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XXXI ENCONTRO DA APHES –
Coimbra ‐ Faculdade de Economia, 18 ‐19 Novembro 2011
Territorialidade marítima no contexto da exploração dos recursos marinhos: a questão das
pescarias ‐1830‐1890 (Portugal/Espanha)
Inês Amorim (UP/FL, DHEPI, CITCEM)
Resumo: A nossa proposta será a de analisar quer os quadros institucionais (portugueses e espanhóis – na Galiza e na Andaluzia) quer os conflitos gerados, a sua natureza e alcance. As fontes e a metodologia adoptadas situam‐se na análise dos sucessivos “Livro Branco das Pescas”, de 1878, 1864 e 1886, todos impressos e divulgados, que inscrevem documentação produzida por várias instâncias locais, centrais, nacionais e espanholas. Cruzados com documentação parlamentar e ainda registos de preços de alguns produtos que avançam no mercado, poderão dar algumas explicações conjunturais.
Assim, procura‐se reunir muito mais do que a informação institucional (quem tutela o quê). Procura‐se atingir a visão ambiental pressentida nos discursos, pelos diferentes participantes na arena dos poderes sobre o mar, ou seja a evolução das alterações de espaços de pesca e dos respectivos recursos (natureza das espécies, avaliação de capturas, efeitos antropogénicos e ambientais, no que se infere dos avanços técnicos as reacções dos homens do mar). Supõe‐se que as possíveis incompreensões entre mundo ciência, interlocutoras neste processo, e mundo pesca, estarão muito mais condicionadas pelos contextos de mercados (relação entre preços dos principais pescados das águas costeiras ‐ sardinha, pescada e a importação de bacalhau, esse “pão do mar”) o que se procurará, pelo menos questionar…
Palavras‐chave: mar, recursos marinhos, território, fronteira
I – Introdução: um título programático: território/apropriação, um percurso de
abordagem
A proposta de abordagem situa‐se na ideia de território e tal pressupõe apropriação.
Situando‐nos no mar e concretamente na área dos recursos marinhos piscatórios, a primeira
clareza prévia a enunciar será a de que nos debatemos com um quadro de fundo: o da
natureza dos recursos, dependentes da geomorfologia (características da costa e respectiva
plataforma continental), móveis e sazonais, em que a sua disponibilidade pode ser afectada
por um conjunto de factores.
O título acentua e privilegia, ainda, várias escalas de territorialização:
‐ numa primeira escala, vista “de cima”, trata‐se de uma construção política do
espaço, do território marítimo nacional, versus internacional, que exigiriam negociação;
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‐ numa segunda, será indissociável, incontornável, o sentido de apropriação
territorial elaborado pelos pescadores, porque não há peixe sem pescador;
No contexto temporal em que nos situamos, 1830‐1890, é inerente esse sentido de
“institucionalização” das pescas, do surgimento de quadros administrativos criados para
melhor administrar os recursos em geral, e, igualmente, de espaços de fronteira com o paí
vizinho, Espanha (a norte com a Galiza, a sul com a Andaluzia). Entenda‐se, porém, que para
os que viviam tais fronteiras poderiam não ter sentido, porque, diz‐nos a investigação
realizada para períodos anteriores, essa demarcação não tinha sentido real, por duas razões:
porque sempre se pescou dos dois lados das fronteiras1, e porque, parece‐nos, os
pescadores estabeleciam, eles próprios, espaços de territorialização, pontos de apropriação
de pescado, “mares” a quem dá nomes e reconhece “territorializa‐os”, são seus2.
A questão das pescarias, que colocamos entre 1830 e 1890, prende‐se com três
aspectos contextuais: o de um enraizamento das pescas na economia portuguesa e das
intervenções centrais associadas a um discurso reformador da pesca; o da crença numa
intervenção desamortizadora despoletada pelas reformas liberais de 1830 condutora de
prosperidade económica e o fim dos obstáculos a um acesso igualitário aos recursos; e,
finalmente, da emergência de um novo quadro de apropriação, sob a intervenção do Estado.
Será neste último processo que se debate a questão da apropriação das pescas num
contexto internacional e da discussão acerca do acesso aos recursos.
II – Um quadro contextual de institucionalização das pescas
A questão da exploração eficaz (entenda‐se de resposta às necessidades de procura)
recua à segunda metade do século XVIII, altura em que um défice de abastecimento
evidenciou dois aspectos: primeiro, a incapacidade das pescas portuguesas em colmatarem
1 Caminha, Romero 2 À marcação de espaços de territorialidade, de maior ou menor extensão e alcance conforme a espécie e a técnica empregue, os pescadores chamam “os mares”. As “balizas” assinalam os locais específicos da pesca detectada e em operação Vd. Graça, A. Santos – O Poveiro, Lisboa, Dom Quixote [1932], 1992, cap. III, as marcas, balizas e divisas; cap.X, Os mares.
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as falhas do consumo nacional e colonial; segundo, o peso que a importação de bacalhau
salgado representava para alimentar as receitas fiscais e a interrupção das descargas
acentuar uma regular política de resposta ao mercado. Tais condicionalismos irão orientar a
acção futura do poder central.
1. Intervenções estatais no quadro de um discurso reformador da pesca
Compreende‐se que a Coroa encetasse uma política de regulamentação do sector,
bem visível na fundação da Companhia Geral das Reais Pescarias do Reino do Algarve
(15/1/1773)3, que serviu como instrumento de actuação política e económica4. Os
resultados, contudo, não foram os esperados. O controlo régio, ao procurar fixar os
pescadores na costa, em particular na fronteira algarvia, provocou a fuga de pescadores para
o sul de Espanha, a Andaluzia, agravada pela guerra comercial e fiscal5, com laivos de
3A política de pescas Pombalina, na Província do Algarve, é relativamente conhecida (o financiamento das frotas, a proibição de saída de pescadores do Reino e de venda de barcos a estrangeiros). A partir do séc.XVIII verificou‐se um desenvolvimento da parte oriental do Algarve bem articulada com a costa sul e sudeste de Espanha fugindo à fiscalização régia (especialmente Olhão, Tavira e Monte Gordo). A criação de Vila Real de S.António, até então ponto de apoio ao reino vizinho, zona de contrabando, tornou‐se a forma de chamar à Coroa o movimento comercial de pescado fresco ou salgado para a Andaluzia. A sardinha era o grande manancial a pescar, procurada para satisfazer o mercado do norte de Portugal, numa altura que o tradicional atum escasseava. Mas mais do que a pesca, o que estava em causa era o negócio da salga, por prensagem, método catalão que invadiu vários pontos da costa portuguesa (Ovar e Aveiro, Porto e Póvoa de Varzim) (Amorim, Inês – “Trabalho e tecnologia das pescas: transferência de modelos entre Espanha e Portugal…”, o.c., p. 152). Quando da renovação da Companhia, em 4/9/1790, ou ainda em 3/7/1815, alargaram‐se os objectivos da pesca, desde os cetáceos, até ao atum, corvina, especialmente corvina no Guadiana e toda a mais “pesca de rede, linha ou anzol própria para salgar”. 4 Perfilam‐se por um certo padrão organizativo. Surgiam fruto de um acto soberano que legislativamente estabelecia um contrato através do qual as Companhias recebiam certas prerrogativas e assumiam certas obrigações. Eram sociedades abertas ao público em geral, acolhendo quaisquer accionistas independentemente da origem de cada um. Configuravam‐se como sociedades de capitais, em que estatutariamente se encontrava fixado o fundo social, o direito de voto, dependente da soma investida, assim como o regime de transmissão das acções. A regra da impessoalidade marcante confirma‐se através do carácter negociável das acções, traço distintivo fundamental das restantes sociedades de capitais existentes no séc. XVIII. Em todas as companhias régias o privilégio da liberdade mercantil, a existir, procurava‐se que fosse unicamente em favor dos nacionais (Marcos, Rui Manuel de Figueiredo – As companhias Pombalinas. Contributo para a História das sociedades por acções em Portugal, Coimbra, Almedina, 1997, pp. 255 e 362). 5 A resposta às isenções sobre impostos e organização das pescarias no Algarve, de Espanha proibe‐se a entrada de sardinha de Portugal, só cessando esra proibição em 1778. Em 23 de Dezembro de 1782 Carlos III proibiu a entrada de peixe fresco assim como de salgado. Novo golpe para Vila Real de S.António. O alvará régio de 18 de Junho de 1787, isentando de direitos o atum salgado e mais peixe salgado, no sentido de favorecer a actividade de conserva, era a resposta aos desafios de Espanha (Lobo, Constantino Lacerda ‐ “Memória sobre a decadência da pescaria de Monte Gordo”, in Memórias Económicas da Academia Real das Ciências, 1789‐1815, v. 3, Lisboa, Banco de Portugal, 1991, pp. 251‐268
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espionagem6, entre Portugal e a Espanha, pelo controlo das rotas da sardinha a fim de
abastecerem os centros de salga dispersos pelas costas da Galiza e da Andaluzia.
Esta política falhada, centrada no Algarve, criou, nos discursos dos academistas da
Ilustração, uma ideia de decadência das pescarias que não corresponde, totalmente, à
realidade. Uma avaliação da evolução e distribuição dos pescadores ao longo da costa
portuguesa, entre 1790 e 1821, confirma que na costa Algarvia houve uma perda de
efectivos mas um crescimento noutros pontos da costa, em particular a norte de Lisboa (e
no Noroeste de Portugal). De qualquer forma, os insucessos da organização da Companhia
trouxeram evidentes reflexos na fundamentação do discurso liberal.
Os discursos projectados na Academia Real das Ciências de Lisboa, nos finais do século
XVIII, diagnosticaram dois factores estruturais como responsáveis pela “decadência das
pescarias”: o peso do senhorialismo e o proteccionismo e privilégio régio, fundamentando‐
se nos seguintes pressupostos:
‐ primeiro, os recursos piscatórios perdiam‐se nas mãos dos rendeiros e
representantes dos senhorios, e os pescadores sofriam as “vexações feitas pelos oficiais de
justiça, rendeiros e seus colhedores”7, dado que, o rei, por expressa doação, delegara os
direitos de exploração piscatória a senhorios laicos ou religiosos que, em resultado de
património adquirido, faziam da pesca uma espécie de reserva na sua área de jurisdição ou
propriedade. O mar, rios e lagoas não seriam mais do que uma extensão da terra e os
direitos sobre os seus rendimentos passíveis de arrendamento, além de que, qualquer dos
titulares da propriedade útil podia, por sua vez, arrendar, doar, ceder ou alienar os seus
direitos a terceiros, contribuindo para um confuso panorama de sobreposição de direitos. As
consequências desta política apontavam para a criação, entre a coroa e os verdadeiros
agentes de produção, os pescadores, de vários níveis de exploração dos recursos, e de
agentes de arrecadação da produção pesqueira que os esmagavam com impostos8.
6 Este sigilo está perfeitamente documentado em correspondência publicada por D. José Cornide, conhecido ilustrado galego, responsável pelas questões da pesca na Galiza, que ao obter informações através de um anónimo, a partir da cidade do Porto, confirmava as discretas operações de apetrechamento de barcos e recrutamento de pescadores em direcção ao Algarve (Cornide, D. Jose ‐ Memoria sobre la pesca de sardina en las costas de Galicia, Madrid , [1774] 1997, p. 153). 7 Id. ‐ Memória sobre a decadência das pescarias em Portugal…, o.c., p. 275 8 Classificação compulsada em Pinho, Cândido de ‐ As Águas no Código Civil, Coimbra, Almedina, 1985, p.10‐11.
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‐ segundo, as características monopolistas e de privilégio, da Companhia Real das
Pescarias do Algarve e de outros contratos régios, eram impedimentos a um livre
funcionamento do mercado e dos sectores produtivos em geral9.
Como se depreende, estes protestos inseriam‐se na crescente afirmação do
individualismo, ao defenderem a possibilidade de os agentes económicos individuais (ou
actuando como grupo) se libertarem, quer da tutela moral e religiosa da Igreja que lhes
fixava normas de conduta, quer da tutela política do Estado, cuja propensão intervencionista
impedia que a ordem natural das coisas por si própria funcionasse. O julgamento acusador
dos academistas e os apelos liberais que prepararam a revolução de 1820, insistiam nas
virtuais capacidades da natureza humana (materializadas na actividade racional do sujeito
económico individual), que teriam como principal resultado a criação autónoma de um
objecto económico.
O resultado desta libertação de interferências religiosas, morais e políticas10 teria
como resultado a reanimação das actividades produtivas e estímulo ao mercado nacional.
Nesta sequência lógica, acreditavam os deputados vintistas ao abolirem‐se os encargos
fiscais sobre a circulação interna, conferindo maior margem de liberdade aos agentes de
comercialização11, projecto de âmbito geral em que o sector das pescas se insere12.
Em essência defendia‐se que ao Estado competia assegurar os direitos de fruição e
de uso. Este juízo remetia para o combate a uma sociedade anterior, na qual o controlo do
meio ambiente pelos homens passava por uma multiplicidade de direitos atribuídos a uma
9 Cf. Cardoso, José Luís ‐ O pensamento económico em Portugal nos fins do século XVIII, 1780‐1808, Lisboa, Estampa, 1989, p.81‐82. Em consequência deste entendimento geral, a prática de contratos, por exemplo, acabou por ser extinta em 1801 depois da representação de D. Rodrigo de Souza Coutinho ao príncipe regente em 1798, que dava por findos os “contratos do sal e da pescaria da baleia” e o sistema de contratos de pesca em geral (vd. Coutinho, D. Rodrigo de Souza. [1783‐1811] ‐ Textos políticos, económicos e financeiros, 1783‐1811, Lisboa, Banco de Portugal, t. 2, 1993, p. 68 e 247). 10 Vd. Cardoso, José Luís – História do pensamento económico português, temas e problemas, Lisboa, Livros Horizonte, 2001, p. 55. 11 Cf. Cardoso, José Luís – “A legislação económica do vintismo: economia política e política económica nas Cortes Constituintes”, Análise Social, Lisboa, v. 112/113, 1991, p. 477 12 Alvará de 15 de Junho de 1825 prorrogando por mais 10 anos a isenção de direitos do peixe seco e salgado que se tiver pescado nos Reinos de Portugal e Algarves e ilhas adjacentes, e referindo‐se aos alvarás de 3 de Junho de 1815 de 18 de Junho de 1787, bem como do decreto de 3 de março de 1797 sobre o mesmo assunto”, in Collecção de leis sobre a pesca desde Março de 1552 até Janeiro de 1891, Lisboa, Imprensa Nacional, 1891, p.74
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multiplicidade de pessoas, sobre um ou vários objectos, entre os quais as águas marítimas e
fluviais13.
2º A intervenção “desamortizadora” da década de 30 do século XIX
Foi com o governo liberal, instalado na ilha Terceira dos Açores, que surgiu um decreto
profundamente revolucionário para o futuro das pescas: o de 1830 (6 de Novembro).
Representa um corte com o mundo senhorial, dado que libertou os pescadores dos quadros
institucionais privados (confrarias, irmandades e compromissos) e das obrigações de
carácter senhorial ou religioso (dízimas, gabelas, caldeiradas, etc.)14 . Dos 24 artigos do
articulado o nº 19 sintetiza o seu conteúdo:
‐ “Ficam abolidos de hoje em diante todos os privilégios que possam estar concedidos
a alguma pessoa, corporação ou companhia para exercer ou mandar exercer qualquer ramo
de pescaria, com a exclusão de todos os mais que o quisessem exercer. Fica portanto livre a
todos os portugueses e pessoas legalmente domiciliadas em domínios de Portugal, pescar
toda a sorte de peixe e com qualquer armação, rede ou arte, que não seja proibida pela lei
geral; salgá‐lo, empilhá‐lo, secá‐lo ou derretê‐lo como mais lhe convier”
Os novos moldes em que se consignava o acesso aos recursos marítimos apresentam‐
se num outro artigo (nº 22) “é permitido a todos os portugueses e pessoas legalmente
domiciliadas em Portugal formar sociedades de pescaria para exercerem por si ou por
interpostas pessoas este ramo de indústria ou para salgarem ou secarem o pescado ou para
extrair o azeite e outros produtos que do pescado se possa extrair”. Em consequência deste
ponto a Companhia de Pesca do Algarve, não sendo extinta, seria uma entre outras mais que
a iniciativa individual quisesse criar.
Na sua essência, o que este decreto clarificava era a qualidade do possuidor, dado que
se anulavam os direitos de muitos, quanto a uso e usufruto, em favor do alargamento da
13 Para esta concepção contribuiu a constituição de 23/9/1822, a carta constitucional de 29/4/1826, da constituição de 4/4/1838 e da legislação de Mouzinho da Silveira, de 3 de Março, 2 e 3 de Dezembro de 1832 que conduziu á reforma e extinção dos forais. Vd. Brandão, Maria de Fátima; Rowland, Robert – “História da propriedade e comunidade rural: questão de método”, in O século XIX em Portugal, Lisboa, Presença/GIS, [1979], p. 179‐180 14 Para compensar a perda destes direitos senhoriais, as corporações civis e religiosas seriam indemnizadas com uma apólice de juro real correspondente ao líquido rendimento médio dos últimos dez anos Cf. Collecção de leis... 1552 a 1891, p. 76
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capacidade de disposição de um só, direito que apenas existia quando se garantisse o seu
pleno exercício no plano supra‐individual. E essa garantia residia na Nação, que é quem
institucionaliza a qualidade de proprietário e a garante perante terceiros. Daí que transitasse
para o Estado o papel de legitimar a posse ou não em nome do bem comum15,
institucionalizando‐se, logo em Fevereiro do ano seguinte ao decreto, que “todos os
negócios relativos a este importante ramo de indústria fiquem sendo da competência da
secretaria d’Estado dos negócios da marinha e Ultramar (25/2/1831)16.
O articulado do decreto de 1830 apenas obrigara cada barco, mediante uma taxa
uniforme, a inscrever‐se junto dos representantes do Estado (um representante da Marinha
ou das Alfândegas) ou dos concelhos municipais, ou ainda, desde Novembro de 1842, em
definitivo, dos directores das alfândegas. As circunstâncias impostas por estas licenças
permitiam identificar os números dos barcos, nomes dos portos a que pertenciam, nomes
dos proprietários, mestres e homens das companhas, indicando‐se os seus “sinais
característicos (cor de olhos, cabelo, pele, barba, altura, idade). Este controlo foi‐se
assumindo como forma de a breve trecho se proceder a uma intervenção mais efectiva por
parte do Estado.
Inserimos, assim, a desamortização do mar num fenómeno mais lato de produção e
aplicação de legislação que desmantelava corporações e instituições senhoriais, incorporava
os seus bens e/ou assumia a sua gestão.
3º A emergência de um novo quadro de apropriação ‐ a intervenção do Estado
No contexto da reforma fiscal, em 1843, uma década depois do Estado chamar a si o
monopólio dos poderes fiscais no território nacional17, foi lançado o imposto de 6% sobre os
quinhões de pesca de cada pescador18, destinado, explicitamente, “ao pagamento de juros
15 Cf. Brandão, Maria de Fátima; Rowland, Robert – “História da propriedade e comunidade rural…”, o.c., p.184. 16 Cf. in Collecção de leis... 1552 a 1891, p. 81 17 Vd. Mata, Eugénia – “Sistemas fiscais e reformas fiscais”, in As finanças públicas no Parlamento Português, Lisboa, Afrontamento/Assembleia da República, 2000, p. 92 18 Vd. legislação de 10/7/1843 e 30/12/1843. O imposto dos 6% correspondeu á substituição da isenção sobre barcos de pesca, determinada por decreto de 6/11/1830, por um direito proporcional sobre lucros dos pescadores, de 6% sobre cada uma das partes ou quinhões que entre si repartirem ficando livres da décima industrial; mais tarde foi diminuída para 5% como informa Silva, Carlos Augusto de Magalhães e, Regalla,
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de dívida externa”, tal como acontecera com as receitas das vendas de bens imóveis de
mão‐morta. Aqui invoca‐se o paralelismo das ocorrências.
Às competências fiscais antecipara‐se, desde 1842, deliberações que acolhiam as
iniciativas individuais: “qualquer companhia ou emprehendedor, seja livre de estabelecer
armações19 nos lugares demarcados, sendo respeitado o direito adquirido por quem primeiro
tiver effectuado aquele estabelecimento” (portaria de 8/3/1842). Este direito de prioridade e
demarcação justificava‐se perante “incerteza dos locais em que se devem lanças as artes e
pela falta de demarcação das distâncias que elas entre si devem guardar, bem como de se
colocarem as mesmas artes em sítios que não só causam estorvos à pesca mas até
afugentam a concorrência do peixe às armações”20.
Doravante, da documentação compulsada emergem os “emprehendedores” que eram
forçados a dirigir‐se às autarquias locais, aos departamentos marítimos, ao Ministério da
Marinha, ou mesmo às câmaras municipais, a demandarem o arbítrio da costa, a “tirar as
suas sortes”21.
A natureza destas demarcações não é clara, mas não poderia, nunca ser uniforme,
perante as características biológicas, dos fundos e da costa, condicionado, certamente, os
sistemas de concessão e as formas de organização de trabalho, pelo que se identificam: a) as
concessões ligadas às armações, artes fixas, que exigiam a montagem de técnicas de cordas
e ferros a maior ou menor fundura e a demarcação de fundos e distâncias entre artes22; b) as
Francisco Augusto da Fonseca ‐ A organização dos serviços das pescas, Lisboa, Sociedade Geographica, 1888, p. 14. 19 Armação de pesca ‐ conjunto de redes armadas verticalmente com o auxílio de âncoras ou estacas utilizadas por forma a barrarem o caminho aos cardumes e a conduzi‐los para um parque fechado de onde o peixe é retirado. Em Portugal usaram‐se três variantes: duas para a sardinha (armações redondas e armações à valenciana, estas mais robustas e de introdução mais tardia) e uma para o atum. As armações para o atum eram exclusivas da costa algarvia e aproveitavam as migrações deste peixe para o Mediterrâneo (atum de direito) e deste para o Atlântico (atum de revés). A última armação para o atum foi armada em 1972 e nela entrou apenas um exemplar! (vd. Brito, Raquel Soeiro de – Portugal, perfil geográfico, Lisboa, Estampa, 1994, p. 197). 20 In Collecção de leis... 1552 a 1891…, o.c., p.87 21 Como acontece em Peniche, 15/9/1843, in Silva, A. A. Baldaque da ‐ Estado actual das pescas em Portugal, comprehendendo a pesca marítima, fluvial e lacustre em todo o continente do Reino, referido no anno de 1886, Lisboa, Imprensa Régia, 1891, p.447 22 Lançamento de armações de atum, portarias de 29/5/67 e 5/6/1867 (vd. A organiza…, p. 17), em Faro, proprietários e empresários das armações, assim definidos na documentação, queixam‐se de usurpações de concessões de pesca junto do intendente da marinha (Portaria de 29/5/1867). O mesmo com os de Tavira (24/4/1872) e com os de Sesimbra (5/3/1873, in Collecção de leis... 1552 a 1891, 141, 152 e 153).
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concessões de espaços para aquacultura em viveiros demarcados23 e c) o reconhecimento
de espaços de actuação de artes móveis ou de arrasto que exigiam delimitação de espaços
de lançamento segundo escalas temporizadas24.
Estas urgências de demarcação explicam a institucionalização dos serviços de pesca
numa Comissão de Pescarias, em 187825, visto caber unicamente e exclusivamente ao
governo a administração e regulamento do usufruto das águas da costa 26, na sequência da
ideia de que ao Estado competia a salvaguarda das condições gerais de acesso e usufruto de
serviços proporcionados em comum, em igualdade de circunstâncias27.
Tal assunção parece ter duas consequências: a necessidade em conhecer os recursos e
os seus limites e em conjugar, de forma negocial, os vários parceiros. Efectivamente,
reconhecia‐se que os discursos liberais da década de 60/70 do século XIX revelavam que a
legislação de 1830 não conduzira a um crescendo das pescas na resolução de
abastecimento28, nem criara um igual acesso à pesca. O lançamento do novo imposto de 6%
23 especialmente desde a década de 60/70 do séc. XIX, empresários são aqueles que têm capital e capacidade para requerer concessões de pesca, tanto no mar, na pesca costeira e do largo, como em sectores a despontar, como seja o da aquacultura (“providências policiais acerca da pesca das ostras”, 15/12/1868 in Collecção de leis... 1860 a 1894, 44). Designados por concessionários, alguns eram indivíduos ligados à investigação científica e/ou à administração pública, norteados por noções de desenvolvimento dos recursos, copiando modelos externos9/9/68, contrato celebrado entre o governo e José Vicente Barbosa du Bocage (encarregado em 1878 de ir a França estudar pescas marítimas e piscicultura), para aperfeiçoar a cultura das ostras, tornando‐se concessionário, por 30 anos, das áreas entre o pontal de Cacilhas e Barja ou Alcochete (Collecção de leis... 1860 a 1894, 40 e 77); outros obtêm concessões na zona de Alcochete (10/11/1869), ou em Aveiro (21/3/1870), ou ainda de Lagos ao Guadiana (18/5/1870) (Collecção de leis... 1860 a 1894, 47, 49, 51). 24 Regulamento para as companhas de pesca na Torreira, de 5/11/1852, in Collecção de leis... 1552 a 1891. 25 com a aceleração da institucionalização dos serviços de pescas, foi criada uma Comissão de Pescarias (em 2/8/1878), reorganizada em 14/8/1892 e depois em 1895, com a designação de Comissão Central de Pescarias (28/3/1895), que se tornou a interlocutora nos pedidos de concessões elaborados por armadores, empresários, patrões e proprietários, representados individualmente ou em forma de sociedades 26 Parecer da Comissão de Pescarias acerca do estabelecimento de armações fixas destinadas à pesca da sardinha na costa do Algarve (23/8/1884, in Collecção de leis... 1552 a 1891, 211 27 Vd. Cardoso, José Luís – História do pensamento económico português, temas e problemas, Lisboa, Livros Horizonte, 2001, p.62‐63 28 As expectativas criadas não terão conduzido, na prática, a uma progressão e satisfação do sector. Pelo menos continua a mostra‐se deficitária a balança. Em 1868, ano em que principiam os mapas estatísticos, o valor do peixe importado asecndia a 1284 contos, nos quais o bacalhau figura por 1207 e o da exportação foi apenas de 170 contos, sendo o déficit de 1114 contos, que se manterá, até 1880 à volta de 1155 contos, atingindo o mínimo em 1887, à volta de 540 contos, não pela diminuição das importações (aumentaram para 1750 contos), mas pelo aumento das exportações até atingirem os 1210 contos neste mesmo ano. O aumento da importação, contudo, significa que pouco terão aumentado as quantidades de pescado para o mercado nacional (cf. em Silva, Carlos Augusto de Magalhães e; Regalla, Francisco Augusto da Fonseca – A organização dos serviços de pesca…o.c., p. 15‐16)
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em 1843 (veja‐se atrás) serviu de barómetro do processo de acessibilidade29. Numa
memória enviada à Academia das Ciências, em 1852, defendia‐se, frente à prática de
especulação de algumas sociedades de particulares, que o imposto fosse aplicado na
dotação de infra‐estruturas piscatórias (portos, docas, viveiros) e de capitais aos
pescadores30, dado que à “autoridade pública” competia administrar os interesses de uma
classe, que “a si se não sabe governar”31, fomentando a fundação de uma caixa
económica”32, a fim de poderem aceder aos capitais necessários. O Estado tornara‐se,
potencialmente, em zelador da incapacidade de acesso, por falta de capitais, aos recursos da
costa.
Na prática, parece que, embora o estudo sistemático destas acções não esteja
concluído, que os empresários emergem e os pescadores perdem capacidade de
apropriação, pelo menos num quadro de crescendo da importância da pesca. Veja‐se pelo
menos um indicador das tendências que se estavam a operar, na costa de Setúbal,
relativamente às armações de pesca concessionadas para a costa de Setúbal (desde o Cabo
Espichel a Sines, em 1887). Os dados indicam que das 41 concessões apenas 8 ou 19.5%
tinham apenas uma armação montada e que 6 armadores possuíam 23 armações ou 57%
dos lugares de pesca, chamando a si mais do que um local de pesca, concentrando recursos
e, naturalmente meios técnicos e financeiros33.
29 Os pareceres surgidos em meados do século XIX, 50 a 60 e na década de 80 deste mesmo século, coincidem com momentos gravosos de subida do pão e, no último caso, com “a extensão aterradora da invasão da filoxera, a paralisação do comércio dos vinhos, a quase extinção da indústria da engorda de gados, a deficiência do crédito agrícola…”( Silva, Carlos Augusto de Magalhães e; Regalla, Francisco Augusto da Fonseca. ‐ A organização dos serviços das pescas, …o.c., p.3) 30 “Memória sobre as pescarias nas costas de Portugal do barão de Vila Cova, de 1858” in Silva, Joaquim Manuel Bragança Lino – Armações de pesca, v.II, dissertação de licenciatura em Geografia, Lisboa, 1966, p.187‐210. 31 Vd. Soares, R. de Moraes – “As pescarias em Portugal”, in Archivo Rural, Lisboa, 1858, pp. 533 a 540 32 Cf. Freitas, José Joaquim Rodrigues de – “Inquérito Industrial do Porto III”,” Inquérito Industrial do Porto IV”, in Novas Páginas Avulsas, comp. Jorge Alves, Porto, Fundação Engenheiro António de Almeida, p. 245, 249 33 Silva, A.A. Baldaque da – Planta Hydrographica da enseada, barra e porto de Setúbal e relatório sobre a pesca matítima e fluvial n’esta localidade, Lisboa, 1887, p.10‐11. Idem – Relatório sobre a pesca marítima nas águas de Peniche, Berlenga, Estellas e Farilhões, Lisboa, Imprensa Nacional, 1889, p.56‐61.
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III – A apropriação das pescas num contexto internacional e da discussão
acerca do acesso aos recursos
A falência das expectativas do novo regime criado com o decreto de 1830 recoloca a
questão da natureza do regime de propriedade. O acesso chocava com carácter aleatório da
pesca, a variabilidade dos ecossistemas, a incessante flexibilidade de adaptação técnica,
social, mesmo cultural, da população piscatória. As normas, institucionalizadas, geraram
perturbações. A complexidade da gestão de unidades de recursos aumentou, num quadro
político‐social a atingir uma outra escala, visível através dos conflitos em torno de artes mais
eficazes que os espanhóis introduziam nas costas algarvias, anteriores ao convénio
provisório de reciprocidade da pesca entre Portugal e Espanha em 187834. Neste processo
diagnosticam‐se duas posturas que nortearão o futuro da gestão das unidades de recursos
pelo Estado em nome da salvaguarda dos direitos de propriedade:
. por um lado a noção de soberania nacional das águas “as pescarias que se encontram
nas águas de uma nação não pertencem, de certo, a esta ou aquela, contudo é fora de
dúvida que são nacionais. Ora a pesca feita em águas de uma nação pelos súbditos de outra
são um acto atentatório dos direitos de propriedade”;
. por outro, a noção de restrição de direito de propriedade, quando se perfilam e
enfrentam organizações e técnicas diferentes e cada vez mais eficazes – o galeão contra as
anteriores xávegas ou tresmalhos: “as artes lançando as suas redes de terra, e alando‐as daí
não empregam companhas positivamente fixas nem assoldadas, portanto toda a gente que
vem à praia puxar as redes, homens, mulheres e crianças têm uma parte do produto da
pesca; assim a pesca das artes chega, por assim dizer, a todos, enquanto que a do galeão só
aproveita directamente aos armadores e à gente assoldada das suas tripulações, em que se
34 Convénio de reciprocidade de pesca entre Portugal e Espanha em 14/7/1878, in Collecção de leis... 1552 a 1891, 162
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não empregam mulheres nem crianças como nas artes; esta é a razão por que a gente miúda
mais oposição lhe faz”35.
1. a noção de soberania nacional das águas
A noção de soberania passou, com toda a certeza, por uma clarificação das tutelas e
de ordenamento da costa 36, assim como um processo de organização do conhecimento
científico dos recursos piscatórios37. Mas foi precisamente a criação da Comissão de
Pescarias em 187838, um mês após a celebração do convénio provisório de reciprocidade da
pesca entre Portugal e Espanha39 que parece tornar‐se a face visível de uma sucessiva
35 Cf. Livro Branco de 1879 – Questão das pescarias, 1879, p.68. 36 O enquadramento do sector oscilou entre a dependência das Alfândegas (portaria de 31/1/1850, que reforçou o decreto de 28/11/1842) e a das autoridades marítimas em Departamentos e Distritos marítimos (decreto de 22/10/1852 e portaria de 27/10/1863 que revogou a portaria de 31/1/1850), dos governadores civis e concelhos (como aconteceu com a criação de uma comissão directora das companhas de pesca da Torreira, na costa de Aveiro, nomeada pelo governador civil e presidida pelo administrador do concelho 5/11/1852). A reorganização do Ministério da Marinha (decreto de 6/9/1859) concedeu, finalmente, às novas unidades administrativas, funções mais alargadas, como “a polícia dos portos, da navegação e pescarias marítimas”. Contudo, na prática partilhavam com os governadores civis e os ministros dos concelhos a sua missão de fiscalização (decreto de 22/10/1852), promulgada mesmo no código civil de 1867, conduzindo frequentemente a colisão ou ausência de poderes (Silva, Carlos Augusto de Magalhães e, Regalla, Francisco Augusto da Fonseca ‐ A organização dos serviços …, o.c., 23). A incongruência legislativa parece culminar no decreto de 30/12/1868 que incumbia os intendentes da marinha da superintendência sobre as pescas marítimas mas que, no ano seguinte, pelo decreto de 28/10/1869, ao extinguir as intendências se esqueceu de mencionar a polícia das pescas entre as atribuições dos chefes dos departamentos marítimos. Só as exigências de formulação de instruções mais precisas no cumprimento do convénio de reciprocidade de pesca entre Portugal e Espanha concedeu às capitanias e departamentos a aplicação de penas regulamentares (Silva, Carlos Augusto de Magalhães e, Regalla, Francisco Augusto da Fonseca ‐ A organização dos serviços …, o.c., p. 24). 37 Esta dinâmica foi desenvolvida pelo zoologista José Vicente Barbosa do Bocage (1823‐1907), professor de Anatomia, Fisiologia comparada e Zoologia na Escola Politécnica de Lisboa. Este nome está associado ao Gabinete de História Natural e o Jardim Botânico da Ajuda que na década de 30 foram integrados no Museu da Academia Real das Ciências (27/8/1836). No ano seguinte, fundada a escola Politécnica (11/1/1837), onde ensinava, reivindicou a anexação do dito Museu, embora só em 1851 a cadeira de zoologia lhe fosse atribuída e o Mueseu apenas em 1858. Por volta da década de 60 a depressiva situação das pescas no Báltico e Mar do Norte conduziu à criação de uma comissão que colhesse informações sobre as condições biológicas e físicas que afectavam a fauna piscícola. A Comissão Kiel surgiu em 1870 (vd. Castro, Margarida – Fisheries science and oceanography:a historical perspective and the future, in “One Hundred years of Portuguese Oceanography, in the footsteps of King Carlos de Bragança”, Lisboa, Museu Bocage, 1997, p. 359). 38 A Comissão de Pescarias, criada em 2/8/1878 (Collecção de leis…1552 a 1891, 166), foi reorganizada em 14/8/1892 e depois em 1895, com a designação de Comissão Central de Pescarias (28/3/1895), Amorim, Inês ‐ A organização dos Serviços de pescas e da Aquacultura e as iniciativas de instruçãocientífico‐técnica (sécs. XII a inícios de XX), in “Mare Liberum” , 2001, p. 123‐164. 39 O Convénio provisório foi precedido, entre outros documentos, pelo tratado de limites entre Portugal e Espanha, em 29/9/1864, aprovado e ratificado em 27/3/1866, que irá desembocar no de 14/7/1878 (in Collecção de leis…1552 a 1891, 162).
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apropriação dos espaços de pesca, dum lado e do outro dos mares fronteiriços de Portugal e
de Espanha.
Tal Convénio, surgiu, paralelamente, de uma política de organização crescente dos
serviços de pesca em Espanha. Desde finais dos anos quarenta que pequenos sectores do
frágil capitalismo espanhol (proprietários, rentistas, armadores e membros de profissões
liberais) vinham apresentando ao Governo diferentes projectos de exploração industrial das
pescarias da costa noroeste africana, partindo as primeiras propostas de empresários
andaluzes de Cádis (1847) e de Málaga (1852‐1858). A política de expansão das pescarias
espanholas foi apoiada pelos acordos de pesca firmados com Marrocos (1860, 1861) e
Portugal (1864). Para assessorar tudo o que se referia ao sector pesqueiro, criara‐se uma
junta consultiva especializada (27/5/1863) que se concretizou dois anos depois com a
fundação de uma Comissão Permanente de Pesca ( 6/4/l865)40.
O articulado do Convénio, em breves traços, permitia a reciprocidade de pesca entre
os dois países41, com excepções sempre que se tratasse de artes fixas ou instalações de
criação de ostras. Do ponto de vista do número de homens e de barcos de cada parte, se
compararmos os dados de Espanha, para 1878 e de Portugal para 1886, Portugal tinha 41%
40 Sobre isto vd. Rubín y Feigl, Juan Pérez de – La institucionalización de la Oceanografía y de la investigación pesquera en España (1830‐1915), in “VII Congresso Internacional da Sociedade Española de Historia de las Ciencias y de las Técnicas”, t.I, Pontevedra, 2001, p.233‐244. 41 1º ‐ os portugueses e espanhóis poderão exercer indistintamente a pesca nas costas marítimas e nos rios limítofes de Portugal e Espanha, sujeitando‐se às leis, regulamentos e disposições vigentes sobre policia de pesca ou práticas estabelecidas sobre o assunto em cada localidade; exceptuando desta reciprocidade as armações de atun, as artes à valenciana e quaisquer outros aparelhos fixos que carecem de autorização especial e excluindo também a reciprocidade de exploração dos bancos de ostras. Limitando o uso das artes de arrastar, artes de Bou ou parelhas, chalut e quaisquer outros de efeito igualmente pernicioso – das 12 milhas da costa para fóra; 2º ‐ sujeita as embarcações de uma e outra nação, em tudo que diga respeito a delitos comuns e contravenções legais, à jurisdição do país a que pertencem; 3º ‐ compete à autoridades marítimas o julgamento das infracções aos regulamentos de pesca; 4º estabelecendo que nos rios Minho e Guadiana será regulado o exercício da pesca pelas autoridades maritimas de Caminha e da Guardia, e de Vila Real de Santo Antonio e Ayamonte; 5º estabelecendo regras na zona do sul para o emprego simultâneo das chavegas e galeões; 6º indicando os preceitos de funcionamento das chavegas e galeões, de modo que as primeiras só poderão calar até profundidade de 13 melros e com distâcias convenientes para que não se embaracem, e os últimos somente poderão calar por fóra da profundidade de 15 metros e com intervalos de resguardo de 1 100 metros entre os barcos dos retadores; 7º propondo que este convénio provisório seja válido por três anos contados da data da aprovação.
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do número de barcos e 45% do número de homens da primeira42. Mas parece que ambos se
situavam numa conjuntura expansiva sem precedentes que poderá explicar um acordo de
alguma forma transitório, como se verá.
2. Direitos de propriedade e eficácia tecnológica
A complexidade da gestão de unidades de recursos certamente aumentou, no âmbito
de um quadro político‐social a atingir uma outra escala, visível, já, através dos conflitos em
torno de artes mais eficazes que os espanhóis introduziam nas costas algarvias, anteriores
ao convénio provisório de reciprocidade da pesca entre Portugal e Espanha em 1878. De
alguma forma, o tratado veio declarar legal um quadro real que o precedeu, como se
descreve de seguida.
A Questão das Pescarias ou Livro Branco, de 1879, organizado subsequentemente ao
convénio de 1878, constitui um conjunto considerável de documentos (124) que, no âmbito
da sessão legislativa de 1879 foram apresentados às Cortes Portuguesas. Focam, acima de
tudo, as relações de pesca entre Portugal e Espanha anteriores ao tratado, mas cingindo‐se
muito particularmente às relações entre a costa do Algarve e a costa Andaluza. Por outro
lado, procuram demonstrar o impacto do Convénio de 1878, relatado em sucessivos Livros
Brancos (1879, 1882, 1886), reveladores das questões à volta da apropriação do espaço
económico e territorial, e que culminará, por sua vez, no Convénio de 188543.
O episódio, que fez despoletar a discussão pública, sucedeu a 2 de Outubro de 1877,
antes do Convénio de 1878, e reportando informações muito anteriores, reunidas pelo
então capitão tenente José Allemão de Mendonça Cisneiros e Faria, que fará parte da I
Comissão de Pescarias44. Relatado pelo administrador do concelho de Vila Real de Santo
António, informava acerca de alguns galeões espanhóis que haviam sido apanhados a pescar
42 Espanha: 14.017 barcos e 66 242 homens e Portugal: 6176 e 29 772 barcos e homens, respectivamente. Vd Comparando as estimativas do sector para Espanha, em 1878 DÍAZ DE RÁBAGO, 1885, e Portugal, em 1886 SILVA, 1891. 43 Vd. convénio entre Portugal e Espanha, 2/10/1885, regulando o direito exclusivo da pesca para os nacionais nas águas territoriais de cada um dos estados, limite reservado até 6 milhas por fora da linha de baixa‐mar das maiores águas; proibindo o emprego de determinadas artes até 12 milhas; regulamento nos rios comuns, etc (Col.1552 a 1891, p.189). 44 Col.1552 a 1891, 167; ColL. 1860‐94, p. 76
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ao largo do mesmo concelho, mesmo sem as autorizações devidas, exorbitando o limite das
águas espanholas, por “boa ou má interpretação dada ao limite da linha onde termina a
autoridade marítima de Portugal e começa a liberdade dos mares …”, a chamada “linha de
respeito”.
A presença de um vapor de guerra espanhol que se encontrava ao largo de Vila Real a
proteger os pescadores espanhóis, teria feito exaltar os ânimos de pescadores portugueses
que se lançaram sobre os espanhóis. As trocas de palavras azedas e agressões exigiram um
inquérito que reunirá bastante informação.
É neste contexto que o “antes” sobressai, evocando‐se um antigo Compromisso
Marítimo de Vila Real de Sto. António dos pescadores portugueses que acusava as artes de
Espanha de delapidarem as armações e xávegas dos algarvios portugueses, ao introduzirem
“…parelhas ou barcas de bou espanholas, essas artes de pesca de invenção infernal…”, quer
de galeões “este novo aparelho de rede de malha, que é uma especie de armação volante,
pode ser lançada a maior ou menor profundidade em qualquer sítio…”. Na verdade,
acusavam os portugueses, “as artes xávegas nacionais, tendo ido pescar na costa da ilha
Cristina, foram de ali expulsos sem motivo (…), tanto mais que em todo o tempo as artes
xávegas espanholas têm vindo pescar à costa do Monte Gordo, sendo aqui sempre bem
recebidas…”.
O inquérito realizado a 19 de Outubro de 1877 permite realizar o diagnóstico da
situação de disputa que se tinha instalado, que, afinal, se procurava resolver:
‐ era prática habitual dos espanhóis e dos portugueses visitarem águas da outra nação,
mesmo antes do tratado de 1878, embora os portugueses fossem pouco acolhidos na “costa
da Figueirita”, acusados de usarem artes proibidas em Espanha (parelhas);
‐ a chegada dos galeões espanhóis a Vila Real de S. António só se fizera no ano anterior, de
1877, e apenas um ou dois galeões, enquanto no ano de 1877 subiu para 20 o seu número;
‐ não houvera, até então, conflitos maiores porque as tripulações dos galeões espanhóis
eram compostas, sobretudo, por portugueses (companhas de 50 homens cada), em número
indeterminado “e esses, no momento do conflito cruzaram os braços tornando‐se neutrais”;
‐ os galeões formavam como que “uma parede e retinham a sardinha que vinha para terra,
ao encontro das armações e das xávegas dos algarvios o peixe apanhado pelos galeões
seguia para Espanha não pagando direitos, concorrendo com a pescaria que os portugueses
16
pescavam e de que pagavam impostos, sendo certo que, até 1872, os espanhóis cumpriam
todas as obrigações de tirar licença e pagarem impostos, lançando as redes, iguais às dos
portugueses, segundo o sistema da “primazia do lanço”, mesmo que fosse contra o interesse
dos portugueses mas, porque era “justo”, era prática consensual;
‐ as parelhas espanholas continuavam a ir pescas à costa portuguesa do Algarve, contra a lei,
sobretudo à noite, embora sendo, por vezes, aprisionadas;
‐ contudo, no que dizia respeito à pesca da linha no alto mar de ambas as costas sempre se
fez pacificamente: os portugueses pescariam nas Areias Gordas, próximo a Cádis e os
faluchos espanhóis nos pesqueiros da costa do Algarve, sem quaisquer conflitos.
A questão era evidente, despoletada pela presença de uma arte, do galeão, muito
mais eficaz perante as artes tradicionais. Os 20 galeões significavam 140 barcos (cada galeão
com 7 embarcações) e 1000 homens a sobre explorar águas já divididas e demarcadas. As
consequências adivinhavam‐se:
‐ em termos de remuneração, as companhas das artes recebiam como paga diária
uma parte, proporcional ao produto da pesca efectuada, em género ou dinheiro, enquanto
os 50 homens por galeão, eram assalariados;
‐ decorrente da anterior, em termos de resultados da pesca, o espaço das artes,
sendo exíguo, diminuía os resultados da pesca e os galeões, como não pescavam a distância
conveniente das artes tradicionais, tiravam‐lhes o ganho, fazendo diminuir os quinhões.
Não obstante existir um galeão português, a sua acção era tolerada, por pertencer a
uma sociedade formada pelos donos das artes tradicionais, não suscitando quaisquer
resistências. Contudo, como sugeria o relator do Inquérito, se aumentasse o número de
galeões a resistência aumentaria, situação improvável dada a inexistência de capitais, ao
contrário do que se passaria do outro lado do rio, do lado espanhol.
A realidade algarvia, contudo, surge num contexto especial, revelador da fragilidade
das acessibilidades e da dificuldade em regular um sector em expansão. Por isso, como
observa o autor do Inquérito: “a questão não era contra os espanhóis mas contra o
sistema, e ver‐se‐á porque ele há‐de continuar, segundo suspeitas que tenho. Os Espanhóis
não tendo nas proximidades da Figueirita nem gente nem espaço para empregar tantos
barcos, uma grande parte dos quais, segundo me consta, é armado com empréstimos
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levantados a juro, hão‐de empregar esforços furiosos para pescarem na nossa costa, e por
fim não podendo obter este desideratum de outro modo, hão‐de fazê‐los figurar como
portugueses. É provável, segundo rumores que me chegaram aos ouvidos, que para o ano os
galeões voltem à costa nacionalizados e embandeirados regularmente como portugueses, e
nada os puderá então impedir de pescar, porque há já um que pesca regularmente‐
autorizado, como acima disse, ou então haverá os mesmos conflitos entre os nossos” 45.
A questão, por conseguinte, não era, repita‐se, contra os “hespanhoes mas contra o
sistema”, um complexo tecnológico irreversível que absorvia recursos limitados segundo os
parâmetros conhecidos localmente. O sistema que surgia era marcado pela existência de
capital, essencial para aplicação em novas e onerosas tecnologias, de proveitos evidentes,
apoiados em áreas de pesca disponíveis.
Acrescia, ainda, a existência de recursos humanos disponíveis, recrutáveis em
Portugal. Esta mobilidade teria a ver com remunerações superiores que o modelo do
assalariamento prometia, e parece decorrer de uma alteração do enquadramento
institucional do pescador em Espanha. Com efeito, desde Março 1873 desaparecera a
obrigação da Matrícula do Mar em Espanha, criada na década de 30 do século XVIII, que
sempre colocou os pescadores espanhóis sob a dependência da Armada46. O fim do registo,
liberalizara, pelo menos em alguns pontos da costa espanhola, o mercado da mão‐de‐obra e
fragilizara o peso das confrarias, baluartes de privilégios de venda e acesso de pesqueiros,
assim como de artes proibidas47. A mão‐de‐obra portuguesa estava ali, bem perto,
disponível, visto que as artes tradicionais já estariam em declínio.
Desta forma, frente ao avanço das novas técnicas, nomeadamente com a chegada
dos vapores e a multiplicação dos cercos, na década de 8048, o Estado português reflecte,
45 Cf. Livro Branco de 1879 – Questão das pescarias, 1879, p.68‐69 46 Vd. Santos Castroviejo, I. ‐ Os séculos XVIII e XIX (ata 1870): protagonistas e transformacións. In: “Historia da pesca en Galicia”, Santiago de Compostela, Universidad Santiago Compostela, 1998, p.92; Joaquim Llovet ‐ La Cataluña marítima a la segona meitat del segle XVIII. La revista de matrícules de Luis Muñoz de Guzmán (1786), in “Primer Congrés d’História Moderna de Catalunya”, 1, Barcelona, Diputació de Barcelona, 1984, p.711‐720; Fernández Díaz, R., Martinez Shaw, C. ‐ La gente de mar en la Cataluña del XVIII., in “Primer Congrés d’História Moderna de Catalunya”, 1, Barcelona, Diputació de Barcelona, 1984, p.553‐567; Vásquez Lijó, J. M, JoJosé Manuel ‐Los privilegios de la matricula de mar. “Obradoiro de Historia Moderna”, 6, 1997, pp.107‐130. 47 López Losa, Ernesto – Derechos de propriedade informales y gestión comunal de las pesquerías en el país Vasco. Un enfoque ecológico‐institucional. “Revista de História Económica”, ano XXI, 2003, nº 1, p.11‐48 48 Vd. 21/7/1891, relatório da comissão de pescarias do Ministério da Marinha sobre o regulamento provisório com redes de arrastar, in Collecção de leis… 1860 a 1894, 255.
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através da legislação emitida e das práticas políticas, a urgência do conhecimento científico
da pesca e a intervenção e controlo das acções desenvolvidas. O convénio de 1885, surge
como um reflexo dos interesses dos dois lados da fronteira, repondo o direito exclusivo da
pesca para os nacionais nas águas territoriais de cada um dos estados e um limite reservado
até 6 milhas49.
O fim do Convénio traduz, igualmente, um contexto mais global, que se passaria um
pouco pela península, França, Itália, Estados Unidos – o do aumento do consumo do
pescado. Em Espanha, desde os anos 70 que se ampliara a geografia do mercado graças ao
desenvolvimento de uma actividade de conservas e da extensão do ferrocarril responsável
pelo alargamento dos circuitos do pescado fresco. Até então a procura limitada era
perfeitamente assegurada pela flexibilidade e o controlo realizado pelas confrarias
adaptando‐se à procura oscilante da população espanhola. Contudo, desde os anos 80, em
toda a Espanha o consumo de pescado per capite aumentou, pressionando as técnicas de
pesca, com impacto visível na sobre exploração de recursos, como aconteceu, por exemplo,
na Biscaia50.
Mas acrescente‐se, ainda, um outro elemento, de ordem sazonal favorável a Portugal
e a Espanha que ganham clientes no quadro de uma crise que a França atravessou na década
de 80 do século XIX e que se agravou nos inícios de XX51, explicando o movimento
irreversível de crescendo da actividade pesqueira desde que a indústria conserveira
fomentou a capitalização das artes que operavam em toda a costa.
Conclusão: uma discussão ambiental diluída: entre “missões de propaganda” e um
programa regulamentador
De todo este processo, a visão ambiental pressentida nos discursos, pelos
diferentes participantes na arena dos poderes sobre o mar, ou seja a evolução das
49 Datado de 2 de outubro de 1885; Proibia, igualmente, a utilização de parelhas, muletas ou outros aparelhos de efeitos nocivos até 12 milhas. 50 López Losa, Ernesto – Una apróximación al sector pesquero tradicional vasco(c.1800‐1880). “Historia Agraria”, 28, Deciembre 2002, p.13‐44 51 Dubois, Xavier – La révolution sardinière. Pêcheurs et conserveurs en Bretagne Sud au XIX siècle, Rennes, PUR, 2004, p.202, 211. Carmona Badía, Joám – Recursos, organizácion y tecnologia en el crecimiento de la industria espanõla de conservas de pescado, 1900‐1936, in “La cara oculta de la industrialisation española”, p. 134.
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alterações de espaços de pesca e dos respectivos recursos (natureza das espécies, avaliação
de capturas, efeitos antropogénicos e ambientais, no que se infere dos avanços técnicos as
reacções dos homens do mar) parece diluir‐se. Quer‐se pescar mais e mais. As poucas
estatísticas para Portugal falam de 18 fábricas de conserva para 1884 e 66 em 188652, um
crescendo multiplicador. O movimento tornou‐se irreversível desde que a indústria
conserveira fomentou a capitalização dos cercos que operavam em toda a costa, mesmo que
ilegitimamente, activado por uma conjuntura propiciadora53.
A partir desta nova orgânica, é mais uma vez um conjunto de códigos legislativos que
confere alguns esclarecimentos no acesso aos recursos54 e a legislação, hesitante, se por um
lado procurava acompanhar e traduzir as alterações tecnológicas, por outro lado restringia
ou adiava a autorização de artes que se incompatibilizavam, resultando, deste processo, um
sistema de acessibilidade marcado pela arrecadação de pontos de pesca em favor de
poucos55.
52 Boletim dos organismos económicos criados pelo ministério do comércio e indústria, nº2 vol.1, Porto: Imprensa Moderna, 1935 53 A guerra de 1914 acelerou o consumo na generalidade e factores locais, como o desaparecimento da sardinha nas costas galegas em 1909‐12 e 1924‐25, obrigaram os conserveiros a virem mais longe, até às nossas costas Vd. Carmona Badía, Joám – “O mar e a Industrialización de Galicia”, in Galicia fai dous mil anos, o feito diferencial galego, v.2 Historia, Santiago de Compostela, Museo do Pobo Galego, 1997, p.255. O próprio Estado português verifica que as receitas das exportações animam extraordinariamente a nossa balança, pois que em 1880 sente‐se já uma aceleração do sector, em 1910 representam 7% das exportações e, em 1930‐35, 20.5%, vd. Simões, Nuno – “Pescarias e conservas de peixe: notas sobre a evolução do seu comércio”, Separata Indústria Portuguesa, Lisboa, 1939, p.21. Em 1913 só o porto de Matosinhos significava 50% do total das capturas do país, acima de Peniche, Portimão e Vila Real de S.António. Em 1917 apuram‐se 188 fábricas de conservas, empregando 14679 operários; em 1925 atinge‐se o maior número: cerca de 400 fábricas Vd. Barbosa, António Manuel Pinto – Sôbre a Indústria de Conservas em Portugal, Lisboa, 1941. 54 Regulamentos da aquacultura (regulamento para a exploração das ostreiras, ostreicultura e depósito de ostras na parte marítima das águas públicas, 1/10/1895; regulamento para a exploração de instalações permanentes de pesca, estabelecimentos de piscicultura e viveiro de peixe na parte marítima das águas públicas, 31/12/1895, in Collecção de leis… 1895, 51, 77, 207) quer da pesca marítima (regulamento da pesca do atum com armações fixas na costa de Portugal, 6/4/1896, regulamento geral da pesca da sardinha nas costas de Portugal, 14/5/1903, in Collecção de leis... 1896 a 1905, 492). 55 Por altura da lei de 21/5/1908, acerca da introdução dos cercos americanos no Departamento Marítimo do Norte, afirmava‐se que não era possível autorizá‐la enquanto não se alterassem as condições de pesca naquele espaço. Este acautelamento residia efectivamente no conflito de interesses entre as redes sardinheiras ou redes de emalhar em lanchas a remos ou ainda as xávegas, em contraste com os cercos americanos e as armações valencianas na zona centro e sul. Mas as cautelas caem perante a eficácia crescente do cerco americano e da traineira que dos centros do sul se ampliaram para o norte, até à sua autorização pelo decreto de 7/6/1913 (Cruz, Salviano – “Estrutura económica e geográfica das indústrias de pesca portuguesa”, in A Revista de pesquisas económico‐sociais, Lisboa, v. 4, n. 1‐6, 1955‐58, p. 116)
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Supõe‐se que as possíveis incompreensões entre mundo ciência, interlocutoras neste
processo, e mundo pesca, estarão muito mais condicionadas pelos contextos de mercados
(relação entre preços dos principais pescados das águas costeiras ‐ sardinha, pescada e a
importação de bacalhau, esse “pão do mar”) do que se pensa. Efectivamente, a discussão
acerca da escassez dos recursos tomou toda a acutilância perante a realidade que
acompanhou o período de 1872 a 1885 e a Comissão das Pescarias emerge como o núcleo
de reflexão fundamentada que respondia e pacificava os pedidos de concessões de pontos
da costa, elaborados por armadores, empresários, patrões e proprietários, representados
individualmente ou em forma de sociedades56, produzindo regulamentos provisórios
conformes às suas atribuições. Ao lado desta Comissão foram nomeadas outras, específicas,
em assuntos particulares, para o Algarve57, costa oeste58 e para a área da Ria de Aveiro59.
Os resultados da sua acção não anularam as perturbações surgidas entretanto, como
revela o discurso da comissão de piscicultura e pescarias marítimas criada no seio da
Sociedade de Geografia de Lisboa realizado a 27 de Junho de 1888. O documento dado à
estampa pela Imprensa Nacional propõe uma regulamentação apertada do sector “se não
quisermos ver desaparecer por completo dos nossos rios o salmão e a lampreia, as ostras e a
truta, e dos nossos mares tantas variedades de peixe”. O texto divide‐se entre uma análise
do quadro institucional existente e uma avaliação do péssimo estado da pescaria, muito em
particular da pesca fluvial, preconizando a execução de projectos de piscicultura. A proposta,
global, previa, por parte do Estado, a criação de uma Comissão Central Permanente de
56 Parecer da Comissão de Pescarias acerca do estabelecimento de armações fixas destinadas à pesca da sardinha na costa do Algarve (23/8/1884, in Collecção de leis... 1552 a 1891, 211). 57 Vd. “concessão a uma firma comercial de Lisboa o sitio da Torre Altinha, na baía de Lagos para lançar uma armação à valenciana” (31/1/1881), “concessão de paragens para as armações de atum na costa do Algarve” (20/1/1882). Portaria nomeando uma comissão composta de deputados da nação e proprietários de armações de pesca, que indicasse ao governo as bases sobre as quais devem formular‐se novas disposições sobre as pescarias nas costas do Algarve (29/5/1888 a 10/1/1889). Esta comissão produziu um projecto de regulamento, 10/10/1888, para a exploração do atum e sardinha, que nunca foi executado (Collecção de leis… 1860 a 1894, 203, 206, 212), 58 Portaria regulando a distância entre as armações de sardinha na costa oeste do Reino, 15/1/1889 (Collecção de leis… 1552 a 1891, 207). “Regulamento provisório para as armações fixas de pesca na costa da Nazareth” (4/5/1879), “portaria para o estabelecimento de armações em Cascais (16/9/1882) (in Collecção de leis…1552 a 1891, 172, 179, 182, 184) 59 Cf. 16/4/1883, in Collecção de leis…1860 a 1894, 464, solicitando ao capitão do porto de Aveiro redigisse um projecto de regulamento para a polícia da pesca do moliço, juntamente segundo tenente armada Francisco Augusto da Fonseca Regala de que resultou o Projecto de Regulamento para o exercício da pesca e colheita de Moliço… (Regalla, 1888).
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Pescarias e Comissões Regionais que pusessem fim ao desregulamento das pescas, aos
conflitos entre pescadores, entre donos de barcos e aparelhos de pesca, que cuidassem da
implantação de um programa de piscicultura e fomento da pesca em geral, divulgando os
processos mais aperfeiçoados da pesca, sem esquecer a necessidade de vigilância nas costas,
dada a presença de embarcações espanholas e francesas60.
Este documento tornou‐se uma peça chave em todo o processo de verdadeiramente
identificação do problema de esgotamento de recursos e da necessidade em contrariar este
processo, produzido por conhecedores próximos do problema. F.A. da Fonseca Regalla fora
capitão do porto de Caminha e elaborara importantes relatórios sobre a pesca fluvial no Rio
Minho e na Ria de Aveiro; José Bento Ferreira de Almeida fora relator da Comissão
encarregada de formular as bases para um novo regulamento de pesca na costa do Algarve,
sector nevrálgico de enfrentamentos fronteiriços e que virá a integrar a designada Comissão
das Pescarias remodelada em 189261
Fica clara a alegação contra a aproximação crescente de barcos estrangeiros das
costas portugueses, em particular de Espanha e da França62 que pescavam, em grandes
quantidades a sardinha, actividade que os membros da Sociedade de Geografia
consideravam que deveria ser actividade dos portugueses, além daqueles usarem artes
extremamente depredadoras, numa altura em que se procurava regular a pesca e superar as
60 Vd. Carmona Badía, 1997, 253. Os Inquéritos de 1889/90 confirmam a pressão dos espanhóis nas costas portuguesas, em Viana do Castelo, invasão de pescadores espanhóis; na Póvoa de Varzim redes de arrasto movidas a vapor; na Figueira da Foz conflitos de pesca à volta dos vapores; no Algarve oriental já o primeiro galeão tinha sido transferido da Galiza para a Isla Cristina em 1867 e em 1874 operava clandestinamente a oeste de Faro. Os galeões espanhóis que pelo seu número, quer pela capacidade de barcos (construídos em grandes estaleiros de Huelva e Galiza), asseguravam, com capturas fabulosas, o abastecimento das lotas dos dois lados da fronteira como se lê em Cavaco, 1976, 227. 61 Em 1868, ano em que principiam os mapas estatísticos, o valor do peixe importado ascendia a 1284 contos, nos quais o bacalhau figurava com 1207 e o peixe exportado valia apenas 170 contos, sendo o défice de 1114 contos, que se manteve até 1880, à volta de 1155 contos, atingindo o mínimo em 1887, mas de apenas 540 contos, não pela diminuição das importações (aumentaram para 1750 contos), mas pelo aumento das exportações, até atingirem os 1210 contos neste mesmo ano (cf. em Silva, Carlos Augusto de Magalhães e, Regalla, Francisco Augusto da Fonseca ‐ A organização dos serviços das pescas, Lisboa, Sociedade Geographica, 1888, p. 15‐16). 62 Vd. Carmona Badía, 1997, 253. Os Inquéritos de 1889/90 confirmam a pressão dos espanhóis nas costas portuguesas, em Viana do Castelo, invasão de pescadores espanhóis; na Póvoa de Varzim redes de arrasto movidas a vapor; na Figueira da Foz conflitos de pesca à volta dos vapores; no Algarve oriental já o primeiro galeão tinha sido transferido da Galiza para a Isla Cristina em 1867 e em 1874 operava clandestinamente a oeste de Faro. Os galeões espanhóis que pelo seu número, quer pela capacidade de barcos (construídos em grandes estaleiros de Huelva e Galiza), asseguravam, com capturas fabulosas, o abastecimento das lotas dos dois lados da fronteira como se lê em Cavaco, 1976, 227.
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dificuldades existentes, em particular a grave crise alimentar que se vivia. O diagnóstico e o
programa de acção apoiava‐se na crise que se fazia sentir63:
‐ crise alimentar, marcada por um défice cerealífero;
‐ invasão da filoxera na vinha e o declínio da produção64;
‐ extinção da indústria da engorda da carne, dada a concorrência da importação sul‐
americana nos mercados europeus;
‐ deficiência do crédito agrícola;
‐ deficiência no abastecimento e exportação de pescado, marcado por um peso
esmagador da importação do bacalhau (94% do valor da importação de peixe)65.
Considere‐se, assim, que as propostas aprovadas nesta Sociedade tiveram eco em
várias medidas concretas e faseadas que incidem no restabelecimento da pesca, em geral, e
da fauna piscícola, em particular. Em síntese:
1º ‐ A realização do “Inquérito sobre o estado, condições e necessidades da indústria
de pesca” (26/6/1890)66 que obedecia um programa prévio que cumpria uma avaliação do
tipo de portos (I), da duração do trabalho (II) das características do pessoal empregue na
pesca (III), do material de pesca e de apanha de plantas marinhas (IV), dos estabelecimentos
de piscicultura e de salga (V), da estimativa da produção (VI) e da situação (VII). Esta última
63 Este documento tornou‐se uma peça chave em todo o processo de verdadeiramente identificação do problema de esgotamento de recursos e da necessidade em contrariar este processo, produzido por conhecedores próximos do problema. F.A. da Fonseca Regalla fora capitão do porto de Caminha e elaborara importantes relatórios sobre a pesca fluvial no Rio Minho e na Ria de Aveiro; José Bento Ferreira de Almeida fora relator da Comissão encarregada de formular as bases para um novo regulamento de pesca na costa do Algarve, sector nevrálgico de enfrentamentos fronteiriços e que virá a integrar a designada Comissão das Pescarias remodelada em 1892 64 Os pareceres surgidos em meados do século XIX, 50 a 60 e na década de 80 deste mesmo século, coincidem com momentos gravosos de subida do pão e, no último caso, com “a extensão aterradora da invasão da filoxera, a paralisação do comércio dos vinhos, a quase extinção da indústria da engorda de gados, a deficiência do crédito agrícola…”( Silva, Carlos Augusto de Magalhães e, Regalla, Francisco Augusto da Fonseca, 1888, 3) 65 Em 1868, ano em que principiam os mapas estatísticos, o valor do peixe importado ascendia a 1284 contos, nos quais o bacalhau figurava com 1207 e o peixe exportado valia apenas 170 contos, sendo o déficit de 1114 contos, que se manteve até 1880, à volta de 1155 contos, atingindo o mínimo em 1887, mas de apenas 540 contos, não pela diminuição das importações (aumentaram para 1750 contos), mas pelo aumento das exportações, até atingirem os 1210 contos neste mesmo ano (cf. em Silva, Carlos Augusto de Magalhães e, Regalla, Francisco Augusto da Fonseca ‐ A organização dos serviços das pescas, Lisboa, Sociedade Geographica, 1888, p. 15‐16). 66 As instruções para o inquérito sobre o estado, condições e necessidades das indústrias de pesca, da apanha das plantas marinhas e da exploração de salinas podem ser consultadas em Collecção de leis …1860 a 1894, 226 a 249.
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rubrica implicava uma identificação das espécies de peixes e plantas, causas da sua
prosperidade e decadência, providências para o seu desenvolvimento e “reclamações dos
interessados”;
2º ‐ A elaboração de vários relatórios, entre os quais o regulamento provisório de
redes de arrastar e o parecer acerca da aceitação do regulamento (de 21/7/1891, 30/71891
e 12/9/189167) que analisavam os efeitos nefastos da introdução de redes de arrasto por
vapores na costa norte do país. Os princípios defendidos obedeciam a três regras essenciais
que congregavam uma ideia única ‐ “respeito absoluto em todos os casos pela desovação e
os fundos”: 1ª ideia – “para todas as espécies migrantes ou semi‐sedentárias, cujo
renovamento não de faz nas águas do litoral, liberdade absoluta”; 2ª ideia: “para todas as
espécies sedentárias ou nómadas, cuja fonte geradora se encontra na zona costeira,
protecção rigorosa no que respeita às condições físicas necessárias à vida do peixe”; 3º “para
todas as espécies, indistintamente, conservação rigorosa dos fundos”. O texto revela um
conhecimento, profundo e comparativo, dos casos espanhol, francês, inglês.
3º ‐ A composição e clarificação das competências da Comissão das Pescarias (14
Agosto 1892) que passou a inserir um lente das Ciências Naturais, dada a necessidade em
proceder ao levantamento dos locais piscosos e à conservação de colecções de exemplares
de espécies e de aparelhos de pesca68; e a criação de uma outra comissão, desta vez
designada por Comissão Central Permanente de Piscicultura (30/9/1892)69, na dependência
do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, a fim de reconstituir “as excelentes
faunas dos nossos rios e correntes, transformando‐os em verdadeiras fábricas de peixe” 70.
67 Collecção de leis …1860 a 1894, 255‐277; 498‐521. 68 Collecção de leis …1860 a 1894, 313, nomeação de Alberto Girard. 69 Collecção de leis …1860 a 1894, 320. Era constituída pelo ministro e secretário de estado das obras públicas, comércio e indústria, presidente; o director geral da agricultura, vice‐presidente; do engenheiro chefe da 3 circunscrição hidráulica; do inspector dos serviços florestais; de dois oficiais da armada, um dos quais será engenheiro hidráulico; do lente de zoologia agrícola do instituto de agronomia e veterinária; de um delegado da sociedade de Geografia de Lisboa, eleito pela mesma sociedade; de dois indivíduos de reconhecida competência escolhidos pelo ministro; do chefe de secção dos serviços florestais da direcção geral da agricultura, que serviria de secretário. Para esta comissão foi de imediato, 24/11/1892, nomeado o engenheiro hidrográfico Baldaque da Silva. 70 Destaque para o artigo primeiro declarando que o objectivo era estudar os processos técnicos mais apropriados para promover e desenvolver no país a criação e multiplicação de peixes, crustáceos e moluscos e a consulta de todos os assuntos técnicos relativos às pescas fluviais; o nº 3, a apresentação de projectos parciais com o fim de promover pela piscicultura a repovoação das águas interiores; o n. 5 organizar a estatística da pesca fluvial, etc.
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Seguiu‐se‐lhe o Regulamento geral dos serviços aquícolas nas águas interiores do país, logo
em 20/4/1893 (Collecção de leis …1860 a 1894, 346 a 367)71 que preconizava uma escola
contínua de conhecimentos faunicos que promovesse a aquacultura (curso de aquicultores,
escolas da beira‐mar, exposições de pescas, compra de obras nacionais e estrangeiras sobre
piscicultura e pescas, publicações de trabalhos sobre aquicultura) através da acção de
comissões regionais de aquicultura nomeadas pelo governo, lançando calendários de defeso
de pesca nas águas interiores, controlando o comércio de peixes com determinadas
dimensões, o tipo de técnicas, o respectivo policiamento72. A durabilidade desta comissão
seria curta dada a reestruturação da Comissão Central de Pescarias (1895/4/5) em Comissão
Permanente de Pescarias, articulando Comissões Departamentais e Comissões Locais, e cuja
constituição era fruto da fusão de elementos que pertenciam às anteriores comissões de
Piscicultura e Central73.
4º ‐ O estudo das pescas e dos peixes, invocada desde a criação da primeira
Comissão, em 1878, foi finalmente regulada em 1895, quando se deram instruções para
remessa de cetáceos, peixes e moluscos e crustáceos, à Comissão Central de pescarias,
seguindo o modelo do inquérito industrial de 1890 relativo à costa do Algarve e elaborado
por Alberto Girard74, que previa a resposta a uma grelha de questões: a denominação da
espécie, o comprimento médio, a frequência, a época de desova, a temporada de pesca, o
modo de captura, o isco empregue, a profundidade a que foi capturado75.
71 Sobressaem alguns artigos nomeadamente do Cap.I da Comissão central permanente de piscicultura (art.18 e 19), porque se propõem nomeações de comissões regionais; cap.II, “da inspecção dos serviços de exploração das águas interiores do país – criação da figura do inspector dos serviços de águas interiores do país; cap.III – Da conservação dos rios, rias, esteiros e lagoas do país em condições ao seu repovoamento que competiria aos directores das circunscrições hidráulicas, segundo regulamento de 19/12/1892; cap.IV, da protecção da fauna das águas interiores do país para promover a multiplicação das espécies úteis; cap.V da polícia e exploração da pesca nas águas interiores do país (que aliás também competiria às circunscrições hidráulicas). 72 A este regulamento sucedem‐se nomeações para a constituição das comissões regionais de aquicultura de Aveiro, Porto, Viana do castelo, Santo Tirso, Vila do Conde, Póvoa de Varzim (p. 401‐2) e Coimbra. 73 Tal fusão prende‐se, certamente, com o novo regulamento dos Departamentos marítimos, capitanias dos portos e respectivas delegações que impunha que para efeitos de pisciccultura, ostreicultura, etc. todos os pedidos de concessões nas águas jurisdicionais marítimas e margens adjacentes acontar da linha do máximo de preamar de águas vivas seriam afectadas ao M. da Marinha e Ultramar.18/4/1895, p. 22 a 35. 74 Inquérito sobre a pesca…, 1890, 369. 75Collecção de leis sobre a pesca…1895, 132‐136 (30/12/1895)
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5º ‐ Finalmente, a criação, em 17/1/190176, da Liga Naval Portuguesa, de que era
presidente o monarca D. Carlos, congénere da de Espanha (Liga Marítima Espanhola,
190077), cujos objectivos foram definidos em 5 capítulos e 40 artigos, ampliados para 14
capítulos no decreto de 24 de Dezembro de 1902, reformados em 11 de Maio de 1905 para
16 capítulos. É nesta última remodelação que retoma uma ideia cara ao Regulamento da
Comissão de Piscicultura – as Missões de propaganda (capítulo 13) – a animação pública das
pescarias, ao propor bibliotecas, escolas e congressos marítimos78.
76 Liga naval portuguesa…, 1912. Collecção de leis …1896 a 1905, 203, aplicados em 1902 (24/12/1902, decreto aprovando os novos estatutos in Collecção de leis …1896 a 1905, 399 e reformulados em 1905 in Collecção de leis …1896 a 1905, 676). 77 Rubin y Feigl, 1999, 7. 78 A Liga desenvolveu um vasto programa de que se destaca: a fundação do Boletim da Liga Naval (1902); a organização do I Congresso Marítimo Nacional em 1903, do I Congresso Nacional das Pescarias, em 1904 em Viana do Castelo, aproximando os diferentes parceiros do sector e o Congresso Marítimo Internacional de 1904, em Lisboa, e respectiva exposição oceanográfica internacional Vd. Assotiation Internationale de la Marine, Congrès de Lisbonne, 1904, Paris, Imprimerie Lahure, 1904.