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______________________________________________________________________ PN 2665.03-51; Ap.: Tc. SM Feira, 4º J. ( ); Ap.es: Ap.os: ______________________________________________________________________ Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Introdução: (a) A A. começou por invocar que foi casada com o R. Américo, no regime de comunhão de adquiridos, tendo então celebrad o, no decurso de 1991, e com a R. Imobiliária, um contrato-promessa relativo a fracção autónoma designada pela letra C, correspond ente ao andar Dto, com entrada pelo nº4 da via pública, e com duas varandas, do prédio urban o sito no Lugar da Estação, Paços de Brandão, SM Feira, insc. mat. art. 1895, desc. C. Reg. P. respectiva nº480, pelo preço d e Pte 8 000 000$00, onde o casal viveu até ter ela sido expulsa de casa. 1 Vistos: Des. ( ); Des. ( ). 2 Adv.: Dr.. 3 Adv. Dr. 4 Adv.: Dr. 5 Adv.: Dr.. 1

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Page 1: 把 - Antonio Santos Carvalho · pública, e com duas ... Sustentou também que após o divórcio, e no decurso do inventário que se ... procuração a favor do R. ,

______________________________________________________________________

PN 2665.03-51; Ap.: Tc. SM Feira, 4º J. ( );

Ap.es:

Ap.os:

______________________________________________________________________

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Introdução:

(a) A A. começou por invocar que foi casada com o R. Américo, no regime

de comunhão de adquiridos, tendo então celebrad o, no decurso de 1991, e com

a R. Imobiliária, um contrato-promessa relativo a fracção autónoma designada

pela letra C, correspond ente ao 2º andar Dto, com entrada pelo nº4 da via

pública, e com duas varandas, do prédio urban o sito no Lugar da Estação,

Paços de Brandão, SM Feira, insc. mat. art. 1895, desc. C. Reg. P. respectiva

nº480, pelo preço d e Pte 8 000 000$00, onde o casal viveu até ter ela sido

expulsa de casa.

1 Vistos: Des. ( ); Des. ( ).

2 Adv.: Dr..

3 Adv. Dr.

4 Adv.: Dr.

5 Adv.: Dr..

1

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(b) Sustentou também que após o divórcio, e no decurso do inventário que se

seguiu, foi relacionada como verba n.º 1 “a posição contratual como

promitentes-compradores que os ex-cônjuges tinham no dito contrato-

promessa”, à qual foi atribuído o valor de Pte 8.500.000$00, mas não tendo os

RR. e juntado aos autos o escrito desse mesmo contrato,

apesar de notificados para o efeito, sustentando ambos que o não possuíam.

(c) No entanto a segunda R. acrescentou ter acabado de outor gar uma

procuração a favor dele, R. Américo, ex-marido da A.

(d) Alegou esta ainda: (i) apesar de na Conferência de Interessados aquela

verba n.º 1 lhe ter sido adjudicada a si e ao ex-marido, em comum e partes

iguais; (ii) igualmente acertado que tal apartamento seria vendido por ambos;

(iii) e de a A. ter mesmo arranjado um comprador disposto a pagar Pte 7 000

000$00 pelo prédio; (iv)o certo é que veio a tomar conhecimento do seguinte:

por escritura pública de 97.06.12 tal fracção foi vendida à R. pelo preço

de Pte 8 000 000$00;

(e) Trata-se aqui por isso de uma venda de coisa alheia, nula, como era do

conhecimento desta última R. e da não ignorando esta que ao

outorgar uma procuração apenas ao R. estava a possibilitar que este,

em prejuízo da A. e ex-mulher, alienasse sozinho a referida habitação, tal como

veio a suceder.

(f) Mais referiu que o contrato de compra e venda celebrado entre o R.

e a R. foi, apesar de tudo, negócio simulado, já que nem

aquele quis vender, nem esta quis comprar, não tendo sido pago qu alquer preço

pelo imóvel, e com o único intuito de prejudicá-la, a si A., pois não receberia

assim a metade do valor desse prédio.

(g) Acabou por formular os seguintes pedidos:

(i) condenação dos RR. a reconhecerem que é nulo o contrato de compra e

venda titulado pela escritura pública de 97.06.12;

(ii) condenação dos RR. a reconhecerem que a A. e o R. Américo são ambos e

em exclusivo únicos titulares do direito de adquirirem o referido prédio, por

virtude de o mesmo direito lhes ter sido adjudicado em comum e partes iguais

na partilha subsequente ao seu divórcio;

(iii) ou a condenação dos RR, solidária, a pagarem à A. a quantia

correspondente ao valor de metade do prédio, reportado à data de 97.06.12,

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nunca inferior a Pte 4 000 000$00, acrescido de juros à tax a legal a partir da

citação e até integral pagamento.

(h) A R. contestou (i) admitindo que tinha celebrado com o R.

o mencionado contrato-promessa; (ii) ter permitido ainda que o

mesmo e a A. passassem a ocupar de imediato a referida fracção, sem que

estivesse paga a totalidade do preço: Pte 8 000 000$00 (o que só veio a

acontecer em meados do ano de 1996, altura em que passou uma procuração a

favor do ex-marido, com uma validade de 30 dias, e por solicitação deste:

estaria interessado em vender a referida fracção, e quereria evitar

despesas com a subsequente escritura d e compra e venda!).

(i) A contestante disse ainda não ter sido informada do resultado da

Conferência de Interessados, nem das iniciativas que terão sido acertadas entre

os interessados durante a partilha, ignorando portanto qualquer prejuízo

advindo da outorga daquela procuração e causado à A., ex-mulher:

improcedência da acção.

(j) Os RR. aceitaram a existência do referido contr ato-

promessa, e conformaram-se com as circunstâncias documentadas nas

certidões do inventário juntas pela A., mas alertaram: os factos foram sempre

desconhecidos de

(k) Adiantaram: (i) após a R. ter emprestado Pte 10.000.000$00 ao R.

e à A., enquanto estes foram casados; (ii) e na impossibilidade de os

mesmos lhe pagarem a dívida; (iii) ficou acordado que o ap artamento em causa

seria para aquela R. (pagamento parcial do que lhe era devido); (iv) foi este o

motivo da solicitação da procuração.

(l) Por fim, impugnaram o remanescente, e defend eram por conseguinte a

improcedência da acção.

(m) A A. replicou: (i) o então casal, quando se separou em Maio de 1993, já

tinha pago Pte. 6.500.000$00, por conta do preço prometido, e com dinheiro de

ambos; (ii) entretanto, o R. foi quem pagou a demasia, já depois da

separação de facto, mas antes de decretado o divórcio.

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(n) Manteve todo o resto, e pediu agora a condenação dos RR como

litigantes de má fé.

(o) A decisão r ecorrida julgo u parcialmente p rocedente a presente acção:

(i) absolveu os RR do pedido baseado na nulidade do contrato de compra e

venda titulado pela escritura pública de 97.06.12, bem como do pedido de

reconhecimento de que a A. e o R. são, em conjunto e em exclusivo,

os únicos titulares do direito de adquirirem o referido prédio por virtude do

mesmo direito lhes ter sido adjudicado em comum e partes iguais na partilha

subsequente ao seu divórcio;

(ii) absolveu a R. do pedido de indemnização ref erido em (g) (iii).

(iii) condenou solidariamente os RR. a pagar à A. a quantia

de € 19951,92, e juros acrescidos desde a citação (99.02.11), à taxa legal,

primeiro de 10 % e depois de 99.04.17 à taxa de 7 %.

(iv) condenou os RR. como litigantes de má-fé: o primeiro

na multa de 12 UCs. [957,69 €] e a segunda 8 UCs. [638,46 €], a fixação da

indemnização a atribuir à A., remetida para momento ulterior, devendo

pronunciar-se as partes a propósito no prazo de 10 dias.

II. Matéria Assente:

1. A A. e o R . casaram em 90.09. 23, sem convenção ante-nupcial.

2. Em 1991, a R.

celebraram, por documento escrito, contrato mediante o qual

aquele prometeu vender e este prometeu comprar, pelo preço de, pelo menos,

Pte 8.000.000$00, a fracção autónoma designada pela letra “C”,

correspondente ao 2.º andar direito, com entrada pelo n.º 4, de um prédio sito

no Lu gar da Estação, freguesia de Paços Brandão , concelho de Santa Maria da

Feira, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 1894 e descrito na

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Conservatória do Registo Predial sob o n.º 480 da freguesia de Paços de

Brandão.

3. A A. e o R. viveram, juntamente com a sua filha, na referida

fracção até à sua separação.

4. Após a separação, o R. continuou a viver na fracção referida,

situação que se mantém.

5. Por sentença proferida nos autos de acção de divórcio que correu termos

pelo 1.º Juízo do Tribunal de Família de Porto, com o n.º 8572/93, foi

decretado o divórcio entre

tendo este sido declarado o único cônjuge culpado.

6. Nos autos de inventário facultativo que correram termos para separação

de meaçõ es entre a A. e o R. Américo, na qual aquela desempenhou as funções

de cabeça de casal, foi relacionado sob verba n.º 1 da relação de bens o

seguinte direito:

a posição contratual como p romitentes compradores que o casal possuiu

no contrato-promessa de compra e venda respeitante à casa que foi a

respectiva casa de morada de família até à separação dos cônjuges e que

constitui a fracção autónoma correspondente ao 2.º andar direito, sito na Rua

da Estação, Lugar de Póvoa de Cima, em Paços Brandão, concelho de Santa

Maria da Feira por conta do qual o casal já pagou a totalidade do preço de

8.500 contos, sendo promitente vendedora a

a que atribuiu o valor de “8.500.000$00.

7. Da relação de bens ficou a constar a seguinte nota: deverá o ex- marido

da cabeça de casal juntar aos autos o respectivo contrato promessa de compra

e venda que se encontra na sua posse e indicar o art. da matriz, se o houver.

8. Naqueles referidos autos de inventário, e na sequência de requerimento

apresentado em 96.07.08 pelo R. , afirmando não ter na sua posse o

contrato-promessa referido, foi a R. notificada para o efeito, por

carta expedida em 9609.16, tendo informado, po r requerimento de 96.09.26,

não ter também em seu poder o referido contrato, mas ter acabado de outorgar

procuração a favor do R. , conferindo-lhe poderes para vender o andar:

o preço acordado de Pte 8 000 000$00, já estava pago por este.

9. Na Conferência de Interessados realizada em 97.05.15, foi rectificado o

valor da verba 1 da relação de bens: Pte 8.000.000$00; e foi aceite acordo, nos

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termos do qual foi tal verba adjudicada à A. e ao R. , em comum e

partes iguais, pelo referido valor.

10. No final dessa Conferên cia ficou combinado entre a A. e o R.

que ambos iriam diligenciar pela obtenção de comprador para a fracção

aludida, comunicando posteriormente um ao outro o resultado de tais

diligências, a fim de procederem à venda em conjunto da mesma e à repartição

em partes iguais do valor obtido.

11. Por sentença transitada em julgado, 97.12.10, foi homologado o mapa da

partilha, e adjudicadas aos interessados as meações que dele constam.

12. No dia 97.05.30, por instrumento outorgado no 1.º Cartório Notarial de

Santa Maria da Feira a R. no acto representada pelos seus sócios-

gerentes , declarou

constituir procurador o R. a quem concedeu poderes par a vender a

quem quisesse e pelo preço que combinasse, a fracção em causa; e para

outorgar na competente escritura, receber o preço e dele d ar quitação,

promover os registos na Conservatória do Registo Predial.

13. Por escritura pública celebrada em 97.06.12, lavrada no 1.º Cartório

Notarial de Santa Maria da Feira, o R. , em representação da R.

e no uso da procuração atrás referida, declarou em nome da sua

representada vender à R. , que declarou comprar, pelo preço de oito

milhões de escudos, já recebido, a fracção em debate.

14. A R. , antes da outorga da procuração, tinha pleno

conhecimento que a A. tinha sido casada com o R. .

15. A R. é tia do R. e pessoa a este muito ligada.

16. A R. não quis comprar à R. a fracção sobredita.

17. A R. não pagou nenhuma quantia pela referida fracção com vista

a adquirir a mesma para si.

18. Quer antes, quer após a escritura, nunca a R. viveu na dita

fracção, continuando a residir na Rua da Relva, casa 151, freguesia de Paços de

Brandão, concelho de Santa Maria da Feira.

19. A escritura em causa foi efectuada, por acordo entre o R. e a R.

, no intuito de tal apartamento ficar apenas para aquele R., e por forma a

evitar que a A. viesse a receb er qualquer valor correspondente ao mesmo: sabia

a R. que tanto poderia vir a suceder.

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20. A R. , e a solicitação do R. , emprestou-lhe, com vista à

aquisição da mencionada fracção, a quantia de pelo menos Pte 2.000.000$00

(Pte 100.000$00 na constância do matrimónio).

21. A R. em 95.04.06 constituiu uma procuração a favor do R.

, concedendo-lhe poderes para vender a fracção em disputa, por um

período de 30 dias, tendo decorrido tal prazo sem que a mesma tivesse sido

utilizada.

III. Motivos da decisão recorrida:

(1) O alienante, na escritura pública celebrada em 97.06. 12, foi a R.

e não o R. , já que este agiu como representante daquela:

não existindo factos donde se possa afirmar que aquela não é a verdadeira

proprietária da fracção, não se pode também sustentar que se trata da venda

de um bem alheio.

(2) Entretanto, a função de um contrato promessa é a de vincular as partes a

uma prestação futura: a obrigação de contratar ( ) ou se se

preferir o acto devido pelas partes ( que por agora se não quer ou

não pode realizar – tem por isso uma função instrumental de preparação do

contrato definitivo6.

(3) Aliás, com a celebração do contrato-promessa, o promitente comprador

(R. ), apenas ficou com o direito de exigir à R . (i) a

obrigação por esta assumida (que seria num certo futuro a declaração de

alienação desse imóvel), ou então (ii) as consequências que pudessem advir de

incumprimento.

(4) Por tudo isto, não tem qualquer fundamento a afirmação de se estar aqui

perante a venda de um bem alheio.

6 vide Galvão Telles, in “Direito das Obrigações” (3.ª Edição), p. 76; Almeida Costa, in “Direito das

Obrigações”, (3.ª Edição), p. 287; Ana Prata, in “O contrato-promessa e o seu regime civil” (1995), p.

120/1..

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(5) Outra nulidade adviria, no entanto, dessa compra e venda consubstanciar

um negócio simulado, art. 240/1 CC7.

(6) Contudo, e calcorreando os factos provados, não encontramos qualquer

pacto enganoso entre os intervenientes: (i) é verdade que a R. , antes

da outorga da procuração, tinha pleno conhecimento que a A. tinha sido casada

com o R . ; (ii) também não é menos verdade que aquela R. poderia

prever que o R. quisesse adoptar qualquer comportamento de mo do a

prejudicar a ex-mulher; (iii) mas estes factos não são suficientes para se afirmar

que houve um acordo simulatório entre a R.

improcede a apontada simulação negocial.

(7) Entretanto, pretende a A. o reconhecimento d e que ela e o R

são, em conjunto e em exclusivo, os únicos titulares do direito de adquirirem o

referido prédio por virtude de o mesmo direito lhes ter sido adjudicado em

comum e partes iguais na partilha subsequente ao seu divórcio: não

vislumbramos que exista qualquer fundamento para avançar com tal pedido ou

qualquer utilidade no reconhecimento da exclusividade de tal direito de

aquisição do identificado apartamento, atento o pedido de nulidade e de

indemnização que foram igualmente formulados, este último a título

subsidiário.

(8) Mesmo assim, imp rocede o pedido: em regra, um contrato-promessa

apenas produz efeitos inter-partes; e se o promitente-vendedor alienar a

outrem o prédio visado pelo ajuste, essa venda será válida e persistirá,

cabendo ao promitente comprador o direito de ser indemnizado pelo

incumprimento do contrato (um contrato-promessa apenas produz efeitos

meramente obrigacionais, salvo se lhe for atribuída eficácia real, em

conformidade com o art. 413 CC, como se não verifica).

(9) Resta ainda apreciar a valia dos argumentos que baseiam o p edido

indemnizatório formulado pela A. a título subsidiário: no caso em apreço

teremos de considerar apenas os vínculos contratuais que ligam a R.

7 ...se, por acordo en tre o declarante e declaratário, no intuito de enganar terceiros, houver divergência

entre a declaração negocial e a vontade real, o negócio diz-se simulado.

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– (i) iniciais e que ficaram do contrato–promessa

celebrado no decurso de 1991; (ii) da procuração outorgada em 97.05.30; (iii)

do contrato de compra e venda em que fora m intervenientes afinal a R.

e a R. (à partida não foi celebrado qualquer negócio entre a

A. e os RR).

(10) Devemos também distinguir as relações inter-conjugais, ou que resultem

da dissolução da comunhão conjugal (em regra, apenas produzem efeitos entre

si), das relações contratuais assumidas por qualquer dos membros do casal com

terceiros (podem naturalmente ter repercussões quer na comunhão conjugal,

quer nas situações de vantagem mútua que possam advir, arts. 1724 e 1732 CC,

quer nas desvantagens, arts. 1690 e 1691 CC).

(11) Aqui mesmo, convém não esquecer estarmos perante um contr ato-

promessa, o qual gera apenas efeitos obrigacio nais relativamente aos seus

intervenientes ou no qu e concerne àqueles que venham a suceder-lhes, por

sucessão ou transmissão8.

(12) No entanto não podemos olvidar que no inventário facultativo para

separação de meações resultante da dissolução do património conjugal e na

sequência da Conferência de Interessados realizada em 97.0.15, foi adjudicada

a ambos, em comum e partes iguais, a posição contratual como promitentes

compradores que como casal possuíam no contrato-promessa de compra e

venda respeitante à casa que deles foi morada de família, e pelo valor de Pte

8.000.000$00, tendo a sentença homologatória transitado: estamos, pois,

perante uma cessão para a A. de parte da posição contratual de comprador do

R. Américo, art. 577/1 CC9.

8 Daí que a jurisprudência e a doutrina tenham desd e há muito tempo a entender que “O contrato-

promessa de compra e venda de imóveis do casal, celebrado apenas por um dos cônjuges, na posição de

promitente vendedor, sem o consen timento do outro, mesmo não vigo rando o regime de separação de

bens, é válido” – vide Ac. STJ de 19 75/Fev./07, 1983/Mar./24, 1984/Jun./28, 1985/Mar./21, Ac. RC

1992/Mar./17, 1993/Jan./12, in respectivamente BMJ 244/253, 325/570, 338/409, 345/408, CJ II/46, I/13;

Almeida Costa, “Contrato-promessa” (1990), p. 41. Na sequência lógica desta posição e partindo

essencialmente do disposto no art. 1682-A, a jurisprudência tem igualmente retirado consequências ao

nível do incumprimento desses contrato promessas celebrados por apenas um dos cônjuges, ao decidir

que “O cônjuge que não outorgou na promessa de venda não pode ser condenado na restituição do sinal

em dobro, se não con firmou, por escrito, o acto do cônjuge outorgante” (Ac. R. C de 19 93/Jan./12, CJ

I/13) ou então que “O incumprimento do contrato-promessa em que só intervém, co mo vendedor o

cônjuge marido, não permite o exercício da execução específica” (Ac. STJ de 1995/Abr./06, CJ (S)

II/31).

9 ...o credor pode ceder a terceiro uma parte ou to talidade do crédito, independentemente do

consentimento d o devedor, contan to que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou

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(13) No entanto tal acordo só seria eficaz ...entre eles e a R. após a

notificação desta, com a ressalva do art. 583/2 CC10.

(14) Porém entre o acordo do ex-cônjuges no inventário e a sua homologação

sentencial, o R. , em representação da R. a, celebrou em

97.06.12 a escritura de compra e venda com a R. , sua tia, fazendo

“tábua rasa” do compromisso firmado com a A. há menos de um mês: agiu

deliberadamente com o intuito de o apartamento vir a ficar posteriormente

apenas para si, e por forma a evitar que a ex-mulher pudesse receber qualquer

valor correspondente.

(15) Deste modo, ao aceitar representar a R. na escritura, tal como

fez e com os apontados intuitos fraudulentos, o R. frustou as legítimas

expectativas da A., firmadas no resultado da Conferên cia de Interessado s (co-

titularidade da posição contratual de promitente compradora, art. 1404 C C)11.

(16) Perante o comportamento do R. acabado de refer ir, será lapidarmente de

concluir que o mesmo abusou manifestamente da procuração que lhe foi

outorgada pela R. infringindo os mais elementares dev eres de

consideração e de confiança impostos aos ex-cônjuges até ao momento da

partilha dos bens ou direitos comuns (pretendeu aliás deliberadamente

contrariar os acordos já conseguidos na Conferência de Interessados, e que

apenas aguardavam a homologação judicial).

(17) Ora, não é admissível o exercício de um direito – que por parte do R.

seria aquele que advinha-lhe de um negócio unilateral, como é a

procuração – quando o seu único móbil é prejudicar outrem, ou seja a A.12.

(18) Por tudo isto, será caso de integrar esse mesmo comportamento no

disposto no art. 334 CC13, não expressamente suscitado pela A., mas que

convenção das partes e o créd ito não esteja, pela própria natureza da prestaçã o, ligado à pessoa do

credor – cfr. art. 412 ./2 CC.

10 O n.º 1 do preceito estabelece como regra: a cessão produ z efeitos em relação ao devedo r desde que lhe

seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele aceite. 11 Além do mais, vd. Ac. RL 99.07.08, CJ IV/94: com a d issolução do ca samento os bens comun s – e o s

direitos acrescentamos nó s – não passam imediatamente ao regime de compropriedade o qu e só

acontecerá se, ao procederem à partilha, os cônjug es pretenderem ficar com os bens em comum.

12 Vd. Vaz Serra, RLJ 111/296.

13 ...é ilegítimo o exercício do direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela

boa fé, pelos bon s costumes ou pelo fim so cial ou económico desse direito.

Para se falar em abuso de direito, não basta que sejam meramente ultrapassados os apontados limites,

exige-se ainda, co mo aqui sucede, que esse excesso seja evidente o u inequívoco, o que não pode deixar

de significar que o abuso de direito é uma medida de natureza extraord inária, não sendo porém no entanto

necessário que se tenha a consciência desse procedimento abusivo po r parte do titular que exerce tal

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implicitamente decorre da posição desta: alude, com efeito, à actuação ilícita

dos R R. e ao único intuito de os mesmos a prejudicarem: o conhecimento do

abuso é, por sua vez, de carácter oficioso14.

(19) Por fim, o abuso de direito pode gerar a obrigação de indemnizar por

parte dos seus autores, art. 483 CC15: , neste caso, são

responsáveis po r esse tipo de prejuízos16 sofridos pela A. e valorizados na

Conferência de Interessados em Pte 4.000.000$00 (€ 19 951,92).

(20) A A. reclamou, ao mesmo tempo, pagamento de juros de mora a partir

apenas da citação dos RR., o que deverá ser observado, arts. 661 e 668/1.e

CPC : são devidos à taxa legal, desde 99.04.17, 7 %, e até então, 10 % arts.

806/2 e 559/1 CC; Port. n.º 1171/95 de 25/Set., Port. n.º 263/99, de 12/Abr.

(21) No entanto, haverá que apurar se os RR são

igualmente responsáveis por esta indemnização, muito embora não tivessem

estabelecido qualquer vinculo contratual com a A.17.

(22) É que, explicitando como deve ser entendido o termo abuso d e direito de

modo a responsabilizar um terceiro, escreveu Vaz Serra18: quando o art. 334.º

direito – neste sentido vide Galvão Telles, in “Direito das Obrigações” (1982), p. 11; P. Lima e A. Varela,

in “Código Civil Anotado”, Vol. I (1982), p. 296; Cunha de Sá, in “Abuso do Direito” (1973), p.104;

Menezes Cordeiro, in “Da Boa Fé no Direito Civil”, Vol. II (1984), p. 662; a propósito do § 242.º do

BGB, vid e Franz Wieacker, in “El principio de la buena fe” (1977).

14 Vd. Ac.(s) S.T.J. 79.10.09, 80.03.26, 86.01.16, 99.11.25, B.M.J.(s) 290/352, 295/426, 353/475 e C. J.

(STJ) III/124 ; Vaz Serra, R.L.J. 112/131; divergindo deste amplo entendimento e afastando-o nos casos

em que se afronto u a boa fé, vd. Oliveira de Ascensão, “Direito Civil – Teoria Geral”, Vol. III (2002), p.

282 e ss. (285).

15 ...a quele qu e, com dolo ou mera culpa, vio lar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer outra

disposição legal destinada a pro teger interesses alheios fica obrigado a indemniza r o lesado pelos d ano s

resultantes da violação. Vd. Ac. STJ de 99.11.25 , cit.; Pires de Lima & Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. I (1982),

p. 297.

16 Determinada a responsabilidade e havendo dano existe a obrigação de indemnizar devendo o obrigado

...reconstituir a situação q ue existiria , se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, art.

562 CC.

Por outro lado, art. 566/1 CC: a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reco nstituição natural

não seja possível, não repare integralmente os danos o u seja excessivamente onerosa para o devedo r; n.º 2

a indemnização terá ...como medida a diferença en tre a situação patrimon ial do lesado, na data mais

recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a qu e teria nessa data se não existissem danos.

17 Conforme à generalidade da doutrina e jurisprudência, o nosso ordenamento jurídico não adoptou um

regime de responsabilização de terceiro s pelo não cumprimento de obrigações, mediante a existência de

um efeito externos destas, neste sentido vd Ac STJ de 93.01.27, CJ (STJ) I/84, e d outrina aí apontada

como dominante; sobre esta p roblemática vd. Almeida Costa, “Direito das Obrigações” (1984), p. 59 e

ss.: perfilha o entendimento da não admissibilidade do efeito externo das obrigações, dá conta dos

seguidores da opinião contrária.

18 Aut. cit., RLJ 103/462, nota 3.

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fala em o titular do direito exceder manifestamente os limites impostos pela

boa fé ou pelos bons costumes, a palavra “direito” é de entender em sentido

lato, abrangendo a liberdade de contratar: será que se impunha às RR.

o dever de não contratar (em relação à primeira, não

outorgar a procuração, e não vender o apartamento à R. ; esta, não ter

adquirido a fracção)?

(23) No que concerne à R . , apenas se pode dizer que a mesma

antes de 97.05.30, momento da outorga da última procuração ao R.

tinha pleno conhecimento que a A. tinha sido casada com este, podendo prever

que o mesmo poderia fazer uma utilização do instrumento de representação que

a prejudicasse.

(24) Não pode dizer-se contudo que houve um comportamento abusivo da sua

parte, já que a mesma não mantinha qualquer vínculo contratual com a A., e

não ficou provado que tivesse qualquer intuito de prejudicá-la.

(25) Outro tanto não pode ser afirmado em relação à R. : interveio

como compradora na escritura de compr a e venda do apartamento apenas com

o intuito de prejudicar a A. (ex ercício ilegítimo do seu direito de contratar;

responsabilidade solidária com a do R. art. 497/1 CC).

(26) E para se chegar a esta conclusão em nada obsta a circunstância de a R.

ter emprestado ao R. a quantia de Pte 2.000.000$00 com vista

à aquisição desse mesmo apartamento.

(27) Mas a ap reciação não pode ficar por aqui: a A. também suscitou na

réplica a condenação dos RR como litigantes de má-fé.

(28) Retomando os factos alegados pelos RR. temos que os

mesmos afirmaram na sua contestação que tinha sido acordado entre aquele

primeiro R. e a A. que o referido apartamento seria para a segunda R.19,

sustentando ainda que seria falso o que a A. alegou em contrário20.

(29) Tratando-se de factos pessoais e como tal do conhecimento destes dois

RR., será de concluir que ao impugnarem os mesmos, pretenderam alterar

consciente e deliberadamente a verdade dos factos, violando manifestamente os

deveres de verdade e probidade impostos às partes, art. 266-A C PC, e agindo

19 Contestação 14.

20 P.I., 36/40.

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sob má fé material: merecem ser devidamente censurados, devendo a

correspondente multa ter em atenção o montante dos proveitos que os mesmos

pretendiam obter com a defesa, e com maior peso para o R.

(30) É adequado e razoável fix ar a mesma em, pelo menos, 12 UCs. para este

R. e 8 em UCs. para a R., art. 102. a CCJ.

(31) O conteúdo da correspondente indemnização segue, aqui, o disposto no

art. 457/1.2 CPC21.

(32) Ora a A. em requerimento próprio, apesar de começar por aludir qu e o

comportamento dos RR lhe causou graves danos, não chegou contudo a

precisar quaisquer valores, nem sequer dos honorários dos seus ilustres

mandatários, nem das despesas que teve de suportar, culminando no entanto

com o pedido de uma indemnização fixado em € 3000.

(33) Ora, à partida, podemos afirmar que o montante pretendido pela autora

não tem qualquer consistência factu al, a não ser que se entend a que o tal

pedido de € 3000, comporta essencialmente o montante de honorários forenses

a suportar pela A.

(34) Assim e reduzindo esse montante aos justos limites, temos como

adequado fixar uma indemnização de € 500.

IV. Cls./Alegações ():

(a) O abuso gera obrigação de indemnizar ao titular desse direito e autor de

tal abuso: no caso dos autos, ao ter sido concluído que o R. abusou do

direito de contratar qu e lhe advinha de uma procuração, a obrigação de

indemnizar a que haja lugar em consequência de tal abuso apenas a ele pode

ser imputada.

21 ...a indemnização pode consistir: a) no reembolso das despesas a que a má fé do litigan te tenha

obrigado a parte co ntrária, incluindo os honorários dos mandatário s ou técnicos; b) no reembolso

dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência

directa ou indirecta da má fé. Acrescenta: o juiz optará pela indemnização que julgue mais adequada à

conduta do litigante de má fé, fixando-a sempre em quantia certa , mas serão ouvidas as partes para a

fixar, com prudente arbítrio, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários

apresentadas.

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(b) Ao não decidir desta forma, a sentença r ecorrida violou o disposto no art.

334 CC.

(c) Tendo ficado demonstrado que a Ap.e era credora do casal por quantias

que a este havia emprestado com vista à aquisição do apartamento, e

recusando-se o casal, maxime a A. a reconhecê-la nessa qualidade de credora,

era-lhe e é-lhe lícito aceitar comprar o prédio, garantindo assim o pagamento,

pelo menos parcial, e ainda que com tal atitude pudessem ou possam sair

frustradas as expectativas de , criadas pelo ex-marido e R.

aquando da Conferência de Interessados havida no inventário para

separação das meações, no que diz respeito à adjudicação me comum e partes

iguais da posição detida por ele no contrato-promessa, celebrado contudo na

constância do casamento.

(d) Ao considerar que com tal atitude a Ap.e também abusou do direito de

contratar, o tribunal fez errada interpretação dos factos e errada aplicação do

direito, violando de novo a norma legal citada.

(e) A expectativa da A., que no entender do tribunal foi frustrada, refere-se

antes ao incumprimento por parte do R. de um acordo celebrado entre

este e a ex-mulher no âmbito do inventário para separação de meações, no qual

a Ap.e não interveio, desconhecendo por isso o seu teor, sendo certo que nem

sequer tinha sido ainda homologado quando foi outorgada a dita escritura de

compra e venda do apartamento em causa.

(f) Assim, não pode ser imputada à Ap .e qualquer responsabilidade pela

frustração de tal expectativa.

(g) Mas sem prescindir diga-se ainda que o nosso ordenamento jurídico não

adoptou um regime de responsabilização de terceiros pelo não cumprimento de

obrigações mediante a existência de um efeito externo destas, dominante o

entendimento de que uma obrigação só pode ser infrin gida pelo respectivo

devedor, pois só a ele vincula.

(h) Ora, no caso dos autos, a violação geradora da obrigação de indemnizar é

o incumprimento por parte do R . daquele acordo celebrado

exclusivamente entre ele e a A., cujo teor, insiste a recorrente, desconhecia e

que ainda nem sequer tinha sido homologado: não assumiu a Ap.e qualquer

obrigação quer para com o R. , quer para com a A. e,

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consequentemente, nenhuma responsabilidade obrigacion al pelo

incumprimento do acordo lhe pode ser assacada.

(i) Não tendo decidido desta forma, a sentença recorrida violou o disposto

no art. 798 CC.

(j) Contudo, ainda que fosse entendido ser responsável a Ap.e pelo

ressarcimento dos danos advindos à A. em consequência d a frustração da

sobredita ex pectativa, diga-se que o valor dessa indemnização teria como

medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente

que puder ser atendida p elo tribunal, e a que teria nessa data se não tivessem

existido os danos.

(k) Mas no caso dos autos ficou por demonstrar qual o concr eto valor desses

danos, não bastando a in dicação da exclusiva iniciativa da A. e do R.

e que foi aceite em sede de Conferência de Interessados, de que o apartamento

valia Pte 8 000 000$00.

(l) Tanto mais que tal declaração não traduz um valor real do prejuízo

eventualmente sofrido pela A., mas apen as o valor que a fracção tinha para o

casal, despido dos custos inerentes à escritura pública de compra e venda, a

qual teria necessariamen te de ser outorgada par a transmissão da propriedade,

correspondentes registos, etc.

(m) Havendo ainda a considerar que o preço da venda dessa fracção,

acordado entre o R. , justamente de Pte 8 000

000$00, ainda se não encontrava igualmente pago à data da separação do casal

(tinha sido pagos apenas Pte 6 500 000$00).

(n) E o valor do p rejuízo alegad amente sofrido pela A. teria então de referir-

se ao valor da posição contratual decorrente do contrato promessa e não ao

valor do próprio objecto desse contrato, i.é, da fracção prometida comprar e

vender.

(o) Deste modo, já que se fica sem saber qual o preciso montante que o casal

A. e R. despendeu com vista à aquisição de tal apartamento, mas

ficando-se também sem saber qual o valor da posição contratual em causa, não

é possível determinar com rigor o prejuízo que adveio para a A. em

consequência do incumprimento do contrato-promessa: a sentença recorrida

não poderia, pois fixar tal montante indemnizatório em quantia certa.

(p) Ao não decidir desta forma violou o disposto no art. 566 CC.

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(q) Mesmo assim, sempre teria ficado vedada a condenação no que viesse a

liquidar-se em execução de sentença uma vez que a possibilidade de a prova

dos prejuízos vir a ocorrer em fase posterior se destina apenas àqueles casos

em que, na d ata da sentença, o montante dos prejuízos ainda permanece incerto

ou indeterminado, por ainda não terem ocorrido, ou por ainda não serem

conhecidos.

(r) No caso dos autos, é inequívoco que à data da sentença, e até na data da

apresentação da p.i., já a A. sab ia ou pelo menos estava na posse dos elementos

para tanto necessários qual o valor do prejuízo sofrido em consequência da

atitude do R. competia-lhe o ónus de alegar e provar tal montante,

como não fez.

(s) Por fim, entende a recorrente que se não verificam os pressupostos da sua

condenação como litigante de má fé: limitou-se a defender no processo a

profunda convicção que tem sobre os factos, e tal conduta não lhe pode ser

censurada.

(t) Decidindo ao contrário, a sentença recorrida fez errada aplicação do art.

456 CC.

(u) Ao invés, a A. alegou factos cuja prova veio a revelar serem falsos,

maxime em 32. da Réplica: nunca a R. emprestou quaisquer quantias

ao casal.

(v) Na verdade ficou demonstrado que a solicitação do R. lhe

emprestou pelo menos a quantia de Pte 2 000 000$00, Pte 100 000$00 já na

constância do matrimónio.

(w) Ora, sendo a A. e Ap.a quem, no processo, manifestamente falta à

verdade, é ela quem litiga de má fé, e como tal deveria ter sido condenad a.

(x) Ao não decidir desta forma, a sentença recorrida violou a já citada

disposição legal.

(y) Deverá ser revogada e substituída por acórdão que absolva a R.

dos pedidos e condene a A. como litigante de má fé em multa e indemnização

em favor da Ap.e: será determinada segundo o justo critério do tribunal de 2ª

instância.

V. Cls./Alegações e Contra-alegações ):

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(a) Da matéria de facto provada resulta que também a R. abusou clara

e despudoradamente do seu direito de comprar a fracção predial em causa: ao

declarar comprá-la não tendo pago aliás qualquer quantia por ela, mas com

vista a adquiri-la para si, teve como único objectivo que tal fracção, casa de

morada de família do dissolvido casal A./R . , ficasse exclusivamente

para o ex-marido, não r ecebendo a ex-mulher qualquer valor decorrente da

venda da mesma.

(b) E ao actuar deste modo, e com tais objectivo s, também a R.

excedeu manifesta e intensamente os limites impostos pela boa fé e pelos bons

costumes ou pelo fim social e económico do direito de comprar, art. 334 CC.

(c) De um tal abuso de direito deriva directamente, depois, a obrigação de

também a R. indemnizar a A. do prejuízo que lhe causou: tr ata-se de

uma violação clara de uma disposição legal, art. 334 CC, com a função de

proteger interesses alheios, neste caso, da A., art. 483 CC.

(d) Por outro lado, foi por acordo entre A. e o R. que foi fixado em

Pte 4 000 000$00 o valor da metade da A. na posição contratual de promitentes

compradores que o casal detinha no contrato-promessa respeitante àquela

fracção predial.

(e) Ora, foi dessa metade da A., nessa posição contratual, que ficou privada

com a não desejada mas na verdade levada a efeito aquisição de tal fracção por

parte da R.

(f) E R . não pagou qualquer quantia pela referida fracção com vista a

adquiri-la para si: é pois de Pte 4 000 000$00 o valor do dano sofrido pela A..

(g) É essa a medida desse dano: é a diferença entre a situação patrimonial da

A. na data da sentença e também no momento presente (perda daquela sua

posição contratual acordada com o R. , por virtude da venda da

fracção predial que o R. fez, desacompanhado da A., à R. e

com a conivência desta) e a situação que nesta altura a A. teria se tal alienação

não se tivesse feito, art. 566/2 CC.

(h) Esclareça-se também que foi esse preço de Pte 4 000 000$00 que a A.

deu por aquela posição contratual na Conferência de Interessados durante a

partilha subsequente à separação de meações, ou seja, era esse o preço que a A.

teria de pagar se tal posição lhe fosse adjudicada a ela por inteiro; era esse o

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preço que a A. teria de receber se a mesma posição por inteiro fosse adjudicada

ao R.

(i) Por isso mesmo, ao fixar aquele montante de Pte 4 000 000$00, o

tribunal recorrido já tinha em seu poder todos os elementos justificativos, e eles

foram os únicos de que deveria ter-se socorrido, não havendo pois justificação

para uma liquidação dos danos em execução de sentença.

(j) Por outro lado, e ao contrário do que alega a R. , não seria legítimo

da sua parte adquirir a fracção predial para se fazer pagar de dinheiros que

eventualmente emprestara ao R. p ara aqu isição do prédio.

(k) Com efeito, o que ficou provado é que a R. declarou comprar tal

fracção não para se pagar de tais empréstimos mas sim, e por acordo com o R.

, para que tal prédio ficasse apenas para este, e por forma a evitar que

a A. viesse a receber qualquer valor decorrente do mesmo.

(l) Ainda assim, a mesma R. declarou comprar, e pretendeu subtrair à

A., uma fracção predial que foi avaliada, por acordo entre esta e o R.

no montante de Pte 8 000 000$00, quando ev entualmente lhe teria emprestado

apenas Pte 2 000 000$00: onde pois, a legitimidade alegada p ela R. para

adquirir tal fracção?

(m) Por fim, ao recorrer da má fé em que foi condenada, a R. omite

que alegou factos pessoais não comprovados, e que negou factos pessoais que

ficaram provados: é patente e inequívoca a má fé da recorrente, e o

comportamento que teve enquadra-se sem dúvida no art. 456 CPC.

(n) Em contrapartida, a R. vem agora, n a minuta, e pela primeira vez,

pedir a condenação da A. como litigante de má fé, com o argumento de que

teria negado, mas tinha conhecimento do empréstimo de dinheiro que ela R.

fizera ao R. .

(o) Mas os recursos destinam-se a reapreciar as questões suscitadas nas

instâncias, e não a apreciar questões novas22: nem na Contestação, nem

posteriormente, até à sentença recorrida, alguma vez a R. suscitou esta questão

da agora alegada má fé da A. e não o pode fazer, pois, agora.

(p) De qualquer modo sempre se dirá que a A. alegou em Réplica-7 que o R.

pagou o resto do preço do apartamento, para além de Pte 6 500

000$00, quando o casal já se encontrava separado e o que ficou provado foi

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que a R. , a solicitação do R. , lhe emprestou, com vista à

aquisição da mencionada fracção a quantia de pelo menos Pte 2 000 000$00,

100 000$00 na constância do matrimónio: não está dito ou provado que a A.

tivesse tido conhecimento desse empréstimo de Pte 100 000$00 e é esta a única

tranche que poderia fazer incorrer a A. numa situação de má fé; ou que tivesse

tido conhecimento d e qualquer outro empréstimo fora da constância, sendo

aliás de presumir que o ignorasse.

(q) Por conseguinte, a sentença recorrida não violou, no âmbito do recurso

principal, qualquer preceito de lei devendo ser confirmada contra as pretensões

da R.

(r) Por sua vez, a A. reduz o objecto do recurso subordinado ao montante da

indemnização por litigância de má fé em que foram condenados os RR

fixada em apenas € 500, a título de honorários aos

mandatários da recorrente.

(s) A razão da discordân cia é a seguinte: a presente causa é indubitavelmente

complexa, dada até a raridade das questões que suscita, e para defend erem os

interesses da sua constituinte os mandatários estudaram e prepararam extensos

articulados, que lhes consumiram muitas horas de trabalho, envolvendo

abordagens e estudo de institutos variados: mandato, nomeadamente o que se

dispõe no art. 259 CC; contrato-promessa de compra e venda; contrato de

compra e venda; reserva mental, art. 244 CC; simulação, art. 240 CC; regime e

efeito das nulidades.

(t) E praticaram actos não só de advocacia como de solicitadoria: tiveram de

pessoalmente obter e estudar, ou juntar aos autos, numerosos documentos

judiciais e extra-judiciais, efectuar variadas buscas nos Notários e nas

Conservatórias, ocuparam o seu tempo e aplicação em mais que uma sessão de

julgamento.

(u) Daí que se afigure à A. que a indemnização a atribuir-lhe, e

correspondente aos honorários dos seus mandatários, dever á ser fixada nos

pedidos € 3000,00, os quais se deverão considerar contidos nos parâmetros do

art. 457/1a.2 CPC, disposições legais que, deste modo, a sentença de 1ª

instância violou.

22 Citou Ac. STJ 85.03.26, BMJ 345/362.

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(v) Deve portanto, apenas neste particular ser alterada.

VI. Recurso: pronto para julgamento.

VII. Sequência:

(a) Não tendo sido posta em causa a sentença de 1ª instância senão no que

diz respeito à condenação da R. na indemnização solidária arbitrada à

A. pelo prejuízo derivado do abuso, por assim dizer, da posição adquirida junto

da sociedade Imobiliária, obrigada à compra e venda prometida, por parte do

ex-marido e da tia deste, ou também quanto ao montante arbitrado a título de

ressarcimento da má fé da litigante, teremos apenas de verificar se os contra-

motivos invocados nestes domínios em que foi posta em causa a decisão

recorrida são bastantes para convencer.

(b) Deste modo, cumpre afirmar muito claramente que não estamos em

presença de uma indemnização decorrente do incumprimento de uma

obrigação prejudicial a terceiros, mas débito indemnizatório fundado em acto

ilícito qual o de um conluio entre a recorrente e o sobrinho para em conjunto

defraudarem directamente o direito da A., i.é (e na perspectiva da sentença

criticada), uma expectativa protegida pela boa fé de compartilhar dos proventos

advenientes da colocação no mercado da fracção autónoma prometida comprar

pelo ex-marido (com tradição para o casal) na constância do matrimónio,

satisfeita com dinheiros comuns uma parte substancial do preço.

(c) Vejamos se esta perspectiva do ilícito se pode de alguma forma sufragar:

(i) o R. , ex-marido, estava sem dúvida vinculado ao compromisso

assumido, público e formalizado na Conferência de Interessados, de dividir por

metade o numerário proveniente da tr ansacção ou do prédio ou dos direitos que

a promessa lhe conferia; (ii) do mesmo modo, vinculado à avaliação concorde,

referida ao cômputo económico das vantagens patrimoniais paritárias

encaradas no âmbito e alcance desse ponto em particular do acerto divisório;

(iii) e é este o contexto e estrutura que tanto o ex-marido como a recorrente,

segundo o provado, quiseram romper, com a consciência d e defraudarem, i.é,

de subtraírem benefícios atribuídos e a que não poderiam opor-se, sobretudo

pela via posta construída por ambos.

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(d) Em suma, a R. de acordo e em conjugação de esforços com o

sobrinho, para obter para este réditos que no entanto ele se comprometera de

direito a repartir, tal como a tia sabia, aceitou intervir numa compra e venda

que não quis, manifestando uma vontade especular, com intenção jurídica,

afastada das boas práticas impostas pelo ordenamento: será o dever geral de

agir de boa fé uma directiva que confo rma a legalidade dos comportamentos

negociais singulares no que afectam terceiros?

(e) Não precisamos de ir tão longe: (i) o art. 227/1 CC impõe o dever de agir

com lealdade a todos os que decidam incorrer na contratação: foi o caso do R.

ao solicitar o mandato da Imobiliária, promitente vendedora; (ii) por

outro lado, segundo o art. 490 CC, todos os autores ou auxiliares de acto ilícito

respondem pelos danos causados: foi o caso da Ap.e (comparticipação tão

exitosa quanto a sentença recorrida consolidou nela a aquisição ancilar do

prédio23, desviado contudo da esfera dos rendimentos da A. à qual estava

funcionalmente dado por contrato do sobrinho faltoso).

(f) Por conseguinte, recortado o ilícito, a culpa e simultaneamente o dano

(carência do benefício concorde, e no plano jurídico da livre iniciativa dos

particulares), e não se suscitando dúvidas quanto ao nexo causal24 (problema

nem sequer posto na minuta), subsiste a questão do valor, repondo o equilíbrio

situacional da fortuna subtraída... mas a estimativa consolidada é ela em si um

elemento da previsão motora da recorrente, cúmplice necessária do ex-marido

da A.

(g) Logo, é essa mesma a reposição que há-de ser feita, atento o segmento do

mercado insersor do bem em causa, que se concretizou e demarca a diferença

entre o antes e o depois do prejuízo: a A. perdeu, sem dúvida, Pte 4 000

000$00, na data em que a recorrente adquiriu o apartamento, preço acertado

enfim sob conhecimento da reco rrente.

(h) Conclui-se portanto não ter havido erro de sentença na 1ª instância,

devendo ser confirmada a decisão recorrida.

23 Concorde-se ou não com o dispo sitivo, o trânsito vale aqui como facto incontornável.

24 O mapa nego cial da recorrente e do sobrinho só visou defrau dar a A. porq ue a prática gizada se

mostrava e se mostrou adequado à finalidade.

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(i) Posto isto, importa enfrentar os problemas levantados pela condenação

como litigantes de má fé, impugnada pela Ap.e, que a defende devolvida à

parte contrária, e pela Ap.a: estima ter sido gradu ada em baixa a indemnização

legal.

(j) Em boa verdade, a recorrente não negou ter procedido em detrimento da

A., mesmo quando afirmou uma dívida do casal não comprovada (justamente

este ponto de vista pressupõe, maxime quando foi dito da ex-mulher não querer

reconhecê-la, uma intencionalidade dirigida ao afastamento da antagonista).

(k) E por outro lado nada diz de ter claudicado neste ponto não se d ever

apenas a conjunturais dificuldades de mobilização de meios probatórios: parece

não estarem presentes, então, os elementos radicais de uma lide desleal, fora

das convicções da ordem jurídica dos debates em volta de um litígio (em

concreto, este por sua vez não surgiu artificialmente, desancorado das

peripécias da vida, e para as quais o direito inventou as modalidades pacíficas

de dirimir confrontos).

(l) Por conseguinte, não nos oferecem os debates matéria para justificar um

condenação por litigância, art. 456/1.2 CPC, sendo certo que a d evolução do

tema par a o campo da A. perdeu imediatamente qualquer senso a partir do

momento em que nos inclinamos para a improcedência do recurso.

(m) Em simetria, também não poderá ser concedida razão a quaisquer dos

argumentos da parte contrária no sentido de inflacionar o sancionamento, que

terá de cair.

(n) Concluindo: revista agora a discussão e considerados os arts. d e lei

citados, decidem manter a sentença de 1ª instância, excepto no que diz respeito

à condenação da Ap.e como litigante de má fé, revogada.

VIII. Custas: pela Ap.e, na medida da sucumbência, 9/10.

22