é único banco público na europa a liderar seu mercado€¦ · cgd é o único banco público na...

7
CGD é o único banco público na Europa a liderar o seu mercado A Caixa Geral de Depósitos pesa mais de 20% no sistema financeiro português. 0 peso dos bancos públicos na Europa é de 8,1%. Rui Barroso [email protected] A Caixa Geral de Depósitos é o único banco europeu totalmente detido pelo Estado a liderar o seu mercado doméstico, numa altura em que se voltam a ouvir vozes a defender uma privatização do banco público. Os activos da en- tidade liderada por José de Matos representam mais de 20% do sis- tema financeiro nacional. Apesar de haver alguns países em que os bancos estatais, no seu conjunto, têm uma quota de mer- cado maior, Portugal é caso único a ter um banco público líder de mercado, segundo dados da As- sociação Europeia de Bancos Pú- blicos (EAPB). Na Europa existem 127 bancos públicos que, em con- junto com algumas agências de financiamento estatais, pesam 8,1% no total de activos dos 32 países analisados pela EAPB. Este mês, em entrevista ao Diário Económico, o presidente do BPI, Fernando Ulrich, defen- deu que parte da CGD fosse priva - tizada, para dar maior agilidade estratégica ao banco, por exemplo na compra ou fusões com outras entidades, para se submeter à dis- ciplina do mercado e para o banco público ficar menos dependente dos Governos. Também António de Sousa, presidente da APB, ad- mitiu recentemente, à Reuters, que o assunto merece ser discuti- do. E não são os únicos a defender esta opção (ver página 30) . Mas a perspectiva não é con- sensual. O secretário -geral da EAPB, Henning Schoppmann, re- conheceu ao Diário Económico que possível que o caso da Cai- xa Geral de Depósitos seja único na Europa. Mas desde que não de- tenha o monopólio penso que não é negativo para o sistema finan- ceiro português". Schoppmann defende que "a existência de ban- cos públicos como concorrentes aos bancos privados pode levar a preços mais baixos para os clien- tes. Uma maior quota de mercado dos bancos públicos pode ser po- sitiva para um país" . Além de Portugal, apenas a Alemanha, a Suíça e a Turquia têm, na. Europa, um peso dos bancos públicos superior a 20% do mer- cado. No entanto, nos dois primei- ros casos, esse peso é conseguido à custa de um número elevado de bancos públicos: 39 no caso ale- mão e 19 na Suíça, não havendo uma única entidade a concentrar o mercado. A explicação para este elevado número de bancos públi- cos é a descentralização nos países, com várias regiões a serem donas de entidades financeiras. em Espanha, apesar de exis- tir apenas um banco totalmente controlado pelo Estado, há mais de 20 entidades em que pelo me- nos 50% do capital é público, as 'cajás'. De referir que este sector está a atravessar um processo de reestruturação, com várias fusões e algumas destas entidades a dis- persar parte do capital em bolsa, como resposta à crise do sector, que se tornou uma das grandes preocupações dos economistas sobre a própria capacidade finan- ceira do Estado espanhol. O estudo da EAPB não teve em conta bancos que tiveram de ser intervencionados pelos estados devido à crise financeira. Bancos públicos tendem a ser pior geridos que os privados? Segundo um relatório da EAPB os bancos públicos na Europa têm uma imensa variedade de objecti- vos, "o que pode ser explicado pe-

Upload: others

Post on 25-Jul-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: é único banco público na Europa a liderar seu mercado€¦ · CGD é o único banco público na Europa a liderar o seu mercado A Caixa Geral de Depósitos pesa mais de 20% no sistema

CGD é o único bancopúblico na Europaa liderar o seu mercadoA Caixa Geral de Depósitos pesa mais de 20% no sistema financeiro

português. 0 peso dos bancos públicos na Europa é de 8,1%.

Rui [email protected]

A Caixa Geral de Depósitos é oúnico banco europeu totalmentedetido pelo Estado a liderar o seumercado doméstico, numa alturaem que se voltam a ouvir vozes adefender uma privatização dobanco público. Os activos da en-tidade liderada por José de Matos

representam mais de 20% do sis-tema financeiro nacional.

Apesar de haver alguns paísesem que os bancos estatais, no seu

conjunto, têm uma quota de mer-cado maior, Portugal é caso únicoa ter um banco público líder de

mercado, segundo dados da As-

sociação Europeia de Bancos Pú-blicos (EAPB). Na Europa existem127 bancos públicos que, em con-junto com algumas agências definanciamento estatais, pesam8,1% no total de activos dos 32

países analisados pela EAPB.Este mês, em entrevista ao

Diário Económico, o presidentedo BPI, Fernando Ulrich, defen-deu que parte da CGD fosse priva -tizada, para dar maior agilidadeestratégica ao banco, por exemplona compra ou fusões com outrasentidades, para se submeter à dis-

ciplina do mercado e para o banco

público ficar menos dependente

dos Governos. Também Antóniode Sousa, presidente da APB, ad-mitiu recentemente, à Reuters,

que o assunto merece ser discuti-do. E não são os únicos a defenderesta opção (ver página 30) .

Mas a perspectiva não é con-sensual. O secretário -geral daEAPB, Henning Schoppmann, re-conheceu ao Diário Económico

que "é possível que o caso da Cai-xa Geral de Depósitos seja únicona Europa. Mas desde que não de-tenha o monopólio penso que nãoé negativo para o sistema finan-ceiro português". Schoppmanndefende que "a existência de ban-cos públicos como concorrentesaos bancos privados pode levar a

preços mais baixos para os clien-tes. Uma maior quota de mercadodos bancos públicos pode ser po-sitiva para um país" .

Além de Portugal, apenas aAlemanha, a Suíça e a Turquia têm,na. Europa, um peso dos bancos

públicos superior a 20% do mer-cado. No entanto, nos dois primei-ros casos, esse peso é conseguido àcusta de um número elevado debancos públicos: 39 no caso ale-mão e 19 na Suíça, não havendouma única entidade a concentrar omercado. A explicação para esteelevado número de bancos públi-cos é a descentralização nos países,

com várias regiões a serem donasde entidades financeiras.

Já em Espanha, apesar de exis-tir apenas um banco totalmente

controlado pelo Estado, há maisde 20 entidades em que pelo me-nos 50% do capital é público, as

'cajás'. De referir que este sectorestá a atravessar um processo de

reestruturação, com várias fusões

e algumas destas entidades a dis-

persar parte do capital em bolsa,como resposta à crise do sector,que se tornou uma das grandespreocupações dos economistassobre a própria capacidade finan-ceira do Estado espanhol.

O estudo da EAPB não teve emconta bancos que tiveram de serintervencionados pelos estadosdevido à crise financeira.Bancos públicos tendem a ser piorgeridos que os privados?Segundo um relatório da EAPB os

bancos públicos na Europa têmuma imensa variedade de objecti-vos, "o que pode ser explicado pe-

Page 2: é único banco público na Europa a liderar seu mercado€¦ · CGD é o único banco público na Europa a liderar o seu mercado A Caixa Geral de Depósitos pesa mais de 20% no sistema

Além de Portugal,apenas a Alemanha,Suíça e Turquia

têm mais de 20 % dosistema financeirodominado por bancostotalmente estatais.

las características do mercado aneéessitar de intervenção públi-ca 9

. Desde o foco regional ao apoioàs exportações, passando pelo fi-nanciamento às PME ou pela dis-ponibilização de serviços bancá-rios a toda a população, os bancos

públicos servem para suprimir al-gumas insuficiências de mercado.

Mas são bons ou maus para osistema financeiro? O antigo eco-nomista sénior do Banco Mundial,Thorsten Beck, autor de vários es-tudos sobre o papel dos bancos

públicos, referiu ao Diário Econó-mico que "as evidências em mui-tos países mostraram que os ban-cos detidos pelo Estado são menosbem geridos, são frequentementesujeitos a interferências políticas e

menos sujeitos à disciplina domercado e da supervisão". Algunsdestes factores são pronunciadospor alguns economistas na horade, justificarem porque defendemunia privatização da CGD.

íEm relação ao caso' da CaixaGe£al de Depósitos, o actual pre-sigente do European jßankingCeàiter da Universidade de Til-

bijrg, na Holanda, ráfere que"talvez mais importante que aquestão do accionista é a estrutu-ra de mercado geral e o grau de

concorrência". Acrescenta, noentanto, que "no longo prazo po-derá ser preferível um accionistaDitado", ¦com MV.L. \

DUAS PERGUNTAS A...

THORSTEN BECK

Presidente do European Banking Center

da Universidade de Tilburg

"No longo prazoseria preferível teraccionistas privados"Thorsten Beck analisou o papelde bancos públicos no sistemafinanceiro no Banco Mundial.

Actualmente preside ao EuropeanBanking Sector da Universidade de

Tilburg. O economista encontra mais

desvantagens que vantagens nos

bancos públicos.

Quais as maiores vantagense desvantagens dos bancosestatais?

As provas em muitos paísesmostraram que os bancos detidos

pelo governo são menos bem

geridos, frequentemente sujeitos a

interferência política e menos

sujeitos à disciplina da supervisão e

de mercado. No entanto, existe umaelevada variação dedesempenhodestes bancos entrfevários países e

mesmo no mesmo flèís. Na

Alemanha, por exerço, os bancos

mutualistas locais, detidos porcidades e municípios^ tiveram um

desempenho razoavelmente bom

durante a recente crise e podemmesmo ter ajudado a amortecer o

impacto da crise na economia real.

Já os Landesbanken, detidos pelosestados, sofreram com a fraca

supervisão e foram dos mais

atingidos pela crise. Em geral,quanto piores o quadro da

regulação, a qualidade da gestãopública e o nível de governo numa

economia, pior o impacto dos

bancos estatais.

Erft Portugal, a Caixa Geral de

Depósitos, detida pelo Estado, éo Oftaior banco. Isto é positivo ou

negativo?Depende de como o banco é geridoe supervisionado. Talvez mais

importante que a questão do

accionista seja a estrutura geral do

mercado e o grau de concorrênciano mercado bancário. O que é crucial

é que as autoridades tratem todos os

bancos de forma igual e que o maiorbanco não possa explorar o seu

poder de mercado. No longo prazo,

poderia ser preferível que o banco

tivesse detentores privados". ¦

Page 3: é único banco público na Europa a liderar seu mercado€¦ · CGD é o único banco público na Europa a liderar o seu mercado A Caixa Geral de Depósitos pesa mais de 20% no sistema

CONCORDA COM A PRIVATIZAÇAO TOTAL OU PARCIAL DA CGD?

Miguel CadilheEx-Mlnlstro das Finanças

"Nas presentes circunstâncias tenho ad-mitido como boa medida a privatizaçãoda CGD [...]A situação da divida pública

carece de medidas excepcionais."

José Tavares MoreiraEx-Governador do Banco de Portugal

Abrir o capital da CGD "obrigaria a muitomais responsabilidades". A privatização,

a acontecer, devia ter lugar "numasegunda fase".

Luís Mira AmaraiEx-Presldente da CGD

"Sou favorável a começar a pensar-se na

privatização da CGD. [...] Como bancopúblico devia era apoiar as PME's e as

empresas exportadoras mas, como temosvisto, apoiou outras coisas".

Page 4: é único banco público na Europa a liderar seu mercado€¦ · CGD é o único banco público na Europa a liderar o seu mercado A Caixa Geral de Depósitos pesa mais de 20% no sistema

Miguel BelezaEx-Mlnistro das Finanças e cx-

Governador do Banco da Portugal"Se a CGD tiver uma parcela relevante na

mão de privados é difícil que tomedecisões políticas e não comerciais".

Luís Campos e CunhaEx-Mlnlstro das Finanças

"Neste momento a situação económica efinanceira não é propícia à privatização

da Caixa Geral de Depósitos".

Privatização da CGD deixa de sertabu e volta à agenda políticaEx-governantes e antigos administradores da Caixa não rejeitam privatização do banco.

Margarida Vaqueiro [email protected]

Os holofotes estão novamentevoltados para a CGD e a sua possí-vel privatização, numa altura emque o assunto dá sinais de come-çar a deixar a ser tabu. Na semanapassada, Fernando Ulrich voltou a

defender a privatização parcial dobanco público, afirmando que"sou claramente a favor da priva-tização ainda que parcial", afir-mou o em entrevista ao DiárioEconómico. No mesmo sentido, o

presidente da Associação Portu-

guesa de Bancos (APB), Antóniode Sousa, afirmou uns dias depoisque "nunca me horrorizou, diga-mos assim, que a Caixa fosse pri-vatizada, nomeadamente, emtermos minoritários". Uma opi-nião, aliás, partilhada pela maio-ria dos antigos governantes ouadministradores da CGD contac-tados pelo Diário Económico. Mi-guel Cadilhe, ex-ministro das Fi-nanças, afirma que "nunca estivea favor da privatização da CGD,visto que a Caixa sempre foi doEstado. Mas nas presentes cir-cunstâncias tenho admitido

como boa medida a privatizaçãoda CGD". No entanto, ressalta queesta privatização deve acontecer"desde que a receita seja integral-mente, directamente e exclusiva-mente consignada à redução dadívida pública e que não sirvapara alimentar as receitas geraisdo Orçamento do Estado" .

Já o antigo Governador do Ban-co de Portugal, Luís Tavares Mo-reira, é a favor de uma abertura do

capital da CGD. "Há mais de dez

anos defendi publicamente, não a

privatização, mas a abertura do

capital da caixa. Privatizar a CGD

Page 5: é único banco público na Europa a liderar seu mercado€¦ · CGD é o único banco público na Europa a liderar o seu mercado A Caixa Geral de Depósitos pesa mais de 20% no sistema

significa passar o controlo paracapital privado. Achei que nessaaltura seria oportuno fazer umaabertura de capital na ordem dos

25% ou 30%. O que tem vindo aacontecer desde essa altura só

vem reforçar a minha opinião",afirmou o responsável. Esta aber-tura de capital "obrigaria a muitomais responsabilidades" , concluiu

o economista. Para Tavares Morei-ra, uma privatização, a acontecer,só devia ter lugar posteriormente,numa "segunda fase" .

Opinião contrária tem o antigoministro das Finanças Luís Cam-

pos e Cunha, que acredita que"neste momento a situação eco-nómica e financeira.não é propíciaà privatização da CGD". Em de-clarações ao Diário Económico,Campos e Cunha refere ainda que"a prazo, faz sentido ter uma CGDnas mãos do Estado se os Gover-nos não 'governamentalizarem' asua gestão, facto que tem aconte-cido desde o tempo de ManuelaFerreira Leite" . Na mesma ocasião

o economista afirmou que "a con-tinuar essa governamentalização é

preferível uma privatização total

da CGD", sendo que "a privatiza-ção parcial faz pouco sentido" .

Já Mira Amaral, presidente doBanco BIC Portugal e ex-presi-dente da Comissão Executiva daCGD, refere que é "favorável a co-meçar a pensar-se a prazo numaprivatização da CGD pois o Estado

Português mostrou no passado einfelizmente continua a mostrarno presente que não sabe ou não

consegue comportar-se como ac-cionista dum banco que, emborapúblico, está em concorrênciacom os outros. Assim sendo, todosnós contribuintes portugueses e

logo accionistas da CGD estamos ater riscos de destruição de valordesse activo". Por seu lado, o ex-ministro das Finanças Miguel Be-leza afirma que "há muitos anos

que acho que é importante quehaja uma parcela importante nasmãos de privados. Para assegurarque as decisões são comerciais e

não de influência política. Se se

quiser dar alguma facilidade a esteou àquele sector do País não preci-sa de ser a CGD a fazê-lo [...]se a

CGD tiver uma parcela relevantena mão de privados é difícil quetome decisões políticas e não co-merciais", conclui.

O Diário Económico contactoutambém os ex-ministros das Fi-

nanças Teixeira dos Santos e PinaMoura, que preferiram não co-mentar o assunto. De notar que as

opiniões favoráveis a uma privati-zação do banco público estão so-bretudo centradas em personali-dades mais próximas do PartidoSocial Democrata, o que poderásinalizar também que, mais do

que uma questão meramente eco-nómica, esta operação possa sertambém, de alguma forma, ideo-lógica. No entanto, apesar de osmurmúrios tenderem a aumentarde tom, falta ainda saber o quepensa fazer o Governo do social-democrata Passos Coelho.

O Diário Económico contactouo Gabinete do Primeiro-Ministro,bem como o Ministério das Finan-

ças, mas até ao fecho da ediçãonão foi possível obter uma respos-ta do Executivo. ¦O Governo de PassosCoelho ainda não semanifestou sobreuma eventualprivatização da CGD.

Page 6: é único banco público na Europa a liderar seu mercado€¦ · CGD é o único banco público na Europa a liderar o seu mercado A Caixa Geral de Depósitos pesa mais de 20% no sistema
Page 7: é único banco público na Europa a liderar seu mercado€¦ · CGD é o único banco público na Europa a liderar o seu mercado A Caixa Geral de Depósitos pesa mais de 20% no sistema