把 - antonio santos carvalho · pública, e com duas ... sustentou também que após o divórcio,...
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PN 2665.03-51; Ap.: Tc. SM Feira, 4º J. ( );
Ap.es:
Ap.os:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I. Introdução:
(a) A A. começou por invocar que foi casada com o R. Américo, no regime
de comunhão de adquiridos, tendo então celebrad o, no decurso de 1991, e com
a R. Imobiliária, um contrato-promessa relativo a fracção autónoma designada
pela letra C, correspond ente ao 2º andar Dto, com entrada pelo nº4 da via
pública, e com duas varandas, do prédio urban o sito no Lugar da Estação,
Paços de Brandão, SM Feira, insc. mat. art. 1895, desc. C. Reg. P. respectiva
nº480, pelo preço d e Pte 8 000 000$00, onde o casal viveu até ter ela sido
expulsa de casa.
1 Vistos: Des. ( ); Des. ( ).
2 Adv.: Dr..
3 Adv. Dr.
4 Adv.: Dr.
5 Adv.: Dr..
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(b) Sustentou também que após o divórcio, e no decurso do inventário que se
seguiu, foi relacionada como verba n.º 1 “a posição contratual como
promitentes-compradores que os ex-cônjuges tinham no dito contrato-
promessa”, à qual foi atribuído o valor de Pte 8.500.000$00, mas não tendo os
RR. e juntado aos autos o escrito desse mesmo contrato,
apesar de notificados para o efeito, sustentando ambos que o não possuíam.
(c) No entanto a segunda R. acrescentou ter acabado de outor gar uma
procuração a favor dele, R. Américo, ex-marido da A.
(d) Alegou esta ainda: (i) apesar de na Conferência de Interessados aquela
verba n.º 1 lhe ter sido adjudicada a si e ao ex-marido, em comum e partes
iguais; (ii) igualmente acertado que tal apartamento seria vendido por ambos;
(iii) e de a A. ter mesmo arranjado um comprador disposto a pagar Pte 7 000
000$00 pelo prédio; (iv)o certo é que veio a tomar conhecimento do seguinte:
por escritura pública de 97.06.12 tal fracção foi vendida à R. pelo preço
de Pte 8 000 000$00;
(e) Trata-se aqui por isso de uma venda de coisa alheia, nula, como era do
conhecimento desta última R. e da não ignorando esta que ao
outorgar uma procuração apenas ao R. estava a possibilitar que este,
em prejuízo da A. e ex-mulher, alienasse sozinho a referida habitação, tal como
veio a suceder.
(f) Mais referiu que o contrato de compra e venda celebrado entre o R.
e a R. foi, apesar de tudo, negócio simulado, já que nem
aquele quis vender, nem esta quis comprar, não tendo sido pago qu alquer preço
pelo imóvel, e com o único intuito de prejudicá-la, a si A., pois não receberia
assim a metade do valor desse prédio.
(g) Acabou por formular os seguintes pedidos:
(i) condenação dos RR. a reconhecerem que é nulo o contrato de compra e
venda titulado pela escritura pública de 97.06.12;
(ii) condenação dos RR. a reconhecerem que a A. e o R. Américo são ambos e
em exclusivo únicos titulares do direito de adquirirem o referido prédio, por
virtude de o mesmo direito lhes ter sido adjudicado em comum e partes iguais
na partilha subsequente ao seu divórcio;
(iii) ou a condenação dos RR, solidária, a pagarem à A. a quantia
correspondente ao valor de metade do prédio, reportado à data de 97.06.12,
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nunca inferior a Pte 4 000 000$00, acrescido de juros à tax a legal a partir da
citação e até integral pagamento.
(h) A R. contestou (i) admitindo que tinha celebrado com o R.
o mencionado contrato-promessa; (ii) ter permitido ainda que o
mesmo e a A. passassem a ocupar de imediato a referida fracção, sem que
estivesse paga a totalidade do preço: Pte 8 000 000$00 (o que só veio a
acontecer em meados do ano de 1996, altura em que passou uma procuração a
favor do ex-marido, com uma validade de 30 dias, e por solicitação deste:
estaria interessado em vender a referida fracção, e quereria evitar
despesas com a subsequente escritura d e compra e venda!).
(i) A contestante disse ainda não ter sido informada do resultado da
Conferência de Interessados, nem das iniciativas que terão sido acertadas entre
os interessados durante a partilha, ignorando portanto qualquer prejuízo
advindo da outorga daquela procuração e causado à A., ex-mulher:
improcedência da acção.
(j) Os RR. aceitaram a existência do referido contr ato-
promessa, e conformaram-se com as circunstâncias documentadas nas
certidões do inventário juntas pela A., mas alertaram: os factos foram sempre
desconhecidos de
(k) Adiantaram: (i) após a R. ter emprestado Pte 10.000.000$00 ao R.
e à A., enquanto estes foram casados; (ii) e na impossibilidade de os
mesmos lhe pagarem a dívida; (iii) ficou acordado que o ap artamento em causa
seria para aquela R. (pagamento parcial do que lhe era devido); (iv) foi este o
motivo da solicitação da procuração.
(l) Por fim, impugnaram o remanescente, e defend eram por conseguinte a
improcedência da acção.
(m) A A. replicou: (i) o então casal, quando se separou em Maio de 1993, já
tinha pago Pte. 6.500.000$00, por conta do preço prometido, e com dinheiro de
ambos; (ii) entretanto, o R. foi quem pagou a demasia, já depois da
separação de facto, mas antes de decretado o divórcio.
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(n) Manteve todo o resto, e pediu agora a condenação dos RR como
litigantes de má fé.
(o) A decisão r ecorrida julgo u parcialmente p rocedente a presente acção:
(i) absolveu os RR do pedido baseado na nulidade do contrato de compra e
venda titulado pela escritura pública de 97.06.12, bem como do pedido de
reconhecimento de que a A. e o R. são, em conjunto e em exclusivo,
os únicos titulares do direito de adquirirem o referido prédio por virtude do
mesmo direito lhes ter sido adjudicado em comum e partes iguais na partilha
subsequente ao seu divórcio;
(ii) absolveu a R. do pedido de indemnização ref erido em (g) (iii).
(iii) condenou solidariamente os RR. a pagar à A. a quantia
de € 19951,92, e juros acrescidos desde a citação (99.02.11), à taxa legal,
primeiro de 10 % e depois de 99.04.17 à taxa de 7 %.
(iv) condenou os RR. como litigantes de má-fé: o primeiro
na multa de 12 UCs. [957,69 €] e a segunda 8 UCs. [638,46 €], a fixação da
indemnização a atribuir à A., remetida para momento ulterior, devendo
pronunciar-se as partes a propósito no prazo de 10 dias.
II. Matéria Assente:
1. A A. e o R . casaram em 90.09. 23, sem convenção ante-nupcial.
2. Em 1991, a R.
celebraram, por documento escrito, contrato mediante o qual
aquele prometeu vender e este prometeu comprar, pelo preço de, pelo menos,
Pte 8.000.000$00, a fracção autónoma designada pela letra “C”,
correspondente ao 2.º andar direito, com entrada pelo n.º 4, de um prédio sito
no Lu gar da Estação, freguesia de Paços Brandão , concelho de Santa Maria da
Feira, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 1894 e descrito na
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Conservatória do Registo Predial sob o n.º 480 da freguesia de Paços de
Brandão.
3. A A. e o R. viveram, juntamente com a sua filha, na referida
fracção até à sua separação.
4. Após a separação, o R. continuou a viver na fracção referida,
situação que se mantém.
5. Por sentença proferida nos autos de acção de divórcio que correu termos
pelo 1.º Juízo do Tribunal de Família de Porto, com o n.º 8572/93, foi
decretado o divórcio entre
tendo este sido declarado o único cônjuge culpado.
6. Nos autos de inventário facultativo que correram termos para separação
de meaçõ es entre a A. e o R. Américo, na qual aquela desempenhou as funções
de cabeça de casal, foi relacionado sob verba n.º 1 da relação de bens o
seguinte direito:
a posição contratual como p romitentes compradores que o casal possuiu
no contrato-promessa de compra e venda respeitante à casa que foi a
respectiva casa de morada de família até à separação dos cônjuges e que
constitui a fracção autónoma correspondente ao 2.º andar direito, sito na Rua
da Estação, Lugar de Póvoa de Cima, em Paços Brandão, concelho de Santa
Maria da Feira por conta do qual o casal já pagou a totalidade do preço de
8.500 contos, sendo promitente vendedora a
a que atribuiu o valor de “8.500.000$00.
7. Da relação de bens ficou a constar a seguinte nota: deverá o ex- marido
da cabeça de casal juntar aos autos o respectivo contrato promessa de compra
e venda que se encontra na sua posse e indicar o art. da matriz, se o houver.
8. Naqueles referidos autos de inventário, e na sequência de requerimento
apresentado em 96.07.08 pelo R. , afirmando não ter na sua posse o
contrato-promessa referido, foi a R. notificada para o efeito, por
carta expedida em 9609.16, tendo informado, po r requerimento de 96.09.26,
não ter também em seu poder o referido contrato, mas ter acabado de outorgar
procuração a favor do R. , conferindo-lhe poderes para vender o andar:
o preço acordado de Pte 8 000 000$00, já estava pago por este.
9. Na Conferência de Interessados realizada em 97.05.15, foi rectificado o
valor da verba 1 da relação de bens: Pte 8.000.000$00; e foi aceite acordo, nos
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termos do qual foi tal verba adjudicada à A. e ao R. , em comum e
partes iguais, pelo referido valor.
10. No final dessa Conferên cia ficou combinado entre a A. e o R.
que ambos iriam diligenciar pela obtenção de comprador para a fracção
aludida, comunicando posteriormente um ao outro o resultado de tais
diligências, a fim de procederem à venda em conjunto da mesma e à repartição
em partes iguais do valor obtido.
11. Por sentença transitada em julgado, 97.12.10, foi homologado o mapa da
partilha, e adjudicadas aos interessados as meações que dele constam.
12. No dia 97.05.30, por instrumento outorgado no 1.º Cartório Notarial de
Santa Maria da Feira a R. no acto representada pelos seus sócios-
gerentes , declarou
constituir procurador o R. a quem concedeu poderes par a vender a
quem quisesse e pelo preço que combinasse, a fracção em causa; e para
outorgar na competente escritura, receber o preço e dele d ar quitação,
promover os registos na Conservatória do Registo Predial.
13. Por escritura pública celebrada em 97.06.12, lavrada no 1.º Cartório
Notarial de Santa Maria da Feira, o R. , em representação da R.
e no uso da procuração atrás referida, declarou em nome da sua
representada vender à R. , que declarou comprar, pelo preço de oito
milhões de escudos, já recebido, a fracção em debate.
14. A R. , antes da outorga da procuração, tinha pleno
conhecimento que a A. tinha sido casada com o R. .
15. A R. é tia do R. e pessoa a este muito ligada.
16. A R. não quis comprar à R. a fracção sobredita.
17. A R. não pagou nenhuma quantia pela referida fracção com vista
a adquirir a mesma para si.
18. Quer antes, quer após a escritura, nunca a R. viveu na dita
fracção, continuando a residir na Rua da Relva, casa 151, freguesia de Paços de
Brandão, concelho de Santa Maria da Feira.
19. A escritura em causa foi efectuada, por acordo entre o R. e a R.
, no intuito de tal apartamento ficar apenas para aquele R., e por forma a
evitar que a A. viesse a receb er qualquer valor correspondente ao mesmo: sabia
a R. que tanto poderia vir a suceder.
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20. A R. , e a solicitação do R. , emprestou-lhe, com vista à
aquisição da mencionada fracção, a quantia de pelo menos Pte 2.000.000$00
(Pte 100.000$00 na constância do matrimónio).
21. A R. em 95.04.06 constituiu uma procuração a favor do R.
, concedendo-lhe poderes para vender a fracção em disputa, por um
período de 30 dias, tendo decorrido tal prazo sem que a mesma tivesse sido
utilizada.
III. Motivos da decisão recorrida:
(1) O alienante, na escritura pública celebrada em 97.06. 12, foi a R.
e não o R. , já que este agiu como representante daquela:
não existindo factos donde se possa afirmar que aquela não é a verdadeira
proprietária da fracção, não se pode também sustentar que se trata da venda
de um bem alheio.
(2) Entretanto, a função de um contrato promessa é a de vincular as partes a
uma prestação futura: a obrigação de contratar ( ) ou se se
preferir o acto devido pelas partes ( que por agora se não quer ou
não pode realizar – tem por isso uma função instrumental de preparação do
contrato definitivo6.
(3) Aliás, com a celebração do contrato-promessa, o promitente comprador
(R. ), apenas ficou com o direito de exigir à R . (i) a
obrigação por esta assumida (que seria num certo futuro a declaração de
alienação desse imóvel), ou então (ii) as consequências que pudessem advir de
incumprimento.
(4) Por tudo isto, não tem qualquer fundamento a afirmação de se estar aqui
perante a venda de um bem alheio.
6 vide Galvão Telles, in “Direito das Obrigações” (3.ª Edição), p. 76; Almeida Costa, in “Direito das
Obrigações”, (3.ª Edição), p. 287; Ana Prata, in “O contrato-promessa e o seu regime civil” (1995), p.
120/1..
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(5) Outra nulidade adviria, no entanto, dessa compra e venda consubstanciar
um negócio simulado, art. 240/1 CC7.
(6) Contudo, e calcorreando os factos provados, não encontramos qualquer
pacto enganoso entre os intervenientes: (i) é verdade que a R. , antes
da outorga da procuração, tinha pleno conhecimento que a A. tinha sido casada
com o R . ; (ii) também não é menos verdade que aquela R. poderia
prever que o R. quisesse adoptar qualquer comportamento de mo do a
prejudicar a ex-mulher; (iii) mas estes factos não são suficientes para se afirmar
que houve um acordo simulatório entre a R.
improcede a apontada simulação negocial.
(7) Entretanto, pretende a A. o reconhecimento d e que ela e o R
são, em conjunto e em exclusivo, os únicos titulares do direito de adquirirem o
referido prédio por virtude de o mesmo direito lhes ter sido adjudicado em
comum e partes iguais na partilha subsequente ao seu divórcio: não
vislumbramos que exista qualquer fundamento para avançar com tal pedido ou
qualquer utilidade no reconhecimento da exclusividade de tal direito de
aquisição do identificado apartamento, atento o pedido de nulidade e de
indemnização que foram igualmente formulados, este último a título
subsidiário.
(8) Mesmo assim, imp rocede o pedido: em regra, um contrato-promessa
apenas produz efeitos inter-partes; e se o promitente-vendedor alienar a
outrem o prédio visado pelo ajuste, essa venda será válida e persistirá,
cabendo ao promitente comprador o direito de ser indemnizado pelo
incumprimento do contrato (um contrato-promessa apenas produz efeitos
meramente obrigacionais, salvo se lhe for atribuída eficácia real, em
conformidade com o art. 413 CC, como se não verifica).
(9) Resta ainda apreciar a valia dos argumentos que baseiam o p edido
indemnizatório formulado pela A. a título subsidiário: no caso em apreço
teremos de considerar apenas os vínculos contratuais que ligam a R.
7 ...se, por acordo en tre o declarante e declaratário, no intuito de enganar terceiros, houver divergência
entre a declaração negocial e a vontade real, o negócio diz-se simulado.
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– (i) iniciais e que ficaram do contrato–promessa
celebrado no decurso de 1991; (ii) da procuração outorgada em 97.05.30; (iii)
do contrato de compra e venda em que fora m intervenientes afinal a R.
e a R. (à partida não foi celebrado qualquer negócio entre a
A. e os RR).
(10) Devemos também distinguir as relações inter-conjugais, ou que resultem
da dissolução da comunhão conjugal (em regra, apenas produzem efeitos entre
si), das relações contratuais assumidas por qualquer dos membros do casal com
terceiros (podem naturalmente ter repercussões quer na comunhão conjugal,
quer nas situações de vantagem mútua que possam advir, arts. 1724 e 1732 CC,
quer nas desvantagens, arts. 1690 e 1691 CC).
(11) Aqui mesmo, convém não esquecer estarmos perante um contr ato-
promessa, o qual gera apenas efeitos obrigacio nais relativamente aos seus
intervenientes ou no qu e concerne àqueles que venham a suceder-lhes, por
sucessão ou transmissão8.
(12) No entanto não podemos olvidar que no inventário facultativo para
separação de meações resultante da dissolução do património conjugal e na
sequência da Conferência de Interessados realizada em 97.0.15, foi adjudicada
a ambos, em comum e partes iguais, a posição contratual como promitentes
compradores que como casal possuíam no contrato-promessa de compra e
venda respeitante à casa que deles foi morada de família, e pelo valor de Pte
8.000.000$00, tendo a sentença homologatória transitado: estamos, pois,
perante uma cessão para a A. de parte da posição contratual de comprador do
R. Américo, art. 577/1 CC9.
8 Daí que a jurisprudência e a doutrina tenham desd e há muito tempo a entender que “O contrato-
promessa de compra e venda de imóveis do casal, celebrado apenas por um dos cônjuges, na posição de
promitente vendedor, sem o consen timento do outro, mesmo não vigo rando o regime de separação de
bens, é válido” – vide Ac. STJ de 19 75/Fev./07, 1983/Mar./24, 1984/Jun./28, 1985/Mar./21, Ac. RC
1992/Mar./17, 1993/Jan./12, in respectivamente BMJ 244/253, 325/570, 338/409, 345/408, CJ II/46, I/13;
Almeida Costa, “Contrato-promessa” (1990), p. 41. Na sequência lógica desta posição e partindo
essencialmente do disposto no art. 1682-A, a jurisprudência tem igualmente retirado consequências ao
nível do incumprimento desses contrato promessas celebrados por apenas um dos cônjuges, ao decidir
que “O cônjuge que não outorgou na promessa de venda não pode ser condenado na restituição do sinal
em dobro, se não con firmou, por escrito, o acto do cônjuge outorgante” (Ac. R. C de 19 93/Jan./12, CJ
I/13) ou então que “O incumprimento do contrato-promessa em que só intervém, co mo vendedor o
cônjuge marido, não permite o exercício da execução específica” (Ac. STJ de 1995/Abr./06, CJ (S)
II/31).
9 ...o credor pode ceder a terceiro uma parte ou to talidade do crédito, independentemente do
consentimento d o devedor, contan to que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou
9
(13) No entanto tal acordo só seria eficaz ...entre eles e a R. após a
notificação desta, com a ressalva do art. 583/2 CC10.
(14) Porém entre o acordo do ex-cônjuges no inventário e a sua homologação
sentencial, o R. , em representação da R. a, celebrou em
97.06.12 a escritura de compra e venda com a R. , sua tia, fazendo
“tábua rasa” do compromisso firmado com a A. há menos de um mês: agiu
deliberadamente com o intuito de o apartamento vir a ficar posteriormente
apenas para si, e por forma a evitar que a ex-mulher pudesse receber qualquer
valor correspondente.
(15) Deste modo, ao aceitar representar a R. na escritura, tal como
fez e com os apontados intuitos fraudulentos, o R. frustou as legítimas
expectativas da A., firmadas no resultado da Conferên cia de Interessado s (co-
titularidade da posição contratual de promitente compradora, art. 1404 C C)11.
(16) Perante o comportamento do R. acabado de refer ir, será lapidarmente de
concluir que o mesmo abusou manifestamente da procuração que lhe foi
outorgada pela R. infringindo os mais elementares dev eres de
consideração e de confiança impostos aos ex-cônjuges até ao momento da
partilha dos bens ou direitos comuns (pretendeu aliás deliberadamente
contrariar os acordos já conseguidos na Conferência de Interessados, e que
apenas aguardavam a homologação judicial).
(17) Ora, não é admissível o exercício de um direito – que por parte do R.
seria aquele que advinha-lhe de um negócio unilateral, como é a
procuração – quando o seu único móbil é prejudicar outrem, ou seja a A.12.
(18) Por tudo isto, será caso de integrar esse mesmo comportamento no
disposto no art. 334 CC13, não expressamente suscitado pela A., mas que
convenção das partes e o créd ito não esteja, pela própria natureza da prestaçã o, ligado à pessoa do
credor – cfr. art. 412 ./2 CC.
10 O n.º 1 do preceito estabelece como regra: a cessão produ z efeitos em relação ao devedo r desde que lhe
seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele aceite. 11 Além do mais, vd. Ac. RL 99.07.08, CJ IV/94: com a d issolução do ca samento os bens comun s – e o s
direitos acrescentamos nó s – não passam imediatamente ao regime de compropriedade o qu e só
acontecerá se, ao procederem à partilha, os cônjug es pretenderem ficar com os bens em comum.
12 Vd. Vaz Serra, RLJ 111/296.
13 ...é ilegítimo o exercício do direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela
boa fé, pelos bon s costumes ou pelo fim so cial ou económico desse direito.
Para se falar em abuso de direito, não basta que sejam meramente ultrapassados os apontados limites,
exige-se ainda, co mo aqui sucede, que esse excesso seja evidente o u inequívoco, o que não pode deixar
de significar que o abuso de direito é uma medida de natureza extraord inária, não sendo porém no entanto
necessário que se tenha a consciência desse procedimento abusivo po r parte do titular que exerce tal
10
implicitamente decorre da posição desta: alude, com efeito, à actuação ilícita
dos R R. e ao único intuito de os mesmos a prejudicarem: o conhecimento do
abuso é, por sua vez, de carácter oficioso14.
(19) Por fim, o abuso de direito pode gerar a obrigação de indemnizar por
parte dos seus autores, art. 483 CC15: , neste caso, são
responsáveis po r esse tipo de prejuízos16 sofridos pela A. e valorizados na
Conferência de Interessados em Pte 4.000.000$00 (€ 19 951,92).
(20) A A. reclamou, ao mesmo tempo, pagamento de juros de mora a partir
apenas da citação dos RR., o que deverá ser observado, arts. 661 e 668/1.e
CPC : são devidos à taxa legal, desde 99.04.17, 7 %, e até então, 10 % arts.
806/2 e 559/1 CC; Port. n.º 1171/95 de 25/Set., Port. n.º 263/99, de 12/Abr.
(21) No entanto, haverá que apurar se os RR são
igualmente responsáveis por esta indemnização, muito embora não tivessem
estabelecido qualquer vinculo contratual com a A.17.
(22) É que, explicitando como deve ser entendido o termo abuso d e direito de
modo a responsabilizar um terceiro, escreveu Vaz Serra18: quando o art. 334.º
direito – neste sentido vide Galvão Telles, in “Direito das Obrigações” (1982), p. 11; P. Lima e A. Varela,
in “Código Civil Anotado”, Vol. I (1982), p. 296; Cunha de Sá, in “Abuso do Direito” (1973), p.104;
Menezes Cordeiro, in “Da Boa Fé no Direito Civil”, Vol. II (1984), p. 662; a propósito do § 242.º do
BGB, vid e Franz Wieacker, in “El principio de la buena fe” (1977).
14 Vd. Ac.(s) S.T.J. 79.10.09, 80.03.26, 86.01.16, 99.11.25, B.M.J.(s) 290/352, 295/426, 353/475 e C. J.
(STJ) III/124 ; Vaz Serra, R.L.J. 112/131; divergindo deste amplo entendimento e afastando-o nos casos
em que se afronto u a boa fé, vd. Oliveira de Ascensão, “Direito Civil – Teoria Geral”, Vol. III (2002), p.
282 e ss. (285).
15 ...a quele qu e, com dolo ou mera culpa, vio lar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer outra
disposição legal destinada a pro teger interesses alheios fica obrigado a indemniza r o lesado pelos d ano s
resultantes da violação. Vd. Ac. STJ de 99.11.25 , cit.; Pires de Lima & Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. I (1982),
p. 297.
16 Determinada a responsabilidade e havendo dano existe a obrigação de indemnizar devendo o obrigado
...reconstituir a situação q ue existiria , se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, art.
562 CC.
Por outro lado, art. 566/1 CC: a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reco nstituição natural
não seja possível, não repare integralmente os danos o u seja excessivamente onerosa para o devedo r; n.º 2
a indemnização terá ...como medida a diferença en tre a situação patrimon ial do lesado, na data mais
recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a qu e teria nessa data se não existissem danos.
17 Conforme à generalidade da doutrina e jurisprudência, o nosso ordenamento jurídico não adoptou um
regime de responsabilização de terceiro s pelo não cumprimento de obrigações, mediante a existência de
um efeito externos destas, neste sentido vd Ac STJ de 93.01.27, CJ (STJ) I/84, e d outrina aí apontada
como dominante; sobre esta p roblemática vd. Almeida Costa, “Direito das Obrigações” (1984), p. 59 e
ss.: perfilha o entendimento da não admissibilidade do efeito externo das obrigações, dá conta dos
seguidores da opinião contrária.
18 Aut. cit., RLJ 103/462, nota 3.
11
fala em o titular do direito exceder manifestamente os limites impostos pela
boa fé ou pelos bons costumes, a palavra “direito” é de entender em sentido
lato, abrangendo a liberdade de contratar: será que se impunha às RR.
o dever de não contratar (em relação à primeira, não
outorgar a procuração, e não vender o apartamento à R. ; esta, não ter
adquirido a fracção)?
(23) No que concerne à R . , apenas se pode dizer que a mesma
antes de 97.05.30, momento da outorga da última procuração ao R.
tinha pleno conhecimento que a A. tinha sido casada com este, podendo prever
que o mesmo poderia fazer uma utilização do instrumento de representação que
a prejudicasse.
(24) Não pode dizer-se contudo que houve um comportamento abusivo da sua
parte, já que a mesma não mantinha qualquer vínculo contratual com a A., e
não ficou provado que tivesse qualquer intuito de prejudicá-la.
(25) Outro tanto não pode ser afirmado em relação à R. : interveio
como compradora na escritura de compr a e venda do apartamento apenas com
o intuito de prejudicar a A. (ex ercício ilegítimo do seu direito de contratar;
responsabilidade solidária com a do R. art. 497/1 CC).
(26) E para se chegar a esta conclusão em nada obsta a circunstância de a R.
ter emprestado ao R. a quantia de Pte 2.000.000$00 com vista
à aquisição desse mesmo apartamento.
(27) Mas a ap reciação não pode ficar por aqui: a A. também suscitou na
réplica a condenação dos RR como litigantes de má-fé.
(28) Retomando os factos alegados pelos RR. temos que os
mesmos afirmaram na sua contestação que tinha sido acordado entre aquele
primeiro R. e a A. que o referido apartamento seria para a segunda R.19,
sustentando ainda que seria falso o que a A. alegou em contrário20.
(29) Tratando-se de factos pessoais e como tal do conhecimento destes dois
RR., será de concluir que ao impugnarem os mesmos, pretenderam alterar
consciente e deliberadamente a verdade dos factos, violando manifestamente os
deveres de verdade e probidade impostos às partes, art. 266-A C PC, e agindo
19 Contestação 14.
20 P.I., 36/40.
12
sob má fé material: merecem ser devidamente censurados, devendo a
correspondente multa ter em atenção o montante dos proveitos que os mesmos
pretendiam obter com a defesa, e com maior peso para o R.
(30) É adequado e razoável fix ar a mesma em, pelo menos, 12 UCs. para este
R. e 8 em UCs. para a R., art. 102. a CCJ.
(31) O conteúdo da correspondente indemnização segue, aqui, o disposto no
art. 457/1.2 CPC21.
(32) Ora a A. em requerimento próprio, apesar de começar por aludir qu e o
comportamento dos RR lhe causou graves danos, não chegou contudo a
precisar quaisquer valores, nem sequer dos honorários dos seus ilustres
mandatários, nem das despesas que teve de suportar, culminando no entanto
com o pedido de uma indemnização fixado em € 3000.
(33) Ora, à partida, podemos afirmar que o montante pretendido pela autora
não tem qualquer consistência factu al, a não ser que se entend a que o tal
pedido de € 3000, comporta essencialmente o montante de honorários forenses
a suportar pela A.
(34) Assim e reduzindo esse montante aos justos limites, temos como
adequado fixar uma indemnização de € 500.
IV. Cls./Alegações ():
(a) O abuso gera obrigação de indemnizar ao titular desse direito e autor de
tal abuso: no caso dos autos, ao ter sido concluído que o R. abusou do
direito de contratar qu e lhe advinha de uma procuração, a obrigação de
indemnizar a que haja lugar em consequência de tal abuso apenas a ele pode
ser imputada.
21 ...a indemnização pode consistir: a) no reembolso das despesas a que a má fé do litigan te tenha
obrigado a parte co ntrária, incluindo os honorários dos mandatário s ou técnicos; b) no reembolso
dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência
directa ou indirecta da má fé. Acrescenta: o juiz optará pela indemnização que julgue mais adequada à
conduta do litigante de má fé, fixando-a sempre em quantia certa , mas serão ouvidas as partes para a
fixar, com prudente arbítrio, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários
apresentadas.
13
(b) Ao não decidir desta forma, a sentença r ecorrida violou o disposto no art.
334 CC.
(c) Tendo ficado demonstrado que a Ap.e era credora do casal por quantias
que a este havia emprestado com vista à aquisição do apartamento, e
recusando-se o casal, maxime a A. a reconhecê-la nessa qualidade de credora,
era-lhe e é-lhe lícito aceitar comprar o prédio, garantindo assim o pagamento,
pelo menos parcial, e ainda que com tal atitude pudessem ou possam sair
frustradas as expectativas de , criadas pelo ex-marido e R.
aquando da Conferência de Interessados havida no inventário para
separação das meações, no que diz respeito à adjudicação me comum e partes
iguais da posição detida por ele no contrato-promessa, celebrado contudo na
constância do casamento.
(d) Ao considerar que com tal atitude a Ap.e também abusou do direito de
contratar, o tribunal fez errada interpretação dos factos e errada aplicação do
direito, violando de novo a norma legal citada.
(e) A expectativa da A., que no entender do tribunal foi frustrada, refere-se
antes ao incumprimento por parte do R. de um acordo celebrado entre
este e a ex-mulher no âmbito do inventário para separação de meações, no qual
a Ap.e não interveio, desconhecendo por isso o seu teor, sendo certo que nem
sequer tinha sido ainda homologado quando foi outorgada a dita escritura de
compra e venda do apartamento em causa.
(f) Assim, não pode ser imputada à Ap .e qualquer responsabilidade pela
frustração de tal expectativa.
(g) Mas sem prescindir diga-se ainda que o nosso ordenamento jurídico não
adoptou um regime de responsabilização de terceiros pelo não cumprimento de
obrigações mediante a existência de um efeito externo destas, dominante o
entendimento de que uma obrigação só pode ser infrin gida pelo respectivo
devedor, pois só a ele vincula.
(h) Ora, no caso dos autos, a violação geradora da obrigação de indemnizar é
o incumprimento por parte do R . daquele acordo celebrado
exclusivamente entre ele e a A., cujo teor, insiste a recorrente, desconhecia e
que ainda nem sequer tinha sido homologado: não assumiu a Ap.e qualquer
obrigação quer para com o R. , quer para com a A. e,
14
consequentemente, nenhuma responsabilidade obrigacion al pelo
incumprimento do acordo lhe pode ser assacada.
(i) Não tendo decidido desta forma, a sentença recorrida violou o disposto
no art. 798 CC.
(j) Contudo, ainda que fosse entendido ser responsável a Ap.e pelo
ressarcimento dos danos advindos à A. em consequência d a frustração da
sobredita ex pectativa, diga-se que o valor dessa indemnização teria como
medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente
que puder ser atendida p elo tribunal, e a que teria nessa data se não tivessem
existido os danos.
(k) Mas no caso dos autos ficou por demonstrar qual o concr eto valor desses
danos, não bastando a in dicação da exclusiva iniciativa da A. e do R.
e que foi aceite em sede de Conferência de Interessados, de que o apartamento
valia Pte 8 000 000$00.
(l) Tanto mais que tal declaração não traduz um valor real do prejuízo
eventualmente sofrido pela A., mas apen as o valor que a fracção tinha para o
casal, despido dos custos inerentes à escritura pública de compra e venda, a
qual teria necessariamen te de ser outorgada par a transmissão da propriedade,
correspondentes registos, etc.
(m) Havendo ainda a considerar que o preço da venda dessa fracção,
acordado entre o R. , justamente de Pte 8 000
000$00, ainda se não encontrava igualmente pago à data da separação do casal
(tinha sido pagos apenas Pte 6 500 000$00).
(n) E o valor do p rejuízo alegad amente sofrido pela A. teria então de referir-
se ao valor da posição contratual decorrente do contrato promessa e não ao
valor do próprio objecto desse contrato, i.é, da fracção prometida comprar e
vender.
(o) Deste modo, já que se fica sem saber qual o preciso montante que o casal
A. e R. despendeu com vista à aquisição de tal apartamento, mas
ficando-se também sem saber qual o valor da posição contratual em causa, não
é possível determinar com rigor o prejuízo que adveio para a A. em
consequência do incumprimento do contrato-promessa: a sentença recorrida
não poderia, pois fixar tal montante indemnizatório em quantia certa.
(p) Ao não decidir desta forma violou o disposto no art. 566 CC.
15
(q) Mesmo assim, sempre teria ficado vedada a condenação no que viesse a
liquidar-se em execução de sentença uma vez que a possibilidade de a prova
dos prejuízos vir a ocorrer em fase posterior se destina apenas àqueles casos
em que, na d ata da sentença, o montante dos prejuízos ainda permanece incerto
ou indeterminado, por ainda não terem ocorrido, ou por ainda não serem
conhecidos.
(r) No caso dos autos, é inequívoco que à data da sentença, e até na data da
apresentação da p.i., já a A. sab ia ou pelo menos estava na posse dos elementos
para tanto necessários qual o valor do prejuízo sofrido em consequência da
atitude do R. competia-lhe o ónus de alegar e provar tal montante,
como não fez.
(s) Por fim, entende a recorrente que se não verificam os pressupostos da sua
condenação como litigante de má fé: limitou-se a defender no processo a
profunda convicção que tem sobre os factos, e tal conduta não lhe pode ser
censurada.
(t) Decidindo ao contrário, a sentença recorrida fez errada aplicação do art.
456 CC.
(u) Ao invés, a A. alegou factos cuja prova veio a revelar serem falsos,
maxime em 32. da Réplica: nunca a R. emprestou quaisquer quantias
ao casal.
(v) Na verdade ficou demonstrado que a solicitação do R. lhe
emprestou pelo menos a quantia de Pte 2 000 000$00, Pte 100 000$00 já na
constância do matrimónio.
(w) Ora, sendo a A. e Ap.a quem, no processo, manifestamente falta à
verdade, é ela quem litiga de má fé, e como tal deveria ter sido condenad a.
(x) Ao não decidir desta forma, a sentença recorrida violou a já citada
disposição legal.
(y) Deverá ser revogada e substituída por acórdão que absolva a R.
dos pedidos e condene a A. como litigante de má fé em multa e indemnização
em favor da Ap.e: será determinada segundo o justo critério do tribunal de 2ª
instância.
V. Cls./Alegações e Contra-alegações ):
16
(a) Da matéria de facto provada resulta que também a R. abusou clara
e despudoradamente do seu direito de comprar a fracção predial em causa: ao
declarar comprá-la não tendo pago aliás qualquer quantia por ela, mas com
vista a adquiri-la para si, teve como único objectivo que tal fracção, casa de
morada de família do dissolvido casal A./R . , ficasse exclusivamente
para o ex-marido, não r ecebendo a ex-mulher qualquer valor decorrente da
venda da mesma.
(b) E ao actuar deste modo, e com tais objectivo s, também a R.
excedeu manifesta e intensamente os limites impostos pela boa fé e pelos bons
costumes ou pelo fim social e económico do direito de comprar, art. 334 CC.
(c) De um tal abuso de direito deriva directamente, depois, a obrigação de
também a R. indemnizar a A. do prejuízo que lhe causou: tr ata-se de
uma violação clara de uma disposição legal, art. 334 CC, com a função de
proteger interesses alheios, neste caso, da A., art. 483 CC.
(d) Por outro lado, foi por acordo entre A. e o R. que foi fixado em
Pte 4 000 000$00 o valor da metade da A. na posição contratual de promitentes
compradores que o casal detinha no contrato-promessa respeitante àquela
fracção predial.
(e) Ora, foi dessa metade da A., nessa posição contratual, que ficou privada
com a não desejada mas na verdade levada a efeito aquisição de tal fracção por
parte da R.
(f) E R . não pagou qualquer quantia pela referida fracção com vista a
adquiri-la para si: é pois de Pte 4 000 000$00 o valor do dano sofrido pela A..
(g) É essa a medida desse dano: é a diferença entre a situação patrimonial da
A. na data da sentença e também no momento presente (perda daquela sua
posição contratual acordada com o R. , por virtude da venda da
fracção predial que o R. fez, desacompanhado da A., à R. e
com a conivência desta) e a situação que nesta altura a A. teria se tal alienação
não se tivesse feito, art. 566/2 CC.
(h) Esclareça-se também que foi esse preço de Pte 4 000 000$00 que a A.
deu por aquela posição contratual na Conferência de Interessados durante a
partilha subsequente à separação de meações, ou seja, era esse o preço que a A.
teria de pagar se tal posição lhe fosse adjudicada a ela por inteiro; era esse o
17
preço que a A. teria de receber se a mesma posição por inteiro fosse adjudicada
ao R.
(i) Por isso mesmo, ao fixar aquele montante de Pte 4 000 000$00, o
tribunal recorrido já tinha em seu poder todos os elementos justificativos, e eles
foram os únicos de que deveria ter-se socorrido, não havendo pois justificação
para uma liquidação dos danos em execução de sentença.
(j) Por outro lado, e ao contrário do que alega a R. , não seria legítimo
da sua parte adquirir a fracção predial para se fazer pagar de dinheiros que
eventualmente emprestara ao R. p ara aqu isição do prédio.
(k) Com efeito, o que ficou provado é que a R. declarou comprar tal
fracção não para se pagar de tais empréstimos mas sim, e por acordo com o R.
, para que tal prédio ficasse apenas para este, e por forma a evitar que
a A. viesse a receber qualquer valor decorrente do mesmo.
(l) Ainda assim, a mesma R. declarou comprar, e pretendeu subtrair à
A., uma fracção predial que foi avaliada, por acordo entre esta e o R.
no montante de Pte 8 000 000$00, quando ev entualmente lhe teria emprestado
apenas Pte 2 000 000$00: onde pois, a legitimidade alegada p ela R. para
adquirir tal fracção?
(m) Por fim, ao recorrer da má fé em que foi condenada, a R. omite
que alegou factos pessoais não comprovados, e que negou factos pessoais que
ficaram provados: é patente e inequívoca a má fé da recorrente, e o
comportamento que teve enquadra-se sem dúvida no art. 456 CPC.
(n) Em contrapartida, a R. vem agora, n a minuta, e pela primeira vez,
pedir a condenação da A. como litigante de má fé, com o argumento de que
teria negado, mas tinha conhecimento do empréstimo de dinheiro que ela R.
fizera ao R. .
(o) Mas os recursos destinam-se a reapreciar as questões suscitadas nas
instâncias, e não a apreciar questões novas22: nem na Contestação, nem
posteriormente, até à sentença recorrida, alguma vez a R. suscitou esta questão
da agora alegada má fé da A. e não o pode fazer, pois, agora.
(p) De qualquer modo sempre se dirá que a A. alegou em Réplica-7 que o R.
pagou o resto do preço do apartamento, para além de Pte 6 500
000$00, quando o casal já se encontrava separado e o que ficou provado foi
18
que a R. , a solicitação do R. , lhe emprestou, com vista à
aquisição da mencionada fracção a quantia de pelo menos Pte 2 000 000$00,
100 000$00 na constância do matrimónio: não está dito ou provado que a A.
tivesse tido conhecimento desse empréstimo de Pte 100 000$00 e é esta a única
tranche que poderia fazer incorrer a A. numa situação de má fé; ou que tivesse
tido conhecimento d e qualquer outro empréstimo fora da constância, sendo
aliás de presumir que o ignorasse.
(q) Por conseguinte, a sentença recorrida não violou, no âmbito do recurso
principal, qualquer preceito de lei devendo ser confirmada contra as pretensões
da R.
(r) Por sua vez, a A. reduz o objecto do recurso subordinado ao montante da
indemnização por litigância de má fé em que foram condenados os RR
fixada em apenas € 500, a título de honorários aos
mandatários da recorrente.
(s) A razão da discordân cia é a seguinte: a presente causa é indubitavelmente
complexa, dada até a raridade das questões que suscita, e para defend erem os
interesses da sua constituinte os mandatários estudaram e prepararam extensos
articulados, que lhes consumiram muitas horas de trabalho, envolvendo
abordagens e estudo de institutos variados: mandato, nomeadamente o que se
dispõe no art. 259 CC; contrato-promessa de compra e venda; contrato de
compra e venda; reserva mental, art. 244 CC; simulação, art. 240 CC; regime e
efeito das nulidades.
(t) E praticaram actos não só de advocacia como de solicitadoria: tiveram de
pessoalmente obter e estudar, ou juntar aos autos, numerosos documentos
judiciais e extra-judiciais, efectuar variadas buscas nos Notários e nas
Conservatórias, ocuparam o seu tempo e aplicação em mais que uma sessão de
julgamento.
(u) Daí que se afigure à A. que a indemnização a atribuir-lhe, e
correspondente aos honorários dos seus mandatários, dever á ser fixada nos
pedidos € 3000,00, os quais se deverão considerar contidos nos parâmetros do
art. 457/1a.2 CPC, disposições legais que, deste modo, a sentença de 1ª
instância violou.
22 Citou Ac. STJ 85.03.26, BMJ 345/362.
19
(v) Deve portanto, apenas neste particular ser alterada.
VI. Recurso: pronto para julgamento.
VII. Sequência:
(a) Não tendo sido posta em causa a sentença de 1ª instância senão no que
diz respeito à condenação da R. na indemnização solidária arbitrada à
A. pelo prejuízo derivado do abuso, por assim dizer, da posição adquirida junto
da sociedade Imobiliária, obrigada à compra e venda prometida, por parte do
ex-marido e da tia deste, ou também quanto ao montante arbitrado a título de
ressarcimento da má fé da litigante, teremos apenas de verificar se os contra-
motivos invocados nestes domínios em que foi posta em causa a decisão
recorrida são bastantes para convencer.
(b) Deste modo, cumpre afirmar muito claramente que não estamos em
presença de uma indemnização decorrente do incumprimento de uma
obrigação prejudicial a terceiros, mas débito indemnizatório fundado em acto
ilícito qual o de um conluio entre a recorrente e o sobrinho para em conjunto
defraudarem directamente o direito da A., i.é (e na perspectiva da sentença
criticada), uma expectativa protegida pela boa fé de compartilhar dos proventos
advenientes da colocação no mercado da fracção autónoma prometida comprar
pelo ex-marido (com tradição para o casal) na constância do matrimónio,
satisfeita com dinheiros comuns uma parte substancial do preço.
(c) Vejamos se esta perspectiva do ilícito se pode de alguma forma sufragar:
(i) o R. , ex-marido, estava sem dúvida vinculado ao compromisso
assumido, público e formalizado na Conferência de Interessados, de dividir por
metade o numerário proveniente da tr ansacção ou do prédio ou dos direitos que
a promessa lhe conferia; (ii) do mesmo modo, vinculado à avaliação concorde,
referida ao cômputo económico das vantagens patrimoniais paritárias
encaradas no âmbito e alcance desse ponto em particular do acerto divisório;
(iii) e é este o contexto e estrutura que tanto o ex-marido como a recorrente,
segundo o provado, quiseram romper, com a consciência d e defraudarem, i.é,
de subtraírem benefícios atribuídos e a que não poderiam opor-se, sobretudo
pela via posta construída por ambos.
20
(d) Em suma, a R. de acordo e em conjugação de esforços com o
sobrinho, para obter para este réditos que no entanto ele se comprometera de
direito a repartir, tal como a tia sabia, aceitou intervir numa compra e venda
que não quis, manifestando uma vontade especular, com intenção jurídica,
afastada das boas práticas impostas pelo ordenamento: será o dever geral de
agir de boa fé uma directiva que confo rma a legalidade dos comportamentos
negociais singulares no que afectam terceiros?
(e) Não precisamos de ir tão longe: (i) o art. 227/1 CC impõe o dever de agir
com lealdade a todos os que decidam incorrer na contratação: foi o caso do R.
ao solicitar o mandato da Imobiliária, promitente vendedora; (ii) por
outro lado, segundo o art. 490 CC, todos os autores ou auxiliares de acto ilícito
respondem pelos danos causados: foi o caso da Ap.e (comparticipação tão
exitosa quanto a sentença recorrida consolidou nela a aquisição ancilar do
prédio23, desviado contudo da esfera dos rendimentos da A. à qual estava
funcionalmente dado por contrato do sobrinho faltoso).
(f) Por conseguinte, recortado o ilícito, a culpa e simultaneamente o dano
(carência do benefício concorde, e no plano jurídico da livre iniciativa dos
particulares), e não se suscitando dúvidas quanto ao nexo causal24 (problema
nem sequer posto na minuta), subsiste a questão do valor, repondo o equilíbrio
situacional da fortuna subtraída... mas a estimativa consolidada é ela em si um
elemento da previsão motora da recorrente, cúmplice necessária do ex-marido
da A.
(g) Logo, é essa mesma a reposição que há-de ser feita, atento o segmento do
mercado insersor do bem em causa, que se concretizou e demarca a diferença
entre o antes e o depois do prejuízo: a A. perdeu, sem dúvida, Pte 4 000
000$00, na data em que a recorrente adquiriu o apartamento, preço acertado
enfim sob conhecimento da reco rrente.
(h) Conclui-se portanto não ter havido erro de sentença na 1ª instância,
devendo ser confirmada a decisão recorrida.
23 Concorde-se ou não com o dispo sitivo, o trânsito vale aqui como facto incontornável.
24 O mapa nego cial da recorrente e do sobrinho só visou defrau dar a A. porq ue a prática gizada se
mostrava e se mostrou adequado à finalidade.
21
(i) Posto isto, importa enfrentar os problemas levantados pela condenação
como litigantes de má fé, impugnada pela Ap.e, que a defende devolvida à
parte contrária, e pela Ap.a: estima ter sido gradu ada em baixa a indemnização
legal.
(j) Em boa verdade, a recorrente não negou ter procedido em detrimento da
A., mesmo quando afirmou uma dívida do casal não comprovada (justamente
este ponto de vista pressupõe, maxime quando foi dito da ex-mulher não querer
reconhecê-la, uma intencionalidade dirigida ao afastamento da antagonista).
(k) E por outro lado nada diz de ter claudicado neste ponto não se d ever
apenas a conjunturais dificuldades de mobilização de meios probatórios: parece
não estarem presentes, então, os elementos radicais de uma lide desleal, fora
das convicções da ordem jurídica dos debates em volta de um litígio (em
concreto, este por sua vez não surgiu artificialmente, desancorado das
peripécias da vida, e para as quais o direito inventou as modalidades pacíficas
de dirimir confrontos).
(l) Por conseguinte, não nos oferecem os debates matéria para justificar um
condenação por litigância, art. 456/1.2 CPC, sendo certo que a d evolução do
tema par a o campo da A. perdeu imediatamente qualquer senso a partir do
momento em que nos inclinamos para a improcedência do recurso.
(m) Em simetria, também não poderá ser concedida razão a quaisquer dos
argumentos da parte contrária no sentido de inflacionar o sancionamento, que
terá de cair.
(n) Concluindo: revista agora a discussão e considerados os arts. d e lei
citados, decidem manter a sentença de 1ª instância, excepto no que diz respeito
à condenação da Ap.e como litigante de má fé, revogada.
VIII. Custas: pela Ap.e, na medida da sucumbência, 9/10.
22