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X Encontro Nacional da Associação dos Estudos de Defesa 03 a 05 set 2018 – São Paulo - SP “HUMANIDADES” NO EXÉRCITO BRASILEIRO E O DESAFIO DE SE ESTUDAR INFORMAÇÃO COMO ELEMENTO ESTRATÉGICO PARA A GUERRA DE NARRATIVAS Ana Paula de Moraes Teixeira 1 Exército Brasileiro – CEP/FDC RESUMO O objetivo deste trabalho é apresentar uma proposta de pesquisa interdisciplinar sobre o conceito de Informação e quais condicionantes que fazem da informação um diferencial estratégico para as ações não-cinéticas de interesse militar. A investigação nasce de uma proposta de uma linha de pesquisa cujo propósito é realizar estudos sobre o manejo (ou a manipulação) da informação, apropriados aos cenários de Segurança e Defesa, a partir dos dispositivos conceituais disponíveis nos documentos doutrinários e institucionais das Forças Armadas, e que consideram a necessidade de se obter uma “Superioridade de Informações”, sem que de fato haja uma clareza conceitual sobre o que seja “Informação”. Matéria prima mais importante das chamadas operações não-cinéticas, a “Informação” não dispõe de investigações de peso no âmbito das instituições militares, nem para dar suporte às doutrinas, nem para orientar as atividades e as operações de Segurança e Defesa. Para fazer frente a esta lacuna, o Centro de Estudos de Pessoal e Forte Duque de Caxias, a partir de uma perspectiva inserida sob a temática “Humanidades em Ciências Militares”, desenvolve, no âmbito de seu Programa de Pós- Graduação stricto sensu, pesquisas sobre os Estudos Estratégicos da Informação, com especial cadência para as Operações de Informação 2 , já que, apesar de a Informação ser considerada elemento estratégico para as ações que evitam ou justificam/explicam o combate, ela não ocupou lugar prioritário entre as pesquisas realizadas no âmbito das Ciências Militares. Palavras-chave: Mestrado em Humanidades. Operações não cinéticas. Doutrina militar. 1 Jornalista, doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo e professora do magistério superior federal no Exército Brasileiro. Email: [email protected] 2 As Operações de Informação consistem na atuação metodologicamente integrada de capacidades relacionadas à informação, em conjunto com outros vetores, para informar e influenciar grupos e indivíduos, bem como afetar o ciclo decisório de oponentes, ao mesmo tempo protegendo o nosso. Além disso, visam a evitar, impedir ou neutralizar os efeitos das ações adversas na Dimensão Informacional. (EXÉRCITO BRASILEIRO, 2015, p.3-1)

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X Encontro Nacional da Associação dos Estudos de Defesa

03 a 05 set 2018 – São Paulo - SP

“HUMANIDADES” NO EXÉRCITO BRASILEIRO E O DESAFIO DE SE

ESTUDAR INFORMAÇÃO COMO ELEMENTO ESTRATÉGICO PARA A

GUERRA DE NARRATIVAS

Ana Paula de Moraes Teixeira1

Exército Brasileiro – CEP/FDC

RESUMO

O objetivo deste trabalho é apresentar uma proposta de pesquisa interdisciplinar sobre o

conceito de Informação e quais condicionantes que fazem da informação um diferencial

estratégico para as ações não-cinéticas de interesse militar. A investigação nasce de uma

proposta de uma linha de pesquisa cujo propósito é realizar estudos sobre o manejo (ou

a manipulação) da informação, apropriados aos cenários de Segurança e Defesa, a partir

dos dispositivos conceituais disponíveis nos documentos doutrinários e institucionais

das Forças Armadas, e que consideram a necessidade de se obter uma “Superioridade de

Informações”, sem que de fato haja uma clareza conceitual sobre o que seja

“Informação”. Matéria prima mais importante das chamadas operações não-cinéticas, a

“Informação” não dispõe de investigações de peso no âmbito das instituições militares,

nem para dar suporte às doutrinas, nem para orientar as atividades e as operações de

Segurança e Defesa. Para fazer frente a esta lacuna, o Centro de Estudos de Pessoal e

Forte Duque de Caxias, a partir de uma perspectiva inserida sob a temática

“Humanidades em Ciências Militares”, desenvolve, no âmbito de seu Programa de Pós-

Graduação stricto sensu, pesquisas sobre os Estudos Estratégicos da Informação, com

especial cadência para as Operações de Informação2, já que, apesar de a Informação ser

considerada elemento estratégico para as ações que evitam ou justificam/explicam o

combate, ela não ocupou lugar prioritário entre as pesquisas realizadas no âmbito das

Ciências Militares.

Palavras-chave: Mestrado em Humanidades. Operações não cinéticas. Doutrina

militar.

1 Jornalista, doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo e professora do

magistério superior federal no Exército Brasileiro. Email: [email protected]

2 As Operações de Informação consistem na atuação metodologicamente integrada de capacidades

relacionadas à informação, em conjunto com outros vetores, para informar e influenciar grupos e

indivíduos, bem como afetar o ciclo decisório de oponentes, ao mesmo tempo protegendo o nosso. Além

disso, visam a evitar, impedir ou neutralizar os efeitos das ações adversas na Dimensão Informacional.

(EXÉRCITO BRASILEIRO, 2015, p.3-1)

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Área Temática: AT02 - Ensino, Formação Profissional e Pesquisa em Defesa

"HUMANITIES" in the Brazilian Army and the challenge of studying Information

as a strategic element for narrative warfare

Ana Paula de Moraes Teixeira

Brasilian Army – CEP/FDC

ABSTRACT

The objective of this work is to present a proposal for an interdisciplinary research on

the concept of information and the constraints that make the information as a strategic

differential for non-cynical actions of military interest. From a proposal to approach a

line of research, from the moment these are developed, the security and defense

scenarios, the devices can be used in the information and institutional of the Armed

Forces, and that is a requirement to obtain a "Superiority of Information", without being

a concept of clarity about what is "Information". The importance is not more explicit in

investigations of weight, but also for military activities, nor for activities and operations

of security and defense. In order to address this gap, the Center for Personnel Studies

and Forte Duque de Caxias, based on a perspective included in a thematic "Humanities

in Military Sciences", develops, within the framework of its stricto sensu Postgraduate

Program, researches on Strategic Information Studies, with a special focus on

Information Operations, since, despite everything, it is a fundamental element for the

actions that avoid or justify / explain the Military Sciences.

Key-words: Master in Humanities. Non-kinetic operations. Military doctrine.

Page 3: X Encontro Nacional da Associação dos Estudos de …...a concept of clarity about what is "Information". The importance is not more explicit in investigations of weight, but also

INTRODUÇÃO

Se seu objetivo a respeito da leitura deste texto é ter com guerra de narrativas,

então a sugestão é ir direto ao item 3 do desenvolvimento deste texto. Se é verificar as

hipóteses levantadas pelo texto em face da constituição das doutrinas militares, então o

item a ser conferido é o 2. Para acompanhar uma discussão acerca do manejo ou

manipulação da informação apropriados aos cenários de defesa, o tópico preferencial

para esta discussão é o de número 1, apesar deste estar entranhado em todo o desenrolar

da temática. Agora, para compreender a proposa como um todo, incluindo a inserção da

discussão no âmbito da pesquisa e do ensino no Exército Brasileiro, então a sugestão é

acompanhar o desencadeamento sucessivos dos argumentos doravante apresentados.

Em texto anterior (TEIXEIRA, 2018) foi apresentada uma proposta de uma

pesquisa, vinculada ao recém-criado Programa de Pós-Graduação “Humanidades em

Ciências Militares”, que está sendo implantado no Centro de Estudos de Pessoal e Forte

Duque de Caxias (CEP/FDC), do Exército Brasileiro. O Programa tem como finalidade

abordar de modo amplo as dimensões humanas das Forças Armadas, e a pesquisa a que

este texto se refere (obviamente mais ampla do que o recorte deste texto apresenta)

busca identificar as condicionantes que fazem da informação um diferencial estratégico

para as operações militares.

A definição e a forma como o público interno do Exército agencia as atividades

relacionadas à informação – tanto no âmbito das atividades ordinárias institucionais

quanto no âmbito das ações não-cinéticas nas intervenções de Segurança e Defesa – são

preponderantes para que se construa um paralelo entre as condicionantes necessárias

para este tipo de manejo e as disposições institucionais de como a informação é tratada

e representada no e pelo Exército Brasileiro, em especial nos documentos doutrinários.

Por isso, a pesquisa3 ora apresentada e desenvolvida no âmbito do Programa,

visa investigar o aspecto estratégico da informação, em especial a partir de uma

perspectiva interdisciplinar e tendo como prioridade as dimensões que tocam as

3 O Grupo de Estudos Estratégicos da Comunicação e da Informação (GESTECI) é o responsável por

coordenar as atividades de pesquisa sob a temática em voga. Link:

http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/7080638024438582

Page 4: X Encontro Nacional da Associação dos Estudos de …...a concept of clarity about what is "Information". The importance is not more explicit in investigations of weight, but also

questões humanas e sociais dos processos de subjetivação que envolvem a “fabricação”4

da informação.

Um dos propósitos da pesquisa no Programa, além de fomentar a produção de

conhecimento e circulação de textos que proporcionem um estado da arte sobre o

manejo da informação, também é aglutinar à discussão materiais que auxiliem no

desenvolvimento das capacidades relacionadas à informação no âmbito das ações não-

cinéticas, porque, mesmo considerando os aspectos relacionados às Operações de

Informação como atinentes à formação de uma competência estratégica militar,

materiais como relatos de experiências ou registros de lições aprendidas que estão

disponíveis, todos eles não somam um quantitativo significativo suficiente para

especializar recursos humanos em nível avançado, para o manejo estratégico da

informação.

As discussões que se seguem, portanto, são no sentido de problematizar algumas

questões relacionadas à informação, enquanto subsídio para manejo e construção de

narrativas, e em que o interesse seja pelo uso do Exército Brasileiro. Com a ressalva que

esta problematização tem um espaço permanente de preocupação no Programa

Humanidades em Ciências Militares do CEP/FDC.

DESENVOLVIMENTO

1. Manejo estratégico da informação

O escopo da discussão desse texto poderia ser resumido na seguinte pergunta,

que é evidenciada no resumo do paper: quais condicionantes fazem da informação um

diferencial estratégico para as ações não-cinéticas de interesse militar? Pela

complexidade da questão, vejamos em partes.

Compreender e incorporar como a informação pode representar um diferencial

estratégico é quase uma fórmula mágica que o benchmark5 do mundo corporativo tenta

4 Sobre manufatura e fabricação da informação, a autora propôs anteriormente (TEIXEIRA, 2017) a

seguinte discussão: “Entre o verdadeiro e o falso: a manufatura da informação na era da pós-verdade”.

Link: http://portalintercom.org.br/anais/nacional2017/resumos/R12-2680-1.pdf

5 De maneira bem resumida, é possível definir como um padrão de referência a ser alcançado ou busca

das melhores práticas.

Page 5: X Encontro Nacional da Associação dos Estudos de …...a concept of clarity about what is "Information". The importance is not more explicit in investigations of weight, but also

identificar. E a comunicação estratégica, no mercado de produtos, serviços e capitais,

principal gestora (quando admitida no staff de decisão das empresas) desse pretenso

processo, organiza estatutos e planos em prol do objetivo de se guiar pelas melhores

práticas. Práticas que envolvem zelo e prospecção de imagem, identidade, reputação e

governança. Mas no mundo corporativo, as regras (e porque não dizer a ética?) são

balizadas pela competitividade.

Nossa questão, entretanto, diz respeito a um outro tipo de organização para qual

é relevante definir como a informação pode representar um diferencial estratégico: trata-

se de uma Instituição de Estado (o Exército Brasileiro), cuja oferta de produtos e

serviços não segue a lógica do capital. Ainda que, numa análise mais contemporânea,

seja possível capitalizar suas ações em termos de valor agregado6.

De saída, qualquer instituição pública está sujeita aos ordenamentos previstos

pelo accontability7. Entretanto, mesmo considerando uma crescente banalização da

ideia de corrupção atrelada à máquina pública, o óbvio de se esperar é retidão da

governança. Só que, até para as instituições públicas, agir dentro dos preceitos da

servidão ao cidadão tornou-se insuficiente.

Na era8 da informação, fazer o correto deixou de ter suficiência porque para a

vitrine tecnológica do mundo, não basta fazer, é preciso mostrar. Frases tarimbadas

como: “quem não é visto, não é lembrado”, “se não está no google, não existe”, ou

então: “por qual valor uma instituição é reconhecida?”, não podem mais ser

consideradas clichês. Na competição entre informações de toda ordem e narrativas

cuidadosamente elaboradas, aparições positivas com textos que alavanquem visibilidade

não são acessórios, mas sim, elementos estratégicos.

No caso da instituição Exército Brasileiro, há que se considerar pelo menos duas

possibilidades de manejo da informação: uma primeira, relacionada ao uso e

6 Pode ser considerado valor agregado resultados de visibilidade sem investimento de recursos com

propaganda pública, como é o caso da divulgação espontânea de uma reportagem positiva para a

reputação institucional, na mídia de massa. 7 Termo que para o português é traduzido como a responsabilidade com ética, mas que se impõe para a

governança como a transparência (no caso da administração pública) ao prestar contas de suas obrigações. 8 Há várias referências neste texto sobre Era da Informação, Era das Convicções, etc. Na verdade,

conforme relata diversos autores contemporâneos (como Canclini, Tofler, entre outros), as configurações

do mundo global permitem falar a partir de um lugar que vale o hibridismo total.

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desenvolvimento de estratégias de informação para divulgação de suas ações enquanto

instituição de estado, e outra, relacionada ao uso da informação como instrumento de

beligerância das chamadas ações não-cinéticas.

Grosso modo, a informação (ou as informações) que divulga o resultado de uma

ação de combate, e que informa aos organismos públicos e demais interessados sobre o

sucesso de uma missão que envolve o uso constitucional da violência, é informação

consequencial, descritiva e factual9. Por outro lado, a informação (ou as informações)

necessária ao desdobramento de uma missão, que possibilita o menor efeito colateral

possível, que facilita o preparo de uma incursão e que permite à Inteligência a

mobilização das ações beligerantes com resultados mais assertivos, esta é subsidiária,

interpretativa e intuída a partir de cenários prospectivos.

Em ambos os casos, tal como apresentado nos exemplos, o manejo da

informação é estratégico. Envolve seleção e triagem acurada10 de dados, checagem,

apuração e confrontação de fontes de informação e organização técnica dos elementos

constitutivos de uma mensagem (tanto em um release11, no caso da informação

consequencial, quanto em uma transmissão criptografada, no caso da informação

subsidiária classificada).

Intentando uma explicação reduzida, porém didática, guardadas as limitações e

proporções da aproximação a que se pretende com o exemplo a seguir, seria possível

dizer que, por estratégico entende-se por “o quê fazer”, assim como o tático pode ser

entendido por “o como fazer”. Ambas as situações são necessárias ao efeito desejado.

No âmbito das ações estratégicas, há casos em que a pergunta “o quê?” pode ser

substituída pela pergunta “qual?”. Como em: qual fio cortar para desativar uma bomba?

9 A tipificação de que se trata este e o próximo grupo de atributos da informação é originalmente proposto

pela autora postulante e descreve, respectivamente, a radiografia a) de situações já ocorridas (e, portanto,

necessárias de se adequar a uma narrativa justa e fiel aos acontecimentos desencadeados) e b) de

situações sujeitas à deflagração de ocorrências planejadas ou não, a partir de cenários possíveis. 10 O tratamento acurado da informação envolve ações de curadoria. Uma definição resumida da atividade

do curador é oferecida por CUNHA (2015, p.124): “O curador encontra os dados, seleciona-os, edita-os

contextualizando-os, formata-os e escolhe plataformas de divulgação e formas de expressão, isto é,

organiza, compartilha e até monitora a recepção”. 11 Também chamado de press release, é o texto com abordagem jornalística, preparado pelas assessorias

de imprensa para distribuir à mídia informações de visibilidade e acontecimentos de relevo de uma

determinada organização.

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É um processo que envolve decisão. Portanto, o perfil de uma ação estratégica sempre

envolverá processos de tomada de decisão. E é óbvio que quanto mais complexa for a

pergunta requerente de uma decisão, mais responsabilidade exigirá do sujeito decisor,

chegando até o nível político. O que não inviabiliza que um soldado, não partícipe do

âmbito político, se enverede em tomar uma decisão, como a eliminação de um suspeito,

por exemplo, em defesa de sua própria vida, dentro das regras de engajamento e limites

estabelecidos pela justiça militar.

Em relação às ações não-cinéticas, o desafio é ainda maior, porque se a decisão

for tomada sem planejamento, ou sem um plano de gerenciamento de crise, estará

sujeita a consequências que ecoam no tempo, donde nasce a indagação: seriam os

registros da informação entes imortais que desafiam os conceitos de verdade e de fato

histórico? Na guerra de narrativas quem são os vencedores e os vencidos? É uma

questão premente.

Na construção de narrativas de toda ordem, com base em factuais, reconstruídos

a partir de relatos dos acontecimentos, ocupar-se-ão de espaços aqueles mais aderentes

às tendências e aos sentimentos sociais em um dado momento histórico (o que na

filosofia é conhecido como o termo alemão zeitgeist, o espírito do tempo).

Além disso, as Ciências da Comunicação já mostraram, ao longo do último

centenário, que mesmo com o empenho eficiente de técnicas de imposição de narrativas

(entendido aqui como o aspecto tático, que é como, ou, quais técnicas usar para se

construir e difundir uma mensagem), mesmo os especialistas mais atentos às técnicas de

persuasão vão admitir que não há garantia alguma de que o efeito de uma mensagem

seja o esperado. Tampouco que sua narrativa se esparrame de forma espontânea e em

altas escalas.

É claro que, retirada a variável de espalhamento espontâneo de mensagens

produzidas na periferia, é possível identificar que há um centro de controle de produção

dessas narrativas, agenciado pelos aparelhos ideológicos e vinculado aos grupos de

manutenção do status quo.

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Ainda que haja disputas políticas e de capitais por este controle, sem sombra de

dúvida ele disporá de mais recursos para produção, distribuição e registro de

informações favoráveis às suas narrativas de interesse, se comparado com um cidadão

comum, ou até mesmo se comparado a uma organização cujos valores caminhem rumo

a direções distintas do projeto vigente.

Este centro de controle é exatamente o mesmo que permite as bases

socioestruturais para a origem social da realidade, que é como os significados são

interiorizados pela sociedade. Fenômeno cuja discussão foi aprofundada pela

“sociologia do conhecimento”, com Weber, Schutz, Mead, Parsons, Durkheim,

Tenbruck, entre outros, e eficazmente compilada por Berger e Luckman (2014).

Esses sistemas podem, inclusive, utilizar-se de estratagemas para conformar a

opinião pública, utilizando-se dos meios de comunicação como agentes facilitadores de

imposição de seus projetos e agendas. Lançando mão até mesmo de eventuais

informações falsas para que a máquina social construa narrativas que favoreça o apelo

pretendido.

Os exemplos são fartos, ainda que o mais emblemático seja sobre o alarme

mundial a respeito das bombas de destruição em massa que o Iraque supostamente

possuía, o que justificaria sua invasão pela Força americana. Vejamos este exemplo com

mais detalhe a seguir.

1.1 O caso Judith Miller

Entre 2001 e 2002, o jornal The New York Times bancou uma série de artigos

da jornalista Judith Miller sobre a capacidade das bombas de destruição em massa de

Saddam Hussein. A partir daí, inúmeras narrativas foram sendo construídas, na esteira

de um país aterrorizado pelos acontecimentos do onze de setembro de 2001. Em 2003, o

Iraque foi invadido e o mundo todo se conformou com a morte de civis inocentes

porque as narrativas concorriam para o convencimento deste mal necessário. Miller

assegurava que suas fontes eram confiáveis.

Porém, em 2005, após uma sucessão de acontecimentos que desdobrou no

vazamento do nome de uma agente da inteligência americana, Miller foi presa por se

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negar a revelar suas fontes. Após 85 dias de prisão da jornalista por desacatar ordem

judiciária, finalmente foi autorizada pelo senhor Lewis “Scotter” Libby, chefe de

gabinete do vice-presidente americano, Dick Cheney (entre 2001-2005) a revelar que

ele era o responsável pelos vazamentos do “caso Plame”, de 2003. É importante notar

que o impacto das informações sobre o Iraque publicadas por Miller foi significativo,

uma vez que a repórter tinha uma reputação premiada por seus artigos sobre a al Qaeda.

A averiguação da interferência de membros do governo na construção de

narrativas só foi asseverada após o embaixador Joseph Wilson ter deflagrado por meio

do artigo “Razões esgrimidas do governo para intervir na guerra do Iraque”, que sua

esposa, Valerie Plame, era a agente da Cia cujo nome tinha sido vazado pelos agentes

do governo, para subsidiarem os argumentos sobre a necessidade da guerra. Antes de

Miller, segundo divulgação feita pela imprensa brasileira, o único jornalista americano a

ser preso por proteção da fonte foi Myron Farber, em 1978. Em 2007, “Scotter”, fonte

de Miller, foi condenado por perjúrio e obstrução à justiça, mas em 2018 teve seu

indulto autorizado pelo presidente Trump.

Este é um exemplo de suficiente impacto para o questionamento sobre

informações manipuladas (neste caso “plantadas”) pelas diversas esferas em agentes da

mídia, com o objetivo de conformar a opinião pública sobre decisões de seu interesse.

Noam Ckomsky, linguista americano e ativista político, identifica diversas

formas de investidura da mídia para fabricação de consentimento. Entre as formas por

ele apontadas, uma delas é a situação de se construir um problema para, em seguida,

oferecer a solução – o que parece ser o caso utilizado pelos agentes do governo para

conformação da opinião pública sobre a invasão do Iraque.

O manejo estratégico da informação, nesse e em outros casos, foi no sentido de

conferir visibilidade de um tema através dos meios de comunicação para aquiescência

da opinião pública a respeito de ações que geram controvérsias, como a guerra.

Exercer influência a partir do controle de narrativas é só uma fração do grande

rol de possibilidades que o tratamento da informação oferece como estratégia de

envolvimento dos públicos. Mas mesmo a necessidade de um mínimo de orientação

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sobre como desdobrar estratégias de manejo da informação permanece numa caixa-

preta, uma vez que há poucas compilações disponíveis sobre o tema, e as que se

dedicam a tratar do uso militar, pouco ou nada exploram uma abordagem amiúde sobre

este tipo de manejo. Por isso, este certamente é um desafio contemporâneo para

agenciamento das ações não-cinéticas.

2. Informação12 na doutrina militar da Força Terrestre

Nas Forças Armadas, em particular no Exército Brasileiro, há inúmeras

atividades que envolvem a utilização e o manejo de informações: desde atividades de

rotina institucional, como a comunicação com seus públicos, até operações militares em

que a informação seja subsídio prioritário, como, por exemplo, a guerra psicológica13.

Porém, nos documentos institucionais orientadores dessas atividades, a definição

do termo Informação não está assegurada de forma a garantir um adequado emprego

dessas atividades, pelas seguintes razões: 1) as poucas definições existentes carecem de

uma fundamentação conceitual apropriada 2) nos documentos em que o termo aparece,

não há suficiência na definição com relação às contingências de emprego; (estudo

pormenorizado com este escopo está em andamento); e 3) nas doutrinas ou diretrizes em

que uma atividade com informação é orientada, não há a preocupação de se distinguir

entre uma ou outra possibilidade de utilização e aplicação do termo, já que nos

documentos de uso geral (para atividades que não estejam relacionadas ao combate) não

é possível identificar qual abordagem relacionada à informação as atividades do

Exército Brasileiro devem considerar. Há sentidos relacionados à informação como

dado, como conhecimento, como valor, como signo, e outros mais, alguns dos quais a

tarefa de analisar é missão de pesquisa em andamento realizada pelo Grupo de Estudos

Estratégicos da Comunicação e da Informação, do CEP/FDC.

12 É preciso que se descole da discussão conceitual de Informação o sentido tratado pelo Glossário das

Forças Armadas (BRASIL, 2015), a partir do qual a aplicação mais apropriada está mais afeta à atividade

de Inteligência. 13 Vulgarmente tratado pela mídia, o sentido de guerra psicológica tem quase todos as seus usos

ancorados na persuasão a partir de narrativas assediosas, intimidadoras ou convincentes. Joseph E. Brand

a define como “o manejo da palavra falada e escrita com o propósito de abalar o moral do inimigo e

abreviar as operações bélicas” (BRANT; ebookBrasil, 2001).

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Recolher os referenciais (doutrinários) utilizados na e pela Força e colocá-los em

comparação com os conceitos produzidos pelo âmbito acadêmico é uma das tarefas do

Grupo de Estudos, na tentativa de elaborar uma crítica em relação à atualidade e

pertinência dos conceitos atualmente empregados; apurar se há necessidade de revisão

desses dispositivos institucionais; e na confirmação da necessidade de revisão, buscar

entre as várias propostas conceituais sobre informação, distribuídas em áreas do

conhecimento distintas, aquelas que melhor se adequam às necessidades de Segurança e

Defesa, em especial sob o ponto de vista da ação estratégica.

Presumidamente é preciso considerar que no imaginário militar as construções

para o significado de Informação em suas atividades são claramente identificáveis e

estão vinculadas a ações absolutamente distintas, como as Operações de Informação, a

divulgação ou o trato das informações públicas e o sigilo e o tratamento das

informações classificadas. A discussão ganha relevo na medida em que não há na

documentação que organiza e sistematiza essas ações uma distinção tão clara sobre que

abordagem o conceito de informação assume em cada um desses agenciamentos.

Por isso, talvez uma necessidade premente para início da sistematização futura

das definições seja estabelecer nomenclaturas pontuais para cada atividade no Exército

Brasileiro que envolva de alguma forma o uso relevante da informação. Para efeitos

didáticos, estabelecemos que para ações de cunho estratégico, a melhor maneira de se

referir à atividade de tratamento, registro e distribuição da informação seja designá-la

como Manejo da Informação, aqui em grifo face ao conjunto de significados que esse

tipo de atividade pode representar, todas elas relacionadas ao campo da informação

enquanto construção de narrativas mediadas.

Doravante, o desafio será investigar abordagens conceituais para as principais

ações que envolvam esse tipo de manejo.

Um conjunto extenso de hipóteses foi formulado no sentido de identificar porque

não há nos documentos doutrinários uma conceituação forte sobre informação, e com

especificidade suficiente para oferecer suporte às diversas atividades de Manejo da

Informação. Quais sejam:

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1) Há uma vulnerabilidade quanto à definição do conceito de Informação nos

Sistema de Defesa do Exército Brasileiro. É possível que essa vulnerabilidade

se dê, em parte, porque

A formulação dos documentos não está centrada em uma única unidade

de direção;

Os órgãos de elaboração dessas diretrizes e doutrinas são distintos e com

linhas de atuação específicas (como o Comando de Operações Terrestre e

o Centro de Comunicação Social do Exército).

Muitas vezes esses órgãos estão na mesma linha da cadeia de comando,

não havendo, portanto, uma subordinação entre os mesmos, conferindo

relativa autonomia aos documentos que cada um produz14.

Diferentemente da noção de estratégia, por exemplo, que é claramente

definida, a compreensão do sentido da informação se dá tacitamente,

provavelmente pelos seus usos nos diversos contextos em que a ação

Institucional, (nem sempre militar), se faz necessária.

É necessário supor, entretanto, que em operações de sigilo ou de

transparência, na guerra ou na paz, nos conflitos ou nas ações de apoio

social ao Estado brasileiro, o tratamento e o manejo da informação não

pode e não deve ser o mesmo, motivo pelo qual a identificação do

problema em questão e trazê-lo a relevo é uma contribuição

extremamente necessária para a Instituição Militar, para o campo

científico dos Estudos Estratégicos e para o aprimoramento dos assuntos

em Defesa.

2) O estado de vulnerabilidade no caso do Exército Brasileiro se deve à

incipiente utilização, Instituição, da cultura de referências (bibliográficas) para

os processos de elaboração e disseminação do conhecimento,

Esta vulnerabilidade é particularmente preocupante na medida em que

militares envolvidos em missões de manejo da informação sequer tem

ciência de seu amplo espectro conceitual e a consequente necessidade de

se delimitar a perspectiva de análise em sentido stricto.

14 É preciso observar, entretanto, que todos os documentos e planejamentos elaborados seguem o

alinhamento estratégico e as Diretrizes do Comando do Exército.

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Mesmo em cursos que implicam num preparo avançado, como é o caso

do Curso Avançado de Operações Psicológicas, não há indicação formal

de um parâmetro a partir do qual o conceito de informação deve ser

ancorado.

Apesar deste último apontamento, o CEP/FDC, como escola do Exército

Brasileiro responsável pela especialização desses oficiais em nível avançado, não tem

medido esforços do curso para que haja estímulos aos alunos - a maioria deles

concludentes da Escola de Comando e Estado Maior – no sentido de desenvolverem

discussões e textos que supram em alguma medida essa carência bibliográfica em

relação ao tema.

Talvez os indicativos presumidos, sobre a premência de se potencializar a

doutrina com relação ao manejo da informação, não se confirmem. Mas suas negativas

não devem preencher a lacuna sobre a necessidade de um material doutrinário mais

assertivo, correlacionado e patente de conceitos que ajudem a compreender a opinião

pública e os meandros atinentes às guerras de narrativas.

No Manual de Campanha sobre Operações de Informação, o Exército define

Superioridade de Informações (e aqui propomos um pequenos resumo), como “a

vantagem operativa derivada da habilidade de coletar, processar, disseminar, explorar e

proteger um fluxo ininterrupto de informações [... o que] permite o controle da

dimensão informacional”. (EXÉRCITO BRASILEIRO, 2015)

Do ponto de vista da informação-lógica, na base algoritmo, essa vantagem pode

ser garantida com as doutrinas disponíveis, pois não supõe agenciamentos que

considerem as subjetivações relacionadas aos públicos envolvidos. Mas do ponto de

vista da informação-valor, engendrada na base do significado, da representação e da

mediação, é preciso considerar um diagnóstico sobre os dispositivos institucionais, no

sentido de identificar se há oportunidades de melhoria. Para que nas ações não-cinéticas,

as informações factuais ou intuídas, subsidiárias ou consequenciais, descritivas ou

interpretativas possam ser trabalhadas com o menor dano colateral e o melhor

aproveitamento na intervenção dos fluxos de informação.

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As estratégias para a batalha na guerra de narrativas certamente envolve

elementos de um campo ainda por ser conhecer.

3. Guerra de Narrativas

A minha pergunta hoje é “quem é você na ‘fila do pão’ desta guerra de narrativas”? (Por

“fila do pão”, neste caso, entenda a busca pela atenção das pessoas) Você se preparou

para esta guerra? Já tem o seu exército de defensores e propagadores da sua verdade?

Quais são as suas armas? E a sua estratégia? A guerra será longa, bem mais longa do

que o ano. Se você perder uma batalha, não desanime. O importante é não se perder na

guerra de narrativas. (LINS, 2018)

Gohn (2014) em obra que analisou as manifestações no Brasil de Junho de

201315, indica uma pesquisa DATAFOLHA realizada naquele mês, que constatou que

em São Paulo, a maioria dos participantes tinha diploma universitário (77%) e menos de

25 anos (53%).

Para além do perfil do jovem, o que 2013 deixou como legado foi a revitalização

da pauta política pelo público jovem. Mas o que uma pesquisa de 2018 - realizada pela

Pública (agência de jornalismo investigativo) e divulgada pelo observatório da imprensa

- revela é que o perfil dos ativistas mais engajados tende para uma linha de pensamento

conservador, confiam mais na mídia tradicional e se identificam com uma filosofia

considerada de direita. O estudo foi feito em parceria com alunos da ESPM-Rio e o

Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai), da

Universidade de São Paulo, com base em interações entre 1.822 perfis de Facebook e

páginas de notícias (VIANA, 2018).

Mas a constatação de maior relevo trazida na pesquisa realizada pela Pública, a

partir de entrevista com o professor Pablo Ortellado, também tem sido o apontamento

mais recorrente partilhado entre os cientistas políticos, sociólogos e jornalistas sobre o

maniqueísmo entre duas partes. Assim analisa o professor: “Não é exatamente uma

novidade que tenhamos ‘jornalismo de combate’. O que temos de novo é a combinação

de uso de mídias sociais com polarização da sociedade. O problema não é que tenhamos

15 Os desdobramentos de um movimento como aquele são imponderáveis. Não por acaso, conforme

indica o aplicativo TRENDS do Google, o filme V de Vingança foi o item de pesquisa na categoria filmes

mais pesquisado do ano de 2013, cuja temática alude ao recrutamento da sociedade civil e à persuasão e

guerra de narrativas.

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sites engajados, mas que tenhamos uma sociedade tão polarizada que ela só difunde

informação de combate. Com isso, temos um rebaixamento muito acentuado da

informação dos brasileiros, depois da TV”. (ORTELLADO, apud VIANA, 2018).

O que outras discussões acrescentam é que este combate qualidade da

informação que circula, já que as mídias sociais já são a segunda fonte de

, potencializado por todo tipo de estratégia de persuasão (limpas, cinzas, pagas,

etc – e seus contrários), na verdade são combate de uma grande guerra de narrativas.

Trigo, (2018), dedicando uma obra toda sobre o tema, faz uma análise crítica

sobre a atual crise política e a luta pelo controle do imaginário. A proposta do autor

segue a mesma linha da declaração de Ortellado, só que como é um livro todo tratando

do tema, o detalhamento da análise vale a empreitada da leitura. “Vivemos em um

cenário de histeria coletiva, no qual a disputa entre 'nós' e 'eles' atingiu um patamar

inédito” (TRIGO, 2018, p.12).

Guerras de narrativas não são nem advento, nem novidade do cenário

contemporâneo. Nem mesmo o é este tal engajamento pela sociedade a uma das

direções das narrativas em combate. A grande novidade mesmo é o espalhamento e a

capacidade de multiplicação dessas narrativas em questão de minutos.

No final das contas, o que vence não são as narrativas. A qualidade da

beligerância da informação não se dá pela força das mensagens. Não é possível verificar

atitudes e comportamentos com base em análise técnica dessas mensagens. Mesmo a

“pregnância” de uma ideia não pode ser medida pela quantidade de exposição de uma

determinada narrativa, ainda que a médio e longo prazo isso possa influenciar.

As perdas e ganhos desse tipo de guerra só podem ser medidos a partir de efeitos

imediatos. Nas urnas. Nas ruas. Nas condutas, comportamentos e atitudes no cotidiano.

Na era das convicções, pouco importa a veracidade da narrativa: a cada um ela

terá sua valência ou não de “verdade”.

Ainda que a busca pelo domínio de uma narrativa passe pela capacidade do

manejo das informações (como por exemplo: preparo técnico, conhecimento histórico,

conhecimento do perfil do segmento a ser atingido, vulnerabilidades, fluxos e canais

favoráveis ao espalhamento, apropriação das linguagens, projeção de cenários e plano

de crises, etc.), o sucesso de uma batalha de narrativas está menos na informação e mais

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no potencial de influência dos grupos envolvidos com o valor a ser disseminado. De

maneira que na arena das batalhas, quem disse? Ou, quem compartilhou? têm importado

mais do que “o quê” está sendo dito?

A guerra de agora será muito menos uma conquista de mentes e muito mais uma

conquista de corações. O filtros estão acionados e a credibilidade e reputação de agentes

é o único método de penetração das ágoras virtuais cindidas: as bolhas das mídias

sociais retroalimentam umas às outras; e os algoritmos dos posts recorrentemente

rejeitados, são adestrados para a indicação: sem relevância! Independente da qualidade e

veracidade da informação.

Desde o início do século XX, quando a communication research16 implementou

um método científico e estatístico capaz de auferir a opinião dos públicos sobre assuntos

de guerra, de publicidade e campanhas eleitorais, cientistas de todas as áreas do

conhecimento vem buscando encontrar maneiras de influenciar os públicos para

mudança de atitudes e comportamentos com bases nesses resultados de pesquisas.

O maior expositor desses estudos é Carl Hovland, que, à frente de seu tempo,

constatou não somente os efeitos limitados da mídia, mas também que as influências

ocorrem muito mais no sentido de confirmar ou fortalecer escolhas do que revertê-las.

Esses estudos foram rebatidos, mas também reiterados ao longo de toda a

segunda metade do século XX e o que o contexto contemporâneo presencia são os

mesmos fenômenos descritos por aquelas pesquisas, só que potencializados pela

capacidade atual de superdistribuição na modalidade pessoa-a-pessoa. Nela, nem todos

os filtros das convicções podem ser apurados. Não é possível estimar o número de

visualizações e compartilhamentos realizados pelos aplicativos de mensagem pessoal.

A penetração nos públicos de narrativas contrárias às já estabelecidas convicções

pessoais provavelmente deva estar alinhada à limitação relacionada aos efeitos da mídia

constatada pelos americanos da communication research. Defleur & Ball-Rokeach,

eminentes comunicólogos do século XX, afetados pelas pesquisas de Hovland, mas

também pelas do grupo de Paul Lazarsfeld, ponderaram:

16 Como ficou conhecido o movimento americano de implantação de pesquisas científicas para investigar

os efeitos das comunicações nas audiências, com preponderância para resultados da sondagem de opinião

por meio de questionários e cuja efervescência concentrou-se entre os anos 1920 e anos 1960. Também

chamado de Escola Americana de Comunicação.

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Há razões para se desconfiar que o verdadeiro significado das comunicações de massa

da sociedade reside não em seus efeitos imediatos sobre audiências específicas, mas nas

influências indiretas, sutis e a longo prazo que têm sobre a cultura humana e a

organização da vida social. (DEFLEUR & BALL-ROKEACH, 1993, p.219).

Fosse essa desconfiança encarada com a seriedade devida, na guerra de

narrativas, inserida na lógica da construção social da realidade, teriam sucesso as

enunciações capazes de permanecer por mais tempo no debate dos públicos.

Se o campo de força das convicções não pode ser quebrado, então as crenças

predominantes devem ser o horizonte de manejo da informação. Não são as táticas que

devem mudar, mas sim as estratégias. As narrativas não podem chocar com a opinião da

maioria dos públicos, mas se enlaçarem com elas.

A informação-valor não é algo a ser imposto, mas construído. E o custo do

empreendimento, não exatamente pecuniário, está diretamente relacionado com os

recursos que se mobilizam para influenciar os públicos de interesse. A guerra de

narrativas é vencida batalha a batalha, sendo a conquista de cada opinião uma etapa de

avanço na manobra da campanha pela conquista dos corações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão ensejada neste trabalho teve o objetivo de apresentar uma das

abordagens que fará parte do Programa de Pós-Graduação stricto sensu “Humanidades

em Ciências Militares” do Exército Brasileiro. A pesquisa sobre o aspecto estratégico da

informação, suas convergências e desafios é o escopo do Grupo Estudos Estratégicos da

Comunicação e da Informação sediado no CEP/FDC, e que está ligado ao Programa.

Esses estudos se fazem necessários na medida em que aprimorar as capacidades

relacionadas à informação é uma necessidade do Exército Brasileiro para fazer frente

aos desafios impostos pela sociedade em transformação. E a informação é a mola

propulsora dessas transformações.

Identificar as condicionantes que fazem da informação um diferencial para as

operações foi apontado como uma premência para se trabalhar com as ações não-

cinéticas. Nesse sentido, o texto percorreu pelas questões que tocam as instituições de

Estado, como o é uma Força Armada, identificando que retidão na governança é

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necessária, mas não suficiente na lógica das aparições ditadas pelas tecnologias da

comunicação. Elemento que exige uma adequada construção de narrativas, com base em

informações tanto de divulgação, quanto para articulação de ações operacionais (ditas

de combate). E é essa distinção que vai exigir das doutrinas institucionais uma definição

mais clara sobre o que é e como deve ser agenciada a informação para uso estratégico e

construção de narrativas. Esta questão é importante, porque, conforme descrito pelo

caso Judith Miller, as narrativas são essenciais para a formação e conformação da

opinião pública.

O problema é que as doutrinas ainda são carentes de definições mais pontuais

cobrindo todas as necessidades do manejo estratégico. A guerra (e a não-guerra), objeto

central de uma Força Armada, é estudada a partir de inúmeros espectros, porém as

questões relacionadas ao campo humano carecem de um detalhamento mais dedicado

por parte das doutrinas. Conforme foi argumentado no texto, a definição do termo

Informação não está assegurada de forma a garantir um adequado emprego dessas

atividades.

Por fim, a discussão procurou situar o tema no incendiário debate sobre a guerra

de narrativas e a atual capacidade de multiplicação pessoa-a-pessoa, num cenário de

turbulências e polarização da sociedade dividida por convicções.

A capacidade estratégica de influência e interferência na construção de opiniões

dos diversos públicos de interesse deveria ser o centro de gravidade dos materiais que

orientam as operações não-cinéticas.

O aprendizado acumulado do século XX ensinou que entre a construção de uma

mensagem e todos os recursos dispendidos para penetração de sua narrativa no

imaginário social há um gap gigantesco. O efeito de uma comunicação pretendida nunca

está garantido. Mas o que as inúmeras campanhas, pesquisas e guerras de narrativas

ensinam é que há uma artilharia pesada por parte da mídia no sentido de utilizar suas

estratégicas17 de acumulação, consonância e ubiquidade para influenciar seus públicos.

17 Essas estratégias foram descritas por Elizabeth Noelle-Neumann em seu estudo sobre a contra-

aceitação da imposição de uma narrativa, excessivamente trabalhada pela mídia, que Neumann chamou

de “espiral do silêncio”. Esta é entendida como o campo onde estão inseridos os sujeitos que silenciam

suas opiniões quando as mesmas são contrárias às que vigoram nas narrativas dominantes.

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Mesmo que o poder absoluto dos meios de comunicação, em alguns momentos,

entrem em xeque, ainda vigora uma concentração desproporcional de imposição de

narrativas. Resta a esta discussão sugerir aos assessorem e colaboradores do pensamento

da Defesa Nacional, que se questionem se não deveriam as doutrinas prever como

manejar a informação para influenciar os públicos.

Talvez, em complemento às Operações de Informação descritas no resumo deste

trabalho, também fosse necessário falar em Operações de Influência, que, conforme

definição de documento doutrinário da Força Aérea americana, são mais abrangentes do

que as já conhecidas Operações Psicológicas, entendendo por “Operações de

Influência” aquelas descritas de acordo com o AFDD 2-5 (US Air Force Doctrine

Document), e citado por Aranha (2018), no portal DEFESANET:

“Operações de Influência” são aquelas focadas em intervir nas percepções e condutas de

líderes, grupos ou populações inteiras. São empregadas habilidades para acometer

ações, operações de proteção, ordens de comando e, ao mesmo tempo, lançar

informações precisas para obter efeitos por todo o plano cognitivo. Esses efeitos podem

resultar em ações contaminadas ou em alterações no ciclo de decisões do adversário. As

competências militares das “operações de influência” são as operações psicológicas

(PYSOP), ações diversionárias (MILDEC), operações de segurança (OPSEC),

operações de contra inteligência (CI), operações de affaires civis (PA) e operações de

contrapropaganda. (...) Essas atividades das “operações de influência” permitem ao

Comando preparar e delinear o campo de batalha, transmitindo informações e

indicativos selecionados para os ouvintes-alvo e configurando as percepções dos

tomadores de decisão, colhendo informações amigáveis, defendendo contra sabotagem,

protegendo contra a espionagem, reunindo informes e comunicando informação

selecionada sobre atividades militares para a audiência global. (ARANHA, 2018)

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