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© 2019 Todos os direitos desta edição são reservados à Sociedade Brasileira de Genética. Comissão Editorial Sociedade Brasileira de Genética Carlos Frederico Martins Menck Universidade de São Paulo Louis Bernard Klaczko Universidade Estadual de Campinas Márcio de Castro Silva-Filho Universidade de São Paulo Maria Cátira Bortolini Universidade Federal do Rio Grande do Sul Marcelo dos Santos Guerra Filho Universidade Federal de Pernambuco Pedro Manoel Galetti Junior Universidade Federal de São Carlos

Refutando as pseudobiociências: as ciladas do design inteligente e do criacionismo “científico” / Sávio Torres de Farias (autor). – Ribeirão Preto: Sociedade Brasileira de Genética, 2019. 53 p. ISBN 978-85-89265-31-7 1. Evolução. 2. Pseudociência. 3. Criacionismo científico. I. de Farias, Sávio Torres, org.

Rua Cap. Adelmio Norberto da Silva, 736 14025-670 - Ribeirão Preto - SP

16 3621-8540 | 16 3621-3552

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SOBRE O AUTOR

Nascido na Paraíba, em 1979, Sávio Torres de Farias cursou Ciências Biológicas e mestrado

em Genética pela Universidade Federal da Paraíba. Defendeu seu doutorado também em

Genética na Universidade Federal de Minas Gerais (2006), onde estudou a evolução do código

genético. Atualmente é professor associado na Universidade Federal da Paraíba. Coordena o

Laboratório de Genética Evolutiva Paulo Leminsk e é pesquisador visitante da Universidade

Nacional Autônoma do México. Vem desenvolvendo pesquisas sobre evolução molecular, tendo

como linha de pesquisa a origem e evolução dos sistemas biológicos.

REVISORES TÉCNICOS

Francisco Prosdocimi

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Sérgio Russo Matioli

Universidade de São Paulo

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pseudociência

pseu·do·ci·ên·ci·a

sf

Conjunto de ideias ou teorias sobre a realidade, de aparência científica, porém

sem cunho e métodos realmente científicos; falsa ciência, pretensa ciência,

pseudosofia.

Dicionário Michaelis

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SUMÁRIO

Agradecimentos 06

Prefácio 07

Introdução 10

1. Primeiro período 13

1.1. Conhecendo o organograma 13

1.2. Optativa 1 - O que é e como funciona a ciência? 16

2. Período 19

2.1. Disciplina 1 – Terra Jovem 19

2.1.1 Uma jovem adolescente ou uma senhora de idade? 19

2.2. Disciplina 2 – O Registro fóssil 21

2.2.1. Uma viagem no tempo! 21

3. Período 23

3.1. Disciplina 3 – Mutações só causam danos e não geram complexidade 23

3.1.1 Um zoom em mutações e no funcionamento da informação biológica 24

3.1.2 Mutações são sempre prejudiciais e não geram complexidade? 26

4. Período 30

4.1. Disciplina 4 – A origem da vida e a falta de explicação de como uma sopa primordial

poderia surgir no ambiente hostil 30

4.1.1. Os argumentos anticientíficos dos defensores do design inteligente 31

5. Período 34

5.1. Disciplina 5 - Os biólogos não conseguem construir a árvore da vida 34

5.1.1. Árvores, genes e morfologia 35

5.1.2. Genes diferentes geram árvores diferentes 36

6. Período 38

6.1 Disciplina 6 – A complexidade irredutível 38

6.1.1. A complexidade do olho 38

6.1.2. O flagelo bacteriano, um lindo motor darwiniano 41

7. Período 43

7.1. Trabalho de conclusão de curso – A criação especial do Homem 43

7.1.1. O número de cromossomos humanos nega uma ancestralidade comum com chimpanzés? 43

7.1.2. O genoma humano: Um contingente informacional do processo evolutivo 45

7.1.3. A grande miscigenação pré-histórica 46

Epílogo 47

A colação de grau 47

A falta de evidência não é evidência! 48

Referências consultadas 49

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Agradecimentos

Agradecimentos, em geral, são traiçoeiros e inevitavelmente caímos em

esquecimentos. Nesta jornada, vou buscar lembrar pessoas chaves que me conduziram

pelos árduos e prazerosos caminhos da vida acadêmica, seja diretamente, seja

indiretamente. É inevitável iniciar meus agradecimentos aos meus pais, primeiro por

todo o esforço que sempre fizeram para que eu tivesse uma boa educação, segundo

por sempre me apoiarem nos caminhos que fui trilhando e terceiro simplesmente por

serem meus pais. Meus irmãos merecem também um lugar aqui, visto que me

proporcionaram uma infância agradável e uma companhia pela vida. Em especial devo

agradecer à minha irmã, por todo apoio durante minha trajetória e pelo momento de

insensatez que teve ao me convidar para ser padrinho da Sófia. Minhas tias não podiam

faltar, Tia Leticia por todo apoio, cervejas e acarajés durante os momentos tensos dos

concursos; e minha Tia Marta pelo apoio durante a graduação. Na vida acadêmica tive

a oportunidade de conhecer e conviver com pessoas maravilhosas e inspiradoras.

Minha primeira orientadora Cristina Bonato, que tanto me ensinou e até hoje é fonte

de inspiração, também ao Romeu Cardoso Guimarães, meu orientador de doutorado

que sempre compartilhou sua sabedoria e com o tempo se tornou um amigo. Falando

em amigos, a lista é enorme e vou correr o risco de esquecer alguns, mas não posso

deixar de citar Job (meu irmão), que belamente escreveu o prefácio deste livro, Maeve,

Luis Fernando, Artuzinho, Siqueira, Vancarde, Aila, Marco Antônio, Shaka, Leandrão,

Theo, Thais Gaudêncio, Marco Jose (UNAM), Victor Solis, José Antônio, Lucas, Regiane,

Chico Lobo, Fabricio Santos, Natan, Rafael, Dani, Gustavo e tantos outros que agora

não recordo. Um agradecimento especial ao meu grande amigo e companheiro de

viagens (físicas e mentais) Francisco Prodocimi, tamo juntos!!! Por último, mas não

menos especial, a Ariadne, que vem acompanhando de perto minhas loucuras e

apoiando elas nos últimos nove anos, sendo um suporte imprescindível em todos os

momentos: sem esse apoio tudo teria sido mais complicado. Por último, agradeço a

Joana, Lucy e Amanita, companheiras inseparáveis durante a escrita deste livro. A todos

vocês: um xero e um abraço fraterno.

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Prefácio

Eis que adentramos o século XXI e, a despeito de todo conhecimento

acumulado sobre a natureza e o universo, sobretudo a partir da época do

Renascimento (séculos XIV e XVI) na Europa, ainda nos deparamos com uma

ampla divulgação de ideias místicas, superficiais e obscurantistas que há muito já

deveriam estar sepultadas. Tais ideias ainda encontram ressonância nas vozes de

youtube influencers, blogueiros, tuiteiros, autores de livros, clérigos e toda sorte

de líderes espirituais. Essas pessoas, em sua maioria, não possuem formação

acadêmica na área sobre a qual opinam quando se posicionam sobre temas

como vacinação, mudanças climáticas, astronomia, paleontologia, geologia,

evolução biológica, medicina, bioquímica e nutrição. Entretanto,

lamentavelmente, com frequência seus ditos são recebidos e incorporados por

uma significativa parcela da população como equivalentes às explicações

resultantes da rigorosa investigação feitas à luz do método científico.

É triste percebermos a incrível atenção dada a indivíduos que defendem,

sem nenhum fundamento crítico, que a Terra é jovem (com cerca de seis mil

anos), plana, discoide, envolvida por uma campânula e localizada no centro do

universo, ao redor da qual os astros orbitam. Assustador é assistir ao aumento no

número de casos de sarampo impulsionado pela atitude irresponsável, para não

dizer criminosa, de pais que aceitam a falácia de que a vacina tríplice viral causaria

autismo. Devemos nos perguntar por que, na contramão da imensa quantidade

de dados que ratificam que a ação antrópica é responsável pelo aquecimento

global, temos a exaltação dos que negam a parcela de culpa da humanidade

nesse fenômeno, principalmente pela mídia que se fia em mirabolantes teorias

conspiratórias. Na compreensão de como chegamos à diversidade de seres vivos

de nosso planeta, a teoria de Charles Darwin (1809-1882) tem sido

sistematicamente combatida desde a publicação de “A origem das espécies”, em

1859, até o momento presente. Um combate que se dá a partir da negação pura

e simples dos seus princípios ou com base em argumentos mágicos, não testáveis

ou falseáveis. Neste caso e neste momento particular de nossa história, um grave

e barulhento movimento de parlamentares e ministros de Estado acontece no

sentido de tentar inserir o criacionismo, sob o eufemismo do Design Inteligente,

no arcabouço da ciência como componente curricular do ensino básico.

Os negadores da ciência não se furtam em usar, de forma seletiva – ou

seja, quando a informação lhes convém –, algum conhecimento obtido por meio

do método científico para elaborar engodos típicos das pseudociências.

Diante desse panorama, faz-se imprescindível que a Academia se

manifeste e, ponto por ponto, desconstrua cada sofisma nocivo à sociedade que

vem sendo alardeado sob a cortina de fumaça das pseudociências. Dessa forma,

cabe aos acadêmicos o papel de desmascarar charlatães e supersticiosos, além

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de mediar uma construção mais digna da cidadania. Nosso desenvolvimento

pleno em uma sociedade dinâmica, justa e competitiva passa, peremptoriamente,

por ter o ceticismo aguçado, o que é acompanhado pela percepção crítica da

realidade. Tal característica é indispensável nesse período em que somos

bombardeados por Fake News.

Não é por acaso que o Brasil figura nas últimas colocações em avaliações

internacionais, como no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa)

da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Estamos em um tempo em que a credulidade de nossa população a torna

perigosamente vulnerável a agir como uma dócil massa de bovinos. No

entendimento de questões referentes ao conhecimento científico, basta

averiguarmos quantas pessoas acreditam no equívoco de atribuir o rápido

crescimento dos frangos que consumimos à aplicação de hormônio de

crescimento nesses animais pelos avicultores.

Por essas e tantas é que iniciativas como a do professor Sávio são

essenciais. Lembro-me dele conduzindo uma apresentação por

aproximadamente uma hora, em um Bar de João Pessoa-PB, como parte do

projeto “Pint of Science” de 2018. Na oportunidade, discorria sobre evolução

biológica, marcando objetivamente um contraponto robusto ao criacionismo, na

medida que a palestra intitulada “Design inteligente uma alternativa à teoria

evolutiva? Desconstruindo mitos” transcorria. Munido de argumentos sólidos, bom

humor e linguagem desprovida dos jargões herméticos dos cientistas, foi

explicando quão frágeis e inverídicos são os argumentos que sustentam a teoria

do Design inteligente para um público heterogêneo que bebericava e saboreava

petiscos, enquanto acompanhavam a retórica do nosso intrépido autor.

Deve-se reconhecer a dificuldade para um docente universitário, repleto

de atribuições relativas às atividades de ensino e à competitiva pesquisa científica,

em voltar sua atenção para o ensino básico. Todavia, a educação tem que ser

compreendida como um todo para que possamos ver sua ação transformadora

atendida plenamente e, para tanto, as barreiras que porventura existam devem

ser demolidas. Precisamos facilitar esse diálogo entre a ciência e o ensino de

forma que possamos compartilhar nossos anseios e desafios com experiências

educacionais exitosas.

Talvez não poderíamos imaginar que o tema proferido pelo professor

Sávio durante um happy hour naquela terça-feira de maio de 2018 pudesse se

transformar em um livro serenamente aguerrido. Savio sai aqui em defesa do

posicionamento crítico, atitude que indiscutivelmente contribuirá para sanar o

analfabetismo científico que assola nosso país. A cada capítulo, o biólogo e

geneticista Sávio Torres de Farias convida-nos a entender como a teoria da

evolução se consolida na medida em que, de forma didática, o autor refuta todas

as falácias de uma pseudociência. É certo que os leitores e leitoras se sentirão

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mais seguros sobre o que devemos entender como verdade ao desfrutar da

presente obra.

Job de Miranda Fonsêca

Professor de biologia e ciências

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Introdução

A publicação do livro “A origem das espécies” por Charles Darwin em 1859,

redirecionou o entendimento da Biologia e possibilitou uma nova visão sobre as

relações entre os seres vivos no planeta. Entretanto, apesar de apresentar um

mecanismo científico a respeito da evolução das formas vivas, a Teoria

apresentada por Darwin foi intensamente criticada por não oferecer uma

explicação clara sobre como tais mudanças ocorreriam ao longo das gerações.

Porém, a partir de 1900, com o redescobrimento das leis da hereditariedade

propostas por Mendel, uma nova disciplina nascia e com ela uma explicação

factual do processo evolutivo proposto por Darwin. Entre as décadas de 1920 e

1950, ocorreu o casamento entre as ideias de Darwin e os mecanismos genéticos

da hereditariedade: nascia assim a síntese moderna da evolução.

Com a síntese moderna, os mecanismos pelos quais os organismos evoluíam

durante as diversas gerações estavam firmemente ancorados sob o método

científico e, portanto, postos à prova. Nestes mais de 150 anos desde a publicação

do livro seminal de Darwin, inúmeros trabalhos científicos foram realizados que

corroboram e detalham a Teoria da Evolução, mostrando o poder explicativo e

preditivo de tais ideias. Atualmente, a teoria evolutiva não pode ser considerada

como uma disciplina entendida à parte das Ciências Biológicas, mas sim como o

fundamento unificador de todas as áreas deste enorme campo do saber, podendo-

se concluir que a Teoria Evolutiva pode ser considerada uma sinonímia às próprias

Ciências Biológicas.

Figura 1. A Teoria Evolutiva (aqui utilizada como sinônimo de Teoria da Evolução) é a linha integradora dos

diversos campos do conhecimento das Ciências Biológicas.

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Apesar da farta corroboração científica do processo evolutivo, nas últimas

décadas podemos observar um crescente movimento anticientífico que tenta

desqualificar fatos e evidências em favor de uma visão calcada em uma

interpretação sobrenatural dos processos de origem e evolução dos seres vivos.

No centro dessa discussão temos dois movimentos principais: o primeiro deles é

capitaneado pelo Instituto de Pesquisa da Criação (The Institute for Creation

Research) e é mais conhecido como o criacionismo “científico”; enquanto o outro

é capitaneado pelo Instituto Discovery e é chamado de design inteligente. Ambas

são organizações de cunho religioso que estão sediadas nos Estados Unidos da

América (EUA). O Instituto Discovery em 1999, publicou um documento

explicitando suas estratégias para vencer o materialismo cientifico chamado

“Documento de Cunha”. Neste documento se estabelece a estratégia para

confrontar e as metas a serem obtidas. Uma das bases do documento é um maciço

programa de divulgação de aparentes controvérsias, buscando gerar na população

questionamentos infundados quando observados a luz do conhecimento

moderno, promovendo assim, uma falsa sensação de crise na Teoria Evolutiva. A

partir deste movimento buscam suplantar as bases cientificas da Teoria Evolutiva

pelas ideias do Design Inteligente. O documento já expõe de forma evidente o teor

pseudocientífico de tais ideias.

Apesar de divergirem ligeiramente em alguns pontos, os dois movimentos

buscam uma explicação causal última (teleológica) em um ser ou entidade

sobrenatural que teria dado origem e posteriormente guiado a história dos seres

vivos em nosso planeta. Um ponto interessante desses movimentos é que eles

buscam dar uma roupagem científica a preceitos que são religiosos e

essencialmente baseados na fé. Esse é um tipo de visão totalmente distinto do

pensamento científico, visto que este último busca a explicação da realidade na

própria natureza, sem recorrer a eventos sobrenaturais que não podem ser

testados.

A pergunta que permanece nesta tentativa de tornar científicas certas

explicações que fazem parte do campo da crença pode nos soar estranho, a

princípio. Porém, mesmo em uma análise rápida e superficial nós podemos

encontrar um fio de motivação para essa tentativa. Ao recapitularmos a história

conhecida da espécie humana e de sua relação com o meio ambiente,

identificamos facilmente nossa constante busca por explicações para os

fenômenos naturais que observamos.

Neste contexto, diferentes culturas encontraram explicações transcendentais

para os fenômenos naturais antes mesmo de que o método científico tivesse sido

criado. Por exemplo, diversas sociedades (em todos os continentes) adotaram

mitos que explicam a origem do homem e dos seres vivos. Evidentemente, quanto

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mais conhecíamos e nos relacionávamos racionalmente com o meio, novas

explicações foram tomando lugar até o florescimento da ciência moderna.

Nas sociedades atuais, estamos totalmente imersos em explicações científicas

e esse conhecimento nos permitiu trabalharmos com eficácia desde o combate de

doenças até a realização de viagens espaciais. Desta forma, no âmbito social, nossa

sociedade ocidental é guiada pela ciência. Apesar disso, no âmbito pessoal nós

podemos usar explicações não científicas para eventos que ocorrem em nosso dia

a dia. Fica assim evidente, nessa análise superficial, que trazer o sobrenatural para

o campo científico pode ser entendido como uma tentativa de retomar de um

antigo protagonismo para explicar o universo físico. Mas, cientificamente falando:

será que podemos realmente fazer esta transposição?

A motivação para escrever este livro da minha preocupação com esta última

questão e de sua crescente influência sobre jovens que, ainda sem muitos

elementos de análise, tendem a aceitar explicações mais familiares e negar as

explicações científicas baseadas em evidências. Não se trata aqui de um ataque a

uma religião ou crença específica, mas uma análise, sob a luz das evidências, como

tudo que se pretende ser científico, dos argumentos utilizados pelos criacionistas

e do poder explicativo dos mesmos diante dos fatos. Para isso faremos uma

retrospectiva mais detalhada e uma análise racional sobre o que existe disponível

no meio científico para contrapor as propostas de tais correntes de pensamento.

Espero poder guiá-los em uma leitura agradável e informativa.

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1. Primeiro período

1.1. Conhecendo o organograma

Em geral, ao iniciarem um novo curso de graduação, os estudantes têm

contato com um organograma do curso no qual são apresentadas as disciplinas

que serão cursadas. Analisando essa informação, o aluno pode identificar a linha

de pensamento que será conduzida durante o curso. Assim, neste primeiro

momento, pretendo apresentar os princípios gerais defendidos tanto pelo (i)

criacionismo “científico” quanto pelo (ii) design inteligente; tais ideias irão nos

guiar ao longo dos próximos semestres (capítulos). Também irei adicionar algumas

ideias defendidas por essas correntes, mas que não me parecem claramente

apresentadas nas suas “diretrizes”.

Vou iniciar com os princípios defendidos pelo criacionismo “científico”, que

expõe mais claramente suas premissas. Os tópicos apresentados abaixo foram

livremente traduzidos do site do Instituto de Pesquisa da Criação

(https://www.icr.org/tenets), onde o conteúdo original pode ser acessado.

“- O universo físico do espaço, tempo, matéria e energia nem sempre existiu,

mas foi sobrenaturalmente criado por um criador pessoal transcendente que,

sozinho, existiu desde a eternidade;

- O fenômeno da vida biológica não se desenvolveu por processos naturais de

sistemas inanimados, mas foi especialmente criado por um criador;

- Cada um dos tipos de plantas e animais foram criados funcionalmente

completos desde o início e não evoluíram de outros tipos de organismos.

Mudanças nos tipos básicos, desde de sua criação, são limitadas a mudanças

laterais (variações) dentro dos tipos ou a mudanças nocivas, como extinções;

- Os primeiros humanos não evoluíram de um ancestral animal, mas foram

especialmente criados completos desde o início. Além disso, a natureza espiritual

do homem (autoimagem, consciência moral, raciocínio abstrato, linguagem,

vontade, natureza religiosa, etc.) é em si uma criação sobrenatural, distinta da

mera vida biológica;

- O registro da história da Terra, preservado na crosta terrestre,

especialmente nas rochas e depósitos fósseis, é primariamente um registro de

intensidades catastróficas de processos naturais, operando amplamente dentro

de leis naturais uniformes, em vez de gradualismo e taxas de processo

relativamente uniformes. Existem muitas evidências científicas para uma criação

relativamente recente da Terra e do universo, além de fortes evidências científicas

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de que a maioria das rochas sedimentares fossilificas da Terra foi formada em um

cataclismo hidráulico global ainda mais recente;

- Os processos hoje operam principalmente dentro de leis naturais fixas e com

taxas de processo relativamente uniformes, mas uma vez que elas mesmas foram

originalmente criadas e são diariamente mantidas por seu Criador, há sempre a

possibilidade de intervenção milagrosa nessas leis ou processos por seu Criador.

Evidências para tais intervenções devem ser escrutinadas criticamente, no

entanto, porque deve haver uma razão clara e adequada para qualquer ação por

parte do Criador;

- O universo e a vida foram de alguma forma prejudicados desde a conclusão

da criação, de modo que as imperfeições na estrutura, doença, envelhecimento,

extinções e outros fenômenos são o resultado de mudanças "negativas" nas

propriedades e processos que ocorrem em uma ordem originalmente perfeita;

- Desde que o universo e seus componentes primários foram criados perfeitos

para seus propósitos no começo por um Criador competente e volitivo, e desde

que o Criador permanece ativo nesta criação agora decadente, existem propósitos

e significados finais no universo. Considerações teleológicas, portanto, são

apropriadas em estudos científicos sempre que forem consistentes com os dados

reais de observação. Além disso, é razoável supor que a criação atualmente

aguarda a consumação do propósito do Criador;

- Embora as pessoas sejam finitas e os dados científicos relativos às origens

sejam sempre circunstanciais e incompletos, a mente humana (se estiver aberta à

possibilidade de criação) é capaz de explorar as manifestações desse Criador

racional, cientifica e teleologicamente.”

Podemos observar claramente que os princípios apontados pelo criacionismo

“científico” se ajustam às narrativas bíblicas e tentam associar tais princípios ao

pensamento científico.

Agora que já conhecemos os princípios do criacionismo “científico”, vamos

aprender um pouco sobre os princípios do design inteligente tal como ele é

apresentando na página “os desafios científicos à teoria evolutiva”, do Instituto

Discovery

(https://www.discovery.org/id/faqs/#questionsAboutCriticismOfDarwinianEvolut

ion). Segundo os defensores do design inteligente alguns princípios darwinianos

não foram ainda explicados e não podem ser explicados sem o auxílio de uma

mente inteligente. São eles:

“- Genético: mutações causam danos e não constroem complexidade. A

evolução darwiniana depende de mutações aleatórias que são selecionadas por

um processo cego e não guiado pela seleção natural, que não tem objetivos. Tal

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processo aleatório e indireto tende a prejudicar os organismos e não os melhora

ou cria complexidade;

- Bioquímico: processos não guiados e aleatórios não podem produzir

complexidade celular. Nossas células contêm incrível complexidade, como fábricas

em miniatura usando tecnologia de máquina. As células usam circuitos em

miniatura, motores, linguagem codificada e até máquinas de verificação de erros

para decodificar e reparar nosso DNA;

- Paleontológico: o registro fóssil não possui fosseis intermediários. O padrão

geral do registro fóssil é de explosões abruptas de novas formas biológicas, e

possíveis transições evolutivas são a exceção, não a regra;

- Taxonômico: os biólogos não conseguem construir a árvore da vida. Árvores

descrevendo as supostas relações ancestrais entre organismos baseados em um

gene ou característica biológica, muitas vezes conflitam com árvores baseadas em

um gene ou característica diferente;

- Químico: a origem química da vida permanece um mistério não resolvido.

O mistério da origem da vida não é resolvido e todas as teorias existentes sobre

evolução química enfrentam grandes problemas. As deficiências básicas na

evolução química incluem a falta de explicação de como uma sopa primordial

poderia surgir no ambiente hostil da Terra primitiva, ou como as informações

necessárias para a vida poderiam ser geradas por reações químicas cegas. ”

Gostaria de destacar um outro argumento que está dentro do “desafio

bioquímico” e que vem sendo defendido como a prova final do design inteligente,

ele é chamado de complexidade irredutível. Neste “desafio”, os teóricos do

design inteligente argumentam que existem estruturas tão complexas nos seres

vivos que só poderiam ter surgido em conjunto. Em tais estruturas, a ausência de

qualquer parte levaria à não-funcionalidade e, assim, pregam eles, elas não

poderiam ser alvos da seleção natural como sugere a teoria evolutiva.

Como pudemos observar, o design inteligente pontua argumentos em

vários campos e, em termos gerais, afirma que não existe nenhuma explicação na

teoria evolutiva para tais questionamentos. No entanto, o design inteligente

também não propõe nenhum mecanismo científico para a evolução. Vamos

verificar mais adiante se os “desafios” apresentados pelo design inteligente são

verdadeiros ou se são simplesmente sofismos, falácias do tipo espantalho.

Entretanto, antes de analisarmos tais pontos levantados, vou iniciar a

discussão combatendo um argumento extremamente simples, que devo admitir

que, nos dias atuais, é utilizado apenas pelos defensores mais ingênuos dessas

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duas linhas de pensamento. O argumento a que me refiro é uma tentativa

epistemológica de colocar o criacionismo “científico” e o design inteligente no

mesmo patamar da biologia evolutiva,. Isto é, argumenta-se que a evolução

darwiniana seria “apenas uma teoria”. Para analisarmos esse argumento

necessitaremos olhar para a ementa da disciplina optativa de primeiro período

que os defensores destas linhas de pensamento parecem ter faltado.

1.2. Optativa 1 - O que é e como funciona a ciência?

Vamos começar nossa discussão com um tema central para a compreensão

da validade dos argumentos utilizados pelos defensores do design inteligente,

visto que um dos pontos defendidos é que o design inteligente teria status de

ciência e, assim, deveria ser posto em igualdade com a teoria evolutiva. Podemos

encontrar dezenas de conceitos sobre ciência na literatura. A seguir listo apenas

alguns bem simples, mas que já apresentam uma ideia central praticamente

invariante. Vejamos alguns exemplos do que é a ciência:

• “s.f. Conjunto organizado de conhecimentos relativos a certas categorias de fatos

ou fenômenos. (Toda ciência, para definir-se como tal, deve necessariamente

recortar, no real, seu objeto próprio, assim como definir as bases de uma

metodologia específica: ciências físicas e naturais) / Conjunto de conhecimentos

humanos a respeito da natureza, da sociedade e do pensamento, adquiridos

através do desvendamento das leis objetivas que regem os fenômenos e sua

explicação: o progresso da ciência. // Ciência pura, ciência praticada

independentemente de qualquer preocupação de aplicação técnica. // Ciência

política, politicologia.” (Dicionário Aurélio, consultado em 03 de maio de 2019).

• “Conhecimento ou um sistema de conhecimento abrangendo verdades gerais ou

o funcionamento de leis gerais, especialmente como obtido e testado através do

método científico.” (Dicionário Merriam-Webster - https://www.merriam-

webster.com/dictionary/science).

• “A atividade intelectual e prática que abrange o estudo sistemático da estrutura e

comportamento do mundo físico e natural através da observação e experiência.”

(Dicionário Oxford, consultado em 03 de maio de 2019).

Como podemos observar nestes exemplos apresentados, dentre as

características invariantes no conceito de ciência está sua dependência da

experimentação. Na definição apresentada no Dicionário Aurélio, vou destacar

um outro ponto interessante para nossa análise, que é a necessidade de um

recorte do real para uma definição de campo científico. Vou utilizar estes dois

pontos do conceito de ciência para iniciar meu raciocínio.

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Figura 2. A ciência moderna se sustenta na experimentação e no recorte no mundo real.

A experimentação é com certeza um ponto de extrema importância no

desenvolvimento de qualquer campo científico, visto que ela minimiza a

subjetividade dos resultados. Percebam que foi usado o termo “minimiza” e não

“elimina”, voltaremos nessa discussão mais adiante. Dentro do delineamento

experimental necessário à ciência, devemos entender que a experimentação

científica é um procedimento no qual controlamos as variáveis. Tal características,

por sua vez, permite-nos obter conhecimento mais fidedignos sobre o fenômeno

que estamos observando e experimentando. Neste sentido o conhecimento

científico deve ser também passível de reprodutibilidade quando submetemos

elementos de teste sob as mesmas condições. Experimentações ou

conhecimentos que não podem ser reproduzidos dificilmente serão incorporados

como conhecimento científico, visto que podem estar subjugados à crença

particular (subjetividade) do “experimentador” e não a uma lei ou regra natural.

O austríaco Karl Popper (1902-1994), filósofo da ciência muito influente no

século XX, introduziu o conceito de falseabilidade, no qual afirma que, para uma

asserção ser científica, em princípio, “deve ser possível refazer a observação nas

mesmas condições e, a partir dessa observação, poder inferir a veracidade de tal

asserção”. Em outras palavras, se uma observação sobre um fenômeno natural

não puder ser reproduzida e confrontada, não poderemos considerar que as

conclusões obtidas sobre tal observação forme um conhecimento científico. Essa

característica do método científico é de extrema importância pois possibilita uma

constante revisão dos conhecimentos adquiridos e, quando necessário, permite

que ajustes sejam feitos à medida que novas e mais refinadas técnicas sejam

desenvolvidas, possibilitando assim o avanço do conhecimento sobre a natureza

e seus fenômenos.

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18

Neste momento, devemos voltar ao segundo ponto deste raciocínio, o recorte

do real. Dada as características que citei anteriormente, fica praticamente

evidente que a experimentação deve ser feita sobre questões físicas e, diante do

nosso conhecimento, apenas elementos naturais ou físicos podem atuar sobre

outros elementos naturais ou físicos. Dessa forma, qualquer força ou entidade

sobrenatural foge necessariamente da experimentação, do uso do método

científico e, consequentemente, do conhecimento científico.

Com relação à forma segundo a qual o conhecimento científico se desenvolve,

o historiador de ciência e filósofo norte-americano Thomas Kuhn (1922-1996)

estabeleceu que o método científico se estrutura a partir de um conjunto de

conhecimentos que formam as teorias científicas. Estas teorias científicas serão

utilizadas como paradigma para um determinado campo científico que

constantemente deve ser posto à prova à medida em que novos fatos possam

surgir para reforçar o paradigma ou para iniciar o estabelecimento de uma nova

teoria. O dicionário Michaelis, define teoria científica como: “Conjunto de

hipóteses já posta à prova, no mundo real, confirmada e, assim, aceita por

cientistas orientados e experimentados no assunto; está, porém, sempre sujeita a

modificação de acordo com novas descobertas. ”

Neste ponto, já deve ter ficado evidente que a palavra “teoria” tem vários

sentidos, dependendo do contexto em que é utilizada; no campo científico, o

termo se refere a um conjunto de conhecimentos avaliados pela experimentação.

Entretanto, no seu uso popular, é entendida como uma especulação e/ou

suposição, o que seria equivalente na ciência a uma hipótese, uma premissa que

necessita ser testada experimentalmente para ser incorporada a um conjunto de

conhecimentos.

Aqui, fica evidente que acusar a teoria evolutiva de “apenas uma teoria”

mostra um uso equivocado do termo, sendo utilizado neste contexto da mesma

forma que no uso popular, o que não está de acordo com o volume de dados

experimentais que elevaram as hipóteses sobre o processo evolutivo dos seres

vivos à categoria de teoria científica.

Assim, também podemos concluir que nem o design inteligente nem o

criacionismo “científico” podem obter o status de teoria científica visto que, como

exposto acima, seria necessário que tivéssemos um conjunto de hipóteses

testadas e validadas experimentalmente para isso. Contudo, a evocação a um

agente sobrenatural interferindo na realidade física, como sugerido por tais linhas

de pensamento, fogem do espectro experimental. Apesar destes indícios já

demonstrarem a incompatibilidade destas ideias com o conhecimento científico

e, consequentemente, com a teoria evolutiva, seguiremos analisando as premissas

expostas.

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19

2. Período

2.1. Disciplina 1 – Terra Jovem

2.1.1 Uma jovem adolescente ou uma senhora de idade?

Alguns dos argumentos apresentados pelos críticos da teoria evolutiva vêm

direcionados às questões temporais visto que a teoria evolutiva sugere a

necessidade de longos períodos de tempo para explicar grandes mudanças

ocorridas de forma lenta e gradual na estrutura física dos organismos. No entanto,

as idades do universo, do sistema solar e da Terra são quantificadas pelas

evidências científicas da Física; e não da Biologia.

Atualmente, estima-se que o Sol tenha aproximadamente 4,6 bilhões de anos

e nosso planeta tenha ao redor de 4,5 bilhões de anos. A datação da Terra muito

próxima à do Sol é consistente com observações astronômicas de estrelas jovens

que sugerem a formação do sistema planetário em poucos milhões de anos após

a formação da estrela do sistema.

Os defensores do criacionismo “científico” argumentam que não existem

evidências para uma origem tão antiga para nosso planeta, sugerem que os

métodos utilizados contêm vieses e que muitas variáveis não são consideradas na

datação. Desta forma, aceitam as premissas bíblicas de uma origem recente de

nosso planeta, o que estaria totalmente em desacordo com os dados científicos.

Desta forma, teria sido impossível que o processo evolutivo tivesse ocorrido nesse

cenário.

O atual sistema de datação de longos períodos é realizado por meio do

método de radiometria. Dentre os tipos de processos utilizados pela radiometria,

o decaimento atômico é um fenômeno espontâneo e natural que ocorre devido a

uma instabilidade nos átomos. Por decaimento devemos entender a perda de uma

partícula do núcleo atômico, gerando uma série de isótopos, sendo esta perda

peculiar para cada átomo. Em alguns casos, esse processo pode ocorrer em poucos

anos; já em outros, o decaimento leva alguns bilhões de anos. Essa diferença é

referente à estrutura e estabilidade dos átomos radioativos.

Atualmente, baseando-se em análises das rochas mais antigas da Terra,

rochas lunares e meteoritos, estima-se a idade do nosso planeta seja de

aproximadamente 4,5 bilhões de anos. É importante salientar que as análises

separadas de todas estas rochas convergem para a mesma datação, com uma

margem de erro estimada em 1%. As primeiras datações, que também convergiam

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para uma datação próxima àquela estimada atualmente foram feitas utilizando a

série de decaimento do urânio. Contudo, as críticas iam no sentido de que as

amostras de rochas poderiam estar contaminadas com pedras vindas de partes

mais antigas do universo, o que estaria levando a uma origem muito antiga do

Planeta. Entretanto, buscando minimizar o problema da contaminação,

atualmente são utilizadas várias séries de decaimento em vários tipos de rochas;

nestas analises as idades convergem para a idade já citada.

Com o problema da contaminação minimizado, as críticas sobre o sistema de

datação passaram a girar no sentido de que as condições no planeta mudaram

com o tempo e que poderiam ter períodos em que o decaimento radioativo

poderia ocorrer mais rápida ou lentamente, influenciando assim a datação.

Entretanto, para a maioria dos átomos o processo de decaimento não é

influenciado pelo entorno, e sim pela própria estrutura do núcleo atômico sendo,

portanto, uma constante. Em nenhum caso de datação da Terra foram utilizados

elementos que podem sofrer influência do entorno como temperatura, pressão,

etc.

Outra evidência da antiguidade da Terra vem da datação dos fósseis mais

antigos encontrados, os estromatólitos, que datam em torno de 3,5 bilhões de

anos. Como podemos observar, as evidências de uma origem antiga para nosso

planeta são fartas e constantemente verificadas por métodos científicos de

datação, porém, a evidência de uma Terra jovem, como defendida pelo

criacionismo “científico”, tem como fonte os relatos bíblicos e as críticas ao

método de datação por decaimento, não existindo nenhuma evidência fora dessa

argumentação. Facilmente podemos ver que não há nada de científico nesse

raciocínio, sendo mais uma questão de crença do que de ciência.

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2.2. Disciplina 2 – O Registro fóssil

2.2.1. Uma viagem no tempo!

O registro fóssil está intrinsicamente ligado à idade da Terra, assim como, ao

método de datação por decaimento. Os defensores do criacionismo “científico”

argumentam que os registros apresentam um padrão de aparecimento abrupto,

condizente com eventos catastróficos recentes. Por outro lado, os defensores do

design inteligente argumentam que a falta de registro de intermediários e de

séries completas seria, segundo eles, uma evidência de eventos não explicados

pela teoria evolutiva.

Atualmente, o registro fóssil é a principal fonte de informação sobre

organismos que viveram há milhares ou milhões de anos; e foram extintos. O

processo de formação de um fóssil é dependente do clima, ecossistema, tipo de

solo, entre outros, sendo considerado um processo muito raro. Em termo gerais,

o processo de formação do fóssil consiste na preservação de partes “duras” dos

organismos por meio de eventos como ressecamento, mineralização,

congelamento e petrificação.

Após a morte do organismo, os tecidos “moles” são rapidamente consumidos,

sobrando os “duros”, como os ossos, que podem ser fossilizados por

mineralização, por exemplo. Caso a fossilização seja por ressecamento ou

congelamento, podem-se preservar partes “moles”, desde que o processo ocorra

rapidamente. Após a preservação das estruturas biológicas por algum dos

processos citados anteriormente, caso a fossilização ocorra no solo, com o tempo

novas camadas vão se depositando sobre a estrutura fossilizada. Este processo de

formação de camadas no solo é chamado de estratificação, o qual é lento e

dependente das condições locais. Ao longo de milhares de anos, várias camadas

de solo vão sendo depositadas lentamente. O processo de estratificação é

importante no estudo dos fósseis pois podemos datar, por meio do método de

decaimento atômico, o tempo de formação de uma determinada camada e,

consequentemente, do fóssil encontrado nesta camada do solo.

Ao contrário do que é sugerido pelos criacionistas “científicos”, o registro

fóssil não se apresenta de forma desorganizada, mas em camadas de solo bem

definidas, o que permite compreendermos uma sequência de modificações em

uma linhagem caso encontremos fósseis dessa mesma linhagem em diferentes

camadas. Apesar dos fósseis serem relativamente raros, para algumas linhagens

foram encontradas séries praticamente completas, como por exemplo, para a

linhagem dos cavalos. Outro grupo do qual também temos uma boa série fóssil é

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a linhagem de hominídeos, que incluem os homens modernos, seus parentes

próximos e seus ancestrais até 6 milhões de anos atrás.

Além de séries completas ou pelo menos bem representadas, alguns

exemplos de formas transicionais também estão disponíveis. Em 2006, um grupo

de pesquisadores norte-americanos liderados por Farish Jenkins, da Universidade

de Harvard, encontrou um fóssil que apresentava características intermediárias

entre um grupo de peixes com barbatanas e os primeiros organismos terrestres

do grupo dos tetrápodes. Neste estudo foi revelado que o fóssil apresentado

possuía escamas, raios da nadadeira, mandíbula e palato similares aos peixes mais

primitivos e que, entretanto, ele também possuía um crânio encurtado,

modificações na região da orelha, um pescoço móvel, punhos articulados e outras

características típicas de organismos terrestres do grupo dos tetrápodes.

Podemos encontrar na literatura científica dezenas de exemplos como esse

citado acima, desde eventos transicionais entre invertebrados e vertebrados até

eventos na linhagem dos primatas. Como podemos perceber, apesar de raros, os

eventos de fossilização podem nos contar uma parte significativa da história

evolutiva de diversas formas de vida hoje encontradas no planeta. Ao contrário do

que argumentam os defensores do design inteligente, a raridade e falta de

intermediários diretos não depõe contra a teoria evolutiva, mas a favor, visto que

podemos, com os poucos exemplares que temos, recuperar informação sobre as

mudanças nas características biológicas dos organismos em longos períodos de

tempos. A não abundância de séries completas e ou de intermediários é mais um

argumento a favor da teoria evolutiva, já que ela consegue explicar essas lacunas

sem recorrer a fatores sobrenaturais.

Como podemos observar nas argumentações tanto do criacionismo

“científico” quanto do design inteligente sobre os temas aqui abordados, estes se

apresentam mais como críticas sem fundamentação sobre o conhecimento atual

do que críticas factuais. Neste sentido, o uso desse tipo de críticas a explicações

não familiares ao público em geral cria, muitas vezes, um fato falso e induz pessoas

a um erro interpretativo, assim como a uma crítica sem fundamento na realidade

do método científico, como deveriam ser as hipóteses científicas.

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3. Período

3.1. Disciplina 3 – Mutações só causam danos e não geram

complexidade

As mutações têm um papel importante na teoria evolutiva, visto que são a

fonte primária de geração de diversidade. Segundo a teoria evolutiva, as variações

(caraterísticas diferentes, ou diversidade) surgem, primariamente, por meio de

mutações aleatórias e são mantidas e/ou eliminadas pelos processos evolutivos,

incluindo a Seleção Natural.

Isto é, aquelas variações (geradas por mutação) que permitam aos indivíduos

que as possuem sobreviver e reproduzir mais em certa condição ambiental, serão

selecionadas positivamente, ou seja, aumentarão em frequência na população ao

longo das gerações. Portanto, a seleção de características melhor adaptadas a

estas condições ambientais específicas permitirá a perpetuação destas variações

na população de descendentes. Caso a variação “prejudique” a sobrevivência e/ou

reprodução do organismo em determinada condição ambiental, haverá uma

seleção negativa e essa característica diminuirá em frequência ao longo das

gerações, podendo inclusive ser eliminada.

Os defensores do design inteligente argumentam que mutações aleatórias

geram variações que prejudicam os organismos e não geram complexidade.

Também se argumenta que as mutações aleatórias trabalham junto com a seleção

natural, que segundo à interpretação destes, também seria um processo aleatório.

Por mutação devemos entender a mudança de uma geração a outra em

qualquer nucleosídeo que compõe o DNA, a saber adenosina monofosfato,

citosina monofosfato, guanosina monofosfato e timidina monofosfato. O DNA dos

mais diversos organismos pode conter desde alguns milhares de nucleosídeos (no

caso dos vírus), passando por milhões (no caso das bactérias) e até bilhões (no

caso de muitos animais e plantas) que são classificados quimicamente em

purínicos (adenosina e guanosina) e pirimidínicos (citosina e timidina). Em

organismos celulares, o DNA está organizado na forma de uma dupla hélice como

descrito por Watson e Crick, em 1953. De acordo com tal modelo, uma purina

presente em uma fita sempre faz um pareamento com uma pirimidina da fita

complementar e reversa; no caso, a adenina sempre pareia com timina e guanina

sempre pareia com citosina. Esta regra de pareamento é de extrema importância

pois garante a manutenção da fidelidade da informação biológica durante a

replicação do DNA.

Quando a teoria evolutiva assume que as mutações são aleatórias, ela quer

dizer que estas podem ocorrer em qualquer um dos milhares ou milhões de

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nucleosídeos existentes no DNA de acordo com um processo considerado casual.

Consequentemente, uma determinada mutação aparece ao acaso, mas

dependendo do tipo e do local onde ocorre, ela pode melhorar ou piorar o

funcionamento de um determinado gene, além de poder ser neutra, isto é, não

afetar a função.

3.1.1 Um zoom em mutações e no funcionamento da informação

biológica

Olhando com mais detalhe para as mutações, podemos classificá-las tanto

com relação a seus aspectos químicos como biológicos. Na primeira classe,

analisamos apenas as modificações químicas que ocorrem, sem nos

preocuparmos com a consequência para o funcionamento da informação

biológica. Neste contexto, podemos classificá-las em (i) transições, quando não

ocorre mudança de classe química, ou seja, uma purina é trocada por outra purina,

ou uma pirimidina é trocada por outra pirimidina, e (ii) transversões, quando uma

purina é trocada por uma pirimidina ou vice-versa. Também podemos ter (iii)

inserções de novos nucleosídeos no DNA ou (iv) deleções de alguns já existentes.

Com relação às consequências para o funcionamento da informação

biológica, as mutações podem ser classificadas como (i) sinônimas, de (ii) sentido

trocado conservativa, de (iii) sentido trocado não-conservativa, (iv) sem sentido

e (iv) com mudança de fase de leitura. Vale salientar aqui que no DNA temos

regiões que são informativas para a síntese de proteínas ou RNAs funcionais (i.e.,

genes), assim como regiões reguladoras da expressão gênica (i.e., promotores,

enhancers e outros) e regiões espaçadoras localizadas entre os genes (i.e., regiões

intergênicas).

Geralmente, quando falamos em mutações que têm consequências para o

funcionamento da informação biológica, estamos nos referindo apenas às

mutações que ocorrem dentro das regiões de DNA que contêm informações para

a síntese de uma proteína.

Neste momento, temos que explicar como está organizada e é lida a

informação biológica. O DNA é composto por 4 tipos de nucleosídeos dispostos

em uma sequência nas mais diversas combinações, enquanto as proteínas têm 20

diferentes tipos de aminoácidos que podem estar dispostos sequencialmente nas

mais diversas combinações. O funcionamento correto de uma determinada

proteína depende de sua estrutura tridimensional, a qual deriva de uma correta

sequência de aminoácidos que, por sua vez, é determinada pela sequência de

nucleosídeos no DNA.

Durante o fluxo da informação contida no DNA para as proteínas, uma

molécula de RNA é sintetizada utilizando uma determinada região do DNA como

molde; a essa molécula chamamos de RNA mensageiro. Após a síntese do RNA

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mensageiro, essa molécula é direcionada para uma maquinaria molecular

chamada ribossomo onde a informação será traduzida em uma sequência de

aminoácidos. Para que tal processo ocorra, existe uma correspondência entre uma

trinca de bases e um determinado aminoácido. Assim, sempre que ocorrer uma

determinada trinca, será adicionado um mesmo aminoácido à proteína que está

sendo sintetizada. Alguns aminoácidos podem ter mais de uma trinca de

nucleosídeos que os represente, visto que com 4 bases diferentes em 3 posições

podemos ter 64 combinações de trincas para codificar apenas 20 aminoácidos.

Estas trincas com o mesmo significado funcionariam como os sinônimos na língua

portuguesa. Dentre as 64 trincas de bases, 61 têm aminoácidos como

correspondentes e 3 são sinais para indicar que a síntese de uma proteína chegou

ao fim.

Falando um pouco sobre as características dos aminoácidos, os 20 tipos que

encontramos nas proteínas podem ser classificados de acordo com suas

características físico-químicas, podendo ser: (i) hidrofóbicos de cadeia aberta, (ii)

hidrofóbicos de cadeia fechada, (iii) polares sem carga, (iv) polares com carga

negativa e (v) polares com carga positiva. Estas características são importantes

pois sugerem que a troca de um aminoácido com uma determinada característica

por um de natureza diferente pode alterar o funcionamento da proteína ao mudar

sua estrutura tridimensional.

Agora que já temos uma visão geral sobre a correspondência entre a

informação contida no DNA e as proteínas, vamos voltar a falar das mutações que

podem ter influências sobre o funcionamento da informação biológica. As

mutações sinônimas são aquelas que não modificam o aminoácido que deve ser

incorporado na sequência da proteína, visto que como citado anteriormente, mais

de uma trinca pode ter o mesmo aminoácido como correspondente.

As mutações de sentido trocado conservativas ocorrem quando um

aminoácido com uma determinada característica físico-química é trocado por

outro com a mesma característica, por exemplo, um aminoácido hidrofóbico de

cadeia aberta é trocado por outro hidrofóbico de cadeia aberta. Neste caso,

podemos perceber que a alteração na estrutura tridimensional não será drástica,

visto que as propriedades físico-químicas são mantidas em uma determinada

posição onde ocorreu a mutação.

Já as mutações de sentido trocado não-conservativas são aquelas em que um

aminoácido é trocado por outro com propriedades físico-químicas diferentes, por

exemplo, um aminoácido hidrofóbico de cadeia aberta é trocado por um polar

carregado negativamente. Neste cenário podemos facilmente inferir que a

entrada desse novo aminoácido deve modificar drasticamente as interações em

uma determinada posição onde ocorreu a troca, influenciando na configuração

tridimensional da proteína e consequentemente no seu funcionamento.

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Nas mutações sem sentido, uma trinca de nucleosídeos que tem

correspondência com um aminoácido será trocada por uma trinca que indica o fim

da síntese proteica. Neste caso a proteína será menor que deveria ser, alterando

assim tanto sua estrutura primária, quanto secundária e terciária (tridimensional);

e alterando também seu funcionamento.

O último tipo de alteração no processamento da informação biológica é a

mudança de fase de leitura. Neste tipo de mutação, pelo menos um nucleosídeo

na sequência de DNA é inserido ou retirado. Uma vez que a informação é lida em

trincas, a inserção ou deleção de bases muda a leitura da informação e,

consequentemente, a sequência de aminoácidos de uma proteína, sua estrutura

tridimensional e sua função. Agora que já temos uma ideia dos tipos de mutação

e de algumas de suas consequências, vamos voltar ao argumento apresentado

pelos defensores do design inteligente.

3.1.2 Mutações são sempre prejudiciais e não geram complexidade?

A argumentação utilizada pelos defensores do design inteligente contra o

potencial das mutações em gerar variação e diversidade perde força em uma

análise bastante simples das populações biológicas. Para melhor entendermos o

que falo, vou utilizar as populações humanas como exemplo. Vou partir da

seguinte premissa: as características dos organismos são determinadas pela sua

constituição genética interagindo com o ambiente. Até mesmo os defensores do

design inteligente concordam sobre esse ponto. Partindo daí, ao olharmos um

indivíduo qualquer da espécie humana, podemos facilmente identificar diferentes

características que podem ser produtos de uma constituição genética levemente

diferente entre eles. Se as constituições genéticas entre as diversas pessoas são

levemente distintas (0,1%), essa diferença ocorreu por modificação no material

genético, ou seja, por mutação.

Neste exemplo simples podemos perceber que há muitas mutações que não

são prejudiciais, visto que indivíduos de todas as populações estão se mantendo e

deixando descendência. Neste momento, algum defensor do design inteligente

pode argumentar que mesmo que esse tipo de mutação não tenha levado a um

prejuízo, não fica provado que elas podem levar a um aumento da complexidade.

Neste ponto devo concordar que o exemplo dado não resolve, explicitamente, o

problema da complexidade, mas também devo responder que o aumento da

complexidade, como única via durante o processo evolutivo, é um enorme

equívoco. Isto é, podemos ter casos de aumento de complexidade como também

casos de redução de complexidade.

Em uma análise rasa da diversidade biológica podemos ter a falsa impressão

que o processo evolutivo sempre leva ao aumento da complexidade.

Principalmente se tivermos a espécie humana como parâmetro e ápice deste

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processo, ou como alguns tendem a afirmar ‘a mais evoluída’. Tal exame leva à

falsa conclusão de que alguns organismos são ‘superiores’ a outros, o que é falso.

Primeiro, não existe a posição mais evoluída, visto que todos os organismos

viventes atualmente estão adaptados e no mesmo momento do processo

evolutivo. Segundo, em uma análise rápida sobre a diversidade biológica no

planeta, podemos identificar diversos organismos que vêm passando por um

processo de simplificação, seja no organismo como um todo, seja em partes. Vou

começar a demonstrar isso utilizando um grupo de bactérias chamado Mollicutes,

que tem entre seus representantes os gêneros Mycoplasma e Ureoplasma,

bactérias essas que podem estar relacionadas com enfermidades em humanos e

outros animais. Esse grupo de bactérias vem passando por um processo de

redução do tamanho de seu genoma durante sua história evolutiva e,

consequentemente, por um processo de redução da sua complexidade. Hoje

podemos identificar organismos desse grupo com pouco mais de 400 genes.

Outro exemplo de diminuição de complexidade é a redução e, em casos mais

extremos, da perda total de estruturas visuais em organismos que vivem em

fendas abissais. Esse é outro exemplo de diminuição de complexidade e com

mutações não prejudiciais.

Com relação à argumentação de que mutações não podem gerar

complexidade, aqui temos, novamente, um sério problema de desconhecimento

da biologia evolutiva moderna. Podemos iniciar a exemplificação deste fenômeno

com uma grande classe de genes, de extrema importância para os animais, a

família gênica Hox.

É bem conhecido que os genes Hox coordenam a estruturação corpórea dos

animais. Eles estão entre os genes mais conservados, ou seja, conseguimos

verificar que eles possuem a mesma origem em todos os organismos. Também

podemos observar que esses genes possuem mutações que os distinguem

levemente de um organismo para outro. Inclusive, funcionam no desenvolvimento

de estruturas equivalentes entre os mais diversos animais. Por exemplo, o gene

lab, que participa da organização da região anterior de uma mosca, é homólogo

aos genes Hox A, B e D, que participam da organização da região anterior de um

embrião humano.

Pode ser possível que o exemplo dos genes Hox ainda deixe dúvidas sobre se

as mutações podem trazer novidades estruturais durante o processo evolutivo.

Dessa forma, vamos analisar um outro exemplo: a perda de membros nas cobras.

Em uma análise inicial, poderíamos entender que a perda de braços ou pernas

fosse um processo de redução de complexidade. Entretanto, ao olharmos o

processo como um todo, a perda dos membros possibilitou o surgimento de uma

nova organização anatômica com complexidade própria. As cobras formam um

grupo bem particular dentro dos répteis, pois foram perdendo os membros

durante sua história evolutiva. Alguns grupos mais basais, como as pítons,

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possuem rudimentos de membros, enquanto as espécies mais derivadas

perderam totalmente os membros. Já é conhecido na literatura científica que o

gene Sonic hedgehog coordena a formação inicial dos membros nos animais.

Partindo desta informação, um grupo de pesquisadores dos Estados Unidos e

da Europa analisaram a sequência deste gene nas cobras e identificaram uma

deleção na região que coordena a expressão deste gene nestes organismos.

Buscando compreender se esta mutação poderia ser responsável pela perda dos

membros nas cobras, reproduziram a mesma mutação observada nas cobras em

camundongos. O resultado do experimento mostrou que, quando a mesma região

é forçadamente mutada em camundongos, eles nascem sem os membros!

Adicionalmente, se fosse reposta essa região em ovos fecundados desses mesmos

camundongos, os indivíduos nascidos recuperavam o desenvolvimento dos

membros! Evidentemente, uma única mutação não foi responsável pela estrutura

corporal das cobras, mas esta mutação não foi prejudicial e gerou uma novidade

evolutiva. Exemplos como esses são abundantes nos estudos de biologia evolutiva.

Isso indica que parte dos defensores do design inteligente realiza uma crítica sem

que tenham um verdadeiro conhecimento sobre os dados gerados pela biologia

evolutiva moderna. Outros eventos que podem levar a aumento de complexidade

já estudados envolvem a duplicação de genes com ganho de função em uma das

cópias e recombinação de módulos funcionais nos genes gerando novidades

evolutivas.

Uma última consideração que gostaria de fazer sobre a argumentação dos

defensores do design inteligente com relação à cegueira da seleção natural é que

o processo mutacional é realmente aleatório, entretanto, nem sempre ele é

prejudicial. Porém, o processo de seleção natural é direcionador, visto que apenas

as características mais adaptadas a uma determinada condição ambiental

permitirão um maior sucesso reprodutivo dos indivíduos que a possuem (Figura

3).

Figura 3. O ambiente apresenta condições frente a diversidade encontrada nas populações. A

sobrevivência dos mais aptos as condições ambientais apresentadas através das gerações é o processo

que chamamos seleção natural.

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Assim, a seleção natural não é aleatória, visto que expõe condições aos

indivíduos. Entretanto, ela tão pouco é intencional a um determinado caminho

evolutivo, visto que mudanças ambientais modificam as condições impostas aos

indivíduos de uma população. Dessa forma, indivíduos em uma população que

estavam mais bem adaptados às condições que o ambiente apresentava em um

determinado momento podem ser desfavorecidos em um momento posterior

devido à dessa condição ambiental.

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4. Período

4.1. Disciplina 4 – A origem da vida e a falta de explicação

de como uma sopa primordial poderia surgir no ambiente

hostil

Dentre as várias conclusões da teoria evolutiva, podemos dizer que a

ancestralidade comum entre todos os seres vivos é tida como um dos grandes

pilares das ideias apresentadas por Darwin. Esta ideia conectou todas as formas

de vida em uma linhagem a partir da qual toda a diversidade teve origem,

indicando uma origem única para a vida. Apesar de formulada diretamente por

Darwin, a ideia de um ancestral único já permeava a ciência de seus

contemporâneos, dentre eles Louis Pasteur (1822-1895), que naquele período

demonstrava a impossibilidade de uma geração abiótica espontânea da vida.

Também neste mesmo período, se consolidava uma das teorias mais corroboradas

ou gerais da biologia: a teoria celular. Dentre as diversas conclusões da teoria

celular, a afirmação que células só se originam a partir de células preexistentes

continha, nas entrelinhas, a ideia de uma descendência comum entre todos os

organismos celulares.

Se tantos dados de um mesmo período convergiam para uma origem única da

vida, por que devemos destacar as premissas darwinianas? A resposta é simples,

pois Darwin foi o precursor da Biologia moderna e sugeriu que a vida teria tido

uma origem comum.

As ideias darwinianas sobre a origem da vida ganharam espaço na ciência

moderna na década de 1920, com os experimentos do russo Aleksandr Oparin

(1894-1980). A partir de elementos simples ele conseguiu reproduzir uma

estrutura que aparentava ser um antecessor das células modernas, os chamados

coacervados. Porém, apesar do brilhantismo experimental de Oparin, as

limitações metodológicas da época impediram mais avanços nesse sentido.

Entretanto, uma das conclusões de Oparin em conjunto com o pesquisador

britânico J.B.S Haldane (1892-1964) levariam, décadas depois, a um enorme

avanço nos estudos sobre a origem da vida. As ideias apresentadas por Oparin e

Haldane modificavam um paradigma da época já que no centro de suas ideias

estava a proposição que a atmosfera terrestre, nos tempos primordiais, era

redutora e não oxidativa (como nos dias atuais).

A partir das ideias sugeridas por Oparin e Haldane, em 1953, o jovem

pesquisador americano Stanley Miller (1930-2007) publicou um artigo seminal no

qual demonstrava a possibilidade de síntese de aminoácidos a partir de compostos

simples como hidrogênio, água, amônia e metano, em uma simulação de

atmosfera redutora tal como fora sugerida por Oparin e Haldane. O experimento

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de Urey e Miller funda uma importante área de pesquisa sobre a origem da vida

que chamamos de química pré-biótica. Os produtos do experimento de Miller

foram reanalisados em 2011 por um grupo de pesquisadores americanos com

técnicas de alta sensibilidade e diversos outros aminoácidos foram identificados

nessas amostras. Desde a fundação da química pré-biótica, vários experimentos

foram realizados e diversos compostos essenciais para os seres vivos foram

identificados, entre eles: bases nitrogenadas, lipídios e carboidratos.

4.1.1. Os argumentos anticientíficos dos defensores do design

inteligente

O primeiro argumento apresentado sobre este tema pelos defensores do

design inteligente é que até o momento o problema de origem da vida é uma

questão não solucionada. Devo aqui concordar com essa primeira afirmação.

Entretanto devemos ter em mente que muitos problemas abordados pela ciência

moderna compartilham da mesma falta de solução no presente.

Sobre este argumento, devemos ter em mente que a ciência é uma forma de

representação do mundo baseada na experimentação. O termo experimentação

colocado aqui é de extrema importância visto que as condições experimentais são

limitantes para os resultados observados. Como já citamos anteriormente,

mudanças nas condições podem levar a resultados diferentes. Também devemos

ter em mente que, com o constante aumento de nossa compreensão, podemos

nos aproximar cada vez mais das condições essenciais para o entendimento de

diversos processo.

No caso da origem da vida, a falta de uma explicação final não é um indicativo

de uma impossibilidade de explicação baseada no método científico. Precisamos

compreender primeiro quais eram as condições atmosféricas na Terra primitiva de

forma mais aprofundada. Vale lembrar que até a década de 1950 não tínhamos

conseguido demonstrar a síntese abiótica de compostos essenciais para a vida

como hoje conseguimos. Esse argumento não desqualifica o poder explicativo do

método científico, mas simplesmente identifica uma característica da própria

ciência que é a capacidade de avanço à medida que o conhecimento vai se

acumulando. Este argumento também não apresenta qualquer desafio à teoria

evolutiva e à tese da ancestralidade comum entre todos os seres vivos, visto que

hoje temos inúmeras evidências de que todos os seres vivos se baseiam na mesma

química biológica herdada deste último ancestral comum. Notoriamente, essa

característica é que torna possível sintetizarmos, por exemplo, a insulina humana

em bactérias, visto que o código de leitura da informação biológica em bactérias

e humanos é o mesmo. Falando um pouco mais sobre as características

compartilhadas entre todos os seres vivos temos: a quase universalidade do

código genético, a informação armazenada em ácidos nucleicos, o processamento

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da informação biológica de forma similar, as vias metabólicas universais, entre

tantas outras características comuns.

Seguindo na argumentação do design inteligente, além de mencionar que

falta explicação de como uma sopa primordial poderia surgir no ambiente hostil

da Terra primitiva, seus adeptos indicam também que as informações necessárias

para a vida não poderiam ser geradas por reações químicas “cegas”. Já

demostramos que a primeira argumentação é falsa, visto que, desde os

experimentos de Urey e Miller na década de 1950 até os dias atuais, a química

pré-biótica já comprovou a possibilidade de síntese dos blocos básicos da vida a

partir de compostos mais simples presentes na atmosfera primitiva da Terra. O

segundo argumento, que questiona como as reações para a vida poderiam ser

geradas por reações “cegas”, mostra inicialmente um desconhecimento da

química básica, visto que determinado conjunto de elementos e compostos

químicos interagem de forma a respeitar a afinidade entre grupos químicos

funcionais ali presentes estando, desta forma, longe de serem “cegas”.

Focando nossa análise nas reações biológicas, vamos buscar argumentos no

conhecimento científico atual. Dentre as reações essenciais que observamos nos

seres vivos, a glicólise é uma via bioquímica básica para a quebra da glicose e

apresenta-se como praticamente universal, estando presente na grande maioria

dos seres vivos. Na reação glicolítica, uma molécula de glicose é transformada por

reações sequenciais em compostos mais simples, com a geração de precursores

para outros compostos importantes para os seres vivos como, por exemplo,

lipídeos e nucleotídeos, além de moléculas energéticas utilizadas em outros

processos celulares.

Recentemente, o grupo de pesquisadores da Universidade de Cambridge,

Reino Unido, liderados pelo Dr. Markus Raiser demonstrou que todas as reações

do metabolismo da glicose nos seres vivos podem transcorrer sem a necessidade

de enzimas, como ocorre atualmente nas células. Também foi demonstrado que

outras vias metabólicas centrais, como por exemplo, o ciclo de Krebs, a via das

pentoses, etc., poderiam ocorrer em condições pré-bióticas, sem o auxílio de

enzimas. Estes dados sugerem que algumas reações destas vias poderiam existir

no ambiente primitivo da Terra e que, com o aparecimento das enzimas, as

reações que ocorriam com o auxílio de catalisadores químicos, passaram a ocorrer

via catalisadores biológicos.

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Figura 4. Esquema representando a substituição de reações realizadas com o auxílio de catalisadores

químicos em um ambiente pré-biótico por catalisadores biológicos (proteínas) no início da formação do

sistema biológico.

Outros dados utilizando métodos de reconstrução ancestral de proteínas vêm

dando suporte ao modelo proposto pela teoria evolutiva. Eles indicam que, em

sua origem, as proteínas eram mais simples e foram incorporando novas partes e

se “tornando mais complexas” à medida que o processo evolutivo ocorria. Os

dados de reconstrução de sequências ancestrais de proteínas também vêm

demonstrando, por meio da síntese em laboratório de tais enzimas ancestrais, que

essas inicialmente eram mais “promíscuas” e que foram se especializando por

meio de poucas mutações durante o processo evolutivo. Em uma busca rápida no

portal Pubmed (https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/) do Centro Nacional de

Informação Biotecnológica (NCBI) do governo dos Estados Unidos, com a

expressão-chave “Ancestral proteins”, encontramos dezenas de artigos científicos

que comprovam tais informações.

Mais uma vez, podemos perceber a fragilidade dos argumentos apresentados

pelos defensores de design inteligente, o que demonstra desconhecimento dos

mesmos sobre importantes dados científicos modernos. Independente disso,

seguiremos analisando outros argumentos defendidos.

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5. Período

5.1. Disciplina 5 - Os biólogos não conseguem construir a

árvore da vida

Uma consequência lógica do padrão de ancestralidade comum entre os seres

vivos é a possibilidade de construirmos uma história única da vida na Terra. A

forma representativa desta história é conhecida como a árvore da vida, cuja

configuração tem sido estudada desde sua proposição inicial feita por Darwin.

Antes das ideias darwinianas, as relações entre os organismos eram representadas

em forma de escalas de progresso, onde organismos mais simples se localizavam

na parte inferior da escala, com organismos cada vez mais complexos nos degraus

superiores. Neste modelo, os seres vivos não possuíam uma conexão que ligasse

toda a vida no planeta, apresentando cada grande grupo uma escala própria. Em

biologia, a Escala Natural proposta por Jean-Baptiste de Lamarck (1744-1829) é a

mais conhecida, contudo, suas ideias foram refutadas com as evidências científicas

darwinianas a partir de meados do século XIX.

Figura 5. Em A, uma representação da escala natural, em que as diferentes linhagens teriam origens

diversas e o processo de modificação levaria a um aumento de complexidade sempre, tendo o processo

evolutivo um sentido de progresso. Neste modelo, linhagens diferentes estariam em graus diferentes de

evolução. Em B, representação do modelo da árvore da vida proposta por Darwin, em que todas as

linhagens têm uma origem comum, não tendo o processo evolutivo o progresso, como das linhagens,

como produto. Neste modelo, não existem linhagens mais evoluídas que outras.

O argumento utilizado pelos defensores do design inteligente a esse respeito

é que os cientistas não conseguem construir uma árvore da vida confiável, visto

que, quando se utilizam genes e caracteres morfológicos diferentes, a

configuração da árvore muda.

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O argumento apresentado acima, proposto como um desafio à teoria

evolutiva por adeptos do design inteligente, em nada afeta a primeira, visto que a

ciência está sempre revendo suas conclusões à medida que novos conhecimentos

são incorporados. Desta forma, mesmo que não fosse possível a construção de

uma árvore da vida final, completa e totalmente resolvida, poderíamos obter tais

representações “mais prováveis” de relações biológicas construídas para inúmeras

espécies representantes de vários grupos de organismos.

5.1.1. Árvores, genes e morfologia

A intuição humana sempre buscou organizar a natureza de forma lógica,

desde das comunidades mais antigas até a modernidade. Vários sistemas de

classificação e organização dos seres vivos foram desenvolvidos durante a história

da humanidade. Por traz de todos estes sistemas estava a ideia de agrupamentos

de organismos por algum critério. Evidentemente, nos primórdios destes sistemas

de classificação, apenas organismos macroscópicos poderiam ser alvos dessas

tentativas. Isso de certa forma tornava a identificação e ordenamento de alguns

grupos um trabalho, digamos, relativamente simples. Digo isto, pois, com o

mínimo de conhecimento, podemos agrupar, por exemplo, uma grande parte do

grupo das aves. E assim eram construídos os grupos, observando o que possuíam

de semelhante para congregá-los.

É evidente que este simples método de agrupamento dificilmente iria permitir

uma conexão entre todos os seres vivos. Com o aumento do conhecimento sobre

anatomia, embriologia, ecologia, bioquímica, genética e demais áreas das ciências

da vida, novas relações, antes não observáveis, foram ficando mais evidentes. Vou

derivar minha análise a partir da década de 1970 até os dias atuais.

Na década de 1970, a Biologia estava em plena transformação,

principalmente devido ao aprofundamento no conhecimento molecular dos

organismos. Neste período, a sistemática filogenética, desenvolvida pelo

entomólogo alemão Emil Hans Willi Hennig (1913-1976) já havia se consolidado e

as relações entre os seres vivos representavam a história natural dos grupos; e não

apenas as semelhanças entre os organismos. As análises conduzidas pela

sistemática filogenética eram baseadas em anatomia comparada, identificando

nos organismos os caracteres que eram primitivos (ancestrais) ou derivados (mais

recentes), estabelecendo assim, uma ordem de surgimento e relação entre os

grupos de seres vivos.

Neste mesmo período, nos Estados Unidos, o microbiologista Carl Woese

(1928-2012) iniciava seus estudos sobre a diversidade microbiana utilizando

ferramentas moleculares como marcadores de história evolutiva. O gene

escolhido para realizar esses estudos foi o gene do RNA ribossomal 16S, que faz

parte da subunidade menor do ribossomo. O ribossomo é a maquinaria que faz a

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leitura da informação biológica contida nos ácidos nucleicos e a decodifica durante

a síntese de proteínas. Esse gene possui características bastante interessantes

visto que todos os organismos celulares o possuem, ele apresenta algumas regiões

variáveis e outras conservadas (podendo assim, agrupar organismos e dentro dos

grupos separar linhagens) e, por último, ele exibe uma taxa de mutação lenta.

Nesta época, os seres vivos eram classificados em cinco reinos, a saber:

Monera, Protista, Fungi, Animalia e Plantae, como proposto pelo botânico norte

americano Robert Whittaker (1920-1980). A classificação de Whittaker foi

utilizada de forma unanime até 1990, quando Carl Woese e colaboradores

apresentam um novo sistema de classificação. Nesta nova estrutura, os Reinos

como proposto por Whittaker foram diluídos e uma nova categoria foi

acrescentada, o Domínio. A partir de então, a vida passava a ser dividida em três

grandes domínios, a saber: Archaea, Bacteria e Eukarya. Os domínios

representam as formas básicas de organização das células de todos os organismos.

Um aspecto interessante desta classificação é a proposição de uma relação de

descendência comum entre o Domínio Arquea (organismos procariotos) e o

Domínio Eucaria, relação esta que cada vez se mostra mais evidente à medida que

novos dados vêm sendo gerados.

Atualmente, dados sobre genética, anatomia comparada, paleontologia,

biologia do desenvolvimento, ecologia, biogeografia, entre outros, nos

apresentam uma árvore da vida extremamente confiável para grandes grupos.

Isso não quer dizer que não existam problemas na taxonomia e no entendimento

das relações filogenéticas. Em geral, os problemas que hoje temos nesse campo

se concentram no entendimento de grupos particulares dentro dos grandes

grupos, principalmente devido a uma diversificação relativamente recente e

também, em vários casos, à falta de conhecimento sobre parte da biodiversidade

do planeta. Entretanto, hoje temos um retrato bem detalhado da árvore da vida e

o desafio das ciências biológicas agora é buscar aumentar a resolução deste

retrato e separar os ramos desta grande árvore.

5.1.2. Genes diferentes geram árvores diferentes

Um outro argumento frequentemente utilizado pelos defensores do design

inteligente é que, se usarmos genes diferentes, vamos gerar árvores diferentes e

por isso esta metodologia não pode ser confiável. Para apresentarmos uma

resposta a esse questionamento, devemos entender um pouco sobre o processo

evolutivo e sobre a natureza dos genes.

O conjunto de todos os genes de um determinado organismo, o genoma,

junto com o ambiente, é responsável pelas características deste ser. Isto ocorre a

partir da interação da expressão deste genoma com o meio externo. Para todas as

funções biológicas existem um gene ou, mais comumente, uma rede de genes

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evolvidos. Estas funções apresentam respostas às condições impostas pelo

ambiente, sendo as respostas mais adaptadas a uma determinada condição

ambiental mantidas, pois irão favorecer a sobrevivência daquele indivíduo ou

grupo que a possuir, aumentando e/ou favorecendo sua capacidade reprodutiva.

Neste sentido, indivíduos que possuam filiação evolutiva histórica mais distantes

mas que habitem ambientes com pressões seletivas similares podem responder

de forma semelhante, ou seja, possuírem genes ou redes gênicas similares para

uma determinada função. A este fenômeno chamamos convergência funcional ou

gênica. Caso utilizemos estes genes ou rede gênica para estabelecer uma história

evolutiva, o que estaremos observando é a evolução da resposta a uma

determinada situação; e não a história natural daqueles grupos.

Esse problema há muito é conhecido pelos biólogos. A maneira de corrigir

estes possíveis erros é a identificação e utilização de genes que, entre todos os

organismos, apresentem pressões seletivas similares, sem casos de pressões

seletivas particulares. No caso do estudo de Carl Woese, o gene da subunidade

menor do ribossomo, em todos os organismos conhecidos, desempenha a mesma

função e está sob a mesma pressão seletiva. Desta forma, as variações e

similaridades encontradas entre os organismos reflete apenas o tempo que um

determinado grupo se separou de outro; e não condições locais dos grupos

analisados. Além deste cuidado metodológico, atualmente, quando possível, os

pesquisadores fazem análises múltiplas utilizando tanto dados moleculares,

quanto dados morfológicos, ecológicos, paleontológicos, etc., criando assim um

cenário cada vez mais próximo da realidade da história natural da vida no planeta.

É importante notar que essa variação na evolução dos genes reflete e reforça

o papel da seleção natural em vários níveis nos organismos. Por sua vez, isso

confere cada vez mais robustez à teoria evolutiva, sempre se sustentando em

evidências, nunca em especulações sem fundamentação experimental. Também

devo salientar que, atualmente, buscando minimizar o efeito de genes particulares

na configuração das relações entre os organismos, tem-se utilizado cada vez mais

análises de múltiplos genes.

Um bom exemplo do aprofundamento no conhecimento das relações entre

os organismos (árvore da vida), foi o estudo liderado pela pesquisadora italiana

Simonetta Gribaldo do Instituto Pasteur na França, que utilizou 81 genes para

refinar o conhecimento sobre as relações evolutivas entre os domínios Arquea e

Eucaria. Neste estudo ficou evidenciada a estreita relação entre estes domínios da

vida, mostrando que organismos eucariotos são descendentes de uma linhagem

de organismos procariotos. O argumento de que não conseguimos construir uma

árvore da vida baseada na teoria evolutiva novamente é, no mínimo, mais um caso

de desconhecimento da ciência moderna visto que podemos encontrar árvores

confiáveis na literatura científica com extrema facilidade.

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6. Período

6.1 Disciplina 6 – A complexidade irredutível

Chegamos agora ao argumento mais utilizado atualmente pelos defensores

do design inteligente, a “complexidade irredutível”. Este argumento foi

popularizado pelo bioquímico norte-americano Michael Behe em seu livro “ A

caixa preta de Darwin”. No centro deste argumento está a premissa de que nas

células existem sistemas únicos com peças bem-ajustadas que só podem funcionar

em sua totalidade, ou seja, a ausência de qualquer peça leva à perda da

funcionalidade. Neste sentido, continuam argumentando que sistemas com estas

características não poderiam ser produzidos diretamente por modificações

graduais e sucessivas a partir de um sistema menos complexo, como proposto pela

teoria evolutiva. Alguns exemplos são utilizados pelos defensores do design

inteligente e repetidos a exaustão, como se uma mentira repetida diversas vezes

conseguisse de sustentar como verdade. Vamos analisar dois dos principais

exemplos utilizados neste discurso.

6.1.1. A complexidade do olho

O argumento sobre a complexidade irredutível do olho e a afirmação de que

este não pode ter evoluído por mudanças lentas e graduais, tem como objeto de

análise, em princípio, o olho humano. Muitos escritores que defendem o design

inteligente afirmam que o olho humano possui um sistema extremamente

complexo de lentes e que a retirada de qualquer uma dessas peças leva à perda

funcional.

Inicialmente, devemos ter em mente o que é um olho em seu estado

funcional. Assim, se queremos entender a evolução desse órgão, devemos nos

perguntar: “como evoluíram os sistemas de respostas químicas dependentes de

luz?” pois o olho é um exemplar desses sistemas. Alerto para este ponto por que

a questão levantada pelos defensores do design já parte de uma questão mal

formulada. A relação de estímulos físicos nos sistemas biológicos já é vastamente

documentada; dentre estes estímulos, a luz tem um lugar especial.

Hoje conhecemos diversas moléculas e sistemas que têm seu funcionamento

dependente da incidência de luz, provocando inúmeras respostas. Em procariotos

temos, por exemplo, as bacterioclorofilas e carotenoides; em plantas, a clorofila;

e nos animais, as opsinas. No presente contexto, vamos focar nossa análise nos

comportamentos controlados por fotorreceptores já que é nessa classe que o olho

humano está inserido.

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Em relação a comportamentos controlados por fotorreceptores podemos

classificá-los em quatro tipos essenciais: (i) fotorrecepção não direcionada, (ii)

fotorrecepção direcionada, (iii) visão de baixa resolução e (iv) visão de alta

resolução.

A fotorrecepção não direcionada é a forma mais primitiva de visão dentre os

sistemas mencionados. Ela pode ser utilizada por diversos organismos para

percepção do ciclo circadiano, presença ou ausência de predadores por percepção

de sombras, ou diminuição da intensidade luminosa. Em 2016, um grupo de

pesquisadores europeus liderados pela pesquisadora Maria Arnone, da Estação

Zoologia de Anton Dohrn, na Itália, relatou o sistema de fotorrecepção não

direcionada em larvas na espécie de ouriço do mar Strongylocentrotus purpuratus.

O interessante neste estudo é que o sistema se baseia em uma classe de proteínas

chamada opsinas, que se expressa em diversas células sensoriais conectadas ao

sistema nervoso. Análises evolutivas destas moléculas indicam que a diversidade

destas nos animais ocorreu antes da separação de dois importantes grupos, a

saber: protostômios e deuterostômios. Estes dados indicam que a recepção e

resposta a estímulos luminosos desempenhou um importante papel na evolução

animal.

O segundo sistema de fotorrecepção é o direcionado, por meio do qual

organismos conseguem determinar a origem do sinal luminoso, porém, sem

formação de imagem. Este tipo de percepção permite que o animal se mova em

direção ou se afugentando da luz, o que confere um valor adaptativo, visto que a

fuga de um predador pode aumentar suas chances de sobreviver, neste caso o

predador pode ser percebido por uma interrupção no sinal luminoso. Este tipo de

sistema já foi relatado em diversos organismos, como protistas, algas e

invertebrados marinhos. Os pigmentos usados neste tipo de fotorrecepção podem

ser observados em protistas e podem ser encontrados em estruturas chamadas

oceloides, que são estruturas funcionalmente análogas ao sistema fotorreceptor

de organismos multicelulares.

O terceiro tipo de fotorrecepção é a que produz imagens de baixa resolução

e que permite detectar automovimentação, possibilitando o controle de diversas

respostas fisiológicas e motoras, sendo considerados por pesquisadores como o

primeiro exemplo de um olho verdadeiro.

Por último, temos a fotorrecepção de alta resolução, que permite a formação

de imagens e permite identificar predadores, presas, estabelecer contato visual,

detectar movimentos e guiar comportamentos em resposta aos mais diferentes

espectros do estímulo luminoso. Estudos coordenados pelo Dr. Dan-E Nilsson da

Universidade de Lund, na Suécia, indicam que este tipo de fotorrecepção tem

como ancestral um sistema de baixa resolução.

É interessante notar que os mais diferentes sistemas responsáveis pela

captação do sinal luminoso utilizam moléculas similares como, por exemplo, a

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rodopsina, que está presente desde as bactérias até os metazoários. O olho

humano, como produto do processo evolutivo, utiliza proteínas da classe das

opsinas em suas células receptoras de luz, não tendo inventado em sua história

evolutiva nenhuma molécula completamente diferente daquelas já utilizadas e

selecionadas nos mais diversos grupos de organismos que possuem sistemas de

fotorrecepção.

Figura 6. Árvore representando a evolução dos sistemas de comportamentos responsivos a estímulos

luminosos. Os sistemas mais simples se originaram a mais tempo. Linhagens que divergiram antes do

surgimento de um sistema mais complexo de sistema de resposta a luz, apresentam atualmente sistemas

mais rudimentares, assim como, linhagens que diversificaram mais recentemente podem apresentar

sistemas mais complexos.

Como exposto acima, fica evidente que hoje conseguimos, com uma

complexidade incrível, reconstruir a história evolutiva do olho a partir de

estruturas extremamente simples, como células fotorreceptoras de bactérias; até

células fotorreceptoras extremamente complexas, como o olho humano. O mito

da complexidade irredutível do olho, no conhecimento atual, não tem

sustentação, desta forma, vamos analisar a nova menina dos olhos dos defensores

do design inteligente, o flagelo.

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6.1.2. O flagelo bacteriano, um lindo motor darwiniano

O flagelo bacteriano é um sistema de locomoção composto por diversos

componentes proteicos trabalhando coordenadamente. Assim como o olho, os

defensores do design inteligente argumentam que tal maquinaria molecular,

devido a seus múltiplos componentes, não pode funcionar sem qualquer peça

deste sistema, sendo assim, impossível ter surgido por um processo lento e

gradual, visto que as partes separadas não aumentariam a vantagem evolutiva.

Em outras palavras: ou o flagelo surgiu todo de uma vez, por intervenção de uma

mente sobrenatural; ou não teria como surgir.

Vamos iniciar esta discussão corrigindo um primeiro erro neste argumento.

Os defensores do design falam em complexidade irredutível do flagelo,

entretanto, existem diversas estruturas diferentes de flagelos nas mais diferentes

linhagens que os possuem. Este primeiro fato já evidencia que o flagelo é uma

macroestrutura molecular que apresenta uma enorme variação estrutural, o que

por si só é já uma conclusão que vai de acordo com as ideias de teoria evolutiva.

Não só estruturalmente os diversos flagelos são diferentes, como também no

seu modo de funcionamento, visto que alguns podem executar uma força motora

baseada em prótons, ao passo que outros são dependentes de um gradiente de

sódio. Alguns podem sofrer modificações pós-traducionais como glicosilação,

enquanto outros podem sofrer metilação. Quando começamos a olhar as

evidências na literatura científica sobre a real necessidade de todos os elementos

para o funcionamento dos flagelos, dezenas de dados demonstram que este

argumento não passa de uma falácia.

Por exemplo, em 2006, o pesquisador norte-americano Nicholas Matzke e o

britânico Mark Pallen reuniram, em um trabalho de revisão da literatura sobre o

tema, diversos casos em que a ausência de componentes do flagelo em

determinadas bactérias que não afetava o funcionamento do mesmo. Um dos

exemplos citados neste artigo é a proteína FliK, componente do corpo basal

flagelar que, quando mutada, ainda permitia o funcionamento do flagelo. Outro

exemplo foi o da proteína FlliO, componente do sistema de exportação que está

ausente em vários tipos flagelares funcionais. Como esses exemplos, podemos

encontrar vários outros na literatura científica, demonstrando que o argumento

de irredutibilidade deste sistema é meramente uma falácia sem evidência na

realidade.

Outra questão é a possibilidade de uma emergência lenta e gradual do flagelo.

Uma resposta a este ponto pode ser dada ao analisarmos a conservação dos

componentes do flagelo. Em estudos comparativos, podemos identificar que

vários componentes são proteínas ligeiramente modificadas entre diferentes tipos

de flagelos, indicando que, durante o processo evolutivo, vários eventos de

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duplicação gênica ocorreram, seguidos de diversificação por mutação e seleção

natural - um clássico exemplo de mecanismo darwiniano de evolução.

Recentemente, um estudo liderado pelo pesquisador Morgan Beeby do

Colégio Imperial de Londres, trabalhando com a evolução do flagelo, evidenciou

os estágios intermediários da história evolutiva desta estrutura e, a partir de

métodos de reconstrução de sequências ancestrais, demonstrou que os estágios

mais simples ocorreram antes da complexidade encontrada atualmente.

Fica evidente com o exposto que o argumento da complexidade irredutível é

baseado em uma proposição sem correspondência na realidade do conhecimento

científico atual e que as premissas e evidências baseadas na teoria evolutiva

apresentam explicações seguras e modelos baseados na própria natureza, sem

recorrer a eventos sobrenaturais.

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7. Período

7.1. Trabalho de conclusão de curso – A criação especial do

Homem

A verdade é que os ditos “desafios” apresentados pelo design inteligente à

teoria evolutiva funcionam como uma cortina de fumaça para a defesa de uma

criação especial humana. Apesar de não estar explícito em seus questionamentos,

frequentemente observamos a associação de seu discurso com a ideia de criação

especial de nossa espécie, independente da relação com outros animais ou

primatas. No entanto, o “criacionismo científico” assume explicitamente esta

premissa, indicando o homem como uma realização excepcional de seu criador,

tal como escrito na bíblia. A justificativa utilizada em ambos movimentos é que um

ser tão complexo quanto o humano não pode ter surgido ou evoluído de

organismos ditos “inferiores”, ‘sendo explicado unicamente por uma intervenção

divina’.

Novamente vamos buscar, no conhecimento adquirido durante décadas na

pesquisa sobre a biologia humana e o processo evolutivo, inúmeras evidências de

que a afirmação sustentada tanto pelo “criacionismo científico”, quanto pelo

design inteligente não passa de mais uma falácia. Além das falácias descritas a

seguir, também existe uma grande omissão de todo o conhecimento científico

baseado na teoria da evolução. Os estudos modernos nos permitiram não apenas

conhecer a biologia de nossa espécie e nosso genoma, mas também, a partir da

biologia comparada, compreender fenômenos fisiológicos humanos. Todo esse

conhecimento tem como pano de fundo o padrão de ancestralidade comum, os

processos relacionados à seleção natural e os mecanismos aleatórios como

mutação e deriva genética.

7.1.1. O número de cromossomos humanos nega uma ancestralidade

comum com chimpanzés?

A história natural da espécie humana se inicia em torno de 200 mil anos, no

continente africano. Evidências morfológicas e genéticas indicam que

compartilhamos um ancestral comum mais próximo com dois dos primatas com

cóccix (sem cauda): o chimpanzé comum (Pan troglodites) e o chimpanzé pigmeu

(Pan paniscus). A ideia de parentesco mais próximo com os chimpanzés remonta

à época de Darwin que foi fortemente atacado por estabelecer tal correlação de

parentesco no seu livro “A descendência do homem e a seleção em relação ao

sexo”.

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Alguns argumentos criacionistas sugerem que isso é impossível, visto que não

observamos chimpanzés “virando” humanos atualmente. Esta afirmação

aparentemente ingênua mostra um completo desconhecimento sobre o processo

evolutivo visto que não é sugerido que chimpanzés se tornaram humanos e sim

que chimpanzés e humanos descendem de uma linhagem de primatas que existiu

há mais de 6 milhões de anos, quando se separaram e tiveram histórias evolutivas

independentes. Por exemplo, a linhagem dos chimpanzés deu origem a duas

espécies existentes atualmente na África, o chimpanzé comum e o chimpanzé

pigmeu, ambos descendentes de outro ancestral comum deles há mais de 1

milhão de anos. Nossa espécie (Homo sapiens) é a única existente atualmente de

nossa linhagem. Contudo, mais 30 mil anos atrás, compartilhávamos este planeta

com outra espécie comparavelmente tão inteligente quanto a nossa, o homem de

Neandertal (Homo neanderthalensis).

Com o aumento no entendimento sobre o processo evolutivo, novos

argumentos em favor da ancestralidade comum entre humanos e chimpanzés

foram tomando forma. Sabemos que os humanos apresentam 23 pares de

cromossomos e os chimpanzés apresentam 24 pares. Em base a isto, veio o

questionamento: “Se somos parentes tão próximos, onde foi parar um par de

cromossomos?”. Muitos afirmaram que esta era a prova definitiva de que os

humanos teriam um lugar especial na natureza, não podendo ser parente de

qualquer outro grupo natural.

Entretanto, 1991, um grupo de pesquisadores da escola de Medicina da

Universidade de Yale no Estados Unidos demonstraram por meio de análises

genéticas que o cromossomo 2 humano é produto da fusão de dois cromossomos

menores encontrados em chimpanzés, assim como também em gorilas e

orangotangos, parentes humanos mais distantes. Desde então, vários estudos têm

comprovado a fusão de dois cromossomos presentes nos chimpanzés dando

origem ao cromossomo 2 humano. Em 2002, um estudo liderado pelo pesquisador

Svante Pääbo do Instituto Max Planck na Alemanha, comparou o genoma

completo de humanos e chimpanzés. Neste estudo, ficou evidenciado que o

cromossomo 2 humano e os equivalentes em chimpanzés apresentam o mesmo

ordenamento de genes e uma diferença na sequência de nucleotídeos em torno

de apenas 1,25% entre espécies. Neste mesmo estudo, também ficou evidenciado

que o genoma completo de humanos e chimpanzés divergiam em apenas 1,24%.

Estes resultados corroboraram com um estudo de 2001 realizado pelos

pesquisadores Feng-Chi Chen da Universidade Nacional de Tsing Hua, Taiwan, e

Wen-Hsiung Li da Universidade de Chicago nos Estados Unidos.

Atualmente, a ciência dispõe de fartas evidências moleculares sobre a

ancestralidade comum entre humanos e chimpanzés; porém vamos seguir

olhando para as evidências para compreendermos mais sobre a evolução humana

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e sua origem natural como qualquer outra espécie que habita ou habitou esse

planeta.

7.1.2. O genoma humano: Um contingente informacional do

processo evolutivo

No final da década de 1980, a biologia molecular já despontava como uma das

mais poderosas ferramentas para a compreensão do funcionamento dos seres

vivos. Na virada para a década de 1990, centenas de cientistas de todo o planeta

se organizaram em um esforço nunca antes visto na biologia, para desvendar o

genoma humano. O projeto foi estruturado nos Estados Unidos sob a liderança

inicialmente de James Watson, um dos descobridores da estrutura do DNA. Mais

de uma década se passou para que fossem divulgados os primeiros resultados,

que foram publicados simultaneamente nas prestigiosas revistas científicas

Nature e Science, em 2003. O motivo de duas publicações simultâneas em dois

conceituados periódicos foi uma corrida na divulgação dos dados pelo consórcio

público e privado.

Os dados divulgados surpreenderam pesquisadores em todo o mundo,

primeiramente, porque o número de genes encontrados se mostrou muito menor

que o esperado, entre 30 mil e 40 mil possíveis genes codificadores de proteínas.

Dados de análises mais refinadas recentes mostram um número em torno de 25

mil. Também se observou que centenas de genes encontrados em nosso genoma

tinham origem em bactérias e foram provavelmente incorporados por um

processo chamado transferência horizontal de genes. O último dado que vou

ressaltar aqui e que arrebatou a todos foi que cerca de metade do genoma

humano é composto de segmentos de DNA derivados de elementos

transponíveis, sendo que alguns deles são derivados de retrovírus. Este dado

realmente é impressionante e mostra que temos em nosso genoma muitas

sequências de origem viral. A inserção deste montante de sequências virais é um

excelente exemplo de que nosso genoma foi sendo montado durante milhões de

anos, desde da mais antiga linhagem que possa ter derivado na nossa.

Naturalmente, evidências como estas apontam para uma origem do homem

inserida na história evolutiva do planeta, a partir de um ancestral primata que

também deu origem aos chimpanzés. Além disso, temos inúmeras evidências que

demonstram que tanto homens como chimpanzés possuem ancestrais comuns

mais antigos com os demais mamíferos, vertebrados e outros animais, assim como

os mais antigos relacionados à nossa relação de ancestralidade com plantas e

bactérias. Aqui, apesar de já termos evidências suficientes que descartam uma

criação especial da linhagem humana, vou acrescentar mais um dado que acredito

ser importante neste contexto.

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7.1.3. A grande miscigenação pré-histórica

Os crescentes avanços nas técnicas moleculares de análise vêm nos

permitindo acessar informações anteriormente crípticas. Um exemplo de

interesse no contexto que estamos analisando é a possibilidade de sequenciar o

DNA ancestral obtido de homens de Neanderthal.

Atualmente, sabe-se que os neandertais foram uma espécie de hominídeo

diferente da nossa e que em um determinado momento de nossa história

conviveu com nossa espécie. Estudos realizados nos últimos 10 anos acessaram

vários genomas que se preservaram desta outra espécie que se extinguiu há 30

mil anos. A partir de 2014, diversos trabalhos liderados pelo Dr. Svante Pääbo do

Instituto Max Planck na Alemanha foram publicados apresentando dados sobre o

conteúdo gênico dos neandertais e de uma outra linhagem asiática relacionada

com este, os Denisovanos, que foram encontrados na região da Sibéria. Devemos

nos perguntar: O que o genoma destas linhagens de hominídeos tem a ver com a

origem do homem? A resposta para essa pergunta é: tudo!

Inevitavelmente, em estudos desse tipo, análises entre espécies próximas são

rotineiras e a comparação dos materiais genéticos de neandertais, denisovanos e

humanos revelou um fato extremamente importante: eles hibridizaram entre si

há cerca de 50 a 100 mil anos na região do Oriente médio e da Ásia central. Este

cruzamento deve ter ocorrido após a saída da espécie humana da África sub-

saariana pois é interessante notar que podemos encontrar, em todas as

populações de humanos modernos, com exceção das indígenas africanas, cerca

de 4% de genoma de Neandertais e Denisovanos. Esta evidência se junta a todas

as citadas acima, em um conjunto extremante forte de evidências que a espécie

humana é apenas mais uma na enorme diversidade gerada pelo processo

evolutivo nestes 4,5 bilhões de anos do nosso planeta, não tendo nada que

sustente o homem como produto de uma “criação especial”, separada da

biodiversidade existente neste planeta.

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Epílogo

A colação de grau

As ciências biológicas constituem um campo do saber que vem

experimentando um avanço extraordinário no conhecimento nos últimos 60 anos.

A descoberta da estrutura molecular do DNA iniciou uma revolução no nosso

entendimento sobre o funcionamento dos seres vivos. A união dos dados oriundos

das mais diversas áreas dentro da biologia vem formando um corpo de

conhecimentos que converge diretamente para estabelecermos a teoria evolutiva

como sinônimo das ciências biológicas, e não mais como uma disciplina isolada. O

montante de evidências experimentais sobre o processo evolutivo que se acumula

fascina a todos e cada vez mais expandimos nosso conhecimento neste sentido.

Entretanto, ao mesmo tempo que o conhecimento sobre os processos

naturais que geram a diversidade observada nos seres vivos se aprofunda, criou-

se um afastamento entre a ciência e a sociedade. Muito desse distanciamento se

deve à rapidez e às exigências sobre os pesquisadores na produção de

conhecimento de nosso tempo, ao passo que a divulgação científica é vista como

uma atividade inferior e não considerada em programas governamentais de

avaliação destes pesquisadores.

Por outro lado, também observamos uma sociedade que apresenta

dificuldades na compreensão do método científico, o que dificulta, em

determinados momentos, a transmissão e conexão do conhecimento entre os

pesquisadores e o dia-a-dia do cidadão, em geral. Apesar de termos uma

sociedade envolta em conhecimento científico aplicado para a melhoria da

qualidade de vida, dificilmente vamos encontrar fora da academia uma clara visão

do que é ciência e como ela funciona.

É no meio deste abismo entre o conhecimento gerado e o entendimento, por

parte da sociedade, de como ele foi gerado, que movimentos anticientíficos

prosperam. Em várias áreas das ciências observamos movimentos anticientíficos;

nas ciências biológicas, os que mais fazem barulho são o criacionismo “científico”

e o design inteligente.

Como podemos observar durante os períodos (capítulos) que se seguiram

neste livro, todos os argumentos apresentados por estas correntes são facilmente

refutados pelo conhecimento científico atual. Neste sentido, devemos ter em

mente que a permanência destas correntes de pensamento se dá, muitas vezes,

devido à falta de entendimento do processo evolutivo por parte de seus

proponentes e da sociedade. Adicionalmente, a falta de conhecimento

aprofundado sobre o método científico torna a sociedade incapaz de discernir

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informações e de refutar argumentações simples, equivocadas ou desprovidas de

base científica.

Em alguns casos também presenciamos pesquisadores de outras áreas do

conhecimento que não a biológica, posando de especialistas, usando o argumento

de autoridade: o apelo para a sua reputação afim de que seu argumento seja

considerado válido. Neste sentido, a confiabilidade da conclusão não tem como

centro a argumentação, mas o prestígio do proponente. Este tipo de argumento é

muito comum em linhas de pensamento pseudocientíficas.

A falta de evidência não é evidência!

Uma coisa que pode chamar a atenção de alguns, mas em geral passa

despercebido, é que tanto o criacionismo “científico” quanto o design inteligente

não apresentam explicações sobre processos naturais, apenas apelam para a

existência de um criador ou designer. Pudemos ver no primeiro capítulo que as

alegações dessas correntes constituem apenas uma série de questionamentos

desprovidas de um mecanismo explanatório e utilizando um elemento divino

como resposta. Podemos facilmente perceber que este tipo de explicação não faz

parte das ciências e sim da religião.

Aqui devo novamente reforçar o enviesamento ideológico de tais defensores,

visto que todas as respostas explicitadas neste livro já são conhecidas há muito

tempo mas elas nunca são levadas a público pelos defensores de tais correntes de

pensamento, fazendo parecer que a ciência não tem argumentos para tais

“questionamentos”.

Outro ponto que se deve ter em mente é que, mesmo que no futuro

evidências mostrem que a Teoria Evolutiva deva ser revista, isso não significa que

o criacionismo “científico” ou o design inteligente serão tidas como teorias

verdadeiras por eliminação. Como discutido, uma teoria deve ser substituída por

outra baseada sempre na experimentação; e não por uma simples ideia sem

evidência científica.

Termino este livro na esperança que possa contribuir para que a infiltração de

ideias pseudocientíficas seja cada vez menos expressiva e que possamos ter no

futuro uma sociedade mais conectada com o fazer científico. Um forte abraço a

todos.

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