wp1 – desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 limitações das perspectivas...

38
WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de análise* Mário Vale DIVEST DESINVESTIMENTO E IMPACTOS ECONÓMICOS, SOCIAIS E TERRITORIAIS Projecto POCTI/ GEO /34037/2000 LISBOA - 2002 FEDER * Versão preliminar. Não citar sem a permissão do autor.

Upload: others

Post on 25-Jul-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de análise* Mário Vale

DIVEST – DESINVESTIMENTO E IMPACTOS ECONÓMICOS, SOCIAIS E TERRITORIAIS

Projecto POCTI/ GEO /34037/2000

LISBOA - 2002 FEDER

* Versão preliminar. Não citar sem a permissão do autor.

Page 2: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DIVEST – DESINVESTIMENTO E IMPACTOS ECONÓMICOS, SOCIAIS E TERRITORIAIS

Projecto POCTI/GEO/34037/2000

Investigador Responsável: Mário Vale

Ficha Técnica: Título: Desinvestimento e território: quadro conceptual de análise. WP1, Projecto DivesT. Autor: Mário Vale. Composição / Revisão Texto: Rui Dias.

Page 3: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

3

ÍNDICE

Pág. 1. Introdução 4 2. Desinvestimento: significado e tipos 7 3. Síntese das perspectivas teóricas no estudo do desinvestimento 9

3.1 A Perspectiva da Organização Industrial 9 3.2 Perspectiva da Gestão Estratégica 10 3.3 Perspectiva dos Estudos Financeiros 11 3.4 Perspectiva da Economia Política 11

4. Perspectivas teóricas no estudo do desinvestimento em Geografia Económica 13

4.1 A influência da escola da economia neo-clássica 14 4.2 A influência da escola da economia política 19 4.3 Limitações das Perspectivas Teóricas no Estudo do Desinvestimento e Território 22

5. Um quadro conceptual para o estudo do desinvestimento e território 24

5.1 Tipologia do Desinvestimento e Impactos Territoriais 24 5.2 Proposta de um Quadro Conceptual de Análise das Inter-Relações entre o Desinvestimento e o Território 29

6. Nota final 35

Bibliografia 36

Page 4: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

4

1. INTRODUÇÃO

A evolução histórica do capitalismo encontra-se marcada por ciclos de

expansão/recessão económica que afectam a vida das empresas, trabalhadores e,

num sentido mais amplo, das comunidades. Com a convergência espacio-temporal e

a progressiva integração das economias ao nível mundial, os agentes económicos

necessitam de responder de uma forma mais rápida aos novos desafios competitivos

(SIMÕES, 2001). Mas nem sempre a mudança decorre no sentido de valorização dos

activos da empresa ou da criação de novas competências. Na verdade, a redução

ou encerramento da actividade é também uma das possibilidades de gestão

estratégica, pelo que o investimento e o desinvestimento são faces da mesma moeda

(FREITAS, 1998).

Frequentemente, vão surgindo notícias de encerramentos de unidades

industriais, de despedimentos em massa, de salários em atraso, de deslocalizações da

produção… Tanto dizem respeito à indústria transformadora como aos serviços, a

empresas nacionais como a transnacionais, a grandes como a pequenas e médias

empresas, ainda que as reestruturações dos grandes grupos económicos despertem

maior interesse nos media, como se constata nos casos da AT&T, IBM, GM, Boeing,

Delta Airlines…(Newsweek, 1996) ou mais recentemente da Philips, Motorola,

Ericsson,…(The Economist, 2000).

Desde meados dos anos setenta, observou-se em algumas das regiões

industriais mais dinâmicas da Europa e da América do Norte uma forte crise

económica, decorrente principalmente da especialização em indústrias "maduras",

como a siderurgia, construção e reparação naval e alguns segmentos da química,

que iniciaram um longo processo de reestruturação. Subsequentemente, emerge uma

nova categoria espacial: a "área de industrialização antiga" (STEINER, 1985). O

Nordeste de Inglaterra, a bacia do Ruhr, a área industrializada do Nordeste de França,

o Nordeste dos EUA são algumas das regiões que atravessaram uma forte recessão

económica derivada da desindustrialização da base económica (BLACKABY, 1981;

BLUESTONE e HARRISON, 1982), enquanto "novos espaços industriais" iniciaram um ciclo

de forte crescimento económico baseado principalmente na dinâmica das

actividades de novas tecnologias (SCOTT, 1988). Acentua-se a divisão inter-regional da

produção, estereotipada pelo Frostbelt ou Snowbelt vs. Sunbelt, ou mais

prosaicamente "Norte" vs. "Sul" (COOKE, 1995).

Com a competição à escala global, a mobilidade crescente do capital, os

avanços tecnológicos nas telecomunicações, que permitem um aprofundamento da

Page 5: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

5

divisão internacional do trabalho, as regiões vêem-se confrontadas com novos

desafios. Enquanto algumas regiões aproveitam com sucesso as novas oportunidades -

as regiões "ganhadoras" (BENKO e LIPIETZ, 1992) - outras atravessam períodos de

recessão económica, pelo que necessitam de assistência pública para a sua

regeneração. A lógica dominante do capital financeiro justifica uma procura

incessante da remuneração do capital. Não se trata de um processo de

reestruturação industrial, como o que se observou nas áreas de industrialização antiga;

traduz, cada vez mais, uma resposta às pressões dos accionistas. Não admira que os

casos de desinvestimento, nas suas vertentes de downsizing ou de simples

encerramento de unidades industriais, tenham aumentado drasticamente ao longo

dos últimos anos (PADMANABHAN, 1993). Esta tendência contribui para um aumento

do valor das acções das empresas nas praças financeiras mas fragiliza as regiões e

vulnerabiliza as comunidades.

O desinvestimento, tal como o investimento, tem marcado inexoravelmente a

evolução histórica e geográfica da economia e sociedade do sistema capitalista. Os

territórios experienciam desinvestimentos e os seus efeitos - desemprego, queda do

produto, retracção da prestação de serviços e diminuição do rendimento - coíbem o

bem-estar e a prosperidade das comunidades (PIKE, 1999). Na base do

desinvestimento há um conflito fundamental entre o capital e o território (BLUESTONE e

HARRISON, 1982). As comunidades são espaços de vida circunscritos no território e

constituem unidades sociais e políticas, por oposição ao espaço económico, mais

fragmentado, descontínuo e em permanente expansão. As lógicas discordantes da

valorização do capital e do território são preocupantes para o desenvolvimento

regional e para a vida das comunidades e, deste modo, constituem um tema de

investigação científica, uma preocupação social e um assunto central para a agenda

política. Com o projecto de investigação DivesT - Desinvestimento e Impactos

Económicos, Sociais e Territoriais, de que este trabalho faz parte, procura-se, por um

lado, aprofundar o conhecimento das motivações do desinvestimento e os seus

impactos económicos e sociais nas regiões e, por outro, contribuir para a formulação

de políticas de prevenção e/ou de minimização dos seus efeitos.

Este relatório tem por objectivo a construção de um quadro conceptual para a

análise do desinvestimento - conceito que importa discutir - segundo uma perspectiva

territorial, partindo de uma análise crítica à bibliografia de referência acerca do tema.

O estudo do desinvestimento em geografia económica revela a influência de duas

escolas dominantes - a da economia neo-clássica e a da economia política - a par

das influências mais recentes dos estudos da gestão estratégica e das suas variantes

eclécticas e da economia institucionalista (PIKE, 2001). A geografia do desinvestimento

Page 6: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

6

baseia-se, segundo cada uma das perspectivas, em construções teóricas e

conceptuais distintas, que frequentemente dão origem a leituras reducionistas e

economicistas ou estruturalistas fáceis mas incapazes de captar a complexidade das

relações entre o desinvestimento e o território. Por outro lado, o território é

considerado, na maior parte das vezes, como um elemento passivo, onde se reflectem

as consequências do desinvestimento. Algumas análises destacam o papel do

território como causa do desinvestimento, atribuindo invariavelmente ao factor

trabalho (conflitos laborais) um peso determinante na tomada de decisão ao nível

empresarial, sem aprofundarem convenientemente o papel de outros factores de

base territorial.

As fragilidades dos trabalhos geográficos acerca do desinvestimento levam-nos

a desenvolver um quadro conceptual de análise para o estudo do tema. A

argumentação que se segue fundamenta-se em princípios da economia institucional,

sócio-economia e sociologia económica, que têm influenciado alguns trabalhos

recentes no domínio da geografia económica (AMIN e THRIFT, 1997; CRANG, 1997; PIKE

et al., 2000). Tal como outros aspectos da vida económica, o desinvestimento faz parte

de um processo social de base territorial, que não pode ser entendido exclusivamente

a partir dos condicionalismos económicos/sectoriais e das estratégias empresariais,

facto que é também reconhecido por alguns autores da área da economia e gestão

(SIMÕES, 2001). Na verdade, as características do mercado de trabalho e a

"espessura" institucional das regiões influenciam fortemente as decisões de

(des)investimento e as modalidades de imbricação territorial.

Este relatório organiza-se em quatro secções. Primeiro, procura-se clarificar e

tipificar o desinvestimento. Em segundo lugar, analisam-se criticamente as

perspectivas da economia neo–clássica e da economia política e, na secção

seguinte, discute-se a sua influência nos estudos geográficos acerca do

desinvestimento. Finalmente, apresenta-se uma nova perspectiva para o estudo do

desinvestimento e as suas relações territoriais (causas e consequências) e propõe-se

um quadro conceptual de análise para a geografia do desinvestimento.

Page 7: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

7

2. DESINVESTIMENTO: SIGNIFICADO E TIPOS

A maior parte dos trabalhos de geografia económica sobre o desinvestimento

reporta-se unicamente a algumas das suas modalidades, principalmente ao

encerramento de empresas e à reestruturação industrial. Não se observa, todavia, a

mesma situação em outros estudos do domínio da economia e da gestão, embora

não exista uma única definição de desinvestimento. No âmbito do projecto DivesT,

dois trabalhos de carácter preliminar, a que agora recorremos, procuraram clarificar o

conceito e tipificar o desinvestimento (VALE, 2001; SIMÕES, 2001).

Em termos gerais, o desinvestimento é um fenómeno tão natural como o

investimento (FREITAS, 1988). MARIOTTI e PISCITELLO (1997) admitem que o

desinvestimento é uma das medidas possíveis de gestão empresarial, contudo

salientam a dificuldade em adoptá-la devido ao seu carácter negativo,

frequentemente associado a um fracasso. Esta é uma das razões que justifica o

tratamento reservado da informação relativa ao desinvestimento pelas empresas

(HAMILTON e CHOW, 1993), circunstância que limita a elaboração de estudos

empíricos acerca do tema.

Antes de apresentar uma definição para o conceito de desinvestimento, deve

salientar-se que, segundo WATTS e STAFFORD (1986), este pode ser involuntário ou ter

origem numa decisão estratégica deliberada por um agente económico, sendo este

mais comum no caso das empresas multi-estabelecimento. BENITO (1997) e LARIMO

(1997) identificam ainda o desinvestimento forçado, que corresponde aos casos de

nacionalizações, expropriações, confiscações,… Neste trabalho não se considera esta

última situação, porque traz claramente menos implicações para o desenvolvimento

das regiões.

Alguns autores da área da economia e da gestão procuraram definir o

conceito de desinvestimento, observando-se uma convergência em relação ao seu

significado. Assim, por desinvestimento pode entender-se a liquidação voluntária ou

venda da totalidade ou parte substancial de uma operação activa de uma empresa,

cuja decisão é baseada em considerações estratégicas (BODDEWYN, 1979) ou, como

afirmam WATTS e STAFFORD (1986), tem um carácter involuntário que configura um

caso de fracasso. O desinvestimento refere-se, assim, à alienação de uma parcela

significativa ou da totalidade dos activos (DUHAIME e GRANT, 1984), pelo que diz

respeito ao desmantelamento de uma relação de propriedade.

Na óptica da geografia, a definição de desinvestimento centrada nas relações

de propriedade apresenta algumas limitações. Primeiro, a alienação total ou parcial

Page 8: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

8

de activos da empresa não implica necessariamente uma alteração no volume de

produção ou de emprego, pelos que os seus efeitos espaciais serão nulos ou

negligenciáveis. Na verdade, não se trata de um desinvestimento sob o ponto de vista

territorial. Segundo, e em oposição ao primeiro argumento, as regiões podem sentir o

desinvestimento sem decorrer uma alienação da propriedade. Alguns exemplos

ajudam a clarificar o significado destes comentários. A saída recente da Ford da joint

venture AutoEuropa ilustra um caso de alteração da propriedade sem quaisquer

efeitos negativos na economia da região, enquanto a redução sistemática do ritmo

da produção na Siderurgia Nacional até ao seu encerramento decorreu sem

alterações significativas, pelo menos mais recentemente, das relações de

propriedade. No entanto, a dimensão da propriedade não pode ser descurada numa

análise do desinvestimento, pelo facto da decisão se reportar à empresa e não ao

estabelecimento.

A distinção entre empresa e estabelecimento parece essencial para a

compreensão do significado do desinvestimento. Se, por um lado, a decisão depende

da empresa, repercutindo-se no estabelecimento, por outro lado, é ao nível do

estabelecimento que a implementação de eventuais decisões de alteração do

produto, produtividade e emprego se reflectem no território que, em retroacção,

influencia o desempenho do estabelecimento e, assim, indirectamente o próprio

processo de tomada de decisão da empresa.

Page 9: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

9

3. SÍNTESE DAS PERSPECTIVAS TEÓRICAS NO ESTUDO DO DESINVESTIMENTO

Esta secção debruça-se sobre as principais perspectivas teóricas no estudo das

determinantes do desinvestimento, tendo por objectivo a identificação e crítica do

quadro conceptual, princípios explicativos e objecto de estudo. Inicia-se este ponto

com uma revisão crítica da bibliografia, adoptando-se a proposta de CHOW e

HAMILTON (1993). Estes autores identificaram três perspectivas centrais no estudo do

desinvestimento: organização industrial, gestão estratégica e estudos financeiros. Deve

ainda acrescentar-se uma outra perspectiva com larga influência nos estudos de

desinvestimento: a economia política (PIKE, 2001). Aquelas privilegiam uma análise ao

nível da empresa, enquanto esta destaca as forças estruturais do sistema económico.

3.1 A Perspectiva da Organização Industrial

Na bibliografia sobre desinvestimento oriunda do campo da organização

industrial destaca-se uma preocupação principal: as barreiras e os incentivos à saída

(SIEGFRIED e EVANS, 1994). O principal incentivo à saída (exit) é o baixo lucro, que

pode resultar de um dos seguintes factores: custos de produção elevados, diminuição

permanente da procura e entrada de concorrentes mais eficientes na actividade

(BENITO, 1997). Ao invés, a existência de activos específicos sem uso alternativo

impedem a saída (WILLIAMSON, 1985).

Os activos específicos da empresa dividem-se em duas categorias: tangíveis e

intangíveis. Os activos específicos tangíveis sem uso alternativo, como os elevados

custos irreversíveis (sunk costs) em maquinaria, funcionam como uma barreira à saída

do mercado (SIEGFRIED e EVANS, 1994). O trabalho de CLARK e WRIGLEY (1997)

evidencia o papel de dissuasor dos custos irreversíveis em capital fixo em sectores em

declínio na transferência de activos para outros espaços. No caso dos sectores em

declínio, os custos irreversíveis levam a uma obsolescência do capital fixo, devido à

especificidade e vinculação geográfica dos activos específicos, que dificulta a

mobilidade do capital em tempo oportuno. A existência de activos específicos

intangíveis, tais como, singularidade do capital humano, actividades de I&D e

marketing e até o envolvimento da administração da empresa com o território,

actuam como barreiras à saída. Nestes estudos, os custos previsíveis de abandono de

uma unidade industrial são amplificados pela forma como os responsáveis valorizam

Page 10: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

10

determinados activos, designadamente os específicos intangíveis, que acabam por ter

um efeito de barreira à saída do mercado.

Na perspectiva da organização industrial, a diversificação das actividades é

outra das determinantes do desinvestimento. Da revisão da literatura efectuada por

BENITO (1997), conclui-se que as empresas independentes têm, em geral, menores

custos de oportunidade e, consequentemente, aceitam mais facilmente menores

taxas de lucro do que as empresas multi-estabelecimento/ multi-indústria. Além do

mais, o desinvestimento ocorre com mais facilidade nos grupos económicos mais

diversificados porque o processo de tomada de decisão é centralizado num gestor do

grupo, frequentemente afastado emocional e geograficamente da unidade

desinvestida.

3.2 Perspectiva da Gestão Estratégica

A maior parte dos estudos da gestão estratégica abordam o desinvestimento a

partir da teoria do ciclo de vida do produto e da carteira de negócios da empresa

(LARIMO, 1997). O desinvestimento é considerado uma das diversas opções

estratégicas para as indústrias em declínio e, como tal, consiste numa solução

apropriada para os casos de fim de ciclo de vida do produto, caracterizados pela

elevada incerteza e volatilidade em relação aos rendimentos futuros (HARRIGAN,

1980). Por outro lado, os trabalhos da gestão estratégica salientam a tendência para a

observância de um processo de avaliação contínua do desempenho das unidades

industriais numa óptica financeira e estratégia. As diversas unidades industriais de uma

empresa ou grupo económico defrontam-se com uma estratégia de permanente

avaliação, que resulta de uma lógica de gestão de carteira de negócios (uma

empresa considera-se como um conjunto de activos, produtos e actividades). Diversos

estudos concluem que as unidades com menor desempenho são as principais

candidatas à opção de desinvestimento de uma empresa.

Tal como nos estudos de organização industrial, a diversificação da actividade

de uma empresa constitui um factor potencial de desinvestimento nesta perspectiva.

Na verdade, a expansão em actividades relacionadas conduz a níveis de

desempenho superiores, que se traduz, certamente, em taxas de sobrevivência mais

elevadas. MATA e PORTUGAL (2000) demonstram que a probabilidade de

desinvestimento (na modalidade de encerramento) é maior nas operações de

aquisição e de diversificação das empresas internacionais. Seguindo um raciocínio

Page 11: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

11

análogo, níveis de interdependência reduzidos entre unidades da empresa motivam o

desinvestimento (DUHAIME e GRANT, 1984), que pode ser entendido como uma

necessidade de concentração no negócio primacial da empresa (HAMILTON e

CHOW, 1993). Embora existam casos de empresas que evoluíram para grandes

conglomerados, os estudos de gestão estratégica sobre o desinvestimento expressam,

em geral, a tendência para a expansão da actividade em áreas de competência das

empresas (LARIMO, 1997).

3.3 Perspectiva dos Estudos Financeiros

A perspectiva dos estudos financeiros salienta o efeito das decisões de

desinvestimento na evolução do preço das acções nos mercados financeiros (BENITO,

1997, LARIMO, 1997). Segundo PADMANABHAN (1993), o desinvestimento

frequentemente conduz a uma valorização das acções da empresa. A explicação

óbvia resume-se ao facto das unidades desinvestidas serem, em termos genéricos, as

que apresentam um pior desempenho. Outra, mais elaborada, prende-se com os

elevados custos de monitorização de unidades instaladas no estrangeiro e, deste

modo, o abandono de algumas operações internacionais pode afectar positivamente

o valor das acções da empresa.

Mas o desinvestimento na perspectiva dos estudos financeiros ocorre também

por outros motivos distintos do mau desempenho da unidade. Nas análises

bibliográficas idênticas de BENITO (1997) e de LARIMO (1997), a motivação para o

desinvestimento também aumenta à medida que a empresa define novas estratégias

e algumas das unidades deixam progressivamente de se integrar na estratégia

competitiva. Também nestes casos, o impacto no mercado de valores pode

beneficiar a empresa.

3.4 Perspectiva da Economia Política

Os estudos da economia política filiam-se numa perspectiva estruturalista

relativa ao funcionamento do sistema económico, minimizando as motivações ao

nível da empresa em favor da análise crítica do funcionamento da economia

Page 12: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

12

capitalista. Neste sentido, o desinvestimento nas suas múltiplas vertentes explica-se

pela desvalorização contínua associada ao processo de acumulação de capital, que

é necessariamente específico ao nível do lugar (HARVEY, 1982). O trabalho de

BLUESTONE e HARRISON (1982) ilustra paradigmaticamente esta perspectiva de estudo

do desinvestimento, particularmente do encerramento e deslocalização de unidades

produtivas. As unidades desinvestidas não dizem respeito apenas às operações pouco

rentáveis, pois observa-se recorrentemente o encerramento de unidades lucrativas em

favor de novos investimentos com retorno mais favorável. Os estudos colocam, assim,

a tónica na mobilidade (fuga) do capital (capital shift).

A desindustrialização, a reestruturação industrial e o encerramento de unidades

industriais destacam-se como os temas mais influentes na economia política e

geografia económica (BLUESTONE e HARRISON, 1982; MASSEY e MEEGAN, 1982;

MASSEY 1995; MARTIN e ROWTHORN, 1986). Assumem particular relevância as questões

relacionadas com o trabalho (desemprego, formação, re-inserção, políticas de

emprego e formação,…) (MASSEY e MEEGAN, 1982; TOMANEY et al., 1999).

Em contraste com as perspectivas da economia neo-clássica, os estudos

desenvolvidos segundo a perspectiva da economia política procuram definir algumas

linhas de intervenção pública orientadas por princípios de solidariedade inter-territorial

de classe e defesa das comunidades em relação ao desinvestimento, tipicamente

dirigidas para o apoio às comunidades em crise (BLUESTONE e HARRISON, 1982;

HUDSON e SADLER, 1986).

Page 13: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

13

4. PERSPECTIVAS TEÓRICAS NO ESTUDO DO DESINVESTIMENTO EM GEOGRAFIA

ECONÓMICA

Os estudos sobre o desinvestimento na área da geografia económica

privilegiaram algumas das suas manifestações, como a desindustrialização,

reestruturação industrial e o encerramento de unidades industriais. Os trabalhos mais

significativos da geografia económica sobre algumas daquelas manifestações

desenvolvem-se a partir dos finais dos anos setenta. O declínio das actividades

industriais nos países mais desenvolvidos motivou os geógrafos para um

aprofundamento das suas causas e consequências. Desde o início dos anos oitenta, o

termo desindustrialização foi utilizado, nem sempre convenientemente, para explicar

as mudanças da base económica. As dificuldades de definição deste conceito

constatam-se nos múltiplos significados atribuídos por diversos autores. Assim,

desindustrialização pode significar diminuição do emprego nas actividades industriais,

deterioração da balança comercial da actividade industrial, diminuição absoluta e

relativa do valor do produto industrial (medido através do indicador Valor

Acrescentado Bruto) e declínio do investimento (MARTIN e ROWTHORN, 1986).

Mais do que uma tendência evolutiva da base económica, o conceito de

desindustrialização ganha mais significado enquanto explicação da própria tendência

evolutiva (CAIRNCROSS, 1978). As causas do desinvestimento também são explicadas

de forma diferenciada, identificando-se três tipos principais de argumentos

(BLACKABY, 1981). O primeiro reporta-se às políticas monetárias como fonte de

contracção do produto industrial. O segundo explica o declínio industrial pela

diminuição da competitividade de algumas actividades nos países mais

desenvolvidos. O último salienta a incapacidade de mudança tecnológica e de

inovação de determinadas indústrias (algumas em fase de maturidade).

O interesse explícito dos geógrafos pelo desinvestimento ou pelas suas

manifestações coincide com uma vaga de alterações no mapa da geografia

industrial. Pode afirmar-se que os geógrafos procuraram, e ainda procuram,

conceptualizar processos económicos e espaciais da reestruturação empresarial e a

saída do mercado. Como seria de esperar, não há uma concordância nas

abordagens teóricas adoptadas nem um mesmo quadro metodológico de análise nos

trabalhos em geografia económica. Reconhecem-se, no entanto, duas perspectivas

dominantes - neo–clássica e economia política - tendo vindo a emergir recentemente

uma abordagem mais integradora ao estudo do desinvestimento como forma de

ultrapassar algumas limitações daquelas perspectivas. Em seguida, apresenta-se uma

Page 14: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

14

revisão crítica dos trabalhos na área da geografia referentes ao desinvestimento ou

suas manifestações.

4.1 A influência da escola da economia neo-clássica

Os trabalhos que adoptam uma perspectiva centrada no estabelecimento ou

na empresa denotam, para utilizar a mesma expressão recorrente nos trabalhos da

economia política, uma forte influência da economia neo–clássica. As causas do

desinvestimento são interpretadas de uma forma similar aos estudos da economia

industrial. Em relação aos impactos espaciais do desinvestimento, a maior parte dos

trabalhos incide nos efeitos negativos dos multiplicadores e diminuição da procura

local e do rendimento (PIKE, 2001). Os estudos sobre o mercado de trabalho salientam

os desequilíbrios momentâneos gerados pelo aumento da oferta de trabalho,

admitindo-se um reequilíbrio no mercado de trabalho local através da redução dos

salários e de movimentos migratórios, bem como pelo aumento da procura de

trabalho em outras actividades económicas emergentes (ARMSTRONG e TAYLOR,

2000). Alguns estudos reflectem, no entanto, as dificuldades observadas no

restabelecimento do equilíbrio no mercado de trabalho após a ocorrência de

encerramentos de unidades produtivas (GRIPAIOS e GRIPAIOS, 1994). Em seguida,

salienta-se apenas o conjunto de estudos que visam tipificar o desinvestimento na

perspectiva da empresa, devido a incidirem especificamente na questão do

encerramento da actividade.

Os contributos iniciais de GUDGIN (1978), ERICKSON (1980), CROSS (1981) e

HEALEY (1982), para citar apenas os mais significativos, são retomados no trabalho de

WATTS e STAFFORD (1986), que virá a influenciar estudos posteriores acerca do

encerramento de unidades industriais. WATTS e STAFFORD (1986) salientam a

necessidade de distinguir a motivação da selecção num processo de encerramento

em contextos de empresas multi-estabelecimentos. Deste modo, importa identificar as

causas do desinvestimento (a questão da motivação) e subsequentemente perceber

por que determinadas unidades em particular são candidatas ao desinvestimento (a

questão da selecção). Enquanto a primeira questão decorre sobretudo de

considerações de âmbito económico, a segunda relaciona-se mais intensamente com

o estabelecimento e a sua envolvente. A tipologia de encerramento em empresas

multi-estabelecimentos apresentada pelos autores compreende três categorias:

encerramento por cessação, encerramento por omissão e encerramento selectivo

(figura 1).

Page 15: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

15

Figura 1 – Tipologia de Encerramento de Estabelecimentos em Empresas

Multi-Estabelecimentos

Xa

XdXc

XXb

X

Produto A

Produto B

Expansão

Encerramento

cessação

selecção

omissão (default)

selecção

Fonte: Extraído de WATTS e STAFFORD (1986), p. 212.

O encerramento por cessação corresponde ao abandono de um

estabelecimento por descontinuidade de um determinado tipo de produto, ainda que

possa ocorrer uma venda dos activos a outra empresa, sem qualquer influência do

território, no sentido da envolvente ao estabelecimento, no processo de tomada de

decisão. No caso do encerramento por omissão, a decisão de aumentar a produção

num determinado estabelecimento pode levar ao encerramento, por omissão, de

outros da mesma empresa. Nestas situações, o encerramento de unidades industriais

resulta de decisões estratégicas relativas à expansão da capacidade industrial de

uma fábrica (brownfield plant) ou pela abertura de um novo estabelecimento

industrial (greenfield plant) que substitui a capacidade industrial das fábricas mais

antigas. O encerramento selectivo é semelhante ao anterior, porém, a empresa pode

optar por manter alguns estabelecimentos em detrimento de outros.

A tipologia apresentada tem o mérito de separar a motivação da selecção

num processo de encerramento de unidades industriais. Centra-se principalmente na

distinção entre os desinvestimentos relacionados com novos investimentos (redução

de custos de trabalho, inovação tecnológica, novos produtos,…) e os relacionados

com excesso de capacidade (diminuição da procura derivada da menor

competitividade da unidade industrial ou mesmo devido a problemas relacionados

com o ramo de actividade, por exemplo, no caso da concorrência de novos produtos

Page 16: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

16

substitutos). As questões locativas referentes ao encerramento de estabelecimentos

por omissão ou selecção são tratadas segundo duas perspectivas dominantes nas

teorias de localização tradicionais. A perspectiva neo-weberiana recorre a uma

comparação dos custos de produção dos diferentes locais, pelo que a explicação

locativa para o encerramento de uma unidade industrial não é mais do que a

aplicação destes princípios mas numa lógica inversa de prioridades, ou seja, trata-se

de escolher a localização menos vantajosa por oposição à localização ideal. A outra

perspectiva deriva da aplicação dos pressupostos teóricos do modelo de uso do solo

de Von Thünen. Consideram-se os usos de solo alternativos num quadro de

concorrência entre as diversas actividades da empresa e entre usos industriais e não

industriais. Note-se, no entanto, que a perspectiva neo-weberiana tem sido

claramente dominante no estudo do encerramento de unidades industriais.

Figura 2 – Tipologia de Encerramento de Estabelecimentos em Empresas

Multi-Estabelecimentos

Contextos de Decisão

Empresa uni-estabelecimento

Empresa multi-estabelecimento

Sem estabelecimentos similares

Com estabelecimentos similares

Tipos de Encerramento

Fim da actividade

Fim da linha de produto

Outsourcing

Redução da produção(manutenção de outros

estabelecimentos)

Manutenção ou expansãoda produção mas em outros

estabelecimentos

Cessação I Cessação II Cessação III Selecção I Selecção II

Fonte: Extraído de STAFFORD (1991), p. 54.

A partir desta tipologia, STAFFORD (1991) elaborou uma outra proposta de

tipologia de encerramento de unidades industriais. No essencial, o autor pormenoriza

as formas de encerramento, identificando três tipos de cessação e dois de

encerramento selectivo (figura 2). O autor assinala que o encerramento por cessação

da actividade de um estabelecimento pode ocorrer num contexto de empresa mono

Page 17: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

17

ou multi-estabelecimento, a que se segue ou não o fim de toda a actividade da

empresa. No caso do encerramento selectivo de estabelecimentos, o tipo I

corresponde à redução da produção de um determinado produto e ao

encerramento de determinadas unidades industriais da empresa, enquanto o tipo II

refere-se ao encerramento de determinadas unidades, mas opera-se uma

transferência da linha de produto para outras unidades da empresa.

As propostas de WATTS e STAFFORD (1986) e de STAFFORD (1991) pretendem

captar os tipos de saída do mercado das unidades industriais, estabelecendo uma

categorização exaustiva e mutuamente exclusiva para o encerramento dos

estabelecimentos. As limitações inerentes a qualquer tipologia estão, como tal,

presentes nas suas propostas, pois é manifestamente difícil, senão mesmo impossível,

identificar todas as formas de encerramento por mais exaustiva que seja a sua

classificação. Segundo CLARK e WRIGLEY (1997), o carácter estático destas propostas

também merece alguns reparos críticos. Com efeito, não é de todo impossível que

alguns tipos de desinvestimento não sejam uma antecâmara para a cessação

completa de toda a actividade. Ainda de acordo com CLARK e WRIGLEY (1997),

sucede que as opções de gestão de uma empresa são fruto de decisões passadas e,

deste modo, as empresas em situações idênticas não adoptam necessariamente as

mesmas soluções, pelo que "in unpacking the concept of exit, there is a clear need to

deal explicitly with the incremental and sequential nature of corporate decision-

making" (p. 343).

Aqueles autores desenvolvem uma argumentação em torno da ausência de

espontaneidade das empresas em relação às decisões de entrada ou saída do

mercado. CLARK e WRIGHT (1997) identificam duas razões objectivas para que tal

suceda: em primeiro lugar, uma queda da procura não conduz à saída do mercado

sem que se avalie primeiro se essa adversidade apresenta um carácter temporário ou

permanente; em segundo lugar, os custos irreversíveis de uma operação de saída do

mercado - que se traduzem pela impossibilidade de recuperar parte do capital

previamente investido decorrente, por exemplo, da dificuldade de venda de

equipamentos usados e da incapacidade da sua reutilização noutras actividades -

actuam, em geral, como uma barreira à saída. Denotando influências da escola da

economia industrial e da gestão estratégica, os autores concebem a empresa como

um portfolio acumulado de activos tangíveis e intangíveis, diferenciados quanto à sua

especificidade e ritmo de depreciação, que oferecem diversas opções em termos de

estratégia competitiva. Neste sentido, a natureza da empresa (tipo de gestão, história,

inserção territorial,…) e os custos irreversíveis condicionam as decisões de saída do

mercado.

Page 18: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

18

Apesar da natureza redutora própria de uma tipologia, CLARK e WRIGLEY

(1997) avançam com uma proposta de categorização da saída do mercado,

admitindo os seguintes pressupostos: existência de uma empresa com diversos

estabelecimentos industriais que coexistem entre si e apresentam tecnologias

diferenciadas decorrentes do "estado da arte" no domínio tecnológico à altura em

que foram construídos ou adquiridos; declínio imprevisível da procura ou inovação

tecnológica e organizacional inesperada resultando num excesso de capacidade

industrial que se vai agravando ao longo do tempo sem que a empresa consiga

prever a duração da recessão. A figura 3 ilustra as diferentes opções estratégicas da

empresa à medida que decai a procura.

Figura 3 – Campos de saída, opções de saída e caminhos de saída: uma tipologia

Fonte: Extraído de CLARK e WRIGLEY, 1997, pp. 347.

A tipologia compreende três contextos de saída do mercado - relocalização

estratégica (saída tipo 1), reestruturação (saída tipo 2) e forma e estrutura empresarial

(saída tipo 3) - que resumem a resposta da empresa a situações de progressiva

diminuição da procura. Assim, do encerramento selectivo de um determinado

Page 19: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

19

estabelecimento até à liquidação da empresa, identifica-se um conjunto de tipos de

resposta empresarial à diminuição da procura, que podem reconduzir a empresa à

bancarrota ou levá-la ao sucesso. Previsivelmente, esta tipologia tem alguns pontos

comuns com outras desenvolvidas anteriormente, nomeadamente a de Watts e

STAFFORD (1986) e a de STAFFORD (1991). Em resumo, a tipologia de CLARK e WRIGLEY

(1997) comporta dois aspectos inovadores: a introdução de um vector temporal

relacionado com a dinâmica do mercado (procura) e a inclusão de um leque de

respostas possíveis das empresas à crise.

4.2 A influência da escola da economia política

A perspectiva da economia política prevalece na maior parte dos trabalhos

acerca do desinvestimento. Pela relevância do seu impacto territorial, o tema do

encerramento das unidades industriais deu origem a um conjunto significativo de

estudos em geografia económica. Segundo esta perspectiva, as consequências

espaciais do encerramento de fábricas expressam-se no abandono das comunidades,

sub-aproveitamento de recursos e declínio económico, inerente ao processo de

reestruturação industrial num sistema capitalista tendencialmente em crise (PIKE, 2001).

Como resultado de um estudo elaborado a partir de 1979 para um conjunto de

sindicatos e organizações não governamentais, BLUESTONE e HARRISON (1982)

publicaram The Desindustrialization of America, que se tornou numa obra influente

para o estudo do desinvestimento na área da geografia económica segundo a

perspectiva da economia política. Os autores colocam a tónica na análise do

movimento de desindustrialização, entendido como "… widespread, systematic

disinvestment in the nation's basic productive capacity" (p. 6). Na verdade, o

movimento de capital (capital shift) está na base da desindustrialização, podendo

assumir diferentes formas. Privilegia-se a análise ao nível das empresas multi-

-estabelecimentos (corporate America). A forma mais subtil de desinvestimento

consiste no re-direccionamento dos lucros gerados pelas operações de uma unidade

industrial sem interferência da administração da filial (milking operation). A médio ou

longo prazo, a filial atravessará situações problemáticas que poderão conduzir ao

encerramento da unidade. Como um passo à frente desta estratégia, os autores

identificam a decisão consciente de realocar capital através da incapacidade para

substituir equipamento obsoleto (depreciação). Também a prazo, a unidade industrial

desinvestida ver-se-á impossibilitada de realizar qualquer operação lucrativa. Outra

Page 20: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

20

forma de deslocalizar capital reside na mudança de equipamentos entre filiais do

grupo ou mesmo da venda de parte do stock de capital dos estabelecimentos a

intermediários, que podem conduzir à implementação de estratégias de outsourcing,

frequentemente prejudiciais para o estabelecimento. Finalmente, os autores

denunciam a deslocalização completa do estabelecimento industrial para regiões ou

países de salários baixos, opção que ganhou o epíteto de runaway shop nas décadas

de 30 e de 50.

Enquanto os estudos influenciados pelos princípios neo-clássicos colocam a

tónica no processo de decisão no contexto de evolução do mercado para explicar as

opções de desinvestimento, o estudo seminal de BLUESTONE e HARRISON (1982)

explica-as pelo funcionamento do sistema económico capitalista internacional e pela

lógica do lucro e especulação dominantes nas grandes empresas transnacionais. Se,

em teoria, o desinvestimento é essencial para alocar novos recursos em novas

actividades, a verdade é que, segundo BLUESTONE e HARRISON (1982), este raciocínio

schumpeteriano mesmo se levado à prática, e as evidências apresentadas pelos

autores comprovam as suas limitações, deixa marca indeléveis nas pessoas, famílias e

comunidades (capital vs. community). Deste modo, a crise de valores do capitalismo

americano, o perfil do trabalhador, os impostos elevados do governo federal e a

concorrência japonesa foram os bodes expiatórios para justificar a crise pelos neo-

-liberais, que, na verdade, se deve muito mais à incapacidade dos gestores, baixo

nível de despesa em capital e fracos programas de formação de mão-de-obra

(BLUESTONE e HARRISON, 1982).

Ainda no ano de 1982, foi publicada outra obra de grande relevância para os

estudos do desinvestimento segundo esta perspectiva. Referimo-nos ao trabalho de

MASSEY e MEEGAN (1982), cujo contributo principal decorre do estudo aprofundado

das formas de reestruturação, recorrendo a informação agregada relativa ao

produto, emprego e produtividade em 31 ramos industriais em declínio, ainda que o

critério de selecção das actividades se tenha centrado na evolução do emprego.

Para os autores, a variação do emprego industrial decorre das alterações ao nível do

produto e da produtividade. São identificados três formas principais de reorganização

da produção: intensificação, investimento / mudança técnica e racionalização

(quadro 1).

Page 21: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

21

Quadro 1 - Formas de Reorganização da Produção

Formas de Reorganização da Produção

Investimento Desinvestimento Locus da Reorganização

Intensificação Negligenciável Não Intra-estabelecimento Investimento/Mudança técnica

Sim Sim Inter-estabelecimento

Racionalização Não Sim Inter-estabelecimento/Nenhum

Fonte: Adaptado de MACLACHLAN (1992), a partir de MASSEY e MEEGAN (1982).

A "intensificação" baseia-se num aumento do produto através de pequenas

melhorias técnicas ou de alterações na estrutura organizativa ao nível do

estabelecimento, não implicando necessariamente desinvestimento. Só ocorre

desemprego no caso do crescimento da produtividade ser superior ao do produto. O

"investimento/mudança técnica" traduz os processos de capital deepening e de

capital widening, cujos objectivos são o aumento em simultâneo do produto e da

produtividade. Implica novos investimentos, tal como existe a possibilidade real de

encerrar unidades industriais com forte obsolescência do capital. Finalmente, a

"racionalização" traduz a estratégia de redução da capacidade industrial através

principalmente do encerramento de estabelecimentos industriais, num processo

idêntico ao capital shift de BLUESTONE e HARRISON (1982).

Profundamente influenciado pelos significados do conceito da

desindustrialização, os geógrafos desenvolveram diversos trabalhos sob o tema da

reestruturação industrial, privilegiando o estudo de actividades industriais "maduras" e

os processos de reorganização da produção (química, siderurgia, construção e

reparação naval,…), de estratégias de empresas multinacionais (plataformas

exportadoras), de problemas de ajustamento do mercado de trabalho local, assim

como de regiões profundamente afectadas pelo declínio industrial (Nordeste de

Inglaterra, Bacia do Ruhr, Nordeste de França, …).

Page 22: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

22

4.3 Limitações das Perspectivas Teóricas no Estudo do Desinvestimento e

Território

O quadro conceptual para as análises do desinvestimento proposto pelas

perspectivas referidas anteriormente revela-se limitado para o estudo do

desinvestimento e as suas relações territoriais.

Os estudos influenciados pela economia neo-clássica podem considerar-se

reducionistas, devido a dois tipos de razões: papel passivo do território e tónica de

análise na empresa e em particular no processo de decisão. Em relação ao primeiro

aspecto, a crítica assenta na interpretação redutora do papel do território, pois é

tratado como mais uma variável nas motivações do desinvestimento. Há uma

aparente redução do território a um conjunto de condições locais que exercem um

maior ou menor papel na tomada de decisão de desinvestimento (HARRISON, 1989).

Na verdade, estas condições locais reúnem superficial e vagamente factores de

desinvestimento associados principalmente às características do trabalho (greves,

poder de reivindicação da mão-de-obra, movimento sindical, baixo nível de

produtividade,…) (PIKE, 2001). Em segundo lugar, este tipo de estudos foca

preferencialmente o processo de decisão de desinvestimento ao nível da empresa,

profundamente influenciado pela dinâmica do mercado, em particular das alterações

da procura. Denota-se uma ausência de ligação entre o comportamento das

empresas e as tendências de evolução dos ramos industriais e não se consideram as

características gerais de funcionamento do sistema económico.

Acrescente-se que, nesta perspectiva, se assiste à separação dos estudos

acerca das causas do desinvestimento e das suas consequências (sobretudo no

mercado de trabalho). Na verdade, são raros os estudos que integram ambas as

questões. As metodologias de trabalho privilegiam métodos positivistas, aplicados a

partir de dados de fontes oficiais ou de amostras construídas pelos autores. Por outro

lado, são menos comuns os estudos que recorrem a informação qualitativa ou

analisam em profundidade casos de desinvestimento.

Nesta perspectiva, o desinvestimento não é entendido como um aspecto

forçosamente negativo para o desenvolvimento regional, pois a alocação mais

eficiente de recursos gera, a médio prazo, mais benefícios. Os desequilíbrios no

mercado local de trabalho serão compensados num quadro de mobilidade de

capital e de trabalho, princípio essencial da economia neo-clássica. Neste contexto,

as políticas devem orientar-se para a correcção dos desequilíbrios

Page 23: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

23

momentaneamente gerados e para a melhoria das condições de atracção de

capital.

Esta crítica genérica não pode ignorar dois aspectos positivos. Primeiro, aos

estudos sob influência da economia neo-clássica, tem de ser reconhecida a tentativa

de desenvolvimento de análises alternativas aos estudos de caso e o esforço de

quantificação do peso dos factores de desinvestimento. Segundo, estes estudos

reflectem, recentemente, algumas preocupações com as relações entre o

desinvestimento e o território que devem, na nossa opinião, ser exploradas em

profundidade nos trabalhos de geografia do desinvestimento.

Os trabalhos iniciais da economia política caracterizam-se pela sua visão

holística do sistema capitalista. As determinantes do desinvestimento assentam em

explicações centradas no funcionamento da economia capitalista. A necessidade de

manutenção de um processo de acumulação de capital justifica transferências

periódicas de capital, típicas em períodos de reestruturação económica.

As críticas mais relevantes aos trabalhos da economia política podem resumir-

se nos seguintes pontos: (i) a explicação do desinvestimento é reduzida à lógica do

capital e do funcionamento estrutural do sistema capitalista, depreciando-se o papel

do processo de tomada de decisão ao nível da empresa; (ii) o conceito de

mobilidade do capital ignora que uma larga parte do capital industrial é obsoleto,

originando custos irreversíveis que actuam como barreira à saída do mercado; (iii) os

conflitos entre o capital e o trabalho ignoram outras divisões da sociedade, tais como,

género, etnia e outras dimensões sociais; (iv) falta de integração entre o estudo do

desinvestimento e das suas consequências; (v) a análise centrada no conflito entre

capital e trabalho nem sempre é coerente com o conflito entre o capital e as

comunidades; (vi) denota-se a ausência de ligação entre os níveis micro e macro do

sistema económico, (PIKE, 2001).

Algumas das limitações referidas têm, no entanto, vindo a ser ultrapassadas.

Com os contributos de MASSEY (1995), detecta-se uma aproximação da teoria

abstracta ao mundo real, materializada pela divisão espacial do trabalho. Por outro

lado, os trabalhos recentes prestam maior atenção a questões relevantes, tais como, a

"espessura" institucional, as estratégias individuais e a agência nos processos de

desinvestimento, admitindo que estes processos são complexos e heterogéneos. A

metodologia de trabalho tem privilegiado os casos de estudo, observando-se a

tentativa de análise da inter-ligação entre as decisões das empresas e as respostas da

força de trabalho e das comunidades (CLARK, 1990; FOTHERGILL e GUY, 1990).

Page 24: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

24

5. UM QUADRO CONCEPTUAL PARA O ESTUDO DO DESINVESTIMENTO E

TERRITÓRIO

Neste ponto procura desenvolver-se um quadro conceptual preliminar para a

análise das inter-relações entre o desinvestimento e o território. Em primeiro lugar,

elabora-se uma proposta de tipologia do desinvestimento directamente relacionada

com os impactos ao nível espacial e, posteriormente, propõe-se um quadro

conceptual de análise das relações entre o desinvestimento e o território.

5.1 Tipologia do Desinvestimento e Impactos Territoriais

O trabalho de SIMÕES (2001), desenvolvido no âmbito do projecto DivesT, é um

contributo válido para a identificação dos principais tipos e manifestações do

desinvestimento. Cruzando a dimensão propriedade, que traduz a perspectiva

tradicional do desinvestimento, e a dimensão actividade, que expressa a dinâmica da

actividade ao nível do estabelecimento, o autor identifica os principais tipos de

operações de desinvestimento (figura 4).

• O primeiro tipo não configura uma operação de desinvestimento,

mantendo-se a propriedade e a actividade do estabelecimento.

• O segundo tipo traduz uma situação de manutenção da actividade e

de alienação total ou parcial da participação em favor de outro agente económico.

Neste caso, também não se observa necessariamente um desinvestimento na óptica

territorial mas apenas na perspectiva da empresa. As formas que ilustram este tipo de

operação compreendem a venda do estabelecimento a terceiros, venda da posição

em joint venture, MBO e alienação parcial da participação.

• O terceiro tipo de operação de desinvestimento configura tipicamente

o encerramento de unidades, traduzido pela ausência de actividade económica e

pela liquidação do estabelecimento. É sem dúvida o caso extremo de

desinvestimento quer na óptica empresarial quer na territorial.

• Finalmente, o último tipo de desinvestimento diz respeito à redução da

actividade, no entanto mantém-se a relação de propriedade. Traduz as situações de

downgrading tecnológico, recessão ou até abandono da actividade produtiva em

favor de outras actividades de menor valor acrescentado, como a armazenagem. Os

Page 25: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

25

impactos espaciais desta operação de desinvestimento podem ter significado para a

economia da região e para o mercado local de trabalho.

Figura 4 - Tipologia das Operações de Desinvestimento

Manutenção ACTIVIDADE

Business as Usual

1

Desinvestimento "forçado" Venda da filial Venda da posição em joint venture MBO Alienação parcial da participação

2 Redução

Recessão em situ Downgrading tecnológico Diluição da relevância económica

4

Liquidação da filial Venda da posição com redução ou downgrading da actividade

3

Manutenção PROPRIEDADE Redução

Fonte: Extraído de SIMÕES (2001), p. 6.

A proposta de tipologia que se segue parte das situações de desinvestimento

com impacto espacial, identificadas, na tipologia de SIMÕES (2001), como os tipos três

e quatro. Acrescentaram-se outras duas dimensões de análise: a motivação e a

intensidade do impacto espacial. A inclusão da dimensão motivação justifica-se pelo

facto do desinvestimento poder assumir diferentes significados para a empresa.

Segundo LARIMO (1997), o desinvestimento ocorre numa das seguintes situações: o

estabelecimento não consegue atingir os objectivos definidos pela empresa, por

exemplo rentabilidade, lucro e crescimento da produção; as mudanças sectoriais e

espaciais deixam de ser favoráveis para o desenvolvimento da actividade e a

empresa opta por alocar os recursos disponíveis a outros sectores e/ou regiões. O

primeiro caso associa-se a um significado próximo do fracasso (involuntário), enquanto

o último é entendido como uma decisão estratégica voluntária.

A gradação do impacto espacial do desinvestimento revela-se mais

adequada para a geografia do desinvestimento, por oposição a uma situação

dicotómica (ausência ou não de impacto territorial). Com efeito, observa-se

Page 26: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

26

frequentemente um abrandamento da actividade antes de se registar um eventual

encerramento da unidade industrial, situação que tem obviamente efeitos, ainda que

diluídos no tempo, na economia regional e no mercado de trabalho. Por outro lado, a

transferência da actividade para outras regiões pode compreender a totalidade das

operações da empresa ou englobar apenas uma parte, com resultados distintos ao

nível dos impactos territoriais.

Do cruzamento das dimensões actividade, propriedade, motivação e impacto

territorial, chega-se a uma tipologia do desinvestimento segundo uma lógica territorial

(quadro 2). Os quatro tipos identificados não pretendem classificar todas situações de

impacto territorial do desinvestimento, objectivo que se afiguraria muito difícil de

atingir em virtude da complexidade das operações de desinvestimento e da

diversidade dos efeitos resultantes. Aliás, uma mesma operação de desinvestimento

tem impactos territoriais diferenciados, devido à desigual capacidade de resposta de

cada região, que decorre das suas características específicas (base económica,

dinâmica empresarial, mercado de trabalho, infra-estruturas de apoio à actividade

económica, políticas industrial e regional, envolvimento das instituições,…). Apesar das

limitações de qualquer tipologia, continua a justificar-se pelo esforço de

categorização e de generalização de um determinado fenómeno, com vantagens

para o aprofundamento do conhecimento da realidade. Não é, todavia, definitiva

nem um lugar de chegada de uma investigação, pelo que deve ser revista e testada

em situações concretas.

As primeiras duas categorias dizem respeito ao desinvestimento derivado da

transferência da capacidade produtiva, devendo-se as principais diferenças à

intensidade do impacto na região. A deslocalização de tipo I expressa as situações de

cessação da actividade e cedência ou abandono das instalações, ou seja, observa-

se uma transferência de todo o processo produtivo para outro local. A deslocalização

de tipo II traduz a transferência de uma parte da capacidade instalada para outro

local, mantendo-se, assim, uma parte da actividade produtiva na região. Estes dois

tipos de operações de desinvestimento diferem, portanto, na intensidade do impacto

espacial, necessariamente mais forte na deslocalização de tipo I. Registe-se ainda

uma situação distinta em relação à dimensão propriedade; no primeiro caso, ocorre

sempre a alienação, por venda ou abandono, das instalações pela empresa,

enquanto, no segundo tipo de deslocalização, se mantém o vínculo de posse. Nesta

situação, trata-se de uma empresa multi-estabelecimentos que decide alargar a

capacidade produtiva num outro estabelecimento. A escala espacial da

deslocalização compreende os níveis intra-regional, inter-regional e internacional em

ambos os tipos de deslocalização. Os movimentos de capital para o estrangeiro ou

Page 27: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

27

para outras regiões com menores níveis salariais revelam-se mais preocupantes para a

economia local/regional, apesar do maior número de casos de movimentos de

capital registados ao nível intra-regional (ALVES e MADRUGA, 1996).

Quadro 2 - Tipologia do Desinvestimento numa Lógica Espacial

ACTIVIDADE PROPRIEDADE MOTIVAÇÃO IMPACTE ESPACIAL TIPO

Cessação de actividade

Abandono do estabelecimento e manutenção da empresa

Decisão estratégica voluntária

Transferência da capacidade produtiva (operações)

Total Deslocalização I

Redução da actividade / especialização/ reestruturação

Manutenção do estabelecimento e da empresa

Decisão estratégica voluntária

Parcial (segmentação da produção /produto)

Deslocalização II

Cessação da actividade

Abandono do estabelecimento e dissolução da empresa

Decisão involuntária / Fracasso

Diminuição da actividade produtiva s/ transferência

Total Encerramento DESI

NVE

STIM

ENTO

Recessão / reestruturação

Manutenção do estabelecimento e da empresa

Decisão estratégica voluntária / Fracasso

Parcial Regressão in situ

O encerramento e a regressão in situ ilustram as categorias de desinvestimento

com um impacto geralmente negativo para a empresa e para a região. Também

nestes dois tipos se verifica uma desigual intensidade do impacto espacial, claramente

mais profundo no caso do encerramento. A regressão in situ pode configurar uma

situação de pré-encerramento, embora também possa traduzir uma reestruturação do

estabelecimento, ainda que tal seja menos frequente (veja-se o caso da Siderurgia

Nacional). É por esta razão que estes dois tipos de desinvestimento representam

situações de fracasso quer na óptica da empresa quer na do território.

As motivações para a deslocalização resultam sempre de uma decisão

estratégica voluntária da empresa, enquanto as situações de encerramento ou de

regressão in situ são entendidas como um fracasso de gestão. Descortinam-se,

contudo, dois tipos de factores distintos nestes tipos de desinvestimento (WATTS e

STAFFORD, 1986; WATTS, 1991; BENITO, 1997; CLARK e WRIGLEY, 1997; SIMÕES, 2001). Os

factores internos de maior ponderação são, tipicamente, a obsolescência

tecnológica, o fim do ciclo de vida do produto e as dificuldades de gestão da força

de trabalho. A perda de quota de mercado, o aumento dos salários e a falta de

qualificações no mercado local de trabalho, o congestionamento das infra-estruturas,

Page 28: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

28

concorrência entre os diversos estabelecimentos da empresa, as mais valias derivadas

de reutilização do espaço e a competitividade inter-regional pela atracção de novos

investimentos são, no conjunto mas de forma desigual, os principais factores externos

ao estabelecimento para uma operação de deslocalização da actividade produtiva.

Parece-nos que o caso de transferência da produção da unidade industrial da

Renault em Setúbal para a Eslovénia se explica pela importância de ambos os tipos de

factores, como o fim do ciclo de vida do produto e a oportunidade de construção de

uma nova unidade numa região com factores locacionais mais interessantes para a

empresa (custo da mão-de-obra, proximidade aos mercados principais da UE, …)

(VALE, 1999).

Podendo ter na sua base factores internos e externos similares, a

deslocalização de tipo I tem sempre um impacto mais forte na região do que a de

tipo II, sendo quase sempre negativo (caso da Control Data/Seagate), embora FREITAS

(1998) considere que um desinvestimento não é necessariamente prejudicial à

economia regional. Mas os seus efeitos serão sempre negativos em termos sociais. A

deslocalização de tipo II gera impactos regionais mais difíceis de tipificar, por

compreender mudanças de sinal positivo ou negativo. Em alguns casos, os efeitos são

similares à deslocalização de tipo I mas menos intensos; noutros, a redução da

actividade na região associa-se à reestruturação da unidade industrial e

especialização em actividades geradoras de maior valor acrescentado, com ganhos

de produtividade (caso de diversas unidades industriais instaladas no corredor

industrial Lisboa-Vila Franca de Xira).

Tal como nas situações de deslocalização, o encerramento e a regressão in situ

originam impactos espaciais dissemelhantes. No caso do encerramento, as perdas

para a região e para a empresa são tendencialmente mais elevadas do que no

segundo caso. Parte substancial dos trabalhos em geografia económica debruçam-se

sobre este tipo de desinvestimento. A regressão in situ afigura-se geralmente como um

desinvestimento com impactos espaciais diluídos no tempo. Trata-se quase sempre de

um phasing-out da produção (produção até ao final do ciclo de vida do produto ou

cumprimento das encomendas) ou downgrading da actividade (concentração em

actividades de baixo valor acrescentado ou abandono de actividade industrial em

favor da distribuição ou armazenagem). Os casos de algumas empresas de

montagem de veículos japoneses em Portugal ilustram um caso de encerramento em

resultado da abertura do mercado europeu aos construtores daquele país (VALE,

1999). Parece-nos um exemplo paradigmático de regressão in situ a situação da

indústria químico-farmacêutica com a formação do Mercado Único, tendo passado

muitos estabelecimentos a unidades de distribuição.

Page 29: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

29

São patentes algumas limitações nesta proposta de tipologia. Em primeiro

lugar, as motivações para qualquer uma das operações de desinvestimento podem

ser similares, porém, resultam frequentemente de uma combinação específica de

causas internas e externas à empresa. Em segundo lugar, não é facilmente qualificável

o tipo de impacto espacial de um certo desinvestimento sem uma análise

aprofundada caso a caso; alguns desinvestimentos trazem impactos económicos

positivos para a região (mas são raros os efeitos positivos de cariz social, pois o

desemprego revela-se um problema crítico para muitas regiões), enquanto outros são

inequivocamente negativos. Por último, a deslocalização da actividade produtiva de

ambos os tipos (I e II) opera-se a diferentes escalas espaciais, cujas manifestações

abrangem os níveis internacional, inter-regional e intra-regional. Esta sobreposição de

escalas espaciais dificulta a operacionalização de uma tipologia de desinvestimento.

Sendo a mais frequente (ALVES e MADRUGA, 1996), a deslocalização intra-regional é

também a que gera menores impactos negativos. Ao contrário, a transferência de

unidades produtivas para países estrangeiros com custos de trabalho mais baixos está

conotada com uma imagem de ameaça permanente para a manutenção do

emprego e do produto nas regiões desinvestidas (LAHILLE, 1995).

Em todo o caso, é possível avançar com duas conclusões genéricas da

proposta de tipologia do desinvestimento numa lógica espacial: (i) as formas de

deslocalização (tipos I e II) não podem ser consideradas negativas do ponto de vista

empresarial por oposição ao encerramento e regressão in situ (fracasso); (ii) a

deslocalização de tipo II e a regressão in situ geram potencialmente menos efeitos

negativos nas regiões por comparação com a deslocalização de tipo I e o

encerramento.

5.2 Proposta de um Quadro Conceptual de Análise das Inter-Relações entre o

Desinvestimento e o Território

Mais recentemente, as preocupações da geografia económica com o

desinvestimento estão a dar origem a uma nova geração de trabalhos. A competição

inter-territorial para a captação de investimentos e o aumento dos fluxos de capital

têm se traduzido num aumento dos casos de desinvestimento em diversos países

desenvolvidos. Alguns dos estudos mais recentes sobre o tema adoptam uma postura

mais ecléctica, recorrendo a princípios da economia neo-clássica e da economia

política e privilegiando outras dimensões no entendimento das relações de

Page 30: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

30

interdependência entre o desinvestimento e o território. Neste ponto, procura-se

justamente introduzir alguns destes contributos na construção de um quadro

conceptual de análise.

As inter-relações entre o desinvestimento e o território são complexas e

configuram um processo simultaneamente económico, social e político, num

determinado contexto espacio-temporal. Neste sentido, o estudo das manifestações

de desinvestimento deve afastar-se de uma lógica estritamente economicista, ainda

que os agentes económicos privilegiam aspectos económicos no processo de tomada

de decisão. Por outro lado, uma excessiva leitura sobre-socializada do processo de

desinvestimento, uma das características da economia política, determina um

comportamento similar dos agentes económicos, sociais e políticos às mudanças

estruturais e conjunturais da economia (GRABHER, 1993). Na verdade, as relações

entre a economia e a sociedade são contingentes e incertas e decorrem sempre num

determinado contexto territorial (VALE, 1999).

O desinvestimento deverá ser conceptualizado como uma relação social

territorializada, ao invés de um acontecimento discreto e estritamente económico.

Defende-se, deste modo, a adopção de uma perspectiva holística ao estudo das

inter-relações entre o desinvestimento e o território. Todavia, a posição estruturalista

típica da economia política revela-se limitada (GRANOVETTER, 1985), sobretudo por

não prever as relações contingentes entre a estrutura (forças operativas do sistema

económico) e os agentes (gestores, trabalhadores, representantes políticos,

instituições,…), pelo que o estudo do desinvestimento deverá privilegiar uma visão

multi-causal. A generalização das determinantes do desinvestimento torna-se difícil

num quadro de análise holístico, tal como uma tipologia das suas consequências não

deixa de ser redutora. Todavia, a complexidade e a especificidade do processo não

deve significar que "cada caso é um caso", ou seja, a indeterminação de cada caso

de desinvestimento deve ser posta em causa. Segundo MASSEY (1995), o facto de a

incerteza prevalecer quanto aos resultados de qualquer processo social, não significa

que há uma indeterminação inerente à mudança social. PIKE (2001) sustenta que

cada caso de desinvestimento resulta da combinação de relações generalizáveis

causais que são, no entanto, concretizadas contingencialmente e, neste sentido,

constituem uma matéria para investigação empírica.

As relações sociais não decorrem num quadro a-espacial e a-temporal. A

concepção do desinvestimento como um processo social implica, em termos

analíticos, a atribuição de um papel activo ao território. Assim, o território deve ser

entendido simultaneamente como causa e consequência do desinvestimento. A

especificidade económica, social, política e cultural de cada território inviabiliza

Page 31: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

31

leituras generalistas sobre as operações de desinvestimento, até porque este é

entendido como fracasso ou sucesso de acordo com os interesses particulares da

empresa, como bem demonstra a narrativa de muitos empresários e gestores (PIKE,

2001). A concepção da dimensão espacial como uma simples variável adicional para

a compreensão do processo de desinvestimento não parece ser o caminho

adequado. Cada região é um produto de muitas determinações ao longo de uma

evolução histórica de relações entre o capital e o trabalho e de alianças e conflitos

sociais (MASSEY, 1995). É, portanto, aconselhável que o estudo do desinvestimento e

das suas causas e consequências ao nível regional evite análises sub-socializadas e

sobre-socializadas. Neste sentido, o estudo do desinvestimento em geografia

económica deverá assentar numa metodologia composta por três escalas de análise

inter-ligadas: o sistema económico (nível macro), os agentes económicos (nível micro)

e o espaço (nível meso). Esta proposta de metodologia, inspirada em SCOTT e

STORPER (1986), valoriza o espaço pela sua função de mediação entre os níveis macro

e micro. Deste modo, as forças estruturais da economia condicionam a acção dos

agentes económicos (e, assim, influenciam o processo de tomada de decisão das

empresas), que é, no entanto, moldada pelo quadro de relações sócio-produtivas

estabelecidas num determinado território.

A geografia do desinvestimento necessita igualmente de identificar conjunturas

apropriadas que ajudem a descortinar os princípios causais e a construir explicações

numa perspectiva dinâmica do processo de desinvestimento. Com efeito, torna-se

imprescindível a introdução de um vector temporal na metodologia de trabalho dado

que as decisões de uma empresa não são independentes de decisões passadas. Uma

eventual saída do mercado não tem um carácter espontâneo, pois, de acordo com

CLARK e WRIGLEY (1997), esta decisão não é tomada logo a partir dos primeiros sinais

de queda dos preços no mercado, tal como os custos irreversíveis actuam como

barreira à saída. No primeiro caso, a empresa tende a aguardar pela evolução do

mercado e, no segundo caso, a dificuldade de recuperação do capital investido

sugere alguma precaução em relação à opção de saída. Nos casos de tomada de

decisão de desinvestimento detectam-se também “momentos” espacio-temporais

diferenciados, que compreendem as respostas dos agentes, situações de cooperação

e de conflito até ao encerramento propriamente dito. Assim, os "momentos" espacio-

-temporais de um processo de desinvestimento podem compreender, segundo PIKE

(2001), a origem do declínio, decisão de desinvestimento, resposta dos agentes,

competição/conflito, cooperação/colaboração e dissolução.

A operacionalização de um quadro conceptual para análise do

desinvestimento, enquanto processo social espacializado, não é, contudo, fácil. A

Page 32: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

32

proposta que se segue não pode, como tal, ser considerada definitiva e destina-se

apenas a promover a discussão entre investigadores interessados no tema.

O quadro conceptual de análise adopta os "momentos" do desinvestimento

propostos por PIKE (2001) e diferencia as atitudes dos agentes ao nível da

empresa/estabelecimento e do território. Os trabalhos pertinentes de WATTS e

STAFFORD (1986) e de SIMÕES (2001) estão também na base da proposta

apresentada. Note-se que a sequência dos momentos de desinvestimento não é

forçosamente linear nem significa que ocorram em todos os processos. Também se

deve referir que as atitudes dos agentes económicos e sociais expressas no quadro

conceptual configuram um conjunto de eventuais reacções/soluções ao

desinvestimento em cada "momento".

A proposta de quadro conceptual para o estudo do desinvestimento numa

óptica territorial estrutura-se em três dimensões inter-relacionadas: espaço económico,

território (espaço local/regional) e tempo (figura 5).

O espaço económico compreende os níveis macro e micro, que se relacionam

entre si através da unidade empresarial. Se, por um lado, as tendências do mercado,

da dinâmica de investimento, das condições de inovação tecnológica, das

tendências evolutivas do sector/ramo de actividade e da estrutura de

competitividade influenciam as decisões da empresa, por outro lado, as opções de

saída de mercado são condicionadas pelas estratégias que as empresas definiram e

implementaram no passado, nomeadamente em relação ao modelo de cultura

empresarial, estrutura organizativa, dimensão (crescimento) e produto. As formas de

regulação do sistema económico aos níveis internacional e nacional, pelo seu

contributo para o funcionamento, por exemplo, dos mercados, e para a definição da

estrutura de competitividade no sector/ramo de actividade, condicionam as opções

estratégicas das empresas relativas à saída do mercado. É, no entanto, ao nível do

estabelecimento que elas se repercutem. Com efeito, as principais variáveis que

influenciam a motivação e a selecção, incidentes ao nível do estabelecimento, são o

nível de produtividade, nível organizativo-tecnológico, competências, grau de

autonomia da decisão e origem dos gestores. Estabelece-se, deste modo, uma

relação entre os níveis macro e micro, que se considera indispensável para o estudo

do desinvestimento na óptica da empresa (motivação) e da selecção

(estabelecimento).

Page 33: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

33

Figura 5 – Quadro Conceptual para o Estudo do Desinvestimento numa Lógica

Territorial

O nível meso diz respeito ao quadro territorial de referência do

estabelecimento, vulgarmente designado por “envolvente” ou “ambiente”, onde

decorre a acção económica da unidade industrial. Também parece evidente que o

espaço local/regional (comunidade) influencia as opções de desinvestimento, pelo

que se refuta, assim, a natureza inerte do território presente em muitas análises

tradicionais da economia neo clássica. O espaço desempenha um papel activo nas

opções de desinvestimento em duas vertentes. Em primeiro lugar, a dotação de

recursos naturais, as características do mercado de trabalho local, as infra-estruturas

produtivas e a densidade e complementaridade do tecido empresarial constituem

uma dimensão crítica para o desempenho da actividade económica. Em segundo

lugar, parece cada vez mais evidente que a dimensão soft de base territorial se revela

igualmente decisiva para o (in)sucesso económico, compreendendo a “espessura”

institucional, as formas de “governância” territorial, a produção e disseminação de

conhecimento localizado e, em síntese, a “atmosfera” industrial. Estas inter-relações

complexas podem ser alteradas por formas de competição inter-regional pela

atracção de investimentos e por respostas de política pública sectorial e de base

territorial.

Page 34: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

34

Finalmente, a dimensão temporal é incluída nesta proposta de quadro

conceptual para o estudo do desinvestimento, cruzando-se com as dimensões

económica (níveis macro e micro) e territorial (nível meso). Pretende-se, assim, evitar

análises estáticas através da introdução de “momentos” críticos inerentes a um

processo de desinvestimento. Com efeito, a motivação para desinvestir decorre de

alterações no espaço económico e/ou no espaço geográfico. De acordo com a

evolução das dimensões consideradas, ocorrem “momentos” de resposta dos

agentes, que podem ser pautados por situações de competição / conflito e/ou de

cooperação / colaboração. Por exemplo, ao nível da empresa podem surgir

propostas de aquisição, planos de racionalização e de viabilização da unidade ou

emergir situações de conflito, como greves, ocupação das instalações,...; ao nível

territorial, as situações de conflito traduzem-se, por exemplo, em respostas legislativas,

enquanto as situações de cooperação / colaboração manifestam-se pela concessão

de apoios financeiros para a realização de novos investimentos e de acções de

formação profissional, ... Do desenrolar do processo, poder-se-á observar um leque de

resultados, que vão do desinvestimento segundo os seus diversos tipos até à

manutenção da actividade. Em quaisquer dos casos, continuará a verificar-se uma

resposta/acção dos agentes no sentido da definição de políticas que visam a

expansão da economia, a melhoria das infra-estruturas, a protecção social e

ambiental,...Nos casos de encerramento, para além destas medidas, podem surgir

planos de venda/cedência das instalações abandonadas ou mesmo planos de

reconversão / reutilização de áreas abandonadas.

Page 35: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

35

6. NOTA FINAL

Com esta proposta de trabalho espera-se contribuir para um estudo do

desinvestimento enquanto processo social territorializado, ultrapassando as limitações

das perspectivas de análise sub e sobre-socializadas. Numa fase posterior, procurar-se-

á corrigir possíveis erros e ultrapassar determinadas limitações deste quadro

conceptual de análise. De igual modo, desenvolver-se-á, para cada um dos

“momentos”, os aspectos causais de tipo económico e sócio-territorial e,

seguidamente, realizar-se-á um caso de estudo piloto para confrontar empiricamente

esta proposta de quadro conceptual de análise do desinvestimento. Eventuais lacunas

nesta proposta serão revistas para uma posterior aplicação a diferentes contextos

territoriais de desinvestimento.

Agradecimentos

Este relatório beneficiou dos comentários dos colegas da equipa do projecto

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais e, em particular,

das sugestões de Vítor Corado Simões. Eventuais erros ou lacunas são, naturalmente,

da responsabilidade do autor.

Page 36: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

36

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, B.; MADRUGA, P. (1996) – “Reestruturação urbana e tendências de relocalização das empresas na

Área Metropolitana do Porto nos anos 80”, Sociedade e Território, n.º 23, pp.62-74.

AMIN, A.; THRIFT, N. (1997) – "Globalization, socio-economics, territoriality", in LEE, R.; WILLS, J. (eds.)

Geographies of Economies. Arnold, Londres, pp. 147-157.

ARMSTRONG, H.; TAYLOR, J. (2000) – Regional Economics and Policy. Blackwell, Oxford (3.ª edição).

BENITO, G. (1997) – "Why are foreign subsidiaries divested? A conceptual framework", in BJÖRKMAN, I.;

FORSGREN, M. (eds.), The Nature of the International Firm, Copenhagen Business School Press,

Copenhaga, pp. 309-334.

BENKO, G.; LIPIETZ, A. (1992) (eds.) – Les Régions Qui Gagnent. Districts et réseaux: les nouveaux paradigmes

de la géographie économique, PUF, Paris.

Blackaby, F. (1981) (Ed) – De-Industrialisation. Heinemann, Londres.

BLUESTONE, B.; HARRISON, B. (1982) – The Desindustrialisation of America: Plant Closing, Community

Abandonment and the Dismantling of Basic Industry, Basic Books, Nova Iorque.

BODDEWYN, J. J. (1979) – "Foreign divestment: magnitude and factors", Journal of International Business

Studies, 10, pp.21-27.

CAIRNCROSS, A. (1978) – "What is de-industrialisation?", in BLACKABY, F. (ed.), De-Industrialisation, Heinemann,

Londres, pp. 5-17.

CHOW, Y. K.; HAMILTON, R. T. (1993) – "Corporate divestment: an overview", Journal of Managerial

Psychology, 8, pp. 9-13.

CLARK, G. L. (1990) – "Piercing the corporate veil: the closure of Wisconsin Steel in South Chicago", Regional

Studies 24, pp. 405-420.

CLARK, G. L.; WRIGLEY, N. (1997) – "Exit, the firm and sunk costs: reconceptualizing the corporate geography

of divestment and plant closure", Progress in Human Geography, 21 (3), pp. 338-358.

COOKE, Ph. (1995) (ed.) – The Rise of the Rustbelt, UCL, Londres.

CRANG, P. (1997) – "Introduction: cultural turns and the (re)constitution of economic geography", in LEE, R.;

WILLS, J. (eds.), Geographies of Economies, Arnold, Londres, pp. 3-15.

DUHAIME, I.; GRANT, J. (1984) – "Factors influencing divestment decision-making: evidence from a field study",

Strategic Management Journal, 5, pp. 301-318.

ERIKSON, R. A. (1980) – "Corporate organisation and manufacturing branch plant closures in non-metropolitan

areas”, Regional Studies, 14, pp. 491-501.

FOTHERGILL, S.; GUY, N. (1990) – Retreat from The Regions: Corporate Change and the Closure of Factories,

Jessica Kingsley/Regional Studies Association, Londres.

FREITAS, J. A. (1998) – "Determinantes do Desinvestimento em Portugal", Documentos de Trabalho, 13,

GEPE/Ministério da Economia.

GRABHER, G. (1993) – "Rediscovering the social in the economics of interfirm relations", in GRABHER, G. (ed.),

The Embedded Firm. On the Socioeconomics of Industrial Networks, Rouledge, Londres, pp. 1-31.

Page 37: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

37

GRANOVETTER, M. (1985) – "Economic action and social structure: the problem of embeddedness", American

Journal of Sociology, 91 (3), pp. 481-510.

GRIPAIOS, P.; GRIPAIOS, G. R. (1994) – "The impact of defence cuts: the case of redundancy in Plymouth",

Geograhy 79, pp. 32-41.

GUDGIN, C. (1978) – "The closure of firms and plants and spatial variations III: closures", in GUDGIN, C. (ed.),

Industrial Location Processes and Regional Employment Growth, Saxon House, Farnborough, pp.

192-194, 266-281.

HAMILTON, R. T.; CHOW, Y. K. (1993) – "Why managers divest: evidence from New Zealand’s largest

companies", Strategic Management Journal, vol. 14, pp. 479–484.

HARRIGAN, K. R. (1980) – Strategies for Declining Businesses, Lexington Books, Lexington.

HARRISON, B. (1989) – "Explaining plant closures in the USA by looking only at the characteristics of localities:

exercises in research futility (Review Essay)", Environment and Planning A 21, pp. 1669–1684.

HARVEY, D. (1982) – Limits to Capital, Basil Blackwell, Oxford.

HEALEY, M. J. (1982) – "Plant closures in multi-plant enterprises - the case of a declining industrial sector",

Regional Studies, 16, pp. 37-51.

HUDSON, R.; SADLER, D. (1986) – "Contesting works closures in Western Europe’s old industrial regions:

defending place or betraying class" in SCOTT, A. J.; STORPER, M. (eds.), Production, Work, Territory:

The Geographical Anatomy of Industrial Capitalism, Unwin Hyman, Boston, pp. 172–194.

LAHILLE, E. (1995) (ed.) – Au-Delà des Délocalisations. Globalisation et Internationalisation des Firmes,

Economica, Paris.

LARIMO, J. (1997) – "Determinants of divestments in foreign production operations made by finnish firms in

OECD countries", in MACHARZINA, K.; OESTERLE, M. J.; WOLF, J. (eds.), Global Business in the

Information Age, EIBA-EXTEC, Stuttgart, pp. 354-379.

MACLACHLAN, I. (1992) – "Plant closure and market dynamics: competitive strategy and rationalization",

Economic Geography, 68 (2), pp. 128-145.

MARIOTTI, S.; PISCITELLO, L. (1997) – "Divestment as failure or part of a restructuring strategy: evidence from the

italian MNEs", in MACHARZINA, K.; OESTERLE, M. J.; WOLF, J. (eds.), Global Business in the Information

Age, EIBA-EXTEC, Stuttgart, pp. 382-404.

MARTIN, R.; ROWTHORN, B. (1986) (eds.) – The Geography of De-Industrialisation, Macmillan, Londres.

MASSEY, D. (1995) – Spatial Divisions of Labour, Macmillan, Londres (2.ª edição).

MASSEY, D.; MEEGAN, R. (1982) – The Anatomy of Job Loss, Methuen, Londres.

MATA, J.; PORTUGAL, P. (2000) – "Closure and divestiture by foreign entrants: the impact of entry and post-

entry strategies", Strategic Management Journal, 21, pp. 549-562.

MÉRENNE-SCHOUMAKER, B. (1989) – “La Réhabilitation des Anciens Sites Industriels: l’Expérience Wallone”,

Hommes et Terres du Nord: Les Régions Anciennement Industrialisées, 4, pp. 353-357.

PADMANABHAN, P. (1993) – "The impact of European divestment announcements on shareholder wealth:

evidence from the UK", Journal of Multinational Financial Management, 2, pp. 185-208.

PARDO ABAD, C. (1991) – “La liberación de suelo industrial en Madrid como indicador de los cambios

urbanos”, Estudios Territoriales, n.º37, pp.139-156.

Page 38: WP1 – Desinvestimento e território: quadro conceptual de ...4.3 Limitações das Perspectivas Teóric as no Estudo do Desinvestimento e Território 22 5. Um quadro conceptual para

DivesT – Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, WP1

38

PIKE, A. (1999) – "The politics of factory closures and task forces in the North East of England", Regional Studies,

33.6, pp. 567-575.

PIKE, A. (2001) –"A political economy of the geography of closure", Comunicação apresentada ao Workshop

DivesT - Desinvestimento e Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, Universidade de Lisboa,

Lisboa (polic.).

PIKE, A.; LAGENDIJK, A.; VALE, M. (2000) – "Critical reflections on ‘embeddedness’ in economic geography:

the case of labour market governance and training in the automotive industry in the North East of

England", in GIUNTA, A. ;LAGENDIJK, A.; PIKE, A. (eds.), Restructuring Industry and Territory. TSO/RSA,

Londres, pp. 59-82.

SCOTT, A. J. (1988) –New Industrial Spaces. Flexible Production Organization and Regional Development in

North America and Western Europe, Pion, Londres.

SCOTT, A. J.; STORPER, M. (1986) (eds.) –, Production, Work, Territory: The Geographical Anatomy of Industrial

Capitalism, Unwin Hyman, Boston.

SIEGFRIED, J. J.; EVANS, L. B. (1994) – "Empirical studies of entry and exit: a survey of the evidence", Review of

Industrial Organization, 9, pp. 121-155.

SIMÕES, V. C. (2001) – "Desinvestimento estrangeiro: motivações endógenas e factores contextuais",

Comunicação apresentada à IV Conferência do CISEP, Como está a economia portuguesa?,

Lisboa (polic.).

STAFFORD, H. A. (1991) – "Manufacturing plant closure selections within firms", Annals of the Association of

American Geographers, 81, pp. 51-65.

STEINER, M. (1985) – "Old industrial areas: a theoretical approach", Urban Studies, 22, pp. 387-398.

TOMANEY, J.; PIKE, A.; CORNFORD, J. (1999) – "Plant closure and the local economy: the case of Swan Hunter

on Tyneside", Regional Studies, 33 (5), pp. 401-411.

VALE, M. (1999) – Geografia da Indústria Automóvel num Contexto de Globalização. Imbricação Espacial do

Sistema AutoEuropa. Tese de Doutoramento em Geografia Humana, Universidade de Lisboa

(polic.).

VALE, M. (2001) – "Desinvestimento: Caracterização e Literatura de Referência", DivesT - Desinvestimento e

Impactos Económicos, Sociais e Territoriais, Lisboa (polic.).

WATTS, H.D. (1991) – "Plant Closures in Urban Areas: Towards a Local Policy Response", Urban Studies, 28 (5),

pp. 803-817.

WATTS, H.D.; STAFFORD, H. A. (1986) – "Plant Closure and the multiplan firm: some conceptual issues", Progress

in Human Geography, 10 (2), pp. 206-227.

WILLIAMSON, O. E. (1985) – The Economic Institutions of Capitalism: firms, markets, relational contracting, Free

Press, Nova Iorque.