:, l ideiotapias - mozambique history net · :, l" ideiotapias l. a tntertexturlldsde a d6cada...

5
:,L" IdeiotaPias l. A tntertexturlldsde A d6cada de 60 foi marcada Por modificagdes na 6ree da critica li- teriria, nesta d6cada, foram lan- gadas ao pirblico, por Jirlia Kris- teva, as ideias de Mikhail Bachtin sobre a intertextualidade. Segundo Bachtin, <todo o texto verbal apresenta dimensdo consti- tutiva relag6es dial6gicas com ou- tros textos>. (1) De facto, foi o que observ6mos ao lermos a obra Xitala Mati do e I c r i t o r mogambicano Aldino Muianga. Os contos desta obra en- raizam-se em ancestrais tradicio- nais culturais moQarnbicanas,que faziam do ritual do relato um fac- ior de sedugio e de aglutinagio comunitirias: as narrativas orais <Karingana wa Karingana)> ou co- rno diziam os antigos narradores <ncaringana (mu-mi) >,.noscl6s do norte (2), com esta expressio o narrador suscitava num audit6rio fisicamente presente o interesse por acA6es relatadas num irnico acto de narragio e que nflo raro tinham, para al6m dessa fungdo Itrdica,uma f ungf,o moralizante (ver Henrique Junod). Pode dizer- -se que os contos liter6rios da obra Xitala Mati herdaram algumas do- minantes pragm6ticas da literatu- ra oral mogambicana, o que objec- tivamos demonstrar. Pode dlzer- -se, tamb€,m, que estas raizes s6- cio-culturais s6o as marcas da in- tertextualidade entre Xitala Mati e os contos folcl6ricos moqambi- canos,oque6omesmo. 2. Rela,g6o semi6tica de urn texto eom outros textos Lendo a obra com atengio, ob- servamos eu€, provavelmente, as categorias da narrativa que de modo mais not6rio s6o atingidas pela intertextualidade sio: a. ac- 95.o, a personagem e o tempo. Im- porta notar que os contos tendem ir concentragfi,o dos eventos, quase todos oconem i" noite, sendo nor- nraimente linear, sem consentir a irisergSo das intrigas secundirias. Para rlustragS.o, o leitor pode ob- servar o conto: <O caso Muzi- la> (3) no qual a acgE.o baseia-se precisamente nessa concentraqdo e nessa linearidade a sua capaci- tl4 dade de seduzir o receptor com um caso de infidelidade conjugal. A noite funciona como aliada natu- ral, facultando a traigio. O autor nd,o oculta o facto de que a narra- tiva pertenga ao dominio popular. Facto curioso, pode ser que este conto tenha como intertexto a Ii- teratura oral mogambicana e a obra clissica O elogio da l^oueura de Erasmo de Rotherdan, pela te- mitica desenvolvidr e pela manei- ra de nanar. Segundo Aguiar e Silva, a inter- textualidade representa a actuali- za,gl.ode elementos invariantes, a manifestagd,o de constantes for- mais e seminticas. Haveria uma relag6.osemi6tica de um texto com outros textos. <A intertextualida- de decorre do principio fundamen- tal de que n6o existe semiose <ex- -nihilo> e a sua anS,lise deve ter em conta a. exist€ncia de universais pragmiticos, seminticos e sint6e- ticos>. (4) Procuramos aplicar a teoria da intertextualidade e obra Xitala Mati e observamos gu€, de facto, na obra existem u:riversais prag- miticos e semS.nticos possiveis de encontrar na literatura oral mo- gambicana. Por exemplo: no conto <Maxanissa)>: <A volta da enorme fogueira ... os principes do lixo es- cutam extasiados, longas e empol- gantes hist6rias ...u (pig. 29). A intertextualidade constitui, segun- do nossa investigagi.o nos contos da obra em estudo, um fen6meno da semiose cultural, actuante na hist6ria e no confronto das forgas ideol6gicas e sociais. A leitura Ie- va-nos, provavelmente, a estabele- cer certa (cooperagdo interpretati- va>> pela pr6pria natureza da ma- nifestagdo textual linear, recor- dando-nos, a cada conto, de algum modo algo que conhecemos, algum prov6rbio, alguma lenda, algurn mito. Henrique Junod diz-nos que a instincia de recepgS.o dos contos ii: .$r, s +... ,*;": '$'" -.,$t:+ Tempo [Maputo], 18 de Dezembro de 1988

Upload: ngodat

Post on 24-Nov-2018

223 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: :, L IdeiotaPias - Mozambique History Net · :, L" IdeiotaPias l. A tntertexturlldsde A d6cada de 60 foi marcada Por modificagdes na 6ree da critica li-teriria, nesta d6cada, foram

:, L"

IdeiotaPiasl. A tntertexturlldsde

A d6cada de 60 foi marcada Pormodificagdes na 6ree da critica li-teriria, nesta d6cada, foram lan-gadas ao pirblico, por Jirlia Kris-teva, as ideias de Mikhail Bachtinsobre a intertextualidade.

Segundo Bachtin, <todo o textoverbal apresenta dimensdo consti-tutiva relag6es dial6gicas com ou-tros textos>. (1)

De facto, foi o que observ6mosao lermos a obra Xitala Mati doe I c r i t o r mogambicano AldinoMuianga. Os contos desta obra en-raizam-se em ancestrais tradicio-nais culturais moQarnbicanas, quefaziam do ritual do relato um fac-ior de sedugio e de aglutinagiocomunitirias: as narrativas orais<Karingana wa Karingana)> ou co-rno diziam os antigos narradores<ncaringana (mu-mi) >,.nos cl6s donorte (2), com esta expressio onarrador suscitava num audit6riofisicamente presente o interessepor acA6es relatadas num irnicoacto de narragio e que nflo rarotinham, para al6m dessa fungdoItrdica, uma f ungf,o moral izante(ver Henrique Junod). Pode dizer--se que os contos liter6rios da obraXitala Mati herdaram algumas do-minantes pragm6ticas da literatu-ra oral mogambicana, o que objec-tivamos demonstrar. Pode dlzer--se, tamb€,m, que estas raizes s6-cio-culturais s6o as marcas da in-tertextualidade entre Xitala Matie os contos folcl6ricos moqambi-c a n o s , o q u e 6 o m e s m o .

2. Rela,g6o semi6tica de urn textoeom outros textos

Lendo a obra com atengio, ob-servamos eu€, provavelmente, ascategorias da narrativa que demodo mais not6rio s6o atingidaspela intertextualidade sio: a. ac-95.o, a personagem e o tempo. Im-porta notar que os contos tendemir concentragfi,o dos eventos, quasetodos oconem i" noite, sendo nor-nraimente linear, sem consentir airisergSo das intrigas secundirias.Para rlustragS.o, o leitor pode ob-servar o conto: <O caso Muzi -la> (3) no qual a acgE.o baseia-seprecisamente nessa concentraqdoe nessa linearidade a sua capaci-

tl4

dade de seduzir o receptor com umcaso de infidelidade conjugal. Anoite funciona como aliada natu-ral, facultando a traigio. O autornd,o oculta o facto de que a narra-tiva pertenga ao dominio popular.Facto curioso, pode ser que esteconto tenha como intertexto a Ii-teratura oral mogambicana e aobra clissica O elogio da l^oueurade Erasmo de Rotherdan, pela te-mitica desenvolvidr e pela manei-ra de nanar.

Segundo Aguiar e Silva, a inter-textualidade representa a actuali-za,gl.o de elementos invariantes, amanifestagd,o de constantes for-mais e seminticas. Haveria umarelag6.o semi6tica de um texto comoutros textos. <A intertextualida-de decorre do principio fundamen-tal de que n6o existe semiose <ex--nihilo> e a sua anS,lise deve ter emconta a. exist€ncia de universaispragmiticos, seminticos e sint6e-ticos>. (4)

Procuramos aplicar a teoria daintertextualidade e obra XitalaMati e observamos gu€, de facto,na obra existem u:riversais prag-miticos e semS.nticos possiveis deencontrar na literatura oral mo-gambicana. Por exemplo: no conto<Maxanissa)>: <A volta da enormefogueira ... os principes do lixo es-cutam extasiados, longas e empol-gantes hist6rias .. .u (pig. 29). Aintertextualidade constitui, segun-do nossa investigagi.o nos contosda obra em estudo, um fen6menoda semiose cultural, actuante nahist6ria e no confronto das forgasideol6gicas e sociais. A leitura Ie-va-nos, provavelmente, a estabele-cer certa (cooperagdo interpretati-va>> pela pr6pria natureza da ma-nifestagdo textual linear, recor-dando-nos, a cada conto, de algummodo algo que conhecemos, algumprov6rbio, alguma lenda, algurnmito. Henrique Junod diz-nos quea instincia de recepgS.o dos contos

i i :

.$r,

s +...

,*;":'$'"

-.,$t:+

Tempo [Maputo], 18 de Dezembro de 1988

Page 2: :, L IdeiotaPias - Mozambique History Net · :, L" IdeiotaPias l. A tntertexturlldsde A d6cada de 60 foi marcada Por modificagdes na 6ree da critica li-teriria, nesta d6cada, foram

texto universal ? Transcrevemos aseguinte passagem encontrdl enrHenrique Junod (7) :

<Certas hist,5rias parecentencontrar-se dum extremo aoutro do planeta. Rene Basse,que era, taivez, a maior au-toridade no assunto, mostr"ou,na noticia que publicou dorneu livro Les Chants el les

.corttes tles Ba-ronga, na R€--vw des traditions Populair.es,em 1898, eu€ certos episodio.sescritos a ditado dunr narra-dor ronga, em L. It{arques, srencontram no folclore dos an-tigos gregos e dos romanos.dos gerrnanos moder.nos, dosfranceses, dcs gregos, dos ita-lianos, dos lituanos, dos si-berianos, dos quirguizes, dosindianos, no Brasi l , em Por-tugal, no Punjabem, na Esc6-cia, na Rom6nia, Guatemala,Guiana inglesa, I\{arrocos, etc.E um fen6meno espantoso,um dos mais inter.essantt:sproblemas da etnogra."ia, e ebem dif ici l solucioni- lo,>. ( l l .p.201-202, J, V.II)

Talvez existam arquetipos colncar6.cter universal.

HA uma serie de mitos r: lendasque servem como intertexto paraos contos da obra Xitala ll lati: n,sobretudo, aos mitos que se f.azesta intertextualidade, segun<io .ropiniio de cerca de 40 alunos eminqu6rito real izado em classe (Ins-t i tuto Industr ia! de IIaputo. 198,8 ),ex iStem mui tas h is t i r r ias sem(r-Ihantes. Sd.o narratirras orais, comcerta estrutura repetida e con.side,.radas como verdadeiras.

2.2. O iniered,rnbio discursivo

<O texto e sempre, sob modaii-dades v6.rias, um lntercambio dis-cursivo, uma tessitura polif6nic.rna qual confluem, se entrecruzam,se corroboram ou se constr6em ou-tros textos;" (A. Si iva, p6:g..625).

Com a atenqdo llara a obra Xi-tala iltati de Aidin6 l{uiatrg&, ana -lisamos a .":enriose tlo conto <O f ri,-t e > ( p . p . i f ? - . i 0 ) . S l a j r : i t r . r i i p ; i , resta belece r. r-el a r:(i*: s dia J tigj r:as c: r-r rna i iLuratu, a df i^ l l l ioql r . lnt j l ( :a l rLt . r i i . -rece-nos que este conto renreiapara rrm intertexto const.ituido por

* . 1 - ; -

n (

I'i1

inscreve-se num horizonte hist6-rico e s6cio-cultural, revelando-nosum conjunto latente de conheci-mentos, crenqas e valores ideol6-gicos possibilitando o condiciona-mento da leitura, segundo a com---t6ncia l i terS,r ia. Alguns temas

.lizados nos contos em Mogambi-eu€, segundo Junod, em obra cita-da, s5.o utilizados em diversos pai-sos. Vejamos o exemplo do conto<Rosa Maria>>, (p6S. ?1). Nele o es-critor mogambicano actualiza umahist6ria pertencente ao patrim5nioqopular mogambicano, talvez, oude virios paises: uma mulher mor-ta" h.iL um ano, humaniza-se, pedeauxilio a um viajante incauto. Re-cebe dele um objecto qualquer, pro-metendp devolv€-lo no dia seguin-te. Indica certa povoagio como seulocal de resid6ncia. posteriormen-te o rapazvai i sua procura e des-cobre a verdade. Levam-no i, cam-pa da falecida e H encontram oobjecto emprestado, (no conto em

causa um <<casaco>>). Contos{omoestes s5,o moralizantes e procuramprovar a exist6ncia do feitico.

Facto curioso, observei inter-textualidade entre o conto acimaanalisado e o conto portugu6s <Adama p6 de cabra>>, obra iendas eNamativas de Alexandre .Hercula-no (5). Devemos lembrar que oconto de Herculano pertence aoromanceiro de Jogral do s6culo Xl,n6o se sabendo o verdadeiro au-tor. Para quem, n5,o o leu, um pe_queno r€sumo do enredo: narra ahist6ria de um certo D. Diogo quese deixou levar pela formosura deuma dama e vida ficil. Traiu osseus principios religiosos e opor-tunamente casou-se com a mufrer.Um incidente familiar l'evou-o' apersignar-se, acto que transformoua figura da esposa em satan6s.

Seri que poderiamos pensar.numa intertextualidade entre a li-teratura oral mogambicana e aportuguesa? (6). Ou ntun arqui-

i l!

t

Page 3: :, L IdeiotaPias - Mozambique History Net · :, L" IdeiotaPias l. A tntertexturlldsde A d6cada de 60 foi marcada Por modificagdes na 6ree da critica li-teriria, nesta d6cada, foram

textod verbais;-numa relagdo en-. doliteriria. Episodicamente e s tansrrativa insCreve no seu Pr6Priodiscurso marcas qtie de modo ex-plicito evidenci&m - & Presenga de6lementos pregmiticos da comuni-cag6o orbl. No conto, o n&rrsdormodeliza um universo dieg6tico etransmite um certo conhecimentodo conto popular ao narr&r o Pro:cedimento de Mulambo em nego-clar com o frete do defunto. Tal-vez possemos dir'et que o dialogis-mo entre a literatura oral e o textode Aldino Mulanga inicia'se quan-do o corajoso <Ngwaze> (O sem'-medo), pedira boleia e entrara naurna pera proteger-se da chuva,<com gestos cautelosos e medidosdestapa a urn&, num guincho seentreabre> (p6g. 39). Atrav6s de

nboloe pressagiadores, de repe'ug6es, do sinistro, do estrenho enaaravilhoso, o escritor actualizahist6ries conhecidas, n6o s6 PorMulambo (personagen PrinciPal),mes por todos os passageiros quenaquela carripana alugada Paratransportar o esquife, pegaram bo-leia.

Segundo Greimas, (8) (8 narr&'trva, unidsde discursiva, deve serconsidersda como um algarismo,isto 6, como uma sucessio de enun-cisdos cujas funq6es-predicados si-nulam linguisticsmente um con-junto tle comportsmentos orients-

dos para um objectivo> = no casodo c-onto <O fretet: o de transmi-tir o caricter moralizante de fei-tiQo, magia. Na qualidade de umasucessdo, I narrativa de rO frete>possui uma dimensdo temPoral: oscomportamentos ali representadosmant6m entre eles relag6es de an-terioridade e posterioridade. Tal-vez esta <armadura> (9), (que 6um elemento invari6vel), interli.gue o conto <O frete> com o con-junto das propriedades estrutu-rais comuns, mitos narrativosconstituidos como modelo- erqui-texto. O leitor deve levar em con-tB, simultaneqmente, a unidadediscursiva transfrisica da litera'tura oral (perfomance, segundoRuth F'innegan ou performance,segundo Ni'cole Desmedt, Q[€ Podesignificar ectualizaplo) e a estru'tura do conteirdo msnifestado Pormeio do conto citado.

Consideramos que a teoria sci-ma se atrflica, com pequenas varia-g&s, aos contos: <A vinganga deMacandza), (O filho de MussBSS&r.<O caso Muzila> e <A sucessS,o>.Segundo e teoria de Ruth Finne-gan (10), o <performaneet 6 umelemento fundamental da literatu-ra oral, pois actueliza em palavrasa narrativ&, representand,o-4, re&-lizando-a. Talvez possamos consi-derar Aldino Muianga como um<performerr, o que acham?

2. 8. A simbotoda snimql

. Por limita{6es diversas, n6o po-demos alargar &s nossas exposi-gdes sobre os pontos anteriores,embora tenhamos muito & falar.

Pa-ssaremos, novamente de formabreve, a analisar a intertextuali-dade existente debaixo de algunscontos de Xitera M&ti atrav6s ddanimais simbolicos do mal-press6-gio, da magia, da morte, da dor,da vergonha. E;r rplo deste tipode animal pode ser o <mocho>,aplicado em dois contos (11), co-mo veiculador de uma imagemic6nica e figurativa que se mani-festa na literatura oral como ele-mento pressagiador do mal. Umextracto da obra Psos e costumesdos bantus, tomo II - vida men-tal, revela ests relaqio entre o<mocho> e a feitigaria.

(A actividade dos bel6ii(L2) 6 quase essencialmentenocturna. E Por esta ttzdoque eles se chamam, tamb6meufemisticamente,. bibusico,<os da noiter (...) Do facto deque actuam-'nas trevas, esta-belece-se uda rela,g6o entreeles e as aves nocturnas, Par-ticularmente o rq o e h o >'(pis. 465)_.

'Se nos permitem, diriamos guenf,o s6 as actividades das svesnocturnas s6o relacionadas com a<magia> (negra), a <feitigariar,mas a actividade de qualquer ani-mal nocturno: o ladrar diferentedo c6o, o andar do;gato no telhado'da casa, o picar da cobra, o eoaxardo sapo, etc. O leitor poderi scres-cer outros animais, basta Pensar.

Na obra Xitsl& Dlsti hA certa,propensio para relacionar a noitecoh certas actividsdes pocturnasde animais como: <o c6o> (p.p. 1?'

Page 4: :, L IdeiotaPias - Mozambique History Net · :, L" IdeiotaPias l. A tntertexturlldsde A d6cada de 60 foi marcada Por modificagdes na 6ree da critica li-teriria, nesta d6cada, foram

22,33 e 73) ; <o gatoD (p. 33) ; <omocho> (p.p. 1? e 23) ; <a mamba>1p. 76) ; <a besta> (p. 71). Geral-m e n t e , a n o i t e s e a p r e s e n t a<abrupta e muito escura>, cenirioou (pano de fundo> para acbnte-cimentos sinistros e fant6stic i.

A literatura oral mogambicana,com os seus prov6rbios, ofereee--nos alguns exemplos para. estasactividades m&cabras do <mocho>.Citamos pequeno exemplo que &nossa informante Jaimita Alexan-dre, funcioniria do Minist6rio da&lucagfi,o, em exercicio no Insti-tuto Industrial de Maputo, nosdeu: <Era uma vez, um casal daCatembe, religioso, que andava apregar de povoaqdo em povoagio.O homem utilizava muitos exem-ptros pars esclarecer as diferenqase-tre as linguagens. Deu exemplo". , de pissaros, eu€ n6,o cantamda mesma maneira. Disse que laem Manhiga, at6 os mochos niocantam da mesma maneira. Ao re-gressar I casa, viu mochos em todos os lugares. Isso quer dizerque Catembe est6 cheia de_ feiti-ceirosu.

N6o sendo este o espago apro-priado para uma enumerag6,oexaustiva das mirltiplas acepg6esdos termos: canimais nocturnos>e <noite>, atentamos, simplesmen-te, para o facto de que hi entreeles uma relagS,o simb6lica. Sejana obra Xitala II&fi, seja na lite-ratura oral mogambicana, os ani-mais citados simbolizam mal-agcu.ro e I noite.representa o espaqopropicio a pr6ticas obscurantistas..' ,luridiscursividade , tllvez, cons-trr"oa uma propriedade original e

observavel nos textos de Xita,IiMeti. Dependendo estreitamentede contextos especificos, os contosincorporam contributos discursi-vos aut6nomos e de proveniEnciadiversa, nos quais a simbologia,animal projecta componentes so-ciais e ideol6gicas que caracteri-zarn a oralidade. Desta forma con-cretiza-se o que J. Kristeva cha-

mou a fungio de <ideogema>, ouseja, <a fung5,o que liga as pr5ti-cas translinguistica^s de uma so-ciedade, condensando o modo do-minante de peusamento> (Kiiste-v8, 1969): e porque redunda naarticulag6o de discursos variados(politico, juridico, religioso, ete.)que no literirio se harmonizam,implica uma pritiea de intertex-

(l

Page 5: :, L IdeiotaPias - Mozambique History Net · :, L" IdeiotaPias l. A tntertexturlldsde A d6cada de 60 foi marcada Por modificagdes na 6ree da critica li-teriria, nesta d6cada, foram

1;

ltt

f:I,

i"li:r?q

tualidade, traduzida nesse cruza-mento dial6gico de mirltiplos veiosdiscursivos.

2.4. Uq possivel arquitexto

Ao analisarmos o plano do con-teirdo da obra, observamos a re-corr6ncia, ao longo dos contos, decategorias sgmicas abstractas oufigurativas, chamadas por Grei-mas de isotopias. Como isotopiastemiticas destacamos: A virrgan-ga cruel e fria-recorrente ncscontos: <A vinganga de Macan-&a>; <Maxanissa>> e talvez em <Ofilho de Mussassa>>, dissemos tal-vez, porque a morte de <Mussas-Eane> pode ter sido o resultado deuma vinganga ou a resposta is

as ambig6es. A infidelidade con-Sugal-recorrente no conto: <Ocaslo Muzilu e, numa interpreta-96o super{icial, no conto (A vin-ganga de Macandza>, na verdade,o leitor n6o sabe ge N'tavasse erafiel ou infiel ao esposo - sflo es-peculag6es que se narram. Maldi-g6es e catistrofes - isotopias re-correntes no conto cJhi-GhA). Avolta do morto, por vinganqa ouagradecimento - isotopia recor-rente nos contos: <O filho de Mus-sassa)); (O frete>, embora nesteconto a isotopia aparega metafdri-camente representada; <Rosa Ma-ria>> e <A sucessio> (embora nes-te conto a personagem ainda nd.otivesse falecido). E por irltimo, en-contramos a isotopia temitica <Oq.mor na linguagem do povo> re-crrente no conto <Maria minh'a-

mor>. E no processo de leitura queae manifestam as virtualidadesoperat6rias das isotopias. De fac-to, o leitor poderi interpretar oscontos de diferentes formas e ne-les encontrar outras isotopias te-m6,tjcas relacionadas aos diferen-tes feixes de significagd,o que otexto potencialmente cont6m. Po-der-se-ia, tamb6m, identificar emcada conto isotopias figurativastais como: vinganga, amor, infide-lidade, etc,, que se manifestamnas isotopias tem6.ticas.

Isto tudo veio & prop6sito dec'i:0 ? De rl,ernonstrar que a indivi-dualizagS,o das isotopias resulta daacg[o cooperativa do leitor, quepoder6 ver nestes textos vectoressemd,nticos nucleares estmturado-res da literatura oral - um Possi-

/lB

vel arquitexto e intertexto. Estearquitexto, possivelmente, regulaas combinagdes semi6ticas, veja apresenga da mrisica em lingua na-cional r* (p.p. 15 e 16). Sentimos,assim, o funcionamento ou melhor,a actualizagl"o de um conjunto dec6digos discursivos que sfi,o seme-lhantes.

3. I)o povo para, o povo

Os contos da obra Xitala Matipartilham algumas das proprieda-des que caracterizam os cont_os po-pulaies mogambicanos. Con\udo,isto n5,o esvazia a obra, retirando--lhe a originaliilade. Anarrativainstaura um conjunto de conteirdosrepresentados pelo enunciado oral,mantendo-o como intertexto.

Consideramos que haja na obraalusdo explicita i. fonte popular -atrav6s dos temas, das isotopias,da maneira de narrar, da estrutu-ra, da mitsica, do sinistro imagini-rio, da simbologia animal, etc. -que presume responsivel pela pro-dug6o <<deste sub-conjunto peculiar.de contos narrativos maravilho-sos)> (ver Roland Barthes).

A propensio discursiva entre oscontos da obra Xital& Mati e a li-teratura oral 6 comum nos meiosliteririos, veja o que nos diz Bach-i,n <6 a terl6rcia natural de todoo discurso vivo. Em todos os seuscaminhos para o objecto, em todasas direcg6es, o discurso encontra--se com o discurso alheio e nlo

pode deixar de entrar com ele nu-ma viva interacgS,o de tens6es>(Bachtin, 1979: 87) .

Com o processo de realizar in-tertextualidade com a, narrativaoral, o autor de Xitala Mati fez avalorizagio da obra popular, tor-nando-a mais alargada e deu i. suaobra uma certa nuance ile origina-lidade. Talvez possamos dizer queo autor tenha transforma.do o ho-rnem do povo no co-dutor, entidadematerialmente responsivel pelostextos harrados. O autor colocoutodo o seu oficio, todo o seu pas-sado de informaq6es sobre a narra-tiva oral e artistica, todo o seu cau-dal de conhecimento e ideias aoservigo do povo, atribuindo i obraum sentido unitirio e polif6nico.

(F6,tir4a de Oliveira 6 brasileira-Professorao lecciona no InstitutoIndustrial de lWaputo. O texto sobre o livro de Aldino Muianga foipremiado como <<melhor trabalho>no Curso de Literatura Mogambi-cana, organizado este a,no pelaUEM" com o patrocinio da, AEIVIO).

NOTAS

( l ) In AGUIAR e SILVA, Vfc tor Ma-nuel de. Teoria da Literatura, p. 624.

(2) Ver JUNOD, Henrique. Usos e cos-tumes dos bantus. Vida Mental, p. 197.

(3) In Xitala Mati, p. 43.(4) AGUIAR e SILVA, Vfc tor Manuel .

'feoria da Literatura, p. 626.

(5) HERCULANO, Alexandre. Lendase narrat ivas. Tomo II , l iv. Bertrand, Ven-da Nova. l98 l p . 35.

(6) Ver a p. 35 da obra <Lendas e nar-rativas>r e as ,rNotas>> a <<A dama p6 decabrur. p. 75.

(7) Obra c i tada, p . 201.(81 Andlise estrutural da nurratiua. Se-

lecgSo de ensaios da revista <€omunica-

t ion>, textos de Roland Barthes e outrosestrutural istas, p. 63.

(9) Idem. Texto de A. f . Gre imas, p . 65.(10) FINNEGAN. Ruth. Oral Literature

in Alr ica, Nairobi. Oxford University Press,

1977. {

(11) Xitala Mati- <A vinganga de Ma-cancizao. p. l3 c "O f i lho de l t ' lussassa>r.p . 19 .

( ' ) O gr i fo 6 i .L ,s 'o .

1 t2) - q ts i l6 i iu - fe i t ice i ros.(") - A correntq l ingufst ica moderna

preferc a nomenclatura <L(nguas moqambi-canas)).

TEMPO - 18/12/88