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XXIX Reunião Brasileira de Antropologia 3 a 6 de agosto de 2014 Natal-RN Grupo de Trabalho: XX ANTROPOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE NO PIAUÍ A BUSCA POR UM ARCABOUÇO TEÓRICO METODOLOGICO May Waddington Telles Ribeiro UFPI - PPGANT

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XXIX Reunião Brasileira de Antropologia 3 a 6 de agosto de 2014

Natal-RN Grupo de Trabalho: XX

ANTROPOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE NO PIAUÍ

A BUSCA POR UM ARCABOUÇO TEÓRICO METODOLOGICO

May Waddington Telles Ribeiro UFPI - PPGANT

ANTROPOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE NO PIAUÍ

A BUSCA POR UM ARCABOUÇO TEÓRICO METODOLOGICO

May Waddington Telles Ribeiro PPGANT e PRODEMA UFPI

INTRODUÇÃO

Ao longo da última década, foram feitos esforços de análise de propostas de

desenvolvimento no meio rural do Piauí1 buscando compreender as especificidades das

formas como a região tem sido alcançada pela modernidade capitalista. O presente livro

apresenta alguns dos resultados do Programa de Pesquisas “Dinâmicas Culturais e

Ruralidades Contemporâneas”, uma parceria entre o Programa de Pós Graduação em

Antropologia a Universidade Federal do Piauí (PPGAnt/UFPI) e o Programa de Pós

Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da universidade Rural do Rio

de Janeiro (CPDA/UFRRJ) financiado pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento

de Pessoal de Nível Superior – CAPES pelo Programa de Cooperação Acadêmica -

Novas Fronteiras (PROCAD-NF). Este programa agregou, entre 2009 e 2014,

professores doutores das duas instituições em trabalhos de pesquisa no Piauí,

promovendo dois seminários e simpósios anuais com mesas redondas e minicursos.

Financiou viagens a campo e a participação de professores em congressos, assim como

três estágios de pós doutoramento e oito mestrados sanduíche. Finalmente, deu origem

ao Grupo de Pesquisas em Antropologia do Desenvolvimento e Meio Ambiente em

colaboração com alunos de graduação e mestrado da UFPI.

Minha pesquisa individual se iniciou em 2003, quando o mel do sertão piauiense

conquistou o mercado internacional atingindo altos preços internacionais em um

“boom” econômico inédito, ocasionado pela condenação europeia dos meles da

Argentina e da China contaminados por agrotóxicos e antibióticos. Embora não se

tratasse da realização da profecia de que “o sertão viraria mar”, a relação da apicultura

do sertão com o mercado apresentava uma importante inversão: justamente por ser

produzido em uma região excluída dos processos de modernização capitalista da

1 A parceria entre o CPDA/UFRRJ e o PPGANT/UFPI através do um PROGRAMA DE COOPERAÇÃO

ACADÊMICA PROCAD-NOVAS FRONTEIRAS financiado pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES.

agricultura denominada de “revolução verde” 2 considerada, portanto, “atrasada” (leia-

se “subdesenvolvida” e pobre), o mel do Piauí alcançava o mercado internacional como

um produto de luxo. A consciência internacional de questões ambientais como o limite

dos recursos naturais e os riscos e perigos da contaminação silenciosa, produzia um

mercado de nicho sofisticado que demandava a pureza do mel da caatinga, e construía

moderníssimos sistemas de certificação e rastreabilidade que o qualificavam como

“orgânico” e de “mercado justo”. Assim, aquilo que era “pobre” se tornava “chique”.

Era recente, então, a inauguração do governo Lula, com uma grande festa popular

em Brasília seguida, no primeiríssimo dia de governo, por uma emblemática viagem da

comitiva presidencial ao município de Guaribas, no semiárido piauiense, onde foi

fincada a estaca simbólica do programa Fome Zero. O gesto, que anunciava a grande

sinergia que haveria de se construir entre o governo federal e o combate à pobreza no

nordeste, coincidia com o primeiro governo estadual do PT no Piauí. Este alinhamento

não apenas facilitou os investimentos em infraestrutura tais como a construção e

renovação de estradas como estimulou o investimento de empresas privadas de telefonia

celular na região e despertou o interesse de uma miríade de instituições de fomento3 em

programas sociais tais como a instalação de “Pontos de Cultura” informatizados

idealizados pelo Ministério da Cultura, ou a distribuição de equipamentos de segunda

mão por empresas estatais a bibliotecas e centros municipais associadas a torres de

transmissão, em todo o interior do estado. O sertão pulsava com novidades, permeado

pela rede de novas tecnologias de comunicação que modificava o binômio urbano/rural,

entremeado de dinâmicas que o retiravam da situação de região remota e inalcançável

que tanto contribuíra para classificá-lo enquanto “atrasado”.

Em 2007, trabalhando na Universidade Federal do Piauí através de uma bolsa

DCR/CNPq, a região já se caracterizava como a “nova fronteira agrícola no nordeste”, o

“cerrado da vez”. Assim, minha pesquisa se estendeu à entrada da soja e do biodiesel no

Estado. A partir de 2009, já concursada e tendo sido instalada a parceria institucional

2 Processo de modernização da agricultura, que intensifica a produção de commodities de exportação

através de uso intensivo de maquinário agrícola, sementes modificadas e extensionismo rural especializado na promoção desta tecnologia como o plantio direto que favorecem uma atividade com uso intensivo de agrotóxicos e baixa absorção de mão de obra. 3 Para ilustrar a forma como diferentes instituições se articulavam, citando apenas alguns dos projetos

estudados, a instalação da Casa Apis em Picos agregou investimentos da Fundação Banco do Brasil, Sebrae, IICA-Holanda, CODEVASF mobilizando a Universidade Federal do Piauí e diversas secretarias locais; fundações como a Cáritas e Pão para o Mundo que já operavam há décadas na região apoiaram iniciativas de reconhecimento de terras quilombolas; SEBRAE, IPHAN, INPE, Banco do Nordeste e F. Banco do Brasil se debruçaram sobre a certificação da cajuína, bebida tradicional local.

entre o PPGANT/UFPI e o CPDA/UFRRJ, esta não poderia deixar de contemplar a

chegada da empresa Suzano Celulose e a implantação de 160 mil hectares de

monocultivo de eucalipto no estado. Em seguida, fomos instados por movimentos

sociais a investigarmos os processos de planejamento e licitação para a construção de

barragens no rio Parnaíba, como parte do Programa de Aceleração do Crescimento.

Se os sertões e cerrados do Piauí não haviam “virado mar”, passavam por

transformações visíveis e concretas, promovidas pelo rapidíssimo desmatamento e pela

instalação de florestas de eucalipto e campos de soja. As relações políticas e econômicas

historicamente constituídas também se transformavam de forma aguda com a circulação

da elite política representada pela ascensão do PT ao governo do estado e com a

consequente absorção de quadros do movimento social. Percebiam-se também

transformações nas relações de produção no campo com a formação de um grande

número de cooperativas, sindicatos e associações em assentamentos possibilitadas

principalmente pela abertura de estradas, pelo acesso melhorado à saúde e à educação,

assim como pelas políticas de distribuição de renda que se conjuminaram no Bolsa

Família, interferindo no grau de dependência política dos trabalhadores no campo.

Desde então, sucedem-se novidades de infraestrutura promovidas pelo PAC,

como a instalação de linhas de energia ou obras que pretendem modificar as condições

de acesso aos recursos naturais do estado, como portos, aeroportos, estradas ou a

ferrovia Transnordestina que corta o leste do estado, favorecendo o acesso às áreas onde

mineradoras planejam ou começam a instalar-se. Audiências públicas contemplando a

extração de gás de xisto foram realizadas no início de 2014. Grande parte destas obras

geram conflitos socioambientais ao promover o deslocamento de comunidades rurais

longamente assentadas na região. Tais conflitos dão surgimento a movimentos por

direitos de permanência ou de compensação que clamam pelo reconhecimento de

identidades coletivas enquanto quilombolas ou indígenas4. A partir de 2013, mais uma

grande empresa, a Terracal, anuncia a instalação de um grande projeto de agricultura no

vinculado à produção de bioenergia, molho de tomate e chocolate, desafiando relatórios

de identificação de terras quilombolas e certificações da Fundação Palmares em

andamento.

4 Se em 2006 havia 20 comunidades que se autoidentificavam como quilombolas no estado (SOUSA,

2008), em 2012 já ultrapassavam 150 e de nenhuma comunidade indígena identificada, constam hoje quatro grupos indígenas reconhecidas pela FUNAI.

A descrição dessa amplidão de situações de pesquisa e da velocidade com que se

apresentaram colocou um importante desafio epistemológico ao estudo antropológico,

cuja metodologia prima por recortes específicos e análises etnográficas de situações

concretas. Como apreender as mudanças que ocorrem em diferentes territórios e

ecossistemas5 que comprazem o estado do Piauí, afetando a sociedade local em toda a

sua diversidade de formações6, através de uma Antropologia do Desenvolvimento? A

amplidão e velocidade das mudanças obrigou-nos a estudos comparativos, surveys,

etnografias de pequena duração e a viagens coletivas a campo por grupos que se

distribuíam em diferentes projetos colaborando na troca de informações, reconhecendo

a complementaridade de seus trabalhos.

Ao direcionarmos nossa prática antropológica ao conjunto de propostas de

desenvolvimento em ação no Piauí, tentamos estabelecer uma base teórico-

metodológica. Entendemos que devemos buscar na formação discursiva do

Desenvolvimento os elementos constitutivos de uma ordem (Escobar, 1995) que

organiza os esforços institucionais e constrói uma rede de atores posicionados

assimetricamente em um campo (Ribeiro, 2009) no qual se estabelece uma correlação

de forças a fixar prioridades e conduzir decisões que impactam fortemente a vida de

populações locais (Peet, 1999) cuja cultura construiu e foi construída em contato

estreito com seus territórios (Almeida, 2008). Essa orientação teórica nos obriga a

repensar a dualidade rural/urbano de forma a apreendermos a imbricação, no mesmo

espaço físico, de diferentes esferas de atividade a envolver nossos sujeitos, em redes

simultaneamente familiares, sociais e afetivas, produtivas, comerciais, industriais e

científicas, onde uma gama variada de atores se põe em contanto através de relações

assimétricas que estão em constante transformação (Carneiro, 2012).

Na medida em que começaram a aparecer os resultados do trabalho de

pesquisadores e alunos que se instalavam em comunidades ou analisavam situações

locais específicas sobre as quais o impacto de grandes projetos de desenvolvimento se

faz sentir, surgia a necessidade de uma reflexão metodológica que permitisse apresentar

tais resultados de forma inteligível. Ficava claro o desafio identificado por Escobar no

5 semiárido, cocais, cerrado, litoral

6 Para mencionar algumas categorias, sertanejos, quilombolas, indígenas, povos de fundo de pasto,

vaqueiros, pequenos criadores entre camponeses situados em baixões e nas serras e voltados para diferentes atividades extrativistas, assentados da reforma agrária, além de uma população urbana diferenciada em classes e categorias sociais com fortes vínculos com redes familiares nos municípios rurais.

início de sua articulação de uma Antropologia do Desenvolvimento há quase vinte anos

(Escobar, 1995): como sistematizar os estudos etnográficos locais de forma que revelem

e iluminem o processo de colonização civilizadora maior que enquadra as localidades

estudadas? Como manter a prática dialética de apontar a lente etnográfica a diferentes

direções, sem perder a densidade etnográfica? Seria o nosso objeto de estudo a

comunidade diante das mudanças, ou seria este justamente a articulação entre estes

sítios locais (comunidades, microrregiões e redes) com a dinâmica social maior

organizada sob a égide discurso do Desenvolvimento, que subjaz às situações de

campo?

Indo além do conhecido adágio Geertziano que nos alerta quanto ao caráter

reflexivo da antropologia ao ressaltar que mais de estudarmos “a aldeia” estudamos “na

aldeia”, o que aqui se destaca como objeto não é nossa própria civilização ou cultura.

Embora o olhar antropológico para o “outro” conduza a uma maior compreensão dos

processos e dinâmicas da sociedade e da cultura à qual pertencem os cientistas sujeitos

da pesquisa, não é este o recorte que aqui proposto. Percebemos nosso objeto como a

própria inter-relação entre o local e o externo: a dinâmica que relaciona o grande

movimento com as situações de campo, sejam estas as comunidades, redes ou

microrregiões que analisamos.

No entanto, definir e recortar nosso objeto de forma a incluir a dinâmica social e

cultural que se autoreconhece na noção de “Desenvolvimento” não implica na pretensão

a uma “nova Antropologia”, como ocorre tantas vezes em nossa nervosa ciência, diante

de novos enquadramentos possíveis. Na medida em que se define um quadro e uma

metodologia específica e que se acumula um corpo de conhecimentos produzidos,

parece mais plausível mesmo pensar que uma Antropologia do Desenvolvimento seja

uma vertente da “boa e velha antropologia”, visto que se refere ao mais prístino dos

objetos antropológicos do encontro entre formações socioculturais distintas: a alteridade

vista e interpretada através dos olhos da cultura moderna; a cultura moderna refletida

nos olhos de uma alteridade externa à mesma.

O que fazem os antropólogos que se voltam à Antropologia do Desenvolvimento?

O grupo de antropólogos operando no Piauí procurou as especificidades locais das

formas como o avanço das propostas de desenvolvimento sobre o território reconfigura

relações de força, sociabilidades, formas de vida, manejo de recursos naturais e como

alteram as condições de reprodução social de coletividades rurais tradicionais

(Gonçalves Ferreira, Sousa Neto, Rodrigues de Sousa, Ribeiro, Silva Oliveira, Silva,

Andrade, Kós). Procurou compreender, também nas cidades, a forma como a cultura e

saberes dos grupos tradicionais estudados estão imbricados nas situações urbanas

(Gontijo e Costa, Oliveira, Pereira de Sousa). Para tanto, registraram como diferentes

atores traduzem diretrizes de intervenção, interpretam valores em disputa, apropriam-se

diferentemente de recursos naturais, culturais e institucionais, alterando suas posições

nas equações de poder local. Ao invés de agregados estatísticos, buscaram as formas,

meios e canais específicos pelos quais diversos grupos sociais (camponeses,

quilombolas, indígenas mas também urbanos de diferentes classes sociais) se

imbricavam com o movimento colonizador externo.

Definimos tais comunidades tradicionais como sendo compostas por um

campesinato itinerante que, ao ocupar o território gradativamente e em função de

migrações historicamente determinadas, passaram por processos de territorialização

(Pacheco de Oliveira, 1999; 19-22) nos quais desenvolveram e dominaram formas

específicas de manejo de recursos naturais, adaptaram-se e criaram formas específicas

de sociabilidade que implicam em saberes, códigos e regras de comportamento

diferenciadas, expressões culturais e manifestações artísticas próprias. Identificamos,

em nossos trabalhos, dinâmicas pelas quais as famílias camponesas estudadas se

organizam em redes que se distribuem por áreas de campo e de cidade, migram e

passam temporadas em sítios diferentes da região, mantendo fortes vínculos de

reciprocidade e solidariedade. Desta forma, os saberes, códigos e regras de

comportamento não são exclusivos do comportamento no campo, estando também

presente nos ambientes urbanos.

Faz-se necessário, então, definir o que chamamos de “dinâmica social maior que

subjaz às situações de campo” como um momento específico da modernidade

capitalista, constituindo um sistema de mercado globalizado com massiva concentração

de capital no qual o desenvolvimento das forças produtivas requer a abertura de novas

fronteiras territoriais7 e avança sobre bens de uso comum como a terra e seus recursos

7 Para maiores descrições do capitalismo de espoliação em seu estágio atual ver Harvey e os processos

de desregulamentação de leis de trabalho ou de reserva de terras às comunidades tradicionais promovidos pelo avanço das fronteiras da exploração de recursos naturais ver Acselrad & Bezerra, que apontam para o processo de desregulamentação e deslocalização do capital como elemento central ao processo, (Acselrad & Bezerra, 2009, pag.183). A chantagem locacional que se estabelece na medida em que investidores ditam as regras de remessas de lucro, estabilidade, condições fundiárias e ambientais apropriadas foi batizada de “alternativas infernais” não deixando escolha para aqueles que querem emprego e divisas, do que a resignação ou a denúncia impotente (Stengers e Pignarre, 2005, apud Acselrad, 2010, pag. 180). Para uma análise das pressões sobre terras e deslocamento de comunidades

naturais, assim como sobre obras construídas com recursos públicos ou produções

intelectuais e culturais que se transformam em propriedade privada (Acselrad e Bezerra,

2010, 179-209; Almeida, 2012, 104-105). A compreensão de tal dinâmica social

enquanto um complexo de formas de produção e exploração econômica concreta não

ignora sua existência simultânea enquanto complexo sociocultural que também opera

através de sistemas ideacionais, valores, símbolos e significados.

Fundamental, então, definir o termo “desenvolvimento” cuja discussão já tem sido

amplamente realizada na linha de uma antropologia pós-estruturalista ou pós-

colonialista. Embora merecesse muito mais espaço do que podemos conferir nesse

artigo, ressaltamos o uso generalizado e ontológico da noção como uma promessa de

“mais de tudo para todos” que sustentou o crescimento do sistema capitalista relegando

questões de equanimidade geopolítica a um futuro posterior. Herdeira de ideais como o

Progresso ou da evolução social inexorável de natureza espiritual ou biológica,

associou-se, desde a segunda guerra, à ideia de crescimento econômico e de

estabelecimento de um padrão civilizatório urbano-industrial, baseado em uma cultura

material medida comparativamente, determinando um padrão de desenvolvimento que

automaticamente implicava na assunção da identidade de subdesenvolvido aos que nele

não se enquadravam (Waddington, 2002).

Porém, nosso trabalho não consiste na teorização sobre mudança social conforme

sua longa tradição na sociologia que discute a qualidade da mudança social enquanto

linear, multilinear ou cíclica. O que o instrumento da etnografia faz bem e o que a

reflexão antropológica permite é iluminar as áreas da vida e do discurso onde se

sedimentam e se naturalizam os acordos tácitos, os valores não verbalizados e os

significados transpostos e deslocados em diferentes aplicações, contribuindo para fixar

formas de comportamento e estratificar relações de força e condições de acesso aos bens

públicos. O que se pretende é reconhecer enquanto uma realidade empiricamente

observável, o sistema de ordenamentos sustentados por um discurso ontológico que

articula relações de poder de forma tão próxima ao cotidiano que se faz despercebida.

Para os nossos propósitos, é importante ressaltar que observamos, nas condições

de pobreza e de calamidades climáticas a que o nordeste brasileiro tem sido submetido,

uma expectativa da mudança social (ou desenvolvimento) dual. Se do ponto de vista da

resolução da pobreza se reconhece a necessidade de maior acesso a capitais sociais e

tradicionais, e da racionalidade que os justificam ver Almeida (Conferência RBA 2012; Almeida, 2010, pag. 104 e 105).

alterações na ordem política, do ponto de vista de equiparação com os outros estados da

nação brasileira existem objetivos de aceleração histórica e justiça regional que são

postos pelo jogo discursivo e comparativo, geopolítico que estabelece o sistema urbano-

industrial como parâmetro.

Falamos, assim, de um desenvolvimento capitalista que estende formas de

produção e de exploração de recursos de determinados sítios no planeta a outros sítios

em relação desigual de poder. Tal movimento social, concreto e verificável, opera

através de forças de mercado e de configurações nacionais que lhes são características.

No entanto, mesmo que a dinâmica do capital em seu estágio atual dependa de

processos mercadológicos internacionais, a configuração capitalista se realiza de formas

diferenciadas em cada região. Quaisquer que sejam os movimentos no sistema mundo

que acessem os recursos naturais do Piauí, estes terão que operar através da sociedade

piauiense e de suas formas históricas específicas de inserção na sociedade nacional.

O fato da administração de um Governo Estadual ser o agente e gerente principal

da dinâmica da entrada de novos empreendimentos econômicos no território nos levou a

repensar a relativização de tantos estudos etnográficos que se esforçaram por

demonstrar a abstração da divisão territorial oficial8, principalmente quando se

debruçam sobre questões de etnicidade. Com isso, queremos dizer que nos foi

necessário tomar a unidade federativa como unidade de análise para estudos de

desenvolvimento econômico, mesmo que reconheçamos as semelhanças com os estados

vizinhos com cujos pesquisadores compartilhemos estudos como o capítulo X deste

livro, apresentando o excelente trabalho de Andrade sobre a expansão do eucalipto no

estado vizinho, o Maranhão.

Além das especificidades locais identificadas, é importante chamar a atenção para

algumas reflexões quanto à disposição de orientações de mudanças sociais (ou

“desenvolvimento”) no tempo. Se Marx alertava para o fato de um modo de produção

só deixar de existir completamente quando devidamente exauridas as suas condições de

existência, Milton Santos aponta para as rugosidades históricas que mantém modos de

produção pertinentes a tempos históricos diferentes e suas respectivas ideologias em

operação simultaneamente, no mesmo local.

8 Uma interação com pesquisadores dos estados vizinhos como Andrade no Maranhão e Ribeiro no

Oeste Baiano, tem contribuído para compreendermos algumas especificidades e semelhanças com os processos internos ao estado do Piauí.

Pensando em termos de longa duração, Pádua nos alerta para a relação entre o

homem e a escassez definida como os limites de seu acesso a recursos naturais (Pádua,

1992, 156-163). Se na Antiguidade havia uma disponibilidade infinita, a escassez era

definida pela limitação de meios técnicos de disponibilizar esses recursos. No período

industrial privatista em que a tecnologia abriu tais fronteiras, naturalizou-se uma ideia

de disponibilidade infinita de recursos que orientou as expectativas de desenvolvimento

em uma geopolítica colonial que prometia uma equiparação entre nações e regiões, a

posteriori. A atual consciência dos limites de recursos naturais que obriga à busca por

um desenvolvimento sustentável com a necessidade de se reforçar limites à exploração e

regulamentação de sua distribuição9 constitui uma mudança tão radical de perspectiva

que provavelmente contem o germe de mudanças que acabarão por afetar o modo de

produção e os sistemas ideacionais que os acompanham, com impactos civilizacionais.

Mas, como vimos em Marx e Santos, os modos de produção persistem enquanto

não são exauridas suas condições e diferentes expectativas de mudança construídas em

diferentes períodos permanecem ativas, mesmo quando são desafiadas por questões

historicamente colocadas, convivendo no mesmo espaço. Recentemente, Cordeiro

refletiu sobre diferentes visões e adaptações a condições sociais e econômicas sendo

construídas na mesma conjuntura histórica. Sugerindo um exercício de crítica

sociológica, nos mostra que aquilo que é concebido do ponto de vista da “Nação” como

desenvolvimento pode ser, do ponto de vista de uma multiplicidade de grupos, o seu

avesso daquela formada por grupos diferenciados (Cordeiro Ferreira, 2012).

Não há como exagerar a importância da análise antropológica da formação do

estado, da constituição da administração pública e da ocupação de seus postos para se

compreender o ethos do funcionalismo onde se situam os principais agentes e atores dos

programas de desenvolvimento. O peso da administração pública e do funcionalismo

em cada região é diferenciado e precisa ser localmente estudado. As disputas por cargos

públicos e a ocupação dos postos de poder na burocracia estatal está, no caso do Piauí,

profundamente vinculada à sua inserção no projeto nacional a partir de 1850. A

historiografia local sobre a formação da sociedade urbana piauiense nos revelou como

esta derivou, em sua maioria, de uma elite agrária que se organiza em redes familiares

9 Nesse artigo, o autor chama a atenção para a necessidade de se voltar a fortalecer a esfera pública

para que sejam possíveis a resolução de conflitos e a negociação de interesses, nessa nova condição.

(Brandão, 1995) e de segmentos subalternizados das comunidades tradicionais10

.

Também registra o processo de diminuição da autonomia dos mandatários pecuaristas e

sua inserção no projeto nacional (Mott 1985, Brandão 1995), e a forma compensatória

como tais redes familiares se apropriaram dos postos e das posições institucionais

construídas pelo Estado Nacional11

. Acreditamos que seja nossa tarefa acompanhar e

compreender as disputas pelas posições no interior de tais redes. As modificações e

alterações nos usos de terras e de recursos naturais no território aqui estudado têm sido

tradicionalmente mediadas por atores pertencentes à elite agrária e, se há uma

circulação da elite política piauiense, isso certamente influenciará as direções das

decisões tomadas na interação entre as dinâmicas locais e aquelas externas, sejam a

nacional ou de mercado.

As carreiras no funcionalismo e na burocracia estatal, no Piauí, são altamente

valorizadas e seu papel na economia é preponderante, assim como aquele do setor de

serviços que a ele atende. Governo e administração pública são, de forma geral,

positivamente valorados e as instituições públicas são vistas como fontes de recurso e

de acesso a bens públicos e a capital social. Isso fortalece a tendência das propostas de

desenvolvimento do tipo “de cima par baixo” serem interpretadas por comunidades

tradicionais como advindo de autoridades inquestionáveis e de forma irrevogável. No

entanto, realizando o adágio pelo qual cada caso é um caso, a observação etnográfica

constatou que esse quadro produziu situações diferentes: a) projetos em que o

funcionalismo ditava as expectativas das comunidades que eram tomadas como clientes

passivos a serem “formatados” pelos agentes de fomento; b) no caso da Fazenda Santa

Clara administrada pela empresa Brasil Ecodiesel, percebeu-se uma forte confusão entre

o papel da empresa privada e as expectativas dos assentados daquilo que seriam funções

do Estado; c) nos conflitos que se instalaram diante de deslocamentos forçados de

comunidades por barragens ou linhas de transmissão, reações tipicamente políticas com

intermediações de sindicatos e lideranças do movimento social que promoveram fortes

mobilizações, despertando reivindicações com base em identidades coletivas.

10

Embora a formação social no Piauí tenha origem na aristocracia agrária com uma forte clivagem entre as famílias proprietárias de terras e aquelas oriundas de não proprietários (escravos e indígenas) e sitiantes (camponeses, posseiros e pequenos proprietários), a partir da instalação da capital Teresina em 1850, formou-se uma elite urbana, que mantinha sua atividades nos municípios de origem. 11

Ao nos indicar o processo pelo qual as elites locais se especializaram no serviço público estadual e federal, a historiadora Tanya Brandão fornece uma importante chave que pode ser utilizada pela antropologia das elites e das instituições (Brandão, 1995).

Na última década, programas federais de combate à pobreza rural adotaram

formas de administração de base regional, através de Territórios de Identidade (PRTI)

no Programa de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (PRONAT)

administrados pelo MDA, que explicitaram justificativas da abordagem territorial não

apenas como estratégia de otimização de recursos federais, mas também como forma de

se evitar a apropriação privada, por grupos políticos locais, de recursos destinados à

superação da pobreza, de forma a garantir seu alcance por coletividades tradicionais.

Entre as considerações dos técnicos da Secretaria de Desenvolvimento Territorial

apontadas na formulação deste programa, constava a preocupação em “estimular a

construção de uma governança local mais democrática mais apta a minimizar a

reprodução do poder político tradicional, ancorado no município e baseado em relações

essencialmente clientelísticas” (Delgado & Grisia, 2013, pag. 242).

Essa admissão da existência de grupos “mal representados” pelo sistema político

convencional ocorreu durante o primeiro governo Lula, quando a participação de

cientistas sociais voltados para a compreensão de movimentos sociais foi bastante ativa.

Havia um reconhecimento explícito de que as formas específicas de organização social

e de reprodução social do campesinato com base no trabalho familiar, na diversificação

das nas culturas e atividades de produção, saberes localmente construídos, nas relações

de reciprocidade com a vizinhança, contribuiriam para um manejo sustentável de

recursos naturais. De acordo com Bonnal, o Programa de Desenvolvimento Sustentável

dos Territórios Rurais (PRONAT) elaborado e iniciado pelo MDA em 2003, se orienta

pelo reconhecimento da agência “dos agricultores familiares nas dinâmicas territoriais,

proporcionando-lhes apoio institucional e financeiro para ampliarem seu desempenho

(reconhecendo que) a solidariedade entre as famílias rurais era facilitada pela

proximidade cultural e física e que ela constituía o principal recurso para empreender

ações de desenvolvimento a nível local”. Tais políticas orientadas pelo MDA

privilegiavam a sinergia de recursos públicos com a organização social específica de

grupos que estavam longamente situados em áreas onde o manejo ambiental era

sensível, ao invés da sobreposição da racionalidade capitalista de produção sobre as

mesmas.

Apesar da existência do campesinato ter sido teoricamente negada, a vitalidade

com que estas populações continuam a participar de grandes movimentos sociais pelo

mundo, ou a resistir a determinados rumos do desenvolvimento capitalista através de

guerras camponesas contradiz consistentemente estas afirmativas (Wolf, XXXX). Mais

importante é afirmar que qualquer antropólogo que estude as populações rurais do Piauí

percebe imediatamente a presença destes grupos. Trata-se de um dos focos centrais de

nossa análise, as formas como sua campesinidade é responsável, inclusive, pela

resiliência com que tais grupos resistem tanto às secas quanto às crises econômicas de

cunho nacional que interrompem ou desarmam os projetos de desenvolvimento

pertinentes aos diferentes ciclos econômicos que marcam de forma tão recorrente a

história brasileira12

.

A consciência de uma crise ambiental em escala planetária reavivou o interesse

intelectual sobre o campesinato, agregando aos estudos históricos e antropológicos já

tradicionais, análises de economistas e sociólogos ambientais que questionam a

eficiência da produção de alimentos sob a racionalidade capitalista. Der Ploeg indica

mesmo uma superioridade na eficiência da produção camponesa tanto do ponto de vista

da sustentabilidade como de sua capacidade de gerar o desenvolvimento local. Este

autor indica ser “específico do campesinato, um processo contínuo de construção,

aperfeiçoamento, ampliação e defesa de uma base de recursos autocontrolados, sendo a

terra e a natureza viva (cultivos, animais, luz solar, água) suas partes essenciais” (der

Ploeg 2006, 21). Identifica “um sistema de coprodução que é o incessante encontro e

interação mútua entre o homem e a natureza viva e, de forma geral, entre o social e o

material (...) que são (assim) mutuamente transformados" (Ploeg, 2006, 22).

Defendendo uma maior produtividade do sistema camponês em relação à agricultura

empresarial ou ao agronegócio, este conjunto de autores demonstra que tanto pelo fato

deste modo de produção se voltar para o incremento da força de trabalho empregada

como por se orientar para a produção e o aumento do valor agregado (em contraste com

a agricultura empresarial com seu foco na redistribuição), promove o crescimento

econômico realizado dentro de sua unidade de produção, com base no processo de

trabalho. Portanto, promove o desenvolvimento local através de um crescimento

autônomo e orgânico.

Assim, à ideia de atraso e mesmo de uma falta de racionalidade da economia

camponesa, tais economistas ambientais contrapõe um argumento de melhor

racionalidade econômica da produção camponesa em face de questões de

sustentabilidade ambiental. Em uma conjuntura internacional, a partir da II Guerra

12

madeira, café, borracha ou, localmente, no Piauí, a pecuária, maniçoba, carnaúba, ou babaçu ou modernamente o biodiesel e a soja.

Mundial, na qual o modelo urbano industrial se estabeleceu através de programas de

modernização estenderam a nova hegemonia americana que construiu sistemas

institucionais de saúde e de saberes referidos a modelos de intervenção social

vinculados aos centros do capitalismo, formando membros das elites locais nestes

centros, é compreensível que a racionalidade econômica ocupe as posições de maior

influência e poder, na rede de atores e agentes envolvidos nas decisões de

desenvolvimento e mudança social. Podemos perceber como resultado concreto deste

movimento, o privilégio conferido a abordagens produtivistas assim como a expectativa

de equiparação regional ao resto do Brasil, pela transformação de sua paisagem em

paisagem urbano-industrial.

As políticas públicas de combate à pobreza avançaram através de políticas de

redistribuição de renda com a articulação e sintonização de diferentes iniciativas em

torno do Programa Bolsa Família. Porém, o desenrolar dos acontecimentos políticos

transformou as iniciativas13

que se voltavam para ações de desenvolvimento

diferenciado e participativo em comunidades. Houve uma rotinização da sensibilidade

demonstrada no programa de Territórios de Identidades (PRTI) refletida no novo

programa de Territórios da Cidadania (TDC) e pelo posterior enquadramento da

pobreza rural pelo programa Brasil sem Miséria. Percebe-se aí um reflexo de grandes

lutas que têm se dado dentro da sociedade e do sistema político quanto ao modelo de

desenvolvimento pretendido pelo País. Enquanto Estado Nação, as direções tomadas

trazem em seu bojo as expectativas de aproximação com padrões urbano-industrais que

se justificam sobre uma base nacional universalizante, muito melhor representada pelo

agronegócio do que as perspectivas de desenvolvimento local pertinentes a uma

sociedade pluriétnica ou à economia camponesa. Essa tensão tem sido exemplificada

pelas acirradas batalhas entre ruralistas, como aquelas que se manifestaram em torno do

código florestal ou da Usina de Belo Monte.

Fica, por tudo isso, clara a importância de incluir na análise, as formas existentes

de administração pública e os valores que reverberam no ethos que se constitui, visto

13

Havia, nos programas do MDA, o componente sensível da realização de uma responsabilidade do Estado Nacional para com grupos que não deveriam ser submetido a políticas universalizantes e cuja representação política não se daria de forma automática. Segundo Bonnal, “é uma característica dos pobres sua falta de organização social, o que faz com que não participem nas instituições deliberativas do território e ainda menos nos processo de articulação

13 (...) sendo institucionalmente invisíveis, não

são representados nos colegiados (sendo) apenas considerados pela representação que outros atores – notadamente públicos - têm deles e das suas preocupações e necessidades” (Bonnal, 2013).

que as propostas de desenvolvimento local consistem em modelos de acesso de

comunidades tradicionais a bens públicos (aos quais, pela lógica universalista de Estado

Nação, teriam direito) através de padrões, rotinas e direções de mudança que são

apresentadas, executadas, gerenciadas, difundidas e defendidas por agentes pertencentes

à elite econômica (que as apresenta) ou burocrático-administrativa do estado (que

gerencia e cria as condições de operacionalidade), na maioria das vezes incidindo sobre

coletividades tradicionais (camponeses, quilombolas, ribeirinhos, indígenas) cujas vidas

se modificam de forma radical.

Institucionais locais como agências de fomento (SEBRAE, EMATER,

CODEVASF), bancos regionais, centros tecnológicos e universidades, ou agências de

regulação e defesa de direitos como a ANVISA, IBAMA, FUNAI ou IPHAN,

promovem ou resistem às mudanças sociais. Os agentes e atores do desenvolvimento no

meio rural são formados dentro destas e orientados por seus valores. As oportunidades

políticas e econômicas que se apresentam resultados, decisões, orientações e escolhas

feitas precisam ser compreendidas através das disposições e expectativas constituídas

em seu ethos.

A organização das famílias piauienses em rede documentada pela historiadora

Tanya Brandão, estende a ocupação de postos no serviço público para além do estado e

mesmo do serviço público federal. A proximidade dos postos ocupados na burocracia

administrativa com estes centros, seja esta real (concreta) ou imaginária (valorativa)

confere poder, prestígio, é almejada e conforma comportamentos. Também

retroalimenta a rede, fazendo transitar nela os valores e expectativas do projeto

nacional. O trabalho de campo no Piauí ressaltou a importância do jogo que o encontro

dessas visões cria entre o “estar dentro” (incluído) e o “estar fora” (excluído) das

diversas dinâmicas sociais que se imbricam no projeto nacional14

.

A ideia de inclusão social associa à ideia de superação da pobreza à integração de

membros de famílias camponesas a um conjunto de direitos de cidadania15

. Porém, a

noção de desenvolvimento enquanto um progresso material que transforma a paisagem

14

Isso explica a tremenda eficácia da chamada chantagem locacional que empresas como a Suzano utilizam para obter vantagens fiscais, lançando os estados em competição, com sua ameaça de exclusão do jogo do desenvolvimento de forma geral (Bezerra & Acselrad, 2010). 15

Uma viso fortemente pautada em um ideal de justiça social, embora que sendo construídos pela formação nacional universalizante que tende a individualizar seus membros mais do que a reforçar os vínculos de solidariedade característicos do campesinato. Repetidamente presenciamos indivíduos recebendo benefícios individuais como o bolsa família, licenças maternidade ou o resultado safra e reinvestindo-os na atividade camponesa familiar.

local de forma a se aproximá-la de padrões externos - seja este vivenciado pelos

membros da elite formados fora do estado ou pelo conjunto de imagens, narrativas e

textos que circulam pela rede ideacional e midiática - representa uma expectativa de

integração da região a uma modernidade capitalista de forma a superar o atraso em

relação ao sistema urbano-industrial.

Esse trânsito da elite administrativa através da extensão das redes familiares a

outras partes do território nacional também provoca resultados culturais, como a

construção de uma identidade regional que se constitui mediante contatos, comparações,

emblemas de diferenciação e diacríticos identitários, de forma semelhante à formação

de identidades étnicas estudadas em comunidades de pequena escala. A formação dessa

identidade regional contribui para determinar objetivos e critérios de Desenvolvimento

voltados à ideia de equiparação do estado com o resto da Nação, de forma a superar a

identificação do Piauí enquanto Estado pobre, lugar do atraso, entre outros estigmas que

ferem moralmente os membros dessa sociedade nacional, em especial aqueles cuja rede

de sociabilidade tangencia a sociedade externa.

Chegamos aqui a um ponto crucial. Existe, no Piauí, uma complexidade nas

expectativas de mudança social orientada pela noção essencializada de

Desenvolvimento. Se um componente importante dessa expectativa consiste no combate

à pobreza, as formas como este é alcançado podem ser determinadas através de políticas

públicas que fortalecem as formas de organização específicas ali encontradas, como a

economia camponesa. Porém, se o componente de combate à pobreza se confunde e se

desloca para a noção de equiparação com o resto da nação, o que é privilegiado é a

transformação de sua paisagem material na construção de uma infraestrutura que

favoreça a indústria e a racionalidade econômica absorvendo os grupos camponeses na

sociedade nacional, diluindo suas formas de organização básicas. Ou seja, ao invés de

combater a pobreza fortalecendo a economia camponesa, procura-se erradicar a

existência da campesinidade nestes grupos, incluindo-os em programas que os induzem

à individualização e atomização características dos ambientes urbano-industriais.

BRANDÃO, T. M. P. A elite colonial piauiense: família e poder. Teresina: Fundação Monsenhor Chaves, 1995. Pádua, José Augusto, NUEVA SOCIEDAD NRO. 122 NOVIEMBRE- DICIEMBRE 1992 , PP. 156-163

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