto mero meio de acusação). Isto, contudo, não explicaria o motivo de
Franco de Sá querer sepultar a alcunha de Bemtevi. Este nome envergonhava o fundador da Liga, havia nele uma ideia associada de traição ou renegação, como melhor quiserem chamar. Daqui proveio a designação afrontosa que o fundador da Liga deu ao partido de que tinha desertado. Este partido seria tudo menos Bemtevi, este nome estava proscrito de palácio. Alcunhou-se de Camarilha. Porém o presidente conheceu que o partido que ele chamava Camarilha era muito grande [...]. Foi preciso cogitar um nome que substituísse ao Bemtevi. O presidente não quis conservar ao seu partido e não quis que ninguém o conservasse299.
Conquanto seja possível aceitar as duas possibilidades aventadas pelo autor como
motivações para Franco de Sá (quais sejam: a vergonha/ressentimento de ter
abandonado um grupo político e, por isso, querer apagar sua existência, em conjunto
com a conveniência de fundar outro grupo diretamente alinhado à situação, no governo
central), acredito haver outra explicação igualmente plausível. Matthias Rohrig analisa a
Balaiada como fundante, no Maranhão, de uma espécie de liberalismo popular, no qual
os balaios se apropriaram do discurso liberal Bemtev i , t o rnando- se “adeptos de
um liberalismo exaltado de inspiração cristã, que defendia a igualdade dos cidadãos”300.
O que me parece central compreender, para tentar situar os discursos interessados da
imprensa, é que a Balaiada esfacelou e enfraqueceu os partidos (ou grupos políticos?)
maranhenses. Sua reorganização, a partir de 1842, adquire uma tônica marcada de
moderação e união, e lideranças importantes como João Lisboa, outrora liberal exaltado,
passam à linha de frente de um projeto liberal, mas, sobretudo, conciliador. Essa
conciliação, em outra medida, passa por uma tentativa de apagamento deliberado da
alcunha Bemtevi, processo que tem sua resistência e sua relação com a disputa política
da época. Esse esforço de construção, por um lado, e de apagamento, por outro,
estrutura os grupos e a disputa política local por pelo menos uma década. Nesse sentido,
os liberais d’o Estandarte e do Bemtevi (D’Estrella e Camarilha), relutantes em aceitar
esse alijamento, senão da política, mas dos cargos provinciais, buscaram ordenar e
assegurar a existência de seu partido por meio de assentos na Assembleia e investindo
299 MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 1 de dezembro de 1853, p. 3. 300 Entrevista com o historiador Matthias Röhrig Assunção. Outros Tempos, Volume 5, número 6, dezembro de 2008, p. 227. Ver também ASSUNÇÃO, Matthias Röhrig. “Sustentar a Constituição e a Santa Religião Católica, amar a Pátria e o Imperador.” Liberalismo popular e o ideário da Balaiada no Maranhão. In: DANTAS, Monica Duarte (org.). Revoltas, Motins, Revoluções: Homens livres e libertos no Brasil do século XIX. São Paulo. Alameda, 2011.
89
na manutenção das suas redes de influência nos níveis locais e provinciais, notadamente
nos cargos eletivos municipais. A Liga (n’O Progresso, A Revista e Publicador
Maranhense), como vimos, teve atuação marcante, mas longevidade limitada. Os
cabanos (Saquaremas) representados n’Observador, por sua vez – grupo que a
historiografia e parte da oposição dizem dominar a política a partir da década de 50 –
fazem um juízo comedido da própria participação e força políticas. Antes de finalizar
essa seção, falarei um pouco deles.
Seu redator, retomando a narrativa sobre partidos que atravessava a imprensa
política maranhense, creditava às sucessivas traições dos presidentes da província o
estado lastimável do partido saquarema (que Sotero dos Reis dizia não existir mais na
província301) em 1851. Seu colega d’A Revista teria afirmado que não só não existiria o
partido saquarema, mas que “entre nós não existem partidos políticos, mas sim grupos
dominados de interesses pessoais”. Por discordar dessa proposição, tomou para o seu
jornal a missão de corrigi-la e justificar a existência do partido saquarema, “cujas ideias
e princípios este jornal é órgão”. Na sua avaliação, Sotero dos Reis confundia a
proeminência dos grupos liberais e o papel secundário dos conservadores na política do
Maranhão com a inexistência do último. Para Mendes, não era [...] por isso que o partido saquarema nesta província se acha hoje dividido e confundido com os grupos luzias opostos em que se fracionou o partido bemtevi, e que, apesar da identidade de princípios, para quem vê claro não entra em dúvida que desde 1847 representam o governo e a oposição, se deve concluir que este partido deixou de ser o mesmo e apostatou os seus princípios302.
As alianças que o partido se viu forçado a fazer devido à sua fraqueza, se deveram ao
fato de ter sido “perseguido pelos adversários e traído pelas últimas administrações de
seu credo”. Desde 1843, após a administração do sr. Figueira de Mello, o partido
saquarema começou a servir de carambola no jogo político da província, porque de então pra cá, convém repeti-lo, [...] tem representado de donos da casa dos grupos bemtevis, porque assim tem aprazido a política de conveniência dos delegados saquaremas que hão sucessivamente governado a província303.
301 “O Sr. Figueira de Mello, o qual vendo o partido ordeiro ou governista inteiramente desorganizado, entendeu que convinha reorganizá-lo, ou então organizar outro novo, por meio de uma fusão de partidos; e pela sua política conciliatória realizou-se, de 1842 a 1843, a primeira fusão de cabanos com os bemtevis dissidentes, chamada a coalição. Desde então entrou a operar-se a transformação sensível do partido cabano ou desde então deixaram os partidos de 1836 de ser visivelmente os mesmos”. MARANHÃO. A Revista. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 29 de julho de 1849, p 4. 302 MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 23 de agosto de 1851, p. 3. 303 Idem, Ibidem.
90
Ainda em 1853 o redator d’O Observador evocava essa memória. Analisando a
administração de Eduardo Olímpio Machado, ele relembra que “apenas o sr. Figueira de
Mello, de saudosa memória para nós os Saquaremas do Maranhão, é que procurou
montar o partido cujo credo político seguimos”. Olímpio Machado, em dezembro de
1851, perdeu, em sua opinião, uma oportunidade histórica de organizar os saquaremas
maranhenses, pois nessa época “desfizeram a liga que tinham feito com os Bemtevis”.
Contra os “prudentes e razoáveis conselhos, foi continuando na sua política de
dubiedade e tergiversação, e trouxe o ostracismo dos Saquaremas”. O resultado desta
(in)ação foi “tornarem-se os Luzias e Constituintes audazes, a ponto de imporem em
breve tempo a S. Exc. uma chapa de vereadores e juízes de paz, na qual não figuram
dois Saquaremas!”304.
De fato, como apontamos anteriormente, desde pelo menos 1847 os liberais
maranhenses se organizavam a partir de suas Comissões Centrais. Em 1849, a Comissão
da dita Camarilha (a oposição liberal à Liga Maranhense) escolheu para disputar as
eleições da Câmara Municipal de São Luís, o comendador Ângelo Carlos Moniz, o Dr.
José da Silva Maia, Sebastião José de Matos, o Coronel Antonio Jansen do Paço, Paulo
Nunes Cascaes, João José da Cruz, Capitão Gentil Homem d’Almeida, José Raimundo
d’Azevedo Amorim e João Gualberto da Costa. Essa mesma comissão também indicou
nomes para a disputa dos cargos de juiz de paz dos distritos da capital. Em seu aviso aos
Bemtevis, enfatizaram que era preciso que todos compareçam a fim de tornar mais brilhante o partido da ordem. Essa eleição é muito mais importante que a dos deputados gerais; por conseguinte, faltar a ela é mostrar que se tem em pouca ou nenhuma conta o bem estar e prosperidade da nossa bela província. Há muito tempo que uma bela pandilha de saltimbancos se encaixou nos lugares da Câmara Municipal e os tem desfrutado em benefício próprio, como se os rendimentos do município fossem patrimônio de meia dúzia de espertalhões305.
O redator d’O Observador não deixou de sublinhar negativamente a empreitada liberal
que vinha se desenhando. A “tal comissão central, que só havia sido eleita para tratar da
eleição da Assembleia Geral Legislativa, e cuja missão findou com essa eleição”
(provavelmente estava se referindo à de 1848, após a dissolução da Assembleia Geral),
“manhosamente arrogou-se o direito de impor absolutamente suas chapas durante a
atual legislatura”. Seria o caso da eleição para Senador (o qual o escolhido foi Franco de
304 MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 11 de outubro de 1853, p. 1. 305 MARANHÃO. O Bemtevi. Periódicos (1847-53): Biblioteca Nacional (BN), 8 de agosto de 1847, p.2-4.
91
Sá), a chapa dos deputados provinciais, e “agora vemo-la impor a chapa do Senador que
deve substituir ao falecido Sr. Franco de Sá!!! Quem lhe deu um tal poder?”306. Se se
pode esboçar uma resposta a essa pergunta, a capacidade de mobilização dos grupos
liberais – mesmo em presidências saquaremas – pelo visto lhes logrou uma organização
política relativamente estável para disputar os cargos provinciais. Tendo em vista o que
se lê nos jornais, os saquaremas nunca demonstraram ter composição similar. A “chapa
da Camarilha” (José Mariani, Dr. João Caetano Lisboa e Comendador Viveiros)
conseguiu, inclusive, eleger o senador José Jerônimo de Viveiros307 para a legislatura de
1852, na vaga aberta após o falecimento de Franco de Sá.
Em 1853, provavelmente o ano o qual o redator do Observador faz referência
quando fala de uma imposição a Olímpio Machado, os liberais, ainda cindidos,
mobilizaram novamente suas comissões centrais para avançar chapas e ocupar os cargos
locais. Nas palavras dos liberais representados, agora, pelo Estandarte, os “rendimentos
da Câmara, insignificantes a princípio, [...] foram pouco a pouco aumentando,
permitindo em breve tempo melhorar o estado de algumas fontes e canos públicos”.
Com um rendimento de trinta conto de réis, “muitas construções se fizeram” e é com “a
presença de tais serviços, que ousamos pedir a nossos munícipes a recondução desses
prestantes cidadãos para os cargos”308. Para os cargos de vereador, indicaram o Senador
Ângelo Carlos Moniz (lavrador), José da Silva Maia (médico), Comendador João
Gualberto da Costa (negociante), Adriano Augusto Bruce Barradas (empregado
público), João José da Cruz (proprietário), Victorino José Rodrigues (proprietário), João
Frazão Varella (lavrador), Major João Joaquim Maciel Aranha (lavrador) e Paulo Nunes
Cascaes (empregado público). Do outro lado da seara, a comissão nomeada pelo partido
liberal, “no dia 15 do corrente, pela reunião política do partido liberal, em casa do Sr.
Dr. Carlos F. Ribeiro, trabalhou nos dias 19 e 20, em casa de seu membro Dr. João
Pedro Dias Vieira”309, apresentou a chapa composta pelo Dr. Francisco de Mello
Coutinho de Vilhena, Comendador José Vieira da Silva, Comendador José Joaquim
Teixeira Vieira Belfort, Dr. Raimundo Teixeira Mendes, Dr. Carlos Fernando Ribeiro,
306 MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 20 de janeiro de 1852, p. 2-3. 307 Viveiros foi, durante o ano de 51, um dos candidatos preferidos do Observador. MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 3 de dezembro de 1851, p. 2-3. 308 MARANHÃO. O Publicador Maranhense. Periódicos (1842-57): Biblioteca Nacional (BN), 3 de setembro de 1853, p, 2-3. 309 Idem, Ibidem.
92
Capitão Manoel Gonçalves, Ferreira Nina, Dr. Alexandre Teóphilo de Carvalho Leal,
Dr. Hermenegildo Antonio da Encarnação e Silva para a disputa na Câmara Municipal.
Ainda em 1855, as Comissões davam sinais de sua existência. Naquele ano,
“reuniram-se em casa do snr. Dr. Maia o corpo eleitoral da capital e as influências
bemtevis da província. [...] para tratarem de interesses relativos à política da província.
A sessão foi presidida pelo snr. Dr. Maia”. A comissão central foi eleita com cinco
membros efetivos e quatro substitutos. Os efetivos foram o Senador Ângelo Carlos
Moniz, Dr. José da Silva Maia, Joaquim Antônio Cantanhede, Dr. João Bernardino
Jorge Jr., Comendador Joaquim da Costa Barradas. Os substitutos o Desembargador
José Marianno Corrêa de Azevedo, Dr. Agostinho Moreira Guerra, Dr. Pedro Wenescop
Cantanhede, Major Joaquim Maciel Aranha. Esse grupo ainda alegou ter recebido, do
partido ligueiro, uma “proposta de conciliação e fusão com o partido bemtevi [;] [...] a
proposta foi unanimemente aceita”. O redator do Estandarte termina asseverando que
assim “conseguiu o snr. Eduardo Olímpio Machado conciliar quase toda a província,
mas contra sua corrupta e corruptora administração”. Segundo ele, Machado “comprou
os Viveiros, José Thomaz e todos os mais barrigudos, que traíram indignamente o
partido bemtevi”310. Essa versão da coligação sinalizava apresentar alguma densidade
na província, tendo em vista suas comissões em Rosário e Icatu311. A comissão de
Rosário afirmava ser “composta de indivíduos dos dois lados, desnecessário [pois] se
torna afiançar-vos ela que haverá verdadeiro equilíbrio dos interesses comuns, tanto
para o partido bemtevi, como para o partido progressista”312.
Está fora do escopo deste trabalho verificar em que medida tais comissões foram
bem sucedidas em seus empreendimentos eleitorais. Não obstante, acredito ter
demonstrado, a partir delas, que os partidos políticos maranhenses se organizavam para
disputar os cargos políticos provinciais e municipais, e isso era importante não só para
sua existência, mas para sua reprodução enquanto grupos políticos. É possível
argumentar que o Partido Saquarema depõe contra minha tese. Compreendo, no entanto,
que apesar da sua fragilidade organizacional e, por conseguinte, eleitoral, o partido
manteve um órgão na imprensa que se punha abertamente no debate político provincial
e marcava sua posição. Talvez até se possa dizer, ecoando os coevos, que o partido 310 MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 6 de julho de 1855, p. 4. 311 MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 17 de julho de 1855, p. 3. 312 Não consegui encontrar informações descritivas sobre esse partido progressista. MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 6 de agosto de 1855, p. 2.
93
saquarema não passava de um desejo do(s) redator(es) do Observador. Acredito, no
entanto, que as referências constantes, no decorrer de quase duas décadas, a todos os
três partidos que historiei aqui, e as referências a suas lutas políticas e à consideração de
suas posições nos embates políticos, demonstram não só sua sobrevivência, mas sua
relevância.
A seguir, a partir dos relatos de três disputas que marcaram a administração de
presidentes da província, pretendo dar mais algum conteúdo a essas distinções.
2.3 Contra o presidente: acusações e disputas
Os presidentes são outro grande, e por ventura o maior e mais robusto instrumento que manejam os partidos. [...] Salta um presidente nesta incomparável província, e para logo se torna fautor, protetor, chefe, adepto, sectário, servo e escravo de algum dos partidos que encontra, se não é que ele próprio o manipula e organiza, reunindo, aglomerando e disciplinando os ingredientes e frações que encontra dispersos313.
É nas páginas d’A Revista que nos informamos sobre uma questão fundamental
deste trabalho: as disputas políticas entre os membros da Assembleia Provincial.
Segundo o seu redator, a legislatura de 1847 começa com uma manobra feita por
Ângelo Carlos Moniz, na sessão preparatória da Assembleia Legislativa Provincial, em
1847. Dos 28 deputados que deveriam estar presentes, 15, e depois 16 votaram a favor
da reeleição de Moniz à presidência da casa. Os deputados da liga não fizeram parte
dessa votação, segundo Sotero dos Reis, por um erro de avaliação. Às 11 horas, não
tendo iniciado a sessão, retiraram-se por entender que esta não aconteceria mais. Ao
meio-dia, Ângelo Moniz abria a sessão e iniciava os trabalhos legislativos314. Reis
considerava que essa maioria legal não seria maioria na prática se estivessem presentes
os deputados ligueiros, pois dois ou três deputados “duvidosos”, dos quais a oposição se
aproveitara, comporiam a maioria ligada a Franco de Sá. Os deputados presentes que
elegeram Moniz eram: Pereira Cardoso, Balthasar da Silveira, Manoel Jansen Ferreira,
João Caetano Lisboa, Antônio José Galvão, Paulo Nunes Cascaes, Augusto César da
Rocha, Tibúrcio Valeriano da Silva Tavares, José Sanches, Luiz Pereira do Lago, José
Maria Serra Nogueira, Manoel Jansen Pereira, José Cursino da Silva Raposo, João
313 LISBOA, João Francisco. Jornal de Timon: Partidos e eleições no Maranhão. In: LEAL, Antônio Henriques (org.). Obras de João Francisco Lisboa. (Primeira edição em 1852). Vol. I. São Luís: Typ. de B. de Mattos, 1864, p. 367. 314 MARANHÃO. A Revista. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 5 de junho de 1847, p 4.
94
Joaquim Maciel Aranha, José Sérgio Ferreira, Antônio Carneiro Homem de Souto
Maior315.
Moniz era considerado desabrido membro da dita Camarilha – como vimos, era
esta a alcunha utilizada pelos ligueiros para caracterizar a fração do partido liberal,
considerada minoritária, que se opunha a seu projeto conciliador. Seu líder seria o
desembargador José Mariani (aglutinador da dissidência Bemtevi)316. O comendador,
caracterizado como mandão e autoritário, foi acusado de uma série de arbitrariedades na
vigência de seu mandato enquanto vice e presidente da província, no termo anterior ao
de Franco de Sá. Uma delas teria sido convocar para tropa de primeira linha um cidadão
que possuía tipografia. Além disso, também foi acusado de mandar recrutar um
vereador da Câmara Municipal simplesmente por este não querer fazer parte de seu
círculo próximo317.
Em oposição ferrenha a Ângelo Moniz, o redator do Correio Maranhense o
acusa de forjar a própria eleição, pois “se fez eleger Presidente com 14 votos, que em
relação a 28 deputados que tinham assento na casa, não constituem maioria necessária
para eleição. Em ataques virulentos, o redator chega a afirmar que Moniz tinha fama
“ignorante e inepto”, e não haveria um dia em que não incorreria em transgressões do
regimento interno da Assembleia. Sua maioria, situacional, ainda segundo ele, não se
materializara, haja vista as votações já ocorridas sobre o projeto de fixação de forças da
província, nas quais fora derrotado pela maioria ligueira, estando a seu favor apenas 8
deputados. Sua falta de apoio era tão grande que “se não tivesse havido uma surpresa, o
presidente da Assembleia seria o snr. Tibúrcio”318.
Muitas coisas podem ser inferidas a partir destas breves peças acusatórias sobre
as ações de Ângelo Moniz. A primeira, penso, aponta para a clara disputa pelo poder no
seio da Assembleia. Parece um ponto óbvio, mas é importante nota-lo para não sermos
capturados pelas fontes. Os discursos dos apoiadores e correligionários tendem a
carregar um tom laudatório. Ainda assim, tomando o relato destas fontes como base,
nenhum dos lados, no início da legislatura de 1847, possuía domínio amplo e irrestrito
do Legislativo Provincial. Pelo contrário, ambos se amparavam em maiorias incertas.
Desse ponto de vista, manobras estariam sempre à disposição dos grupos políticos que 315 MARANHÃO, Ata da Assembleia Legislativa Provincial de 2 maio de 1847. O Progresso. Hemeroteca Digital: BN. 316 RIO DE JANEIRO. O Brasil (23/05/1848). Hemeroteca Digital: BN. 317 MARANHÃO. Correio Maranhense. Periódicos (1847): Biblioteca Nacional (BN), 15 de junho de 1847, p 3. 318 Idem, Ibidem, p. 4.
95
disputavam o espaço de poder da Assembleia. Por outro lado, estou ciente das
limitações discursivas de um ideólogo do projeto da dita Liga Maranhense. Não
obstante – na verdade, por isso mesmo – e é importante reiterar este ponto, em larga
medida ela sinalizou clivagens em torno de questões debatidas e decididas na
Assembleia Provincial.
Retomando as fontes, o discurso da maioria pode ser qualificado. Tomara
assento na Assembleia Provincial como eleitos, além dos deputados supracitados, mais
5: Antônio Lobato d’Araújo, Adolfo José Afonso Costa Ferreira, Eduardo Araújo
Trindade, Alexandre Pereira Colares, João Fernandes de Moraes319. Segundo o
regimento interno, a primeira votação para presidente e vice-presidente da Assembleia
deveria ocorrer por maioria absoluta (metade mais um), assim como a realização da
sessão preparatória só poderia ocorrer com esse número: pelo menos 15 deputados320.
Para que a Liga pudesse alcançar a maioria nas votações subsequentes, era necessário
angariar (ou instruir) o apoio de mais 10 deputados que votaram a favor de Ângelo
Moniz (excluindo aí opositores como Paulo Nunes Cascaes, José Cursino da Silva
Raposo321, José Sanches e o próprio Moniz), de um universo de 11 deputados
“possíveis” (excetuando, neste momento, os suplentes que foram chamados para ocupar
as vagas restantes da Assembleia da Província). Com a nomeação dos suplentes, essa
correlação de forças já mudava uma vez que outro opositor, Gregório de Tavares Maciel
da Costa, não só assumiu assento na Assembleia como é eleito vice-presidente da Casa.
Isso tudo ocorreu entre maio e junho. Já em julho do mesmo ano ainda se
realizava a terceira discussão do orçamento (a última para que o projeto pudesse
finalmente ser aprovado). É n’O Progresso que lemos que “a oposição parece querer
procrastiná-la. As emendas têm chovido a cântaros, e o tempo que se deveria aproveitar,
vai sendo consumido em pura perda por diferentes modos. [...] É o último reduto da
oposição: ainda bem que não é inexpugnável”322. As fontes indicam que findam os
trabalhos legislativos de 1847 sem que se aprove o orçamento provincial. Pode-se
subentender daí, novamente, que a despeito de maiorias alegadas, imaginadas ou reais, a
disputa ocorria com os meios à disposição. Logo no ano seguinte, não obstante, a 319 MARANHÃO, Ofícios de 3 de maio de 1847. Correspondência da Assembleia Legislativa à Presidência da Província. Setor de avulsos, 1841-1857. Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM). 320 MARANHÃO, Artigos 2 e 50-54. Regimento Interno da Câmara dos Deputados da Assembleia Legislativa Provincial do Maranhão, Biblioteca Pública Benedito Leite (BPBL). 321 MARANHÃO. O Bemtevi Maranhense. Periódicos (1847): Biblioteca Nacional (BN), 21 de outubro de 1847, p. 1. 322 MARANHÃO. O Progresso. Periódicos: Biblioteca Nacional (BN), 3 de julho de 1847, p. 2.
96
Revista fala da aprovação do orçamento provincial com “o impulso à construção das
obras públicas”323.
Em 1853 também se faz acusação grave, mas contra o presidente da província.
Eduardo Olímpio Machado é acusado de usar meios sórdidos para conseguir a maioria
na Assembleia Legislativa Provincial. Segundo o redator d ‘O Estandarte Não há meio algum ilícito que é vergonhoso, e até criminoso, que não tenha empregado para esse fim. Os soldados do corpo de polícia têm sido destacados para todos os pontos da província à procura de deputados provinciais que se queiram prostituir. Embarcações têm sido fretadas para andarem por todo esse litoral e rios, em cata de deputados pançudos. O Antonio Marcellino e José Sérgio, que o ano passado não tomaram assento, tendo pedido prévia licença aos Bemtevis, este ano foram funcionar por ordem do Olímpio a quem se venderam de corpo e alma. O senador do império – Viveiros – tomou também assento por ordem do Olímpio, o mesmo fez o deputado geral José Ascenso. [...] Os quatorze deputados que apoiam às cegas a imoral corruptora e perversa administração Olímpica são os senhores doutores Frederico, Barreto, José Ascenso, José Sergio, Lamaigner Viana, Antonio Marcellino, Ruas, Marianno Pinto, Serra Lima, Serra Aranha, senador Viveiros, padre Virgilio e Zacheo. [...] Os treze bemtevis que guerreiam a administração: José Sanches, José Varella, João Antonio da Costa, Matta, João Juliano, Barradas, doutores Jorge Junior, Tavares, Maia, Cantanhede, Martins Costa, Alvear e Martins324.
Ainda segundo ele, os bemtevis nutriam a esperança de conseguir a maioria, se os
“cincos deputados de número, Bemtevis do papo amarelo”325, tomassem assento e
tirassem três suplentes da Assembleia, todos apoiadores de Eduardo Olímpio. Não há
notícia que o fizeram; de fato, é seu próprio jornal que noticia que o presidente da
província consegue, no final daquele ano, aprovar a despesa da província em mais do
dobro da receita. Ou seja, mesmo que com uma maioria de apenas um voto, Eduardo
Olímpio impôs dura derrota aos Bemtevis326, estabelecendo, na narrativa oposicionista,
domínio duradouro sobre a Assembleia e justificando um esforço eleitoral concentrado
contra sua administração. A imprensa Bemtevi é farta em acusações contra Olímpio.
Não reproduzirei todas aqui. Uma que já citei e retomo, é a de que os ligueiros se
venderam por cargos ilegalmente oferecidos na Câmara Municipal. Dos “vereadores
nomeados pelo snr. Olímpio Machado uns não tinham no município dois anos de
323 MARANHÃO. A Revista. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 15 de janeiro de 1848, p 4. 324 MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 8 de dezembro de 1853, p. 3-4. 325 Idem, Ibidem p. 4. 326 MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 22 de dezembro de 1853, p. 1.
97
residência na forma da lei”327. O que isso demonstra? Compreendo que deixam claros os
amplos recursos disponíveis ao presidente da província para angariar apoio político.
Atuando menos na esfera da legislação e mais na esfera do emprego e mobilização da
máquina burocrática provincial (deslocamento de tropas, demissão de empregados,
utilização de recursos), ele conseguia influir na disputa política.
Antes de prosseguir no próximo subitem, acredito que a esta altura da exposição
já seja possível delinear algumas chaves de leitura importantes para o exposto. Ao
narrar as disputas dos grupos políticos maranhenses, acredito ter demonstrado, até o
momento, que eles se dividiam de maneira relativamente clara em três grupos distintos:
os Liberais, com suas divisões internas, predominando um núcleo duro dos Bemtevis
nos debates na imprensa; os Saquaremas, antigos cabanos que, até o final da década de
40, são minoritários na disputa política, apesar da sua voz constante n’O Observador; e
os Ligueiros, conjunção de dissidentes dos dois partidos que, após a década de 40, vai
paulatinamente perdendo a proeminência política. Penso ter evidenciado que esses
grupos, de fato, se organizavam para disputar o poder político provincial. Um ponto
dessa disputa que ainda pretendo aprofundar, mas que, acredito, já foi bastante sugerido,
é a referência constante que todos os envolvidos fazem ao presidente da província.
Ainda que eu também questione a centralidade que certa historiografia deu a essa figura
no jogo político provincial, no caso do Maranhão sua força e influência não podem ser
negligenciadas. A prática de demitir funcionários provinciais para garantir apoio ou
domínio político tem sido uma constante dos discursos nos jornais. Obviamente existem
graus desse uso e não pretendo, neste trabalho, verificar em que medida cada presidente
utilizou os empregos provinciais como recurso de imposição política. Ainda assim, estar
atento a esse expediente permite divisar a capacidade de influência do presidente da
província para além da esfera específica da aprovação das leis votadas pela Assembleia
Provincial, como apontei acima. Sua atuação naquela esfera, assim, não esgota sua
relevância política. Ainda falando especificamente do Maranhão, no período que estudo
há três presidentes que passam extensos períodos na província. O próprio Franco de Sá
passa um ano e quatro meses. Honório Pereira de Azeredo Coutinho, sucessor de
Alvares do Amaral, passa um ano e seis meses. Eduardo Olímpio Machado, em suas
duas presidências (com um breve período de vice-presidência de Pinto de Magalhães),
fica três anos e dez meses no cargo. Ou seja, três presidentes diferentes – um deles
327 MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 15 de dezembro de 1853, p. 3.
98
maranhense – ocuparam o cargo por um pouco mais de seis anos na província, o que era
relativamente incomum.
Franco de Sá gozou de grande influência política no período de sua
administração. Ainda assim, como apontei e espero demonstrar com mais vagar no
próximo capítulo, foi necessário um esforço para aprovar as medidas necessárias pela
sua administração. Segundo os opositores, demissões em massa marcaram sua
administração328. Sublinhá-las, aqui, serve para nos mostrar – novamente – os meios a
disposição e utilizados pelo presidente da província, à época, para realizar sua
administração. Aponta, também, para como a posição do presidente da província, nesse
período, é importante para a existência e manutenção de um partido enquanto grupo
político, ainda que, como veremos no terceiro capítulo, mesmo com todos esses
mecanismos à disposição – ou talvez por isso mesmo – a maioria parlamentar em si não
era demonstração de um comportamento de fidelidade partidária nos termos em que
normalmente ela é compreendida. O custo político para manutenção do grupo, por essas
vias, parece ter sido alto para a Liga Maranhense, que rapidamente se esfacelou, apesar
de ter garantido, talvez pelo prestígio (o que inclui aqui a possibilidade de ter aliados
políticos que garantam apoio – inclusive pela força – mesmo após sua saída da
presidência), sua eleição como Senador. A associação de sua figura como delegado de
governo luzia talvez fosse bravata política, mas a confiar no que foi narrado nos jornais,
sua saída da presidência, ainda assim, garantiu a indicação de um presidente, se não
alinhado à Liga, simpatizante. O que se lê no discurso da oposição é que o sucessor de
Alvares do Amaral diminuiu consideravelmente a capacidade de articulação de seu
recém-fundado partido329. Acredito, no entanto, que outros eventos têm igual
importância, como a morte do próprio Franco de Sá, em conjunção com a dissolução da
Assembleia Geral e a eleição de Ângelo Carlos Moniz ao cargo de senador.
Eduardo Olímpio é um caso similar. Sua força enquanto presidente pode ser
vislumbrada pelos usos que fazia (ou era acusado de fazer) da burocracia provincial.
Diferente de Franco de Sá, ele não buscou estruturar um partido. Isso tem a ver, no meu
ponto de vista, com a história específica dos dois. Franco de Sá era maranhense, então
sua iniciativa de articulação partidária tinha muito mais chances de arregimentar apoio
328 MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 18 de maio de 1849, p. 3-4. 329 Ver a sequência de artigos, acima aludida, intitulada “Traços de uma história contemporânea”. MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 10 de novembro de 1853 a 26 de janeiro de 1854.
99
que a de Olímpio Machado330. Se a história anterior da organização partidária do
Maranhão é de algum valor – e os fatos narrados n’O Observador de qualquer validade
– Franco de Sá foi o único presidente além de Figueira de Mello a tentar realizar uma
administração nesses moldes (quais sejam: partidários). Olímpio Machado, considerado
um conservador, de acordo com o órgão saquarema, não deu atenção a esse tipo de
matiz e privilegiou um método de ação política muito mais clientelístico.
Azeredo Coutinho, por sua vez, traz um viés um pouco diferente para a análise.
Também indicado por um ministério conservador, na avaliação do redator d’A Revista,
este não “podia confiar a administração da província nem a um delegado mais fiel, nem
a um homem mais respeitável e honesto”331. Em abril daquele ano, este periódico
enfatizara a imparcialidade do chefe provincial, pois vinha “até agora se mostrado
neutral entre os partidos, e vai distribuindo justiça com imparcialidade”332. A avaliação
n’O Estandarte não era muito diferente. Considerava, em 1851, o “Snr. Azeredo
Coutinho como um dos mais hábeis administradores”333. Segundo O Observador, O
Progresso, inversamente, acusou o presidente da província de “recrutamento vexatório e
ilegal, como nunca se viu no Maranhão” e de “decisões arbitrárias, apaixonadas e
injustas” sobre as eleições municipais334. Essas acusações eram respostas ao primeiro
artigo d’O Observador, que retorquia um artigo d’O Progresso sobre o presidente da
província afirmando que “vem o Progresso [...] recorrer ao mais indigno de todos os
meios, atribuindo-lhe imaginárias ações, que de propósito inventais”335. Independente
da materialidade ou não dessas acusações, o Argos Maranhense, periódico liberal e
republicano da capital, cujo primeiro número aparece em janeiro de 1851, as ecoou e
aprofundou, atribuindo-lhe o papel de “humilde e subserviente instrumento da
Camarilha”. Prosseguia seu juízo enumerando o seguinte contra a administração de
Coutinho: 330 Nascido na Bahia em 1817 e falecido no Maranhão, no cargo de presidente da província, em agosto de 1855. Doutor em Direito pela Faculdade de São Paulo, foi presidente da província de Goiás antes de ir para o Maranhão. Ele também se licencia do cargo de presidente da província do Maranhão, em 1852, para tomar assento na Assembleia Geral. BLAKE, Sacramento. Dicionário biobliográfico brasileiro, v. 2, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1893, p. 254 e MARANHÃO. A Revista. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 6 de agosto de 1852, p. 1. 331 MARANHÃO. A Revista. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 31 de outubro de 1850, p. 4. 332 MARANHÃO. A Revista. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 23 de abril de 1850, p. 3. 333 MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 5 de abril de 1851, p. 4. 334 MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 29 de abril de 1850, p. 4. 335 MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 20 de abril de 1850, p. 2-3.
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Ameaçou de demissão os deputados da Assembleia Provincial que, sendo Empregados Públicos, ousassem votar pela petição de anistia a favor dos mártires de Pernambuco. Recrutou cega, despótica e violentamente. Fez os seus passeios a bordo do Vapor americano por conta da Nação. Demitiu o empregado público que declarava em documento o objeto desta despesa. Sancionou Leis e nunca as pôs em execução. Demitiu oficiais vitalícios da Guarda Nacional. Destruiu a Diretoria de Obras Públicas. Perseguiu os Empregados da Diretoria e do Tesouro, só por pertencerem ao partido da Oposição. [...] Remunerou com Empregos Públicos os serviços gastronômicos, os benefícios que lhe fizeram336.
Dessa sequência de imputações, a que mais me interessa é que versa sobre a demissão e
remuneração de empregado público. Isto porque, segundo aponta Miriam Dolhnikoff, [o] direito das Assembleias de criar e extinguir empregos provinciais e municipais, bem como o de nomear e demitir empregados, não era questionado e foi plenamente exercido, embora alguns itens específicos como o direito de Assembleias decidirem sobre a aposentadoria de seus empregados, gerasse controvérsia. O controle sobre os empregados provinciais e municipais garantia para a elite provincial capacidade de organizar uma administração pública autônoma e instrumentos para se impor no jogo político clientelista337.
Ou seja, “no que diz respeito aos empregos provinciais e municipais, os deputados
dispunham de ampla margem de ação para favorecer seus apadrinhados, maior inclusive
que o próprio presidente da província”338. Esse caso, portanto, pode ser ilustrativo da
tentativa de um presidente da província de transgredir as suas competências
institucionais. Vejamo-lo.
No expediente governo provincial de 13 de agosto de 1850, reproduzido no
Publicador, lê-se que o “Presidente da Província, tendo em vista o ofício que em data de
13 do corrente lhe dirigiu o Inspetor do Tesouro Público Provincial, Alexandre
Theóphilo de Carvalho Leal, há por bem demiti-lo do referido cargo”. Da mesma
maneira “se fez a Joaquim Moraes de Rego, do emprego de chefe da 1ª seção”339. O
caso contém algumas minúcias. Theóphilo de Carvalho não se considerava demitido,
uma vez que, na sua versão, após os ofícios que precipitaram essa celeuma, “eu
exonerei-me”340. Segundo o redator d’A Revista, o presidente da província exigiu do inspetor do Tesouro uma relação das pessoas que tinham recebido dinheiros para obras públicas e outros objetos. [...] O inspetor não satisfez à exigência do presidente; desculpa-se, porém, com o chefe da 1ª sessão e demite-se do cargo, dando por motivo deste seu
336 MARANHÃO. O Argos Maranhense. Periódicos (1851-52): Biblioteca Nacional (BN), 22 de maio de 1852, p. 1. 337 DOLHNIKOFF, 2005, op. cit., p. 193. 338 Idem, Ibidem. 339 MARANHÃO. O Publicador Maranhense. Periódicos (1842-57): Biblioteca Nacional (BN), 27 de agosto de 1850, p. 1-2. 340 MARANHÃO. A Revista. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 28 de agosto de 1850, p. 4.
101
modo de obrar, que o presidente pretendeu nodoar sua carreira de empregado público, dirigindo-lhe essa advertência 341.
Respondendo às críticas d’O Progresso, o redator d’A Revista escreveu: “quanto às
causas da demissão do Sr. Moraes Rego, [...] acham-se expressas nos ofícios do sr.
Theóphilo, que dizem que muito antes do governo exigir do tesoureiro provincial essa
relação das pessoas [...], a tinha ele exigido do Chefe da 1º seção desde o ano
passado”342. Em 1852, já na administração de Olímpio Machado, O Observador
noticiou que o então presidente reintegrou Joaquim de José Moraes Rego ao Tesouro
Provincial. Noticiou também a apaixonada oposição d’O Estandarte a esse retorno,
“particularmente pelas [...] relações [de Moraes Rego] com o falecido senador Franco
de Sá e por ele ser um dos empregados do tesouro público provincial, que é a Rochella
da má vontade da grei da Estrella”. Essa recondução de cargo, segundo O Observador,
foi também o estopim para “[romper] [...] com ele do modo mais descomedido”. Isto e a
nomeação para o comando do destacamento da Chapada “um capitão Mattos, que
também fora demitido por prevaricador pelo Sr. Azevedo Coutinho”. Este juízo do Estandarte do Sr. Mattos, antigo capitão de polícia [...], [era] em razão de ter sido ele o que denunciou ao ex-presidente Franco de Sá os negros planos de revolta e sedição militar que ela tentou aqui praticar em 1847 quando estava em desabrida oposição com o presidente, e porque foi ele um dos leais apoios com que então se achou o governo da província para conter a facção anárquica343.
Algumas coisas podem ser depreendidas desse episódio. Se, de fato, havia aproximação
entre os liberais da Estrella e o presidente da província, essas demissões podem ser lidas
como os Bemtevis mobilizando sua força política para influenciar o presidente a nomear
funcionários apoiados por seu grupo. Igualmente, estes podem ter sido gestos do
presidente da província buscando apoio mais decidido de um dos três grupos principais
da província. Uma terceira hipótese é a de que o presidente da província estava,
simplesmente, seguindo suas atribuições. Por óbvio, esta última não exclui
automaticamente nenhuma das outras duas. Sobre suas atribuições, a lei n.40 de 1834
previa que ele deveria “exercer sobre as Tesourarias Provinciais as atribuições
conferidas pela Lei de 4 de outubro de 1831, que organizou o Tesouro Nacional”344.
Nessa lei, lê-se:
341 Idem, Ibidem. 342 MARANHÃO. A Revista. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 11 de setembro de 1850, p. 4. 343 MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 6 de agosto de 1852, p. 1. 344 BRASIL. Coleção das Leis do Império. Lei Nº 40 de 3 de outubro de 1834, p. 54.
102
Art. 51. O Inspetor de Fazenda de Província é o Chefe da Tesouraria de Província, e que diariamente despachará os negócios do expediente. Estes Inspetores serão propostos pelo Tribunal do Tesouro, sobre informação do Inspetor Geral, e só serão amovíveis por proposta motivada do mesmo Inspetor Geral, precedendo informação do Presidente da Província em Conselho, e audiência do Inspetor, que se houver de amover345.
Ou seja, segundo a lei, o presidente não poderia demitir o Inspetor do Tesouro
Provincial (e, segundo o próprio Theóphilo, tecnicamente, isso não ocorreu). Sobre a
demissão do Sr. Mattos, o inciso 4º do artigo 5 estabelece como uma das competências
do presidente a de “dispor da força a bem da segurança e tranquilidade da província”.
Nesse sentido, o que se configurou, a meu ver, foi um uso talvez um pouco estendido
das atribuições da presidência, mas não exatamente abusos do grau propalado por seus
adversários. Compreendo, então, que isso significa que as atribuições (limitadas?) do
presidente da província também estavam à baila enquanto recurso na disputa política,
mas dessa vez à revelia da Assembleia. Essa talvez possa parecer uma afirmação forte, e
eu não a entendo como caracterizando um presidente que usa todos os meios à sua
disposição para influir na disputa política e realizar sua administração. O que quero
dizer é que, diferente de Olímpio Machado, o qual, segundo os relatos, utilizou os
recursos provinciais para estabelecer maioria legislativa e aprovar seu projeto de
aumento das despesas provinciais, o caso de Azeredo Coutinho indica usos da
presidência da província que poderiam lhe garantir apoio de um grupo político sem,
necessariamente, envolvimento com os deputados provinciais (ou mesmo contra eles,
caso ele tivesse apoio minoritário na Assembleia, o que não pude verificar). Sendo o
Tesouro, de fato, a Rochella346 dos Bemtevi, e a julgar pelas suas atribuições347, essa se
torna uma possibilidade factível. O fato d’O Estandarte ter mantido uma postura
comedida em relação Eduardo Olímpio Machado até que ele sinalizasse, a partir de suas
ações na presidência, como procederia no que concerne os partidos locais e sua
organização, também é um indício nessa direção348.
Tendo tudo isto em vista, acredito que o importante de reter, neste momento, é
que mesmo na ausência de uma demonstração sistemática do comportamento partidário-
legislativo dos políticos de cada partido, ligueiros, saquaremas e bem-te-vis se 345 BRASIL. Coleção das Leis do Império. Lei de 4 de outubro de 1831. 346 Acredito ser uma referência aportuguesada ao Cerco de La Rochelle, último refúgio dos huguenotes contra as investidas dos católicos. Cf. MIQUEL, Pierre. Les guerres de religion. Paris: Fayard, 1980. 347 “Serão subordinadas ao Tribunal do Tesouro Nacional, e destinadas para a administração, arrecadação, distribuição, contabilidade, e fiscalização de todas as rendas públicas da Província”. Idem, Ibidem, grifo meu. 348 Cf. MARANHÃO. O Argos Maranhense. Periódicos (1851-52): Biblioteca Nacional (BN), 2 de julho de 1852, p. 1-3.
103
compreendiam como membros de partidos que agiam a partir de um projeto (político,
ideológico, de poder), e essa compreensão tinha efeitos reais, senão na aprovação das
leis, pelo menos na posição dos grupos políticos em relação aos outros grupos que
disputavam o poder na Assembleia Provincial (e não só nela).
2.4 Ainda o presidente: anulações e fraudes nas eleições
Os jornais referiram os fatos cada um segundo convinha ao seu partido; os da oposição afearam a catástrofe de Sangra-Macacos; os do governo disseram que o destacamento, apenas de quatro homens, não fizera mais do que repelir os desordeiros que haviam acometido o quartel para se apoderar do armamento [...]349.
Em 1842, o primeiro ano o qual analiso, não há registro de atividades nas Atas,
nem há o Relatório do Presidente da Província à Assembleia Provincial, indicando que
não houve, naquele ano, atividade legislativa. A correspondência da Assembleia com o
presidente da província, no entanto, mostra algo diferente, uma vez que os deputados
reuniram-se no período para tomarem decisões mais que rotineiras.
A primeira comunicação advinda das correspondências é a que enfatiza a
necessidade de reparos ao Paço da Assembleia Legislativa350, requerimento amparado
no artigo 226 do regimento interno351. Os reparos, segundo o ofício, eram necessários à
realização das sessões da Assembleia Provincial. Um ofício posterior, assinado por
alguns deputados, nos informa que, segundo o art. 2 do regimento interno352, as sessões
preparatórias não poderiam ser realizadas, pois não havia maioria absoluta dos
deputados353. Informação relevante, no entanto, aparece apenas no ofício seguinte, já em
349 LISBOA, João Francisco. Jornal de Timon: Partidos e eleições no Maranhão. In: LEAL, Antônio Henriques (org.). Obras de João Francisco Lisboa. (Primeira edição em 1852). Vol. I. São Luís: Typ. de B. de Mattos, 1864, p. 322. 350 MARANHÃO, Ofício de José Lopes (primeiro secretário da Assembleia) de 2 de outubro de 1842. Correspondência da Assembleia Legislativa à Presidência da Província. Setor de avulsos, 1841-1850. Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM). 351 “No intervalo das Sessões a mesma Comissão [de Polícia], ou algum de seus membros, que ficar na Capital se encarregará do Governo e Inspeção do Paço da Câmara, distribuindo para este fim as ordens necessárias ao Porteiro, e dando as mais providências que as circunstâncias exigirem”. MARANHÃO, Artigo 226. Regimento Interno da Câmara dos Deputados da Assembleia Legislativa Provincial do Maranhão, Biblioteca Pública Benedito Leite (BPBL), p. 34. 352 “Reunidos os Deputados, e verificando-se o número suficiente para haver sessão, isto é metade e mais um sendo para o primeiro ano da Legislatura, nomearão por aclamação interinamente um Presidente, e dois Secretários, os quais logo tomarão na mesa seus respectivos lugares”. MARANHÃO, Art. 2 Regimento Interno da Câmara dos Deputados da Assembleia Legislativa Provincial do Maranhão. BPBL, p. 3. 353 MARANHÃO, Ofícios de 31 de outubro de 1842. Correspondência da Assembleia Legislativa à Presidência da Província. Setor de avulsos, 1841-1850. Arquivo Público do Estado do Maranhão
104
dezembro, no qual os deputados resolvem terem sido “monstruosas e nulas as eleições
de 1841, e que, portanto deve-se proceder a uma Eleição legal, conforme o parecer”354.
Não pude encontrar, no ordenamento jurídico355, nenhuma referência à anulação das
eleições por parte dos Legislativos Provinciais neste período. De fato, a bibliografia
enfatiza dois momentos: o primeiro, dos largos poderes do juiz de paz356, aliado ou não
com os potentados locais (fazendeiros, donos de terra, senhores de engenho)357; e o
segundo, da diluição de suas funções policiais e judiciárias. Em ambos, a Junta e/ou
Mesa, incumbida(s) da função de qualificação dos eleitores – e, caso necessário, das
recorrentes fraudes eleitorais – era(m) responsabilidade do juiz de paz da localidade, o
que dava ao último grande importância no processo eleitoral. De fato, como notei
anteriormente, a força provincial considerada encarregada de construir arranjos
satisfatórios entre as facções que disputavam o pleito era o Presidente da Província358.
O motivo avançado para o pedido de anulação, pela Comissão de Poderes, foi a
discrepância entre o número de votos e o número de eleitores, pois dos vinte e dois membros eleitos da Assembleia Provincial, o primeiro aparece com quatro mil setecentos e setenta e um [4.771] e o último com dois mil quatrocentos e sessenta e oito votos [2.468]: isto é, foram eleitos por um número de votos que não é, nem poderia ser, o número de eleitores da Província do Maranhão359.
Com uma população de no máximo trezentos mil habitantes360, ainda segundo a
Comissão de poderes, não poderia haver mais que 600 eleitores na província. “Das duas
(APEM). Assinaram o ofício os deputados Antônio Raimundo Franco de Sá, José Miguel Pereira, Francisco Leal, Antônio Jansen do Paço, Francisco Mariano, José Martins Ferreira, Joaquim José Viana, Estevão Rafael de Carvalho, José Sanches e mais um de nome ilegível. 354 MARANHÃO, Ofício de 7 de dezembro de 1842. Correspondência da Assembleia Legislativa à Presidência da Província. Setor de avulsos, 1841-1850. APEM. 355 BRASIL, Lei eleitoral de 1º de outubro de 1828; Código de Processo Criminal, Lei nº 261, de 3 de dezembro de 1841; Constituição política do Império, Ato Adicional e Lei de Interpretação do Ato Adicional. Coleção das Leis do Império (CLI). BRASIL, Código Criminal do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Casa de A. G. Guimarães, 1860. 356 Até ser esvaziado de grande parte de suas atribuições com o ato adicional e a reforma do Código de Processo. Ver FARIA, Regina Helena Martins de. Em nome da ordem: a construção de aparatos policiais no universo luso brasileiro (Séculos XVIII e XIX). Tese (Doutorado) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007, p. 62-77; COSER op. cit. e passim; FLORY, op. cit. e passim. 357 GRAHAM, op. cit e passim. 358 Ibidem, p. 131-132. 359 MARANHÃO. Fala da Assembleia Legislativa Provincial do Maranhão de 21 de novembro de 1842. Assinaram este ofício: Estevão Rafael de Carvalho, Francisco Correia Leal e José Thomas dos Santos e Almeida. Correspondência da Assembleia Legislativa à Presidência da Província. Setor de avulsos, 1841-1850. Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM), p. 1. 360 O presidente da província esboça, em 1841, baseado no trabalho de Manoel José de Medeiros, o número de “duzentas e sete mil almas”, ainda que não lhe pareça “número exato [pois] a classe de escravos [possui] número muito mais avultado”. MARANHÃO. Presidência da Província. Relatório do
105
uma: ou a província tem oito vezes mais eleitores do que deveria ter, ou os eleitos
tiveram oito vezes mais votos do que deveriam ter”361. Afastado o primeiro caso, a
Comissão não poderia levar “matéria tão transcendente” para consideração da plenária
provincial, pois era “privativa do conhecimento da Assembleia Legislativa do
Império”362. Se considerarmos a informação de um coetâneo como César Augusto
Marques que, escrevendo em 1870, afirma que os dois distritos do Maranhão possuíam
842 eleitores363, de fato a primeira possibilidade parece extravagante.
A recomendação em relação à “Assembleia Legislativa do Império” também
carrega consigo certa peculiaridade. Ninguém menos do que Bernardo Pereira de
Vasconcelos364 asseverava: [...] o nobre deputado citou uma portaria dirigida ao presidente da Paraíba; e não sei também se se lembrou de outra dirigida ao presidente de Sergipe, nas quais o governo mandava que apurassem as eleições a que ali se havia procedido, e que se remetessem todas as atas para serem presentes à Câmara dos snrs. Deputados. Não sei como desta portaria pôde o nobre deputado concluir que o governo se considerava com direito de aprovar ou de reprovar eleições feitas365.
Outrossim, os deputados maranhenses retomam o pleito de 1838 para justificar a
recomendação de anulação, quando uma “turbulenta e vertiginosa minoria [...] pesou
tiranicamente sobre esta Província pacífica levando-a à anarquia, ou à nulidade da
eleição”. Esta teria sido a escolha oferecida à maioria de então – que acatou a anulação
da eleição, tendo em vista a outra opção – e que dessa vez estaria sendo recomendada
como um exemplo de “moral e de resignação a todos os partidos”366.
presidente da província, o sr. João Antônio de Miranda, na abertura da assembleia legislativa provincial, no dia 3 de julho de 1841. Maranhão: Tip. Const. de I. J. Ferreira, 1843. p. 38. 361 MARANHÃO. Fala da Assembleia Legislativa Provincial do Maranhão de 21 de novembro de 1842. Correspondência da Assembleia Legislativa à Presidência da Província. Setor de avulsos, 1841-1850. Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM), p. 1. 362 Idem, Ibidem. 363 MARQUES, César Augusto. Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão. Maranhão: Tipografia do Frias, 1870/Rio de Janeiro: Fonfon e Seleta,1970, p. 248. 364 Lobarinhas, que segue a análise de Ilmar Rohloff, o considera “um dos principais intelectuais orgânicos dos Proprietários de Terras e Escravos, fração de classe que compunha, com os Negociantes, o bloco no poder no Império do Brasil. Esta trajetória se confunde, em muitos aspectos, com o próprio processo de construção do Estado Imperial. Grande pensador do Regresso Conservador, Vasconcelos foi Deputado Geral, Senador, Ministro de diversas pastas e membro do Conselho de Estado, tendo assim passado pelos principais cargos existentes”. LOBARINHAS, Théo Piñeiro. Bernardo Pereira de Vasconcelos e a construção do Império. Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica Rio de Janeiro: vol. 6, n. 3, setembro-dezembro, 2014, p. 415. 365 BRASIL, Discurso na Câmara dos Deputados, Sessão de 19 de maio de 1838 de Bernardo Pereira de Vasconcelos. In: CARVALHO, José Murilo. (Org.). Bernardo Pereira de Vasconcelos. São Paulo: Ed. 34, (Coleção Formadores do Brasil), 1999, p. 247. 366 MARANHÃO. Fala da Assembleia Legislativa Provincial do Maranhão de 21 de novembro de 1842. Assinaram este ofício: Estevão Rafael de Carvalho, Francisco Correia Leal e José Thomas dos Santos e
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Dessa maneira, é digno de nota que a resolução feita pela Assembleia Provincial
do Maranhão seja muito similar a um artigo da Lei eleitoral promulgada quatro anos
depois; especificamente, o artigo 121367: Os Presidentes das Províncias remeterão a Câmara dos Deputados, por intermédio do Governo, copias autênticas das Atas da eleição de Eleitores de todas as Freguesias das respectivas Províncias, e a Câmara dos Deputados decidirá, na ocasião da verificação dos Poderes de seus Membros, da legitimidade dos mesmos Eleitores. Os Eleitores, que assim forem julgados válidos, serão os competentes, durante a Legislatura, para procederem a qualquer eleição de Deputados, os Membros das Assembleias Provinciais. Se a Câmara dos Deputados anular a eleição primária de qualquer Freguesia, proceder-se-á a nova eleição, cuja Ata será igualmente remetida à mesma Câmara, para deliberar sobre a sua legitimidade.
Em 1843 há nova eleição368. Não é possível precisar se o pleito ocorreu por respeito à
resolução da Assembleia Provincial ou, simplesmente, porque findava a legislatura
anterior. É importante lembrar que em 1842, a futura Câmara Geral foi dissolvida antes
mesmo de ser empossada, e uma nova legislatura foi convocada para novembro daquele
ano369.
Essa convocação nos remete a outro acontecimento, no mesmo período. Na lavra
dos “amigos da ordem”, o ano de 1842 ainda foi marcado por um evento “inteiramente
fantástico”: o triunfo obtido nas eleições daquele ano para a Câmara Geral. Pela leitura das peças oficiais, representações, e dos artigos das folhas da época que servem de esclarecer esta importante matéria, pode a Câmara dos Srs. Deputados, e o público ilustrado conhecer se são verdadeiros e legítimos deputados pela província do Maranhão os Srs. Dr. J.A. de Miranda, Dr. V. J. de Lisboa, M. Jansen Pereira e J. Franco de Sá.
Na perspectiva dos ordeiros, essa vitória foi urdida por uma “facção anárquica e egoísta,
apoiada no presidente da província, o Dr. Venâncio José Lisboa, e no chefe de polícia, o
Desembargador José Mariani”370. Naquele ano, a província do Maranhão ainda estava
Almeida. Correspondência da Assembleia Legislativa à Presidência da Província. Setor de avulsos, 1841-1850. Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM), p. 4. 367 BRASIL, Lei nº 387, de 19 de Agosto de 1846. CLI. 368 Publicador Maranhense (01/04/1843), BPBL. 369 Cf. JAVARI, Barão de. Organizações e Programas Ministeriais: Regime Parlamentar no Império. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça e Negócios Interiores/Arquivo Nacional, 1962, p. 84-85 e BARMAN, Roderick J. Brazil: the forging of a nation, 1798-1852. Stanford University Press Stanford: California, 1988, p. 214. Isso torna a verificação particularmente difícil, considerando que “Art. 4º A eleição destas Assembleias far-se-á da mesma maneira que se fizer a dos Deputados á Assembleia Geral Legislativa, e pelos mesmos eleitores; mas cada Legislatura Provincial duraria só dois anos, podendo os membros de uma ser reeleitos para as seguintes”. BRASIL. Lei de 12 de agosto de 1834 (Ato Adicional). CLI. 370 Advertência. In: As eleições da Província do Maranhão em 1842, sob a presidência do Dr. Venâncio José Lisboa. Rio de Janeiro: Typographia Americana de I. P. da Costa, 1843.
107
às voltas com os efeitos da “Guerra da Balaiada”371. A narrativa deste evento, assim
como outras narrativas já discutidas no capítulo anterior, se remete à centralidade do
presidente da província e ao seu desejo de “ser deputado”. Venâncio José Lisboa,
“chegando ao Maranhão em 23 de junho, foi do melhor recebido por todos os amigos da
ordem [...], ao mesmo tempo em que do lado contrário se observava a maior frieza pelo
desapontamento que tinham sofrido, não vindo o desejado, o Dr. João Antônio
Miranda”. Não obstante sua recepção positiva, “os atos desse presidente bem depressa
destruíram as esperanças dos cidadãos bem intencionados; e se não foi o Sr. Miranda,
outro ainda, e mil vezes pior, foi mandado, como por castigo”. O presidente, guiado por Franco de Sá (que quer a todo custo sustentar um feudo em Alcântara, na sua família), e, acreditando em tudo quanto este bom moço lhe dizia, S. Exc., apesar do mau recebimento dos Jansens, fez-lhe boa cara, e foi subscrevendo a tudo; o que prometia aos amigos da ordem, faltava no dia seguinte; finalmente anuiu à nomeação do louco Estevão Rafael Carvalho, porque este pretendia ser candidato, e cedia a sua pretensão pelo lugar de inspetor do tesouro, sob pena de promover uma rusga em Viana: o presidente optou entre a rusga e a inspetoria – o louco foi nomeado inspetor!!! Obrigado a dar estes passos pelos Jansens, S. Exc., vendo-se abandonado pelos partidos da ordem, entregou-se abertamente depois nos braços da facção para vencer as eleições; todos os abusos imagináveis foram postos em prática. Em quase toda a província, a partir da capital, as juntas de qualificação, organizadas debaixo de tais influências de delegados e subdelegados do famoso chefe de polícia, o Des. José Mariani, cometeram excessos de toda a qualidade; e em Alcântara, para melhor arranjo, não houve tal junta de qualificação; o que muito prova a legítima influência que gozam os parentes do senador Costa Ferreira naquela cidade372.
Mathias Röhrig recorda que em 1838, como apontado acima, foi uma eleição fraudada
que assegurou maioria absoluta dos cabanos na Assembleia Legislativa Provincial.
Desse modo, o partido com maioria numérica estava alijado do poder (o Bemtevi). A lei
dos prefeitos e o uso do recrutamento compulsório como arma política para perseguir
opositores precipitou os conflitos que, no interior, ajudaram a eclodir a Balaiada. O
presidente da província de 1839, Manuel Felizardo de Souza e Melo, ainda segundo ele,
tentou buscar uma solução conciliadora entre os dois partidos, mas, sem apoio na
Assembleia, não tinha como revogar a lei dos prefeitos, proposta apoiada por Franco de
371 “[No] [...] Brasil regencial, revoltas sociais, como a Balaiada, enfrentaram um Estado imperial que se constituía fundado sobre conexões ambíguas entre as duas esferas [guerra e política], como se o monopólio da violência se fizesse sem separar seu emprego como “meio” e como “fim”. O aparelho repressor, à semelhança de um Estado policial, combinou em si faces da guerra e da política”. SOARES, Flávio José Silva. No avesso da forma: apontamentos para uma genealogia da Província do Maranhão. Tese (Doutorado em História) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco. Recife. 2008, p. 330. 372 Artigo da “Sentinella” publicado no Rio de Janeiro – As eleições do Maranhão. In: As eleições da Província do Maranhão em 1842, sob a presidência do Dr. Venâncio José Lisboa. Rio de Janeiro: Typographia Americana de I. P. da Costa, 1843, p. 51.
108
Sá (que buscou “acusar seu rival no partido, João Lisboa, de conivência com a
Rebelião”373). Sotero dos Reis, líder do partido cabano, infenso à proposta, asseverou
“que a única solução contra “esses facínoras” era militar”374. Retomo estes eventos,
aqui, para enfatizar que as ações de 1842 estão diretamente ligadas com os
acontecimentos políticos pregressos. Até onde pude verificar, essa é uma das primeiras
tentativas, nesta década, do grupo capitaneado por Franco de Sá e pelos Jansens de
reestabelecer a influência liberal via eleições. Isto ocorre logo após o fim da Balaiada,
quando Lima e Silva retomou o controle da província (numa conjunção da
desarticulação do movimento no interior e campanhas militares bem sucedidas).
Representações contra o pleito de 1842 abundaram. Vieram de eleitores da
Freguesia de N. S. da Vitória, em São Luís, de Codó e São Bento; do Juiz de Direito
interino de Alcântara, Francisco Mariano de Viveiros; dos Vigários José Manuel da
Cruz, Francisco de Barros Cardoso Lima, Padre José Lourenço Bogéa, Padre Joaquim
Felix da Rocha e Raimundo D’araújo Cantanhede de Guimarães; respectivamente de
Viana, Mearim, Rosário e Icatu. A Província do Maranhão, em 1849, tinha 41
freguesias375, com 26.463 votantes. Estava dividida em 9 comarcas que englobavam 22
municípios. O processo eleitoral teve uma regulamentação mais minudenciada em 1846,
fruto das disputas recorrentes do início da década de 40, disputas que consagraram a
alcunha de “eleições do cacete”. No primeiro artigo dessa lei, lê-se: Art. 1º Na terceira Dominga do mês de Janeiro do ano, que primeiro se seguirá promulgação desta Lei, far-se-á em cada Paróquia376 uma Junta de Qualificação, para formar a lista geral dos Cidadãos, que tenham direito de votar na eleição de Eleitores, Juízes de Paz, e Vereadores das Câmaras Municipais377.
373 ASSUNÇÃO, Mathias Röhrig. A guerra dos Bem-te-vis: a balaiada na memória oral. São Luís: EDUFMA, 2008, p. 20-22. 374 Idem, Ibidem, p. 22. 375 “Freguesia: Circunscrição eclesiástica que forma a paróquia; sede de uma igreja paroquial, que servia também, para a administração civil; categoria oficial institucionalmente reconhecida a que era elevado um povoado quando nele houvesse uma capela curada ou paróquia na qual pudesse manter um padre à custa destes paroquianos, pagando a ele a côngrua anual; fração territorial em que se dividem as dioceses; designação portuguesa de paróquia”. SÃO PAULO. Definição de áreas segundo o Instituto Geográfico Cartográfico (1995). Portal de Estatísticas do Estado de São Paulo. Disponível em: http://produtos.seade.gov.br/produtos/500anos/index.php?tip=defi Acesso em 20 de junho de 2016. 376 “Paróquia: Termo proveniente do grego para-oikia, ou seja, aquilo que se encontra perto ou ao redor da casa (supõe-se "do Senhor", ou seja, da Igreja); determinada comunidade de fiéis, constituída estavelmente na Igreja particular, cujo cuidado pastoral é confiado ao pároco como a seu pastor próprio, sob a autoridade do Bispo diocesano; divisão eclesiástica governada por um pároco ou cura; originária e essencialmente de significado espiritual adquiriu, desde o início, significado também material, tendo se integrado ao processo administrativo, como pessoa moral de direito público; nasceu da conjugação de dois fatores: um de caráter espiritual, outro tributário, que exigia a delimitação territorial; equivalente à freguesia”. Idem, Ibidem. 377 BRASIL, Lei nº 387, de 19 de Agosto de 1846. CLI.
109
QUADRO 1 – DEMONSTRATIVO DO NÚMERO DE CIDADÃOS QUALIFICADOS VOTANTES NAS DIFERENTES FREGUESIAS DA PROVÍNCIA DO MARANHÃO378.
378 MARANHÃO. Presidência da Província. Relatório do presidente da província, o sr. Honório Pereira de Coutinho, na instalação da assembleia legislativa provincial, no dia 7 de setembro de 1850. Maranhão: Tip. Const. de I. J. Ferreira, 1850, anexos, p. 12.
110
No princípio da década de 40, procedimento similar já era seguido. A julgar pela
distribuição geográfica das denúncias de fraude e intimidação (em municípios de 6 das
9 comarcas), é difícil não observar a amplitude e certa capilaridade provincial do grupo
vencedor. As petições nos deixam entrever sua atuação. Vejamo-las com mais vagar.
Na representação dos Paroquianos da Freguesia de N. S. da Vitória, o dia 11 de
setembro “foi um dia de luto”. Naquela data, “o chefe de polícia, que tinha à sua
disposição toda a força de linha que existia na capital, mandou, para guardar as
aparências, postar nos largos do Carmo e S. João dois corpos de guarda”. Na Sé, matriz
da cidade, para onde se dirigiam os cidadãos ativos da paróquia, havia uma “reunião de
gente da mais ínfima classe, que se achava de propósito postada em diversos lugares
para vedar o ingresso no templo os [...] que pertenciam ao partido da ordem”. Para
evitar sua entrada, “empregavam-se a princípio admoestações onde se revelavam o
escárnio e insulto, e em seguida a violência e as vias de fato [...]; grupavam-se muitos
indivíduos em torno de qualquer pessoa que supunham ser-lhe oposta e a expeliam para
fora”. Daí passaram a “excluir da comissão eleitora os cidadãos que saíam sorteados, e
que não pertenciam ao credo Bemtevi”. Enfim, “só depois de quase vazia a urna e com
todas estas abusivas precauções conseguiu a facção anárquica, patrocinada pelo
presidente e pelo chefe de polícia, um sorteamento a seu bel prazer”. Essa representação
foi dirigida aos “Augustos e Digníssimos Representantes da Nação”, e ansiava que
assegurassem “um religioso respeito pelo voto espontâneo e livre do cidadão” 379.
A representação de Alcântara, por sua vez, se refere às duas listas (a de fogos380
e a de votantes) da cidade. Segundo Francisco Mariano de Viveiros, as listas foram
fixadas “sem previamente ter se reunido, e nem constando que houvesse reunião da
junta em alguma coisa particular”. Reconhece, no entanto, “conquanto não determine
explicitamente o citado decreto que a reunião da junta para a formação das listas seja
em lugar público, contudo o espírito da lei é esse, e a prática o comprova”. Pede, então,
providências ao presidente da província uma vez que “não foi isenta de abusos a lista
dos votantes e elegíveis”381. Em Guimarães, por outro lado, o vigário José Manuel da
Cruz, não vendo necessidade de reunir a junta a não ser em caso de alguma reclamação
379 Representação dos Paroquianos da Freguesia de N. S. da Vitória da Cidade do Maranhão. In: As eleições da Província do Maranhão em 1842, sob a presidência do Dr. Venâncio José Lisboa. Rio de Janeiro: Typographia Americana de I. P. da Costa, 1843, p. 5-7. 380 O número de casas ou famílias de uma cidade. 381 Oficio do Juiz de Direito ao Sr. Venâncio José Lisboa. In: As eleições da Província do Maranhão em 1842, sob a presidência do Dr. Venâncio José Lisboa. Rio de Janeiro: Typographia Americana de I. P. da Costa, p. 11-12.
111
contra a lista, seguiu “pois para a fazenda de Jenipaúba, distante desta vila duas lagoas.
[...] Voltando no mesmo dia, e procurando no imediato reunir-me em junta”, Manuel da
Cruz “soube que aproveitando-se os outros dois membros de minha ausência, e no curto
espaço de duas horas, haviam [...] admitido como votantes a mais de 50 indivíduos”. Ele
conclui que tal inclusão só poderia ser fruto de uma reunião noturna na casa do juiz de
paz, “chefe de um partido, e coadjuvado por um subdelegado do distrito, Antônio
Praxedes Cordeiro, que não é menos influente”, e que “negaram-se a todas as
informações e diligências especiais que eu requeri para mostrar que nenhum daqueles
intrusos estava nas circunstâncias de votar”. Aguardando do presidente da província
uma decisão da “virtude contra o vício”382, ele encerra sua reclamação. As outras – não
poucas – representações seguiam expediente similar.
Jeffrey Neddell afirma que “a relação entre tal política nacional e aquela das
províncias é obscura, mas é provavelmente melhor compreendida precisamente em tais
termos oportunistas”383. Aqui ele está se referindo ao fato do golpe da Maioridade ser
considerado pela historiografia como uma “conspiração Liberal”, quando de fato teria
sido muito mais uma trama da oposição, uma combinação de vários atores políticos sem
identidade ideológica. Nessa perspectiva, alianças personalistas derrubaram os
regressistas, levaram o rei ao trono e retomaram o poder. A relação é obscura porque,
para Neddell, a chave de leitura dos eventos do começo da década é a de que “o que
estava claramente em jogo em abril 1840 não era apenas qual partido estava no poder,
mas qual se entrincheiraria lá por meio da influência eleitoral a partir da Corte”384.
Assim, o caso de Pernambuco, onde houve apoio dos liberais radicais da província aos
regressistas do Rio na condução da discussão da Lei de Interpretação do Ato Adicional,
se explicaria pelo interesse de enfraquecer a liderança liberal moderada no centro e, por
conseguinte, na província. O caso do Maranhão, exposto acima, apresenta expectativas
diferentes. Neste, o movimento do governo imperial (a definição do presidente da
província) era considerado central para reiterar o estado de coisas previamente
alcançado na política provincial. Roberto Saba sustenta que as eleições para a
legislatura que começariam em 1842 ficaram sob o controle do Gabinete Maiorista,
controle este que suscitou viva polêmica no parlamento durante todo o ano anterior,
pois o retorno dos regressistas ao Executivo 382 Representação do Vigário José Manuel da Cruz. In: Idem, Ibidem, p. 13-14. 383 NEEDELL, Jeffrey. The Party of Order. The Conservatives, the State, and Slavery in the Brazilian Monarchy, 1831-1871. Stanford: Stanford University Press, 2006, p. 84. 384 Idem, Ibidem, p. 83.
112
contribuiu muito para a crítica ao processo eleitoral conduzido pelos maioristas; entretanto, o divórcio entre os dois partidos na esfera parlamentar teve como combustível um grupo significativo de petições que, entre o final de 1840 e o início de 1841 (ou seja, antes mesmo da troca de ministérios), chegou à Câmara dos Deputados385.
São petições similares às que expus aqui, mas voltadas mais à interferência da
Assembleia Provincial (ainda que, via de regra, também relacionadas ao presidente da
província). Apesar das petições maranhenses não se remeterem imediatamente ao
mesmo contexto (os debates entre maioristas e regressistas ocorreram em 1841, as
eleições maranhense foram em 1842), elas são de interesse para nossa narrativa porque
situam os questionamentos das eleições numa esfera mais ampla. Para Saba, num
período em que se “buscava estabilizar no Brasil o regime representativo, a voz dos
representados ganhava um valor inestimável. As petições funcionavam como
instrumentos de disputas políticas justamente porque estavam em consonância com os
princípios do regime”386. Por outro lado, ele afirma que apesar do efeito sensível das
petições nos rumos da política nacional, entre 1842 e 1844 foi pequeno o número de
petições sobre fraudes eleitorais endereçadas ao governo central. Sua hipótese é que
“talvez, o fato dos maioristas terem se ausentado do pleito após a dissolução explique
a ausência das denúncias”387. Quiçá também por esta razão – e pelo fato de um dos
eleitos ter sido o presidente da província – não tenham surtido efeito as reclamações dos
peticionários maranhenses e tenha se mantido incólume a deputação maranhense na 5ª
legislatura da Câmara Geral. Ainda assim, a repercussão das petições foi tamanha a
ponto de ensejar uma reforma eleitoral ampla, gestada em 1845, amparada e ecoando os
pedidos e anseios de eleições sem interferência de nenhum poder.
Se observarmos apenas a legislação eleitoral produzida pelo governo central
entre 1846 e 1850388, será difícil negar o esforço empreendido para regulamentar as
eleições. Esse esforço, no entanto, dependia das autoridades locais para que se tornasse
efetivo. Em 1847, no Maranhão, uma dessas autoridades, o presidente da província,
385 SABA, Roberto Nicolas P. Ferreira. As vozes da Nação: a atividade peticionaria e a política do início do Segundo Reinado. São Paulo: Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em História Social - USP, 2010, p. 67. 386 Idem, Ibidem, p. 77. 387 Id., Ibid., p. 103. 388 BRASIL, Lei nº 387, de 19 de Agosto de 1846; Decreto nº 480 de 24 de Outubro de 1846; Decreto nº 484 de 25 de Novembro de 1846; Decreto nº 500 de 16 de Fevereiro de 1847; Decreto nº 503 de 20 de Fevereiro de 1847; Decreto nº 511 de 18 de Março de 1847; Decreto nº 583 de 18 de Fevereiro de 1849; Aviso nº 168 de 28 de Junho de 1849; Decreto nº 565 de 10 de Julho de 1850. JUNIOR, Augusto Teixeira de Freitas. Legislação Eleitoral do Império do Brasil. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1881.
113
estava envolto numa denúncia: Joaquim Franco de Sá foi acusado pela oposição de
forjar uma conspiração. Segundo o redator d’O Observador Quando os ligueiros do interior apresentavam-se pedindo mudanças e nomeações de cargos de polícia, S. Exc. que suposto tinha torcido, invertido e calcado muitas leis, não ousou usurpar a atribuição do chefe de polícia, de propor delegados e subdelegados, coisa que prometia a todos que tivessem paciência, que tudo se afinaria depois de 25 de Outubro, que era quando pretendia suspender o chefe de polícia e fazer as nomeações. [...] Com efeito, o dia das promessas passava-se, e o chefe de polícia não dava ensanchas para tal suspensão [...]. Era, portanto, de rigorosa necessidade [...] fazer favores, e eis que na noite de 26 de Outubro rebentou o magno segredo da tal conspiração, sedição ou aliciação na quais, assevera o verídico Publicador, se acham envolvidos os nomes de alguns indivíduos da oposição.
De posse dos “grandes e irrefragáveis documentos em que se baseiam o nossos cômicos
políticos para caluniarem a oposição”, o redator se propôs a examinar os fatos. Ele
observava que o Capitão Joaquim Lopes de Mattos, comandante interino da polícia,
“depois de ter conhecimento do fato, de seu motu próprio, sem dar parte às autoridades
policiais, mandou dois soldados da sua confiança à casa do aliciador – Manuel Antonio
Gomes da Costa”, para o prenderem à noite, algo que “a lei tal não permite”. Informou
o ato no dia 27 de Outubro ao presidente da província (“e nem uma palavra mandou
dizer ao chefe de polícia”). Contudo, “no dia 26 pelas 9 horas da noite o sr. Franco de
Sá (adivinhando talvez) ordenou que seu parente o Snr. Henrique Guilhon, subdelegado
não do 2º distrito, onde mora o aliciador, mas do 1º, fosse interrogar a este”. Assim,
Gomes da Costa “vomitou tudo quanto sabia!!”. Pelo que se lê nos ofícios dos Srs. Mattos e Guilhon, a sedução consistia em dispor os soldados para não fazerem fogo aos bemtevis no dia das eleições se o governo empregasse a força, e desertarem para o grupo bemtevi, para o que tinham 58 por cabeça, fazendas, proteção, etc. etc389.
A existência mesma dessa “conspiração famosa” teria justificado que Franco de Sá
mandasse “com todo mistério descer do quartel do campo d’Ourique para o palácio
todas as peças de artilharia, das 2 para 3 horas da madrugada, para trazer assustada toda
a população desta cidade!”390. Isso tudo preveniria a oposição das intenções funestas do
presidente da província no 7 de Novembro, data da eleição.
O Observador dedica boa parte das suas edições subsequentes à denúncia das
“torpezas desta imoral e ominosíssima administração” nas eleições. Na sua versão dos
acontecimentos, “só nos consta que se empregara força militar governando o sr.
Antônio Pedro da Costa Ferreira (Barão de Pindaré) [...]; hoje seu digno sobrinho a
389 MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 3 de novembro de 1847, p. 3. 390 Idem, Ibidem, p. 4.
114
aproveita da pior forma”. O primeiro desses abusos foi a convocação da Guarda
Nacional em 7 de Outubro, quando no dia 5 do mesmo mês o presidente Franco de Sá
“tinha determinado que até o dia 15 de Dezembro futuro, nem para revistas fosse
convocada a fim de muitos cidadãos não serem embaraçados no cômodo exercício do
seu direito de votar (Publicador nº 561)”. A convocação da Guarda não foi suficiente,
uma vez que a submeteu ao regulamento da “tropa de linha, dando-lhe soldo,
sujeitando-as à pena de deserção os remissos e mandando captura-los, [...] sendo os
infelizes conduzidos para esta cidade, amarrados, como sucedeu com os G. N. da
Bacanga, presos de noite e chibatados, como no Itapecuru”. O redator nota que o
Publicador Maranhense considerava esses relatos “calúnia atrocíssima”391; diante deste
juízo, indaga: “que se há de fazer com homens que fazem da mentira o seu sistema?”. A
eles, imputa toda sorte de crimes, pois Para o triunfo desta eleição não houve recurso torpe de que se não socorresse o Sr. Franco de Sá, ora as conspirações como aqui, em Caxias, no Coroatá, no Codó, Viana e Mearim, servindo-se de pretextos para executar prisões aqui, em Caxias, no Codó e em Viana, ora o cerco das igrejas, e entronização de juízes de paz ilegítimos, pois nisto consiste a vitória e a legalidade das eleições no Itapecuru, Viana, Coroatá [...] onde a oposição foi completamente vitoriosa. O plano infernal do governo fundou-se em fazer duas eleições onde não pudesse suplantar toda a oposição por meio de violência, e tivesse alguma gente com que simulasse a existência de eleições por meio de uma ata falsa a todos os respeitos [...]392.
Em Itapecuru, os escândalos “só emparelham com os de Viana. Houve conquista da
igreja à tarde, dois morteiros na porta da matriz, força de 1ª linha (90 praças) e patuleia
do bacamarte”. Para ele, o que essas eleições mostraram é que “enquanto as mesas
estiverem sujeitas à conquista nada se adianta em eleições, particularmente sendo tão
corrompidos os executores da lei eleitoral”. Enfim, “por este lado a lei de eleições
pouco ou nada garantiu; porque logo que os partidos se apossam da mesa, que o
governo tortura a lei eleitoral, que inventa incompatibilidades para ter um juiz de paz ad
hoc”393.
Conquanto devamos estar prevenidos em relação à veracidade de acusações
produzidas no seio das invectivas de oposicionistas (de resto, extremamente difíceis de
391 “[...] [P]elo desespero e vergonha da derrota, a oposição tem excedido a tudo quanto de mais atroz se poderia imaginar. Aí estão os seus jornais, as suas proclamações, as suas circulares para testemunho da verdade. O sr. Franco de Sá é a vítima a que principalmente atiram os seus furores”. MARANHÃO. Publicador Maranhense. Periódicos (1842-57): Biblioteca Nacional (BN), 16 de novembro de 1847, p. 4. 392 MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1843-56): Biblioteca Nacional (BN), 21 de novembro de 1847, p. 5. 393 Idem, Ibidem, p. 6-7.
115
verificar), a permanência e recorrência delas não só no Maranhão, como alhures,
deixam claro, do meu ponto de vista, que mesmo com o paulatino avanço do governo
central sobre as localidades em relação às eleições e sua importância para o governo
representativo, restava aos atores locais significativa margem de manobra na(s)
disputa(s) pelo poder. Se houver alguma verdade nestes relatos, a relevância da atuação
do presidente da província na disputa política local não estava circunscrita à sua
prerrogativa institucional do veto às leis da Assembleia, podendo, inclusive, influenciar
a eleição de tal forma que a composição mesma da Assembleia deixasse de ser uma
questão imediata. Pode-se argumentar, com a devida justeza, que a legislação tardou a
surtir efeito, e que muitos esclarecimentos foram realizados pelo governo central em
relação aos procedimentos necessários à sua boa execução no decurso dos anos. Assim,
apenas posteriormente seria possível verificar seus resultados. No Maranhão, um
possível sinal desse efeito pode ser localizado nos pleitos para Senador em 1852394, e
para a Assembleia Provincial, no mesmo ano. Em ambas as eleições, as acusações de
fraude persistiram. O que diferencia essas denúncias das de outrora é que o uso da força
(por sugestão ou ‘de fato’) dá lugar, em grande parte, às falsificações das listas de
qualificação e das atas da eleição. Ou seja, ataca-se, nessa oportunidade, o desrespeito,
tanto quanto possível, à lei e ao processo eleitoral. Nesse contexto, sai de cena o
presidente da província como ator central da trama, e entra a “oligarquia dos três Josés
(José Mariani, José Maia e Jansen do Paço)”. Critica-se não sua ação, mas sua omissão,
“que vendo repelidas e hostilizadas suas propostas de melhoramentos materiais e
morais por uma Assembleia Legislativa, consente impassivelmente na reeleição dos
membros”395 que as inviabilizaram. Uma leitura um pouco apressada poderia até
avançar a hipótese de um presidente destituído de boa parte de sua capacidade de
intervenção; de um lado estaria limitado pela nova prática que vinha se instituindo com
a tentativa de aplicação cotidiana das leis, por outro, pela organização dos grupos
políticos locais e seu conhecimento e proximidade com os negócios provinciais. Contra
esse exame, relembro as acusações feitas contra o próprio Olímpio Machado, discutidas
no final do subitem anterior. Ainda que limitada por vários contrapesos institucionais e
legais, a atuação do presidente da província também se desdobrava para além das
eleições. Veremos agora – e finalmente – o que se votava e decidia em órgão tão 394 MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1843-56): Biblioteca Nacional (BN), 5 de maio de 1852, p. 1-2. 395 MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1843-56): Biblioteca Nacional (BN), 18 de fevereiro de 1852, p. 2.
116
discutido na imprensa local. Veremos, ainda, qual papel os presidentes da província
desempenharam na sua necessária relação com uma instituição com atribuições tão
vastas.
117
CAPÍTULO III - ATUAÇÃO POLÍTICA
Desde Weber, um viés clássico para a análise da formação dos estados nacionais
tem sido o território e o monopólio legítimo da força396. No Brasil, esse viés analítico
frutificou, frisando que “o monopólio da violência não é um dado”, mas resultado de
um processo histórico que pode se mostrar exitoso caso o ente concentrador – o Estado
– se mostre mais capacitado que os entes privados para a manutenção e aprofundamento
das relações de dominação que se descortinam e se estabelecem397. Essa perspectiva se
conjugou àquela que considera que a guerra é fundamental para a formação dos estados
nacionais398, uma vez que “o lançamento de impostos e o recrutamento da tropa foram
quase sempre ao longo do período moderno os problemas mais difíceis de resolver pelas
monarquias”399. Seguindo esse caminho, procurarei, aqui, pensar a estrutura fiscal e das
armas como os dois eixos centrais para o estabelecimento da Província do Maranhão,
pensada dentro de um estado brasileiro ainda em construção400.
Como aponta Slemian, desde a independência, a forma mesma do estado estava
em questão e o estabelecimento das instituições provinciais e do aparato estatal estava
diretamente relacionado com a estabilidade interna de cada província, ainda que a
definição sobre as atribuições de cada órgão estivesse em conflito e disputa, como
veremos a seguir401. Nesse sentido, procuro, nesta seção, analisar o governo da
província a partir de suas duas instituições centrais: a Assembleia Legislativa Provincial
e a Presidência da Província. A documentação que versa sobre a Assembleia Legislativa
Provincial do Maranhão é assistemática. As Atas da Assembleia, apesar de trazerem
muito pouco das discussões do plenário, cobrem o processo de votação e emendas feitas
aos projetos. Não obstante, as atas compõem parte relevante – e alentada - do corpus
documental de nossa análise, uma vez que nos permitem acompanhar as decisões dos 396 WEBER, Max. Economia e Sociedade. São Paulo: Editora UnB/Imprensa Oficial. 2004b. vol. 2, p. 529-530 e passim. 397 COSTA, Wilma Peres. A Espada de Dâmocles. O Exército, a Guerra do Paraguai e a crise do Império. Campinas/São Paulo: Hucitec/Unicamp, 1996, p. 28. 398 “War makes states, I shall claim. Banditry, piracy, gangland rivalry, policing, and war making all belong on the same continuum – that I shall claim as well”. TILLY, Charles. War Making and State Making as Organized Crime. In: Bringing the State Back In. (org.) EVANS, Peter; RUESCHEMEYER, Dietrich e SKOCPOL , Theda. Cambridge: Cambridge University Press, 1985, p. 170. 399 MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Elites e poder: entre o antigo regime e o liberalismo. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2003, p. 23. 400 Cf. COSTA, Wilma Peres e MIRANDA, Marcia Eckert. Entre os senhores e o Império: transformações fiscais na formação do Estado brasileiro (1808-1840). Rev. Illes Imperis – 13, 2010. 401 SLEMIAN, Andréa. Sob o império das leis: Constituição e unidade nacional na formação do Brasil (1822-1834). Tese de doutorado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006, p. 10; p. 146 e passim.
118
deputados e suas intervenções nos projetos – sejam elas proposições e/ou
correções/emendas destes.
3.1 As legislaturas
O então Presidente da Província, Jerônimo Martiniano Figueira de Mello, inicia
a fala do ano de 1843 notando que a “desastrosa guerra civil, que por mais de dois anos
assolou esta bela Província, diminuiu-lhe a riqueza, paralisou-lhe a indústria, abriu-lhe
feridas que ainda infelizmente sangram [...]”402. Prosseguindo sua apreciação do estado
da província, frisa que, após a intervenção do governo imperial, em conjunto com as
forças locais, o Maranhão pôde lograr a paz e tranquilidade; e é neste tópico que o chefe
do executivo provincial toca num dos pontos principais dos trabalhos legislativos do
ano de 43: as guardas campestres.
Antes de discuti-las, algumas observações. Como já vimos, o ato adicional de
1834 legou aos corpos legislativos provinciais diversas competências, sendo uma delas
a de “Fixar sobre informação do Presidente da Província, a força policial respectiva”403.
Como pontua Regina Faria, “essa atribuição resultava da delegação de uma parcela da
competência que tinha a Assembleia Geral para: “Fixar, anualmente, sobre informação
do governo, as forças de terra e mar ordinárias e extraordinárias”, embora não
especifique o que era concebido como forças ordinárias e extraordinárias”404. Ainda
segundo ela, no primeiro reinado, houve reorganização do Exército e extinção das
Milícias e Ordenanças coloniais, dando lugar às Guardas Municipais e à Guarda
Nacional. Todas essas mudanças não foram acompanhadas de lei geral que as
disciplinasse. Mesmo o ato adicional não teria explicitado “o que era uma força policial
e qual a sua especificidade em relação às demais organizações armadas então
existentes”405. Essa é inclusive uma crítica de um notório contemporâneo, o Visconde
do Uruguai: Na França, por exemplo, foi estabelecida uma nomenclatura prática, exata e minuciosa dos negócios e atribuições administrativas, classificadas segundo sua natureza e alcance. Por meio dessa nomenclatura separou-se e definiu-se
402 MARANHÃO. Presidência da Província. Relatório do presidente da província, o sr. Jerônimo Martiniano Figueira de Mello, na abertura da assembleia legislativa provincial, no dia 3 de maio de 1843. Maranhão: Tip. Const. de I. J. Ferreira, 1843, p. 1. 403 BRASIL. Coleção de leis do império. Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834. 1891. Art. 11, § 2. 404 FARIA, Regina Helena Martins de. Em nome da ordem: a constituição de aparatos policiais no universo luso brasileiro (séculos XVIII e XIX). Tese (Doutorado em História) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco. Recife. 2007, p. 163. 405 Idem, Ibidem.
119
prática e minuciosamente o que constitui o governo econômico das municipalidades, o que é polícia municipal, polícia administrativa e preventiva, e a judiciária. [...] A legislação que regula a nossa organização e hierarquia administrativa, a que criou as municipalidades, os juízes de paz, o Código Criminal, o de Processo, o Ato Adicional, a lei de 3 de dezembro de 1841, a do Conselho de Estado etc., tudo isso foi feito aos pedaços, sem verdadeiro nexo, em épocas diversas, e não tem, portanto, [...] aquele nexo, aquela previsão, aquela harmonia [...]406.
A ausência de ordenamento específico criava problemas também específicos.
Segundo o presidente, num país “cuja população, em grande parte [é] composta
de escravos, não é de se admirar que alguns [...] [fujam e formem] os denominados
quilombos”407, partindo para ações criminosas como a subtração das lavouras408. De
fato, uma série de leis e medidas, a partir de 1835, são tomadas para “a criação de um
setor repressivo”409 na Província. As Guardas Campestres, especificamente, foram
criadas com o intuito de levar a cabo o“ataqueedestruiçãodequilombosecoutosde
malfeitores”410.Noentanto,[a]té 1843, Corpos de Guardas Campestres foram constituídos apenas em Itapecuru, Viana, Guimarães, Cururupu e Santa Helena, regiões infestadas de quilombos. O então presidente da província, Jerônimo de Mello, atribuía esse baixo número à extinção dos cargos de prefeitos e subprefeitos e ao desleixo dos juízes de paz, a quem tais corpos ficaram subordinados, após a extinção das prefeituras de comarcas. E defendia ser mais aconselhável deixá-los subordinados aos delegados e subdelegados, apesar de a Reforma Judicial de 1841 ter mantido a destruição de quilombos na alçada dos juízes eletivos411.
O projeto de reforma das Guardas Campestres entrou em discussão em três
sessões412. Nestas, houve ampla participação dos deputados na proposição de emendas e
correções ao projeto. O espírito geral da lei seguiu as sugestões dadas pelo presidente da
província, especialmente no que tange à submissão das Guardas Campestres aos
delegados e subdelegados, como consta no artigo 8º da lei sancionada: “cada corpo de
Guardas campestres será imediatamente sujeito ao Delegado. Os subdelegados porém
406 URUGUAI, Visconde do. Ensaio sobre o direito administrativo. 1862 (1ª Ed.). In: CARVALHO, José Murilo de (org.). Paulino José Soares de Sousa, Visconde do Uruguai. Coleção Formadores do Brasil. São Paulo: Editora 34, 2002, p. 207. 407 MARANHÃO. Presidência da Província. Relatório do presidente da província, o sr. Jerônimo Martiniano Figueira de Mello, na abertura da assembleia legislativa provincial, no dia 3 de maio de 1843. Maranhão: Tip. Const. de I. J. Ferreira, 1843, p. 6. 408 Sobre a experiência dos quilombolas no Maranhão oitocentista, um trabalho de referência é o de GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os Pântanos. Mocambos, Quilombos e Comunidades de Fugitivos no Brasil (Séculos XVII-XIX). São Paulo: UNESP, 2005. 409 SOARES, op. cit., p. 332. 410 MARANHÃO, Lei nº 98, de 15 de julho de 1840. CLP, BPBL. 411 FARIA, op. cit., p. 168-169. 412 MARANHÃO, Ata da Assembleia Legislativa Provincial de 27 maio de 1843. Publicador Maranhense (15/07/1843); Idem, Ata da Assembleia Legislativa Provincial de 29 maio de 1843. Publicador Maranhense (15/07/1843) e Id., Ata da Assembleia Legislativa Provincial de 30 maio de 1843. Publicador Maranhense (22/07/1843), BPBL.
120
poderão expedir diretamente ordem às esquadras do seu Distrito”413. Segundo a lei nº
261, de 03 dezembro de 1841, que reformava o Código de Processo Criminal, Art. 1º Haverá no município da Corte e em cada Província, um Chefe de Polícia com os delegados e subdelegados necessários, os quais, sob proposta, serão nomeados pelo Imperador, ou pelos Presidentes. Todas as autoridades policiais são subordinadas ao Chefe de Polícia. Art. 2º Os Chefes de Policia serão escolhidos dentre os Desembargadores, e Juízes de Direito: os Delegados e Subdelegados dentre quaisquer Juízes e Cidadãos: serão todos amovíveis, e obrigados a aceitar414.
Essas reformas, como as outras encaminhadas a partir da década de 40 (incluso aí o Ato
Adicional) buscavam retomar a influência do governo central nos negócios provinciais,
especialmente na administração da justiça.
As emendas aprovadas no plenário, e, portanto, presentes na lei, podem ajudar a
delinear um quadro mais amplo da situação do período. Uma delas, a do Deputado
Sampaio, propunha, no artigo 13415 da legislação, a mudança da recompensa da captura
de escravos de 2 mil réis para 1 mil réis, tendo sido essa proposta aprovada em
detrimento das outras (como a do Sr. Galvão, que propunha que a recompensa fosse
dividida entre os que fizeram a apreensão416). O artigo 12 também fixou uma redução
no soldo: de 600 réis para 400 réis para os comandantes, 326 réis para 240 réis para os
guardas. É interessante notar que as Guardas Campestres, na lei de 1840417, deveriam
ser compostas de um Comandante, e entre 4 e 14 guardas. Na lei aprovada então, além
do Comandante, comporiam a esquadra três praças e um cabo. A diferença fundamental
é que, na configuração da última, haveria uma esquadra para cada subdelegacia. Isto, na
prática, elevou o efetivo do corpo policial. De fato, em comparação com os efetivos dos
anos anteriores, há um aumento significativo do Corpo de Polícia: de 270 nos anos de
1841 e 1842 para 412 no ano de 1843418. Este aumento, por si só, traria um impacto no
orçamento da segurança pública. Dessa forma, a [...] desorganização das atividades produtivas na província e a consequente diminuição da arrecadação de impostos, devidas à Balaiada, explicam a compressão sobre os soldos. A gravidade da situação financeira impedia até que os legisladores previssem a receita anual da província. Não o fizeram nas leis orçamentárias aprovadas de 1839 a 1846. Como a crise atingia as
413 MARANHÃO, Lei nº 144, de 28 de junho de 1843. Coleção das Leis da Província (CLP), BPBL. 414 BRASIL, Lei nº261, de 03 dezembro de 1841, CLI. 415 Além do vencimento diário, os Comandantes, os Comandantes, Cabos e Guardas perceberão dos senhores de escravos mil réis por cada um, que apreenderem nas Cidades, Vilas e Povoações [...]. Idem, Ibidem. 416 MARANHÃO, Ata da Assembleia Legislativa Provincial de 29 maio de 1843. Publicador Maranhense (15/07/1843), BPBL. 417 Idem, Lei nº 48 de 1840. CLP, BPBL. 418 E 332 nos anos seguintes (até 1846). Cf. FARIA, op. cit., p. 249.
121
finanças públicas e as particulares, torna-se compreensível a redução dos soldos e das gratificações pagas aos campestres pelos senhores de escravos419.
Podemos ver mais claramente, aqui, a imbricação entre o orçamento provincial, a
estrutura fiscal e a força policial/setor repressivo. Isto porque a região do Turiaçu-
Gurupi, conhecida pela quantidade de quilombos e escravizados fugidos, impôs às
autoridades maranhenses (especialmente os presidentes da província e seus
subordinados nos aparatos policiais) a necessidade de expandir o domínio sobre o
território e a repressão à “nuvem negra”, como os chamavam os lavradores e moradores
de Santa Helena, em 1853420.
Tal desorganização não passou ao largo da avaliação do presidente da província.
Jerônimo Martiniano de Melo, em seu discurso, fez questão de destacar o déficit
deixado pelas administrações anteriores. Após os devidos cálculos, concluiu que o
déficit conjunto dos anos de 40/41 e 41/42 era de 45:858$040 réis. Não obstante, é
importante notar que no ano financeiro de 40/41 a receita arrecada foi orçada em
310:634$762 réis e a despesa em 283:401$020 réis; a receita arrecadada de fato, no
entanto, foi de 225:756$461 réis, e a despesa efetiva 223:093$626, perfazendo um
déficit bem inferior, de 2:662$865 réis. Da mesma maneira, no ofício de 41/42, a
despesa efetiva foi de 242:300$460 réis e a arrecadação foi 238:972$025 réis,
totalizando um déficit de 3:328$335421. O que isto quer dizer? Segundo o próprio
Jerônimo de Melo, da “receita orçada sempre resta uma grande quantia, que não se
cobra, principalmente da décima urbana, que montou apenas 2:024$132 [...] e vai [...]
elevada a 30:000$000 no ano financeiro seguinte”422. Então a província do Maranhão
sofreria apenas de um problema de arrecadação? “Como tem apontado a historiografia
[o déficit] [...] afligia também o governo central e tem sido explicado [...] como
resultado da estrutura econômica do Império”423 que, na tarefa de construção do estado
nacional, se amparava quase unicamente na riqueza produzida pela agroexportação.
Isto, aliado à estrutura institucional consagrada com o Ato Adicional, permitia às elites
locais taxarem a principal riqueza de suas províncias com o objetivo de criar os meios
de arrecadação que viabilizassem a administração provincial. Ainda que o Maranhão
419 Idem, Ibidem, p. 169. 420 GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos. Mocambos, quilombos e comunidades de fugitivos no Brasil (Séculos XVII-XIX). São Paulo: UNESP, 2005. p. 149-155. 421 MARANHÃO, Relatório do Presidente da Província de 1843, p. 44-45. 422 Idem, Ibidem, p. 45. 423 DOLHNIKOFF, op. cit., p. 160-161.
122
não destoe muito, em relação à configuração orçamentária de províncias como São
Paulo, Rio Grande do Sul e Pernambuco424, é preciso realizar uma análise mais
profunda para que se possa afirmar que a situação financeira do Maranhão se deve
apenas (ou primordialmente) a problemas na cobrança dos impostos.
Para os anos em que é possível fazer uma comparação com outras províncias
(1847-1848)425, a receita da província do Maranhão é significativamente menor. A
receita orçada (235:373$205) é similar à de 5 anos antes, e a despesa é inferior
(208:310$075); os números, entretanto, podem enganar. O presidente da província
afirma, no relatório, que esse cálculo da despesa não é confiável, pois não inclui gastos
como obras públicas e, pior ainda, conta com o recebimento de uma décima urbana
orçada em trinta contos de réis (30:000$000) que, no “termo médio dos últimos três
anos”, rendeu algo em torno de 7 contos (7:685$223)426. No mesmo período, São Paulo,
teve arrecadação efetiva de 571:828$132 e despesa de 503:324$220; Rio Grande do Sul,
por sua vez, despesa de 696:091$295 e arrecadação de 600:041$220 que, somada ao
montante recebido da Tesouraria da Fazenda de indenização por empréstimo, deixou a
província com o saldo para o ano seguinte de 255:573$721; Minas Gerais, por fim,
arrecadou 739:714$784 e teve despesa de 658:055$362.
Quando comparada ao Piauí e Pará, vizinhos fronteiriços, e Ceará, a situação
muda de figura. A receita ordinária da província cearense “não excedeu 63:849$630,
entretanto [...] foi despendida a soma de 127:062$850”427; no caso do Grão-Pará,
excluído o sistema de Caixas designado à amortização das dívidas dos anos anteriores, a
receita efetiva é de 124:801$851, e a despesa 124:313$399428. O Piauí, por sua vez,
segundo as alegações do presidente da província, mantinha as contas em bom estado,
não havendo praticamente dívida passiva. A receita, com o saldo do ano anterior, foi de 424 Idem, ibidem, p. 162. 425 Notadamente do Sul; os dados utilizados para comparação com as províncias de São Paulo e Rio Grande do Sul são todos retirados de DOLHNIKOFF, op. cit., p. 162-164. Para Minas Gerais, as informações se referem aos anos de 46-47, e foram extraídas de MINAS GERAIS. Presidência da Província. Relatório do presidente da província, Bernardino José de Queiroga, sessão ordinária no ano de 1848. Ouro Preto: Tip. Social, 1848, p. 34. Em 1843-44, a renda da Província de Minas Gerais já é similar a auferida 4 anos depois. FREITAS, Ana Paula Ribeiro. Diversidade Econômica e Interesses Regionais: as políticas públicas do governo provincial mineiro (1871-1889). Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2009, p. 45. 426 MARANHÃO. Presidência da Província. Relatório do presidente da província, o sr Joaquim Franco de Sá, na abertura da assembleia legislativa provincial, no dia 3 de maio de 1847. Maranhão: Tip. Const. de I. J. Ferreira, 1847, p. 16. 427 CEARÁ. Presidência da Província. Relatório à Assembleia Legislativa Provincial em 1º de julho de 1848. Ceará: Tip. de Francisco Luiz de Vasconcellos, 1848, p. 29. 428 Com o volume dos Caixas incluso, a receita e a despesa são iguais: 191:188$202. PARÁ. Presidência da Província. Relatório do sr. Jerônimo Francisco Coelho à Assembleia Legislativa Provincial na sessão ordinária de 1º de outubro de 1848. Grão-Pará: Tip. de Santos & Filhos, 1848, p. 127.
123
172:686$281, e a despesa 112:177$198429. Assim, o que este breve quadro nos mostra é
que se as receitas da província do Maranhão equivalem, grosso modo, à metade das
receitas de províncias com atividades produtivas destacadas430, isso não quer dizer,
contudo, que a situação das contas provinciais maranhenses é definitivamente
calamitosa; como se vê em relação ao Ceará, longe disso. Tendo dito isto, é importante
ter em mente que o ínterim entre 43-46 está contido no que é considerado o período de
desorganização da atividade produtiva maranhense, atribuída, pelos contemporâneos e
parte da historiografia, tanto à Balaiada quanto à crise do sistema agroexportador431. O
arroz, produto de exportação importante nas primeiras décadas do século XIX (1815-
1819), tem uma queda vertiginosa no volume de exportação (80%) três décadas depois
(1860), mas mantém produção similar (560.000 alqueires contra 554.500), indicando
que esta foi, pelo menos em parte, absorvida no mercado interno432. A receita provincial
aprovada em 1843 não previa impostos sobre produtos que circulavam dentro da
província, apenas “cinco por cento dos gêneros de produção e cultura da província
exportados para fora da mesma”433; não é, portanto, implausível considerar que a
alegada fragilidade das contas maranhenses não se devia somente à incapacidade
extrativa provincial434.
A Assembleia Legislativa Provincial também se ocupou, naquele ano, de sua
capacidade extrativa. O relatório do presidente da província cita como entrave
fundamental à execução das obras públicas a falta de recursos do Tesouro Provincial435.
Este, para ele, tinha “o grande defeito de ser estação de fiscalização e arrecadação”,
sendo necessário separar “este dois objetos, ficando ereto o Tesouro em Tribunal de
429 PIAUÍ. Presidência da Província. Relatório do presidente da província, Zacarias de Goes e Vasconcellos apresenta à assembleia legislativa provincial, no dia 6 de julho de 1847. Piauí: Tipografia Provincial, 1847, p. 31. 430 Ou, em alguns casos, muito menos que isso: a receita e despesa orçada da província do Rio de Janeiro são de 1,069:074$741. RIO DE JANEIRO, Relatório do presidente da província do Rio de Janeiro, o senador Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, na abertura da Assembleia Legislativa Provincial no 1º dia de março de 1847, Rio de Janeiro, Typ. do Diario, de N.L. Vianna, 1847. Mapa sem número. 431 FARIA, Regina Helena Martins de. A transformação do trabalho nos trópicos – propostas e realizações Dissertação (Mestrado) – Centro de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco 2001, p. 33-34 e VIVEIROS, Jerônimo de. História do comércio do Maranhão. São Luís: ACM, 1954, v. 1, p. 203. 432 FARIA, 2001, p. 34. O outro produto importante para a economia maranhense, o algodão, apesar de seu fluxo de exportação sofrer um declínio progressivo a partir da década de 20 do século XIX (de, em média, 65 mil sacas no seu auge para 45 mil sacas na década que estamos analisando. Cf. FARIA, 2001, p. 33), permaneceu parte importante da receita provincial. 433 MARANHÃO, Lei nº 152 de 19 de maio de 1843. CLP, BPBL. 434 O presidente da província reitera que desde 1838 a exportação tem diminuído progressivamente. Idem, Relatório do Presidente da Província de 1843, p. 43. 435 Idem, Ibidem, p. 39.
124
fiscalização tão somente, e centro de todas as outras Repartições”436. Pela sugestão do
presidente, a Coletoria da Capital, nova responsável por fazer a arrecadação de todos os
impostos, deveria ficar anexa ao Tesouro. Segundo Dolhnikoff, [a] proposta de criação da Tesouraria Provincial beneficiaria antes de tudo a própria elite da província, na medida em que reforçava sua autonomia fiscal com o controle das rendas por uma repartição subordinada exclusivamente ao governo da província, na qual os empregados estariam sob o controle dos deputados437.
Sendo a Tesouraria (ou o Tesouro) um órgão provincial, a prerrogativa da Assembleia
Provincial sobre os empregados desta repartição não foi afetada pela Lei de intepretação
do Ato Adicional.
É interessante notar que o esforço para a racionalização da coleta de impostos
não foi um esforço isolado da província do Maranhão. No Rio de Janeiro, em 1842, foi
criada a Administração da Fazenda da Província do Rio de Janeiro, órgão responsável
pela administração das finanças provinciais e que subordinava a Mesa Provincial438, as
Coletorias e os Registros. Diferente do Maranhão, a Tesouraria da Província estava
ligada ao governo central, pelo Tribunal do Tesouro Nacional, e, portanto, além da
influência dos deputados provinciais439.
O Tesouro Público Provincial do Maranhão foi criado pela Lei nº 62 de 9 de
junho de 1838440. A Repartição era composta de um Inspetor, um Contador, um
Procurador Fiscal, um Secretário e subordinada ao Presidente da Província. O
Presidente da Província exercia sobre o Tesouro as mesmas atribuições que detinha
sobre a Tesouraria da Fazenda, e poderia alterar os regulamentos sobre arrecadação,
quando julgasse conveniente, desde que a Assembleia Legislativa Provincial acatasse
logo que reunida. O Inspetor e todos os outros empregados supracitados do Tesouro
eram de livre nomeação do presidente da província. Os impostos, que eram arrecadados
pela Tesouraria Peculiar da Província e pela Alfândega, passaram a ser coletados pela
Tesouraria do Tesouro Público Provincial, sendo extinta a primeira. Toda a despesa
militar e ordenados dos empregados públicos provinciais passaram a ser pagos pela
mesma Tesouraria.
Em 1840 uma nova lei é promulgada, reorganizando o Tesouro Público
Provincial. O segundo artigo altera as atribuições do Presidente da Província em relação 436 Id., Ibid., p. 48. 437 DOLHNIKOFF, op. cit., p.114. 438 Responsável pelos impostos gerados pelas exportações provinciais. 439 GOUVÊA, op. cit., p. 85. 440 MARANHÃO, CLP, BPBL.
125
ao Tesouro, algo que poderia indicar que a elite provincial presente na Assembleia
Legislativa estaria buscando tomar para si o controle das finanças provinciais. O texto
consagrado na lei, apesar de aparentemente reiterar, ao presidente da província, sua
condição de chefe máximo do órgão, na verdade diminui suas atribuições. Senão,
vejamos: “[o] Presidente da província terá em relação ao Tesouro Provincial as mesmas
atribuições que o Tesouro Público Nacional exerce sobre a Tesouraria de Fazenda das
Províncias”441. Como aponta Wilma Peres Costa [o] Erário Régio e o Conselho da Fazenda foram extintos pela lei de 4 de outubro de 1831 e substituídos pelo Tesouro Público Nacional e Tesourarias Provinciais. Na Província elas eram compostas de um inspetor, um contador e um procurador fiscal, destinando-se à arrecadação, distribuição, contabilidade e fiscalização de todas as rendas públicas. Todas as repartições ou estações fiscais na Província ficariam dependentes das Tesourarias e estas diretamente do Tesouro Nacional. [...] A Lei de 24 de outubro de 1832 separou as rendas provinciais das gerais, definindo quais eram as gerais e ordenando sua escrituração e que se recolhessem em cofres distintos os proventos provinciais e gerais442.
Ora, além da lei de 4 de outubro de 31443 estabelecer procedimentos pelos quais devem
ser nomeados os ocupantes dos cargos, o que já retira a prerrogativa imediata da livre
nomeação, o terceiro inciso do artigo 9 (“Compete ao Presidente do Tesouro”),
assevera: “submeter á Assembleia Geral Legislativa quaisquer planos de
melhoramentos, regimentos, e outras medidas legislativas, que o Tribunal julgar
convenientes ao bem publico, e dignas da consideração da mesma Assembleia”. Ou
seja, caso esteja compreendendo corretamente, as mudanças de regimento e
melhoramentos (como os de arrecadação) dependeriam agora, na província, da
deliberação da Assembleia Legislativa.
Na sessão de 11 de maio de 1843, o Tesouro Provincial entra novamente em
pauta. Nesta data, o deputado Fernando Ferreira propõe o projeto de extinção do
Tesouro Público Provincial, do Seminário Eclesiástico e do corpo de Polícia Urbana. Os
dois primeiros entram em deliberação, e o terceiro é rejeitado pela casa. Na mesma
sessão, entrou em discussão o projeto do deputado Estevão sobre as licenças dos
empregados públicos444. Duas sessões depois, quando ocorreu nova deliberação, a
extinção do Seminário Eclesiástico também não foi aprovada. Nesta sessão, o então
441 MARANHÃO, Lei nº 92 de 8 de julho de 1840. CPL, BPBL. 442 COSTA, Wilma Peres. O Império do Brasil: dimensões de um enigma. Almack Braziliense, São Paulo, n. 1, maio 2005 , p. 37. 443 BRASIL, CLI. 444 MARANHÃO, Ata da Assembleia Legislativa Provincial de 11 maio de 1843. Publicador Maranhense (31/05/1843) BPBL.
126
presidente da Assembleia Francisco Baltasar da Silveira requereu que o projeto de
extinção do Tesouro, já em 2ª discussão445, fosse a uma comissão para ser redigido no
sentido de reforma; sua proposta, porém, não foi admitida por já ter dado a hora de
findar os trabalhos446.
Nas sessões de 17 e 18 de maio a discussão sobre a extinção do Tesouro
Provincial prossegue. O deputado Antônio do Paço requereu que o projeto fosse à
Comissão de Fazenda para que ela desse o seu parecer e, caso julgasse conveniente,
propusesse outro projeto447. Não é possível saber se a Comissão acatou o requerimento
do deputado Antônio do Paço, pois enquanto ela estava avaliando a discussão do projeto
prosseguiu. De qualquer maneira, o projeto discutido na sessão posterior não é mais de
extinção, mas de reforma do Tesouro Provincial448.
Fazendo valer sua prerrogativa constitucional, pela lei nº 150 (A) de 15 de julho
de 1843, os deputados reorganizam, mais uma vez, o Tesouro Público Provincial. Esta
não foi apenas uma de várias leis que a Assembleia decretou no decurso dos anos. Seu
caráter especial se revela logo na declaração inicial: “em 4 de julho reenviou [a lei] nos
termos do art. 15449 do Ato Adicional ao Presidente da Província e este até hoje tem
deixado de dar sua sanção, pelo que fica entendido na forma do art. 19450 do mesmo ato
que sancionou a lei [...]”451. Não apenas isso, um novo emprego foi criado, o de Oficial
Maior, cargo instituído para exercer as funções que outrora foram do Contador. A
Coletoria da Capital, como queria o presidente da província, foi anexada ao Tesouro e
também ganhou um novo cargo: o de Lançador, de função não especificada na lei. É
445 Após a terceira discussão o projeto inicia seu trâmite final para aprovação. MARANHÃO, Artigos 144 e 145. Regimento Interno da Câmara dos Deputados da Assembleia Legislativa Provincial do Maranhão. BPBL, p. 23 446 Idem, Ata da Assembleia Legislativa Provincial de 13 maio de 1843. Publicador Maranhense (31/05/1843), BPBL. 447 Id., Ata da Assembleia Legislativa Provincial de 18 maio de 1843. Publicador Maranhense (27/06/1843) BPBL. 448 Id., Ata da Assembleia Legislativa Provincial de 19 maio de 1843. Publicador Maranhense (27/06/1843) BPBL. 449 “Se o presidente julgar que deve negar a sanção, por entender que a lei ou resolução não convém aos interesses da província, o fará por esta fórmula: "Volte à Assembleia Legislativa Provincial", expondo debaixo de sua assinatura as razões em que se fundou. Neste caso, será o projeto submetido à nova discussão; e se for adotado tal qual, ou modificado no sentido das razões pelo presidente alegadas, por dois terços dos votos dos membros da Assembleia, será reenviado ao presidente da província, que o sancionará. Se não for adotado, não poderá ser novamente proposto na mesma sessão”. Ato Adicional. In: KUGELMAS, op. cit., p. 603. 450 “O presidente dará ou negará a sanção no prazo de dez dias, e não o fazendo, ficará entendido que a deu. Neste caso, e quando, tendo-lhe sido reenviada a lei como determina o artigo 15, recusar sancioná-la, a Assembleia Legislativa Provincial a mandará publicar com esta declaração, devendo então assiná-la o presidente da mesma assembleia”. Idem, Ibidem, p. 604. 451 MARANHÃO, CLP, BPBL, p. 20.
127
verdade que o deputado Rafael de Carvalho quis ir além, propondo que se cobrasse
sobre “todos os gêneros de produção da província [...] um imposto de 3 por cento,
exceto os líquidos espirituosos que pagarão 10 por cento”; já o deputado Cerqueira
Pinto propôs uma emenda, modificando, de “de 3 para 5 por cento”452, o imposto sobre
os gêneros. Ambas as propostas, no entanto, foram rejeitadas.
Como dito anteriormente, o cargo de Presidente da Província era de alta
rotatividade. No ano seguinte, já não era mais Jerônimo Martiniano de Melo o seu
ocupante. O presidente que estava na província para verificar, com mais vagar, se a
reforma do Tesouro teve efeito desejado se chamava João José de Moura Magalhães.
Jerônimo de Melo, no entanto, já havia, em relatório, confirmado que realmente negou
sanção à lei do Tesouro por não considerá-la conveniente aos negócios provinciais. Para
ele, a “do pouco tempo de sua execução tem-se [...] suficientemente pronunciado contra
ela, pois que por falta de empregados não foi-me possível ter Orçamento e Balanços
com a necessária antecedência”453.
No ano de 1844, as rendas provinciais sofreram uma queda acentuada. A
arrecadação foi de 123:977$689 réis, incluindo o movimento de fundos e o saldo do ano
anterior, e a despesa não superou 119:867$830. Isso não se deveu, segundo o
presidente, ao “decrescimento natural da renda”, mas à “negligência dos Coletores”454
que, por exemplo, no ano anterior, arrecadaram 14:627:$867 réis da décima urbana e,
no ano corrente, apenas 1:265$958 réis. A receita orçada para o ano financeiro de 45-46
é de 191:507$447, e a despesa 204:127$850, o que leva João José de Moura a concluir
que, se está correta a arrecadação dos impostos da meia sisa dos escravos, do gado e da
cobrança da dívida ativa, por exemplo, não é possível que no ano seguinte se pudesse
arrecadar menos do que no ano anterior. Há indícios, trazidos tanto pela historiografia455
452 Idem, Ata da Assembleia Legislativa Provincial de 22 maio de 1843. Publicador Maranhense (01/07/1843) BPBL. 453 Id. Presidência da Província. Relatório do presidente da província, o sr. Jerônimo Martiniano Figueira de Mello, à assembleia legislativa provincial, no dia 7 de setembro de 1843. Maranhão: Tip. Const. de I. J. Ferreira, 1843. p. 11-12. 454 Id. Presidência da Província. Relatório do presidente da província do Maranhão, o João José de Moura Magalhães apresentado à Assembleia Legislativa Provincial em 20 de junho de 1844. Maranhão, Typ. Maranhense, 1844, p. 19. 455 Como demonstrou Wilma Peres Costa, a situação não era assim tão simples. “Nas províncias, entretanto, podemos observar que o processo de racionalização da cobrança [da meia sisa] foi absorvido de forma bastante diferenciada. O caso de maior sucesso foi o do Rio Grande do Sul, onde a meia sisa foi cobrada ininterruptamente durante todo o período imperial, tendo mesmo sido criadas outras taxas sobre a escravidão, a partir de 1850, com o objetivo de subsidiar a imigração. Na maioria das províncias, porém, a matrícula gerou grandes resistências. Conforme antes observado, em diversas províncias do Norte a taxa foi substituída por uma capitação sobre os escravos que eram vendidos para fora da província. Este foi o caso do Pará e também da Bahia e do Maranhão e Espírito Santo. Esta última província é um caso limite
128
como pelos contemporâneos, de que o então presidente poderia estar exagerando a
capacidade da província de cobrar impostos com regularidade, especialmente um
imposto que envolvia a transação de escravos: [...] tem sido quase inexequível, não obstante os esforços empregados pelos coletores, os quais, depois de longas e repetidas viagens às habitações dos moradores dos seus distritos, nada conseguem porque alguns sonegam parte de sua fábrica, outros não estando presentes os seus feitores recusam manifestar os escravos. [...] Por outra parte, como vos sabeis, poucas são as vendas de escravos celebradas por escritura pública ou feitas por arrematação judicial; a maior parte se conclui por escrito privado, de onde se segue que fica ao arbítrio dos vendedores pagar ou não a meia sisa, a despeito das penas em que incorrem pela defraudação desta456.
De qualquer maneira, o presidente acreditava que o golpe mais duro às contas
provinciais fora a diminuição, de 5% para 3%, do imposto sobre o algodão. Segundo
ele, nos três anos financeiros anteriores (40-41,41-42,42-43) esse imposto rendeu,
respectivamente: 80:117$910, 75:548$136 e 56:018$122 réis. Para o ano financeiro
seguinte, o rendimento deste imposto ficou orçado em 42:336$435 réis, demonstrando,
do seu ponto de vista, a necessidade de restabelecer o valor cobrado anteriormente.
Aqui, também, é importante ponderar o juízo do chefe do executivo provincial. O
rendimento dos impostos sobre o algodão, em decréscimo contínuo nos respectivos anos
financeiros, pode indicar: 1º, queda de rendimento (e, por conseguinte, da produção, ou
vice-versa) da cotonicultura maranhense, perante as dificuldades enfrentadas com a
concorrência do mercado internacional, hipótese amparada pela historiografia457;
oscilação da capacidade extrativa da Província, tendo em vista que, num estado ainda
em construção, a efetivação “da soberania estatal [se faz pela] [...] definição da
territorialidade, o estabelecimento de formas de contagem e medição e a fiscalidade”458,
esforço de execução visto com a reforma – 3 vezes em menos de uma década – do
Tesouro Provincial; ambas, ou nenhuma. Se considerarmos as duas hipóteses anteriores
à luz de outras medidas aprovadas em 43, não é implausível considerar que a
diminuição dos impostos tenha sido uma medida de incentivo, por parte da Assembleia
Legislativa, ao setor produtivo maranhense.
de ineficiência fiscal. Todas as rendas foram arrematadas pelas câmaras municipais e rendem muito pouco, vivendo a província dos cofres da receita geral”. COSTA, op. cit., p. 42 e passim. 456MARANHÃO, Relatório do presidente da província do Maranhão, Vicente Thomaz Pires de Figueiredo Camargo, presidente desta província, na abertura da Assembleia Legislativa Provincial no dia 3 de maio. Maranhão, Typ. de I.J. Ferreira, 1838, p. 44-45. 457 FARIA, 2001, p. 33-34 e passim. 458 COSTA, 2005, op. cit., p. 43.
129
Na sessão de 11 de maio de 1843459 entrou em discussão um projeto da comissão
da Fazenda sobre isenção de direitos, requerida por João Homem de Siqueira. Foi
retirado da discussão após aprovação da casa e teve seu único artigo substituído por
emenda do Deputado Vieira, qual seja: “Fica isento, por espaço de 10 anos, dos direitos
de exportação para dentro do Império, na parte relativa à Receita Provincial, todo e
qualquer artefato ou produção da indústria fabril da Província”460. O projeto foi
aprovado com a supressão das palavras “por espaço de 10 anos”, modificação sugerida
pelo deputado Luiz Ferreira. Ainda nesse ano, é aprovada a lei que, projeto do cidadão
Manuel José de Medeiros, autoriza a criação do Banco Comercial, cujos estatutos,
produzidos pela Assembleia Geral do Maranhão, criada pela mesma lei, dependiam da
autorização da Assembleia Legislativa Provincial461. Reitero que essas medidas, em
conjunto com a diminuição do imposto sobre o algodão, servem apenas para indicar um
esforço no sentido da desoneração e estímulo da atividade produtiva maranhense. Aqui,
é preciso dizer, me interessa nuançar o discurso do presidente da província em relação
ao imposto do algodão. Luiz Antônio Vieira da Silva, por exemplo, em 1845,
compreende que são a concorrência com os Estados Unidos e a incapacidade de
fomentar o consumo interno os responsáveis pelo ocaso do algodão maranhense. Desde
1809, segundo ele, quando a província produziu 402.244 arrobas de algodão, “ficamos
estacionários [...]; quando os Estados Unidos tem sempre aumentado, chegando sua
última produção, segundo as notícias da Inglaterra, a 2 milhões de balas ou pouco mais
ou menos a de 24 milhões de arrobas”462; esse número, inclusive, teria sido um aumento
da produção de 1835 em 4 milhões de arrobas (nesse mesmo ano o Brasil teria
exportado 875.000 arrobas).
3.1.1 As legislaturas ligueiras
A partir de 1846, nos debates sobre os impostos, as clivagens aparecem com
mais força. A manutenção da diminuição do imposto sobre o algodão era considerada
fundamental para o bem-estar da província pelo Observador, um dos principais jornais
de oposição à Liga, o partido do presidente da província Joaquim Franco de Sá. A Liga 459 MARANHÃO, Ata da Assembleia Legislativa Provincial de 11 maio de 1843. Publicador Maranhense (31/05/1843) BPBL. 460 Idem, Lei nº 142 de 28 de junho de 1843. CLP, BPBL, p. 1. 461 Id., Lei nº 166 de 30 de outubro de 1843. CLP, BPBL, p. 33. 462 MARANHÃO. Jornal de Instrução e Recreio. Associação Literária Maranhense (1845-46). BPBL, p. 51.
130
é formada e organizada em fins de 1846, mas, como vimos no final do capítulo anterior,
é apenas após a eleição de novembro de 1847 que ela alcança representação decisiva no
legislativo provincial. Após a ascensão do grupo ligueiro ao poder, ainda segundo este
jornal, o presidente da maioria queria, com ela, “que a Província sofresse as novas
imposições, e para isso era forçoso aumentar despesas, isto é, repartir com os afilhados
fatias de pão de ló; havia dinheiro, cumpria gastá-lo”. Mas para realizar tais despesas, o
“patronato da maioria da Assembleia” aprovou o retorno do antigo imposto sobre o
algodão, “o principal produto agrícola desta Província, e a quem ela deve o grau de
prosperidade a que tem chegado”463. E tudo isto vindo da autoridade que pregava
“conciliação”, “economia” e “imparcialidade”! De alguma forma, assim como fizemos
anteriormente – em sentido oposto – poderíamos considerar esta medida como um meio
de dar à província capacidade financeira de realizar obras públicas em prol do avanço
material local e da diversificação da lavoura (com a introdução do açúcar como gênero
produtivo). Nesse sentido, Franco de Sá estaria justificado a aumentar os impostos se
seu objetivo era aumentar as rendas provinciais para, como se lia em seu relatório de
presidente, realizar as obras públicas de melhoramento da província464. A Comissão de
Fazenda e Orçamento, ocupada por José Martins Ferreira, Manoel Jansen Ferreira e
Paulo Nunes Cascaes, certamente deu justificativa similar, ainda que de maneira mais
específica. Dizia ela que a redução de 2% do algodão, a de 10% nos direitos de consumo de água ardente, a falta de fiscalização das rendas arrecadadas no interior da Província, a má fé dos contribuintes, que só tendem a aumentar o comércio por meio de extravios, e contrabandos, e finalmente a cessação de suprimento, que a Assembleia Geral prestava aos cofres provinciais são, entre outras, as causas reconhecidas dos apuros financeiros desta Província, das quais tem resultado a deficiência das rendas, e por consequência uma dívida passiva de 101 contos de réis465.
Observando a necessidade de a população fazer sacrifícios, compreenderam que era
“justo que tais sacrifícios se fizessem primeiro por parte daqueles Empregados cujos
serviços pode ser coadjuvado pelos Corpos de 1ª Linha, como o era antes da Lei nº 21,
além de que também não consignou quantia para o pagamento das Guardas
463 MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1847-57): Biblioteca Nacional (BN), 13 de setembro de 1847, p. 1. 464 MARANHÃO, Relatório do presidente da província do Maranhão, Joaquim Franco de Sá, presidente desta província, na abertura da Assembleia Legislativa Provincial no dia 3 de maio. Maranhão, Typ. de I.J. Ferreira, 1847, p. 16-17. 465 MARANHÃO, Sala das Comissões da Assembleia em 13 de julho de 1846. Publicador Maranhense (18/07/1846) BPBL, p. 2.
131
Campestres”. Uma “milícia inteiramente inútil” 466 que só teria onerado a província,
anualmente, em 17 contos de réis. Essa decisão aponta para o exame de outro notório
contemporâneo, o Marquês de São Vicente, que em seu “Direito público brasileiro e
análise da constituição do Império”, asseverava que a atribuição das Assembleias
provinciais de fixar as forças policiais [...] não deixa de oferecer alguns inconvenientes, um deles é o de onerar os cofres provinciais com esta verba de despesa sempre considerável. Cremos, porém, que desde que as províncias tivessem segurança de que o governo geral conservaria sempre nelas, salvas as circunstâncias extraordinárias, forças policiais suas, suficientes para seus diferentes serviços, e mormente se fossem por ele pagas, cremos que aproveitariam melhor as suas rendas, empregando-as em melhoramentos provinciais. Limitar-se-iam, então, só à sua restrita atribuição de fixar o quantum dela em relação ao serviço provincial467.
Aqui, julgo importante trazer à baila a digressão feita por Manoel Jansen Pereira
em “O Arquivo”, jornal “científico e literário da Associação Literária Maranhense”468.
Jansen discute longamente sobre qual o sistema de resolução preferível, para um
Estadista, frente a despesas extraordinárias com as quais precisa lidar: o de empréstimo
ou o de impostos. Num artigo de três páginas, numa minúcia que não pretendo retomar,
Jansen Pereira argumenta que “pode-se estabelecer e sustentar a seguinte tese – que os
empréstimos acarretam ordinariamente graves embaraços aos progressos da riqueza
pública sobrecarregando as fontes de produção”. Contra David Ricardo e Florez-
Estrada, que, segundo ele, recomendavam que o governo cobrasse uma só quantia a toda
a população, ele se pergunta se tal expediente não seria uma “imposição onerosa e
opressora a indústria do país”; ainda mais, pergunta-se se não seria injusta, pois
recaindo igualmente sobre toda a sociedade e não sendo possível determinar, com
precisão, a riqueza de todos os setores, “viria ela a recair sobre a classe agrícola, única
cujos fundos estão a vista de todos”469. Liberal opositor da Liga Maranhense, Jansen
Pereira esboçou, neste artigo, a primeira posição, digamos, doutrinária que tenho notícia
em relação a impostos dentro do seu grupo.
466 Idem, Ibidem. 467 BUENO, José Antônio Pimenta. Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império. 1857 (1ª Ed.) In: KUGELMAS, Eduardo (org). José Antônio Pimenta Bueno, Marquês de São Vicente. São Paulo: Ed. 34, 2002, p. 246. Sigo aqui indicação de FARIA, op. cit., 2007, p. 164-165. 468 Composta, nesta edição, por Alexandre Teófilo de Carvalho Leal, A. Curcino Benjamin, A. Carneiro H. de Souto Maior, Antônio Henriques Leal, A. R. de Torres Bandeira, Dr. Antônio Rêgo, A. C. dos Reis Raiol, A. Frederico Colin, F. José Corrêa, Gregório de Tavares Maciel da Costa, J. Tell Ferrão, J. J. Ferreira, Manoel Jansen Pereira, Benício Fontenelle, F. A. de Carvalho Reis, , R. J. Faria de Mattos, R. Augusto Colin. 469 MARANHÃO. Empréstimos públicos. O Arquivo (31/05/1846) BPBL, p. 60.
132
Ainda no relatório de 1847, Franco de Sá enfatizava que a Província lograria
nova capacidade de “realizar os melhoramentos urgentíssimos que a Província
reclama”, uma vez que sua capacidade extrativa havia sido melhorada e as novas
imposições financeiras (alterações nos impostos) já demonstravam seus resultados. O
restabelecimento de 5% de imposto sobre o algodão (28 contos de réis) e sobre cereais
(10 contos de réis) e o aumento da taxa direta na exportação de couro (1 conto),
aumentaria em 39 contos de réis a receita provincial. Além disso, a melhoria na
arrecadação e a extinção das guardas campestres trariam 42 contos de réis para a
província, totalizando 81 contos de réis em receita470.
O próprio Franco de Sá compreendia, para além de razões orçamentárias, que o
“mundo social enfim obedece hoje mais à força moral, e civilizadora do que ao
estrondo, ou compressão da força física”. Portanto, gastar “metade ou um terço da nossa
renda”, em total desproporção inclusive com outras províncias como o Rio de
Janeiro471, estaria impedindo o Maranhão de “esgotar suas capacidades financiais com
uma força militar tão desproporcional”472. Nesse sentido, propôs que o “o estado
completo do corpo de Polícia [seja de] [...] 239 praças”473, em comparação aos 332
fixados em 1844 e 1845. No caso das Guardas Campestres, que “antes se achava em
quase todos os distritos da Província”, e a lei do orçamento do ano anterior consagrara,
desta vez, fundos apenas para as comarcas de Viana, Alcântara e Guimarães, Sá
entendia que ainda que proveitosas nesses locais, não havia razão para restabelecê-las,
pois “tão pouco cabedal se fez deste recurso”474. Na imprensa ligueira, a execução
dessas medidas foi considerada “um triunfo completo da Liga – tivemos 17 votos contra
10”. A oposição teria concordado com a redução da força policial para duzentos praças
como um meio de conseguir reestabelecer as guardas campestres “em todas as comarcas
das províncias”475.
470 MARANHÃO, Relatório do presidente da província do Maranhão, Joaquim Franco de Sá, presidente desta província, na abertura da Assembleia Legislativa Provincial no dia 3 de maio. Maranhão, Typ. de I.J. Ferreira, 1847, p. 16-17. 471 A despesa orçada da província do Rio de Janeiro para o ano de 1845-46 foi de 979:140$000 (979 contos de réis). Com a força policial, 310:937$920 (310 contos de réis), ou seja, aproximadamente 31% da renda provincial (ou quase um terço). Ver Coleção das leis, decretos e resoluções da Província do Rio de Janeiro de 1845. Rio de Janeiro: Typ. do Diário de N. L. Vianna, 1845, p 26-32. 472 Idem, Ibidem, p. 9. 473 Id., Ibid., p. 10. 474 Id., Ibid., p. 11-12. 475 MARANHÃO, O Progresso. Periódicos (1847-53): Biblioteca Nacional (BN), 09 de junho de 1847, p. 4
133
GRÁFICO 1 – PORCENTAGEM DAS DOTAÇÕES ORÇADAS EM RELAÇÃO À RECEITA (1846-1847)476
Essa medida de “aumento” de gastos sofreu dura oposição de Paulo Nunes
Cascaes, Inspetor do Tesouro Provincial. Sotero dos Reis afirmava que essa oposição se
dava por mera vaidade de Cascaes, contrariado por não ter sido escolhido, no ano de
1847, como membro da comissão de orçamento da Assembleia477. Alijado no
Legislativo Provincial, Nunes Cascaes, teria sido, inclusive, demitido do Tesouro
Provincial por sua oposição. Lembro que em junho de 1846 a secretaria da presidência
remeteu à Assembleia o demonstrativo da dívida passiva do tesouro. Teve primeira
leitura o projeto de Paulo Nunes Cascaes, que criava uma sessão especial de Revisão de
Contas, anexa à Contadoria do Tesouro Público Provincial478. O projeto nº60 de 1845,
que isentava o algodão e arroz de Codó de pagar os direitos provinciais de exportação
foi rejeitado em primeira discussão479. Ainda em junho daquele mesmo ano, houve
segunda leitura do projeto 203 que criava uma sessão especial de Revisão de Contas do
476 A despesa orçada para esse ano era de 291:829$012 (291 contos de réis). Somente com a Força policial e segurança pública, o gasto previsto era de 101:812$000 (101 contos de réis). Ver MARANHÃO. Coleção das leis, decretos e resoluções da Província do Maranhão de 1845. São Luís: Typ. de I.J. Ferreira, 1846, p. 12-15. 477 MARANHÃO. A Revista. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 23 de maio de 1847, p 3. Como vimos anteriormente, em 1846 Cascaes era da Comissão de Fazenda. Os membros da Comissão de Contas do Thesouro Provincial foram os Snrs. Galvão, Lisboa e Sanches. MARANHÃO, Ata da Assembleia Legislativa Provincial de 25 junho de 1846. Publicador Maranhense (30/06/1846) BPBL. 478 MARANHÃO, Ata da Assembleia Legislativa Provincial de 27 de junho de 1846. Publicador Maranhense (30/07/1846) BPBL, p. 2. 479 Idem, Ibidem
134
Tesouro Público Provincial, e foi julgado objeto de deliberação480. Nas atas, não há
indicação de que este projeto foi retomado. Todas foram tentativas de organizar as
contas provinciais. A maior parte delas, rejeitadas pela Assembleia. O vice-presidente
da província à época, Ângelo Carlos Moniz, falava de como o Tesouro Provincial
ressentia-se da falta de braços e a escrituração estava paralisada481.
Uma das grandes vitórias da administração de Franco de Sá foi a criação da
Diretoria de Obras e Trabalhos Públicos Provinciais, fruto da lei provincial n. 234 de 20
de agosto de 1847, e eixo central do discurso ligueiro tanto para seus pares (e
opositores) na imprensa, como na Assembleia (o mote da Liga era que seu projeto de
conciliação buscava “melhoramentos morais e materiais”482 na província). De fato,
nestas duas décadas de análise, esse é o principal projeto – realmente discernível como
tal – levado a cabo por um grupo político no Maranhão. Com a incumbência de
“discutir e aprovar os planos, condições e orçamentos para todas as obras e trabalhos
públicos da Província”483, todos os pagamentos de serviços sob sua responsabilidade
deveriam ser realizados pelo Tesouro Público Provincial484. Foi extinta em outubro de
1852 pela Assembleia Provincial, tendo em vista a “má direção das obras”485. Não
obstante, seu estabelecimento criou uma rubrica de despesas que, inexistente até então,
tornou-se parte importante dos gastos provinciais na década seguinte. Esse é um fato
relevante por algumas razões. Primeiramente porque, no Maranhão, a receita
ultrapassou a despesa486 apenas em poucos anos. O que isso significa é que, até 1847,
havia diminuto saldo presumível que pudesse ser empregado na realização de projetos
específicos.
480 MARANHÃO, Ata da Assembleia Legislativa Provincial de 30 de junho de 1846. Publicador Maranhense (05/08/1846) BPBL, p. 2. 481 MARANHÃO, Relatório do presidente da província do Maranhão, Ângelo Carlos Moniz, vice-presidente desta província, na abertura da Assembleia Legislativa Provincial no dia 20 de junho. Maranhão, Typ. de I.J. Ferreira, 1846, p. 37. 482 MARANHÃO, O Progresso. Periódicos (1847-53): Biblioteca Nacional (BN), 20 de agosto de 1847, p. 4. 483 MARANHÃO. Publicador Maranhense. Periódicos (1842-57): Biblioteca Nacional (BN), 23 de janeiro de 1848, p. 2. 484 MARANHÃO. Publicador Maranhense. Periódicos (1842-57): Biblioteca Nacional (BN), 29 de janeiro de 1848, p. 3. 485 MARANHÃO. Publicador Maranhense. Periódicos (1842-57): Biblioteca Nacional (BN), 16 de julho de 1853, p. 3. 486 No ano financeiro de 1852-53 há saldo de 10 contos de réis, e no de 1854-55 a despesa supera a receita em 60 contos de réis. Há pequena discrepância entre os dados dos relatórios da presidência e os das leis orçamentárias aprovadas pela Assembleia. Privilegiei o que ficava estabelecido nas leis porque a decisão sobre os gastos era uma de suas tarefas precípuas. Isso não significa que tudo aquilo que foi orçado foi realmente gasto.
135
GRÁFICO 2 – EVOLUÇÃO DA RECEITA PROVINCIAL (EM CONTOS DE RÉIS)487
GRÁFICO 3 – DOTAÇÕES DA FORÇA POLICIAL E OBRAS PÚBLICAS EM RELAÇÃO À RECEITA488
487 Valores arredondados. MARANHÃO. Coleção das leis, decretos e resoluções da Província do Maranhão. 1848-1856. São Luís: Typ. de I.J. Ferreira e MARANHÃO, Relatórios do presidente da província do Maranhão. Maranhão, Typ. de I.J. Ferreira, 1855, 1856 e 1857. 488 “A inflação média anual brasileira entre 1830 e 1889 terá sido da ordem de 1,2% ao ano”. ABREU, Marcelo de Paiva; LAGO, Luiz Aranha Correa. A economia brasileira no Império, 1822-1889. Textos para discussão, nº 584, Departamento de Economia da PUC-Rio, p. 36.
136
Em segundo lugar, porque aponta para uma questão particular. Na década de 40, as
rendas provinciais mantém um padrão de gasto significativo com a força policial. A
partir da administração e legislaturas ligueiras, esse padrão de gastos se modifica, ainda
que o gasto com as armas mantenha-se relativamente estável (e elevado)489. Ou seja, a
tendência iniciada nessa época não foi revertida posteriormente. O mesmo pode ser dito
do reestabelecimento do imposto de 5% sobre o algodão, que não foi modificado na
década seguinte. E em terceiro e último lugar porque, na maior parte do período
estudado, as rendas provinciais do Maranhão estavam voltadas, primordialmente, às
atividades básicas como Culto Público, Instrução e Saúde Públicas, e Fiscalização das
Rendas (além da já citada Força Policial). E como se vê no gráfico 3, apenas no final da
década de 50 a receita começa a apresentar sinal marcado de crescimento.
Eduardo Olímpio Machado, em seu relatório de 1855, nos dá a pista para
explicar esse crescimento. Segundo ele, “a arrecadação de impostos tem aumentado
progressivamente”490. As rendas advindas do algodão cresceram sucessivamente entre
1851 e 1854 (de 54 contos de réis a 95 contos de réis). Outras rendas também
cresceram: a meia sisa dos escravos, de 27 a 36 contos de réis no mesmo período, “pelo
maior número de vendas e aumento de preço”; a taxa de exportação dos escravos, que
caiu de 200$000 para 50 réis, gerando 24:050$800 de receita; e a taxa sob o gado
vacum (10:600$840), que “se deve atribuir à melhor fiscalização e arrecadação”491. Não
é despropositado enfatizar que a menção à fiscalização e arrecadação é de notório
interesse aqui. Como ficou sugerido no final do capítulo anterior, o Tesouro Provincial
era um órgão disputado pelos liberais. Sua (re)organização, como veremos, aponta para
essas disputas. Antes de retomá-las, é preciso dizer que já a partir de 1854, segundo
relatório da presidência, a província do Maranhão passa a acumular “saldos existentes”
mais avultados e com maior regularidade. Segundo ele, “a maior parte da importância
dos saldos existentes nos cofres provém de empréstimos a 8 por cento, que tendo sua
aplicação especial para diferentes melhoramentos da província, alguns deles tem sido
489 Entre 1843-1847 a despesa média orçada para a província foi de, aproximadamente, 264 contos de réis. O gasto com a força policial foi de, aproximadamente, 88 contos de réis, ou seja, em torno de um terço da despesa provincial. 490 MARANHÃO, Relatório do presidente da província do Maranhão, Eduardo Olímpo Machado, presidente desta província, na abertura da Assembleia Legislativa Provincial no dia 5 de maio de 1855. Maranhão, Typ. de I.J. Ferreira, 1855, p. 28. 491 MARANHÃO, Relatório do presidente da província do Maranhão, Antônio Cândido da Cruz Machado, presidente desta província, na abertura da Assembleia Legislativa. Maranhão, Typ. de I.J. Ferreira, 1856, p. 36.
137
realizados por renda própria”492. Estes empréstimos, por sua vez, foram autorizados
num contexto de divisão da Assembleia Provincial em relação à proposta de Olímpio
Machado de dobrar a despesa da província em relação à receita. Retomarei todos estes
eventos a seguir.
3.1.2 O Tesouro Provincial em disputa nas legislaturas posteriores
Nesse capítulo, já segui com algum vagar a reforma do Tesouro Provincial de
1843, reforma essa que passou inclusive pela proposta de sua extinção. Na lei provincial
nº 234, de 20 de agosto de 1847, a Assembleia Provincial, no art. 15, § 1º, autorizou o
governo da província, durante a presidência de Franco de Sá, a “fazer as reformas que
julgar convenientes no tocante à organização, arrecadação, distribuição, escrituração e
contabilidade da Fazenda Provincial”493. Em 1848, já na presidência de Alvares do
Amaral, lê-se no relatório que apesar do pouco tempo da execução do novo
regulamento, o Inspetor da Repartição asseverava que a administração “da Fazenda
Provincial muito ganhou com o Regulamento, do que não tenho razão para duvidar, e
nem mesmo discutirei nesta ocasião se convém ou não que o Presidente da Província
seja também o Presidente do Tesouro”494. De fato, o regulamento dessa lei deu poderes
amplos ao presidente. No 1º artigo, lê-se que “Tesouro Público Provincial constará de
um Tribunal Administrativo da Fazenda e de quatro seções” (escrituração, contas,
arrecadação e tesouraria). No 2º artigo, ficou estabelecido que “O Tribunal
Administrativo da Fazenda Provincial será composto do Presidente da Província com
voto deliberativo, do Inspetor do Tesouro e do Procurador Fiscal com voto consultivo
somente, e do Secretário sem voto”. No 20º artigo, nas disposições gerais, também ficou
estabelecido que “os Empregos de Inspetor, de Procurador Fiscal, Chefes de Seção, e de
Secretário serão da livre nomeação do Presidente da Província”. E no 22º artigo,
finalmente, que “todos os empregados da Fazenda da Província serão livremente
demitidos pelo Presidente dela quando assim o julgue conveniente ao serviço”495.
Apesar da queda da arrecadação no exercício de 1848-49, o presidente Ferreira Penna, 492 Idem, Ibidem, p. 20. 493 MARANHÃO. Lei provincial nº 234, de 20 de agosto de 1847. CLP. 494 MARANHÃO, Relatório do presidente da província do Maranhão, Antônio Joaquim Alvares do Amaral, presidente desta província, na abertura da Assembleia Legislativa em 28 de julho. Maranhão, Typ. de I.J. Ferreira, 1848, p. 70. 495 MARANHÃO. Regulamento de 23 de fevereiro de 1848. Coleção dos Regulamentos expedidos pelo governo provincial para a execução das leis da Assembleia da Província nos anos de 1835 a 1848. Maranhão, Typ. de I.J. Ferreira, 1849, p. 1-11.
138
em 1849, considerou próspera a execução desta lei, concorrendo inclusive para “saldar
quase completamente a dívida passiva reconhecida”496.
No entanto, não era esse o juízo propalado pela oposição. O Estandarte se
perguntava: “onde estão os portentosos resultados que tem produzido a reforma do
Tesouro, aparatosamente prometidos pelo Metralhador? Onde está o decantado e
sucessivo acréscimo das rendas provinciais?” Seu redator compreendia que “embora a
baixa do algodão tenha causado a diminuição da renda, se houvesse fiscalização, não
seria tão grande à vista de tantos impostos que esmagam desde 1847 a população já tão
onerada”497. Azeredo Coutinho, sucessor do presidente da província Ferreira Penna,
compartilhava desse ceticismo. Em 1850, o então presidente observava que a organização atual não é a mais conveniente, ou que o pessoal existente não mostrava [...] no desempenho de seus deveres o zelo e dedicação. [...] Assim, não obstante a excelência da nova organização, subsistem hoje os mesmos defeitos, a mesma confusão notada em 1847. Não há um Diário, que em todas as repartições, em todas as casas de comércio, mesmo em muitas casas particulares é um livro indispensável, é a chave de toda escrituração e contabilidade. [...] O Tesouro não sabia ao menos quais eram os seus devedores, pois que havendo eu exigido em Janeiro do corrente ano uma conta das quantias que têm sido entregues às diversas pessoas e corporações, para serem empregadas em obras públicas, [...] só se pôde aprontar essa conta depois da demissão do Inspetor e a de outro Empregado498, a quem lhe atribuiu as faltas que eu lhe havia notado499.
Em vista desses juízos, ele nomeou uma comissão para analisar a organização do
Tesouro, composta por José Firmino Vieira, Paulo Nunes Cascaes e Antônio Joaquim
Tavares. Os trabalhos dessa comissão redundaram em nova autorização para reforma do
Tesouro Provincial, mas dessa vez para ser submetida à aprovação da Assembleia
Provincial500.
Nas sessões de 1850, o debate sobre o orçamento provincial passou por três
discussões. Não era incomum a tentativa de diminuir o imposto de 5% sobre o algodão
e diversos gêneros; as rejeições, pelo plenário, dessas propostas de aumento, eram
496 MARANHÃO, Relatório do presidente da província do Maranhão, Herculano Ferreira Penna, presidente desta província, na abertura da Assembleia Legislativa em 14 de outubro. Maranhão, Typ. de I.J. Ferreira, 1849, p. 15. 497 MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 16 de fevereiro de 1849, p. 3. 498 O exposto aqui resolve, em certa medida, a questão apresentada no capítulo anterior (p. 99-102). O presidente não estava extrapolando suas atribuições quando demitiu empregados do Tesouro Provincial, mas exercendo prerrogativas legadas a ele pela própria Assembleia Provincial. O curioso é a Assembleia ter legado ao presidente da província tais poderes. 499 MARANHÃO, Relatório do presidente da província do Maranhão, Honório Pereira de Azeredo Coutinho, presidente desta província, na abertura da Assembleia Legislativa em 7 de setembro. Maranhão, Typ. de I.J. Ferreira, 1850, p. 52-53. 500 MARANHÃO. Artigo 19 da Lei provincial nº 291, de 9 de dezembro de 1850. CLP.
139
igualmente comuns501. Em relação às taxas de 350 réis sobre os couros, por exemplo,
“objeto de produção da província”, o Sr. Aranha propôs que fosse cobrado 200 réis de
cada couro e metade de cada vaqueta502. O deputado Jorge Jr. propôs que se diminuísse
a taxa de 260 réis para 140503. O deputado Moraes Rego propôs que aprovada a emenda
do Sr. Aranha, o valor cobrado se mantivesse como estava. A proposta do Sr. Aranha
foi aprovada e todas as outras rejeitadas. Na sessão de 22 de dezembro, Paulo Nunes
Cascaes, já na terceira discussão do orçamento, mandou, para apreciação da Casa,
projeto substitutivo restituindo os impostos ao status anterior, e estabelecendo, no artigo
19, a forma pela qual se deveria realizar a reforma do Tesouro Provincial504. É
interessante notar que a lei previa que o Procurador Fiscal do Tesouro deveria ser
nomeado na forma da lei de 4 de Outubro de 1831, quando o governo central já havia,
naquele mesmo ano, expedido o decreto nº 736 de 20 de novembro de 1850, que
reformava o Tesouro Público Nacional e as Tesourarias das Províncias. Isto aponta para
o descompasso e disputas de competência – previamente aludidos neste trabalho – entre
as províncias e o governo central.
Em 1852, já (ou ainda) na presidência de Eduardo Olímpio Machado, O
Observador noticiava que o Sr. Olímpio Machado deixou de executar a lei provincial n. 291, de 9 de Dezembro de 1850, [...] pela mesma razão que o sr. Azeredo Coutinho, não suspeito ao Estandarte, deixou de o fazer, isto é, por ser ela inexequível em seu grave prejuízo da fazenda provincial, que tem seu primeiro princípio de prosperidade na boa organização do tesouro respectivo, cujo pessoal numérico tem sido reconhecido indispensável para que não padeça sua economia e polícia505.
Em seu relatório de 1853, Olímpio Machado afirmava que o Tesouro ainda estava
organizado pela lei de 1848 (o regulamento aprovado por Franco de Sá), e “não é
possível nem conveniente alterar esta organização à vista das razões expendidas nos
relatórios anteriores”. No relatório daquele ano, ele pedia que os deputados não
insistissem na “reforma com a cláusula decretada nas leis ns. 291 e 332, e [esperava]
que [...] [votassem] o crédito indispensável para a manutenção dessa repartição no seu
501 Como a ocorrida na 2ª discussão do orçamento naquele ano em relação à proposta de emenda do deputado Brandão. MARANHÃO. Ata da Assembleia Legislativa Provincial de 30 de Outubro de 1850. Publicador Maranhense (23/11/1850) BPBL, p. 2. 502 Idem, Ibidem. 503 MARANHÃO. Ata da Assembleia Legislativa Provincial de 31 de Outubro de 1850. Publicador Maranhense (23/11/1850) BPBL, p. 2. 504 MARANHÃO. Ata da Assembleia Legislativa Provincial de 22 de Dezembro de 1850. Publicador Maranhense (25/03/1851) BPBL, p. 1-2. 505 MARANHÃO. O Observador. Periódicos (1843-50): Biblioteca Nacional (BN), 15 de agosto de 1852, p. 1.
140
estado atual”506. Um dos pontos centrais da lei de orçamento de 1852 era a isenção de
5% do imposto sobre a exportação do açúcar, consagrada no artigo 19. No artigo 32, foi
proposta nova reforma da “Repartição do Tesouro Provincial e Coletorias”507. Esse
conflito é central na legislatura de 1853, provocando um racha na Assembleia
Provincial. Parece óbvio que o presidente da província quisesse manter em voga um
regulamento que lhe desse amplos poderes na administração do Tesouro Provincial. Por
um lado, já se falou alhures da dificuldade que alguns deputados encontravam de
aprovar impostos que não fossem do interesse dos grandes proprietários, e como muitos
deles inclusive evitavam propor tais imposições por medo do ônus político.
Paralelamente, foi no âmbito da capacidade extrativa que muitas províncias acharam a
solução para seus problemas infraestruturais, tarefa fundamental de um estado em
construção508. Neste caso, tudo indica que o presidente da província se incumbiu de
deixar de executar leis provinciais aprovadas pelos deputados, por entender que elas
agiam na contramão dos interesses da província. Se levarmos em consideração a
narrativa da oposição e a própria lei de orçamento aprovada no ano seguinte, torna-se
difícil discordar dessa percepção.
No dia 14 de dezembro de 1853, O Estandarte cristaliza o fatídico dia da
“Mofina”. Nele, segundo sua narrativa, discutia-se o projeto apresentado por Eduardo
Olímpio Machado para fixar a despesa provincial em mais do dobro da receita. Ainda
sob a apreciação de José Martins Ferreira, antes que concluísse seu discurso, o snr. deputado Mariano José Pereira Pinto propôs que se encerrasse a mesma discussão. Votaram pelo encerramento, e pela admissão do projeto para subir logo à sanção os quinze senhores deputados. Professor Mariano José Pereira Pinto, Dr. José Maria Barreto Júnior, Dr. Antônio Marcelino Nunes Gonçalves, Dr. Frederico José Corrêa, Dr. Joaquim José Lamaigner Viana, Dr. José Ascenso da Costa Ferreira, Dr. Manuel Duarte do Vale Junior, Tenente Coronel Ricardo da Silva Ferro, Ten. Cel. Raimundo Jansen Serra Lima, Padre Virgílio José Nunes, Padre Zacheo Francisco da Penha, Professor José Esteves da Serra Aranha, Professor José Mariano Gomes Ruas, Senador Jerônimo José de Viveiros509.
O presidente da Assembleia, Barreto Júnior, após consultar a casa e ela decidir que a lei
“já havia sido suficientemente discutida”, procedeu à votação, e “em seguida retiraram-
506 MARANHÃO, Relatório do presidente da província do Maranhão, Eduardo Olímpio Machado, presidente desta província, na abertura da Assembleia Legislativa em 1 de novembro. Maranhão, Typ. de I.J. Ferreira, 1853, p. 18. 507 MARANHÃO. Lei provincial nº 332, de 14 de Outubro de 1852. CLP, p. 59-60. 508 DOLHNIKOFF, 2005, op. cit., p. 158-165. 509 MARANHÃO. O Estandarte. Periódicos (1849-56): Biblioteca Nacional (BN), 22 de dezembro de 1853, p. 1. Grifei para enfatizar que esses são a maioria dos deputados que fazem parte do grupo de parlamentares recorrentes nas legislaturas da década de 1850. Ver Tabela 6.
141
se os srs.”510 Dr. José da Silva Maia, Dr. Fernando Cândido de Alvear, Dr. Pedro
Wenescop Cantanhede, Dr. João Bernardino Jorge Júnior, Dr. Antônio Joaquim
Tavares, Dr. José Martins Ferreira, Dr. José de Almeida Martins Costa, José Frazão
Varela, Adriano Augusto Bruce Barradas, João da Mata de Moraes Rego, João Juliano
de Moraes Rego, José Sanches, José Antônio da Costa. Na própria ata, lê-se que “como,
porém ficasse nº suficiente para deliberar-se, se deu princípio à votação”511. A lei de
orçamento aprovada pela Assembleia, de fato, estabelecia gasto superior à receita (em
60 contos de réis), mas estava longe do dobro alardeado pela oposição. De todo modo,
sua grande conquista foi conservar a estrutura dos impostos – retomando a tributação
sobre o açúcar – e a aprovação das despesas excedentes feitas nos exercícios de 1851-
52, “com a fiscalização e arrecadação das rendas Provinciais”512, ou seja, com a
execução da lei na forma de 1848. Esse é, acredito, um caso emblemático do presidente
da província agindo muito além de suas atribuições, pois mesmo que consideremos que
ele precisou do apoio da maioria na Assembleia para aprovar suas contas e reiterar a lei
que organizava o Tesouro Provincial, as fontes indicam que ele passou todo o exercício
financeiro anterior desrespeitando o aprovado pela Assembleia, e os recursos que
mobilizou para a realização de sua vontade (projeto?) não passou pela prerrogativa do
veto. No ano seguinte, seu apoio na Assembleia parecia consolidado, pois a lei do
orçamento autorizou a emissão de 200 contos de réis em apólices da dívida pública,
destinadas à obra do canal do Arapahy, do canal da Lagem-Grande, estradas de Caxias à
Teresina, e da capital à estiva, à compra de instrumentos agrícolas para serem vendidos
aos lavradores por preço de custo e outros melhoramentos513. Nessa mesma lei, novas
medidas foram aprovadas para a racionalização da cobrança de impostos, como o
método de escrituração por partidas dobradas. Até onde pude verificar (não tive acesso à
lei do orçamento de 1857), não houve nova reorganização do Tesouro na legislatura
seguinte, a última no período estudado, e na qual encerro este trabalho.
510 MARANHÃO. Ata da Assembleia Legislativa Provincial de 14 de Dezembro de 1853. Publicador Maranhense (05/01/1854) BPBL, p. 2. 511 Idem, Ibidem. 512 MARANHÃO. Lei provincial nº 339, de 13 de Dezembro de 1853. CLP, p. 13. 513 MARANHÃO. Lei provincial nº 367, de 24 de Julho de 1854. CLP, p. 67.
142
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Comecei esta empreitada procurando evidenciar algumas coisas. Em certos
casos, acredito tê-lo feito. Em outros, a pesquisa modificou minhas expectativas. O eixo
fundamental, penso, foi demonstrar a existência de uma elite política interessada em
ocupar os espaços político-institucionais da província. Essa elite que se reestruturou no
pós-Balaiada teve que lidar com a significação da Guerra para sua organização. Talvez
não seja completamente despropositado supor que uma intervenção dessa magnitude na
política local tenha deixado marcas duradouras na política local. Como expus no
segundo e terceiro capítulos, os grupos políticos maranhenses frequentemente se
referiam aos presidentes da província como uma das grandes bases da política
provincial, pela sua ação ou inação. Para além do caso já consagrado das fraudes
eleitorais, a ele era atribuído extrema relevância para a força dos partidos. Suas decisões
sobre empregos, demissões, deslocamento de tropas e uso da máquina pública para
angariar apoio político (como mandar buscar aliados no interior do estado para tomar
assento na Assembleia, ou nomear membros da Câmara Municipal de São Luís em
aparente dissonância com a lei) foram denunciadas com frequência e até virulência.
Essa ênfase, no entanto, não pode nublar a existência e força dos partidos
maranhenses como formadores e aglutinadores dos grupos políticos. Este é o segundo
ponto que considero ter demonstrado. A Liga Liberal Maranhense foi, de fato,
estruturante da política provincial. Sua breve existência e brevíssima proeminência pode
nos fazer pensar que ela foi apenas mais uma das várias alcunhas de pouco significado
que surgiram e desapareceram em meados do oitocentos no Brasil. No entanto, como
apresentei nos dois últimos capítulos, sua iniciativa de Conciliação – quando o termo
ainda nem estava em voga da maneira que foi consagrado pela historiografia brasileira –
deixou marcas duradouras não só na organização dos grupos políticos, mas na
estruturação mesma da própria província e na maneira como os presidentes posteriores
estabeleciam e executavam o orçamento. Os debates nos jornais, as reuniões das
comissões centrais, as chapas eleitorais e as alianças e/ou rompimentos são todas
ilustrações dessa história de partidos.
É verdade que segui, com certa rigorosidade, algumas das pistas e indicações
deixadas por João Lisboa, um conhecido cético e crítico mordaz das organizações
partidárias maranhenses. Mas, se se pode fazer essa divisão, esse era o Lisboa analista,
decepcionado com os rumos da política maranhense, condenando-a retrospectivamente.
143
O Lisboa político, que também era bastante severo em seus exames, ainda assim
demonstrava abertamente suas filiações: Desde 1840 apartei-me da política. [...] E desta longa abstenção, vós o sabeis, fiz uma única exceção em 1847. Supondo a província fatigada dos erros em que se transviara, e dos alcunhados sistemas políticos que até então seguira, deixei-me vencer pelos projetos brilhantes de um maranhense hábil, ilustrado e sinceramente patriota; mal compreendido, porém caluniado, ultrajado, e compelido por uma oposição fatal à alianças mais fatais ainda, ele viu a mor parte de suas nobres aspirações frustradas ou adiadas. Fosse amor próprio empenhado na luta, fosse convicção inabalável e profunda da justiça da sua causa realmente justa, nunca o vi afracar, nem arrepender-se ainda nos dias mais difíceis. [...] Para ser justo, devo declarar que os meus elogios dizem respeito principalmente à parte propriamente administrativa do governo ilustre maranhense; quanto ao que aqui se chama política, é força confessar, que foi arrastado e envolvido, bem que mal grado seu, pelo turbilhão que envolveu em todo o sentido os que o precederam e o sucederam514.
Essa diferença fez com que José Murilo de Carvalho considerasse que Timon, “em
vários aspectos, contradiz seu criador”515, pois seu desencanto com a política e ódio aos
partidos escondia um Lisboa profundamente envolvido na prática e disputa políticas, no
debate liberal, na composição dos grupos. Foi a partir da intersecção de suas críticas
mais contumazes e da sua ação política que procurei mobilizá-lo para a compreensão da
disputa política maranhense. É uma ambivalência elucidativa, pois “com o andar dos
tempos, vão-se as cisões em tal aumento, e multiplicam de tal maneira que é mister
empregar o processo oposto para que não venha tudo por fim a ficar reduzido a simples
individualidades”516.
Da mesma maneira que acredito ter exposto a organização e filiação (partidária)
dos grupos, entendo, por outro lado, que não foi possível verificar se eles conseguiram
realizar seus projetos a partir da Assembleia. Mais ainda, acredito que o leitor teve
alguma dificuldade de identificar se os grupos realmente possuíam algum. A referência
constante, nas fontes, aos presidentes da província, me deixou com a forte impressão de
que, durante esse período, muitas vezes eles eram os proponentes das reformas. Contra
essa impressão, é importante lembrar que na reforma do Tesouro em 1843, os deputados
modificaram o órgão apesar da ação expressa do presidente de não aprová-la. De outra
parte, as reformas de 1848, 1850 e 1853 se originaram em iniciativas dos presidentes,
514 LISBOA, João Francisco. Discurso sobre a anistia dos pernambucanos revoltosos na Assembleia Legislativa Provincial na sessão de 12 de novembro de 1849. In: LEAL, Antônio Henriques. Obras Completas de João Francisco Lisboa. Vol. IV, São Luís: Typ. de B. de Mattos, 1865, p. 625-626. 515 CARVALHO, José Murilo de. Introdução. In: ___________. (org.) João Francisco Lisboa. Jornal de Timon: Partidos e eleições no Maranhão. São Paulo: Cia. das Letras, 1995, p. 19. 516 LISBOA, João Francisco. Discurso sobre a anistia dos pernambucanos revoltosos na Assembleia Legislativa Provincial na sessão de 12 de novembro de 1849. In: LEAL, Antônio Henriques. Obras Completas de João Francisco Lisboa. Vol. I, São Luís: Typ. de B. de Mattos, 1865, p. 226.
144
ainda que as de 1848 e 1853 possam ser consideradas uma conjunção da ação de ambos
(Assembleia e Presidência). Pensando no âmbito das individualidades, a tentativa de
extinguir impostos foi constante. Todavia, não é possível, nem salutar, ceder à tentação
de relacionar mecanicamente a tentativa de diminuir os impostos com os próprios
interesses dos deputados enquanto lavradores. Não quero dizer aqui que essa situação
não existia, mas sim que casos como os do Senador Jerônimo de Viveiros517 e o de
Antônio Marcelino Nunes Gonçalves518, ambos advindos de famílias de senhores de
terras e engenhos, e que votaram a favor da restituição dos impostos sobre o algodão,
nos alertam para a complexidade das relações entre essas esferas.
Isso também é verdade para a questão da força policial. Responsabilidade das
Assembleias Provinciais e consideradas fundamentais para manter a tranquilidade da
província, consumiram cerca de um terço do orçamento provincial no período estudado,
e foram alteradas muitas vezes pela proposição dos presidentes da província. As
Guardas Campestres, por exemplo, extintas por proposta de Franco de Sá, eram
consideradas de grande importância por Azeredo Coutinho, pois existia “grande número
de escravos fugidos [569], que não só ameaçam constantemente a existência dos
Lavradores vizinhos [...], mas também lhe causam danos à lavoura e gados”519. Pediu
que fossem restituídas, e a Assembleia assim o fez. Olímpio Machado, julgando que a
inteligência das tropas era importante no combate aos quilombos, propôs que se
aumentasse de 10 para 12 as esquadras de Guardas Campestres no interior, ainda que,
aproveitando-se da “tranquilidade de que goza a província, e da força de linha que nela
existe, consegui[u], sem prejudicar o serviço, ir gradualmente reduzindo [o corpo de
polícia] até que ficasse pela metade”520. Em 1857, o corpo de polícia era de 100
praças521, fruto da redução paulatina anunciada por Machado. O então presidente da
província, Benvenuto Taques, propôs que se extinguissem as Guardas Campestres, pois
não traziam “alívio algum ao serviço da polícia: a sua inspeção e fiscalização é, se não
517 MOTA, Antonia da Silva; GERMANO, Nivaldo. Jerônimo de Viveiros: Sobre o modo de viver e o método de escrever a História do Comércio do Maranhão. In: João Batista Bitencourt; Marcelo Cheche Galves. (Org.). Historiografia Maranhense: dez ensaios sobre historiadores e seus tempos. São Luís: Café e Lápis/Editora UEMA, 2014, p. 172. 518 COUTINHO, 2005, op. cit., p. 267. 519 MARANHÃO, Relatório do presidente da província do Maranhão, Honório Pereira de Azeredo Coutinho, presidente desta província, na abertura da Assembleia Legislativa em 7 de setembro. Maranhão, Typ. de I.J. Ferreira, 1850, p. 7. 520 MARANHÃO, Relatório do presidente da província do Maranhão, Eduardo Olímpio Machado, presidente desta província, na abertura da Assembleia Legislativa em 1 de novembro. Maranhão, Typ. de I.J. Ferreira, 1853, p. 9. 521 Segundo Taques, a lei de criação dos corpos de polícia previam que elas deveriam ter 400 praças.
145
impossível, extremamente difícil, e os abusos continuam sem remédio”. Segundo ele,
devido à situação financeira crítica da província, o melhor a fazer era reformar outros
corpos de polícia em vez de manter uma guarda que “em parte nenhum dispensa os
destacamentos de 1ª linha”522. A Assembleia acatou a proposta e as Guardas Campestres
deixaram de existir.
TABELA 7 – DEPUTADOS QUE TOMARAM ASSENTO NAS LEGISLATURAS ANTERIOR E POSTERIOR À LEI DOS CÍRCULOS523
54/55 56/57 Segundo ano da legislatura de 56/57
Antônio de Brito Souza Gaioso
Alexandre da Silva Mourão Antônio Marques Rodrigues
Antônio Marcelino Nunes Gonçalves
Alexandre Vale de Carvalho Antônio Rego
Barão de São Bento (Francisco Mariano Viveiros Sobrinho)
Antônio Marques Rodrigues Barão de Coroatá
Brigadeiro Manuel da Souza Pinto de Magalhães Antônio Rego Caetano José de Souza
(Tenente) Coronel Joaquim Vieira Teixeira Belfort
Antônio de Brito Souza Gaioso
Antônio de Brito Souza Gaioso
Camillo de Lellis Henrique Pacova
Manuel Gomes da Silva Belfort524 (Barão de Coroatá)
Camillo Lellis
Francisco de Melo Coutinho Vilhena Caetano José de Souza Dionísio Alves de Carvalho
Francisco Sotero dos Reis Camillo de Lellis Pacova
Fernando de Melo Coutinho de Vilhena
Frederico José Corrêa Fernando Maranhense da Cunha
Fernando Maranhense da Cunha
João Gualberto da Costa Fernando Mendes de Almeida Fernando Mendes de Almeida
522 MARANHÃO, Relatório do presidente da província do Maranhão Benvenuto Magalhães Taques, presidente desta província, na abertura da Assembleia Legislativa em 20 de agosto. Maranhão, Typ. de I.J. Ferreira, 1857, p. 9. 523 MARANHÃO, Ofícios de 1 de maio de 1854. Correspondência da Assembleia Legislativa à Presidência da Província. Setor de avulsos, 1841-1857. Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM) e Idem. Ata da Assembleia Legislativa Provincial de 8 de Junho de 1856. Publicador Maranhense (10/06/1856) BPBL, p. 2. 524 Foi eleito na legislatura de 1841/1842.
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José Maciel Aranha Francisco Sotero dos Reis
José Maria Barreto Júnior
José Maria Barreto Junior
José Esteves da Serra Aranha
José Miguel Pereira Cardoso
José Nunes de Souza Belford
José Ignácio Botelho de Magalhães525
José Sérgio Ferreira Major Marcelino Gonçalves Machado
José Miguel Pereira Cardoso
Raimundo Jansen Serra Lima Marcelino José Brandão Matta Corrêa
Sebastião José da S. Braga (José) Mariano Gomes Ruas526 Ricardo Silva Ferro*
Serra Aranha Serra Aranha Sergio Antônio Vieira
Serra Lima Serra Lima
Ricardo Silva Ferro* Finalmente, como se pode ver pelos destaques na Tabela 7, 10 dos 19 deputados
provinciais que tomaram assento após a Lei dos Círculos eram deputados que já haviam
composto a Assembleia anteriormente. Apesar da notória renovação, a lei de então não
modificou radicalmente (mais da metade) a representação provincial nesse período.
Conquanto seja difícil dizer o que essa mudança significou para a composição dos
grupos e para disputa entre eles, especialmente pela ausência das atas de 1854-55 e
1857 e o desaparecimento de alguns jornais, uma informação que se destaca é a de que
os deputados recorrentes da década de 40 praticamente desaparecem da Assembleia no
final da década de 50, com exceção de Sotero dos Reis, José Miguel Pereira Cardoso e
Manuel Gomes da Silva Belfort. O caso de Manoel Gomes da Silva Belfort é
interessante. Filho de fazendeiros e donos de escravos de Itapecuru, foi deputado
provincial já na primeira legislatura (1835-1836), e ocupou a Assembleia até a
legislatura de 1841-42. “Se afastou da política para cuidar, acredita-se, de seus negócios
e para fazer amigos na Corte”527, visando obter o título de barão. Sua trajetória, acredito,
ilustra o status subsidiário que a Assembleia poderia ter. Conquanto tenha demonstrado
525 Assumiu assento no segundo ano das legislaturas de 1843/1844 e 1850/1851. 526 Suplente juramentado em 1853. MARANHÃO. Ata da Assembleia Legislativa Provincial de 9 de Novembro de 1853. Publicador Maranhense (19/11/1853) BPBL, p. 2. 527 COUTINHO, 2005, op. cit., p. 451.
147
que havia homens interessados em ocupar regularmente aquele espaço, figuras
destacadas da nobiliarquia maranhense tiveram representação irregular no período. Isso
pode significar tanto o caráter secundário da Assembleia (ou da atividade política) para
estes homens, como pode apontar para o fato de que suas vastas posses não eram
sinônimas de poder político. A longevidade política de um médico como Pereira
Cardoso é um indício nesse sentido. A de um literato como Sotero dos Reis, outro.
Em suma, busquei, neste trabalho, explicitar como os grupos e atores políticos
maranhenses se organizavam e atuavam na disputa política a partir do espaço
institucional da Assembleia Provincial, e como o Presidente da Província, o contrapeso
institucional, agia em relação a ela. Se na maior parte do período os deputados e seus
partidos não apresentaram projetos discerníveis, a luta pelo poder foi constante e
renhida. Espero, com efeito, ter deixado isto evidente.
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