- a amante perfeita (julia historicos 1563)[1]

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A Amante Perfeita The Mistress Thief Alana Clayton Julia H 1563 Londres, 1820 Coração roubado A responsabilidade pelo sumiço de três das amantes do conde Ranson Baldwin tem pouco a ver com o objetivo de Lavínia de ajudar mulheres a encontrar uma vida digna, e tudo a ver com vingança. Um ninho de amor vazio é o que aquele libertino infiel merece, depois de partir o coração de sua irmã. Pelo menos, é assim que Lavínia pensa, até ser inesperadamente beijada por ele... Para cumprir sua missão de desmascarar o suspeito de liderar uma quadrilha de tráfico de mulheres, Ranson precisa de uma mulher que se faça passar por sua amante para que ele possa se infiltrar nas festas exclusivas oferecidas por Hayley. No entanto, enquanto procura a amante perfeita, Ranson fica conhecendo a mulher dos seus sonhos. Lavínia é intrigante, encantadora... e estranhamente hostil. Ele quer muito conquistá-la, mas a honra o impele a levar

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Page 1: - A Amante Perfeita (Julia Historicos 1563)[1]

A Amante PerfeitaThe Mistress Thief

Alana ClaytonJulia H 1563

Londres, 1820

Coração roubado

A responsabilidade pelo sumiço de três das amantes do conde Ranson Baldwin tem pouco a ver com o objetivo de Lavínia de ajudar mulheres a encontrar uma vida digna, e tudo a ver com vingança. Um ninho de amor vazio é o que aquele libertino infiel merece, depois de partir o coração de sua irmã. Pelo menos, é assim que Lavínia pensa, até ser inesperadamente beijada por ele...

Para cumprir sua missão de desmascarar o suspeito de liderar uma quadrilha de tráfico de mulheres, Ranson precisa de uma mulher que se faça passar por sua amante para que ele possa se infiltrar nas festas exclusivas oferecidas por Hayley. No entanto, enquanto procura a amante perfeita, Ranson fica conhecendo a mulher dos seus sonhos. Lavínia é intrigante, encantadora... e estranhamente hostil. Ele quer muito conquistá-la, mas a honra o impele a levar um malfeitor à Justiça, mesmo que isso lhe custe perder a única mulher que já amou...

Digitalização: Néia

Revisão: Alice Akeru

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Julia H 1563 – A Amante Perfeita (The Mistress Thief) Alana Clayton

Alana Clayton se formou em Língua Inglesa e trabalhou alguns anos na Universidade de Louisville, até publicar seu primeiro romance. Desde então, ela já escreveu seis romances e quatro contos. Suas histórias são indicadas para prêmios literários pela revista Romantic Times.

Paixão ou vingança?...

Lavínia ficou paralisada ao ver Ranson inclinar-se sobre ela. Não havia dúvida de que tinha a intenção de beijá-la, mas não conseguiu se mover. Todos os pensamentos sobre sua irmã, vingança e mulheres foram varridos de sua mente quando os lábios de ambos se tocaram.

Ela já havia sido beijada antes, mas nenhuma experiência anterior poderia ser comparada às sensações que aquele beijo despertara. Mal sentia suas pernas, e teve de se apoiar nos ombros de Ranson para se equilibrar.

Ele a abraçou com força, e Lavínia sentiu o calor que emanava do corpo dele, através do tecido das roupas, refletindo que não fazia ideia de que fosse possível sentir-se assim nos braços de um homem.

Querida leitora,

Intriga, perigo e suspense são os elementos principais deste romance fabuloso, que você não vai querer que acabe nunca! Para se vingar de lorde Weston, a quem Lavínia julga responsável pelo coração partido de sua irmã, ela une o útil ao agradável e começa a encaminhar, secretamente, cada uma das mulheres que se envolvem com ele para o Abrigo Hope, onde elas terão a oportunidade de recomeçar a vida de uma maneira mais digna. Mas ela não sabe que, agindo assim, está alimentando rumores que poderão arruinar a missão secreta de Weston, que é desmascarar uma quadrilha de tráfico de mulheres. Um dos romances mais geniais que eu já li nos últimos tempos!

Leonice Pomponio

Editora

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Julia H 1563 – A Amante Perfeita (The Mistress Thief) Alana Clayton

Copyright ©2002 by Linda Ward

Originalmente publicado em 2002 pela Kensington Publishing Corp.

PUBLICADO SOB ACORDO COM KENSINGTON PUBLISHING CORP. NY, NY — USA Todos os direitos reservados.

Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.

As publicações da Editora Nova Cultural não podem ser reproduzidas, total ou parcialmente, seja qual for o meio, mecânico ou eletrônico (inclusive digitalização), sem a permissão expressa da

Editora. A reprodução das publicações sem a devida autorização da Editora constitui crime de violação de direito autoral previsto no Código Penal brasileiro.

TÍTULO ORIGINAL: THE MISTRESS THIEFEDITORA Leonice Pomponio

ASSISTENTES EDITORIAIS Maiza Prande Bernardello

Patrícia Chaves

Vânia Canto Buchala

EDIÇÃO/TEXTO

Tradução: Rosan Miranda

Revisão: Giacomo Leone

ARTE Mônica Maldonado

MARKETING/COMERCIAL Andrea Riccelli

PRODUÇÃO GRÁFICA Sônia Sassi

PAGINAÇÃO Ana Beatriz de Pádua

Copyrigh © 2009 Editora Nova Cultural Ltda.

Rua Paes Leme, 524—10° andar — CEP 05424-010 — São Paulo - SP www.novacultural.com.br

Impressão e acabamento: RR Donnelley

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Julia H 1563 – A Amante Perfeita (The Mistress Thief) Alana Clayton

Capítulo I

Ranson Baldwin, o conde de Weston, tomava seu café da manhã quando descobriu, não muito surpreso, que sua terceira amante o abandonara sem despedidas ou explicações. O desaparecimento da primeira e o da segunda foram frustrantes. Mas esse terceiro sumiço poderia arruinar seus planos por completo.

Ele olhou novamente para o bilhete que seu mordomo trouxera para certificar-se de que não fora um engano:

— Droga! — praguejou, atirando o bilhete sobre a mesa.

Os dois amigos haviam voltado de uma cavalgada matutina e tomavam o desjejum.

— Problemas? — perguntou Andrew, o visconde de Stanford, sentado diante de Ranson.

Ele esfregou o rosto. Seu cenho franzido e o olhar perdido expressavam o profundo desagrado que a notícia causara. Drew duvidou de que o amigo tivesse ouvido a pergunta. Entretanto, antes que a repetisse, Ranson falou:

— Outro desaparecimento misterioso! — esbravejou, encarando a própria xícara.

Drew obviamente não entendeu a resposta vaga do amigo, mas relutava em seguir com o assunto. Esperava que Ranson continuasse a falar por conta própria, mas este permanecia absorto em seus pensamentos.

— Desaparecimento de quem? — quis saber Drew.

Ranson recostou-se no espaldar da cadeira.

— Da minha amante — murmurou, em tom de desgosto e frustração.

Drew sabia que diversas mulheres haviam estado na casa de Ranson desde o início da temporada. A última fora uma loira delicada que Ranson lhe apresentara uns quinze dias antes, no teatro. Drew vasculhou na memória e arriscou:

— Felicity?

Ranson balançou a cabeça em gesto afirmativo.

— Mulher adorável! — Drew comentou.

— Também tive essa impressão. Pelo menos, era o que transparecia nas duas semanas em que ela foi minha hóspede — Ranson retrucou.

— Ela lhe escreveu uma carta de despedida?

— Não. Isto não é de Felicity — Ranson resmungou, desamassando o bilhete que estava em cima da mesa. — Foi escrito por Jones, meu criado. Ele apenas escreveu que Felicity partiu, e eu concluo que seu desaparecimento não seja diferente dos outros dois anteriores. — Ele hesitou e arriscou um rápido olhar na direção do amigo.

— Eu tentava manter esses sumiços em segredo porque não queria ser motivo de chacota, mas Felicity é minha terceira amante que parte sem explicações nesta temporada. Joylene foi a primeira.

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Drew franziu a testa num esforço para se lembrar de Joylene.

— Não me recordo dessa moça.

— Não teria como. Ela esteve comigo antes de você chegar à cidade — esclareceu. — Vim algumas semanas antes para as reuniões do Parlamento. Nevava bastante e as pessoas não tinham alternativa senão permanecer em casa, pois as estradas estavam perigosas. Até o rio Tâmisa congelou.

— Eu ouvi que foi a pior nevasca dos últimos tempos — disse Drew.

Ranson concordou com um movimento de cabeça.

— Isso mesmo, mas também nos proporcionou a melhor exposição de esculturas de gelo de que tenho memória. Foi quando que conheci Joylene. Ela estava sozinha e não conseguia caminhar porque o chão estava muito escorregadio. Eu lhe ofereci meu braço naquela noite e em menos de uma semana já estava sob minha proteção.

— Ela era linda, suponho — Drew comentou, sabendo que Ranson escolhia as amantes a dedo.

— Muito! — Ranson informou. — Era delicada, pequena... com maravilhosos cabelos ruivos... E seus olhos brilhavam tal qual o topázio rodeado de diamantes que lhe dei.

— Sempre generoso — observou Drew.

— Generoso cedo demais — retrucou Ranson. — Ela desapareceu três dias depois do presente.

— Sem uma única palavra também?

— Também. Nem mesmo aos meus empregados.

— Que estranho...

— Concordo. E a história fica ainda mais bizarra. Logo depois, conheci Lilly numa festa na casa de Amy Wilson. Ela tinha uma beleza totalmente diferente de Joylene. Era alta, magra, de cabelos e olhos pretos, e se comportava elegantemente. Pois bem, ela desapareceu alguns dias após ter se mudado para a minha casa — Ranson confidenciou. — E também não se deu o trabalho de me explicar o motivo da partida.

— Deu-lhe lindas jóias também?

Ranson riu.

— Nem tive tempo para isso, ainda bem! Um prejuízo a menos...

— E então apareceu Felicity — Drew antecipou.

— Eu a conheci há umas duas semanas. Era muito jovem e inocente. Confesso que me enchi de esperanças... e agora, ela também desaparece! Que coisa! — Ranson bateu com os punhos na mesa. — Um dia elas estão lá, e no dia seguinte, desapareceram. Cheguei a pensar que estivessem fugindo com outro homem, mas na verdade não há nenhuma evidência disso. Elas sempre desaparecem quando não há ninguém em casa para testemunhar, nem mesmo os criados. Por mais que eu me esforce para entender, esses sumiços não fazem sentido para mim. Eu as trato como verdadeiras princesas. Por que rejeitariam minha proteção?

— É inacreditável que tenha acontecido três vezes seguidas — comentou Drew.

— Se dependesse de mim, meu amigo, eu ficaria bem longe das mulheres até entender seus caprichos. Mas preciso urgentemente de outra amante confiável, antes que esta temporada termine.

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Enquanto Ranson lamentava sua última perda, Lavínia Peyton se regozijava justamente pelo mesmo motivo. Ela acabara de deixar Felicity no Abrigo Hope e retornava a Londres com a amiga Jéssica Cárter.

Lavínia viera a Londres com seu pai para aproveitar a temporada. Sua querida tia Hope concordara em acompanhá-la nos eventos sociais. Entretanto, Lavínia e Jéssica ficaram amigas instantaneamente, e como Jéssica era casada, tinham a liberdade de saírem juntas sozinhas sem quebrar as regras sociais. Lavínia sentia que a amizade com Jéssica aliviava um pouco a dor da separação da irmã que tanto amava.

— Que bom que pôde me acompanhar! A viagem de volta seria um tédio sem você! — Lavínia declarou.

— Espero que Thomas não descubra onde estive — respondeu Jéssica, nervosa, torcendo as mãos.

— Não se preocupe, querida. Seu marido jamais desconfiaria. Mesmo se soubesse da existência do Abrigo Hope.

— Fiquei impressionada com a boa aparência do lugar — comentou Jéssica. — Não esperava que a casa fosse tão bem cuidada e que tivesse uma decoração tão bonita.

— Esse é um dos propósitos do lar — explicou Lavínia. — Ensinamos as mulheres a viver em sociedade de maneira digna. Elas aprendem a cuidar de uma casa, a se vestir, a conversar e até mesmo a ler e escrever.

— Sua dedicação é admirável — elogiou Jéssica.

— Oh, mas não estou sozinha nisto! Há muitas outras senhoras envolvidas no projeto — disse Lavínia, entusiasmada. — As moças saem de lá com uma profissão bem diferente da que tinham antes. Muitas já se casaram e constituíram família. Outras abriram pequenos negócios com o empréstimo cedido pela entidade.

— Sem dúvida, vocês estão administrando o projeto muito bem. Não receiam que alguém descubra o que se passa lá?

— Quem descobriria? No mundo em que essas mulheres vivem ninguém percebe a ausência delas. Muitas nem têm família. E cá entre nós, os homens que usam os serviços delas reparam mais no desaparecimento de um de seus cavalos.

— Não acha esse julgamento severo demais? Tenho certeza de que alguns cavalheiros se importam com elas mais do que você imagina.

— Ah! Duvido...

— Felicity, por exemplo — disse Jéssica, determinada a provar seu ponto de vista. — Você a convenceu a deixar Ranson, mas ela não se queixou do tratamento recebido por ele nenhuma vez. Ao contrário, ficou chateada por deixá-lo sem se despedir.

— Esse homem não merece consideração, acredite em mim. Ele não tem coração e não se importa com os sentimentos das jovens que seduz.

— Você parece conhecê-lo muito bem.

— Conheço e lhe asseguro que é um crápula, machista e insensível.

— Então, foi por isso que encorajou Felicity a deixá-lo?

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— Não apenas Felicity, mas também Joylene e Lilly — afirmou Lavínia, orgulhosa.

— Quem são Joylene e Lilly? — Jéssica perguntou, franzindo a testa.

— As outras amantes de lorde Weston. Joylene o abandonou em fevereiro, e Lilly em março.

Jéssica arqueou as sobrancelhas.

— Puxa! Ele não perde tempo para substituí-las!

— Isso prova que estou certa ao acusá-lo. Gostaria que você confiasse em mim. Sei do que estou falando.

— Por favor, Lavínia! Não duvido de você. Só fico surpresa com esse comportamento dele. Difere totalmente da imagem que eu fazia. Será que ele já sabe do sumiço de Felicity?

— Tenho certeza de que já foi informado. E ainda esta noite lorde Ranson Weston sairá à procura de uma nova substituta, que eu também convencerei a deixá-lo! — Lavínia prometeu, sorrindo satisfeita.

Novamente conseguira esvaziar o ninho de prazeres de lorde Weston. Pena que sua irmã Barbara não soubesse o quanto ela o estava castigando. Se soubesse, quem sabe voltasse para casa.

Ranson Baldwin não era um homem pretensioso, embora tivesse motivos para ser. As mulheres se referiam a ele como um cavalheiro na aparência e na educação. Seus cabelos castanhos tocavam levemente o colarinho da camisa; os olhos tinham um tom de azul intenso, que fazia qualquer mulher desejar mergulhar neles por vontade própria e ali permanecer; os ossos da face eram angulares, o nariz era perfeito, e o sorriso franco tinha um charme que arrebatava qualquer mulher, de qualquer idade; vestia-se impecavelmente da cabeça aos pés. Em suma, era o homem dos sonhos de qualquer mulher. Mesmo assim, não estava conseguindo manter uma mulher no seu ninho por mais que duas semanas.

Ranson forçou um sorriso ao entrar na carruagem de Drew.

— Onde acha que devo começar a procurar minha próxima amante? — perguntou, voltando a atenção para o amigo assim que o coche partiu.

— O teatro parece ser um bom lugar — respondeu Drew. — Certamente terá muitas opções ali.

— Uma atriz é uma excelente ideia — declarou Ranson.

— Ouvi dizer que há muitas recém-chegadas na apresentação de hoje.

Drew não entendia por que Ranson tinha tanta urgência em encontrar uma amante. Sobretudo, uma que lhe fosse fiel até o final da temporada. Mas, por amizade, ajudaria o amigo na empreitada.

— Durante todo o dia tentei entender a razão do seu desespero em substituir uma amante com urgência — disse Drew. — A discrição pede que me cale, mas minha curiosidade não me deixa em paz.

Ranson deu uma olhadela para fora da janela do coche e viu que estavam quase chegando a Covent Garden.

— Tem a ver com George Milford — ele revelou.

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— Lorde Hayley? Que homem detestável! — comentou Drew.

— Um vigarista — concordou Ranson. — É por causa dele que preciso encontrar uma amante com urgência. Já faz algum tempo que Hayley promove festas em sua casa de campo, onde os homens levam suas amantes tranquilamente, sem a preocupação de serem descobertos pelas esposas ou pelas famílias. Isto se tornou um grande evento, que culmina num baile de máscaras ao final da temporada. Os convites são disputadíssimos e vários cavalheiros frequentam o evento regularmente.

— Já ouvi sobre essas festas, mas nunca fui convidado — disse Drew. — Hayley deve achar que não estou à altura.

Ranson riu.

— Não é isso. Hayley é muito cuidadoso, só convida quem expressa interesse verbalmente.

— Então o Ministério do Interior quer a sua ajuda para acabar com as festinhas na casa de campo de Hayley — resumiu Drew. — Não me parece tão grave a ponto de justificar uma intervenção policial.

— Eles não se importariam se fossem simples festinhas de entretenimento. As suspeitas estão relacionadas com o que ocorre durante e após esses eventos.

— Então, suponho que diversão com lindas mulheres seja apenas uma fachada.

— Algumas mulheres desaparecem depois das festas — Ranson revelou. — No começo, pensava-se que elas decidiam voltar para casa ou tentar a sorte em outros lugares. Mas o número de desaparecimentos se tornou tão grande que é impossível ignorar. Há algo muito grave acontecendo.

— Provavelmente — concordou Drew, surpreso.

Ranson balançou a cabeça.

— Isso não me cheira nada bem. Especula-se que Hayley esteja envolvido no tráfico de escravas brancas. Homens endividados com Hayley levam à festa mulheres que nada suspeitam do futuro sinistro que as aguarda. Assim que a festa acaba, elas são aprisionadas e drogadas até serem vendidas como mercadorias.

— Que coisa horrível!

— E ainda tem mais — avisou Ranson. — Há também a teoria de que quando os homens se cansam de suas amantes e não sabem como fazer para se livrar delas, entregam-nas a Hayley.

Drew balançou a cabeça.

— É revoltante!

— Pois é. E é por esse motivo que estou determinado a ajudar na investigação. Se os homens são tolos o suficiente para cair nas armadilhas de Hayley, é problema deles. Eu não posso conceber a ideia de que mulheres desavisadas sejam forçadas a viver como escravas em outro país por conta de homens inescrupulosos. O próprio príncipe regente pediu que eu fosse a uma dessas festas na casa de campo de Hayley com o objetivo de descobrir algo concreto sobre os rumores, juntamente com alguma evidência legal.

— Posso ajudar em alguma coisa? — Drew ofereceu-se.

Ranson olhou pela janela do coche e viu que já estavam na rua do teatro.

— Pode me ajudar a encontrar uma amante. Já tenho um perfil em mente. Preciso de uma mulher não muito jovem e que seja experiente na profissão; que esteja mais inclinada a aceitar

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minha proteção e menos propensa a me deixar — ele sugeriu. — Os convites para a festa já estão sendo distribuídos e não tenho um segundo a perder.

— Vamos encontrar alguém — Drew encorajou. — Já tenho algumas candidatas em mente.

— Não sabia que era tão bem relacionado! — Ranson brincou.

— Não tanto quanto você, mas tenho minhas fontes.

O humor deles estava bem melhor quando entraram no saguão do teatro e se encaminharam para a frisa.

Na tarde seguinte, Drew e Ranson estavam sentados em confortáveis poltronas com uma garrafa de bebida sobre a mesa no bar do White's. O clube exclusivo para cavalheiros era o lugar perfeito para conversarem com privacidade sobre a noite anterior.

— Conheceu alguém interessante ontem? — perguntou Drew.

— Sim, mas desta vez quero encontrar alguém perfeita para a missão.

— Talvez tenha de se contentar com quem estiver disposta a concordar com sua proposta — disse Drew, servindo um copo de conhaque para cada um.

— Tem alguma sugestão?

— Que tal Janete? Ela é mais nova do que você procura, mas é esperta, e parece ter uma queda por você.

— É uma possibilidade — ponderou Ranson, lembrando-se da jovem que conhecera na noite anterior. — Mas ainda tenho alguns dias para decidir, e pretendo visitar alguns lugares propícios.

— Aonde vamos esta noite? — Drew perguntou.

— Preciso de qualquer jeito aparecer no baile dos Harrington, antes de continuar minha busca.

— Eu também — emendou Drew.

— Ótimo — disse Ranson, endireitando-se na poltrona. — Vamos juntos, circulamos um pouco por lá e depois partimos em busca do meu par perfeito.

Lavínia Peyton era alta, esbelta e graciosa, com olhos cinza-azulados e cabelos negros como as asas de um corvo emoldurando o rosto de feições delicadas. Ainda mais encantadoras eram as covinhas que apareciam nos cantos de sua boca quando sorria. Seus modos e reputação eram impecáveis, e sua beleza impressionava os homens, mas Lavínia não se dava conta disso. Estava concentrada em arruinar a vida de Ranson Baldwin.

Lavínia dispensava educadamente os pretendentes à sua mão; nunca considerara aceitar nenhum pedido. Aliás, todos ficariam surpresos se soubessem que ela não pretendia se casar enquanto não se sentisse totalmente vingada de lorde Weston.

Lavínia e Jéssica estavam no baile dos Harrington.

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Cada uma saboreava um copo de ponche enquanto assistiam aos casais que dançavam uma quadrilha.

— Thomas notou sua ausência ontem? — Lavínia perguntou.

— Não creio — respondeu Jéssica com um sorriso triste.

— Algumas mulheres adorariam que sua ausência não fosse notada.

Jéssica suspirou.

— Sei que está tentando me alegrar, mas se você tivesse conhecido Thomas quando namorávamos... — ela lamentou. — Ele me mandava flores todos os dias, com bilhetinhos carinhosos. Não perdíamos um único evento da sociedade. Ele me seduziu com seu jeito carinhoso, e quando me dei conta já tinha aceitado seu pedido de casamento.

— Que romântico! — exclamou Lavínia.

— Sim, era mesmo — Jéssica concordou. — Mas assim que nos casamos, ele começou a sair sozinho, e agora já não saímos juntos. Pode não fazer sentido o que vou dizer, mas mal o reconheço.

— Acho que Thomas está vindo para cá — Lavínia avisou.

Jéssica empalideceu e levou o copo de ponche aos lábios.

— Senhoras — ele cumprimentou, aproximando-se.

Lavínia sorriu, reparando como ele era bonito, alto, de ombros largos, cabelos escuros e olhos profundos. Se lhe trocassem as roupas, passaria por um charmoso pirata! Era fácil entender por que Jéssica se apaixonara por ele. Pena ser impossível para qualquer mulher antecipar o desastre que seria aquele casamento.

— Sr. Cárter — Lavínia cumprimentou.

— Já nos conhecemos o suficiente para que me chame por Thomas — retrucou ele, inclinando-se ligeiramente para frente ao lhe apertar a mão.

— Vou tentar — ela respondeu, puxando a mão.

— Jéssica — disse ele, virando-se para a esposa. — Acho estas festas muito enfadonhas. Vou procurar por algo mais divertido.

O rosto de Jéssica se entristeceu visivelmente.

— Ah, Thomas, faça-nos companhia pelo menos esta noite! — ela pediu.

— Vocês não sentirão minha falta — declarou ele, acariciando-lhe as costas da mão. — Lavínia, cuide para que minha esposa não fuja com outro homem e chegue bem em casa, sim?

— Com prazer — murmurou ela.

— Então desejo a ambas uma boa noite. — Thomas inclinou-se novamente ao se despedir. Um segundo depois, desaparecia em meio aos convidados.

— Toda noite é a mesma coisa — Jéssica resmungou. — Parece que ele não me suporta mais...

— Você sabe que não é verdade — Lavínia contestou, na tentativa de confortar a amiga. — São poucos os homens que gostam de um salão lotado e de ponche.

— Antes fosse esse o motivo — Jéssica respondeu.

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— Não fique se martirizando. Não ficaremos sentadas durante todo o baile. Aceitaremos dançar com o próximo cavalheiro que nos convidar!

— Eu não posso! — exclamou Jéssica. — Sou uma mulher casada!

— Disse-o bem. Casada, mas não morta! Alegre esse rosto ou ninguém irá se aproximar!

— Já cumprimentei os Harrington. Podemos partir? — perguntou Drew.

Os dois homens estavam em pé, observando a reunião da elite londrina.

— Ainda não. Quem é aquela moça do outro lado do salão?

— Qual? — Drew apertou os olhos na direção que Ranson indicava.

— Aquela de cabelos pretos e vestido brilhante, ao lado de Jéssica Cárter.

— Jéssica está aqui? — Drew perguntou, o olhar se iluminando.

— Está, sim. Vocês já namoraram, não é?

— Não foi nada sério — disse Drew. — Saímos juntos algumas vezes, mas então Thomas Cárter apareceu, e eu não tive mais chance. Eles se casaram poucos meses depois. — Drew procurou por Jéssica no salão. —Ah, lá está ela...

— Quem é a outra moça? — Ranson insistiu.

— É a filha de Pheneas Peyton, lorde Cranston — disse Drew. — Ouvi dizer que o pai está na cidade para a temporada. Essa deve ser Lavínia, a filha do meio. Barbara, a mais velha, não mora na Inglaterra há alguns anos, e Abigail, a mais nova, ainda não debutou.

Ranson não prestou atenção nas informações sobre as outras filhas. Era Lavínia quem lhe interessava. Ela sobressaía no salão como uma luz na escuridão. De repente, ficou ansioso para se aproximar dela e conhecê-la melhor.

— Apresente-me! — pediu ao amigo.

Drew se surpreendeu com aquele comportamento. Nunca tinha visto Ranson tão empolgado com uma mulher.

— Oh, meu Deus, não! — exclamou Lavínia, com o olhar fixo no outro lado do salão.

— O que aconteceu? — Jéssica perguntou, alarmada com a aflição da amiga.

— Lorde Weston está aqui!

— Onde? — Jéssica olhou ao redor.

— Perto da porta — Lavínia sussurrou. — Não olhe agora, tenho a impressão de que ele está olhando para nós.

— Não seja ridícula! — Jéssica protestou. — Por que ele se daria o trabalho de prestar atenção em nós?

Assim que ouviu suas próprias palavras, Jéssica arregalou os olhos em desespero, com o pensamento que lhe passou pela cabeça.

— A menos que Felicity tenha mudado de ideia e voltado para ele. Se foi isso, ela certamente contou a ele o que aconteceu, e ele está querendo o seu escalpo — Jéssica concluiu em pânico.

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— Não posso acreditar que Ranson Weston causaria um escândalo na festa dos Harrington — Lavínia argumentou, não muito confiante.

— Ele está com Drew! — Jéssica exclamou, olhando disfarçadamente na direção deles.

Lavínia prestou atenção no homem que estava ao lado de lorde Weston. Era robusto, de estatura mediana, cabelos ruivos e um nariz que certamente já fora quebrado, ao menos uma vez. Apesar disso, tinha um ar bastante simpático.

— Quem é Drew? — Lavínia perguntou depois de analisá-lo da cabeça aos pés.

— Andrew, lorde Stanford — Jéssica esclareceu. — Nós nos conhecemos quando eu debutei. Antes de conhecer Thomas, eu achei que algo mais sério pudesse acontecer entre nós. Ele é muito bom, gentil e inteligente.

— Mas não é sedutor, é isso que você está querendo dizer?

— Naquela época, eu não sabia que os homens muito sedutores não são, necessariamente, bons maridos — Jéssica confessou com um sorriso irônico. — Olhe! Você tem razão, eles estão vindo nos cumprimentar!

— Oh, não! Meu Deus! O que eu faço? Socorro, Jéssica! — Lavínia choramingou, quase sem voz.

— Calma! — Jéssica apertou o cotovelo de Lavínia. — Você fará o que sempre fazemos. Sorrimos e nos cumprimentamos educadamente. Se ele já sabe das suas tramóias com as amantes dele, não há tempo para fazermos nada. E se não sabe, tanto melhor.

— Lady Jéssica, que prazer revê-la! — exclamou Drew.

Jéssica corou ao estender a mão.

— Também estou feliz em revê-lo — disse, apertando a mão de Drew.

— Permita-me lhe apresentar lorde Weston... Lady Jéssica Cárter.

— Madame — cumprimentou Ranson, inclinando-se.

— E esta é lady Lavínia — Jéssica apresentou. — Filha de lorde Cranston.

— Lady Lavínia. — Drew fez outra mesura, e Ranson levou a mão dela aos lábios.

— Milorde.

— É a primeira vez que a vejo em Londres.

Lavínia suspirou, aliviada. Ele não sabia de nada!

Ranson ouviu o suspiro e julgou ter causado boa impressão. Ela, por sua vez, não tinha o menor desejo de conversar com Weston, mas não podia destratá-lo sem motivo.

— Estive aqui quando minha irmã mais velha debutou na sociedade — disse ela. — Depois disso meu pai adoeceu, e passamos algum tempo sem viajar.

— Espero que ele esteja melhor.

— Ele veio me acompanhar, mas ainda não está totalmente recuperado — disse Lavínia, constrangida com o olhar fixo e atento de Ranson.

— Devo a ele uma visita.

— Conhece meu pai? — Lavínia perguntou.

— Ainda não, mas tenho intenção de me apresentar antes que a temporada termine.

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O sorriso confiante de Ranson fez Lavínia estremecer. Ela não tinha o menor interesse que lorde Weston se aproximasse de seu pai enquanto ela conduzia secretamente as amantes dele para o Abrigo Hope.

— Vamos dançar, milady?

— Estou acompanhando Jéssica — ela apressou-se a dizer.

Ranson olhou de relance para Jéssica e Drew. O dois tinham se afastado um pouco e conversavam animadamente.

— Jéssica não parece precisar de sua companhia neste momento.

Lavínia observou que ele tinha razão. Tinha de encontrar outra desculpa.

— O salão está lotado, não há espaço para mais um par.

— Tenho certeza de que encontrarei um lugar para nós — disse ele, estendendo a mão.

Lavínia tinha certeza de que o sorriso que recebeu arrebataria qualquer mulher. Isso a lembrou de como sua inocente irmã não tivera chance de se defender do renomado charme de Ranson. Entretanto, não havia como escapar, e ela aceitou a mão que ele oferecia.

Enquanto valsavam, Lavínia sentia o toque quente das mãos dele atravessar o tecido de seu vestido na altura da cintura. Ela não ousava encará-lo, por isso procurava prestar atenção às pessoas à sua volta.

— Você é sempre tão calada? — Ranson perguntou.

— Não tenho nada interessante para dizer. — A irritação transpareceu no tom de voz de Lavínia.

— Não acredito — Ranson rebateu.

— Podemos conversar sobre o tempo. Ou talvez, queira me contar sobre a aquisição de seu último cavalo de raça.

Ranson riu e se aproximou mais. Pôde sentir um delicioso aroma floral exalando do corpo de Lavínia.

— Por mais que eu me orgulhe da minha coleção de puros-sangues, jamais a aborreceria com esse assunto.

A voz dele era sensual, o hálito fresco, e algumas mechas de cabelo lhe caíam ao lado do rosto. Os lábios dele tocaram levemente sua orelha, e Lavínia sentiu o coração disparar. Ela não entendia a reação de seu corpo ao toque de Ranson, e num esforço decidiu manter a presença de espírito e responder:

— Não me aborreceria, milorde. Eu cavalgo desde menina, e adoro cavalos. Meu pai tem um estábulo com belos animais.

— Ah, temos algo em comum, então! — Ranson olhou para Lavínia enquanto se colava ainda mais ao corpo dela, numa atitude inadequada aos olhos da sociedade. — Tenho certeza de que me entenderei muito bem com seu pai.

— Não vejo o que uma coisa tem a ver com a outra. — Lavínia bufou, esperando desencorajá-lo. Seria mais difícil vingar-se se eles se tornassem amigos. Além do mais, depois do tratamento que Ranson dispensara à sua irmã, uma amizade entre ambos não faria sentido algum.

— Já que gosta de animais, que tal cavalgarmos no Hyde Park? — sugeriu ele, ignorando as respostas ríspidas de Lavínia. — Tenho uma égua perfeita para você.

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Julia H 1563 – A Amante Perfeita (The Mistress Thief) Alana Clayton

Lavínia continuava alarmada com sua própria reação à proximidade de lorde Weston. Deveria afastá-lo, mas ao contrário, deliciava-se com a textura do paletó dele sob seus dedos.

— Eu tenho meu cavalo — retrucou, na tentativa de encerrar a conversa.

— Mas não como esta égua, eu aposto! Ela é linda e dócil, perfeita para uma dama.

— Não preciso de um animal dócil.

Ranson sorriu. A música terminou, e eles se aproximaram de Jéssica e Drew, que conversavam animadamente.

— Vamos cavalgar amanhã, então? — Ranson insistiu, olhando-a fixamente.

Lavínia combateu a tentação de aceitar o convite.

— Sinto muito, milorde, mas já tenho um compromisso.

Nesse momento, Drew os avistou.

— Como conseguiram valsar num salão tão apertado? — indagou ele, bem-humorado.

— Essa foi a melhor parte da diversão! — respondeu Ranson, com um olhar malicioso para Lavínia. — Muito obrigado pela dança.

— Por nada, milorde — ela respondeu, afastando a mão de seu braço.

— Gostaria de levá-la para jantar — disse Drew para Jéssica.

— Mas temos um outro compromisso.

— Eu entendo — ela respondeu. — Foi maravilhoso revê-lo.

— Você parece radiante — disse Lavínia para Jéssica.

Jéssica se abanou com o leque para esconder a face enrubescida.

— Drew continua amável como sempre.

— Você ainda gosta dele?

Jéssica hesitou por alguns segundos.

— Mais do que eu imaginava — admitiu.

— Parece que você se arrependeu de não ter esperado Drew pedi-la em casamento.

— Talvez — confessou Jéssica. — Eu me apaixonei por Thomas assim que nos conhecemos, mas logo após o casamento percebi que tinha me precipitado. Thomas apressou a cerimônia, temendo que sua máscara caísse.

— Ele queria se casar rápido — disse Lavínia.

— Claro. Só agora percebo que seu plano era bem detalhado, e eu só pensava na romântica luz da lua.

Jéssica suspirou e foi se sentar nas cadeiras dispostas ao longo da parede. Lavínia a acompanhou.

— Ele estava apaixonado, para persegui-la sem descanso.

— Hoje eu penso que ele nunca me amou. Só queria meu dinheiro. — Jéssica baixou os olhos para as próprias mãos.

Lavínia sentiu pena da amiga.

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— Você está enganada — contrapôs.

— Já tive essa esperança, mas está cada vez mais claro. Não estou exagerando quando digo que Thomas não tinha absolutamente nenhum dinheiro antes de nos casarmos. Meu pai não concordava com nosso casamento. Queria que eu me casasse com alguém com título de nobreza ou, pelo menos, com algum dinheiro. Mas eu ameacei fugir, e ele concordou. Só que ele arca com todas as minhas despesas, bem como com as da casa. Thomas tem controle sobre uma quantia bem pequena do dinheiro.

— Ele deve jogar para conseguir dinheiro, como muitos outros homens.

— Talvez. Mas não deve ganhar muito. Eu desconfio que ele esteja envolvido em algum negócio desonesto, mas não tenho nenhuma prova disso.

— Ignore-o, e viva sua vida — Lavínia aconselhou. — Isso é o que muitas mulheres fazem, quando têm um marido como Thomas.

— É humilhante pensar que não consigo fazer meu marido se interessar por mim. Mas é pior ainda saber que se casou por dinheiro.

— Não deixe que isso a deprima. Você não tem culpa. As atitudes dele depõem contra ele mesmo, não contra você. Ele não a merece!

Um sorriso tímido apareceu no rosto de Jéssica.

— Eu estaria perdida de não tivesse você para me animar, amiga.

— Venha comigo. Vamos sair deste canto e nos divertir!

Segurou no braço de Jéssica e se misturaram entre os convidados.

Thomas torceu o nariz ao entrar no coche de aluguel, velho e sujo. Saber que o trajeto era curto era um consolo.

— Isto foi o melhor que conseguiu? — perguntou a mulher que já se sentava no banco surrado.

Thomas quase perdeu o equilíbrio quando o coche disparou aos solavancos, antes que ele se sentasse.

— Na pressa, não pude encontrar nada melhor. Tenho certeza de que já andou em coches piores.

— Mas não preciso mais fazer isso — ela retrucou, amuada.

Thomas sabia que não era o momento para aborrecê-la, ou colocaria seus planos em risco.

— Janete, não fique zangada. — Pegou a mão dela e levou-a aos lábios.

— Estou tão desconfortável e chateado quanto você nesta carruagem caindo aos pedaços. Prometo que isto não se repetirá.

— Está bem — ronronou Janete, lembrando-se da noite anterior e já antecipando o prazer que sentiria nos braços dele naquela noite.

— Fique comigo e experimentará um mundo de coisas com as quais nunca sonhou — ele prometeu, esfregando os lábios nos dela sensualmente.

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— Está bem — respondeu Janete, sabendo que não deveria concordar tão cedo, mas incapaz de ignorar o apelo. Preferia ter fisgado Ranson, mas ficou envaidecida ao perceber o interesse de Thomas.

— Chegamos — disse ele, olhando pela janela do coche. — Eu disse que seria uma viagem curta.

Pararam em frente a uma casa de tijolos marrom. Não ficava na zona mais nobre da cidade, mas ainda assim era bem melhor do que qualquer outra casa onde Janete já havia posto os pés. Thomas era o primeiro cavalheiro que a trazia para visitar um amigo, e ela julgava que o interesse dele por ela fosse genuíno. Ele a ajudou a descer do coche e a seguiu, subindo os degraus da entrada da casa. Acidentalmente, pisou na barra do vestido de Janete, rasgando um pouco do tecido. Ela deu um gritinho quando viu o estrago.

— Sinto muito, querida. Foi sem querer. Estava prestando atenção em você e não olhei onde pisava. Tenho certeza de que Hayley cuidará para que seu vestido seja consertado em minutos.

Janete não podia ficar brava com um homem que se desculpava com tanta graciosidade.

— Não se preocupe — respondeu, levantando a saia para subir os degraus restantes. — É fácil de consertar.

A porta foi aberta por um mordomo e eles foram recepcionados num vestíbulo com piso de mármore e paredes revestidas de madeira. Nesse mesmo instante, lorde Hayley saiu de uma sala contígua e foi ao encontro deles.

Era um homem franzino, magro e pouca coisa mais alto que Janete, porém se vestia de maneira impecável. Os cabelos escuros já apresentavam algumas mechas grisalhas. No geral, sua aparência era tão fina quanto a de um cavalheiro. Ao contrário de sua reputação.

— Cárter! Vejo que está acompanhado de uma jovem encantadora — Hayley cumprimentou.

— Sim — concordou Thomas. — Esta é Janete Norville.

Hayley curvou-se sobre a mão de Janete.

— Prazer, srta. Norville.

—Prazer. Me chame de Janete — disse ela, fitando-o nos olhos e percebendo que o havia julgado erroneamente.

Não se surpreenderia se ele tivesse lambido os beiços ao estudá-la de alto a baixo. Novamente lembrou-se de quando conhecera lorde Weston, algumas noites antes, e do efeito oposto que ele lhe causara. Ranson era refinado, e fazia-a sentir-se como uma dama. Ela ouvira dizer que ele estava procurando uma amante e tivera esperança de ser escolhida; mas ele não dera nenhuma indicação de querer vê-la novamente.

— Tivemos um pequeno incidente aqui na escada — avisou Thomas. — Eu pisei na barra do vestido de Janete e provoquei um pequeno estrago. Pode providenciar para que alguma criada costure o rasgo?

— Ora, mas é claro! — Hayley voltou-se para o mordomo. — Jarvis, chame Lizzie e diga a ela que acompanhe a srta. Janete até lá em cima para costurar a barra de seu vestido.

Virou-se novamente para Janete.

— Lizzie irá consertar isso num instante, senhorita — garantiu.

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Janete ficou mais que feliz em seguir Lizzie para o andar de cima e sair de perto daquele homem asqueroso. Não simpatizara com ele, e esperava que Thomas resolvesse logo o assunto que o trouxera ali para que pudessem ir embora.

Os dois homens observaram a camareira e Janete, até as duas desaparecerem na curva da escada.

— Ela é perfeita! — declarou Hayley. — Bem melhor do que as outras que você tem trazido.

— Não é fácil encontrar uma mulher que se encaixe nas suas exigências — Thomas reclamou.

— Não me diga que já dizimei todas as meretrizes de Londres! — Hayley exclamou, indo em direção à biblioteca.

— Tem havido muitos desaparecimentos ultimamente, e as mulheres estão ficando mais cautelosas e seletivas — explicou Thomas.

— Eu confio em você para contornar esse problema. — Hayley pegou um saco de veludo na escrivaninha, abriu-o, contou algumas moedas e entregou-as a Thomas. — Afinal de contas, está sendo incentivado.

Thomas abriu um sorriso e embolsou rapidamente o dinheiro.

— Por enquanto — concordou. — Assim que eu puser as mãos no dinheiro de Jéssica, não precisarei mais usar minha lábia para convencer estas belezinhas a vir comigo até aqui.

— Será uma lástima perder a sua colaboração. Você é o meu melhor fornecedor.

— Certamente minha mãe esperava que eu fosse mais que um alcoviteiro — disse Thomas, com expressão acabrunhada.

Hayley deu uma gargalhada.

— Existem muito mais alcoviteiros do que você pensa.

— Faça bom proveito, então. Deles e de Janete. Vou ficar bem feliz em me livrar das constantes reclamações daquela mulher.

— Ela não vai reclamar por muito tempo! — Hayley declarou com um brilho nos olhos.

Se ela fosse indisciplinada como Cárter dizia, ele teria de passar um tempo maior com ela. Seus clientes gostavam de mulheres dóceis, e ele, melhor que ninguém, sabia como "domesticá-las" de acordo com as exigências de sua clientela.

Thomas se despediu e saiu da casa. Parou por um momento e respirou fundo, sentindo a necessidade de limpar os pulmões do ar viciado da casa de Hayley. Desceu os degraus e atravessou a rua, lançando um olhar para as janelas no andar superior da casa. Por um instante, o rosto de Janete apareceu em uma delas; estava toda descabelada e com a boca aberta num grito silencioso, antes de ser novamente arrastada para a penumbra.

Thomas tocou com a mão o bolso onde guardara o dinheiro que havia recebido e entrou no coche que esperava, torcendo para que ninguém o visse naquele veículo tão inadequado.

— Há algo errado comigo? — Ranson perguntou ao encontrar Drew na casa de madame Vivian.

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Drew mediu Ranson de cima a baixo.

— Nada que eu possa ver.

— Cresceram presas na minha boca? Tem uma segunda cabeça saindo do meu pescoço?

Drew se inclinou para olhá-lo de perto.

— Parece-me normal, mas meu gosto pode ser duvidoso — Drew brincou, rindo de si mesmo.

Ranson franziu o cenho.

— Olhe à nossa volta — resmungou. — Vê alguém por perto?

— Ninguém.

— Justamente. Estamos sendo ignorados no meio de uma sala lotada de mulheres bonitas! Nenhuma mulher se aproxima de nós, e quando tento me aproximar, elas praticamente saem correndo.

— Isso é bem estranho — concordou Drew. — Olhe, Vivian está lá! Ela saberá o que fazer!

Vivian passara a juventude como uma das mais famosas cortesãs de Londres. Com o passar dos anos, aceitara a idade e abrira seu próprio negócio. Com muito talento, encontrava a jovem certa para entreter um cavalheiro por uma noite ou para um relacionamento duradouro. Seu sucesso lhe angariara o apelido de Corretora do Amor.

Vivian deu um sorriso de boas-vindas para Drew e Ranson. Ambos eram os clientes que melhor tratavam suas garotas.

— Milorde, que felicidade em vê-lo! A noite sempre fica mais agradável em sua companhia.

— Duvido que sinta isto esta noite — respondeu Ranson. — Acho que estou perdendo o jeito com as mulheres.

— O que quer dizer?

— Assim que me aproximo, elas fogem como ratos assustados.

— Oh, não! Eu receava que algo assim pudesse acontecer. Desculpe-me, milorde. Falarei com elas imediatamente. Eu as avisei para não darem ouvidos aos rumores, mas uma vez que metem algo na cabeça, tendem a reagir como crianças bobas!

— Rumores? — Ranson perguntou. — Que rumores?

— Vejo que não sabe do que se trata, e não gosto de repassar fofocas.

— Desde que é evidente que a fofoca é sobre mim, tenho o direito de saber. Pode falar, confie que não ficarei aborrecido com você.

— Eu concordo. Mas a fofoca não é nada agradável.

— Mais um motivo para que eu saiba logo.

— Há rumores de que três amantes suas desapareceram logo após aceitarem sua proteção.

— Ah... é isso? Bem, é verdade que elas partiram de repente — Ranson se defendeu. — Mas por vontade própria. Não tenho nada a ver com isso.

— Eu conversei com elas sobre o assunto, e elas se acalmaram, até que Janete também desapareceu.

— Janete?

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— Janete Norville, presumo? — interveio Drew.

— Sim — Vivian confirmou.

— Ela é a jovem que você conheceu algumas noites atrás. Uma das que colocamos na lista de possibilidades — Drew resumiu.

— Sim. Lembro-me dela. Uma mulher adorável, que poderia se encaixar nas minhas necessidades.

— Receio que tenha de procurar outra. Janete desapareceu do mapa misteriosamente, tanto quanto suas três amantes — Vivian revelou. — E elas não são as únicas. Muitas mulheres estão desaparecendo desde a última temporada, sem explicação nem motivo aparente. Elas não se despedem de ninguém, nem mesmo mencionam que pretendem partir. Algumas nem levam as poucas posses que têm, o que não é um comportamento comum. Estávamos conversando sobre isso hoje de manhã, quando elas descobriram que três das moças que desapareceram estavam sob a sua proteção. Receio que elas temam não ser coincidência e que desconfiem que você não é exatamente o cavalheiro que aparenta ser.

Ranson reprimiu um impropério.

— Mas isso é ridículo!

— Foi exatamente o que eu disse a elas — Vivian murmurou num tom de voz gentil. — Eu já tinha conseguido convencê-las de que não tinha nada a ver, mas então recebemos a notícia de que Janete Norville também tinha sumido. Aí, uma das meninas se lembrou de ter visto Janete com você, uma noite dessas.

— Mas eu mal a conhecia! — Ranson protestou. — Nos conhecemos e conversamos sobre banalidades. Ela era jovem e bonita e eu admito ter pensado que ela pudesse me fazer companhia se eu não encontrasse ninguém melhor nos próximos dias. Mas foi só isso!

— Não tem necessidade de se explicar para mim, milorde. Não tenho nenhuma dúvida de sua inocência nesses desaparecimentos. Acontece que não é fácil fazê-las mudar de ideia após terem formado uma opinião.

— Você precisa me ajudar! Do contrário, esse boato de que sou responsável pelos sequestros se espalhará por toda a cidade.

— Eu vou tentar, mas não prometo nada.

— Você sabe, Vivian, em outras circunstâncias, eu não me importaria, mas preciso de uma amante mais do que nunca!

— Eu gostaria muito de ajudar, mas duvido que, diante desses rumores, alguma delas aceite sua proposta.

Ranson suspirou.

— Só espero que esses mexericos não cheguem aos ouvidos de toda a Londres antes de eu conseguir alguém que se prestes à missão. Venha, Drew, vamos embora. É inútil ficar aqui.

— Ah, se eu fosse mais nova... — Vivian suspirou quando os dois homens se afastaram.

— Prometi fazer uma visita à minha madrinha — Ranson disse, quando o coche seguiu em direção à zona oeste de Londres.

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— Ótimo. Será uma boa distração, para você esquecer o constrangimento na casa de madame Vivian.

— Não me esquecerei disso nunca! — Ranson praguejou. — Como vou fazer agora, para conseguir uma amante antes da festa na casa de Hayley?

— Acharemos alguém. E esses rumores só farão você parecer um convidado ainda mais interessante aos olhos de Hayley, se as suas suspeitas estiverem corretas.

Ranson refletiu por um momento sobre o que o amigo dissera.

— Sabe, Drew, acho que você tem razão. Esta é a típica situação em que uma má reputação pode ser de grande serventia.

O humor de Ranson melhorara muito, quando o coche parou em frente a uma requintada residência em Park Lane.

— Quanta gente! — Drew comentou, quando entraram no salão de baile da casa de lorde e lady Brownley.

— Estou acostumado com o padrão das festas de minha madrinha, mas tenho de admitir que esta noite ela se superou — Ranson elogiou, admirando os impressionantes arranjos de flores que decoravam o salão.

— Espero que isto seja suficiente para fazer você esquecer, pelo menos por algum tempo, os misteriosos desaparecimentos de suas amantes.

— Ainda não consigo entender por que alguém acreditaria que eu daria um sumiço numa mulher, especialmente sendo minha amante. O que eu faria com elas, por todos os santos?

— Bem, você sabe que alguns homens sentem prazer em torturar mulheres — observou Drew.

— Homens, não... Monstros — corrigiu Ranson.

— Exato.

— Vocês estão muito solenes hoje, milordes! — brincou Jéssica, saindo de trás de um enorme arranjo de orquídeas.

— E você está linda como sempre — Drew respondeu, sem vacilar.

— Mais do que nunca, se é que isso é possível — Ranson acrescentou.

— Que galante! — Jéssica riu, contornando o arranjo junto com Lavínia.

Ranson inclinou a cabeça.

— Lady Lavínia, que prazer revê-la — disse, estendendo a mão.

Ela estava ainda mais linda, pensou, num vestido de cetim e renda cor de pêssego. Os cachos negros estavam presos atrás da cabeça com uma delicada fivela de prata.

— Obrigada — ela murmurou, retirando rapidamente a mão da dele, como se o contato a queimasse.

Ranson imaginou se ela já ouvira as fofocas a seu respeito e estudou sua expressão enquanto ela cumprimentava Drew. Porém, nada indicava que ela soubesse. Ele deduziu que seu segredo ainda estava seguro.

— Vamos dançar? — convidou, antecipando a sensação de segurá-la nos braços novamente.

— Vou descansar uma dança — desculpou-se ela, com desdém.

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— Bobagem! Você é jovem e cheia de energia para perder uma dança — insistiu Ranson, pegando a mão dela e guiando-a até a pista antes que ela pudesse protestar.

Lavínia não gostava de ser manipulada, especialmente por um homem como Ranson. Ela revidaria.

— Vi você no parque esta manhã.

— Deveria ter se aproximado. Poderíamos ter passeado juntos.

— Parecia ocupado conversando com uma linda moça.

— Ah, sim! Era uma conhecida...

— Se bem que eu poderia mesmo tê-lo chamado, porque percebi que a moça se afastou apressada, quase correndo. Por quê?

— Ela estava atrasada para um compromisso.

Oh! Ele tem resposta pronta para tudo!, pensou Lavínia. Mas notou que ele ficara constrangido, e esse simples fato a fez sentir-se melhor.

— Eu imaginei — disse Lavínia. — Nunca vi uma mulher rejeitar sua companhia...

— No entanto, você ia recusando meu convite para dançar. — Ranson a fitou com uma sobrancelha arqueada e um meio sorriso no rosto.

— Eu não sou como as outras mulheres — respondeu ela, empinando o queixo.

Ranson sorriu.

— Você já cavalgou no Hyde Park?

— Não tive tempo.

— Deveria ir — sugeriu ele. — O parque está florido e calmo.

— Irei assim que puder.

— Vá comigo — ele convidou. — Levarei uma égua maravilhosa, que você vai adorar.

— Você sempre sabe o que agrada uma pessoa? — perguntou Lavínia, irritada com a autoconfiança dele.

Ranson lhe apertou a mão somente o suficiente para fazê-la olhar para ele.

— Sei o que agrada você — sussurrou.

Ela entendeu a sugestão e teve vontade de abandoná-lo sozinho no meio da dança. Mas seu plano para vingar a irmã requeria que mantivesse a serenidade.

Vou deixá-lo acreditar que ganhou!, pensou ela.

— Milorde — murmurou com doçura, fazendo uma falsa, mas bem representada expressão de meiguice. — Falando assim, me deixa encabulada.

Sentindo que tinha ganhado, Ranson inclinou-se e sussurrou em seu ouvido:

— Amanhã?

Fechando os olhos e respirando fundo, Lavínia concordou com um gesto afirmativo de cabeça. Ranson sorriu, triunfante, e acompanhou Lavínia de volta para perto de Jéssica e Drew.

— Amanhã, às quatro? — ele sugeriu.

— Estarei pronta, milorde — Lavínia afirmou, afastando a mão do braço dele.

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Embora a contrariasse admitir, o charme de Ranson tinha um forte efeito sobre ela. Era difícil se focar na vingança quando ele estava por perto, e ficou aliviada ao se afastar.

— Infelizmente, não podemos continuar na companhia de vocês — disse Ranson. — Ainda temos um assunto a tratar.

— Que pena que perderão uma noite de diversão maravilhosa por causa de negócios! — Lavínia ironizou, fazendo beicinho.

— É lamentável, mas necessário — Ranson disse, aproximando-se para sussurrar-lhe ao ouvido: — Se não fosse um assunto urgente, nada me afastaria da sua companhia.

E levou a mão dela aos lábios.

— Parece estar fazendo progresso com lady Lavínia — Drew comentou quando entraram no coche.

— Ela aceitou cavalgar comigo amanhã — Ranson anunciou entusiasmado.

— Não me surpreende. Nunca vi uma mulher rejeitá-lo quando você decide conquistá-la. Aonde vamos hoje?

— Vamos visitar o maior número de lugares que conseguirmos esta noite e torcer para que o rumor esteja concentrado numa área restrita de Londres.

— Lembre-se de que você está servindo a seu país! — Drew riu.

— Essa é a única razão que me mantém motivado com a investigação, quando queria estar, neste momento, cortejando Lavínia.

Na tarde do dia seguinte, Ranson cavalgou devagar até a casa de Lavínia. Um cavalariço conduzia a égua que ele prometera levar.

A noite anterior fora um fracasso. As mulheres indignadas se afastavam assim que eles chegavam. Apenas os homens eram mais receptivos e os cumprimentavam com sorrisos.

Ranson se zangou com as três mulheres que o tinham deixado sem explicações. Tinha certeza de que não as insultara de nenhuma forma. Era imperdoável. Ou teriam as três ido parar nas mãos de alguém como Hayley? Ele decidiu que assim que terminasse as investigações, daria um jeito de saber se estavam bem.

Ranson parou em frente à casa de lorde Cranston. Era uma linda casa de pedra, com vidraças reluzentes que demonstravam não só a riqueza, mas também o orgulho do proprietário.

Ranson deixou os cavalos com seu ajudante e bateu à porta. Imediatamente, o mordomo veio recebê-lo.

— Vim buscar lady Lavínia — anunciou Ranson.

— Você é pontual — disse uma voz vinda da escada.

Ele olhou para cima e se deliciou com o visual de Lavínia descendo as escadas. Ela vestia um traje de montaria azul e chapéu, e estava tão linda que por um momento Ranson se esqueceu de responder.

— Você também — disse por fim. — E está deslumbrante.

— Obrigada. Estou ansiosa para montar a égua que você falou.

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— Ela está lá fora. — Ranson lhe ofereceu o braço.

Lavínia parou no topo dos degraus da entrada para verificar a égua.

— Nossa, ela é mesmo maravilhosa.

— Fico feliz que tenha gostado.

Após ajudá-la a montar, Ranson também montou seu cavalo e seguiram para o Hyde Park.

— Você se divertiu ontem no baile? — Ranson indagou.

— Sim. Pena estar tão lotado.

— Todas as festas de lady Brownley são assim. Ela é a melhor anfitriã de Londres e também minha madrinha.

— Não diga! Simpatizei com ela à primeira vista.

Ranson ficou feliz por concordarem em alguma coisa. Lavínia acariciou o pescoço da égua e olhou de relance para Ranson.

— Ouvi um comentário estranho no baile, ontem.

— Sobre o quê?

— Eu estava atrás de um daqueles arranjos de flores, quando, sem querer, escutei a conversa de dois cavalheiros que estavam logo do outro lado.

— Espero que não tenha sido nada de mau gosto.

— Não, nada disso. Mas fiquei intrigada com o que ouvi. Eles estavam falando que tem havido uns desaparecimentos misteriosos de mulheres em Londres. Ouviu falar alguma coisa sobre isso?

Ranson praguejou em pensamento, mas franziu a testa, fingindo-se perplexo.

— Eles mencionaram algum nome?

— Não. — Lavínia balançou a cabeça. — A música estava muito alta. Eu ouvi qualquer coisa como "Felicity", mas não conheço ninguém com esse nome em Londres. Ainda não tive chance de perguntar a Jéssica se ela conhece.

Ranson suspirou, aliviado. Pelo menos, ela não sabia que o responsabilizavam pelos tais desaparecimentos. Resolveu não estender o assunto.

— Eu não perderia meu tempo com isso. Provavelmente, não passa de fofocas sem fundamento para alegrar a noite.

— Se for isso, seria um modo bem bizarro de animar uma festa — observou Lavínia. — Não vejo como alguém pode se divertir com uma coisa dessas.

— Concordo.

Ranson queria a todo custo mudar de assunto. Não se sentia bem não sendo sincero com ela.

— Bem, chegamos, e parece que muitos tiveram a mesma ideia que nós.

O parque estava lotado de pessoas a pé, em carruagens e a cavalo. Um grupo de escoteiros os separou por um momento, e antes que Ranson pudesse voltar para perto de Lavínia, ouviu seu nome.

— Lorde Weston?

Virou-se e viu Vivian numa carruagem aberta com três lindas mulheres.

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— Vá me visitar! — disse ela. — Já sei como ajudá-lo.

Lavínia o alcançara e olhou de relance para Ranson e Vivian com curiosidade. As saias curtas e a maquiagem pesada das mulheres não deixavam dúvida quanto à profissão que exerciam. Sem responder a Vivian, Ranson sorriu para Lavínia.

— Creio que daquele lado está mais vazio. — E conduziu os cavalos em outra direção.

— Mas, e as suas amigas? — Lavínia perguntou, olhando para trás.

— Aquela senhora me confundiu com outra pessoa — respondeu, ligeiramente corado.

— Que atrevimento! — Lavínia se lamentava, andando de um lado para outro na sala de visitas da casa de Jéssica. — Dirigir-se àquelas mulheres quando estava em minha companhia!

Lavínia chamara um cabriolé e fora para a casa de Jéssica assim que Ranson a deixara em casa. Estava furiosa, e não poderia expressar sua raiva diante do pai, que nada sabia sobre seus planos de vingança.

— Aquelas mulheres não são diferentes das que você envia ao Abrigo Hope — lembrou Jéssica.

Lavínia parou por um momento.

— Desculpe. Tem razão. Eu ajudaria qualquer uma dessas mulheres, mas aquela situação em particular me insultou. Pelo menos, para quem observava.

— Se o parque estava tão cheio, ninguém deve ter reparado. Você parece dar importância demais para um homem de quem jurou se vingar. Tem certeza de que seus sentimentos por ele não estão mudando?

— O que está sugerindo?! — Lavínia mostrou-se exageradamente indignada. — Só aceitei o convite de Ranson com o intuito de descobrir o que ele anda fazendo. Infelizmente, não funcionou.

— Thomas voltou mais cedo para casa ontem e me contou sobre as mulheres desaparecidas.

Lavínia apertou as mãos sobre o colo.

— O que ele disse?

— Que os rumores sobre o desaparecimento das amantes de Ranson aumentam progressivamente.

Lavínia cobriu a boca com a mão, entusiasmada.

— Conte mais! — encorajou.

— Por que acha que há mais para contar?

— Porque estou vendo que sim! Basta olhar para você. Vamos, conte logo!

— Thomas disse que todas as mulheres estão alarmadas e temerosas. E como se não bastasse, uma moça chamada Janete foi vista com Ranson algumas noites atrás e também já desapareceu.

— Não entendi. Depois de Felicity, não levei mais ninguém ao Abrigo Hope.

— Esse desaparecimento deve ser legítimo.

— Mas isso não significa que Ranson tenha alguma coisa a ver.

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— Você o está defendendo, agora? — Jéssica provocou.

Alguns dias atrás, quando Lavínia explicara a razão de seu ressentimento por Ranson, Jéssica ponderara se não havia algum mal-entendido sobre o ocorrido entre Barbara e Ranson no passado.

Lavínia corou.

— Claro que não! Você sabe que o desprezo.

— Será? — Jéssica sorriu. — Ele parece bem interessado em você.

— Ele é um homem abominável, que partiu o coração de Barbara, e por isso ela foi embora! Mas uma coisa não tem nada a ver com a outra. Não gosto de ver ninguém ser acusado injustamente.

— Tem certeza de que seus sentimentos não mudaram desde que o conheceu?

— Não posso dizer que o conheço, pelos breves momentos que passamos juntos. Não o conheço muito bem e nem pretendo conhecer. Meu envolvimento com ele tem o único objetivo de vingar Barbara.

Jéssica não se convenceu, mas deixou o assunto de lado.

— Thomas disse que todos comentam que poucas mulheres ousam se aproximar de Ranson.

— Isso explica por que ele parecia tão abatido hoje...

— Parece ter realizado sua vingança.

— Não é suficiente! — Lavínia desviou o olhar, envergonhada. — Pareço uma criança mimada, não é? Desculpe-me. Mas há anos me sinto deprimida com a ausência de Barbara. Não penso em outra coisa, senão me vingar. Admito que não é uma atitude saudável. Mas enquanto não o fizer sofrer como Barbara sofreu, não vou conseguir me livrar desse peso.

— Está sendo severa demais consigo mesma — observou Jéssica. — Se Barbara se sentiu usada ou manipulada, deveria ter pedido a interferência de seu pai.

— Ela não poderia fazer isso. Teve muita vergonha.

— Então esqueça o assunto. Deveria aproveitar a temporada e se divertir, em vez de tramar contra Ranson.

— Quero a perdição dele. Depois que isso acontecer, poderei me divertir — Lavínia teimou.

— Ele já está pagando — Jéssica argumentou.

— Não completamente sob o efeito das minhas manobras. Essa Janete, por exemplo, provavelmente o deixou por outro, ou se mudou para outra cidade por capricho.

— Dizem que sumiu sem levar nenhum de seus pertences. Por isso concluíram que foi levada contra a vontade.

— É pavoroso pensar que foi forçada. Não desejaria isso a ninguém. Preciso verificar se por acaso alguém a levou para o Abrigo Hope.

— Rezo para que isso tenha acontecido — sussurrou Jéssica. — Vou pedir um chá para nos refazermos para a noite.

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— Devo-lhe desculpas — disse Vivian, assim que Ranson entrou na sala de estar. — Não teria lhe dirigido a palavra se visse que estava acompanhado.

Ranson fez um gesto de descaso.

— Fomos separados pela aglomeração de pessoas. Você não tinha como saber.

— É muito compreensivo de sua parte. Talvez eu possa compensá-lo. Creio que encontrei alguém que se presta para a tarefa.

— E estaria disposta a me acompanhar apesar dos rumores?

— Ela acaba de chegar a Londres. Eu já adiantei toda a situação, sem mencionar seu nome. Ela gostaria de conhecê-lo e ver se entram num acordo.

— Qual é nome dela?

— Stephanie Morris.

— É possível conhecê-la ainda hoje?

— Sim. Ela está aqui, no andar de cima.

Ranson se surpreendeu com a beleza de Stephanie. Era uma mulher extremamente atraente e graciosa, com cabelos castanho-avermelhados presos em cachos atrás da cabeça e olhos verdes num delicado rosto oval. Usava um vestido verde muito simples, porém suas curvas não passavam despercebidas.

— Srta. Morris, estou encantado em conhecê-la — disse Ranson, depois que Vivian os apresentou e os deixou a sós na sala.

— Eu também, milorde — respondeu Stephanie.

— Vamos nos sentar? — convidou ele, indicando uma poltrona.

Stephanie se sentou e arrumou o vestido. Ranson se sentou numa cadeira em frente e a estudou por um momento. Se estivesse procurando uma amante de verdade, não poderia desejar uma mulher mais linda. Além disso, parecia inteligente.

— Entendo que Vivian já lhe explicou que procuro uma amante — disse Ranson.

— Sim. Mas não posso acreditar que um homem como milorde tenha dificuldade em ter a mulher que escolher.

— Há algumas complicações — ele explicou.

— Já fui informada, e acredito na sua inocência.

— Então, concorda em ser minha amante?

Stephanie brincou com o lenço por um momento.

— Acho importante esclarecer minha condição antes que eu responda — advertiu.

Ranson deveria ter previsto que estava tudo indo bem demais para ser verdade. Imaginava qual seria o segredo de Stephanie, e se isso a impediria de acompanhá-lo. Estava cansado. Tinha esperança de que a procura tivesse terminado.

— Diga-me, srta. Morris — murmurou, disfarçando a impaciência.

— Bem... esta é a minha primeira vez... digo, eu nunca... — Stephanie tropeçava nas palavras.

— Está me dizendo que nunca esteve com um homem?

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— Oh, não! Não é isso. — Ela o fitou nos olhos. — É que eu... nunca fui amante de ninguém.

— Então, por que começaria agora?

— Meu marido faleceu — ela explicou. — Não tenho família, c fui despejada da casa onde morava porque não tinha o dinheiro do aluguel. Tentei arrumar emprego em uma casa de família, mas não tenho experiência nem referências, e ninguém me aceitou. Uma senhora chegou a me dizer que não me contrataria porque eu poderia tentar o marido dela.

O rosto de Stephanie ficou vermelho.

— Eu estava a ponto de morar na rua quando cheguei a Londres. Fiquei vagando pela cidade até me informarem sobre esta casa. — Ela suspirou. — Não foi fácil tomar esta decisão, milorde. Mas orgulho não enche barriga, e por isso estou disposta a ser sua amante, agora que já conhece minha história.

Custava a Ranson acreditar no curso de sua sorte. Stephanie tinha beleza suficiente para fazer-se passar por uma amásia, mas sua inexperiência poderia pôr em risco toda a missão. Ele teria de contar com a inteligência dela e esperar que compensasse a falta de malícia.

— Agradeço sua sinceridade — começou ele. — Como você é nova em Londres e não conhece as intrigas que permeiam por aqui, acho melhor explicar minha situação antes de entrarmos num acordo.

— Não parece muito animador — disse ela.

— Talvez, por isso quero que saiba da história toda de antemão. Não estou procurando uma amante para me divertir. Preciso de uma mulher que me acompanhe a uma festa de cortesãs fora da cidade, que acontecerá daqui a cerca de duas semanas. Minha participação nessa festa não é visando à diversão. Infelizmente, para sua própria segurança, não posso revelar a natureza da minha tarefa, mas preciso de uma mulher que finja ser minha amante.

— Finja?

— Sim. Não precisará... hum... dormir comigo. Mas temos de convencê-los de que somos um casal apaixonado e feliz. Ninguém poderá desconfiar de nada. Preciso saber se consegue representar até o fim.

— Eu só preciso representar e me divertir?

— Duvido que consiga se divertir. Estará entre cortesãs e seus amantes.

— Esqueceu que agora esta é a minha profissão?

— Você ainda poderá mudar de ideia, depois de saber como é a vida delas.

— Esqueceu também que não tenho escolha?

— Então concorda? — ele perguntou, sorrindo pela primeira vez.

Stephanie sorriu de volta.

— Sim, milorde.

— Não esqueça que tudo o que falamos aqui hoje é de sigilo absoluto.

— Não contarei a ninguém.

— Ótimo. Estamos combinados. Quanto antes começarmos, melhor. Vamos ao teatro esta noite. Peça a Vivian que escolha um vestido novo e todos os acessórios necessários — orientou. —As contas devem ser enviadas a mim. Eu lhe enviarei uma quantia em dinheiro também.

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— Milorde! — Stephanie protestou, constrangida.

— Você mesma me fez lembrar que escolheu esta vida, e isto faz parte. Amanhã levarei você para minha casa. Será seu novo lar enquanto durar nosso acordo. Sei que as coisas estão acontecendo muito depressa, mas não tenho escolha. Volto no começo da noite para irmos ao teatro e passear por alguns lugares. Devemos ser vistos juntos com frequência.

— Estarei pronta, milorde. — Stephanie se levantou.

— Até mais tarde. — Ranson se despediu encostando os lábios na mão dela.

Capítulo II

— Thomas, apresse-se! — pediu Jéssica. — Estamos atrasados.

— Eu não devia ter concordado em acompanhá-las — Thomas reclamou. — Sabe que não gosto dessas peças tolas.

— Algumas são muito boas — interveio Lavínia, esperando que o casal não começasse outra discussão.

— Veremos! — ele disse, oferecendo um braço a cada uma ao subirem as escadas do teatro em Covent Garden.

A peça já havia começado, mas eles conseguiram chegar rapidamente ao camarote. Lavínia só teve oportunidade de olhar ao redor no intervalo do primeiro ato. Quase perdeu o fôlego quando viu quem estava no camarote em frente.

— Você está bem? — perguntou Jéssica.

— Ranson está ali, com uma nova amante — sussurrou Lavínia.

— E que linda, não?

— Pois é... Por essa eu não esperava!

— E como você poderia saber da existência de todas as cortesãs da cidade? Como conheceu as outras amantes dele? — Jéssica quis saber.

— Por favor, não conte a ninguém!

— Claro que não!

— Lá no Abrigo Hope, nós temos contato com uma ex-cortesã.

— Você conversa com ela? — Jéssica perguntou, incrédula.

— Nunca a encontrei — Lavínia confidenciou. — Mas ela me parece uma mulher comum. Algumas mulheres não têm outra escolha senão serem cortesãs. É claro que algumas gostam da profissão, mas não são todas. Quando esta senhora, que já foi Cortesã, sabe de alguma mulher que se inicia na profissão por falta de alternativa para sobreviver, passa os dados dela ao abrigo e arranja

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um encontro com um representante de lá. Eu avisei que tinha interesse nas amantes de Ranson, mas ninguém me informou sobre essa mulher.

— Talvez a mulher esteja feliz com ele — ponderou Jéssica.

— Duvido. A posição dele parece estar acima de tudo.

— Você está furiosa, Lavínia.

— É claro que estou! Não gosto de ver uma mulher ser explorada.

— Será que é isso mesmo?

— É claro que é isso! O que mais seria?

— Sei lá. — Jéssica deu de ombros. — Poderia ser ciúme de Ranson...

— O quê?! Ciúme?! De Ranson?! Eu?!

— Não precisa ficar brava, eu só...

A voz alterada de Lavínia acordou Thomas de um breve cochilo.

— O quê? Já acabou? — perguntou ele, endireitando-se na cadeira.

— Não, mas já estou pronta para ir embora — Lavínia anunciou, levantando-se e colocando o xale nos ombros.

— Mas ainda tem o segundo ato! — lembrou Jéssica.

— Seria descortês não acompanhar nossa convidada — disse Thomas, mais que contente com o pretexto para sair dali. — Terei tempo para visitar outros lugares.

O caminho de volta foi tranquilo, com apenas breves comentários. Lavínia já não precisava fingir estar calma ao chegar ao refúgio de seu quarto. Sua raiva a acompanhava nas andanças de um lado para outro. Ver Ranson com as três primeiras amantes não afetara seu humor. Por que desta vez era diferente?

Ela se lembrou do calor que lhe subira pelo rosto ao ver Ranson inclinar-se para cochichar no ouvido da moça e beijar sua mão. Mas recusava-se a sentir atração por um homem que usava as mulheres e que tinha feito Barbara sofrer tanto.

Tinha de dar continuidade ao seu plano. Primeiro, tinha de descobrir sobre aquela mulher, e depois dar um jeito de tirá-la da proteção de Ranson, se a situação realmente já tivesse chegado a esse ponto.

Ranson estava tão concentrado na sua representação com Stephanie que não notou a presença de Lavínia no camarote em frente.

Depois do teatro, eles visitariam todos os lugares onde pudessem encontrar Hayley. Quando saíam do primeiro, viram Drew descendo do coche.

— Estava procurando por você — disse Drew, depois de ser apresentado a Stephanie. — Tenho novidades.

— Quais? — quis saber Ranson.

— Hayley inaugurou uma nova casa.

— É bom saber. Eu estava mesmo querendo encontrá-lo.

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— Foi o que eu imaginei. Acredito que ele esteja lá, supervisionando os últimos retoques. — Drew informou o endereço.

— Muito obrigado! — Ranson ajudou Stephanie a subir no coche. — Encontro você lá?

— Provavelmente — respondeu Drew, acenando e se afastando.

A casa era simples, e não chamava a atenção. Embora estivesse localizada num bairro não exatamente nobre, estava bem conservada, e a área da entrada fora varrida e lavada. O homem que guardava a entrada se apressou a abrir a porta.

Assim que entraram, ficou claro que Hayley gastara um bom dinheiro com a decoração, bastante espalhafatosa: o vermelho e o dourado dominavam as paredes cobertas por espelhos, que refletiam os convidados, e o ar estava impregnado de perfumes cítricos e florais. Ranson não queria estar ali, mas tinha pressa em finalizar a investigação e cortejar Lavínia.

— Lorde Weston, que surpresa agradável!

Ranson virou-se e viu Hayley a seu lado.

— Soube que estava com uma casa nova e decidi visitar.

— Fez muito bem! E trouxe uma adorável senhorita consigo — Hayley elogiou.

— Esta é Stephanie Morris. Conhecemo-nos há pouco tempo, mas espero convencê-la a ficar comigo por muito tempo — Ranson falou com entusiasmo.

— Parabéns pelo bom gosto — Hayley comentou, como se Stephanie fosse um quadro ou um objeto de arte. — Já conhece a casa? Temos todo tipo de divertimento. Salas de estar, de jogos, de relaxamento, de charutos... Do outro lado do hall temos comida e bebida, e aposentos privativos no andar superior.

— Tudo muito bem pensado. Perfeito! — Ranson comentou.

— Este é o segredo do meu sucesso — disse Hayley. — Vou deixá-los à vontade. Divirtam-se, e se precisarem de algo, me procurem.

— O que está achando de sua nova vida? — Ranson indagou a Stephanie, depois que o anfitrião se afastou.

— É ainda muito cedo para opinar — respondeu ela, com sinceridade.

Ranson sorriu.

— Pelo jeito, você não se impressionou!

— Oh, não é isso! É que ainda não me acostumei com a vida em Londres, tudo está acontecendo depressa demais.

— Não precisa se justificar. Qualquer um pode ver o que está escondido por trás de todo esse mau gosto. Mas devemos demonstrar interesse e fingir apreciação. Não precisamos demorar. Haverá outras noites para convencermos Hayley de que nos encaixamos no perfil de seus convidados.

***

Enquanto Stephanie e Ranson passeavam pela casa de prazeres de Hayley, Lavínia seguia lady Danforth na festa dos Sanderford. Segurando-a gentilmente pelo braço, conseguiu puxá-la para um canto.

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— Edith, preciso da sua ajuda!

Lady Edith Danforth era uma antiga e dedicada patrocinadora do Abrigo Hope. Casara-se com um homem bem mais velho assim que saíra da escola. Depois de alguns anos de uma vida infeliz, começaram a circular rumores de que ela teria ajudado o marido a partir desta para melhor mais cedo do que estava predestinado. Mas todos sabiam bem como ele a maltratava, e por isso nunca ninguém a acusou. Desde então, usava a fortuna herdada para ajudar as mulheres a começar uma vida nova.

— Parece que lorde Weston tem uma nova amante. Eu os vi no teatro — Lavínia disparou.

— E você quer que eu arranje um encontro com ela? — adivinhou Edith.

— Acha que é possível?

Edith estudou Lavínia por um momento. Ela não havia perguntado que motivos a outra tinha para interferir nos casos amorosos do conde. No princípio, pensou que Lavínia sentisse pena da condição de submissão das moças, mas depois de Felicity, desconfiou que se tratasse de alguma vingança.

— Por que todo esse interesse nas amantes de lorde Weston, Lavínia? Esta é a quarta mulher dele que você persegue. Por mais que elas precisem de nossa assistência, há outras mulheres em Londres que também precisam.

Lavínia corou.

— É porque eu sei que ele é um canalha com as mulheres.

— Ele não é pior do que a maioria — retrucou Edith. — E é melhor do que muitos.

— Isso não o inocenta! — rebateu Lavínia, irritada.

— Não, mesmo — concordou Edith. — Mas não acho justo nos concentrarmos exclusivamente em um cavalheiro, a menos que haja provas contra ele. Não podemos arriscar o que já conseguimos.

— Eu hão quero prejudicar a causa — Lavínia murmurou olhando para o chão. — Mas gostaria de entrevistar essa mulher. Prometo trabalhar em outra direção se me ajudar mais esta vez.

Edith considerou o pedido. Lavínia era a jovem mais dedicada à causa e ela não queria desmotivá-la. Talvez não se tratasse de uma vingança pessoal, e sim de uma mera coincidência.

— Farei o possível, mas não prometo nada. Lorde Weston pode estar alerta — Edith avisou.

Lavínia sorriu.

— Muito obrigada!

— Não me agradeça ainda. Vá e divirta-se!

Lavínia avistou Jéssica e se dirigiu a ela.

— Pensei que você não viesse!

— Só estou atrasada — Jéssica se defendeu. — Desculpe, estou mal-humorada hoje.

— Não tem problema. Posso ajudá-la?

— Se fosse assim tão simples... Como sempre, é Thomas. Ele está cada dia pior. Não posso abrir a boca que ele me ataca. Só não acontece sempre porque mal o vejo. Ele gastou todo o dinheiro e está bravo porque meu pai não lhe antecipa, nenhum centavo. Ele me culpa por não conseguir convencer meu pai, mas não sei o que fazer! Meu pai está determinado a não abrir a mão para Thomas — Jéssica choramingou.

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— É melhor mesmo que não o veja com frequência, se isso o enfurece. Tente ignorá-lo e aproveite a festa.

— Impossível! — Jéssica soluçou.

— Talvez não. Estou vendo Drew chegar.

— Onde? — Jéssica perguntou, secando os olhos com o lenço rendado.

— Está vindo em nossa direção — avisou Lavínia, contente ao ver a amiga animar-se.

Depois dos cumprimentos de praxe, Jéssica perguntou:

— Ranson também veio?

— Ele teria vindo se pudesse, mas tinha outros compromissos — explicou Drew.

Lavínia podia imaginar que compromissos seriam esses. Mas com a ajuda de Edith, os tais "compromissos" evaporariam bem depressa, debaixo daquele aristocrático nariz dele.

Lavínia só adormeceu quando o dia começava a clarear. Apesar disso, pulou da cama cedo e tomou o desjejum. Em seguida foi para a sala de estar e pegou o bordado, numa tentativa de se acalmar. Era um lindo trabalho, com flores em cores vivas, que a distraía imensamente. Estava admirando o tecido rendado quando lady Danforth foi anunciada.

— Edith! Não a esperava tão cedo! — Levantou-se para cumprimentá-la.

— Consegui informações mais cedo do que esperava — explicou Edith, sentando-se de frente para Lavínia.

— O que descobriu?

— A mulher acaba de chegar a Londres. Ranson não perdeu tempo. Não sei se você ouviu as fofocas, mas ele está sendo acusado pelo desaparecimento de quatro mulheres, que foram suas amantes. Sinto-me mal por não poder explicar o que aconteceu com as três primeiras, mas a quarta não está no Abrigo Hope, e foi vista com ele dias antes de sumir.

— Ouvi os boatos — Lavínia confessou. — Mas não sabia se deveria levá-los a sério ou não.

— Eu não creio que ele seja capaz de fazer mal às mulheres — Edith opinou. — Mas a opinião pública já está contra ele.

— E esta nova amante? — Lavínia voltou ao assunto.

— O nome dela é Stephanie Morris. Minhas fontes garantiram que seria inútil tentar convencê-la a largá-lo. Ela deu sua palavra de que o acompanharia até o final da temporada. Além disso, não há nenhum indício de que esteja infeliz ou de que deseje abandoná-lo.

— Mas...

— Você sabe que sou a primeira a estender a mão a uma mulher que queira a nossa ajuda, mas não forçamos nenhuma situação. Seria o jeito mais fácil de pormos tudo a perder...

— Eu entendo — disse Lavínia, amuada.

— Espero que você não tente fazer nada por conta própria — Edith advertiu.

— Prometo. Gostaria muito de convencer a srta. Morris a deixá-lo, mas não quero colocar o abrigo em risco.

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Edith respirou aliviada.

— Espero que um dia me conte o que há por trás dessa obsessão por Ranson.

— Eu não...

— Eu sei, não é nada pessoal. É só uma coincidência que as mulheres que quer ajudar sejam todas amantes de lorde Weston.

Lavínia não conseguiu esconder o constrangimento.

— Espero que ajude saber que tenho boas razões para isso.

— Tenho certeza de que você acredita ter — Edith concordou. — Bem, preciso ir pegar meu novo vestido para o baile dos Bramton.

Depois de acompanhar Edith até a porta e agradecer pelas informações, Lavínia retomou o bordado, embora sem o mesmo entusiasmo. Sentia-se contrafeita por não poder seguir com seus planos contra Ranson. Sua consciência não lhe permitia deixá-lo ser culpado pelo sumiço das três mulheres que foram para o abrigo. Por outro lado, o que teria acontecido com Janete?

Talvez devesse investigar mais sobre as ligações de Janete com Ranson. A sociedade vivia de escândalos e acreditaria numa calúnia com facilidade.

Talvez Jéssica pudesse descobrir com Thomas algo sobre Janete. Poderia contratar um investigador sem que seu pai desconfiasse, caso contrário ele a obrigaria a confessar a razão dessa animosidade. Barbara nunca contara ao pai o motivo de sua partida, e Lavínia não podia permitir que a questão viesse à tona agora que a saúde dele não era das melhores.

Uma batida na porta anunciou a chegada de Jéssica, o que era providencial para Lavínia, ansiosa que estava para dividir suas apreensões e seus planos. Estava tão envolvida com seus próprios pensamentos que a princípio não notou que Jéssica estava muito calada, mais quieta que de costume. Lavínia contou as novidades que soubera sobre Stephanie Morris, sua impotência com relação ao caso e seu novo plano.

— O que acha? — perguntou.

Jéssica não respondeu, e só então Lavínia reparou em seu olhar distante.

— Jéssica?

— Desculpe, Lavínia. Eu estava distraída. — Jéssica olhou para as próprias mãos.

— O que você tem? Está esquisita...

— É Thomas, de novo. Ele está descontrolado, e não sei mais como agir com ele.

— O que ele fez?

Jéssica afastou as mangas do vestido e mostrou as marcas roxas ao redor dos pulsos.

Lavínia abriu a boca, chocada. Já vira algumas mulheres chegar ao abrigo machucadas pelos amantes, mas nunca vira uma dama da sociedade agredida fisicamente pelo próprio marido.

— Você precisa deixar esse homem, Jéssica! — exclamou, após recuperar o fôlego.

— E ir para onde? Se eu deixar Thomas, meu pai insistirá em saber o motivo e tirará satisfação. Ele está muito velho e perderia o embate facilmente. Não posso arriscar. — Ela cobriu novamente os pulsos com as mangas.

— Por que ele fez isso?

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— Pelo motivo de sempre. Quer mais dinheiro. Acho que perdeu muito no jogo. Ele me pediu mais dinheiro, e quando recusei me deu uns solavancos. Fiquei apavorada! — Jéssica confessou, chorosa. — Então, dei-lhe todas as economias que eu havia escondido. Estou tão constrangida!

Lavínia sentou-se ao lado da amiga e secou-lhe as lágrimas com um lenço.

— Não deve se envergonhar. Você não fez nada de errado. Thomas não é um cavalheiro... Se fosse, não a trataria desse jeito.

— Acho que está tão desesperado com as dívidas que não o reconheço mais.

— Talvez essa seja a verdadeira personalidade dele — sugeriu Lavínia.

— Tenho medo de pensar no que ele fará quando o dinheiro que tenho acabar...

— Ele não judiará mais de você — garantiu Lavínia. — Eu não permitirei.

— Mas o que você pode fazer, Lavínia? Não posso pedir a interferência de meu pai.

— Não será preciso. Se Thomas continuar a agir assim, acertará contas com outra pessoa. Meu pai pode dar um jeito nele sem sair de casa. Ele tem relacionamentos influentes, e Thomas será despachado para a China. Lá, poderá usar seus punhos em homens!

— Você não poderia...

— Posso e farei — Lavínia prometeu. — A não ser que não possa viver sem ele.

— Se eu pudesse, não o veria nunca mais, mas não posso deixá-la se arriscar por mim — Jéssica objetou.

— Não estou arriscando nada. Assim que meu pai souber disso, Thomas não terá tempo para retaliações, pois estará muito ocupado tentando sobreviver.

— Se ele se enfurecer como hoje, nem terei tempo de pedir ajuda.

— Tem algum lugar para ficar?

— Nenhum que não precise me explicar — respondeu Jéssica.

— Diga a Thomas que meu pai voltará para o campo e que você me fará companhia. Meu pai ainda não pode sair e Thomas nunca saberá a verdade.

— Acha que dará certo?

— Claro! Ele sabe que fazer um favor para meu pai pode beneficiá-lo no futuro. Não colocará obstáculos.

— Gostaria de ter a sua confiança. Thomas acabou com a minha — Jéssica declarou, fragilizada.

— Você tem razão em temê-lo. Vamos tirá-la do domínio dele o mais rápido possível.

— Mas não poderei ficar aqui para sempre. Alguma hora terei de voltar.

— Uma coisa de cada vez. Pelo menos para o momento, temos uma solução. Depois, pensaremos no que fazer. Meu pai pode nos ajudar.

— Está bem. Quando acha que devo falar com Thomas?

— Espere uns dias para que ele não pense que você está revidando. Mas se por acaso achar que ele pode agredi-la de novo, venha para cá imediatamente.

O rosto de Jéssica se contorceu numa expressão de tristeza.

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— Provavelmente eu não o verei por alguns dias — comentou. — Agora que está com dinheiro no bolso, vai beber, jogar e sair com mulheres até que o dinheiro acabe.

— É mais seguro você contar em público que ficará uns dias comigo. Com um pouco de sorte pode fazer as malas e partir antes que ele volte para casa — Lavínia aconselhou.

Um sorriso maroto surgiu no rosto de Jéssica.

— Você parece um político fazendo planos para uma campanha.

Lavínia ficou aliviada ao ver que Jéssica conseguia pôr um pouco de humor na situação.

— Thomas é como Napoleão, e saberemos como desarmá-lo.

Lavínia e Jéssica chegaram atrasadas ao evento dos Swearington.

Lavínia insistira em acompanhar Jéssica até a casa dela para que trocasse de roupa, pois temia que Thomas estivesse lá.

Mas a casa estava deserta e em silêncio.

— Você está sendo corajosa — disse Lavínia, enquanto subiam as escadas dos Swearington.

— Não tenho outra escolha.

Lavínia segurou nos braços dela.

— Lembre-se de que não está sozinha.

Jéssica sorriu, mas não pôde responder porque entraram num salão lotado.

— Esta festa parece estar sendo um sucesso! — exclamou Lavínia.

— As festas desta família são famosas.

Entraram na sala de visitas, onde várias cadeiras tinham sido adicionadas para acomodar os convidados que conversavam animadamente. Lavínia viu Jéssica vasculhar a sala com os olhos.

— Está procurando Drew?

— Não! Só estou querendo ver quem veio à festa.

— Você não me engana! — Lavínia riu.

Jéssica pareceu confusa.

— Não seria certo pensar em outro homem enquanto planejo me livrar de meu marido, não é?

— Uma coisa nada tem a ver com a outra — Lavínia filosofou. — Você está deixando Thomas porque ele a agrediu e pode fazer isso novamente. Da próxima vez, pode ser pior. Por outro lado, Drew é um perfeito cavalheiro. Não creio que trataria mal uma mulher. E você o conheceu antes de Thomas.

— Gostei do seu argumento. Vou aceitá-lo! — disse Jéssica, contente.

— É a verdade. Você tem de se lembrar disso quando a dúvida quiser dominar sua mente. Agora sorria. Acabei de ver Drew do outro lado da sala.

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— Lá estão elas! — Drew disse a Ranson.

— Maldição, está quase na minha hora!

Drew tirou o relógio do bolso e comentou, atravessando o salão.

— Tem algum tempo ainda, aproveite!

Ranson seguiu o amigo, pensando que não conseguiria desfazer o estrago que Vivian havia causado no parque. Se não estivesse atendendo a um pedido do príncipe regente naquela investigação de Hayley, àquela altura já poderia ter esclarecido tudo com Lavínia e estar se entendendo com ela.

Os quatro se encontraram e trocaram cumprimentos. Drew reparou que Jéssica parecia abatida e imaginou o que teria acontecido com ela.

A primeira vista, Ranson achou que o sorriso de Lavínia era forçado. Teria ouvido algum rumor a seu respeito?

— Lady Lavínia, permita-me mostrar-lhe a coleção de arte de lady Swearington. — Ranson ofereceu o braço e notou que Lavínia hesitou por um breve momento.

— Você parece conhecer bem a casa — disse Lavínia, enquanto subiam as escadas.

— Eu praticamente cresci aqui. O filho de lady Swearington é meu amigo de infância.

Lavínia franziu a testa.

— Acho que não o conheci.

— Ele está no Exército há quatro anos. A mãe se entristece com sua longa ausência, mas ele considera um dever defender o país. No início, eu recebia cartas dele com frequência. De um tempo para cá, ele deixou de escrever.

— Espero que ele esteja bem.

— Nós saberíamos, se tivesse acontecido alguma coisa. Eu sempre visito lady Swearington para encorajá-la e fazer-lhe um pouco de companhia.

— Muito louvável, milorde!

Lavínia pensou como era contraditório que um homem que tinha a consideração de visitar a mãe do amigo tivesse sido capaz de desprezar e manipular deliberadamente os sentimentos de sua irmã. Mas não queria simpatizar com ele. Tinha de se concentrar em suas razões para a desforra.

— Chegamos — anunciou Ranson, entrando numa câmara cujas paredes estavam cobertas de quadros.

— Lady Swearington parece ser uma colecionadora dedicada — comentou, Lavínia, admirada.

— Esta é a menor parte da coleção — disse Ranson. — A maioria está na casa de campo. Ela começou a colecionar quadros na lua de mel e nunca mais parou.

— Talvez um dia eu tenha a oportunidade de ver o restante.

— Com certeza. Vamos começar deste lado — Ranson sugeriu.

Foram até os fundos da sala, onde admiraram um retrato de lady Swearington.

— Ela era linda, não? — comentou Lavínia.

— Não mais do que você — Ranson retrucou, sem pensar.

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Julia H 1563 – A Amante Perfeita (The Mistress Thief) Alana Clayton

Lavínia levantou o rosto para fitá-lo, e a luz do candelabro iluminou seu rosto. Ranson sentiu-se dominado pelo desejo. Inclinou a cabeça e procurou no rosto dela qualquer sinal de reprovação.

Lavínia ficou paralisada ao ver Ranson inclinar-se sobre ela. Não havia dúvida de que tinha a intenção de beijá-la, mas não conseguiu se mover. Todos os pensamentos sobre sua irmã, vingança e mulheres foram varridos de sua mente quando os lábios dc ambos se tocaram.

Ela já tinha sido beijada antes, mas nenhuma experiência anterior poderia ser comparada às sensações que aquele beijo despertara. Mal sentia suas pernas, e teve de se apoiar nos ombros de Ranson para se equilibrar.

Ele a abraçou com força, e Lavínia sentiu o calor que emanava do corpo dele, através do tecido das roupas, refletindo que não fazia ideia de que fosse possível sentir-se assim nos braços de um homem.

Ranson foi o primeiro a perceber que não estavam sozinhos, c afastou rapidamente os lábios dos de Lavínia, ajeitando-lhe o vestido sobre os ombros e seu próprio casaco. Quando o outro casal reparou neles, os dois já passeavam novamente, admirando os quadros.

— Onde estava com a cabeça? — Lavínia sussurrou assim que o casal se afastou. — Se tivessem nos visto, minha reputação estaria arruinada!

— Não consegui me conter. Fiquei extasiado com sua beleza. — Ranson sorriu, e Lavínia desviou o olhar. — Ninguém nos viu. Me desculpe, não voltará a acontecer.

Surpresa com o charme dele, Lavínia apenas murmurou, sem graça:

— Ainda bem que ninguém nos viu.

— Vamos voltar? — sugeriu Ranson, oferecendo o braço e indicando as escadas.

Em silêncio, os dois desceram de volta à sala de estar, ao encontro de Drew e Jéssica, que conversavam animadamente, como sempre.

— Foi uma pena termos de partir — disse Drew, no caminho para a casa de Vivian. — Parecia estar fazendo progresso com Lavínia, não?

— Não sei se posso chamar de progresso, mas estamos nos conhecendo melhor. Agora passarei o resto da noite visitando os piores lugares de Londres.

— Pelo menos terá a companhia de Stephanie.

— Tem razão. Poderia estar com uma desmiolada, o que seria bem pior. Mas, sabe, não vejo a hora de isto acabar. Tenho esperança de que Hayley me dê um convite ainda esta noite. Temos conversado sempre que nos encontramos. Acha que levantaria suspeitas se eu trouxesse à tona o assunto da festa?

— Não vejo por quê. A festa não é segredo. Seria natural querer passar mais tempo com sua nova amante num recanto campestre como a propriedade de Hayley.

O coche parou em frente à casa de Vivian.

— Você vem? — indagou Ranson.

— Não — respondeu Drew. — Você não vai se demorar, e não estou com disposição para ver essas mulheres. Vou ao clube.

— Bem que eu gostaria de acompanhá-lo — disse Ranson, antes de descer da carruagem.

Os dois homens se despediram e tomaram direções opostas.

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Lavínia andava de um lado para outro em seu quarto, sem sentir sono, sem nem mesmo conseguir aquietar-se na cama. Embora não tivesse contado a Jéssica o que acontecera entre ela e Ranson, a amiga percebera que ela estava absorta. Quando perguntara se havia algum problema, Lavínia negara. Na privacidade do quarto, porém, não conseguia conter a agitação.

Quando se cansou de andar, sentou-se encolhida numa poltrona em frente à lareira, rememorando o que acontecera.

Quando iniciara a cruzada contra Ranson, jamais poderia imaginar que um dia o beijaria, muito menos na galeria de arte da mais famosa anfitriã de Londres. Não o encorajara a beijá-la, mas também não recuara.

Sentiu o rosto queimar quando se lembrou de que poucos dias antes o vira com outra mulher. O que ele estaria pensando, para ter aquele tipo de comportamento leviano? E o que estaria pensando dela, que permitira tal comportamento?

Ranson não sentia nada por ela, era um conquistador, um libertino, e ela deveria ter isso em mente o tempo todo. De mais a mais, os sentimentos dele não importavam, pois tudo o que ela queria era vingança. Tinha de apagar aquele episódio do pensamento e concentrar-se em Janete. Se Ranson era responsável pelo sumiço dela, isto poderia ser usado contra ele. Enquanto isso, ficaria de olho em Stephanie Morris para detectar qualquer sinal de desapontamento ou contrariedade. A temporada estava no auge, e se outra amante de Ranson desaparecesse, seria notícia.

Era quase de manhã quando Lavínia finalmente se deitou e puxou o lençol até o pescoço. Fechou os olhos, pensando na doce vingança, mas assim que adormeceu, sonhou que Ranson a beijava.

***

Thomas saiu do salão de jogatina para a rua fedorenta, com os bolsos vazios e a cabeça doendo, em virtude do rum barato que bebera. O bom-senso lhe dizia que o jogo não era uma atividade salutar, mas quando se deixava levar pela empolgação, era impossível retroceder. Ele ia adiante, convencido de que voltaria para casa bem mais rico, e no entanto, só conseguia se afundar cada vez mais em dívidas.

Com isso, o único recurso que lhe restava era a necessidade de Hayley de recrutar mulheres para o seu negócio, o que lhe propiciava ao menos uma perspectiva de ganhar uns trocados. Teria de visitar os estabelecimentos que conhecia e ver se conseguia convencer alguma mulher a acompanhá-lo à casa de Hayley.

Antes que a noite terminasse, Thomas chegou à casa de Hayley com uma mulher em cada braço. Apesar do adiantado da hora, a casa ainda estava cheia. A sala de jogos estava enfumaçada, e ele ficou observando os copos serem enchidos e as cartas serem distribuídas. Era fácil perceber quem estava perdendo, pelo desespero no modo como rearranjavam as cartas nas mãos, como que procurando alguma que estivesse faltando, e depois tomando um longo gole de bebida, como se isso fosse fazer a sorte mudar.

Mas Thomas sabia, por experiência própria, que a sorte não mudaria e que aqueles homens perderiam aquela partida, assim como haviam perdido as anteriores, e que só ficariam ainda mais desesperados.

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Ele deixou as duas mulheres na porta e perambulou pelo recinto, à procura de Hayley. Encontrou-o sentado numa poltrona a um canto, observando a movimentação.

— Noite agitada, não? — comentou, sentando-se do outro lado da mesa.

— As coisas estão melhorando desde que abrimos aqui — Hayley vangloriou-se. —As mulheres encorajam os homens a vir até aqui. Elas gostam da ideia de ter um espaço onde podem relaxar e conversar enquanto os homens jogam. E ainda há a opção de jantar e dançar, para quem estiver com vontade. Eu não poderia ter planejado melhor este meu negócio!

— Sem falar nos quartos lá em cima — acrescentou Thomas.

— Sem dúvida, isso tem sido bastante lucrativo também! Preciso apenas de mais mulheres. Conseguiu alguma coisa?

— Trouxe duas comigo, mas não são da mesma cepa da última.

— Que pena... Aquela era perfeita! — disse Hayley, lembrando-se da expressão horrorizada de Janete quando percebera o que estava acontecendo. — Onde estão elas?

— Estão ali, na porta. Não sei se consegue vê-las daqui, com toda essa fumaça...

— Vamos lá, quero conhecê-las. — Hayley levantou-se e tirou do bolso uma caixinha esmaltada de rapé e aspirou duas vezes, sem oferecer a Thomas. — Se elas servirem, irão para um quarto especial lá em cima, e não saberão de seu destino até que seja tarde demais.

Thomas apresentou as moças a Hayley, que após alguns minutos sinalizou discretamente para Thomas agir.

— Senhoritas, por que não sobem e me esperam lá em cima? — sugeriu ele. — Tenho um assunto para conversar com lorde Hayley, e subirei em seguida. Não me demoro. — Thomas sorriu.

As moças concordaram em subir na frente para se refrescarem.

— Vou pedir ao mordomo que as acompanhe — prontificou-se Hayley.

Ele caminhou até um dos homens de uniforme preto parados no hall e trocou algumas palavras com ele antes de voltar para perto de Thomas e das moças.

— Barkley vai acompanhar vocês até lá — avisou. Barkley fez uma mesura, e as moças o seguiram escada acima.

— O que acontece agora? — quis saber Thomas.

— Elas vão ser servidas de um vinho especial, que as deixará sonolentas. Na verdade, elas vão de fato dormir. Quando acordarem, estarão a caminho da minha casa de campo, onde esperarão pela viagem até Dover. Não está com pena delas, está?

— Nem um pouco — respondeu Thomas. — Só curioso.

— Imagino que queira receber seu dinheiro — disse Hayley.

— Eu não estaria fazendo isto se não precisasse — Thomas retrucou. — Por falar nisso, espero lhe trazer um artigo de primeira muito em breve.

— O que quer dizer com "de primeira"?

— O melhor que pode imaginar. Beleza, inteligência e boa educação.

— Parece bom demais para ser verdade. Mas certamente pagarei bem por uma mulher com essas qualidades. Como sabe dos talentos dessa fada?

— Porque ela não é uma fada. É minha esposa.

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— Eu contratei um investigador para nos ajudar a localizar Janete e verificar se Ranson tem alguma relação com seu desaparecimento — avisou Lavínia, enquanto Jéssica conferia as cores das fitas contra a luz.

As duas estavam em Oxford Street, procurando uma fita que combinasse com um dos vestidos de Lavínia, e Jéssica olhou ao redor para se certificar de que ninguém as ouvia.

— Como conseguiu contratá-lo sem que seu pai soubesse?

— Pedi ajuda a lady Danforth.

— E o que pretende fazer se descobrir que Ranson é culpado?

Lavínia parou com o olhar fixo nas fitas por um momento.

— Ainda não pensei a respeito — confessou, preocupada. — Darei um jeito de usar a informação contra ele. Talvez peça a Janete que dê uma entrevista a um jornal.

— Mas isso a prejudicaria, quando você se propôs a ajudá-la.

— Ela não precisaria revelar o seu nome. E depois iria para o Abrigo Hope para começar uma vida nova.

— Ranson tem um nome respeitado. A palavra dela não teria muito peso contra a dele.

— Todo o respeito ao nome dele não o poupou de ser alvo de rumores.

— Mas nem todo mundo acreditou.

— Não, mas muitos acreditaram, e uma vez que fique provado, o restante da sociedade também acreditará. Será uma queda social formidável!

— É difícil acreditar que você tenha tanta raiva dele. Quando estão juntos, você o trata com a mesma cordialidade que dedica às outras pessoas. Até visitou a galeria de arte de lady Swearington com ele...

O comentário de Jéssica trouxe à tona a confusão de sentimentos que assolara Lavínia depois de ser beijada por Ranson. Desconcertada, ela escolheu uma das fitas e pediu que a cortassem.

— Não posso deixar que ele perceba minha hostilidade. Ainda não é hora de confrontá-lo.

— Talvez esteja enganada a respeito dele.

— Tenho certeza de que não estou!

As duas foram olhar as novidades da loja.

— Falei com Thomas sobre lhe fazer companhia — disse Jéssica, enquanto examinavam os tecidos.

— Deveria ter falado com ele na minha frente.

— Não quero envolver seu pai ou você se não for estritamente necessário.

— O que você disse?

— Exatamente o que tínhamos combinado.

— Como ele reagiu?

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— Nem tenho certeza se ele prestou atenção ao que eu dizia. Ele grunhiu e continuou a ler o jornal. Decidi não aborrecê-lo mais.

— Está aprendendo — disse Lavínia, sorrindo. — Quando irá para minha casa?

— Daqui a alguns dias. Tenho de deixar algumas instruções com os criados, e espero a chegada de cortinas novas amanhã. Preciso ter certeza de que estão perfeitas. Depois disso, farei as malas.

— Gostaria que você fosse o quanto antes. Não gosto de pensar que ainda está à mercê de Thomas.

— Ele anda me ignorando no momento. Isso significa que tem tido sorte no jogo e que não está precisando de dinheiro.

— Tem certeza de que não corre nenhum perigo?

— É provável que eu nem o veja mais até a minha partida.

— Então, está bem. Quando você decidir, me avise que envio o coche para apanhá-la, juntamente com sua bagagem.

— Não poderei me esconder para sempre.

— Você não está se escondendo. Está apenas passando alguns dias comigo enquanto pensamos numa solução mais definitiva para a sua vida.

Elas saíram da loja e foram passeando pela rua, com a aia de Lavínia as acompanhando alguns passos atrás.

— Tenho uma coisa para lhe contar — Jéssica confidenciou.

— O quê? — Lavínia encorajou, curiosa.

— Estou gostando de Drew outra vez. Estamos nos vendo com mais frequência do que você sabe.

— Que bom! — Lavínia exclamou.

— Você acha? — Jéssica perguntou, surpresa.

— Claro! Ele é perfeito para você, e parece apaixonado.

— Não!

— Sim — Lavínia teimou. — Além do mais, ele a ajuda a não pensar em Thomas. Poderá contar com ele, caso precise.

— Mas eu não acho justo encorajá-lo estando casada.

— Está casada, mas não morta! Você deveria desfrutar do tempo que estão juntos.

— Está dizendo que... Eu não poderia!

— Não estou sugerindo nada além de você se divertir com ele como puder. Você sabe que a sociedade tolera certas indiscrições. As vezes, até aprovam.

— Lavínia! — Jéssica fingiu repreender a amiga.

Lavínia fitou a amiga nos olhos.

— Jéssica, não tenho a menor intenção de magoá-la, mas acredita que Thomas não olha para outras mulheres?

Jéssica admirou uma vitrine de luvas antes de responder:

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— Sei que não para somente nos olhares. Sinto o perfume de mulheres nas roupas dele.

— Sinto muito — Lavínia murmurou.

— Não precisa. Eu soube que ele não era fiel logo após o casamento. Tentei aceitar isso como uma fraqueza masculina. Mas desde que Drew reapareceu em minha vida, não me importo mais com o que Thomas faz.

Lavínia encarou Jéssica por um momento e depois riu. Jéssica não tardou a imitá-la. Uma voz atrás delas interrompeu as risadas.

— Isso são modos de duas damas se comportarem na rua? Parecem duas adolescentes!

— Robert! — Jéssica gritou, abraçando o irmão. Quando você chegou?

— Esta manhã.

Jéssica os apresentou.

— É um prazer, milorde. Jéssica fala muito do senhor.

— Por favor, me chame de Robert. Tenho certeza de que nos veremos bastante, já que é muito amiga de minha irmã.

Lavínia se impressionou com Robert.

— Então, quero que também me chame de Lavínia.

— Por que demorou? — Jéssica perguntou. — Deveria ter chegado há duas semanas.

— Alguns problemas me seguraram no campo um pouco mais, mas não vamos falar sobre isso. — Ele sorriu, exibindo dentes muito brancos no rosto bronzeado.

— Espero que fique até o final da temporada. Lavínia e eu procuramos por um cavalheiro moreno alto e bonito para nos acompanhar nos eventos da cidade.

— Alto e bonito? Hum... Lembro-me que você dizia que eu era horroroso.

— É que eu só tinha oito anos, e além do mais, você arrancava as cabeças das minhas bonecas.

— Precisava treinar com alguma coisa. Mas estou feliz que já tenha me perdoado.

— Vocês me fazem lembrar as minhas irmãs — disse Lavínia, sorrindo.

— Elas estão na cidade? — Robert perguntou.

— Minha irmã mais velha não mora na Inglaterra há alguns anos, e minha irmã caçula está no campo.

— Então, eu as acompanharei. Para onde vamos?

— Acabamos nossas compras e pensei em pararmos na confeitaria.

— Sei que minha irmãzinha ainda gosta de doces.

— Eu também vivo roubando pedaços de bolo na cozinha.

Lavínia mandou a criada de volta para casa com as compras, e cada uma segurou um braço de Robert, enquanto caminhavam até a confeitaria.

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Ranson estava numa das melhores joalherias de Londres, escolhendo um colar de esmeraldas. Na noite anterior reparara que Stephanie era a única que não usava nenhuma joia. Precisava ser mais convincente com Hayley, para que este o convidasse para a festa.

— Olhem, não é Weston? — perguntou Robert.

— Onde? — Jéssica olhou ao redor.

— Na joalheira. Reconheço o brasão da família na porta da carruagem parada em frente.

Lavínia olhou pela vitrine e não teve dúvida de que era ele.

— Vamos cumprimentá-lo — Robert sugeriu. — Faz tempo que não o vejo.

— Acho melhor não o importunarmos — retrucou Lavínia. — Deve estar ocupado.

— Bobagem! Ele não se importará! — insistiu Robert, indicando que elas entrassem na frente.

Lavínia observou Ranson apontando um colar na vitrine. Não tinha dúvida de que era um presente para Stephanie. Como ela deixara que ele a tocasse? Quis esfregar os lábios na tentativa de apagar a memória do beijo e livrar-se do conflito de sentimentos que dava um nó em seu coração.

— Miladies! — Ranson exclamou. — Meu dia acaba de melhorar com este encontro tão agradável!

— Hum, quem ouve pode até acreditar... — brincou Jéssica.

— Mas é verdade! — Ranson protestou, fingindo-se ultrajado.

— Estamos a caminho da confeitaria — disse Robert. — Não gostaria de nos acompanhar?

— Se eu não for incomodar... — respondeu ele, olhando para Lavínia.

Mas quem se manifestou foi Jéssica:

— Ora, é claro que não incomoda! Será um prazer.

Ele hesitou por um segundo, antes de aceitar o convite:

— Será um prazer para mim também! Por favor, vamos no meu coche. — Ele apontou para a porta da loja. — Está logo aqui em frente.

Minutos depois, Lavínia viu-se sentada ao lado de Ranson na luxuosa carruagem. Para seu alívio, Robert se encarregou de conduzir a conversa, enquanto ela admirava os detalhes impecáveis da carruagem, o estofamento macio dos assentos e até um vaso de flores a um canto para perfumar o interior do veículo.

O tempo que passaram na confeitaria parecia não ter fim, e Lavínia lamentou estar tão tensa e nem conseguir usufruir como gostaria os deliciosos mil-folhas de chocolate.

Quando chegaram de volta à casa de Lavínia, Ranson a levou até a porta.

— Esteve muito quieta a tarde toda — ele observou. — Espero que não esteja brava comigo por causa do que aconteceu.

— O que foi que aconteceu? — Lavínia sabia muito bem do que ele estava falando, mas fez-se de desentendida.

— Nossa... experiência... na casa dos Swearington.

— Ah! Isso... Já nem me lembrava mais — mentiu descaradamente e balançou a cabeça. — Eu recebi uma carta de minha irmã hoje, e a saudade me deixou desanimada.

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— Ela pretende voltar para a Inglaterra?

— Não comentou nada. Mas não creio que volte. Teve uma experiência traumática aqui. — Lavínia observou a expressão dele atentamente.

— Eu lamento muito. Espero que consiga convencê-la a voltar.

Lavínia teve vontade de confrontá-lo, mas ainda era muito cedo. Estava enojada. Teve certeza de que Ranson não se lembrava de Barbara, porque ninguém poderia parecer mais inocente que ele naquele momento. Sua indignação aumentou. Barbara não fora suficientemente importante para ele.

— É o que eu mais quero na vida — confessou. Não lhe revelaria nada ainda. — Vai ao baile de lady Danforth esta noite?

— Eu gostaria muito de ir, mas tenho outro compromisso. Aceitaria cavalgar comigo amanhã?

Lavínia queria dizer que nunca mais queria vê-lo na sua frente, mas tinha de agir conforme seus planos.

— Só se você me emprestar aquela égua novamente — Lavínia propôs.

— Será uma honra! Às quatro horas?

— Combinado.

— Pode me explicar por que concordou, se não queria ir? — Jéssica questionou a amiga, naquela noite, na casa de Edith Danforth.

— Preciso manter contato com ele, do contrário não saberei se meus planos estão funcionando. Também faço algumas perguntas aparentemente inocentes que o desconcertam. Fiquei furiosa quando descobri que ele nem se lembra de Barbara.

— Tem certeza de que era dele que Barbara falava?

— Absoluta.

— Eu gostaria que você tirasse da cabeça essa ideia de vingança. Só ouço coisas boas a respeito dele. Qualquer mãe da sociedade adoraria tê-lo como genro. Ele é rico, nobre e bonito. Ninguém poderia pedir por mais. Não consigo imaginá-lo agindo do jeito que sua irmã descreveu.

— Está dizendo que não acredita em mim?

— Não. Estou apenas dizendo que pode haver um mal-entendido nessa história.

— Não vou discutir isso — teimou Lavínia. — Sei apenas o que Barbara me contou, e até que ela me conte algo diferente, continuarei acreditando nela.

Jéssica percebeu que não conseguiria convencer a amiga a mudar de opinião. Admirava a lealdade dela para com a irmã, mas suspeitava de que Lavínia não conhecesse a verdade dos fatos. Fazia muito tempo que ela conhecia Ranson, porque ele e Robert eram amigos havia anos. Nunca lhe parecera que ele fosse capaz de ser cruel com uma mulher. Mas como nenhuma das duas queria brigar, mudaram de assunto:

— Como Thomas está se comportando?

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— Eu o tenho visto muito pouco. Ele chegou tarde ontem à noite, e quando saí, ele continuava dormindo. Anteontem, jantamos juntos, e ele estava muito educado, mas sei que pode mudar no momento em que perder todo o dinheiro no jogo novamente.

— É um vício que muitos homens possuem. Soube que lorde Trent perdeu toda a sua fortuna na casa de Hayley, duas noites atrás?

— Não. — Lavínia se surpreendeu. — E a família?

— Não sei. Eles têm uma casa de campo, mas certamente o padrão de vida vai cair bastante.

— Tenho pena deles — Lavínia lamentou.

— Há algo mais que preciso contar. Não sei se você sabe que lorde Hayley tem casas de jogos de azar. Thomas me contou que ele inaugurou uma recentemente, e que Ranson vai lá praticamente todas as noites com uma mulher.

— Stephanie Morris?

— Thomas não mencionou o nome, mas disse que ela tem os olhos mais verdes que ele já viu.

— É Stephanie — Lavínia confirmou, lembrando-se das esmeraldas. — Isso significa que Thomas também anda por lá — concluiu.

— Já aceitei Thomas como ele é, e não farei nenhum esforço inútil para mudá-lo. Se puder viver longe dele, eu o farei. Ficar com você é o primeiro passo para que isso aconteça. Embora eu tenha a impressão de que ele só notará minha saída depois de dias.

— Estou feliz porque não mudou de ideia. Estou mesmo precisando de uma companhia, porque meu pai não sai do escritório. Talvez pudéssemos ficar em casa uma noite.

— Não diga que já se cansou de socializar? — Jéssica provocou.

— Você tem de admitir que algumas festas são sempre iguais — Lavínia observou.

— Sei como se sente. Poderemos ficar uma ou duas noites em casa, mas não desanime com minha história. Há muitos casamentos felizes por aí. Perdi minha chance quando troquei Drew por Thomas. Agora, só me resta desfrutar da companhia dele quando posso.

— Não perdi as esperanças com o que vi — declarou Lavínia.

— Ainda espero encontrar um homem como Drew para casar e constituir família.

— Percebeu que estamos aqui há uma hora e ainda não dançamos? O que acontece conosco que ninguém nos convida?

— É claro. Estamos escondidas num canto — Lavínia respondeu. — Vamos para mais perto do salão.

— Espero que Drew venha — Jéssica comentou com os olhos brilhantes. — Será que fofocariam muito se eu dançasse com ele?

— Não creio. As mulheres casadas parecem dançar mais com os outros homens do que com os próprios maridos.

Enquanto Jéssica e Lavínia falavam sobre casamento, Ranson entrava mais uma vez na casa de Hayley, com Stephanie.

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— Sinto que moro aqui — declarou Ranson, quando ajudava Stephanie a descer do coche.

— Sou solidária com esse sentimento, milorde — concordou, compreensiva.

— Está linda hoje — Ranson elogiou, olhando-a de cima a baixo.

Ele pedira que ela usasse um vestido verde com um decote generoso, para que o colar de esmeraldas se destacasse. Stephanie prendera os cabelos para deixar à mostra o par de brincos que combinava com o colar. Ranson sabia que ela seria a mulher mais bonita da noite. Talvez fosse o suficiente para que Hayley finalmente lhe estendesse um convite. Se ele procurava por mulheres, não poderia encontrar alguém mais atraente. Esse pensamento repugnante o fez prometer a si mesmo que ajudaria Stephanie a encontrar outro caminho na vida.

— Aqui estamos novamente — Ranson murmurou baixo o suficiente para que o porteiro não ouvisse.

Stephanie riu como se ele tivesse lhe cochichado algo malicioso no ouvido e ainda piscou para o porteiro quando ele abriu a porta.

— Você está representando seu papel cada dia melhor — Ranson aprovou.

— Tenho prestado atenção no comportamento das outras mulheres. Não é tão difícil jogar charme a todos à nossa volta — Stephanie disse, rindo de si mesma.

— Aí está nosso anfitrião.

Hayley saiu da sala de visitas com um copo na mão para examinar Stephanie.

— Você está deslumbrante hoje. E as esmeraldas são maravilhosas. Tenho experiência suficiente para julgá-las.

— Obrigada, milorde — ela respondeu. — Lorde Weston acaba de me presentear — disse ela, entrelaçando os dedos com os de Ranson. — Ele também me prometeu uma viagem para o campo. — Ela continuou fazendo beicinho.

— Gostaria de passar uns dias na minha propriedade, minha querida? Estou planejando uma festa e vocês são bem-vindos se decidirem comparecer. Garanto que não faltará diversão.

— Oh! Podemos? — Stephanie perguntou com um sorriso entusiasmado, como se tivesse sido convidada pelo príncipe regente.

Ranson não podia acreditar que, com um simples beicinho, ela tivesse conseguido o que ele tentava havia algumas semanas sem sucesso. Mas ficou satisfeito porque, finalmente, poderia avançar com seus planos.

Na manhã seguinte, Lavínia sentou-se na sala de estar para esperar a visita de Harry Black, o investigador que traria notícias de Janete. Não demorou muito, e o mordomo levou o sr. Black até ela.

— Milady, é um prazer revê-la.

— Obrigada. Tem novidades para mim?

— Tenho apenas algumas.

Lavínia se desapontou. Queria pôr um fim naquela história.

— Conte-me o que descobriu.

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— A srta. Norville é nova na profissão. Chegou a Londres no começo da temporada e fez sucesso desde então. Ela é de uma vila ao norte de Londres e sua família trabalha nas fazendas de lorde Drysdale.

Lavínia vasculhou a memória.

— Não me lembro dele.

— Não me surpreende. Lorde Drysdale não tem família e se interessa apenas por seus cavalos e cachorros. Só vem à cidade quando é extremamente necessário. É quase um eremita. Mas quando ele conheceu Janete, encantou-se com ela. E se ofereceu para prover o sustento de toda a família se ela aceitasse ser sua amante. Diante disso, Janete não teve muita escolha, mas depois de algum tempo se cansou e veio embora para Londres. Estava adorando viver aqui. Tinha muitos admiradores. Soube que teria passado algumas horas em companhia de lorde Weston no dia anterior ao seu desaparecimento.

— Ela foi vista depois disso?

— Sim. Na noite seguinte ela voltou ao lugar onde tinha se encontrado com lorde Weston, na esperança de se encontrar com ele novamente. Mas foi vista saindo da casa às pressas, dizendo às colegas que ia ao encontro do homem mais bonito de Londres.

— E quem seria esse?

— Não sei — confessou o sr. Black. — Janete não mencionou nenhum nome. Mas a moça que me contou isso garante que não era lorde Weston, porque este chegou pouco depois, acompanhado de um amigo. Como a moça deduzira que lorde Weston estava interessado em Janete, disse-lhe que ele por pouco deixara de encontrá-la em casa, e lorde Weston respondeu que não tinha importância, que com certeza na noite seguinte ele a veria.

Lavínia de repente sentiu pena daquela jovem que fugira de uma armadilha para cair em outra. Disse para si mesma que iria encontrar aquela moça e tentar ajudá-la.

— O senhor precisa descobrir com quem ela se encontrou naquela noite — disse ela.

— Eu vou tentar, mas não posso prometer nada. Não é fácil fazer aquelas moças falar.

— Confio na sua habilidade, sr. Black. Convença-as de que quer encontrá-la para o próprio bem-estar dela.

Black ergueu as sobrancelhas, mas não disse nada.

— É verdade. Quero ajudar Janete a ter uma vida decente. Ela parece ser inteligente para seguir outro caminho se tiver uma oportunidade.

O sr. Black se levantou.

— Farei o possível. — Ele fez uma mesura e saiu.

Por tudo o que Lavínia acabara de ouvir, nada indicava que Ranson estivesse envolvido no desaparecimento de Janete. Muito pelo contrário. Mas ela relutava em dar essa notícia a Jéssica, porque sabia que a amiga insistiria para que ela reconsiderasse sua opinião sobre Ranson. E isto era algo que ela se recusava a fazer.

***

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As horas passaram depressa, e Lavínia ainda não estava pronta quando Ranson tocou a campainha. Ele estava impecável como sempre, com seu casaco sob medida e as botas engraxadas. Poucos cavalheiros tinham a mesma elegância.

Lavínia vestia um traje de montaria verde-escuro, do qual ela gostava muito antes de ele lhe lembrar esmeraldas. Mas seu outro traje azul não estava limpo, e ela não tivera escolha.

— Espero que o sol apareça — disse Ranson, olhando para o céu nublado.

— Não fará diferença — disse Lavínia sem pensar.

Ranson a olhou sem entender.

— Desculpe. Estava distraída.

Assim que pegaram o caminho para o parque, o dia escureceu ainda mais e Ranson pensou que talvez tivesse sido melhor adiar o passeio para o dia seguinte.

— Ouviu algo mais a respeito da mulher desaparecida? — perguntou Lavínia.

— Ann... não, mas não procurei saber.

— Eu também não, mas ouvi alguns boatos. Soube que ela contou que iria ao encontro do homem mais bonito da cidade.

— De onde vêm todas essas informações? Sabia que há pessoas nos jornais encarregadas de inventar histórias assim para vender mais?

— Não foi invenção — Lavínia garantiu. — Eu soube por uma fonte confiável.

— Bem, se é verdade, pode ser qualquer homem. Sem informações adicionais, é impossível saber.

— Eu soube que estão investigando o desaparecimento — Lavínia continuou, desejando desconcertá-lo. Ficou feliz ao ver que ele segurava impaciente a rédea do cavalo.

Ranson acariciou o pescoço do cavalo e torceu para que quem estivesse investigando o sumiço de Janete não conseguisse vinculá-la a ele. Do contrário, levantaria mais suspeitas, e todo o seu trabalho poderia ficar arruinado.

— Quem está investigando? — perguntou, sem demonstrar muito interesse.

— Isso está sendo mantido em segredo. Mas algumas informações estão sendo comentadas.

— Para mim, parece ser apenas mais um boato sem fundamento.

A raiva de Lavínia cresceu quando ela sentiu o tom de tédio na voz de Ranson a respeito de seus comentários.

— Mesmo não conhecendo a moça, milorde, poderia se mostrar um pouco mais solidário, caso algum mal lhe tenha acontecido.

Ranson virou o rosto para que ela não pudesse ver sua expressão de desagrado.

— Não estou indiferente em relação ao destino da moça. Só acho que talvez ela tenha partido por vontade própria.

Lavínia sabia que essa hipótese não podia ser descartada. Janete poderia estar vivendo numa casa confortável, com belas roupas, boa comida e tudo o mais.

No entanto, o contrário também poderia ser verdade. Ela poderia estar trancafiada em algum pardieiro imundo, com fome e sofrendo maus-tratos. Enquanto não soubesse do paradeiro de Janete, não sossegaria.

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Chegaram à entrada do parque e se juntaram a outras carruagens e cavalos. Como o tempo não estava promissor, muitos voltavam para casa antes que começasse a chover.

— Gostaria muito de continuar em sua companhia, mas acho mais prudente voltarmos uma outra hora — sugeriu Ranson, olhando as nuvens escuras no céu.

— Tem medo de chuva, milorde?

— Não, mas sua roupa é bonita demais para estragar debaixo da chuva.

— Gostou? Não estava muito segura quanto à cor.

— Não poderia ter escolhido uma cor melhor. Adoro verde.

— Imagino que sim. Esta cor lhe lembra esmeraldas? — perguntou, tentando parecer inocente.

— Esmeraldas?

— Vi que comprava esmeraldas outro dia, na joalheria. Claro que meu traje de montaria não pode ser comparado àquele maravilhoso colar, a não ser pela cor.

Ranson decidiu calar a boca. Percebia que a ira de Lavínia estava prestes a explodir, e não podia se arriscar, já que não tinha como se explicar.

— E olhos verdes? — ela indagou repentinamente. — Também gosta de olhos verdes, milorde?

Finalmente Ranson entendeu o que acontecia. Lavínia sabia de Stephanie. Se fosse outra mulher ali com ele, naquele momento, ele lhe passaria uma descompostura inesquecível. Mas não queria fazer isso com Lavínia. Haveria alguma explicação que a acalmasse?

— Lavínia...

— Esmeraldas combinam com olhos verdes — ela continuou, ignorando a tentativa de Ranson de se explicar. — Ofereceu as esmeraldas para uma mulher de olhos verdes? Oh, se bem que isso não é da minha conta, não é mesmo?

— Lavínia! — ele falou com firmeza, determinado a ter a atenção da dama. — Há algumas coisas que não entende...

— Há muitas coisas que não entendo — ela corrigiu. — Mas há outras que não precisam de nenhuma explicação. Não é da minha conta se tem uma amante — disse ela, sem rodeios. — Entendo ser uma prática comum entre os homens. Mas estou ressentida que dirija sua atenção a mim quando tem uma amante. Você me fez pensar que estava interessado em mim em várias ocasiões. Você até me beijou! E todo o tempo decidia que joia comprar para sua amante. Acha que eu deveria me sentir lisonjeada? Obviamente que não!

Lavínia fez uma pausa para tomar fôlego.

— Vou para casa sozinha, e seu cavalariço me acompanhará para retornar com a égua. Você pode ficar no parque admirando todas as tonalidades de verde. Talvez até encontre outro par de olhos verdes. Para seu próprio bem, é melhor não encontrar. Pode ir à falência comprando tantos colares de esmeraldas.

— Lavínia...

Ela virou a égua na direção da saída do parque.

— E não lhe dei a liberdade de me chamar de Lavínia! Se se dirigir a mim novamente, me chame de "lady Lavínia".

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Ela chicoteou levemente a égua e galopou sem olhar para trás.

A chuva começou a cair torrencialmente, antes que Lavínia chegasse em casa. Chovia tanto que ela não conseguia enxergar o caminho de volta. Ficou feliz quando o cavalariço pegou as rédeas da égua e a guiou pelo restante do caminho.

Ela desmontou sem ajuda e, encharcada, subiu rapidamente até seu quarto.

— Maria! — chamou.

— Oh... milady! O que aconteceu? Tire essas roupas depressa, antes que se resfrie e morra de pneumonia!

— Sei que pelo menos um cavalheiro gostará dessa notícia — Lavínia resmungou, batendo os dentes.

— Não posso crer numa coisa dessas, milady! — Maria protestou, tentando desabotoar o vestido. — Oh, os botões não abrem... A roupa está muito molhada...

— Corte-os! — Lavínia ordenou, perdendo a paciência.

— Mas, milady...

— Você me ouviu. Corte-os e jogue esta roupa inteira no lixo! Ou faça dela panos para o chão. Não importa. Só não quero mais ver esta roupa na minha frente!

— Sim, milady. — Maria pegou a tesoura e rapidamente os botões caíram no chão.

— Maria... Amanhã de manhã, tire todas as peças verdes que tenho no armário e jogue tudo fora.

— Milady! — Maria tentou protestar.

— Não quero ver nem um centímetro verde no meu armário amanhã depois do meio-dia! Se eu encontrar algo, você explicará para o meu pai por que saí correndo aos gritos pela rua. Entendeu?

Maria arregalou os olhos, surpresa com aquela atitude inusitada da patroa.

— Sim, milady. Será a primeira coisa que farei — prometeu, sem entender nada.

Capítulo III

Drew chegou à casa de Ranson por volta das oito horas para o jantar. Os dois amigos se sentaram em volta de uma mesa de madeira polida, fartamente servida com presunto, salmão, galinha, faisão, legumes, saladas e sobremesas variadas.

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— Que inveja tenho de você, com essa cozinheira maravilhosa que você tem! — disse Drew, enquanto cortava um pedaço crocante e suculento de galinha.

— Faz anos que você a elogia.

— Um dia ainda a levo para minha casa.

— Pois então, saiba que irei fazer todas as refeições na sua casa desse dia em diante — Ranson avisou.

— Talvez eu deva reconsiderar, pensando bem — Drew brincou. — O que é tão importante que justifique um convite para jantar tão em cima da hora?

— Preciso lhe contar sobre meu encontro com Lavínia hoje. Lady Lavínia. E você é a única pessoa em quem confio.

Ranson relatou tudo o que acontecera naquela tarde no parque com Lavínia e esperou pela reação de Drew.

— Por que esse sorriso, antes de mais nada? — Drew perguntou. — Não vejo motivo para tanta alegria.

— Não é óbvio? Ela não é indiferente a mim! — Ranson exclamou, extasiado. — Se ela não se importasse comigo, não ficaria brava por causa de um colar ou por causa de um par de olhos verdes.

— Claro, ela se sentiu uma idiota.

— Pode ser — Ranson concordou, franzindo a testa. — Mas se não estivesse interessada em mim, não iria cavalgar comigo. Daria uma desculpa qualquer e não falaria mais comigo. Mas em vez disso, pediu que eu a chame de "lady Lavínia" daqui para frente.

— Não acho isso nem um pouco encorajador — observou Drew.

— É o suficiente para que eu a seduza. Estou cheio de esperanças!

— Não enquanto sair com Stephanie todas as noites.

— Isso está perto de acabar. Poderei contar tudo para Lavínia, e ela me perdoará.

— Lady Lavínia — Drew corrigiu, sorrindo.

— Que seja! Conte-me o que acha dessa investigação sobre o paradeiro de Janete.

— Não sei o suficiente para opinar. Se considerarmos os rumores como verdadeiros, há alguém seriamente empenhado em encontrá-la. Só nos resta esperar. A menos que você queira iniciar uma investigação por sua conta.

— Já tenho três desaparecidas para me preocupar. Por que incluir essa que nem era minha amante?

— Para provar a Lavínia que você não teve nada a ver com a história. Se ela está a par dos rumores, sabe que seu nome está envolvido no sumiço de três mulheres, e que esteve com Janete pouco antes de ela também desaparecer.

— Não posso acreditar que ela pense que sou responsável pelo sumiço de quatro mulheres — Ranson murmurou, incrédulo. — Ela não é ingênua a esse ponto.

— Eu não me fiaria nisso — Drew avisou. — Qualquer mulher suspeitaria de um homem que age como você vem agindo desde que a conheceu.

— Eu sei, mas não posso fazer muita coisa por enquanto. Acha que um pedido de desculpas ajudaria?

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— Acho que não. O que você diria? Enquanto estiver saindo com Stephanie, não há o que fazer.

— Até a festa de Hayley, estou de mãos amarradas. Por falar nisso, fui convidado ontem à noite.

— Parabéns!

— Para ser honesto, foi Stephanie quem conseguiu o convite — Ranson admitiu. — Ela piscou aqueles olhos verdes que Lavínia tanto detesta e Hayley se derreteu na hora.

— Não acho que Lavínia tenha dito que não gostava deles. Disse que você gostava demais — Drew ponderou.

— Assim que isto terminar, explicarei tudo a Lavínia. Ela me entenderá.

— Lady Lavínia — Drew lembrou. — Espero que você esteja certo. Seria muito frustrante perder a única mulher por quem já se interessou na vida.

Jéssica e Lavínia estavam na sala, bordando em frente à lareira. A manhã estava chuvosa, e o calor da lareira era bem-vindo. Lavínia olhou para fora, contemplando o dia cinzento.

— Estou surpresa que você tenha enfrentado este tempo horroroso para vir me visitar.

— Eu não aguentava mais ficar sozinha — explicou Jéssica. — Tudo já foi arranjado para a chegada das cortinas. Não queria me sentar sozinha sem ter o que fazer e sentir pena de mim mesma.

Lavínia parou de bordar para dar atenção à amiga.

— Está pronta para deixar Thomas?

— Sim. Já pedi a Betsy para fazer minhas malas, e amanhã tudo estará pronto. Seria inconveniente trazê-la comigo?

— Claro que não. Temos acomodações suficientes, e Maria gostará de companhia.

— Você pode mandar seu coche amanhã à tarde?

— Claro. E já jantaremos juntas antes de sairmos para o evento da noite.

Jéssica sorriu pela primeira vez no dia.

— Que ótimo! Você faz parecer que eu estou lhe fazendo um favor, quando é você que está me ajudando.

— Fico muito feliz com a sua companhia. Diga-me uma coisa, como planeja informar Thomas sobre a sua decisão? — Lavínia perguntou, voltando a bordar.

— Tenho certeza de que ele não estará lá quando eu estiver pronta para partir. Pretendo deixar uma carta, explicando que farei companhia a você enquanto seu pai estiver ausente. Acho que ele não vai se importar nem um pouco.

— Você deve ficar grata se ele não se importar.

— Não sei o que ele fará quando souber que não voltarei. — Jéssica se preocupou.

— Talvez devesse deixar seu pai lidar com Thomas.

— Tenho medo do que Thomas pode fazer, se confrontado.

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— Ele não se atreveria a fazer nada contra seu pai — disse Lavínia com convicção. — Mas não vamos nos preocupar com isso agora. Temos algumas semanas para decidir o que fazer, e como fazer.

— Esse assunto me deprime. — Jéssica suspirou. — Conte-me sobre o passeio com Ranson — pediu.

— Nem queira saber!

Jéssica olhou para a amiga, surpresa.

— Quero, sim. Acho que Ranson está seriamente interessado em você, e é a primeira vez que o vejo assim.

— Depois que eu lhe contar o que aconteceu, acho que você vai mudar de opinião.

Lavínia iniciou o relato com o beijo na galeria, e terminou contando que mandara Maria tirar de seu armário tudo o que fosse verde e queimar. Jéssica se divertiu a valer, dando muitas risadas, que depois de algum tempo Lavínia acompanhou, até que ambas enxugaram as lágrimas dos olhos de tanto rir.

— Meu Deus! — Jéssica exclamou. — Há muito tempo eu não ria tanto.

— Nem eu!

De repente, Jéssica franziu a testa.

— Mas sabe, Lavínia, esse comportamento de Ranson não condiz com a personalidade dele. Ele não cortejaria você e ao mesmo tempo acompanharia outra mulher tão descaradamente.

— Talvez ele não esteja me cortejando, mas só se divertindo — Lavínia ponderou.

— Não. — Jéssica balançou a cabeça. — Eu o conheço bem, sei que ele jamais faria isso. — Drew não teria amizade com um homem assim. Nem Robert. Eu sei que os dois o admiram muito. Não dá para entender...

Lavínia pegou a linha amarela mais viva que tinha e começou a bordar um amor-perfeito.

— Isso não importa — murmurou. — Não estou interessada nele. Ele fez Barbara sofrer e é responsável por sua partida. A única razão pela qual tolero sua presença é para observá-lo perder as amantes e ver sua reação ao ser acusado pelo sumiço delas. Antes que tudo isso acabe, talvez ele também seja obrigado a deixar a Inglaterra.

— Nada indica que isso venha a acontecer. A maioria das pessoas está convencida de que as mulheres partiram por vontade própria. Ninguém se interessa mais pelo assunto.

— Certamente meu trabalho não será em vão — Lavínia falou, convicta.

— Se está contando com os protestos públicos, acho que ficará desapontada. Agora, se o que você quer é constrangê-lo, então atingiu o objetivo. Soube por Drew que Ranson pretende localizar o paradeiro delas para se certificar de que estão bem. Quanto a Janete, Ranson conversou com ela apenas em uma ocasião — Jéssica finalizou, pensando que era hora de voltar para casa para verificar se Betsy já estava com as malas prontas. — Tenho de ir.

— Ainda está chovendo — observou Lavínia. — Fique para o almoço. Talvez o tempo melhore à tarde.

— Está bem. Não tenho mesmo muita vontade de voltar e encontrar Thomas quando estou tão perto de me livrar dele.

— Esqueça-o por um momento. Tenho um livro novo que lerei em voz alta enquanto você borda. Tenha em mente que nunca mais irá compartilhará o mesmo teto com Thomas.

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— Isso é inacreditável, mas maravilhoso! Custo a acreditar que esse pesadelo está prestes a acabar.

***

O sol brilhava na manhã seguinte, quando Lavínia entrou no coche com o intuito de visitar uma livraria, comprar novos livros e marcar um horário com Jéssica para o coche voltar à tarde para buscá-la.

Era por volta de uma da tarde quando Lavínia chegou.

— Espero não estar atrapalhando — ela disse assim que Jéssica veio recebê-la.

— Claro que não. Vamos para a sala de estar.

— Receio não ter tempo — disse Lavínia. — Tenho milhares de coisas para fazer esta tarde. Passei aqui para saber a que horas você quer que eu mande o coche.

— Quanto mais cedo, melhor.

— Certo. Ele virá às cinco horas, então. Assim teremos tempo suficiente para jantar antes de sairmos.

— Mal posso esperar! — exclamou Jéssica, com os olhos brilhando de felicidade.

— Vamos nos divertir a valer! — Lavínia antecipou ao se virar para ir embora.

Os planos de diversão entre as amigas, no entanto, sofreram uma reviravolta quando o coche voltou sem Jéssica.

— Onde ela está? — Lavínia perguntou quando recebeu a informação do cocheiro.

— A sra. Cárter não deixou nenhum bilhete endereçado a milady. Mas o sr. Cárter pediu que lhe informasse que ela foi para York visitar uns amigos.

— York? — Lavínia repetiu, franzindo a testa, incrédula.

— Foi o que ele disse, milady.

— Chame o mensageiro! Enviarei um bilhete a lorde Bates sem demora.

Lavínia foi ao escritório escrever para Robert. Resumiu as circunstâncias de Jéssica e pediu que fosse o quanto antes à casa dela conferir aquela informação. Não podia acreditar que Jéssica tivesse mudado de decisão sem avisá-la. Sua intuição dizia que algo muito ruim estava acontecendo, e ela tinha de tomar providências imediatas.

Cerca de duas horas mais tarde, Robert chegou à casa de Lavínia, esbaforido.

— Jéssica e Thomas não estão em casa — informou ele, visivelmente preocupado. — Betsy me contou que a bagagem de Jéssica estava empilhada no hall, à espera do seu coche. Mas então Thomas chegou inesperadamente, viu a bagagem e mandou que Betsy saísse do quarto deles.

— Oh, não! — Lavínia exclamou, apavorada.

— Quando saíram do quarto, Thomas segurava o braço de Jéssica e se dirigiram a um coche que os esperava na porta. Transportaram a bagagem e partiram. Betsy ainda tentou falar com Jéssica, mas Thomas não permitiu. Disse que Jéssica estava muito pálida, com os olhos arregalados, e não fez nenhuma tentativa de se comunicar.

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— Mas Thomas estava lá quando meu coche chegou para apanhá-la — lembrou Lavínia, com uma ruga na testa.

— Uma hora mais tarde, Thomas voltou para casa e disse aos empregados que Jéssica tinha ido visitar uns amigos em York.

— Não acredito! Você acredita?

— Não. Conheço todos os amigos de Jéssica, e não há ninguém em York das nossas relações. Não sossegarei enquanto não encontrar Thomas e for informado do paradeiro de minha irmã!

— Robert! Temo pela segurança de Jéssica. Creio que não está a par das circunstâncias do casamento de Jéssica.

Lavínia contou tudo o que sabia, e as feições de Robert se contorceram de fúria.

— Ela podia ter confiado em mim! Por que ela não me contou o que estava acontecendo? Eu a teria apoiado!

— Ela queria proteger você. Não queria envolver você ou seu pai, com receio de uma briga com consequências fatais.

— Meu Deus! Quando eu encontrar aquele covarde, ele terá o que merece. Fique calma. Volto aqui assim que tiver notícias.

— Vou tentar.

Mas depois da partida de Robert, Lavínia ficou andando de um lado para outro, na casa, sem tocar no chá nem em seu bolo favorito.

Embora Ranson não estivesse motivado, continuava sua investigação. Ele e Stephanie já se preparavam para sair da casa de Hayley quando viram Drew entrar na sala.

— Estou surpreso por vê-lo por aqui — disse Ranson, cumprimentando o amigo.

— Eu estava procurando você. Tenho novidades.

— Aconteceu alguma coisa com Lavínia? — perguntou Ranson, sabendo que Stephanie estava ouvindo.

— Com Lavínia, não. Talvez com Jéssica — Drew respondeu, arrasado.

— Não me diga! O que houve?

— Encontrei Robert esta noite no clube. Ele procurava por Thomas. Disse que ele teria saído com Jéssica e voltado sozinho com a notícia de que Jéssica fora visitar uns amigos em York.

— Robert acha que é mentira?

— Eles não conhecem ninguém em York. Jéssica estava com a bagagem pronta para passar alguns dias com Lavínia. Thomas chegou de surpresa e se trancou com ela no quarto, e depois de alguns minutos partiram num coche alugado.

— O cocheiro não pode informar onde ela foi deixada?

— Não sabemos. O coche é alugado por Thomas, e o leva a toda parte. Por isso, estamos procurando.

— Posso ajudar em alguma coisa? — ofereceu Ranson.

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— Por isso mesmo estou aqui, para pedir sua ajuda. Prometi a Robert que ajudaria a procurar Thomas, e nos encontraremos mais tarde no clube.

Ranson virou-se para Stephanie.

— Temos de ir.

— Não tem problema. Ir para a cama mais cedo será uma bênção. Espero que encontre sua amiga.

— Vá para casa com o meu coche. — Em seguida olhou para Drew. — Iremos no seu para procurar.

Ranson foi procurar Hayley para se despedir.

— Já vão embora? — perguntou o anfitrião.

— Receio que sim — Ranson respondeu, sucinto.

— Entediados?

— De maneira alguma. Surgiu um imprevisto que exige nossa atenção. Voltaremos assim que possível.

— Estou ansiosa pela sua festa no campo — Stephanie acrescentou com um olhar charmoso.

— Eu também não vejo a hora de tê-la como minha convidada lá — Hayley respondeu, inclinando-se levemente ao abrir a porta para eles. — Eu adoraria saber o motivo desta súbita partida — acrescentou para si mesmo com sarcasmo, quando voltou para seu posto de observação.

Logo após as duas da manhã, Thomas entrou na casa de Hayley.

— Não esperava vê-lo tão cedo novamente.

— Estou um pouco preocupado com nosso acordo e gostaria de me certificar de que tudo está correndo bem — respondeu Thomas.

— Não confia em mim?

— Sim, mas a certeza me deixaria mais sossegado.

Hayley detestava homens inseguros, mas Thomas havia trazido as mais finas mulheres para seu lucrativo negócio. Não custava nada fazer-lhe a vontade, principalmente com aquela mercadoria tão especial.

— Não há muito para mostrar, mas se quer ver, venha!

Hayley levou Thomas ao andar de cima da casa, onde um homem cuidava da segurança.

— Alguma novidade? — perguntou.

— Não, senhor — o homem respondeu.

Hayley abriu uma porta e entrou, seguido por Thomas. No quarto mal-iluminado, Thomas pôde ver Jéssica deitada na cama. Estava mortalmente pálida.

— Ela está... — começou, mas sua garganta se travou.

— Não se preocupe, ela está ótima. Está apenas sendo dopada com tranquilizantes desde que chegou. Dormirá como um anjo até amanhã. Quando acordar, vai perceber que sua única escolha é cooperar, senão as coisas ficarão bem piores.

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— Se o pai dela, ou o irmão, descobrirem, eu sou um homem morto! — Thomas choramingou, apavorado.

— Não descobrirão — Hayley o tranquilizou. — Relaxe e não faça nenhuma bobagem. Você já é tarimbado, fez isso incontáveis vezes.

— Mas as outras não eram minhas esposas — Thomas ponderou.

— É uma mulher como qualquer outra. Em breve estará com as demais em minha propriedade. Após a festa, todas serão levadas para o litoral e ninguém mais as verá. Você estará livre para gastar todo o seu dinheiro.

— Se o pai dela não encontrar um jeito de atrapalhar — lembrou Thomas.

— Ela escreveu uma declaração nomeando você seu herdeiro, não?

— Sim, mas isso não significa que o pai irá aceitar sem discutir. Ele me odeia.

— E com razão — disse Hayley, sarcástico. — Eu também odiaria.

— Aquele sovina deu um jeito de me deixar sem nenhum acesso ao dinheiro de Jéssica — Thomas resmungou.

Hayley apontou para Jéssica, deitada na cama.

— Como pode ver, tudo dará certo agora.

— E meu pagamento por ela? — Thomas indagou.

— Você quer receber pela sua esposa? — perguntou Hayley, incrédulo.

— É claro! Foi difícil trazê-la para cá, e o desaparecimento dela ainda vai me dar muita dor de cabeça.

— Estou achando que ela não vale mais do que as outras que você trouxe.

— Na verdade, vale menos do que algumas delas — respondeu Thomas, lançando um último insulto à esposa inconsciente.

Lavínia estava sentada à mesa do café da manhã quando Robert chegou.

— Alguma novidade? — perguntou, ansiosa.

— Nada. Nenhum sinal dela — desabafou ele, sentando-se na cadeira de frente para Lavínia e esfregando o rosto com as mãos.

— E Thomas?

— Nada, também. Parece que os dois desapareceram da face da Terra. E você, soube de alguma coisa?

— Não. — Lavínia balançou a cabeça. — Estive em vários eventos e ninguém sabia de Thomas, se bem que ele não costuma frequentar essas festas.

— Espero que não se importe que eu...

Robert foi interrompido por vozes no hall.

— Devem ser eles — falou, levantando-se. — Eu ia dizer que espero que não se importe por ter chamado Ranson e Drew para se juntarem a nós. Eles me ajudaram na procura ontem, e achei que seria importante compararmos as informações.

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— Claro que não me importo. Fez muito bem. — Lavínia levantou-se também para receber os recém-chegados. Embora não tivesse mais visto Ranson desde a discussão no parque, qualquer ajuda para encontrar Jéssica seria bem-vinda. — Por favor, sirvam-se e sentem-se conosco.

Lavínia estava abatida, mas Ranson a achou linda vestida de amarelo. Ela não deu demonstração de ainda estar aborrecida, e ele esperou que o incidente tivesse ficado no passado. Serviu-se de omelete, presunto e torradas e se sentou à mesa.

— Estávamos contando o que descobrimos ontem à noite — começou ela.

— O que descobriram? — quis saber Drew, pegando a geleia.

— Absolutamente nada — respondeu Robert. — E vocês?

— Nada, também. Fomos a vários lugares onde Thomas havia estado antes da nossa chegada — contou Ranson. — Mas ninguém sabia dizer para onde ele tinha ido depois.

Lavínia estava com muito medo do que pudesse ter acontecido com Jéssica. Se Ranson a encontrasse, nunca mais seria ríspida com ele outra vez.

— Eu fui para a casa deles de madrugada, e esperei até o dia amanhecer, mas ele não apareceu — disse Robert.

— Dormiu na casa de alguém — Drew concluiu.

— Mas onde? Ele não tem amigos, só parceiros de jogo.

— Talvez com alguma mulher — sugeriu Lavínia.

— Bem, temos de esperar que ele saia do esconderijo — declarou Ranson.

— Mas não podemos simplesmente esperar! Jéssica pode estar em perigo — disse Lavínia, com voz trêmula.

— Não descansarei até encontrar minha irmã — Robert prometeu.

— Estamos juntos nisto — Drew e Robert concordaram.

— E eu não quero ficar aqui de braços cruzados — protestou Lavínia. — O que posso fazer para ajudar?

— Vá às casas das principais anfitriãs da sociedade. Elas costumam estar a par de todos os boatos em primeira mão. Talvez alguém o tenha visto ontem à noite.

Eles continuaram planejando como poderiam aperfeiçoar a busca, e quando os homens se dirigiram à saída, Ranson segurou o braço de Lavínia, detendo-a na sala de jantar.

— Lady Lavínia... A senhorita se zangou comigo na última vez em que nos encontramos, e eu gostaria de me desculpar.

— Não há o que desculpar — respondeu ela.

— Claro que há — ele insistiu. — Mas entendo que a segurança de Jéssica é mais importante neste momento. Nossas diferenças podem esperar.

— Concordo. — Lavínia suspirou. — Se eu tivesse mandado o coche um pouco mais cedo, ela estaria aqui agora.

— Não se culpe. A senhorita fez o que podia para ajudá-la. Não poderia prever que Thomas se anteciparia.

Lavínia olhou para ele pensando no sofrimento de Jéssica.

— Acha que vamos encontrá-la a salvo? — Ela implorou por conforto.

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— Sim, tenho certeza — Ranson a confortou. — Vamos nos encontrar aqui à noitinha outra vez.

Lavínia apenas concordou com um gesto de cabeça, transtornada demais para falar. Ranson levou a mão dela aos lábios e juntou-se aos outros dois no hall.

Assim que eles saíram, Lavínia foi se arrumar para fazer as visitas.

Sabendo que Thomas gostava de jogos de azar, cavalos e boxe, Ranson, Drew e Robert passaram por todos esses lugares durante a manhã. Depois foram almoçar no clube para planejar o que fariam à tarde.

— Precisamos visitar Vivian. Cárter faz sucesso com as mulheres, embora eu não entenda o motivo.

— É a boa aparência e o charme — disse Robert. — Jéssica se encantou com ele, e nem percebeu que estava sendo usada.

— Que coisa! Sinto-me um idiota por ter me afastado de Lavínia quando Thomas apareceu — Drew praguejou.

— Creio que ela só percebeu no primeiro mês de casada o quanto tinha se precipitado.

— Ela não parecia feliz — comentou Drew.

— E não estava, mesmo. Essa estada na casa de Lavínia seria o primeiro passo para a separação.

— Quando a encontrarmos, ela não precisará mais fugir — disse Ranson.

— E é bom que Thomas desapareça sem deixar vestígios, senão não sei o que serei capaz de fazer com ele! — ameaçou Robert, controlando a fúria.

— Ficarei feliz em ajudar — ofereceu-se Drew.

— Primeiro teremos de encontrá-los. Visitaremos todos os lugares outra vez, casas de jogos, teatros, jardins, clubes — declarou Ranson.

— Deixe o teatro por último — sugeriu Drew. — Jéssica disse que ele não é apreciador de teatro.

— Vamos ver se Lavínia tem alguma novidade. Depois passarei na casa de Jéssica — Robert combinou. — Deixei um homem lá para que vigiasse a entrada. Se Thomas aparecer, ele o seguirá e me avisará imediatamente.

— Então, vamos — Drew decidiu. — Não temos tempo a perder.

Lavínia chegou em casa ao mesmo tempo que os rapazes, e pediu ao mordomo que servisse refrescos enquanto subia para trocar de roupa.

— Há algo que ainda não contei a vocês — Ranson declarou quando os três se sentaram.

— O quê? — perguntou Robert.

— Vou sair da cidade amanhã. É uma viagem que não posso cancelar.

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Robert não expressou em voz alta seu desapontamento.

— Drew e eu continuaremos. Não acredito que Jéssica esteja longe de Londres. Contratarei um homem para ajudar na busca.

— Há algo que você precisa saber, mas é essencial que mantenha segredo — Ranson confidenciou.

— Claro — disse Robert, intrigado.

— Vou a uma festa na casa de campo de Hayley.

— O quê?! — Robert exclamou, dessa vez incapaz de disfarçar a surpresa e o desagrado.

— Calma, meu amigo. Não estou indo para me divertir. Vou numa missão que me foi atribuída pelo príncipe regente. Ele me pediu para ajudar numa investigação. — Ranson fez uma pausa e respirou fundo. — Hayley é suspeito de estar vendendo mulheres para o mercado internacional, possivelmente com a ajuda de outros homens.

Robert ficou boquiaberto.

— Perdi três amantes nesta temporada, e uma quarta mulher, chamada Janete Norville, também desapareceu, poucos dias depois de ter sido vista por várias pessoas conversando comigo. Como pode perceber, tenho um grande interesse em descobrir se essas mulheres foram sequestradas por Hayley.

Robert franziu a testa.

— Vi Thomas com Hayley inúmeras vezes. Acha que pode haver alguma ligação... — Ele se calou, incapaz de sequer conceber a ideia.

Ranson gostaria de poder tranquilizá-lo, mas tinha de considerar que havia uma grande probabilidade de essa suspeita ser verdadeira.

— É possível que Thomas tenha vendido Jéssica a Hayley.

— Jéssica é uma mulher linda. Thomas deve ter recebido uma fortuna por ela... — A voz de Drew falhou.

— Vamos confrontar Hayley agora mesmo! Vou vasculhar aquela casa! — Robert esbravejou.

— Um momento — disse Drew. — Temos de pensar antes de agir.

— Drew tem razão — Ranson ponderou. — É justamente por esse motivo que estou compartilhando esse segredo com vocês. Não temos certeza se Jéssica está na casa de Hayley. Não podemos alertá-lo até que tenhamos certeza e provas para colocá-lo na cadeia pelo resto da vida.

— Dane-se! Estamos falando da minha irmã! Não posso esperar de braços cruzados, enquanto sabe-se lá o que pode estar acontecendo! — Robert contestou, nervoso.

— Ninguém vai ficar de braços cruzados — retrucou Ranson, calmo. — Você e Drew vão continuar investigando aqui, e quando eu chegar à casa de Hayley, farei tudo o que puder para descobrir se Jéssica está lá, ou se esteve. Manterei contato, mas não conte a ninguém o que fui fazer nessa festa. Colocaria em risco não só a minha vida, mas também a da mulher que está me ajudando nessa investigação.

— Ela sabe do que se trata? — Robert perguntou.

— Parcialmente. É uma mulher decente, e merecia saber no que estava se metendo.

— Informe-nos assim que souber de algo, está bem?

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— Certamente — Ranson prometeu.

— Espero que saiba o que está fazendo — disse Robert.

— Claro que sei — garantiu Ranson, sério. — Muito bem, então, vocês voltarão aos mesmos lugares onde estivemos, e Stephanie e eu viajaremos amanhã de manhã, para ir à festa de Hayley.

Lavínia chegou ao hall a tempo de ouvir Ranson dizer que iria à festa de Hayley com Stephanie. Ela não conseguia acreditar como podia sequer passar pela cabeça dele a possibilidade de ir a uma festa infame como aquela, ainda mais com Jéssica desaparecida. Será que ele não se importava nem um pouco? Na verdade, Ranson era ainda pior do que ela imaginava. Insensível, egoísta!

Ela respirou fundo para se recompor e entrou na sala.

— Desculpem-me pela demora — pediu, graciosamente. — Trouxeram boas notícias?

— Infelizmente, não — Robert lamentou.

— Thomas foi visto apenas ontem à tarde e no começo da noite — Drew resumiu.

— Vamos procurar hoje à noite outra vez — avisou Ranson. — Como todo mau elemento, Cárter deve sair da toca depois que escurecer.

— E você, soube de alguma coisa? — perguntou Drew.

Lavínia negou com um gesto de cabeça.

— Não. A maioria das senhoras me perguntou de Jéssica, e eu dei a desculpa de que ela estava com gripe.

O silêncio pairou na sala, até que Drew falou, levantando-se:

— Bem, preciso me trocar para sair à noite.

— Eu também — disse Robert.

— Há algo que eu possa fazer para ajudar? — perguntou Lavínia.

— Continue com os ouvidos atentos às fofocas — Ranson respondeu, seguindo os dois amigos que já estavam no hall.

— Lorde Weston, posso ter uma palavrinha com o senhor? É só um segundo.

— Esperaremos no coche — avisou Drew.

Lavínia não disse nada até ouvir a porta da frente se fechar. Ranson se perguntava qual o motivo para tanto segredo. Imaginou se ela se apaixonara perdidamente por ele e queria se declarar. O pensamento o fez sorrir. Declarar-se seria a última coisa que Lavínia faria, depois da história das esmeraldas.

— Fico contente que consiga sorrir diante de tal tragédia, milorde, porque não consigo ver graça nenhuma no que está acontecendo.

— Nem eu — respondeu Ranson, subitamente sério. — Só estava sorrindo por vê-la tão bem.

— Eu estou, mesmo — ela confirmou. — Embora devesse ser eu a estar com gripe, depois do nosso último encontro.

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— Eu sei... O cavalariço me contou que a senhorita se molhou, e peço desculpas por isso. Eu deveria ter cancelado a cavalgada assim que notamos que o tempo estava mudando. Mas minha vontade de estar em sua companhia foi mais forte do que o bom-senso.

— Parece-me que isso acontece com frequência, não? — Lavínia provocou, sarcástica. — Seu bom-senso não deve ser dos mais firmes.

Ranson franziu a testa, chocado com aquela agressividade.

— Por que diz isso?

— Porque tenho provas. Ouvi o que disse quando descia as escadas, há pouco.

Ranson suspirou. Deveria ter sido mais cuidadoso, mas estava ansioso para se explicar a Robert. Não podia deixar que o amigo pensasse que ele não se importava com Jéssica.

— O que ouviu? — perguntou, imaginando até que ponto ela escutara a conversa.

— Que um compromisso muito importante o impede de continuar ajudando na busca por Jéssica. Este importante compromisso é uma festa indecente na casa de lorde Hayley. Ouvi corretamente? — ela perguntou, mal contendo a irritação.

— Sim, mas...

— E uma mulher chamada Stephanie lhe fará companhia — Lavínia o interrompeu.

— Lady Lavínia, a senhorita não entende...

— Entendo perfeitamente! Eu sei que uma dama não deve se intrometer, nem mesmo saber a respeito desse assunto de cavalheiros e suas amantes. Mas isso não significa que sejamos cegas e surdas em relação ao que se passa. Eu comentei com o senhor a respeito do desaparecimento de mulheres em Londres, e o senhor fingiu não saber de nada. — Ela respirou profundamente antes de continuar. — Não sei quantas mulheres desapareceram, mas sei que três eram suas amantes, e que o senhor nada fez para descobrir o que aconteceu com elas.

Lavínia sentiu uma ponta de culpa, pois sabia muito bem que era responsável pelo sumiço de três mulheres, mas outras haviam desaparecido também, e o que ela dizia era verdade: acreditava que, de algum modo, homens do tipo de Ranson tinham sua parcela de culpa.

Ranson ficou imóvel na frente dela, tentando controlar a raiva. Se Lavínia fosse um homem, ele teria lhe esmurrado o rosto.

— Não tenho nada a ver com o desaparecimento dessas mulheres. Assim que terminar este importante compromisso, farei o possível para saber se estão bem.

— Suponho que esse compromisso seja mais importante do que a segurança da irmã de seu amigo.

— Não é!

— Então, por que vai viajar com sua amante para se divertir, quando a vida de Jéssica está em jogo?

Ambos estavam a ponto de perder o controle. Sem se conter, Ranson deu um passo à frente e segurou os braços de Lavínia. Não a sacudiu como gostaria, mas puxou-a para mais perto, sentindo o perfume dela inebriá-lo.

— É uma viagem que eu não posso adiar! — falou por entre os dentes.

— Não pode ou não quer? — ela desafiou, erguendo o queixo.

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— Não posso! Se eu pudesse, explicaria tudo a você, mas não posso. Ainda não. Precisa confiar em mim!

— Ah! Confiar em você? Esse é um conceito estranhíssimo para mim! Não consigo associar seu nome à palavra "confiança". É isso que você diz a todas as mulheres? "Precisa confiar em mim!" — imitou, com ar de deboche.

Um músculo pulsou no maxilar de Ranson quando ele olhou para o semblante irado de Lavínia. Deu um profundo suspiro.

— Um dia você vai ver que está enganada a meu respeito — profetizou.

— Talvez, mas será tarde demais para salvar Jéssica.

— Estou vendo que nada a fará mudar de opinião, não é?

— Não, mesmo!

— Espero que não pense o mesmo de Robert e Drew.

— Eles são meus amigos. E nunca tentaram me enganar.

— Tenho meus motivos!

— Não acredito! Você teve quatro amantes só nesta temporada. Tem boas relações com um dos homens mais mal reputados de Londres, já que frequenta as festas na casa dele. E vai para lá se divertir enquanto seus amigos estão se desdobrando em esforços para encontrar Jéssica! Precisa abandoná-los justamente agora? Não pode ficar com sua amante em Londres, para poder continuar ajudando seus amigos?

Ao ver o brilho nos olhos de Lavínia, Ranson refletiu que ela era a mulher mais linda que já vira. Era doloroso ter de mentir para ela, e ser acusado daquela maneira. Mas ainda não podia revelar seu segredo.

Contar a Robert já fora mais do que lhe seria permitido, mas as circunstâncias o forçaram a dar uma explicação ao amigo. No entanto, quanto mais pessoas soubessem, maior a chance de a informação chegar aos ouvidos de Hayley e de o plano ir por água abaixo. Não, ele não podia revelar a verdade a Lavínia, e sabia que, com isso, arriscava-se a perdê-la para sempre.

O pensamento o apavorou. Quando imaginou que talvez Lavínia nunca mais quisesse vê-lo, Ranson não se conteve. Puxou-a para si, inclinou-se sobre ela e a beijou, mais com fúria do que com paixão. A princípio, ela tentou se desvencilhar, mas acabou entreabrindo os lábios para receber os deles. Sentindo a pressão do corpo dela contra o seu, Ranson a abraçou com força, amoldando-a junto a si. Nunca um beijo fora tão doce e ao mesmo tempo tão doloroso... pois poderia ser o último.

— Isso não muda nada — murmurou Lavínia, com voz mais calma.

— Eu sei — concordou Ranson, no mesmo tom, e deu um passo para trás. — Ficarei fora uma semana, talvez mais, mas já combinei com Drew e Robert que vou me manter em contato. Não perdi o interesse em Jéssica, como você está pensando. Tente não me julgar precipitadamente até que eu possa me explicar.

— Pouco você poderá fazer numa casa no campo cheia de homens tolos e suas mulheres de reputação duvidosa! — retrucou Lavínia, cáustica, esquecendo-se por um momento de que eram justamente essas mulheres que ela se propusera ajudar.

Ranson não se deu o trabalho de responder.

— Não posso mais deixar os cavalos esperando — murmurou. — Tenha uma boa noite.

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Lavínia não disse nada. Ficou parada onde estava, até ouvir as vozes sumir e a porta da frente abrir e fechar. Um momento depois, o mordomo apareceu na porta da sala.

— Deseja alguma coisa, milady?

— Sim. Leve tudo isto daqui — ordenou, indicando os copos de refresco. — E me traga um chá bem quente. Fervendo, se possível.

Quando Ranson subiu na carruagem, Drew e Robert observaram sua expressão séria.

— Algum problema? — Drew perguntou.

Ranson se encostou no assento antes de responder:

— Ela me ouviu dizer que ia à festa na casa de Hayley.

— Meu Deus! — exclamou Robert.

— Que azar... — Drew lamentou. — E você conseguiu se explicar?

— Não. Ela ouviu perfeitamente quando eu disse que iria à festa, não tive como desmentir. É claro que está achando que sou um desalmado insensível. Mas ela não está com raiva de vocês, ao contrário, então, por favor, fiquem de olho para que ela não conte a ninguém o que escutou.

— Falaremos com ela mais tarde — ambos prometeram.

— Ela não sabe que estou envolvido numa missão. Pensa que vou à festa para me esbaldar.

— Não poderia ter contado? — Robert indagou.

— Confesso que fiquei tentado a fazer isso, mas não posso correr o risco de alertar Hayley. Quanto menos gente souber, melhor. Espero que ela me perdoe no dia em que eu puder explicar tudo.

— Bem, vamos torcer para que tudo acabe bem — disse Drew.

— Deus te ouça, meu amigo... Esta situação está ficando insustentável. Espero que hoje seja o início da derrota dele e da minha boa sorte...

Naquela noite, Lavínia chegou à lotada casa dos Henderson, acompanhada de sua tia Hope, depois de contar à boa senhora sobre o desaparecimento de Jéssica e dos esforços de Drew e Robert para encontrá-la.

A tia se animara para participar da investigação.

— Vou me sentar ali. — Hope apontou um lugar vago no salão.

— Nossa, como isto aqui está cheio! — Lavínia reclamou, olhando ao redor.

— Tanto melhor! Mais chance de observarmos sem sermos notadas, e mais chance de ouvirmos alguma informação útil. Vá dar uma volta e depois iremos para a casa dos Lawton.

— Está bem. Não estou achando graça nenhuma na vida de detetive.

Lavínia circulou pela festa até que sua cabeça começou a doer. Ia voltar para perto da tia quando avistou Drew e Robert entrando. Sabia que estavam procurando por ela e se aproximou, rezando para ouvir boas notícias.

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— Estou convencido de que Jéssica já está nas garras de Hayley — disse Robert, num tom de voz desesperado. — Segundo o que ouvimos dizer, Thomas se tornou bastante íntimo dele nos últimos tempos.

— Thomas é muito evasivo — ponderou Drew. — É difícil ter certeza.

— Pelo amor de Deus, não temos provas concretas, mas não preciso ouvir Hayley confessar para ter certeza! — Robert fazia um enorme esforço para se controlar. — Vamos nos concentrar na festa da casa de campo. Parece que a intenção dele é, depois da festa, despachar todas as mulheres que forem deixadas para trás. Temos de conseguir participar dessa festa!

— Não podemos ir sem convite, e para sermos convidados, precisamos estar acompanhados de uma mulher.

— E se pagássemos para alguém de dentro da casa para nos informar sobre a movimentação? — Robert sugeriu.

— Hayley só contrata pessoas de sua confiança — Drew objetou e calou-se ao ver Lavínia se aproximando. Estava muito pálida.

— O que eu ouvi... — ela balbuciou.

— Shh... — Robert lhe ofereceu o braço. — Vamos procurar um lugar mais discreto para conversar.

Saíram para a varanda e contornaram a casa até o jardim dos fundos.

— Lavínia, o que você escutou? — Robert quis saber.

— Hayley está com Jéssica? É verdade? — Ela olhou de um para o outro, esperando a resposta.

— Não sabemos ao certo — Drew apressou-se a dizer.

— Conte-me tudo! — ela insistiu. — Quero saber tudo sobre Hayley, as mulheres envolvidas e qual a relação delas com a festa.

Robert e Drew se entreolharam.

— Ela já ouviu demais. Temos de esclarecer tudo — eles concordaram.

Os três se sentaram num banco de pedra, e Drew e Robert explicaram a Lavínia sobre as suspeitas que recaíam sobre Hayley, as investigações e as conexões dos desaparecimentos com as festas. Repetiram que tinham descoberto que duas mulheres haviam desaparecido após acompanhar Thomas a um dos quartos dos estabelecimentos de Hayley. Temiam que ele tivesse vendido Jéssica com a intenção de ficar com a herança. Acrescentaram ainda que não o haviam localizado em parte alguma, e que àquela altura ele já devia estar na festa de Hayley.

Enquanto ouvia a história, Lavínia levou uma das mãos ao peito e com a outra tapou a boca, horrorizada e incrédula.

— E agora, o que vamos fazer? — sussurrou quando Robert terminou o relato, tendo cuidadosamente omitido o nome de Ranson.

— Precisamos descobrir com urgência se Jéssica está em poder de Hayley — respondeu Drew.

— Ranson está lá! — lembrou Lavínia, com o rosto em chamas. — Entre em contato com ele! Não importa se ele é um canalha, ele não se recusaria a ajudar Jéssica!

— Não posso falar com Ranson sem que alguém veja.

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— Pensarei em algo — disse Lavínia, pensativa.

— Não se preocupe. Nós dois cuidaremos disso — retrucou Robert.

— Como? Nenhum de vocês tem convite para a festa...

— Daremos um jeito — garantiu Drew. — Não permitirei que Hayley coloque as mãos em Jéssica.

— Prometa que nada fará até amanhã de manhã — pediu Lavínia. — Venham tomar o café da manhã comigo. Acho que tenho uma ideia.

— Qual? — quis saber Drew.

— Amanhã eu conto — prometeu ela, satisfeita. — Vão para casa e durmam bem, porque precisaremos de muita energia até Jéssica estar a salvo.

Lavínia se afastou em direção ao local do salão onde sua tia estava sentada. Cumprimentou as senhoras que estavam ali perto e, com a desculpa de uma súbita indisposição, se despediram.

No coche, Lavínia contou à tia o que estava acontecendo, e Hope lamentou que houvesse tamanha desumanidade no mundo. Foram se deitar rezando para que Jéssica não se tornasse mais uma dessas desafortunadas escravas.

— O desjejum está esplêndido! — Drew elogiou, tomando a segunda xícara de café.

— De fato — concordou Robert.

— E então, qual é o plano que tem em mente? — perguntou Drew, ansioso.

— Admito que não me ocorreu nada que pudesse dar certo — Robert confessou.

— Drew e eu iremos à festa de lorde Hayley! — Lavínia anunciou.

Drew engasgou com o café.

— O quê?!

— Calma! — Lavínia exortou. — Não correremos nenhum perigo.

— Hayley é sempre perigoso! — insistiu Drew.

— Não se nos disfarçarmos de um casal que quer apenas se divertir em sua festa de prazeres.

Ambos olharam para ela como se vissem duas cabeças num só pescoço.

— Por favor, prestem atenção! — ela implorou. — Há um vilarejo próximo à propriedade de lorde Hayley, com uma estalagem muito boa. Já dormimos uma noite lá, voltando de viagem. Drew, tia Hope e eu nos hospedaremos lá. Então, Drew e eu iremos fazer uma visita a lorde Hayley. Nunca o encontrei, portanto não serei reconhecida, se me vestir como uma delas. — Ela voltou-se para Drew. — Você dirá a Hayley que estava viajando quando se lembrou de sua famosa festa. Como sempre ouviu falar sobre o sucesso do lugar, decidiu conhecer. Anteciparemos que ficaremos hospedados na estalagem, mas que gostaríamos de frequentar a casa durante o dia e a noite.

— Que absurdo! É esse o seu plano? — Drew explodiu.

— Absurdo, por quê? Hayley não presta. Ele olhará para você como mais um para trapacear, se você se mostrar interessado no estabelecimento dele.

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— Pensando bem, acho que pode funcionar — Robert começou a concordar.

— Vocês perderam o juízo, só pode ser! Estou tão ansioso quanto vocês para resgatar Jéssica, mas esse plano é muito perigoso.

— Por quê?

— Porque sim. — Drew já podia imaginar a fúria de Ranson quando descobrisse que Lavínia estava se envolvendo na teia de Hayley.

— Se está dizendo isso por minha causa, fique tranquilo que sei o que estou fazendo — ela assegurou. — Como convidados, poderemos andar pela casa e investigar sem levantar suspeitas. Não temos muita escolha, ou alguém tem uma ideia melhor?

— Talvez você deva mesmo considerar que não temos outra saída — Robert aconselhou.

— Não e não! — Drew continuou negando.

— Pois bem, então irei sozinha — Lavínia teimou.

— Não! — Drew quase gritou, temendo a reação de Ranson quando a visse.

— Não preciso do seu consentimento, Drew, me desculpe — retrucou ela. — Vou para a estalagem com minha tia e me apresentarei a Hayley sozinha. Pelo pouco que sei dele, aceitará a minha presença na festa sem vacilar.

— Você ficou maluca! — Drew protestou. — Hayley pode lhe dar o mesmo destino das outras mulheres.

— Pelo menos, terei tentado salvar minha amiga.

— Não. — Ele balançou a cabeça com veemência. — Vamos pensar em outra coisa.

— O quê, então? Tem alguma ideia?

— Vou até Hayley e conto a mesma história que você sugeriu, mas sozinho. Sem você junto.

— Não vai adiantar! Pelo que eu soube, ele só convida para a festa homens acompanhados. Obviamente, para não ter de ficar de olho em algum espertinho. Mas ele não suspeita que uma garota cabeça de vento vá explorar os aposentos à procura de mulheres desaparecidas. Você socializa, enquanto eu fuço o lugar.

— Isso é perigoso demais — Drew resmungou, porém já sem a mesma convicção de antes.

— Drew, eu também estarei nas redondezas — Robert argumentou. — E ainda podemos contar com Ranson.

— Sua tia concorda com essa maluquice? — perguntou Drew.

— Ela me ajudou a pensar nos detalhes.

Drew fechou os olhos e balançou a cabeça.

— E seu pai?

— Minha tia vai conversar com ele hoje. Vai dizer que estarei em sua companhia até a final da temporada.

Drew suspirou.

— Está bem — concordou por fim. — Mas só vou porque sei que você irá com ou sem a minha ajuda.

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— Ótimo! — Lavínia respondeu. — Minha tia virá mais tarde conversar com meu pai e eu informarei quando poderemos partir. Robert, tome cuidado para que nenhum convidado de lorde Hayley descubra a sua identidade. Isso seria desastroso para o nosso plano.

— Chegarei primeiro na estalagem. Isso dificultará qualquer associação — Robert a tranquilizou.

— Esplêndido! — Lavínia aprovou. — Ficaremos em quartos distantes, e se alguém desconfiar, dirá ser mera coincidência.

— Só tem um detalhe — lembrou Drew.

— O quê? — perguntou Lavínia.

— Ranson estará lá, e se não for prevenido, poderá arruinar todo o plano.

— Usarei peruca, maquiagem e roupas que impossibilitarão qualquer um de me reconhecer.

— Impossível! Tem esperança de passar despercebida por Ranson? Não seja ingênua.

Lavínia sorriu.

— Deixe comigo.

— Só espero que nenhum de nós se arrependa desta loucura...

— Só nos arrependeremos se não fizermos nada. Jéssica está contando conosco —- Lavínia afirmou, convencida de que fazia a coisa certa.

Lavínia esperava a tia terminar de conversar com seu pai quando o mordomo anunciou a chegada do sr. Black.

— O senhor parece otimista! Alguma novidade sobre a srta. Norville?

— Sim. Mas não é o que espera ouvir.

Lavínia pensou que nenhuma notícia poderia ser pior do que a escravidão de mulheres.

— Talvez não, mas preciso saber para ajudá-la.

— Interroguei muitas pessoas e consegui uma testemunha que viu com quem a srta. Norville partiu.

O coração de Lavínia bateu mais forte?

— Com quem?

— Um tal de Thomas Cárter. Ele alugou um coche e partiram juntos.

Lavínia quase não podia se sustentar em pé. Tudo indicava que Thomas era o responsável pelo desaparecimento de Jéssica e de Janete!

— Também tenho testemunha de que os dois entraram na casa de lorde Hayley, mas que o sr. Cárter saiu da casa alguns minutos depois sozinho.

— Sua fonte é confiável?

Black recebera a informação de um oficial que investigava Hayley a pedido do Ministério do Interior, mas não podia revelar isso a Lavínia.

— Extremamente confiável, mas não posso revelar seu nome.

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— Entendo.

Agora Lavínia tinha certeza de que Jéssica não fora visitar amigos em York, mas sim que fora entregue às mãos de Hayley pelo próprio marido.

— Sua testemunha soube informar o que Hayley e Thomas fizeram no resto daquele dia?

— Hayley ficou em casa até a hora do jantar e depois foi para um dos seus estabelecimentos. Cárter se juntou a ele mais tarde e perdeu quase todo o seu dinheiro numa mesa de jogo.

Não havia dúvida de que o dinheiro que Thomas apostara era o pagamento recebido por Janete. Quanto ele teria cobrado pela própria esposa? O pensamento deixou Lavínia enojada.

— Bom trabalho, sr. Black. Se precisar de algo mais, eu aviso.

— Obrigado, milady.

Black saiu e Lavínia continuou imóvel, pensando na situação ultrajante e perigosa em que Jéssica e as outras mulheres se encontravam. A voz da tia interrompeu seus pensamentos:

— Nossa conversa foi um sucesso. Seu pai volta para o campo amanhã bem cedo. O que aconteceu? — Hope perguntou ao notar a expressão aflita de Lavínia.

— Tia Hope! Eu receio que o pior realmente tenha acontecido! Perdi minha amiga! — Aos prantos, ela relatou a conversa que acabara de ter com o sr. Black.

— Minha querida... Não perca a esperança! Hayley deve esperar até o final da festa para transportar as mulheres todas juntas até a costa. Isto seria o mais seguro a fazer.

— Faz parecer transporte de gado!

— Sei que é cruel, mas Hayley não tem escrúpulos. Temos de nos colocar no lugar dele se quisermos antecipar seus atos. Pense comigo... Essas mulheres significam dinheiro. Tenho certeza de que estão confinadas, mas não estão sendo judiadas. Mesmo porque, para os propósitos dele, isto não seria interessante.

— Não deixa de ser um consolo... — Lavínia suspirou.

— Apegue-se a essa esperança, porque precisamos de equilíbrio emocional para executar nosso plano — a tia a encorajou.

Lavínia enxugou as lágrimas e se empertigou.

— Estou pronta. Thomas e Hayley não escaparão impunes!

A estalagem continuava bem conservada, como Hope e Lavínia se lembravam. Uma grande sala de jantar com pé-direito duplo era separada do bar por um hall que se estendia até o centro da construção, que por sua vez dava na cozinha. Desse mesmo hall saía uma escada que levava aos quartos no andar superior. Havia uma ala nova com quartos maiores e muito aprazíveis. As camas confortáveis estavam cobertas com lençóis de linho branco. Uma cadeira colocada em frente à janela oferecia uma vista privilegiada do campo, além de duas poltronas dispostas perto da lareira.

— Vamos nos refrescar e descer para tomar chá — sugeriu Hope. — Acredito que Drew e Robert já estejam no bar. Certamente já nos viram entrar e será natural que se aproximem para conversar.

— Tem certeza de que já não foi espiã, titia? — brincou Lavínia.

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— Só em sonhos, minha querida — Hope respondeu, tirando o elegante chapéu de seda e organza.

Alguns minutos depois já estavam na sala de jantar tomando chá. E logo em seguida Drew e Robert se aproximaram, cada uma com uma caneca de cerveja na mão.

— Lady Fitzhugh, que surpresa agradável! — Robert exclamou. — Está a caminho da cidade?

— Estou indo visitar um velho amigo — respondeu ela, toda alegre. — A viagem não estava muito confortável e decidimos descansar por uns dias.

— Este lugar é muito agradável! — ele concordou.

— Sem dúvida. Lembra-se de minha sobrinha, lady Lavínia, não?

— Como poderia esquecer? — Ele galanteou, inclinando-se levemente. — Acredito que já conheçam Andrew, lorde Stanford.

— Sou amigo antigo de ambas — disse Drew, cumprimentando-as.

— Sentem-se para tomar chá conosco. Ou talvez queiram continuar com seus drinques, mas pelo menos, experimentem deste delicioso bolo salgado.

— Claro. — Drew puxou uma cadeira. — Boa companhia me faria muito bem.

— Não acredito que não estava se divertindo no bar até agora — provocou Lavínia.

— Não! — Robert respondeu.

Lavínia olhou ao redor da sala e viu apenas uma mesa ocupada.

— Precisamos começar a trabalhar imediatamente — avisou em tom baixo para Drew.

— Já começamos — respondeu ele, satisfeito consigo mesmo.

— Não fez nenhuma bobagem, fez?

— Fique tranquila — interveio Robert. — Drew só foi cavalgar perto da propriedade de Hayley e o visitou. Contou que estava hospedado aqui com uma amante, e ele se desculpou por não ter acomodações disponíveis na casa, mas convidou-o para a festa e para os jogos.

— Ótimo! Quando iremos?

— Você precisa se trocar — observou a tia.

— É verdade. Tinha me esquecido.

— Precisamos combinar o que vamos dizer a Ranson quando nos encontrarmos. Ele vai ficar furioso ao vê-la — Drew lembrou.

— Vou evitá-lo ao máximo. Mas se ele me reconhecer, diremos a verdade. Ele não manda em mim. Poderá continuar a aproveitar a festa e me ignorar completamente.

— Como se ele fosse fazer isso!

— Ele tem de respeitar minha vontade. Não permitirei que dirija a minha vida.

— Diga-lhe imediatamente que estou com você — aconselhou Hope. — Isso o acalmará. Agora vá se vestir. — Ela se voltou para Drew. — Tem uma escada no final do corredor que leva para a rua. Dê-nos uns minutos e a espere lá fora com um coche — orientou.

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Lavínia chegou ao final do corredor e hesitou por um momento, pensando na reação de Drew ao vê-la. Seu vestido era bem ousado. Além da maquiagem carregada, usava uma peruca loira com cachos. Um véu preto ajudava a esconder o rosto.

Ela respirou fundo, abriu a porta e saiu.

— Meu Deus! É você? — Drew se espantou.

Lavínia riu. A expressão dele indicava que seu disfarce estava muito bom.

— Sim. Que tal?

— Está perfeito! Irreconhecível!

— Vamos logo, enquanto estou com coragem.

— Você não precisa fazer isso, Lavínia, você sabe — lembrou Drew.

— Preciso, sim — ela insistiu, estendendo a mão para que ele a ajudasse a subir no coche.

— Há algo que preciso lhe contar — disse Drew, quando o coche partiu. — Não precisa se preocupar com Ranson no período da tarde. Ele está nas corridas de cavalos.

— Como sabe?

— Hayley mencionou que meu bom amigo Weston estava hospedado lá, e que iria assistir às corridas à tarde. Voltará somente na hora do jantar.

— E Stephanie?

— Não sei. Mas ela não saberia lhe dizer nada sobre Jéssica.

— Nunca tive de procurar ninguém antes. Precisarei apelar para minha intuição.

— Tenha cuidado! Use a intuição e a inteligência. Hayley e seus homens são violentos. Se ele desconfiar de alguma coisa, sua posição na sociedade não valerá muito.

Lavínia sentiu um calafrio.

— Farei o possível para convencê-lo de que sou mais uma das mulheres que costumam ir lá. Você deve lembrar a lorde Hayley que sou muito tímida. Diga o mesmo a Ranson — ela sugeriu.

— Ranson me conhece. Convencê-lo de que fui para a festa com uma amante será quase impossível. A única coisa que poderei dizer é que vim para ajudá-lo.

— Ele suspeitará de mim também.

— Direi que na última hora você foi o melhor que encontrei.

— Sinto uma espada em cima da minha cabeça...

— Bem, você insistiu em vir — Drew lembrou. — Estou fazendo o melhor que posso.

Lavínia pousou a mão sobre a dele.

— Sei disso e lhe sou muito grata. — Ela olhou para fora e acrescentou: — Preciso encontrar Jéssica, a qualquer custo.

A casa de campo de Hayley era completamente diferente do que Lavínia imaginara. A estrada era bem conservada, e um lindo gramado cercava ambos os lados. Um semicírculo de

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árvores rodeava um lago onde Lavínia pôde ver o brilho do sol refletido na água. Atravessaram uma ponte de pedra e chegaram a uma elegante e charmosa casa de tijolos aparentes.

Desceram do coche e antes que batessem com a brilhante aldrava de bronze, um mordomo abriu a porta. Logo atrás dele, estava Hayley.

— Stanford! Que bom que veio! E trouxe uma amiga!

— Sim, está é... Rose.

— Seja bem-vinda! Soube que é um pouco tímida, mas tenho certeza de que se sentirá à vontade aqui.

— Obrigada, milorde. — Lavínia manteve o rosto abaixado.

— Deixe-me mostrar a casa, para que conheçam as instalações e os hóspedes que estão aqui no momento. Se voltarem mais tarde para o jantar, haverá outros, que não estão aqui agora.

Lavínia ficou aliviada ao passar pelo primeiro teste. O véu e a cabeça inclinada foram atribuídos à sua timidez.

Ela e Drew seguiram Hayley, que mostrava as dependências da casa e os apresentava aos convidados. Depois disso, Drew acompanhou Hayley até a sala de jogos, e Lavínia se sentou na sala de visitas ao lado de Stephanie. Sentiu algo no peito que não soube definir ao ver que ela usava um vestido verde.

— Você está com lorde Stanford — ela disse antes que Lavínia pudesse falar. — Ele é um cavalheiro adorável.

— Conhece Drew?

— Ele é muito amigo de lorde Weston, que eu estou acompanhando.

— Ainda não conheço lorde Weston, mas Drew já falou dele. Ele está aqui hoje?

— Não. Foi às corridas. Se você vier para o jantar, irá conhecê-lo.

Como Stephanie estava sendo amável, Lavínia pensou que poderia descobrir algo mais com ela.

— É uma propriedade linda, não?

— Impressionante!

— Lorde Hayley nos mostrou um pouco da casa quando chegamos. Há muito mais para conhecer?

— Acho que você só conheceu o andar térreo. Há muitas suítes no andar superior e quartos para as camareiras logo abaixo do sótão.

— Sabe se há uma casa para os caseiros e os empregados?

— Não, mas também não procurei saber. Pode haver várias. Por que pergunta?

— Curiosidade. Acho interessante ver como algumas pessoas vivem no luxo enquanto outras mal conseguem sobreviver.

— Sei bem do que está falando! Eu estava numa situação desesperadora quando conheci lorde Weston.

Lavínia não resistiu.

— E ele a ajudou?

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— Oh, sim! — Stephanie concordou com os olhos brilhantes. — Se não fosse por ele, eu agora estaria vivendo na rua ou em situação muito pior.

Lavínia não podia acreditar no fato de Stephanie se sentir salva por Ranson e de se sentir tão grata.

— Presumo que tamanha generosidade tenha um preço — provocou.

— Nada que eu não concorde em fazer de boa vontade. Suponho que também se sinta assim em relação a lorde Stanford.

— De certa forma, sim. Mas ele está secretamente apaixonado por uma mulher chamada Jéssica Cárter. Já ouviu falar dela?

— Não, mas não estou na cidade há muito tempo. Ainda não conheço quase ninguém.

Lavínia estava decepcionada consigo mesma. Se Jéssica estivesse em cativeiro naquele lugar, não mencionariam o nome dela. Se quisesse progredir nas investigações, teria de ser mais realista.

— Gostaria de me acompanhar num passeio?

Stephanie pareceu feliz com o convite.

— Com todo o prazer. Estive sentada a manhã inteira, e uma caminhada me faria bem.

— Descobriu alguma coisa? — Drew perguntou quando voltavam para a estalagem.

— Nada! Preciso pensar em algo melhor.

— Passei a tarde toda com Hayley e também não vi nada de suspeito.

Lavínia ficou em silêncio por uns instantes, pensativa.

— Os criados! — exclamou, por fim. — Ninguém melhor que os criados para conseguirmos informações. Se as mulheres estão lá, devem ser alimentadas por algum deles! Sei que lorde Hayley tomou providências para manter tudo com muita discrição, mas acho que esse é um caminho. O que acha?

— Pode ser que esteja certa. Mas como obter qualquer informação deles? Não falarão conosco.

— Não esteja tão certo disso.

— O que pensa em fazer?

— Vou ver se consigo me aproximar da criadagem na hora das refeições e tentar descobrir se algum alimento segue para outro lugar diferente da sala de jantar.

— Não pode fazer isso hoje. Prometi a Hayley que jantaríamos com eles.

— Como vou passar despercebida por Ranson se vamos tomar drinques e aperitivos juntos antes do jantar? — Lavínia se preocupou.

— Podemos chegar um pouco atrasados para o jantar. E sentaremos longe de Ranson.

— Não é um plano muito bom — reclamou Lavínia.

— Não consigo pensar em nada melhor.

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— Faremos o melhor que pudermos. Sei que Ranson acabará me descobrindo. Espero encontrar Jéssica antes disso.

— Vá descansar um pouco. A noite será longa — Drew aconselhou.

— Eu jamais poderia fazer isto sem a sua ajuda — Lavínia agradeceu à tia.

— Bobagem. Claro que poderia. Quais são os planos para hoje à noite? — perguntou Hope, interessada.

— Não tenho um plano. Não poderei observar os empregados enquanto janto. Já estive no andar superior da casa e não encontrei nenhum lugar onde pudessem esconder as mulheres.

— Na verdade, não há nenhuma indicação de que elas estejam dentro da casa — observou Hope.

— Sim, eu sei. Era só uma esperança de descobrir alguma coisa.

— Não se sinta culpada por não descobrir nada ainda. Se Hayley está nessa atividade há um longo tempo, é porque é muito cuidadoso. Seja paciente e precavida. Ele é um homem perigoso.

— Não faria nada comigo na presença de outras pessoas.

— Se ele quiser se livrar de você, fará sem que ninguém desconfie.

— A senhora está me assustando.

— Exatamente. Precisa estar alerta para ganhar esse jogo, e não quero ter de dizer a seu pai que perdi você durante a viagem.

Hope abraçou Lavínia e depois a estudou, feliz com o resultado do disfarce.

Lavínia foi se olhar no espelho. O vestido lilás tinha um decote enorme, que ela tentou encobrir, puxando-o para cima.

— Não estrague o efeito — disse Hope, descobrindo novamente o decote.

— Não posso usar algo tão indecoroso — Lavínia protestou.

— Mas é justamente essa a ideia. Verá muitas mulheres com decotes ainda mais baixos.

— Já as vi no teatro, e sei que a senhora tem razão. Mas não me sinto nem um pouco à vontade com isto.

Lavínia se olhou novamente no espelho. A maquiagem estava ainda mais carregada do que a da tarde. Um véu fino preto lhe cobria o rosto até a altura do nariz.

— Certamente Ranson não me reconhecerá, se eu mantiver distância.

— Eu não teria tanta certeza. Ranson certamente falará com Drew e ficará curioso a respeito de sua amiga.

— Preciso combinar alguma coisa com Drew — disse ela, pegando o xale e as luvas.

— Boa sorte! — desejou Hope, abrindo a porta.

— Obrigada... Vou precisar!

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Lavínia e Drew chegaram à casa de Hayley quando os convidados estavam se sentando para o jantar. A sala de jantar tinha uma comprida mesa central com outras quatro menores espalhadas ao lado para acomodar todos os convidados. Pela qualidade das porcelanas, dos cristais e da prataria, Lavínia já podia antecipar o banquete que seria servido.

Como foram os últimos a chegar, sentaram-se a uma das mesas menores. Lavínia suspirou aliviada ao notar que Ranson e Stephanie acompanhavam Hayley na cabeceira da mesa principal.

Lavínia estava certa quanto à qualidade e quantidade do banquete servido. Na entrada foram servidas duas opções de sopa, de pato e de ostras. A seguir veio uma variedade de peixes, de aves, filé mignon, carne de veado e de porco grelhada, além de inúmeras saladas, acompanhamentos, vinhos e um sem-fim de sobremesas.

Assim que o jantar terminou, as mulheres foram se refrescar, enquanto os homens se reuniram para fumar e beber conhaque.

— Custou-me acreditar em Hayley quando me contou que você viria. O que o trouxe aqui?

— Achei que seria interessante.

— Este é um lugar interessante para um devasso, não para você — disse Ranson. — E você trouxe uma mulher com você! Não consegui reconhecê-la. Quem era?

— É Rose. É muito tímida, mas é boa companhia.

— Apresente-nos quando voltarmos à sala de visitas.

— Alguma novidade? — Drew perguntou.

Ranson deu uma olhada em volta.

— Podemos cavalgar pela manhã? Não acho prudente conversarmos aqui. — Sua voz soava urgente, mas falou baixo com um sorriso no rosto.

— Antes do desjejum?

— Sim. Todos ainda estarão na cama.

Ambos seguiram os outros homens de volta à sala de estar. Stephanie abraçou Ranson, sorrindo charmosamente.

— Milorde sentiu minha ausência?

Ranson abaixou e cochichou ao ouvido dela:

— Você está representando seu papel com excelência. Parabéns!

— Talvez eu deva seguir a carreira de atriz. — Ela sorriu.

Ranson indicou Drew.

— Olhe quem também veio à festa.

— Prazer em revê-lo, milorde.

— O prazer é meu. — Drew olhou ao redor. — Viu Rose?

— Sim. Ela estava com uma forte dor de cabeça e já voltou para a estalagem. Disse que enviará o coche de volta para buscá-lo mais tarde, mas gostaria que você aproveitasse a noite.

— Parece que Rose é muito compreensiva. Gostaria de tê-la conhecido hoje.

— Amanhã — Drew respondeu.

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Como ainda havia luz no quarto de Lavínia e da tia, Drew bateu à porta. As duas estavam sentadas em frente à lareira, e ele se juntou a elas.

— Descobriu algo? — Lavínia perguntou.

— Nada. Talvez amanhã cedo, quando Ranson e eu formos cavalgar.

— Contou a ele que está procurando por Jéssica?

— Não. Disse apenas que estava aqui para me divertir. Acha que devo contar que vim ajudá-lo?

— Sim. Ele suspeitará menos de Lavínia — Hope opinou.

— Amanhã vou observar os empregados — avisou Lavínia. — Há um gracioso jardim nos fundos da casa. Ficarei desenhando a paisagem e, com sorte, conseguirei ver se os empregados transitarem para dentro e para fora da casa. Drew, observe bem se há alguma outra construção dentro da propriedade, quando for cavalgar com Ranson.

— Farei isso — Drew prometeu, levantando-se. — Vou me deitar.

— Nós também. — Lavínia bocejou. — Boa-noite.

A manhã ensolarada, com cheiro de mato orvalhado e com o som do canto de pássaros, estava perfeita para uma cavalgada.

— É difícil imaginar Hayley neste ambiente depois de vê-lo todas as noites em salas escuras e enfumaçadas — Drew comentou.

— Foi aqui que ele cresceu — explicou Ranson.

— E então? Alguma novidade?

Ranson olhou ao redor. Estavam bem no meio, entre a casa e um aglomerado de árvores. Nada ameaçava a privacidade deles.

— Desculpe-me interrompê-lo ontem à noite, mas todo o cuidado é pouco.

— Sem problemas.

— Está difícil descobrir alguma coisa — explicou Ranson. — Hayley espalhou homens por toda a propriedade. Vi alguns celeiros, mas não consegui chegar perto o suficiente para saber se estavam ocupados. Há uma construção atrás do estábulo que me parece suspeita. Parece ser o lugar de onde se controla toda a operação.

— Como pretende descobrir?

— Não sei. Um homem sozinho não pode fazer muito.

— Conte comigo agora — Drew ofereceu.

— Obrigado. Não sei dizer o número de homens envolvidos na operação, mas sei que nós dois não seremos o suficiente. A melhor solução é informar ao Ministério do Interior onde suspeito que seja o lugar e esperar que mandem reforços para vasculhar a área em busca de alguma prova.

— E as mulheres? — Drew quis saber.

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— Isso é outra coisa que me preocupa — Ranson declarou, franzindo a testa. — Acredito que assim que a festa terminar, elas serão transportadas para a costa. Espero que os homens do Ministério do Interior cheguem a tempo.

— Espero que consigamos detê-lo, porque tenho quase certeza de que Jéssica está com ele.

Ranson o fitou, curioso.

— Soube de alguma coisa?

— Não, mas já temos certeza de que Jéssica não está com amigos em York.

— Que horrível! Essa é a verdadeira razão para estar aqui, não é? Acha que Jéssica está presa aqui?

— Sim. E Robert também veio.

— Droga! — Ranson praguejou. — Acha que Hayley não descobrirá?

— Não pude evitar. Ele viria de qualquer jeito, quer eu concordasse, quer não. Jéssica é irmã dele. O melhor que consegui foi mantê-lo esperando na estalagem.

— Sua história foi bem contada. Você é meu melhor amigo e não queria ficar de fora. Mas se Hayley souber que Robert está aqui, ficará alerta!

— Ele prometeu não sair da estalagem — Drew o tranquilizou.

— Espero que sim. Descobriu algo depois que saí de Londres? — Ranson perguntou.

Drew negou com um movimento de cabeça.

— Robert contratou um detetive, mas não descobrimos nada. Por isso, viemos para cá.

— Viu Lavínia antes de partir? — Ranson não resistiu a perguntar.

— Sim. Ela parece bem — Drew respondeu evasivo.

— Suponho que ainda esteja brava comigo.

— Se ela soubesse a verdade... — Drew começou.

— Não posso arriscar. Se ela disser a coisa errada para a pessoa errada, pode acabar nas garras de Hayley também. Temo por sua segurança. Graças a Deus, ela está a salvo em Londres.

— Algum plano? — Drew disfarçou, ansioso para mudar de assunto.

— Preciso verificar de perto as construções que vi. Na volta, vou pedir à cozinheira que prepare uma cesta de piquenique para mim e Stephanie. Ninguém suspeitará de um homem se embrenhando no bosque com sua amante.

— Boa sorte! — Drew desejou.

— Nos veremos mais tarde?

— Viremos para o jantar, com certeza. Talvez antes. Dependerá de... Rose.

— Quero muito conhecê-la.

— Não há nada entre nós. Ela está me fazendo um favor, para que eu pudesse entrar na festa — Drew explicou.

— Não me disse que...

— Não. Estava curioso para saber o que se passava aqui e vim juntar forças.

— Ela deve ser uma mulher excepcional.

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— Acho que irá admirá-la, se conhecê-la — disse Drew com um sorriso maroto.

— Duvido que tenhamos tempo para conversar aqui. Talvez quando voltarmos para Londres.

— Ouvi algo interessante ontem à noite — Drew contou. — Uma mulher sentada à nossa mesa mencionou Cárter. Disse que o acha muito charmoso e atraente, e queria saber por que ele não estava lá. Lorde Blevins... acho que é esse o nome do cavalheiro... disse que Thomas com certeza se atrasara e que chegaria mais tarde, pois nunca perde uma festa de Hayley, segundo ele.

— Então Thomas irá aparecer! — Ranson murmurou. — O que vai acontecer quando ele nos vir?

— Acho que não suspeitará de você. Ele não sabe que você conhece Jéssica. Mas sabe que Jéssica e eu fomos mais que amigos.

— Bom. Ele irá concentrar a atenção em você, e eu fico livre para investigar.

— Acho melhor voltarmos.

— Obrigado por vir. Sinto-me melhor com você aqui.

Drew meneou a cabeça e perguntou-se se Ranson lhe agradeceria quando descobrisse que Lavínia estava lá, disfarçada de Rose.

Suspeitava fortemente de que não.

Capítulo IV

A noite começava a cair quando Lavínia e Drew voltaram para a estalagem. Trocaram de roupa e já estavam de volta à casa de Hayley na hora do jantar.

— Nenhum de nós descobriu nada útil hoje — Lavínia reclamou.

— Sabíamos que não seria fácil.

— Sim, mas passo mal ao pensar que Jéssica corre perigo.

— Sei como se sente.

— Oh, Drew. Sinto muito! Você está tão preocupado quanto eu!

— Nós a encontraremos. Não desistirei até encontrá-la. Não posso deixar de me culpar por ter desistido dela tão facilmente — Drew desabafou.

Estavam na sala de estar quando Ranson e Stephanie entraram. Ela usava o estonteante colar de esmeraldas. Lavínia teve de controlar a raiva para não dizer a Ranson o que pensava de um homem que preferia se divertir com a amante em vez de continuar a procura pela irmã do amigo. Mas foi obrigada a deixar de lado os pensamentos de revolta, porque Ranson e Stephanie se encaminharam diretamente para onde eles estavam.

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— Acreditamos que todos se conhecem, menos nós — Ranson disse a Lavínia.

— Esta é Rose — Drew apresentou. — Rose, lorde Weston.

— Prazer em conhecê-la.

Lavínia manteve a cabeça baixa para que o véu cobrisse a maior parte de seu rosto.

— O prazer é meu, milorde — respondeu, quase desmaiando.

— Está em Londres há muito tempo? — Ranson se interessou.

— Não, milorde. Acabei de chegar.

Ranson ficou intrigado com o comportamento de Rose. A maioria das prostitutas que conhecia faria tudo para se exibir para ele, mesmo que estivessem acompanhadas. Achou qualquer coisa de familiar nela, mas não se lembrava de onde a teria conhecido. Sentaram-se distantes, mas ele a olhou intrigado durante grande parte do jantar, até que Hayley exigiu sua atenção para algum assunto, e Lavínia pôde respirar aliviada.

— Acho que Ranson suspeitou de algo — Lavínia murmurou, inclinando-se para Drew.

— Por quê?

— Ele não para de olhar para nós. Tinha esperança de poder despistá-lo por mais tempo.

— Fez o melhor que podia. Ranson é muito observador. É muito difícil enganá-lo.

— Vou evitá-lo ao máximo. Continue a dizer que sou muito tímida.

— Sabe que não funcionará para sempre.

— Depois pensarei em algo.

Pelo resto da noite, Ranson não teve chance de se aproximar de Lavínia novamente.

No dia seguinte, Lavínia foi até a porta da cozinha, abaixou-se e arrebentou a fita do sapato. Caso alguém a visse, teria a desculpa perfeita.

Escutou algumas conversas e reclamações dos empregados.

— Estou cansada de carregar isto todos os dias — disse uma ajudante de cozinha.

— Mais uns dias e não terá mais essa tarefa — confortou a cozinheira.

— Não sei por que alguém não pode cozinhar lá mesmo.

— Cuidado com o que diz! Lorde Hayley quer segredo absoluto. Se alguém vir fumaça saindo da chaminé, poderão começar a fazer perguntas — explicou o mordomo. — Pare de reclamar e morda sua língua, ou não viverá.

Fez-se silêncio, e logo em seguida a porta da cozinha se abriu.

— Deseja algo, senhorita? — o mordomo perguntou.

Lavínia mostrou o pedaço de fita.

— A fita do meu sapato arrebentou — disse ela.

— Oh... Espere na sala que enviarei uma camareira com uma nova.

— Muito obrigada! O senhor é muito gentil — ela agradeceu.

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Queria pular de alegria. Tinha descoberto as mulheres! Tudo o que precisava fazer era seguir um dos criados quando fossem lhes levar as refeições. Mas não podia se arriscar a ser vista novamente perto da cozinha. Seria melhor pegar seu material de desenho e observar o movimento do jardim.

Uma batida na porta anunciou que a camareira chegara, com uma fita nova.

— Tenho novidades! — Lavínia cochichou para Drew quando ele voltou da caça.

Drew a pegou pelo braço e a conduziu em direção à saída da casa.

— Cuidado, menina...

— Desculpe-me. Fiquei tão empolgada que me esqueci.

— Espero que tenha algo concreto.

— Concretíssimo! Eu as encontrei!

— O quê?

— Não as vi, mas sei que estão aqui e como localizá-las.

— Vamos admirar a vista lá fora. — Drew abriu a porta e caminharam pelo terraço. — Conte-me tudo!

Lavínia contou o que havia escutado de manhã.

— Elas devem estar aqui por perto — concluiu.

— Ainda precisamos descobrir o local exato — disse Drew, olhando ao redor.

— Elas comem depois que os convidados terminam de almoçar. Vou levar meu material de desenho para o jardim, para observar em que direção eles vão.

— Cuidado, Lavínia, não vá segui-los! Isso pode ser muito perigoso...

— Prometo que vou tomar cuidado! — Lavínia estava eufórica.

— Não vou almoçar — anunciou Ranson, atrás deles.

— Que susto! — exclamou Drew, enquanto Lavínia se virava, sobressaltada.

— Minhas desculpas, srta. Rose. Não tive intenção de assustá-los.

— Não tem importância — murmurou Lavínia, descendo um pouco mais o véu e posicionando a mão sobre a boca, a fim de abafar um pouco a voz.

— Ainda tenho a sensação de que já nos conhecemos. Tenho certeza de que logo me lembrarei — disse Ranson.

— Dizia que não vai almoçar? — Drew atraiu a atenção de Ranson para si.

— Sim. Tenho de achar Stephanie — explicou, e voltou para a sala de estar.

— Pensei que ele tinha nos descoberto — disse Lavínia, sem fôlego, levando a mão ao peito.

— Temos de tomar mais cuidado. Não podemos baixar a guarda nem por um segundo, se quisermos obter êxito.

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— Nós vamos conseguir. Então, lembre-se. Depois do almoço, dê uma desculpa qualquer para a minha ausência, está bem?

— Você está muito calado — disse Stephanie, quando se sentaram à mesa para o almoço.

— Estou intrigado com a amiga de Drew — explicou Ranson.

— Ela é muito simpática.

— Ela é muito calada. Mal abre a boca.

— Creio que ela é mais tímida com os homens.

— Ela me é familiar... Tenho a forte impressão de que a conheço de algum lugar, mas aquele véu que ela usa atrapalha, não consigo ver seu rosto direito.

Ranson olhou novamente na direção de onde Rose e Drew estavam sentados. Ela usava os talheres delicadamente e sorriu ao ouvir um comentário de Drew. Ranson congelou e deixou o garfo cair, chamando a atenção dos que estavam à sua volta na mesa.

— Mil perdões — murmurou, recuperando-se depressa. — Ainda estou atordoado com os tiros da caçada.

Após sorrisos de compreensão, todos retomaram a conversa, mas Ranson permaneceu estupefato com o que acabara de descobrir. O sorriso revelara algo mais do que familiar para ele, pois sonhava com aquilo todas as noites.

Ele só pensava em beijar aquelas covinhas nos cantos dos lábios de Lavínia. As mesmas covinhas que vira quando Rose sorrira alguns minutos atrás. Droga! Como não percebera antes? Drew nunca havia mantido segredo sobre mulheres. Tinha caído como um pato! Deveria ter previsto que Lavínia insistiria em fazer algo pela amiga. E isso significava que Robert e Drew estavam juntos com ela.

Ranson sentiu o chão fugir de baixo de seus pés. Não demoraria muito até Hayley perceber, e então todos correriam perigo.

Assim que o almoço terminou, Ranson vasculhou o salão à procura de Lavínia, mas não a viu em parte alguma. Correu atrás de Drew, que também deixava o salão.

— Onde ela está? — perguntou sem rodeios.

— Quem?

— Não se faça de tolo! Nos conhecemos há muito tempo para isto! Onde ela está?

Drew olhou ao redor para se certificar de que não estavam sendo observados.

— Você já sabe, não é?

— Não sei como demorei tanto para perceber. Mas o véu e a peruca disfarçaram bem.

— Bom disfarce — Drew concordou.

— Onde estava com a cabeça quando a trouxe aqui?

— Não pude evitar. Ela viria sozinha se eu não concordasse. Não tive escolha senão vir junto, para protegê-la.

— Posso imaginar — disse Ranson. — Devo lhe agradecer, então?

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— Não precisa. Lady Fitzhugh e Robert também estão na estalagem.

— Meu Deus! — Ranson balançou a cabeça. — Temos de tirar Lavínia daqui antes que seja descoberta.

— Não creio. O disfarce é perfeito, e ninguém aqui a conhece.

— Se Hayley imaginar que ela está espionando, ela estará perdida!

— Ela prometeu ter cuidado!

— E você confia nisso?

— Prefiro esperar que sim. Ela não sabe que você veio para cá para procurar Jéssica. Pensa que veio para se divertir.

— Como ela descobriu sobre Hayley?

— Ela escutou quando Robert e eu estávamos falando dos rumores sobre Hayley e as mulheres.

— Bem, temos de tirá-la daqui o mais rápido possível.

— Duvido de que ela concorde. Não sabe como ela é teimosa?

— Isto nós veremos. Onde ela está agora?

— Não faço ideia.

— Ajude-me a encontrá-la. Se a vir, traga-a para a sala de visitas e avise que não faça nenhum escândalo, ou todos estaremos fritos!

— Farei o possível — prometeu Drew.

Ranson começou a caminhar pelo jardim. A princípio, a única coisa à vista era um rebanho de ovelhas. Resolveu contornar a casa e procurar no jardim dos fundos. Como ele suspeitava, ela estava lá.

— Tem talento para desenhar, srta. Rose? — perguntou, ao vê-la com o material de desenho nas mãos.

Lavínia se assustou. Olhou rapidamente para ele e baixou os olhos para o papel.

— Só desenho para me distrair, milorde.

— Estou surpreso. A maioria das mulheres da sua profissão não tem interesse por desenho.

— Minha profissão, milorde? Sei que muitos não aceitam minha profissão, mas é melhor do que morrer de fome. Se homens como o senhor disponibilizassem mais oportunidades para as mulheres, provavelmente não estaria olhando para mim neste momento. Além do mais, parece ser um grande fã da minha profissão.

Lavínia sempre tivera a língua afiada. Ranson conteve um sorriso.

— Não tive intenção de desrespeitá-la. Conte-me como conheceu Drew.

— Eu o conheci uma noite dessas — ela respondeu evasiva.

— Não sei como não nos conhecemos, se vejo Drew todas as noites.

— Talvez ele saiba lhe responder. — Lavínia se inclinou ainda mais sobre o desenho, para esconder o rosto.

— Você é uma mulher muito atraente — elogiou Ranson, sentando-se ao lado dela.

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Lavínia se moveu no banco para mais longe, mas ele a seguiu.

— Milorde, está me apertando...

— Não tanto quanto eu gostaria.

De repente, Ranson a envolveu nos braços e aproximou o rosto do dela o suficiente para que sua respiração movesse um pouco o véu.

— Milorde! Faça o favor de me soltar...

— Não está em posição de fingir inocência — ele disse, apertando-a ainda mais forte.

— Mas lorde Stanford é seu melhor amigo — ela protestou.

— Exatamente. Drew não se importaria de compartilhá-la comigo.

Lavínia arfou, estarrecida.

— Certamente não acredita que...

— Por favor! Não finja que está chocada. Você deveria saber muito bem como nós homens somos. A não ser que seja nova na profissão. O que não me parece.

Ranson se levantou e a puxou com ele. Ela o empurrou com as mãos.

— Eu gosto de mulheres difíceis... Isso deixa a minha vitória ainda mais saborosa! — Ele baixou a cabeça e tocou com os lábios a parte mais sensível de sua orelha.

Ele se movimentava rápido, e Lavínia não tinha chance de se recompor. Tinha se preparado para enfrentá-lo, caso ele a descobrisse, mas jamais imaginara que ele tentaria seduzi-la.

Os lábios de Ranson continuavam explorando o rosto e o pescoço de Lavínia, até encontrar os dela. Por fim, incapaz de resistir à emoção que a consumia, Lavínia entregou-se ao beijo, trêmula.

— Vamos para o meu quarto — ele murmurou. — Stephanie e Drew estão jogando cartas, e nem perceberão.

As mãos dela rodearam seu pescoço e sua cabeça repousou zonza no peito dele.

— Você me deseja tanto quanto eu. Seu corpo anseia pelo meu. Posso sentir em cada curva. — Ele deslizou as mãos pelo corpo dela.

De repente, um frêmito de consciência a atingiu. O que estava fazendo?!, pensou, tentando empurrá-lo.

— Não! Pare! Não irei a parte alguma com você!

— Vai, sim... Se a deixa mais relaxada, posso avisar Drew quando estivermos indo para o quarto.

— O quê?! — ela gritou. — O que sugere não tem o menor cabimento!

— Por favor, Rose. Não precisa fingir inocência. Ambos sabemos o que você faz. Eu a admiro, e se Drew não se importa, não vejo por que adiar nosso prazer.

— Você é pior que um animal! — Lavínia esbravejou, lutando para se soltar.

— Seus protestos já começam a me incomodar.

— Então, deixe-me em paz e ache alguém que não o incomode!

— Todas já estão ocupadas. Viemos aqui para nos divertir. Quando a vi no jardim, soube que não podia perder esta oportunidade.

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— Pois perderá! Não desejo ficar a seu lado nem mais um segundo!

Um movimento atrás de Ranson chamou a atenção de Lavínia. Duas mulheres que trabalhavam na cozinha saíam de lá com as mãos cheias. Colocaram os pacotes num carrinho atrelado a um pônei e partiram.

Estavam levando comida para as mulheres!, pensou.

— Deixe-me ir! — exigiu.

— Por que deveria? Você certamente não tem nada melhor para fazer.

A carroça puxada pelo pônei desapareceu de vista, e a raiva tirou Lavínia do sério.

— Você acha que eu deveria me sentir lisonjeada com a sua oferta? Não sei por que se acha tão irresistível... Você é desprezível! Não me atrai nem um pouco!

— Achei que tivesse lhe causado uma excelente impressão!

— Excelente? Por que você acharia isso...

Finalmente, o sarcasmo da voz dele retiniu na mente de Lavínia. Teria ele descoberto sua identidade?

— Claro, milady — continuou Ranson, calmamente. — Nós valsamos juntos, cavalgamos e até nos beijamos, e você não se mostrou tão relutante como agora.

— Como descobriu? — ela perguntou, carrancuda, dando um safanão para soltar o braço da mão dele.

— Confesso que o disfarce é perfeito, mas essas suas lindas covinhas a traíram.

— E agora, o que vai fazer?

— Eu não vou fazer nada, mas você e Drew pedirão desculpas a Hayley e partirão com lady Fitzhugh e Robert para a cidade.

O sangue de Lavínia ferveu.

— Sinto muito que tenha me descoberto, milorde, mas isso não muda os meus planos. Você não tem nenhuma autoridade sobre mim.

— Suponho que seu pai concorde?

— Isso não é da sua conta.

— Então falarei com ele.

— Não acredito que queira interromper seu divertimento. Para começar, não o conhece e nem conseguiria localizá-lo antes que a festa termine.

Ranson sabia que ela tinha razão. Talvez um pouco da verdade pudesse persuadia-la a partir.

— Lady Lavínia — ele começou.

— Não acha que deve continuar a me chamar de Rose?

Ele fechou os olhos e rezou por mais paciência.

— Rose, este ambiente é muito perigoso para uma mulher.

— Não sou uma criança, milorde. Já sei que lorde Hayley está envolvido com tráfico de mulheres. Mas isso agrava ainda mais a situação de Jéssica. Temos apenas um ou dois dias até a festa acabar.

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Ranson concordava com a urgência da situação.

— Mesmo que você esteja certa e Jéssica esteja aqui, você não pode fazer mais nada.

— Sei que não posso lutar fisicamente com Hayley ou seus homens. Mas posso localizá-la e pedir ajuda.

— E se for pega antes que consiga pedir ajuda?

Lavínia levantou o queixo, determinada.

— Pelo menos terei certeza de que fiz tudo o que estava a meu alcance para salvar minha amiga.

Ela notou que a carroça puxada pelo pônei estava voltando. As criadas não haviam se demorado muito. As mulheres deviam estar em algum lugar ali perto. Poderia seguir o rastro da carroça assim que se livrasse de Ranson.

Ranson abaixou-se para pegar o desenho que havia caído no chão.

— Vamos. Vou acompanhá-la de volta até Drew.

— Não, obrigada, milorde. Vim para este canto para arejar minha mente e pretendo fazê-lo. Embora esta paisagem já não me atraia mais e eu receie ter de procurar outra.

Ranson não pode fazer nada senão observá-la caminhar na direção do bosque.

Lavínia fez um enorme esforço para não olhar para trás, para ter certeza de que Ranson não a estava seguindo com o olhar. Não importava, pensou. Ele jamais saberia que ela estava seguindo os rastros deixados pelo pônei em sua misteriosa jornada.

Por precaução, ela andava longe dos rastros, e parava fingindo desenhar algo, para observar se estava sendo seguida por alguém. Mas não havia vivalma à vista.

Até mesmo Ranson já não estava no jardim. Quando Lavínia entrou no bosque, parou de encenar e começou a seguir uma trilha de pegadas. Havia tantas árvores que a luz do sol não entrava naquela parte do bosque. Ela continuou pelo matagal e estremeceu devido à temperatura mais baixa do local, somada à escuridão. Pensou que se o mal existia, residia ali.

De repente, avistou uma choupana, e apressou-se a se esconder entre os arbustos. As trepadeiras que cobriam as paredes da casa indicavam que a construção era bem antiga. Ela duvidava de que, com tantos lugares bonitos na propriedade, alguém quisesse vir para aquela parte. Por isso, era o lugar perfeito para esconder as mulheres raptadas.

Estava cogitando de se aproximar mais para se certificar, quando a porta da casa se abriu e Lavínia quase se jogou de volta para dentro dos arbustos. Um homem robusto, armado com uma pistola, saiu e olhou ao redor. Duas mulheres saíram da choupana, seguidas por dois homens de pistolas em punho. Ela não reconheceu nenhuma das duas.

De seu posto de observação, ela reparou que a cada quinze ou vinte minutos, duas mulheres saíam da casa, andavam um pouco por ali, acompanhadas pelos homens armados, e depois voltavam para dentro, quando então outras duas saíam para tomar ar fresco.

Lavínia também não reconheceu a segunda dupla de mulheres, e tentou memorizar as feições delas caso precisasse desenhá-las no futuro. Ela viu os homens acompanhá-las de volta e esperar uma outra mulher, que saiu sozinha.

Prendeu a respiração. Era Jéssica! Estava magra e abatida, e Lavínia quis correr para abraçá-la, mas sabia que isso estava fora de cogitação. Assim que Jéssica voltou para dentro da casa, ela se afastou em silêncio. Estava tão feliz que mal conseguia raciocinar direito. Primeiro avisaria Robert. Como irmão, ele tinha o direito de decidir o melhor meio de resgatá-la.

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Encontrou Drew andando pelo gramado quando chegou perto da casa de Hayley.

— Você apareceu na hora certa — sussurrou, aproximando-se.

— Ranson me contou que viu você por aqui. Sinto muito que ele tenha descoberto. Não pude fazer nada.

— Não se culpe. Sinto-me sortuda por ele não ter me reconhecido na primeira vez. — Os olhos de Lavínia brilharam. — Temos de voltar à estalagem imediatamente. Diga a Hayley que preciso descansar antes do baile.

Drew notou o entusiasmo dela, mas não fez nenhuma pergunta. Desculpou-se com Hayley e chamou o coche.

— Alguma novidade? — perguntou, quando voltavam para a estalagem.

— Sim. Mas quero esperar até Robert e tia Hope estarem conosco para contar.

Não demorou muito para que todos estivessem reunidos no quarto de Hope.

— Vamos, menina, fale logo! — pediu a tia, ansiosa. — Diga logo o que descobriu!

— Eu vi Jéssica! — Lavínia declarou, radiante.

Um silêncio profundo seguiu-se àquela revelação. Robert colocou as mãos no rosto em desespero, e Hope cobriu a boca com o lenço. Apenas Drew permaneceu calmo.

— Ela está bem? — Robert finalmente conseguiu perguntar.

— Não parece estar ferida — respondeu Lavínia. — Está mais magra, mas eu a vi andando, e me pareceu normal, nem doente, nem machucada, nada disso.

Lavínia contou tudo o que vira, desde as criadas saindo da cozinha com as refeições.

— Precisamos resgatá-la imediatamente! — disse Robert.

— Calma! Precisamos de um plano — ponderou Drew.

— Por quê? Quando Hayley souber que já sabemos, não nos impedirá.

— Pelo contrário! Fará qualquer coisa para salvar sua pele! — Drew contestou. — Se não tomarmos cuidado poderemos todos morrer!

Nesse momento, ouviram uma batida na porta do quarto. Drew adiantou-se para abrir, e Ranson entrou.

— Imaginei que estivessem reunidos aqui — declarou, entrando e fechando a porta. — Robert e lady Fitzhugh... — Ele inclinou a cabeça, em cumprimento. — Já conversei com Drew, e fiquei surpreso ao saber que todos vieram participar desta investigação. É muito perigoso...

Incapaz de se conter, Robert deu um passo à frente.

— Lavínia encontrou Jéssica! — declarou.

— O quê? — Ranson olhou para Lavínia com as sobrancelhas erguidas. — Onde? Tem certeza de que era ela?

— Absoluta! — Lavínia contou novamente como encontrara a choupana.

— Aquele matagal não é nada convidativo! Ninguém vai até lá. E sem nenhuma fumaça, ninguém nem imaginaria que pudesse haver uma casa ali. Você já sabia disso quando conversamos?

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— Já tinha observado as criadas. Estava esperando para segui-las quando você me encontrou no jardim. Você quase estragou meus planos!

— Deveria ter me contado!

— Você nunca acreditou que eu fosse capaz de achá-la. Por que deveria confiar em você?

Ranson ignorou a pergunta porque não sabia o que responder.

— Precisamos ser cuidadosos. — Ele se voltou para Robert.

— Um deslize, e estaremos todos encrencados. Hayley não permitirá que existam testemunhas vivas de seus crimes.

— Precisamos resgatar Jéssica! — Robert insistiu.

— Faremos isso — Ranson concordou. — Mas esperaremos até amanhã.

— Pelo amor de Deus! Por quê? Não consigo suportar a ideia de Jéssica ser prisioneira nem mais um momento.

— Sei que é difícil para você, mas Hayley não machucará Jéssica. Precisamos de um plano para resgatar todas as mulheres sem que ninguém se machuque. Os homens que vigiam a casa estão fortemente armados e prontos para atirar. Precisamos continuar representando até amanhã. Isso significa que Lavínia e Drew devem ir ao baile de máscaras hoje à noite. Se Hayley suspeitar de alguma coisa, pode antecipar a saída das mulheres do esconderijo. — Ele se voltou para Robert e Drew. — Por favor, me acompanhem até a saída. Precisamos discutir um detalhe.

— Por que não discutem aqui no quarto? — sugeriu Lavínia. — Acho que já provei meu direito de participar do resgate de Jéssica.

— Certamente — Ranson concordou. — Mas o que tenho a dizer não se relaciona apenas a Jéssica, e não tenho permissão de compartilhar estas informações.

Quando os três homens chegaram ao andar de baixo, Ranson falou em tom baixo:

— Vou mandar uma mensagem ao Ministério do interior, contando o que descobrimos e pedindo cobertura. Combinarei um lugar para nos encontrarmos amanhã de manhã. Farei minha cavalgada rotineira e explicarei melhor nosso plano.

— E qual é? — quis saber Robert.

— Encontrei o lugar de onde Hayley comanda suas operações e alguns homens serão instruídos para cercarem o local. Outros entrarão na casa para garantir a segurança de todos lá dentro. O restante se esconderá no matagal onde as mulheres estão. Quando chegarmos, guiaremos os homens até elas. Lembre-se, se esta festa for igual às anteriores, muitos homens partirão deixando suas amantes para trás. Quero que todos esses homens sejam identificados. Também devem pagar pelos seus crimes. Informarei os detalhes hoje à noite — Ranson avisou a Drew.

— Espero que cheguemos a tempo! — Robert choramingou, inseguro.

— Se seguirmos com os planos, tudo dará certo. Sei que é difícil, mas seja paciente só mais esta noite. Têm alguma pergunta?

— E Stephanie? — lembrou Drew.

— Me certificarei de que esteja a salvo — Ranson respondeu quando chegaram ao local onde ele deixara seu cavalo. — Já estive fora tempo demais, tenho de voltar. Drew, nos veremos à noite. Robert, aguente até amanhã.

Ele montou e partiu.

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— Bem, ele se foi — disse Lavínia, afastando-se da janela. — Gostaria de saber o que ele está tramando.

— Confie que deve ser algo importante — disse Hope. — Nunca acreditei que Ranson tivesse vindo a esta festa para se divertir. Ele está fazendo algo mais.

— Será que um dia saberemos?

— Quando tudo isto acabar, possivelmente. Vamos preparar seu disfarce. Hoje será mais fácil porque poderá substituir o véu pela máscara.

— Que bom! Já estava cansada daquele véu! Nunca mais usarei um!

— No seu casamento usará.

— Esse dia pode nunca chegar — ela respondeu.

Quando Drew e Lavínia chegaram ao baile, Ranson se adiantou para cumprimentá-los.

— Está linda! — elogiou ele, admirando o vestido azul-turquesa e as pérolas que enfeitavam os cabelos escuros.

— Obrigada, milorde — ela agradeceu com uma leve reverência.

Lavínia olhou ao redor e ficou aliviada ao ver que as mulheres estavam muito mais ousadas e espalhafatosas do que ela.

— Tenho de admitir que esta é uma experiência única! — disse, abanando-se para esfriar a face enrubescida.

— Tenho certeza que sim. E espero que nunca se repita.

Um casal passou por eles, cumprimentando-os.

— Tem um bufê na sala de jantar — avisou Ranson. — E o salão de dança é contíguo à sala de estar. — Ele olhou para Lavínia. — Espero que me dê a honra de uma dança esta noite.

— Claro, milorde — disse ela, irritada por ele já saber que ela não poderia recusar.

— Tenho de voltar para perto de Stephanie. Do contrário, Hayley irá duvidar da seriedade de meu compromisso com ela.

Lavínia ficou contrariada com a raiva que sentiu ao ouvir Ranson mencionar Stephanie. Disse para si mesma que aquilo não tinha nenhum significado ou importância.

Ela dançou várias vezes com Drew durante a noite, desempenhando seu papel, antes de irem jantar. A mesa estava tentadora, com uma ampla variedade de pratos finos e vinhos.

Embora Drew tivesse feito um prato para ela, não tinha vontade de comer nada. Fingiu comer brincando com a comida de um lado para outro.

A noite passou tranquila e quando já estava quase na hora de partir, Ranson se aproximou, cobrando a dança prometida.

— Acho que ainda não dançamos — ele provocou, conduzindo-a ao salão.

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— Suponho que as mulheres desmaiem quando dançam com você — ela respondeu, sorrindo com ironia.

— A senhorita me magoa, srta. Rose. — Ranson a enlaçou pela cintura e iniciou os passos da valsa.

— Não tanto quanto eu gostaria, milorde. — Lavínia continuava mantendo o sorriso.

Ranson baixou o rosto, e ela pensou que ele a beijaria novamente.

— Tenho muito a lhe explicar quando tudo isto terminar — declarou ele, surpreendendo-a.

— Tem uma explicação?

— Acredite que sim — disse ele, se endireitando novamente. — Não podemos parecer muito íntimos, ou Drew terá de agir como um protetor enciumado.

— Não há razão para se preocupar. Não acho que ninguém acreditaria que ele contestaria qualquer atitude sua, sendo tão gentil como é.

— Ele tem uma excelente reputação entre todos — Ranson concordou. — Espero que quando tudo isto acabar, ele consiga encontrar a felicidade ao lado de lady Jéssica.

— Tenho esperança de que eles fiquem juntos algum dia.

— E você? Conheceu alguém interessante em sua estada em Londres?

— Ninguém em particular. Gosto de pessoas com ideias e pensamentos próprios. Alguém que não tenha medo de ousar viver como bem entende.

— Como nossa experiência na festa de lady Swearington? — perguntou Ranson, com um brilho malicioso nos olhos.

— Eu gostaria que parasse de trazer esse infeliz episódio à tona em todos os nossos encontros — ela disparou.

— Creio que esteja exagerando, milady. Possivelmente, sonha com o referido episódio todas as noites, e está se confundindo, achando que eu toco no assunto todas as vezes.

Lavínia sabia que ele a estava provocando, mas não conseguiu evitar que seu rosto ficasse vermelho.

— Não seja pretensioso! Nem me lembro que você existe.

— Mas eu sonho com você dia e noite — ele murmurou, com voz rouca.

Toda a animosidade de Lavínia desapareceu diante daquela inesperada confissão. Antes que conseguisse se recuperar, no entanto, a música acabou.

— A música parece mais curta quando tenho você nos braços — murmurou Ranson, quando os casais começaram a se dispersar no salão.

Ambos foram ao encontro de Stephanie e Drew, que conversavam, e se despediram.

— Parece que tudo correu bem — Drew comentou, no caminho de volta à estalagem. — Hayley já me convidou para as festividades da próxima temporada.

— Como se fosse haver uma próxima!

— Não achei conveniente comentar isso com ele.

Lavínia riu.

— Você tem um senso de humor único!

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O coche estava quase chegando quando ela falou novamente:

— Acha que amanhã tudo sairá conforme planejado?

— Acredito que sim. Ranson é muito bom nessas estratégias.

— Espero que tenha razão.

Lavínia mal conseguiu dormir naquela noite. Robert e Drew saíram assim que o sol nasceu, conforme haviam combinado. Lavínia e Hope ficaram na estalagem esperando por notícias da propriedade de Hayley.

A noite começava a cair quando uma nuvem de poeira anunciou a chegada de vários coches acompanhados por uma escolta. Lavínia e Hope chegaram ao alpendre da estalagem na mesma hora em que Robert abria o primeiro coche e Jéssica descia.

As mulheres se abraçaram, chorando.

— Eu estou bem — Jéssica tranquilizou a todos. — Presumo que Hayley tenha cuidado bem de nós para manter nossos preços em alta. Onde estão as outras?

— Não se preocupe com elas. Temos lugar para todas na estalagem. — Robert voltou-se para Lavínia. — Suponho que gostará de saber que Janete Norville está entre elas.

O sr. Black estava certo sobre Janete, Lavínia pensou. Ele merecia um bônus extra pelo seu trabalho.

— Quantas mulheres foram deixadas para trás desta vez?

— Encontramos quatro mulheres drogadas que ainda permaneciam em seus quartos. Estão sendo cuidadas até que se restabeleçam.

— Preciso falar com elas — avisou Lavínia.

— Nós duas precisamos — corrigiu Hope. — Se aceitarem nosso convite, arranjaremos um lugar para elas no Abrigo Hope amanhã mesmo.

— Abrigo Hope? — Robert franziu a testa.

— Eu explico mais tarde — Jéssica prometeu. — Agora, quero aproveitar minha liberdade.

— Há algo que precisa saber — Robert começou com voz solene. — É sobre Thomas.

Jéssica empalideceu e arregalou os olhos.

— Ele está aqui? — perguntou, estremecendo. — Não posso vê-lo! Não me force a voltar para ele.

Robert pegou as mãos da irmã.

— Por favor, Jéssica. Não precisa se preocupar com Thomas. Ele nunca mais irá incomodá-la. Ele chegou à propriedade de Hayley hoje pela manhã na hora em que a polícia o prendia. Trazia duas mulheres com ele, que obviamente pretendia vender. Quando ele viu o que estava acontecendo, desceu do coche e atacou um dos policiais.

Robert parou de falar, e Lavínia teve certeza de quais seriam suas próximas palavras.

— Sinto muito, Jéssica. Ele foi morto. Os policiais tentaram rendê-lo, mas ele não deixou. Lutou como um homem enlouquecido e machucou bastante dois policiais antes de... —A voz dele falhou.

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Jéssica fez silêncio enquanto ouvia o que acontecera com o marido.

— Não consigo chorar. — Ela engoliu em seco. — Talvez mais tarde, quando eu for capaz de entender o que aconteceu. Mas Thomas não era um marido afetuoso. Ele se casou comigo interessado no meu dinheiro e na posição da minha família, não por amor. Ele se tornou cruel e você viu o que fez comigo quando achou que eu não tinha mais utilidade. Vendeu-me como escrava para o homem mais inescrupuloso da Inglaterra. Não digo que estou feliz com a notícia de sua morte, mas estou aliviada.

Então, repentinamente, ela irrompeu em lágrimas. Os dias passados no cativeiro haviam minado toda a resistência emocional que lhe restava.

— É melhor subirmos com ela — disse Hope, colocando o braço em volta da cintura de Jéssica.

Robert olhou ansioso para Lavínia.

— Tia Hope cuidará dela. Ela já consolou muitas mulheres com suas palavras encorajadoras.

A expressão de Robert se suavizou.

— O plano de Ranson funcionou perfeitamente. Esteve no centro da batalha e não sofreu um arranhão.

Lavínia queria saber dele, mas não ousou perguntar. Sabia que se algo ruim tivesse lhe acontecido já teriam mencionado.

— E Drew? — perguntou. — Presumo que esteja bem.

— Ele está com Ranson. Os dois formam uma dupla excepcional. Quero morrer amigo deles. — Robert sorriu, esfregando a barba. — Tivemos alguns feridos entre os homens, mas nada muito sério. Hayley e seus homens foram levados para a cadeia em Londres sob uma grande escolta armada. Serão julgados por um tribunal e receberão o que merecem. Drew e Ranson voltaram para Londres para prestar depoimentos.

— Então, suponho que não haja mais o que fazer por aqui. Voltaremos para nossa rotina em Londres — disse Lavínia.

— Parece uma ideia maravilhosa! — Robert respondeu, sorridente. — Mas antes, vamos celebrar nossa vitória com uma merecida ceia.

— Será um prazer jantar em sua companhia, milorde.

Londres continuava a mesma. As mesmas pessoas frequentando as mesmas festas e bailes. As notícias sobre Hayley e suas atividades foram para os jornais, mas os detalhes da operação não foram publicados. O envolvimento de Lavínia e Jéssica no escândalo não se tornou público.

Ranson desaparecera da vista de Lavínia. Drew explicou que ele continuava ocupado com os relatórios sobre Hayley para o Ministério do Interior e, seguindo o exemplo de Robert, não mencionou maiores detalhes do envolvimento oficial de Ranson no caso Hayley. Lavínia tentava se convencer de que não se importava com a ausência dele. Ranson não a procurara, e ela também não o faria. Sua revanche estava quase por terminar e ficaria feliz quando isso acontecesse.

Dois dias depois, Ranson se apresentou na casa de Hope. Seu rosto estava solene quando parou diante de Lavínia na sala de estar.

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— Espero que não tenha sofrido muito com esta experiência. Já se recuperou?

— Estou muito bem, milorde. Parece que o senhor também saiu ileso.

— Tive mais sorte que alguns.

— Sente-se, por favor — ela disse, indicando uma poltrona.

O silêncio caiu entre eles, e Lavínia nada fez para quebrá-lo.

— Lady Lavínia... há rumores circulando sobre o caso Hayley.

— Claro que sim. Não me surpreende...

— Não. Mas penso que seu envolvimento pode vir à tona a qualquer momento.

— Não vejo como isso pode acontecer.

— Coisas inusitadas aconteceram. E ambos sabemos que isto poderia arruinar sua reputação.

— O quê? Porque ajudei a salvar a vida de minha amiga não serei bem-vinda nas festas da alta sociedade?

— Não. Porque a senhorita compareceu à festa de Hayley disfarçada de prostituta — ele disse sem rodeios.

— Minha tia Hope estava comigo, e Drew e Robert também. Foi uma estratégia. Não levarão isso em consideração?

— Esteja certa de que se souberem da história, ninguém levará isso em consideração! — Ele parou. — Mas há um jeito de se evitar. Eu vim aqui hoje para pedir que se case comigo. Sendo minha esposa, ninguém ousaria espalhar um rumor desse tipo.

Uma explosão de emoção inundou Lavínia. Por um momento, a felicidade dominou seu coração, mas não era felicidade que deveria estar sentindo. Ranson era um inimigo. Ele tinha insultado sua irmã e provocado sua partida da Inglaterra. O senso de dever e lealdade para com Barbara se sobrepôs à emoção.

— Você... você... Como pode achar que posso pensar em considerar casar com você? Você usa as mulheres, e eu jamais me colocaria na posição de sua esposa!

Ranson se levantou, irritado.

— Pode perguntar para quem quiser. Nunca maltratei uma mulher. E nunca usei nenhuma delas!

— Um homem não precisa traficar mulheres como Hayley para usá-las e maltratá-las. Seus meios são apenas mais sutis. Eu conheço sua insensibilidade pessoalmente.

— Não faço a menor ideia do que está falando. Por que tanta agressividade? — A expressão dele era de confusão.

— Devo entender que não se lembra de minha irmã?

— Não creio ter tido o prazer de conhecê-la.

— O nome dela é Barbara.

Ranson continuava com a expressão confusa.

— Não conheço ninguém com esse nome.

— Isto prova que minha irmã não significou nada para você. Foi mais um brinquedo na sua mão. Sei que deve ter conhecido muitas mulheres em sua vida, mas conheceu minha irmã quando

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ela debutou há quatro anos. Você a perseguiu até que ela se apaixonasse por você. Então, se desinteressou por ela, como por um lenço velho. A dor de sua rejeição a forçou a deixar o país e viver com nossa tia no exterior.

— Não pode ser! Se eu tivesse conhecido sua irmã, jamais a teria ofendido, de maneira nenhuma. Você deve estar me confundindo com outra pessoa.

— Não há nenhuma confusão, milorde. Ouvi com meus próprios ouvidos e tenho cartas relatando sua crueldade. Minha irmã foi mais uma que o senhor usou para alimentar seu ego.

— Então, sua irmã está enganada — insistiu ele, desesperado. — Tem minha permissão para perguntar para quem quiser como me comporto. Meu pai me ensinou a tratar as mulheres com respeito, e é o que sempre fiz. Não poderá encontrar ninguém que lhe diga algo diferente.

— Exceto minha irmã — rebateu, afiada. — Ou talvez suas amantes.

— Não sabe nada sobre minhas amantes! E isto não tem nada a ver com o que estamos conversando.

— Sei mais do que você pensa. Esqueceu que Stephanie e eu ficamos amigas na propriedade de lorde Hayley? Ela é uma pessoa adorável.

— Há algo que precisa saber, antes de conversarmos sobre Stephanie.

— Não consigo imaginar o que seria.

— Nunca fomos o que está pensando.

— O que quer dizer? — perguntou ela, franzindo a testa.

— Perdoe-me por falar francamente. Stephanie só fingia ser minha amante. Nunca existiu nada entre nós além de amizade.

Lavínia balançou a cabeça, descrente, e em seguida revirou os olhos e começou a rir baixinho.

— Milorde realmente pensa que eu sou uma menina tola e ingênua, para esperar que eu acredite nisso. Conheci Stephanie, ela tentaria qualquer homem. E as esmeraldas? Duvido que dê jóias tão caras para suas amigas. Como explica as esmeraldas?

Ranson estava trêmulo de raiva.

— Se não acredita em mim, não há razão para continuarmos esta conversa.

Lavínia se desapontou quando ele desistiu tão facilmente. Depois de tantos anos planejando sua vingança, esperava que ele reagisse mais. No entanto, conhecia uma maneira de irritá-lo, e talvez aquela fosse a última oportunidade que teria para fazer isso.

— Agora é minha vez de lhe contar algo, milorde.

— Não posso imaginar nada de interessante que tenha para me contar.

— Creio que teve três amantes antes de Stephanie.

— A senhorita andou dando ouvidos às fofocas — ele acusou.

— Tenho mais do que apenas fofocas para me apoiar — ela rebateu ferozmente. — Eu conheci as três!

Ranson estava em desespero.

— Não acredito!

— Mas eu conheci. Seus nomes eram Joylene, Lilly e Felicity — ela enumerou nos dedos.

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— Ouviu esses nomes nos rumores da sociedade — Ranson protestou.

— Eu poderia ter ouvido — ela concordou. — Mas não ouvi. Eu sei disso e de muito mais, da boca de cada uma delas. Fui eu que as convenci a abandoná-lo!

Ranson ficou boquiaberto. Não queria acreditar no que Lavínia dizia, mas ela estava sendo convincente demais. Sempre soubera que havia algo por trás do desaparecimento de suas amantes, mas por causa de Hayley, não tivera oportunidade de investigar.

— Por que fez isso? — indagou, fazendo um esforço supremo para não se descontrolar.

— Por vingança! — ela disparou. — Você tirou minha irmã de mim!

— Já disse que nunca fiz nada contra sua irmã!

— E eu não deixaria você sair ileso disto. Passei anos planejando minha vingança, e quando cheguei a Londres comecei minha campanha contra você.

Ranson não podia acreditar que a mesma mulher que estivera em seus braços tivesse planejado sua queda social.

— Como as encontrou?

— Não posso lhe dar os detalhes. Mas posso lhe assegurar de que as mulheres sempre dispõem de meios para se vingar. Consegui encontrá-las e oferecer um meio melhor e mais digno de viver... Uma vida respeitável, longe dos caprichos dos homens. Foi muito fácil convencê-las.

— Quer dizer que elas estão bem?

— Claro. Estou surpresa que tenha se dado o trabalho de perguntar.

— Lady Lavínia, o que quer que sua irmã tenha lhe dito, ou minhas amantes, ou as fofocas da sociedade, sempre estive muito preocupado com o destino destas mulheres. Estava pronto para procurá-las assim que terminassem os relatórios sobre Hayley. Estou aliviado em saber que cuidou bem delas. Ainda que com a intenção de me fazer de bobo.

— Espero que se sinta mesmo um bobo! — Lavínia despejou toda a raiva que guardara durante anos. — Espero que, mesmo com seu título e fortuna, nenhuma mulher do mundo aceite ser sua esposa, ou mesmo sua amante!

— Creio que irá demorar muito tempo até que eu deseje a companhia de uma ou de outra — retrucou Ranson, sarcástico. — Você percebe que se eu contar esta história nenhum homem jamais a pedirá em casamento?

Lavínia não tinha pensado nem por um minuto em sua reputação, mas não deixaria que ele percebesse.

— E seu pai? — ele continuou. — Com certeza, sabe tudo a respeito dos seus joguinhos. Seria divertido nós dois conversarmos a respeito das diversões de sua filha tomando um delicioso conhaque.

— Você não ousaria. Ele está muito doente! — Lavínia protestou.

— Um dia ele irá se recuperar. Não tenho pressa. Esperar só me dará mais tempo para antecipar o sabor deste desfecho.

Ranson ficou satisfeito com a expressão de terror que viu no rosto de Lavínia. Estava evidente que ela não tinha pensado um minuto além de sua vingança cega. Apenas numa ofensa imaginária que sua irmã teria sofrido, uma irmã que ele não conseguia se lembrar de ter conhecido.

Lavínia não acreditava na encrenca em que se metera.

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Seu pai a fecharia num quarto até que seus cabelos ficassem grisalhos, se soubesse daquela história. Bem, pelo menos, ninguém poderia lhe tirar a satisfação de ter feito diferença na vida de três mulheres e de ter se vingado de Ranson. Ela não permitiria que ele soubesse que a tinha intimidado.

— Faça o que quiser! — desafiou, tentando parecer despreocupada. — Agora já sabe que nem todas as mulheres são bobas para cair nas suas artimanhas.

— Você não tem ideia do que fez ao afastar minhas amantes.

— Ficarei feliz se me disser.

— Você fez mal. Suas ações poderiam ter colocado em risco a vida de Jéssica.

— O que quer dizer?

— Ah, então você não sabe de tudo? Pois descubra! Adeus! E realmente é um adeus! Se nos encontrarmos no futuro, perdoe-me, mas vou ignorá-la.

Ranson girou nos calcanhares e deixou a sala.

Alguns minutos depois, Hope entrou na sala e encontrou a sobrinha olhando para a porta.

— Ranson esteve aqui?

— Esteve.

— Parece que as coisas não correram bem.

— Não, considerando que ele se despediu e ameaçou me ignorar da próxima vez que nos encontrarmos.

— O que você fez, Lavínia?

— Contei que tinha roubado suas três amantes — ela resumiu.

— É melhor eu me sentar. — A tia suspirou. — Conte-me o que andou escondendo todo este tempo em Londres.

— Devo confessar que aconteceram muitas coisas — ela começou a contar.

Lavínia continuou um pouco deprimida por uns dias até que recebeu uma surpresa maravilhosa. Sua irmã, Barbara, bateu à porta de tia Hope. Depois de muitos abraços e lágrimas, Lavínia a levou para a sala de estar.

Barbara e Lavínia eram muito amigas desde a infância. Fora muito duro para Lavínia suportar a abrupta separação.

— Conte-me, o que faz aqui? Por que decidiu voltar? Conte-me tudo! — Lavínia pediu.

Barbara sorriu.

— Teremos muito tempo para conversar! Vim para uma visita longa. Para dizer a verdade, vim para morar na Inglaterra novamente.

— Barbara! Que notícia maravilhosa! Estou muito feliz! — Lavínia abraçou a irmã novamente e chorou de felicidade.

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— Virou uma chorona desde que parti? — Barbara perguntou, enxugando as lágrimas da irmã com um lenço. — Antes de vir para cá, passei para visitar papai e devo dizer que ele está se recuperando muito bem.

— Que bom ouvir isso! Sabia que o ar da cidade não estava lhe fazendo bem!

— Ele disse que voltará para cá em breve, mas insistiu que eu viesse na frente.

— Estou tão feliz! — Lavínia exclamou novamente, como uma criança que acabasse de ganhar um lindo presente surpresa.

— Tenho uma notícia estupenda! — Barbara começou com um sorriso que lhe iluminou o semblante. — Eu me casei!

Lavínia arregalou os olhos.

— Não brinque comigo! Com quem?

— Lorde Adam Thornton. Um homem maravilhoso, que também estava vivendo fora da Inglaterra. Foi amor à primeira vista! — Barbara declarou. — Desde o momento em que eu o vi, soube que estávamos destinados a ficar juntos. — Ela corou como uma adolescente.

Lavínia estava confusa.

— Mas quando partiu, jurou que nunca se casaria!

— Jurei? — Barbara perguntou, com uma expressão de estranheza. — Bem, esse sentimento não durou muito tempo, pois assim que Adam me pediu em casamento, eu aceitei sem hesitar.

— Não se lembra de ter me contado que lorde Weston não lhe deixou outra escolha a não ser deixar a Inglaterra, tamanha era a dor que sentia? Ele não insultou você?

— Oh, Lavínia, não... Você me entendeu mal!

— Não estou inventando isso! — Lavínia insistiu. — Você ameaçou se jogar de uma ponte se tivesse de encará-lo novamente! Depois disso, partiu para viver com tia Charity!

— E estou feliz por ter ido! Do contrário, não teria conhecido Adam. — Barbara ficou séria de repente. — Mas agora que você mencionou, estou me lembrando de lorde Weston. Eu era apenas uma adolescente na época, e ele era um homem encantador. — Barbara fechou os olhos tentando se lembrar do episódio. — Nos encontramos algumas vezes, dançamos e acho que fomos jantar uma vez. Ele era o partido predileto de todas as mães da cidade, mas conseguia escapar de todas!

— Incluindo você — Lavínia afirmou.

— Inclusive eu! — Barbara concordou, rindo. — Fui muito dramática na época, e tive uma reação exagerada quando ele não correspondeu à minha paixonite.

— Você me disse que desejava que ele sofresse tanto quanto você estava sofrendo! Na verdade, você disse que só voltaria à Inglaterra quando soubesse que ele tinha comido o pão que o diabo amassou!

— Nossa! Eu deveria estar nos palcos! Que dramática! Fico surpresa com minha reação infantil! Espero que não tenha me levado muito a sério!

— Claro que levei. Foi por causa dele que você foi embora!

— Oh, Lavínia! Eu nunca pretendi que você pensasse dessa forma! Eu suponho que o fato de ter me comportado como uma tola tenha influenciado minha decisão de partir. Mas essa não foi a razão principal. Eu sempre quis visitar tia Charity e aproveitei a oportunidade. Usei minha desilusão com lorde Weston como desculpa. Ele nunca se comportou mal comigo. Coincidentemente, na mesma época recebi o convite de tia Charity e resolvi ir.

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Lavínia não podia acreditar no que estava ouvindo. Passara os últimos anos planejando uma vingança sem sentido!

— Sinto muito, Lavínia. Nunca foi minha intenção deixar você pensar que lorde Weston era culpado por eu ter partido. Espero que isso não a tenha aborrecido além do necessário.

— Bem, admito que fiquei triste, algumas vezes. — Lavínia não podia permitir que a irmã descobrisse o que ela tinha feito. — Mas agora estou apenas feliz que tenha voltado!

As duas irmãs passaram o restante da tarde pondo os assuntos em dia. Lavínia tentava esquecer Ranson e o tratamento injusto que lhe dispensara. Em vão, pois não conseguia afastar o tremendo sentimento de culpa de sua mente e do seu coração.

Algumas semanas depois, Lavínia ainda remoia a dor da culpa. Nos dias que se seguiram, teve tempo para conversar melhor com Barbara sobre o que se passara. Entendeu que uma tendência melodramática típica de uma adolescente resultara num plano de roubar as amantes de Ranson para fazê-lo sofrer. Não importava que a juventude das duas estivesse por trás desse mal-entendido. Ela tinha sido injusta e cruel ao tentar destruir a reputação de Ranson. Tivera sorte que o desaparecimento de suas amantes se refletira negativamente apenas no meio meretrício, não afetando a reputação de Ranson no meio da sociedade londrina.

Depois disso, Lavínia voltou a frequentar as festas todas as noites, com a intenção de encontrar Ranson. Não sabia exatamente o que falaria para ele, mas tinha de pedir desculpas pelo que fizera. Mesmo que ele jamais a perdoasse, tinha de tentar. Não poderia seguir em frente com sua vida, sabendo que o julgamento severo que fizera dele fora baseado numa infantilidade.

Lavínia estava sentada na sala de estar, pensando em tudo o que acontecera desde que chegara a Londres, quando Jéssica chegou. Ela nunca tinha estado tão feliz.

— Ele me ama! — Jéssica gritou, antes mesmo de cumprimentar Lavínia. Pegou a mão dela e a arrastou pela sala, dançando.

Ambas riram até desabarem no sofá novamente.

— Imagino que esteja falando de Drew! — Lavínia disse quando recuperou o fôlego.

— Sim. Nunca pensei que ele fosse tão romântico! Ele me implorou para deixá-lo me compensar de toda a infelicidade desde o meu casamento. Como se fosse culpa dele que Thomas tenha se comportado tão mal!

— E porque ele ama você — disse Lavínia.

— Sim! — Jéssica concordou com uma expressão sonhadora. — Claro! Vamos esperar o tempo necessário para nos casar.

— Nem vai sentir o tempo passar! — Lavínia garantiu.

— Acho que não, mesmo!

— Use esse tempo para se recuperar do sofrimento que passou.

— Você tem razão. Quero me livrar de tudo o que se relacione com minha vida em comum com Thomas!

— Isto significa que tem muitas compras para fazer! Vamos esvaziar as lojas! — Lavínia celebrou.

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As duas riram novamente. A amizade das duas se fortalecera ainda mais depois do resgate de Jéssica.

— Se não fosse pelo seu empenho, não creio que teriam me encontrado! — Jéssica disse, séria.

— Não é verdade. Todos nós nos esforçamos muito!

— Você foi astuta e corajosa o suficiente para encontrar meu cativeiro antes que eu fosse vendida como escrava. — Ela estremeceu ao falar.

Lavínia segurou as mãos da amiga.

— Você certamente seria encontrada antes que isso acontecesse. Drew, Ranson e seu irmão também estavam determinados a achá-la. Nunca duvide disso.

Logo após o resgate, Jéssica passara alguns dias sem sair de casa, descansando. Lavínia a visitava todos os dias, e aproveitava essas ocasiões para contar sobre o confronto que tivera com Ranson e sobre o fato de ter descoberto que se enganara a respeito dele e Barbara. Contou também que tentava se encontrar com ele para pedir perdão.

— Já encontrou Ranson? — Jéssica perguntou.

— Não. Parece que ele sumiu do mapa! Não posso culpá-lo — disse, tristonha. — Acha que se ele souber que estou preparada para me humilhar perante ele pedindo perdão, ficaria mais disponível?

— Duvido que ele sequer imagine que você esteja à sua procura para pedir perdão, Lavínia. Olhe... Talvez você se sinta de forma diferente quando eu lhe contar o que descobri.

— Por que será que sinto que o que vai me contar não me vai fazer sentir melhor?

— Não vai mesmo. Mas você precisa saber, antes de encontrá-lo.

Lavínia se preparou para ouvir o pior.

— Vá em frente! Estou preparada.

— Antes de começar, quero que saiba que foi Drew quem contou, e eu confio nele completamente.

— Eu também.

— Também não deve revelar quem lhe contou, porque Drew irá me acusar de espalhar fofocas sobre seu melhor amigo.

— Prometo. Agora conte logo, antes que eu morra de ansiedade.

— Drew me contou que Ranson trabalhava para o Ministério do Interior atendendo a um pedido pessoal do príncipe regente na investigação de Hayley.

Lavínia emudeceu. Estava certa ao pressentir que a revelação de Jéssica iria multiplicar seu sentimento de culpa.

— Lorde Hayley estava sendo investigado já há algum tempo por inúmeros crimes.

— Além de sequestrar e traficar mulheres?

— Sim! Ele planejava roubos a casas, para furtar jóias e objetos de arte.

— Mas que homem sem caráter!

— E tem mais! Ele dirigia inúmeros negócios sem licença.

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— Evidentemente era um homem astuto uma vez que conseguia evitar ser pego por tanto tempo — Lavínia julgou.

— Era mesmo — Jéssica concordou. — Por isso, o Ministério do Interior precisava de alguém como Ranson para procurar por evidências incriminadoras. Eles lhe pediram que se infiltrasse nos círculos sociais de Hayley.

— Era por isso que Ranson passava tanto tempo nos estabelecimentos de Hayley, acompanhado de Stephanie — Lavínia concluiu em voz alta.

— Sim. Ranson tinha de conseguir a confiança de Hayley para receber um convite para suas festas.

— Sim — murmurou Lavínia, afundando em sua própria vergonha.

— Há muito mais. Thomas e outros homens vendiam mulheres a Hayley, mas alguns lhe entregavam as amantes de graça, apenas com o objetivo de se livrar delas depois de se cansar da companhia.

— Que crueldade! — Lavínia estava horrorizada. — E tudo o que Ranson fez foi para ajudar a pôr Hayley na cadeia...

— Exatamente. Tem notícias de suas amantes?

— Claro que sim. Mas fiz um bem a elas. Acho difícil pedir desculpas por isso, porque elas terão um futuro digno graças ao Abrigo Hope, mas suponho que deveria, não é?

— Drew disse que Ranson estava cansado de ter amantes. Mas precisava arranjar uma para acompanhá-lo e tornar mais verossímil seu disfarce perante Hayley.

— Oh, não! — Lavínia cobriu o rosto com as mãos.

— Sim. A festa se aproximava e ele não conseguia arranjar ninguém, por causa de todos aqueles boatos. As mulheres fugiam dele.

— Ah, se eu soubesse! — Lavínia lamentou.

— Ele não podia contar a ninguém. Confidenciou a Drew para que ele o ajudasse a encontrar alguém para ir à festa com ele. Quando Stephanie chegou à cidade, ele conseguiu convencê-la de que os rumores não tinham fundamento e ela concordou em ajudá-lo. Então começaram a campanha, até que Hayley finalmente o convidou para a festa.

— O resto eu sei — disse Lavínia. — Como pude ser tão cega? Minha interferência poderia ter custado sua vida!

— Não! Você ajudou a me salvar! — Jéssica insistiu.

— Se meu plano para afastar todas as amantes de Ranson tivesse dado certo, ele não estaria lá para ajudar a resgatá-la — Lavínia rebateu.

— Sem você, meu cativeiro jamais teria sido descoberto! Não quero ouvir mais nada a esse respeito — Jéssica declarou.

— Percebo que isso torna ainda mais urgente que eu o encontre e repare meu erro!

— Ele esteve durante algum tempo trabalhando nos escritórios do Ministério do Interior por conta de Hayley. Pelo menos, foi o que Drew me contou.

— Mas com certeza já acabou, não?

— Sim. Mas Drew disse que Ranson está muito deprimido e não tem vontade de socializar estes dias.

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— Não o culpo! Mas deve haver algum lugar aonde ele vai...

— Ele... vai... — Jéssica gaguejou.

— Você está escondendo algo de mim? — Lavínia acusou. — Nada pode ser pior do que você já me contou. Conte-me o resto.

— É que Ranson está muito amargurado com o que aconteceu entre vocês. Drew disse que ele passa o tempo jogando em um clube onde damas de família não entram, e ignora qualquer mulher que tente se aproximar.

Lavínia sentiu uma punhalada de ciúme ao imaginar Ranson rodeado de mulheres.

— E Stephanie?

— Não sei exatamente o que aconteceu com ela.

— Ah, não! Outro desaparecimento?

— Não! Parece que Stephanie enviuvou sem um tostão para pagar as contas. Não conseguia emprego e veio parar em Londres.

— Se eu soubesse disso, teria ajudado! — Lavínia lamentou novamente.

— Não se preocupe. Ranson não era amante dela. Ficaram amigos. Quando voltaram para Londres, Ranson a ajudou a começar uma vida nova. Mas Drew não me contou os detalhes.

— Se Drew falou, deve ser verdade — concluiu Lavínia.

— Você continua a não acreditar em Ranson?

— Não é que eu não confie nele. É que duvidei dele por tanto tempo... Mas preciso resolver isso logo, preciso me explicar!

— Você pode ter alguma dificuldade — Jéssica avisou. — Não posso falar por Ranson, mas pelo que Drew me contou, ele tinha mais que uma grande admiração por você.

— Você acha que ele pode me amar? — Lavínia perguntou, ansiosa.

— Não sei o que ele sente por você agora. Mas antes de você contar o que fez com ele, acho que ele a amava, sim.

E ela o descartara, pensou Lavínia, desamparada. Se pudesse voltar no tempo com o conhecimento que tinha agora... Mas isso era impossível. Precisava tentar encontrá-lo e talvez tivesse uma chance de conseguir seu perdão e, quem sabe, recomeçar. Mas não podia encher o coração de falsas esperanças. Tinha de se concentrar apenas no pedido de perdão.

Talvez fosse tarde demais, mas Lavínia percebia que, apesar de todos os sentimentos negativos que tinha contra Ranson, estava apaixonada. Isto era difícil de entender, mas era a verdade. Talvez, no seu inconsciente, ela tivesse percebido quão nobre ele era e permitido que seu amor por ele crescesse.

— Acha que Drew pode me ajudar a me encontrar com Ranson?

— Não sei se ele concordaria em se envolver nesse assunto.

— Eu só gostaria que me ajudasse a localizá-lo — Lavínia explicou.

— Eu o verei logo mais e perguntarei, mas não posso prometer nada.

— Peço apenas que tente — pediu Lavínia, já escolhendo quais palavras usaria quando o encontrasse.

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— Não acho que seja uma boa ideia — murmurou Drew.

— Você se preocupa demais — retrucou Lavínia, permitindo que ele a ajudasse a descer do coche.

Fazia alguns dias que as duas amigas tinham conversado, e Drew concordara em ajudar Lavínia após ter sido encorajado por Jéssica.

— Não quero um encontro formal — Lavínia insistiu. — Quero encontrá-lo desprevenido.

— Você quer é me ver ser queimado vivo, isso sim!

— Você sabe que Ranson não ficaria bravo com você por muito tempo. Preciso muito falar com ele. Você disse que ele está muito perturbado. Sei que posso ajudá-lo. Afinal, tenho culpa nisso.

— Será gentil? — Drew perguntou, preocupado com o coração partido do amigo.

— O mais que eu puder — ela prometeu.

Drew concordou e Lavínia decidiu que o encontro seria numa das casas de jogos que Ranson frequentava. Seria mais fácil do que arranjar um encontro formal.

Lavínia hesitou um pouco antes de descer do coche. Se tudo desse certo, dentro de poucos minutos estaria frente a frente com Ranson.

— Tem certeza de que é isso mesmo que quer? — Drew perguntou, dando a ela uma última chance de desistir.

Lavínia quase voltou para dentro do coche. Seu estômago revirou. Toda a confiança que sentia antes desapareceu. Mas não podia desistir agora. Tinha de enfrentar aquela situação, não importava o resultado. Se falhasse, pelo menos, saberia que tentara.

— Sim — respondeu, pegando o braço de Drew e caminhando até a casa de tijolos.

O lugar estava na penumbra e cheio de fumaça dos cigarros. Muitos homens jogavam assistidos por algumas poucas mulheres, que se insinuavam para eles.

Lavínia sempre tivera curiosidade de saber como seria um ambiente daqueles, mas dois segundos foram o suficiente para causar-lhe repulsa.

— Onde ele está? — ela perguntou a Drew.

— Dê uma olhada à sua volta. Tenho certeza de que ele está aqui.

— Acho que o vi! — Lavínia sentiu o ar lhe faltar, e abriu o leque para esconder o rosto. — Ali, naquele canto.

— Tem olhos melhores que os meus — disse Drew.

— Ficarei esperando aqui na porta. Apenas peça que ele venha até aqui. Eu farei o resto.

— Não tenho certeza se é a coisa certa a fazer — Drew duvidou.

— Não deixarei que ele o culpe por nada — ela assegurou.

— Não saia daí e não fale com ninguém — Drew advertiu antes de se afastar.

Alguns minutos depois, Lavínia viu Drew se aproximando de Ranson. Os dois conversaram, e Ranson olhou em sua direção. Ela se escondeu atrás do leque.

— Não esperava vê-lo aqui hoje — disse Ranson, quando Drew apareceu a seu lado.

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— Trouxe uma pessoa para vê-lo.

— Que droga, Drew! Sabe que não estou com a menor vontade de socializar. Por isso mesmo, venho para cá. Ninguém tentará conversar comigo e nem preciso ser cortês se não quiser.

— Mas acho que você pode gostar desta surpresa.

— Não consigo imaginar nenhuma pessoa que eu gostaria de ver. Volte e diga que estou ocupado.

— Não posso fazer isso. Ela está esperando à porta.

— Ela?

Ranson olhou para a porta e viu uma mulher em pé. Por causa da penumbra, só pôde notar que ela tinha cabelos escuros e que usava o leque para esconder o rosto. Não conseguia nem mesmo identificar a cor do vestido.

— Não me trouxe uma nova candidata a amante, trouxe? Você, mais que qualquer outra pessoa, sabe que estou farto de mulheres.

— Faça-me um favor. Pelo menos vá até lá e diga "olá". É tudo o que peço.

Ranson franziu a testa.

— Se não fosse você... — Ranson começou. — Está bem, está bem! — Ele respirou fundo, endireitou os ombros como se fosse para uma batalha e foi na direção de Lavínia.

Oh, meu Deus! O que eu fiz?, Drew perguntou-se, preocupado.

Lavínia viu Ranson se aproximando e teve vontade de correr. Entretanto, reuniu toda a sua coragem e esperou.

Ao chegar mais perto, Ranson notou que a mulher usava uma máscara que encobria a parte superior de seu rosto e um leque se encarregava de cobrir o resto. O vestido era azul-marinho, com um pouco de brilho que combinava com a máscara. Não reconheceu que era a mesma máscara que Lavínia usara no baile.

— Senhora! — Ele fez uma reverência. — Meu amigo me informou que gostaria de falar comigo.

— Não aqui — ela retrucou. Pegou no braço dele, mas Ranson não se moveu.

— Vim até aqui por cortesia — falou friamente. — Se não pode dizer o que quer aqui, então não temos nada para conversar.

Algumas pessoas à volta deles começaram a encará-los e Lavínia ficou nervosa.

— Gostaria apenas de alguns minutos de seu tempo — falou, abaixando lentamente o leque e lhe dando um sorriso fatal. Mesmo com a pouca luz, Lavínia pôde ver que ele empalideceu.

— O que está fazendo aqui?! — sussurrou, por entre os dentes.

— Vim vê-lo. Você não aparece em nenhum evento da sociedade, então fui forçada a vir até aqui.

— Pensei ter deixado claro na última vez que nos vimos que não queria vê-la nunca mais.

— Se não quiser fazer um escândalo, por favor, me acompanhe até lá fora. Estou pedindo apenas alguns minutos, depois pode voltar.

Ranson percebeu que Lavínia não sairia dali a não ser que ele a acompanhasse. Pegou seu braço e a empurrou porta afora sem dizer uma palavra.

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— Diga o que tem a dizer! — ordenou, do lado de fora da porta.

Lavínia respirou fundo antes de começar. Sabia que precisava de paciência e, principalmente, de humildade, naquele momento, se quisesse dar uma chance a si mesma de ter seu destino mudado.

— Milorde, eu descobri que lhe devo um pedido de perdão.

Ranson abafou um resmungo e começou a se afastar, mas Lavínia o alcançou e colocou-se na frente dele, segurando-lhe os braços.

— Por favor, me permita terminar o que comecei! — implorou. — Eu interpretei mal as palavras de minha irmã quando ela me falou de você.

Lavínia explicou o que acontecera e o quanto ela sofrera com a ausência da irmã, e como fora levada a acreditar que o motivo da viagem de Barbara fosse culpa dele.

— Estou feliz que finalmente soube a verdade. — Sua voz soava apenas um pouco mais gentil. — Se isso é tudo, deixe-me voltar ao meu jogo.

— Ainda não é tudo — Lavínia disse, encorajada por ele ainda não ter se afastado.

— O que mais?

— Soube que estava trabalhando para o Ministério do Interior na investigação de Hayley e que não podia falar sobre isso. Se eu soubesse, não teria feito um julgamento tão severo sobre você. Estava completamente enganada a seu respeito e sinto muito por isso. Agora sei que estava na festa de lorde Hayley para encontrar provas contra ele e acabar com suas atividades criminosas e eu agradeço por nos ajudar a libertar Jéssica.

— Não preciso de agradecimento por libertar uma amiga — falou Ranson, suavemente.

— Mas eu gostaria de agradecer, assim mesmo — ela insistiu. — E há algo mais.

Ranson suspirou, impaciente, mas Lavínia fingiu não notar.

— E sobre suas amantes — apressou-se a dizer, antes que a coragem desaparecesse. — Acredito que estava mesmo preocupado com elas e tenho a obrigação de lhe informar sobre o paradeiro delas. — Ela explicou sobre o Abrigo Hope e como as mulheres que queriam largar aquela profissão poderiam recomeçar a vida. — Não contei antes porque a existência do Abrigo Hope é sigilosa.

Ranson não pareceu surpreso com a informação, e Lavínia imaginou se Jéssica já teria lhe contado.

— Agora é minha vez de revelar algo para você. Agora sabe que eu dizia a verdade quando afirmava que Stephanie era apenas uma amiga. Só fingia ser minha amante.

— Sim, eu sei. Nunca tive nada contra ela. Eu gostei de sua companhia na festa e a achei uma mulher muito inteligente. Apesar do que aconteceu com ela, gostaria muito de tê-la ajudado quando tudo acabou. Entretanto, soube que você a ajudou. Só não sei como.

— Eu não a sequestrei, se é o que está imaginando.

— Oh, não, milorde! Não pensei isso — ela se apressou a negar. — Apenas espero que ela esteja bem.

— Se tem tanto interesse no bem-estar de Stephanie, pode visitá-la no Abrigo Hope. Drew me passou o contato e ela está morando lá até que esteja pronta para regressar à sociedade novamente.

— Ela está no Abrigo Hope?

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— Está — Ranson confirmou, pela primeira vez sorrindo. — Eu ainda a ajudarei em tudo o mais que ela precisar. Foi muito valiosa na minha investigação e eu lhe devo muito. Principalmente, porque foi a única que confiou em mim após ter perdido minhas três amantes anteriores.

— Já pedi desculpas por isso. Gostaria de não ter vindo a Londres nesta temporada, pois nada disso teria acontecido — falou com um gemido.

Tinha vencido o obstáculo de se humilhar perante Ranson ao pedir perdão. Porém, percebera que a frieza e indiferença dele em relação a ela era o que mais a incomodava. Uma dor que teria de aprender a conviver pelo resto da vida.

Ranson pensou que se endurecesse seu coração, não sentiria nada por Lavínia quando a reencontrasse. Entretanto, percebia que não tinha tido sucesso. O amor ainda estava ali. Intenso, quente, correndo por todas as veias de seu corpo e implorando por perdão. Não podia deixá-la culpar-se por tudo o que acontecera. Afinal, ele também havia falhado não sendo totalmente transparente com ela.

— Não seja tão dura consiga mesma, milady. Talvez nunca achássemos Jéssica sem a sua ajuda.

— Você realmente pensa assim? — Lavínia perguntou com lágrimas nos olhos.

— Sim. E você está fazendo um excelente trabalho no Abrigo Hope — ele elogiou.

— Obrigada, milorde.

— Mas vou lhe dizer uma coisa... Você é perigosa e uma ameaça aos homens. Precisa de alguém que cuide de você.

Lavínia ficou sem palavras por um momento. Achava que estava indo bem até que ele fez esse comentário.

— E você precisa de alguém que mantenha as mulheres longe de você — revidou.

Eles se encararam por um momento no escuro. De repente, se atiraram nos braços um do outro e se beijaram até perder o fôlego.

— Só há um modo de evitar que eu tenha mais amantes — murmurou Ranson em seu ouvido. — Case-se comigo.

Lavínia não acreditava quão rápido seu futuro estava mudando. Nunca pensara que ele pudesse pedi-la em casamento de novo e não pretendia cometer o mesmo erro outra vez.

— Aceito, milorde, mas apenas para salvar as outras mulheres de terem o coração partido.

Ranson riu, e ela sentiu um arrepio lhe percorrer o corpo quando seus lábios se encontraram novamente. Lágrimas desceram dos olhos de ambos, misturando-se no sabor do beijo doce e arrebatador que compartilhavam num momento de puro êxtase.

— Tenho mais uma coisa para lhe pedir, milorde.

— Tem mesmo que falar num momento com este? — Ranson perguntou, traçando uma linha de beijos no pescoço dela.

— Eu devo — Lavínia insistiu. — Embora eu não seja uma mulher ciumenta, prometa-me que nunca me dará esmeraldas.

Ranson parou por um momento e então riu. Quando consegui se controlar disse:

— Só se você prometer nunca mais usar um traje de montaria verde.

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— Temos um acordo — Lavínia concordou jubilosa. — Acho que devemos nos casar o mais breve possível.

— Concordo plenamente.

E selaram a decisão com um longo beijo.

Fim

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