wm/sbm processo nº 20.510/03 acÓrdÃo embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes...

34
1/34 TRIBUNAL MARÍTIMO WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação “TONA GALEA”. Acidente da Navegação. Naufrágio da embarcação ocorrido nas proximidades da Ilha dos Papagaios, Cabo Frio, RJ, quando transportava sessenta e dois (62) passageiros e dois (02) tripulantes, no roteiro turístico local de duas horas, provocando a morte de quinze (15) pessoas, sem danos ambientais. Condenação. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos. Consta dos autos que no dia 19 de abril de 2003, cerca de 12h, a embarcação “TONA GALEA” naufragou nas proximidades da ilha dos Papagaios, Cabo Frio, RJ, quando transportava 62 turistas e dois tripulantes, no roteiro turístico local de duas horas, provocando a morte de quinze pessoas e danos materiais, sem causar danos ambientais, caracterizando o acidente da navegação capitulado no art. 14, alínea “a”, da Lei nº. 2.180/54. As vítimas do naufrágio foram as seguintes pessoas: Maria Eugênia Grandchamp (SP) – Laudo de necropsia à fl. 10; Rita Prates Leão Costa (SP) – idem à fl. 11; Joanita Rodrigues de Santana Duarte (BH) – idem à fl. 12; Marilande Guimarães de Souza (BH) – idem à fl. 13; Célia Regina Ludouvice Ferraz de Souza (SP) – idem à fl. 14; Raimunda de Santana da Silva (BH) – idem à fl. 15; Maria da Conceição Gouveia Vieira (RJ) – idem à fl. 16; Helena Campelo de Souza (SP) – idem à fl. 17; Magda de Fátima Santos Dutra (BH) – idem à fl. 18; Joyce Carolina dos Santos Dutra (BH) – idem à fl. 19; Maria Casseti (SP) – idem à fl. 20; Juliana Aparecida Franjoso (SP) – idem à fl. 21; Osvaldo Meneghetti (SP) – idem à fl. 22; Alexandre Magno Soares Bouéres (SP) – idem à fl. 23; Edson Celestino Silva (BH) – idem à fl. 24.

Upload: others

Post on 23-Nov-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

1/34

TRIBUNAL MARÍTIMOWM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03

ACÓRDÃO

Embarcação “TONA GALEA”. Acidente da Navegação. Naufrágio daembarcação ocorrido nas proximidades da Ilha dos Papagaios, Cabo Frio, RJ,quando transportava sessenta e dois (62) passageiros e dois (02) tripulantes, noroteiro turístico local de duas horas, provocando a morte de quinze (15) pessoas,sem danos ambientais. Condenação.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.

Consta dos autos que no dia 19 de abril de 2003, cerca de 12h, a embarcação“TONA GALEA” naufragou nas proximidades da ilha dos Papagaios, Cabo Frio, RJ, quandotransportava 62 turistas e dois tripulantes, no roteiro turístico local de duas horas,provocando a morte de quinze pessoas e danos materiais, sem causar danos ambientais,caracterizando o acidente da navegação capitulado no art. 14, alínea “a”, da Lei nº. 2.180/54.

As vítimas do naufrágio foram as seguintes pessoas:Maria Eugênia Grandchamp (SP) – Laudo de necropsia à fl. 10;Rita Prates Leão Costa (SP) – idem à fl. 11;Joanita Rodrigues de Santana Duarte (BH) – idem à fl. 12;Marilande Guimarães de Souza (BH) – idem à fl. 13;Célia Regina Ludouvice Ferraz de Souza (SP) – idem à fl. 14;Raimunda de Santana da Silva (BH) – idem à fl. 15;Maria da Conceição Gouveia Vieira (RJ) – idem à fl. 16;Helena Campelo de Souza (SP) – idem à fl. 17;Magda de Fátima Santos Dutra (BH) – idem à fl. 18;Joyce Carolina dos Santos Dutra (BH) – idem à fl. 19;Maria Casseti (SP) – idem à fl. 20;Juliana Aparecida Franjoso (SP) – idem à fl. 21;Osvaldo Meneghetti (SP) – idem à fl. 22;Alexandre Magno Soares Bouéres (SP) – idem à fl. 23;Edson Celestino Silva (BH) – idem à fl. 24.

Page 2: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

2/33

A embarcação “TONA GALEA” é de propriedade e armação da empresa ConchasTurismo e Passageiros Ltda., possui propulsão mecânica a motor, tem comprimento 18,5 m,16,7 AB, classificada para o transporte exclusivo de passageiros, navegação interior de portoe capacidade registrada para transportar setenta e oito pessoas.

Originalmente ela denominava-se “SÃO JOÃO”, tinha 10 metros de comprimento,10,8 AB e capacidade para transportar 42 passageiros (fl. 102). Em 1989 foi aumentada para15 metros de comprimento, 16,5 AB e lotação de 78 passageiros (fl. 109).

No inquérito realizado pela Capitania dos Portos do Rio de Janeiro foram ouvidos 48depoimentos, realizado laudo de exame pericial e juntada a documentação de praxe.

Dos depoimentos, em síntese, extrai-se:Alfredo Pedro Cunha (fls. 230 a 233) declarou que foi o primeiro proprietário da

embarcação, quando ainda era denominada “SÃO JOÃO”; que contratou, em 1970, ocarpinteiro naval José Carlos Neves para construí-la e um engenheiro, cujo nome não serecorda, para assinar a planta e posteriormente a inscreveu na Capitania para funcionar notransporte turístico de passageiros, onde fazia o percurso interno, com saída em frente à ruaDr. José Watz Filho e ia até a entrada da lagoa de Araruama junto ao Arpoador e entãoregressava; que não houvera qualquer problema de estabilidade da embarcação durante ospasseios realizados à época. Em 16/11/1995, quando os negócios ficaram ruins, resolveuvendê-la para Norberto Guimarães da Silveira; que ainda trabalha com embarcações deturismo; que é proprietário da embarcação “CAMINHO DE LUZ” e no dia do sinistroencontrava-se na praia do Forte São Mateus; que as condições de vento (nordeste) e mareram as normais de Cabo Frio e, portanto, propícias ao passeio turístico.

Norberto Guimarães da Silveira, sócio cotista da empresa Conchas Turismo e mestreda embarcação no momento do sinistro, declarou (fls. 215 a 227) que trabalhou na MarinhaMercante desde 1948, onde foi comandante de embarcação de apoio “off shore” na área deCampos e ao se aposentar passou a trabalhar como aquaviário, exercendo a função de mestreda embarcação “TONA GALEA”, de sua propriedade, desde 1995; que resolveu alterar ascaracterísticas da embarcação porque ela não tinha boa aparência, era de proa chata enquantoas demais embarcações tinham bico de proa e por isso ela era discriminada pelos passageirospor não ser “bonitinha”; que para proceder às alterações recorreu ao carpinteiro MarceloCorrea de Oliveira, filho de Nélio Neves de Oliveira, neto de Carlos Neves, famíliaconhecida na região pelos serviços de carpintaria naval; que contratado o serviço, as obrasforam executadas no período de abril de 2001 a janeiro de 2002, consistindo natransformação do fundo chato em “V”, reposicionamento do motor e do tanque de óleo,reforma geral do convés até a proa e num “deck” a ré, aproveitando-se apenas as duas

Page 3: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

3/33

laterais e a cabine de comando; que as modificações redundaram em alteração do calado queteria passado, em sua avaliação, de 70cm para 110cm, aproximadamente; que não haviaclinômetro a bordo e não foi realizado o teste de mar; que o teste de estabilidade foi feito demodo diferente “[...] o rapaz de nome Helio, que me parece ter sido da Marinha, que se diziarepresentante do engenheiro naval, ele veio com trena, metro e tirou todas as medidas daembarcação e me avisou que iria levar essas medidas para o engenheiro naval que eleconhecia e retornaria com o documento para que eu desse entrada na Capitania [...]”; que oserviço prestado foi oneroso, porém não se recorda do valor pago; que a vistoria a seco foirealizada por três militares da Capitania quando o barco ainda estava sobre os calços, na suapresença, de seu filho e do carpinteiro e consistiu na inspeção de toda a embarcação,inclusive efetuando diversas medições. Ao término foi entregue o documento de vistoria aseco; que na inspeção flutuando foram verificados todos os equipamentos da embarcação,extintores e coletes salva-vidas.

Quanto ao documento que consta o teste de verificação de lotação de passageiros epeso máximo de carga realizado no dia 27/04/2002 na praia dos Anjos, declarou que achouestranho, pois a embarcação não fora àquele local e achava que o teste consistia na mediçãoefetuada pelo Helio; que em contato telefônico de seu filho com o engenheiro naval Cícero,que afirma não conhecer, este afirmou não ter problemas quanto ao local do teste.

Declarou a seguinte dinâmica para os fatos: que no dia do sinistro foi chamado paraatracar ao terminal entre 10h e 10h30min. Os passageiros foram liberados para o embarquenormalmente. Permaneceu no portaló acompanhando a distribuição dos 62 passageiros nosbancos para equilibrar a embarcação enquanto que o marinheiro riscava os tíquetes.Encerrado o embarque e a conferência de praxe o barco foi liberado. Cumprindo a exigênciada Capitania, foi explicado o procedimento de colocação dos coletes salva-vidas pelo sistemade som enquanto o marinheiro Ângelo Marcio procedia a demonstração detalhada. Nestemomento o barco foi acompanhado por uma embarcação da Capitania que sinalizou porgesto “OK”; que navegaram a uma velocidade de cinco nós, entrando na Moringa e depoissaiu à boca da barra, avisando o pessoal que se mantivesse sempre sentado, pois se tivessealgum balanço do mar no barco, quem não tem experiência de balanço fica com a impressãode ser emperrado e poderia se machucar, informando também que durante o trajeto seriaservida água, refrigerante e faltando dez minutos para o banho de mar passariam a servircaipirinha a bordo. Também informou o tempo de viagem de trinta e cinco a quarentaminutos até a ilha dos Papagaios; que as condições de mar e vento eram boas. O mar estavacom ondas em torno de 80cm, considerado bom para trabalhar e o vento de direção E/NEforça quatro, com rajadas até força cinco, sem precisão, pois não há anemômetro instalado;

Page 4: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

4/33

que já realizou passeios, depois da reforma, em dias com condições de mar e ventosemelhantes e até com mais passageiros, cerca de 74; que realizou o fundeio num local deaproximadamente 12m a 15m de profundidade; que ao suspender seguiu costeando a ilha dosPapagaios, com velocidade em torno de seis nós até a ponta oeste e quando saiu da sombrada ilha a situação era aproximadamente a mesma da vinda; que aproximadamente 15 a 20minutos da saída do fundeio, cerca de 200 a 300m da ponta oeste da ilha dos Papagaios “[...]eu estava informando e pedindo ao pessoal que se mantivesse sentado para evitar que osmesmos se deslocassem de um lado para outro, pois poderiam se machucar, quandoterminada esta informação olhei para a proa do barco, de repente vi que, pela amora debombordo, ele adernou violentamente, eu só tive tempo de dizer meu Deus que tragédia,percebi que ele não ia voltar, ele jogou rápido, depois devagar retornou, já dentro d’água,tudo aconteceu em poucos segundos, quando vi eu já estava debaixo d’água, na hora dobaque meu instinto foi de desligar o propulsor do hélice, pensando assim, por algunsinstantes que o barco retornaria a sua posição normal [...]”; que não houve colisão comqualquer objeto; que atribui o sinistro a uma rajada de vento mais forte em conjunto compossivelmente uma onda naquele instante e, diante da inclinação da embarcação, a queda dasoito pessoas que estavam em pé e foram jogadas para o lado que o barco adernou; quenaquele local, quando os ventos estão naquela direção é comum redemoinho formado poressas rajadas, possivelmente mais violentas nesse instante em que ocorreu o acidente.

Ricardo Ribeiro da Silveira, sócio cotista da empresa Conchas Turismo, declarou(fls. 614 a 619) que a empresa foi constituída após a compra da embarcação “SÃO JOÃO”,atualmente “TONA GALEA”, no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), quando seu pai,Norberto Guimarães da Silveira, resolveu trocar o ramo da pesca pelo do turismo; que oprimeiro passeio foi realizado em 14/01/1996 para o forte São Mateus, não fazendo o trajetopara a ilha dos Papagaios no início e que não sabe precisar quando começou a ir até a ilha;que a reforma da embarcação foi para melhorar sua aparência, pois era a única de proa chatae com isso perdia atrativo; que contratou verbalmente com Nélio, pai do carpinteiro Marcelo,ao preço de R$ 11.000,00 (onze mil reais), consistindo os reparos em troca total do casco,deixando apenas o casario e construir nova proa; que os reparos foram executados pelocarpinteiro Marcelo; que a obra foi realizada na Gamboa, nas proximidades do canal Itajurue era fiscalizada por si e seu pai; que não houve orientação técnica de engenheiro naval e queo projeto ficou por conta do carpinteiro; que ao término das obras foi realizado teste de mardentro da lagoa de Araruama, no canal de Itajuru, acompanhado por si e seu pai e queconsistiu na verificação do funcionamento da parte elétrica, bombas de porão e seusautomáticos, alarme de porão, se estava fazendo água ou não pelo eixo e pelo casco,

Page 5: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

5/33

funcionamento e refrigeração do motor, curva de giro; que não tinha conhecimento paraavaliar a necessidade de adição de lastro e peso próximo à quilha bem como para falar sobreestabilidade; que nunca saiu com a embarcação barra a fora; que a embarcação se saiu muitobem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecidocomo “barco ventoso”, pois precisava de área de manobra maior para fazer a curva de giroem caso de vento forte; que a regularização da reforma na capitania foi toda realizada porseu pai; que após a ocorrência do acidente, revendo os documentos da embarcação observouque havia um documento citando a realização do teste de estabilidade como sendo realizadona praia dos Anjos em Arraial do Cabo. Por achar estranho buscou contato telefônico com oengenheiro naval Cícero Augusto Penteado de Brito Vianna; que o despachante Gilson Britolhe passou o telefone do engenheiro Cícero; que ligou para Cícero e quando se identificou otelefone foi desligado. Em seguida, ao ligar novamente para Gilson, este afirmou para fazernova tentativa que o Cícero iria atendê-lo, assim o fez e, ao ser atendido, Cícero respondeuque não fora realizado teste em Arraial do Cabo, tratando-se de algum erro de digitação.

Marcelo Correia de Oliveira, executor das alterações, declarou (fls. 178 a 183) quesempre trabalhou como carpinteiro naval na construção, reformas e reparo de barcos; queacompanhava seu avô Carlos Neves, pai e tios na construção de embarcações desde criançae, atualmente, faz sozinho somente reformas e reparos. Na construção era acompanhado pelopai ou tios; que foi procurado por Norberto para executar a reforma no barco “TONAGALEA” e verbalmente ajustaram o preço do serviço em R$ 11.000,00 (onze mil reais), cujorecibo não mais dispõe; que a reforma consistiu em trocar o fundo chato para fundo “V”,colocando uma proa, quilha, sobrequilha, trocando todo cavername de fundo, cepo, cadaste,espelho de popa, “deck” de popa e reinstalação do leme com substituição do tubo telescópio;que a reforma foi executada na Gamboa, nas proximidades do canal de Itajuru, localnormalmente utilizado para outros reparos; que não recebeu qualquer orientação técnica,nem mesmo de engenheiro naval, utilizando-se apenas da experiência que detém dos váriosanos de trabalho com seus familiares; que o projeto utilizado é o mesmo usado por seu avônas embarcações que fazia; que não possui os planos porque as grades apodreceram após amorte de seu avô, ficando apenas com os “riscos”; que atribui a solicitação da reforma àtentativa de melhorar a estabilidade da embarcação; que tinha segurança em realizar asalterações sem a orientação de um engenheiro naval ou de planos em face da experiênciapelos anos de trabalho com seus familiares e o mesmo projeto ser aplicado nos outros barcosjá feitos com o mesmo “risco” no fundo e utilizando o mesmo desenho.

Cícero Augusto Penteado de Brito Vianna, engenheiro naval, declarou (fls. 151 a154) que não foi o responsável pela execução da obra e sim pela emissão da Anotação de

Page 6: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

6/33

Responsabilidade Técnica (ART) da embarcação, cálculo de arqueação e verificação depassageiros; que não realizou o teste de verificação de lotação de passageiros e de pesosmáximos de carga para embarcação com menos de 20 AB, apenas o assinou porque nãojulgou necessário, uma vez que não fora alterado o número de passageiros no Título deInscrição da Embarcação (TIE) que lhe foi mostrado à época, onde constavam 76passageiros, a embarcação navegaria exclusivamente em águas abrigadas e não conhecia asalterações no projeto; que conhecia a NORMAN 02; que tem conhecimento da classificaçãodas áreas de navegação; que soube das alterações executadas na embarcação após o dia19/04/03; que o teste foi realizado no canal de Itajuru, embora conste a sua realização napraia dos Anjos; que já assinou outras ART em Cabo Frio, Búzios e Rio de Janeiro; queestimou os dados práticos de variação de calados constantes do relatório da verificaçãoconsiderando que a embarcação já operava com o mesmo número de passageiros em águasabrigadas e por desconhecer alterações no projeto; que não tem conhecimento que em CaboFrio as áreas abrigadas incluem a ilha dos Papagaios e as áreas próximas da saída do canal deItajuru; que a área indicada no relatório é a área dois para efeito de cálculo, entretanto a áreade operação indicada no relatório é Cabo Frio em áreas abrigadas; que reconhece a assinaturana ART nº. AH17060 do CREA-RJ, como de sua autoria; que foi indicado para o serviçopelo despachante Gilson Brito e este manteve o contato com o proprietário da embarcação.

Helio da Silva Erdite declarou (fls. 208 a 213) que não exerce atividadeoficialmente, apenas auxilia despachantes marítimos do Rio de Janeiro e Cabo Frio quandopedem ajuda; que exerce esta atividade desde 2001; que seus clientes são embarcações deesporte e recreio e eventualmente turismo com Gilson Brito; que não encontra nenhumadificuldade em fazer esse serviço, pois conhece as normas que o rege; que conhece CíceroAugusto Penteado de Brito Vianna desde que foi apresentado por Gilson de Souza Brito em2002, na sua residência em Cabo Frio; que não presta serviço ao Cícero e sim ao Gilson,embora saiba da origem dos documentos em Cícero; que quando presta serviço autônomolida diretamente com o proprietário e quando presta serviço ao Gilson, pega a documentaçãoe dá entrada na Agência de Cabo Frio; que no caso do “TONA GALEA” foi avisado peloGilson que o Norberto precisava da medição da embarcação, comprimento e casario, parafazer a arqueação e o relatório; que foi imediatamente no cais do Itajuru, onde se encontravaa embarcação e portando uma trena, efetuou a medição do casario, comprimento e largura doconvés principal e do comprimento da embarcação entre proa e popa. Em seguida pegou adocumentação e enviou por fax para o Gilson, recebendo pelo serviço cerca de R$ 25,00(vinte e cinco reais) a R$ 30,00 (trinta reais); que recebeu de volta o relatório de verificaçãoda lotação de passageiros e do peso máximo de carga, boleto bancário do CREA, ART do

Page 7: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

7/33

“TONA GALEA” preenchido, documentos em papel de fax recebidos pelo SEDEX; que emseguida entregou toda documentação ao Norberto, proprietário da embarcação; que temconhecimento da inscrição de seu nome no relatório de verificação da lotação de passageirose do peso máximo de carga, o qual não foi realizado, pois fora informado por Gilson por viatelefônica e que “[...] para mim seria como se fosse uma testemunha, não participei do testeporque a meu ver o engenheiro é quem deveria fazer o teste [...]”; que já assistiu teste dessanatureza, feito pelo próprio depoente quando era da ativa, na embarcação “KIDVIGARISTA”; que quem inseriu seu nome como testemunha no relatório o fezindevidamente; que antigamente na Marinha quem fazia essas medições eram os “MR”; quepelas regras antigas dava para o “MR” fazer, porém na atual, imaginava que pudesse medir,tirando comprimento, pontal e boca.

Gilson de Souza Brito, despachante marítimo, declarou que (fls. 171 a 175) legalizaembarcações de esporte e recreio na área de Niterói, junto às Capitanias, Delegacias eAgências do Estado do Rio de Janeiro há 20 anos; que conhece Cícero Augusto Penteado deBrito Vianna e presta-lhe serviço de encaminhamento de documentos para a Capitaniaquando necessário; que no caso da embarcação “TONA GALEA” foi procurado por Hélio daSilva Erdite para realizar um laudo de capacidade e arqueação; que apenas intermediou umFAX enviado por Helio com as medidas para que engenheiro Cícero elaborasse o laudo; quenão estava presente no dia do teste de verificação da lotação de passageiros e do pesomáximo de carga; que foi comunicado da inclusão de seu nome como presente na realizaçãodo teste, porque foi intermediário do laudo e que não sabia da sua responsabilidade no fato;que entregou o relatório preenchido pelo engenheiro Cícero ao Hélio via FAX; que não serecorda quanto recebeu para realizar o serviço, pois faz muito tempo; que passou a ler aNORMAM 02 após o sinistro.

Romárcio Azeredo de Carvalho, passageiro, declarou (fls. 144 a 148) que chegou aocais juntamente com sua noiva Ângela Karina Gouveia e sogra Maria da Conceição Vieiracerca de 10h, dirigiram-se ao posto de venda, adquiriram três bilhetes a R$ 17,00 (dezessete)cada e posteriormente embarcaram conforme a orientação recebida; que durante a espera nãoouviu dizer estar a saída atrasada por determinação da Capitania; que não havia lugaresvagos na embarcação; que não receberam orientação da tripulação sobre a ocupação doslugares durante o embarque, apenas na hora da partida foram orientados pelo mestre daembarcação, pelo sistema de som, para que os passageiros permanecessem sentados de formauniforme durante o percurso, a fim de evitar que os grupos se concentrassem no mesmo ladoda embarcação e que não alterassem o local em que estavam sentados; que foram orientadossobre a utilização dos equipamentos de segurança inclusive com demonstração realizada por

Page 8: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

8/33

um tripulante; que a embarcação partiu do terminal de passageiros em direção à praia doForte, acompanhada por uma lancha da Capitania dos Portos, o que motivou o mestre ainformar que não poderia exceder a velocidade de cinco nós dentro do canal, exigência daCapitania; que ao deixar o canal a embarcação assumiu comportamento diferente, pois saiude águas de calmaria e chegou ao mar. O mestre alertava sobre o batismo do pessoal dizendoser normal o respingo de água nos passageiros, que não deveriam assustar-se; que ventavamuito fora do canal e o mar estava bem agitado, não havendo, entretanto, ninguémreclamando de desconforto ou vomitando. Foram alertados pelo mestre que não seriamservidas as doses de caipirinha, para evitar que os passageiros passassem mal; que nofundeio da embarcação nas proximidades da ilha dos Papagaios foram alertados daobrigatoriedade de uso de coletes salva-vidas por quem não soubesse nadar devido àprofundidade local ser de 12 metros e não mergulhar de colete para evitar acidentes; queapós trinta minutos suspenderam do fundeio, quando foram alertados para ocupar os locaisde origem; que o vento e o mar estavam mais intensos; que após cerca de 10 minutos omestre começou a fazer uma curva longa e acentuada à esquerda. Durante a curva aembarcação sofreu a batida de uma onda do lado direito, sofrendo uma inclinação forte earremessando todo o pessoal do lado direito para o esquerdo. O barco virouinstantaneamente; que pulou na água já com o barco inclinando, mergulhou e ao voltarpercebeu a presença de sua noiva, colocando-a sobre o casco que estava totalmenteemborcado; que as pessoas agarravam-se ao casco que acabou girando, ficando com a partedireita para cima. Nesse momento começaram a aparecer os corpos boiando; que o marestava agitado com ondas que impediam a visão dos demais náufragos; que nadou até obarco “ANDRÉ LUIZ II”, que jogava coletes e bóias na tentativa de ajudar, recolhendo eprestando socorro a alguns náufragos.

Nayara Duarte de Andrade, passageira, (fls. 433 a 438) declarou que não foiproibido ficar em pé ou trocar de lugar durante todo o passeio. Teve um momento que obarco passava por ondas grandes, sendo recomendado pelo Comandante, pelo microfone, que“[...] para todos ficarem sentados, pois estamos passando por umas ondas e quem não estáacostumado com o litoral pode ficar com medo [...]”. O barco não virou neste ponto. Nolocal do sinistro havia ondas mais fracas; que no trajeto de ida estava ventando muito e o marestava agitado; que as pessoas que estavam sentadas do lado direito caíram sobre as queestavam do lado esquerdo.

Ângelo Marcio Pinto Tavares, marinheiro auxiliar de convés, declarou (fls. 157 a163) que as ondas eram em torno de 70cm a 80cm; que estavam na área as embarcações“BARCO DA LAGOA”, “BOAT I”, “CAMINHO DA LUZ” e “DOM VICENZO III”; que

Page 9: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

9/33

suspenderam normalmente do fundeio, em seguida serviu uma bandeja de frutas aospassageiros e quando retornou à popa percebeu que o barco adernava para bombordo erapidamente emborcou; que a embarcação não colidiu com qualquer objeto, as bombas deesgoto do porão estavam funcionando e que possui alarme de alagamento de porão; queatribui o acidente ao fato de uma onda pegar a embarcação pela popa adernando porbombordo, a força do vento sobre a tolda e costado e a queda de pessoas também parabombordo.

Deoclécio Martins declarou (fls. 196 a 202) que é o proprietário das embarcações“LAGOAS BOAT I e II” e “BARCO DA LAGOA”, estando na atividade há 15 anos; que asembarcações foram construídas pela família Neves, tradicional na construção naval emtrabalhos com madeira em Cabo Frio e que não se lembra de outro construtor na região; quesuas embarcações fizeram o passeio e regressaram sem problemas, mesmo com as condiçõesmoderadas de vento no dia; que não avistou o acidente e teve conhecimento pelo canal 16;que estava no comando da embarcação “LAGOAS BOAT I” porque seu mestreencontrava-se adoecido e que tem conhecimento de que sua categoria, de marinheiro demáquinas, não lhe permite exercer o comando da embarcação, mas que se tratava deemergência; que as condições de mar e vento eram as normais de Cabo Frio.

No Laudo de exame pericial, fls. 722 a 796, efetuado no dia 24/04/2003, os peritosapuraram que:

I – Regularização da embarcação (fl. 722).A análise de toda documentação acostada indica que a embarcação se encontrava

documentalmente regularizada, em conformidade com a legislação em vigor;II – Alterações das características (fls. 722/723).As alterações introduzidas na embarcação, que terminaram em abril de 2002,

modificaram as características de estabilidade, tornando necessária a realização de um testeprático para se reavaliar a lotação de passageiros e o peso máximo de carga, conformeestabelecido no item 0653, “a”, “3”, da NORMAN 02;

III – Determinação da nova capacidade de passageiros (fls. 723 a 725).A empresa proprietária e armadora da embarcação contratou o engenheiro naval

Cícero Augusto Penteado de Brito Vianna que emitiu em 03/05/2002 o documentodenominado “Relatório de Verificação da Lotação de Passageiros e do Peso Máximo deCarga de Embarcação com AB≤20”, onde indicava que o teste fora conduzido em27/04/2002, na praia dos Anjos, e cujo resultado indicava características adequadas paratransportar até 78 pessoas.

Page 10: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

10/33

Verifica-se que a data de realização do teste prático é posterior à realização dasalterações introduzidas na embarcação.

O relatório apresentava divergências que poderiam gerar dúvidas quanto à corretacaracterização da área de operação considerada para a determinação da lotação depassageiros, pois informava que a embarcação operaria em “CABO FRIO EM ÁGUASABRIGADAS” enquanto classificava a área de operação como sendo a área dois, que é áreade operação “PARCIALMENTE ABRIGADA”. Os cálculos foram feitos com os parâmetrospara área parcialmente abrigada.

Em depoimento em 30/03/2003 o engenheiro afirmou que não realizou o teste para aemissão do relatório porque não julgou necessário, por não ter sido alterado o número depassageiros e porque a embarcação navegaria em águas abrigadas, o que configura um errograve, pois o teste é justamente para definir a lotação após a reforma. Também não forammedidos alguns parâmetros no momento do teste, pelo que o engenheiro informou que osestimou, com base no pontal e no calado. Tal estimativa não está prevista na norma em vigore foi assumida pelo engenheiro.

Além disso, as únicas medidas efetivamente efetuadas na embarcação antes daemissão do relatório foram obtidas por Helio da Silva Erdite e se limitaram à medição docomprimento e das dimensões do casario. Isto indica que até o valor do calado não foimedido diretamente na embarcação pelo engenheiro ou seu preposto, sendo ignorada suaforma de obtenção;

IV – Verificação da Capacidade Máxima de Passageiros (fls. 725/726).Com objetivo de avaliar a adequabilidade da embarcação para o transporte de 78

passageiros, os peritos conduziram dois testes práticos na embarcação seguindo asdeterminações da NORMAN 02.

No teste realizado em 06/05/2003 foi constatado que a lotação máxima permissívelpara possibilitar o atendimento dos critérios da NORMAN 02 seria igual a 26 pessoas.

A análise dos resultados obtidos indica que os resultados apresentados peloengenheiro naval Cícero levaram à atribuição de uma lotação muito acima da real capacidadeda embarcação, conforme a norma vigente.

V – Condições da embarcação (fls. 726/727).Após o emborcamento a embarcação foi recuperada, sendo posteriormente deslocada

para um pequeno estaleiro, onde foi possível se efetuar uma avaliação detalhada, inclusivedas obras vivas. Foram observadas avarias normais decorrentes do naufrágio sem indícios dequalquer falha de equipamentos. Inclusive constatou-se que não havia lastro fixo.

VI – Condições ambientais (fls.728 a 730).

Page 11: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

11/33

Os depoimentos das pessoas que estavam no “TONA GALEA” ou nas embarcaçõesque prestaram socorro às vítimas são contraditórios.

Doze depoentes (5ª, 8ª, 10ª, 12ª, 18ª, 19ª, 21ª, 22ª, 24ª, 25ª, 37ª, e 39ª testemunhas)afirmaram que as condições ambientais não apresentavam qualquer anormalidade quedesaconselhasse o tráfego de pequenas embarcações. O Comandante e o marinheiroembarcado mencionaram ondas de 0,70 a 0,80 metros de altura.

Por outro lado, quinze depoentes (3ª, 14ª, 16ª, 17ª, 20ª, 27ª, 28ª, 29ª, 30ª, 31ª, 32ª,33ª, 34ª, 42ª e 43ª) afirmaram que o vento estava forte, o mar agitado e/ou as ondas eramgrandes.

Os bombeiros que socorreram as vítimas também prestaram depoimentoscontraditórios. A 26ª testemunha afirmou serem adequadas as condições para o banho demar, sem bandeira vermelha, enquanto que a 36ª testemunha afirma que o mar estava forte,com bandeira vermelha.

É importante ressaltar que todos os tripulantes das embarcações na área afirmaramque as condições de mar eram adequadas.

As fotos do passeio anexadas ao inquérito não demonstram vagas com amplitudesignificativa e sequer se verifica a presença de “carneiros” nos locais onde foram tiradas.

A quase totalidade das pessoas que prestaram depoimentos afirmando que o ventoestava forte e o mar agitado era de passageiros, que além de normalmente possuíremconhecimentos limitados sobre navegação, haviam passado pela experiência traumática donaufrágio.

Esses dados levaram os peritos concluírem que, apesar das condições meteorológicasno momento do acidente não caracterizarem um “mar de Almirante”, também nãocorrespondiam a uma condição de risco iminente às embarcações que fossem ao mar. Daí adiversidade dos depoimentos sobre as condições ambientais.

VII – Análise das causas do acidente (fls. 731 a 736).Da análise dos depoimentos das onze testemunhas (3ª, 5ª, 10ª, 13ª, 14ª, 15ª, 19ª, 20ª,

28ª, 31ª e 32ª) em conjunto com o resultado da perícia conduzida na embarcação os peritosconcluíram que o acidente foi precedido por uma onda de amplitude não determinada queprovocou forte inclinação para bombordo com a conseqüente perda de equilíbrio dospassageiros que tombaram para o mesmo bordo, contribuindo para o emborcamento daembarcação.

Para que pudesse ser estimada a amplitude dos agentes emborcadores e a capacidadede resposta da embarcação na condição de carregamento, foram elaborados o Plano deLinhas, o Plano de Arranjo Geral e o Plano de Capacidade da embarcação (fls. 762 a 764).

Page 12: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

12/33

Em seguida foi efetuada uma prova de inclinação na embarcação (fls. 765 a 777),geradas as Curvas Hidrostáticas e as Curvas cruzadas de Estabilidade (fls. 778 a 792).

Da análise dos resultados os peritos concluíram que o efeito do vento e da manobrade giro nas condições presumidas para o momento do acidente são desprezíveis e que aembarcação não apresentava condições de resistir ao efeito de 62 passageiros agrupados emum bordo, independentemente da amplitude da onda que gerou a inclinação inicial daembarcação.

VIII – Influência do excesso de passageiros no acidente (fls. 736 a 738).Os peritos constataram que a embarcação quando transportando 26 passageiros na

condição de carregamento estimado para ocasião do acidente atende integralmente ao critériorecomendado pela IMO para embarcações de passageiros empregadas em serviço irrestrito;que os efeitos do vento e da manobra são desprezíveis; e que a embarcação conseguiriasuportar dinamicamente o efeito conjunto de uma onda que resultasse em inclinação de até20º e o agrupamento dos 26 passageiros em um bordo, antes de atingir o ângulo dealagamento, ressaltando que com 20º de inclinação já se torna quase impossível uma pessoamanter o equilíbrio.

IX – Conclusões dos peritos (fls. 739 e 740).Na análise dos fatores que contribuíram verifica-se que os fatores humano e

operacional não contribuíram. O fator material contribuiu em virtude do comprometimentoda estabilidade da embarcação decorrente do transporte de 64 pessoas, número muitosuperior aos 26 verificados na perícia.

A causa determinante do acidente foi a ocorrência de uma onda que provocou oadernamento da embarcação e o subseqüente agrupamento de passageiros em um bordo, emnúmero bem maior do que seria permitido, superando os limites reais de resposta daembarcação, provocando o seu emborcamento.

No relatório de IAFN, fls. 798 a 864, o encarregado concluiu que o fator humanocontribuiu para o acidente apenas no aspecto de erro humano pelo não cumprimento dasnormas da Autoridade Marítima.

O fator material contribuiu porque a embarcação não é dotada de estabilidade capazde transportar, com segurança, as sessenta e quatro pessoas embarcadas.

O fator operacional contribuiu uma vez que o Comandante decidiu navegar comtrinta e seis passageiros acima da capacidade e não teve habilidade para sanar uma situaçãode emergência decorrente de um acidente perfeitamente previsível e, ainda, pelo erro demanobra quando do regresso à Cabo Frio, por não ter evitado o mar e vento de través.

Page 13: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

13/33

Apontou os seguintes responsáveis pelo acidente: Norberto Guimarães daSilveira, como sócio proprietário da armadora e Comandante do “TONA GALEA” pornegligência, imprudência e imperícia por ter levado à Delegacia documentação irregular, terassumido o risco de navegar sem conhecer a real capacidade da embarcação e a manobrarincorretamente; Ricardo Ribeiro da Silva, também sócio proprietário da Armadora, pornegligência ao permitir a regularização da embarcação ao arrepio das normas da AutoridadeMarítima; Cícero Augusto Penteado de Brito Vianna por negligência e imprudência aoelaborar os cálculos para o relatório com medidas efetuadas por um leigo em engenharianaval e por estimativas e sem realizar o teste prático que redundou no aumento irregular dacapacidade da embarcação; Helio da Silva Erdite por imprudência, imperícia e negligênciaao arvorar-se como técnico capacitado e efetuar a medição da embarcação e permitir que seunome fosse citado no relatório como testemunha da realização de um teste que não ocorreu;Gilson de Souza Brito por negligência por permitir que seu nome figurasse como testemunhapresente ao teste prático que não foi realizado, atestando sua veracidade e, ainda, por terencaminhado o relatório que sabia inverídico.

Notificados da conclusão do inquérito (fls. 868 a 872), os indiciados nãoapresentaram defesa prévia.

A D. Procuradoria Especial da Marinha ofereceu representação (fls. 884 a 899) comfulcro no art. 14, alíneas “a”, naufrágio, e “b”, defeito na embarcação que ponha em risco aembarcação e vidas de bordo e no art. 15, alínea “e”, todos os fatos que prejudiquem ouponham em risco a incolumidade e segurança da embarcação e vidas de bordo, todos da Lei2.180/54, em face de: Conchas Turismo e Passageiros Ltda., na qualidade de armadora daembarcação “TONA GALEA”, por atos omissivos e comissivos de seus representanteslegais; Norberto Guimarães da Silveira, na qualidade de comandante da embarcação e sócioproprietário da armadora, por negligência ao apresentar a documentação exigida pelaAutoridade Marítima, sabendo ser ela inverídica e por ter assumido o risco de por a navegaro “TONA GALEA” ao arrepio das normas vigentes; e por imprudência, ao fazer suspender aembarcação com um número superior de passageiros, uma vez que o teste prático não foirealizado; Ricardo Ribeiro da Silveira, na qualidade de sócio proprietário da armadora, pornegligência, ao permitir a regularização da embarcação com ciência da não realização doteste prático; Cícero Augusto Penteado de Brito Vianna, engenheiro naval, por negligência eimprudência, ao elaborar o relatório de verificação da lotação de passageiros e de pesomáximo de carga do “TONA GALEA” a partir de dados essenciais obtidos por um leigo,Helio, pessoa estranha às lides da engenharia naval e sem realizar o teste prático exigidopelas normas da Autoridade Marítima; Hélio da Silva Erdite, auxiliar de despachante, por

Page 14: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

14/33

imprudência e imperícia, ao arvorar-se como técnico capacitado para efetuar as medições daembarcação para subsidiar a elaboração do relatório de teste de verificação de lotação depassageiros e peso máximo de carga; por negligência ao permitir que seu nome figurassecomo testemunha da realização do teste prático não realizado, atestando sua veracidade;Gilson de Souza Brito, despachante de embarcações, por negligência, além do dolo eventual,por permitir que seu nome figurasse como testemunha do teste prático que sabia não ter sidorealizado; Marcelo Correa de Oliveira na qualidade de carpinteiro que promoveu asalterações estruturais na embarcação sem acercar-se dos cuidados necessários de seguir umplano, arranjo estrutural ou especificações técnicas abalizadas por profissional qualificado.

A PEM concluiu que a causa determinante do emborcamento, naufrágio e morte de15 passageiros foi a falta de estabilidade capaz de transportar as 64 pessoas embarcadas eque as condutas dos representados contribuíram para o acidente e fato da navegação,fundamentando às fls. 884 a 889.

Na Sessão do dia 16 de dezembro de 2003 o Tribunal Marítimo recebeu porunanimidade a representação, fl. 922.

O Tribunal decidiu, ainda, aprovar a seguinte medida preventiva e de segurança:Oficiar à DPC para determinar que seja realizada uma Vistoria Especial Determinada (VED)nas embarcações “LAGOAS BOAT I E II”, “BARCO DA LAGOA”, “AQUARIUS I”,“ASA BRANCA” e “CAMINHO DE LUZ” que sofreram reformas à semelhança do barco“TONA GALEA” e em outras embarcações que as circunstâncias assim indicarem e quenaveguem na área.

Os representados, que não possuem antecedentes neste Tribunal, foram citados(fls. 941 a 946, 985 e 988) e regularmente defendidos por I. Advogados constituídos.

A defesa do 1º Representado (fls. 998/999) alega que provará na instrução que arepresentação não é verdadeira em sua totalidade e sim parcialmente e que os depoimentosdos Representantes legais versam somente a verdade dos fatos ocorridos no dia 19 de abrilde 2003.

A defesa do 2º Representado (fls. 993/994) alega que provará na instrução que arepresentação não é verdadeira em sua totalidade e sim parcialmente e que lamentavelmenteos fatos ocorreram não por negligência, imperícia ou imprudência do Representado.

A defesa do 3º Representado (fls. 996/997) alega que provará na instrução que arepresentação não é verdadeira em sua totalidade e sim parcialmente e que o depoimento doRepresentado constante dos autos é a pura verdade quanto ao fato ocorrido no dia 19 de abrilde 2003.

Page 15: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

15/33

A defesa do 4º Representado (fls. 1018 a 1022), Cícero Augusto Penteado de BritoVianna, apresentou, preliminarmente, a tese da incompetência absoluta do Tribunal Marítimopara conhecer e julgar a representação contra o Representado, pois este não é jurisdicionadoprevisto no rol do art. 10, da Lei 2.180/54, argumentando que a lei deve ser interpretada deforma restritiva.

Alega que, por exercer a profissão de engenheiro naval, ele seria jurisdicionadoadministrativo somente do CREA e este já o havia julgado e punido administrativamentepela infração cometida, com suspensão do exercício da profissão por dois anos. Asseveraque, se admitida a competência do Tribunal Marítimo, o Representado estaria sendo punidoduas vezes pelo mesmo fato.

No mérito, para cumprimento do princípio da eventualidade, apresentou a tese daexculpabilidade por ausência do nexo de causalidade, afirmando que provará na instrução ainexistência de qualquer relação de causa e efeito entre as razões do acidente e a nãorealização dos testes de estabilidade e capacidade de lotação da embarcação.

Afirma também que provará ser a perícia direta que embasa a alegação da PEMimprestável ao fim pretendido, pois teria sido realizada irregularmente.

Alegou, ainda, que o acidente foi resultante de ação simultânea do mar de través, dovento e do deslocamento de alguns passageiros para o bordo de sotavento. Assim, o acidenteteria ocorrido mesmo com apenas os vinte e seis passageiros indicados na perícia diretarealizada durante o inquérito.

A defesa do 5º Representado, Helio da Silva Erdite (fls. 1002 a 1005), apresentou atese da exculpabilidade, alegando que ele não exerce e nunca exerceu a atividadeprofissional de auxiliar de despachante conforme seu depoimento às fls. 208. Desta formanão poderia figurar como representado.

Alegou, ainda, que os elementos dos autos não autorizam a imputação deimprudência e imperícia quando efetuou as medições na embarcação, pois foi apenasintermediário da documentação elaborada, conforme seu próprio depoimento.

Sustentou que não consentiu a inserção de seu nome como testemunha do teste deverificação de lotação de passageiros e que inexiste nos autos qualquer elemento de provaque demonstre ter conhecimento de tal fato antes do acidente, fundamentando nosdepoimentos do 2º e 6º Representados, às fls. 182 e 228.

Requereu, por derradeiro, o benefício da gratuidade de justiça com fundamento naLei 1.060/50.

A defesa do 6º Representado, Gilson de Souza Brito, apresentou a tese daexculpabilidade do representado (fls. 1011 a 1016).

Page 16: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

16/33

Alega que a acusação fundamenta-se em declarações prestadas pelo Representadosem assistência de Advogado, em ambiente de Organização Militar, que naturalmente inibe odepoente de instrução primária; que foi desconsiderada a sua condição humilde e de pequeno“encaminhador de papéis”, sem condições de entendimento do exato alcance dosdocumentos que manuseava; que ao seu acanhado ver constituíam simples exigênciasburocráticas que precisavam ser transportadas para legalizar as embarcações na Capitaniados Portos; que ao contrário do que consta na acusação o Representado não tinhaconhecimento de que o teste de estabilidade não fora realizado; que a inclusão do nome dorepresentado no laudo de estabilidade produzido pelo engenheiro Cícero foi feito de formaimprópria; que a causa determinante do naufrágio foi a avaliação técnica errônea dascondições de estabilidade da embarcação, matéria alheia ao conhecimento do Representado;que a conduta do Representado em relação ao teste não tem qualquer relação de causa eefeito com o acidente; que por ser pessoa totalmente desinformada quanto à matéria técnicade estabilidade de embarcações, caso tivesse presenciado o teste o Representado não teria amenor possibilidade de avaliar os seus resultados alegadamente errados, a ponto de poderevitar o acidente. Ademais, no entender do engenheiro Cícero, o teste de estabilidade não serealizou por ser dispensável, já que as características básicas da embarcação não foramalteradas e a mesma já vinha transportando o mesmo número de passageiros (fls. 151).

A defesa do 7º Representado (fls. 1007 e 1008), Marcelo Correia de Oliveira,apresentou a tese da exculpabilidade do Representado e a culpabilidade da Marinha doBrasil, alegando que a embarcação encontrava-se totalmente legalizada e, portanto, apta ànavegação na forma da vistoria efetuada pelo órgão competente. Também alegou que,seguindo a linha de raciocínio da representação, a embarcação oferecia mais possibilidade denaufrágio antes da reforma do que depois, logo a sua performance estaria adequada à novafunção praticada; que a natureza contribuiu para o acidente; que os passageiros, por nãoestarem todos familiarizados com o mar, ficaram emocionalmente desestabilizados ante asurpresa e inexperiência logo no primeiro adernamento provocado pela onda mais forte; que“[...] - o mar não tendo cabelo, contribuiu sobremaneira para a morte dos quinze passageiros[...]” (fl. 1008).

Aberta a instrução, somente a PEM, o 4º e 5º representados especificaram provas aserem produzidas.

A PEM requereu cópia dos depoimentos colhidos nos autos da Ação Penal nº.2003.51.08.001586-3, no juízo da 1ª Vara Federal de São Pedro da Aldeia, que foramacostados às fls. 1049 a 1074.

Page 17: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

17/33

Requereu também cópia da decisão do CREA proferida em processo disciplinar quecondenou Cícero Augusto Penteado de Brito Vianna, acostados às fls.1077 a 1084.

Dos depoimentos prestados no juízo da 1ª Vara Federal de São Pedro da Aldeia, emsíntese, extrai-se que:

Norberto Guimarães da Silveira declarou (fls. 1051 a 1053) que trabalha comnavegação há cerca de 57 anos, tendo começado como moço de convés até atingir aqualificação atual de Mestre de Cabotagem, cuja experiência profissional inclui trabalhos emnavios de transporte de carga e o comando de embarcações off-shore e da chata/escuna TonaGalea; que comprou a embarcação há cerca de doze anos, quando a ela era de fundo e frentechatos e que por isso sofria discriminação dos passageiros, o que o levou a planejar areforma; que nessa época a capacidade era para o transporte de 78 passageiros e 02tripulantes e tinha classificação que autorizava a navegar em águas interiores e costeiras,como até as ilhas próximas de Cabo de Frio; que após cerca sete anos resolveu fazer areforma para transformá-la de chata para escuna; que tal reforma melhorou sensivelmente aestabilidade da embarcação, até porque proporcionava maior calado; que mesmo antes dareforma o depoente já saíra com a lotação máxima, mas que nunca antes acontecera depraticamente todos os passageiros se concentrarem num dos lados da embarcação, até porqueo interrogando preocupava-se em não permitir que durante a viagem os passageiros ficassemem pé no barco; que sempre orientava os passageiros para que não fossem todos para omesmo lado para preservar a estabilidade da embarcação.

Cícero Augusto Penteado de Brito Vianna declarou que (fl. 1055 a 1057) que noprimeiro contato com Gilson sobre o “TONA GALEA” recebeu um fax que continha ascaracterísticas da embarcação e a cópia do Termo de Inscrição da Embarcação (TIE) e opedido para providenciar o cálculo de arqueação e a verificação de passageiros; que tãosomente à vista daquele TIE não era possível ao depoente saber que se tratava de laudos aserem feitos sobre a reforma de uma embarcação, nem isso lhe foi dito ou constava no fax;que na elaboração dos seus laudos levou em consideração a confiança que tinha nos testesrealizados pela Marinha para a emissão da TIE em 1996, na qual previa a lotação de 78passageiros; que a partir do ano 2000 o procedimento passou a ser previsto na NORMAN2000 e a partir de 2002 na NORMAN 2002; que a diferença fundamental em relação aoprocedimento anterior é que a responsabilidade passou a ser do engenheiro naval.

Declarou, ainda, (fls. 1063 e 1064) que ao que se recorda foi somente após oacidente que recebeu um telefonema de Ricardo indagando a respeito do teste prático queteria sido realizado na praia dos Anjos, mas que não se recorda de maiores detalhes; queconfirma o depoimento de Gilson quanto a que ele já figurou como testemunha em outros

Page 18: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

18/33

testes realizados pelo depoente, mas que foi a única em que ele autorizou sem ter realmentepresenciado; que reconhece seu equívoco quanto às respostas afirmativas dadas nacaracterização da embarcação quanto ao tipo; que reitera não ter estado no barco antes depreencher o laudo e que as respostas dadas basearam-se em similaridades; que prefere nãocomentar as diferenças entre suas respostas e as respostas contidas no laudo da Capitania;que também houve equívoco na consignação de que a embarcação operaria em “águasabrigadas” quando o certo seria operação em “águas parcialmente abrigadas”; que reitera nãoter falado com Hélio sobre ter seu nome como testemunha do teste prático; que consultouGilson sobre a indicação dele e de Hélio como testemunhas; que não sabe se Gilsonconsultou Helio, mas a resposta afirmativa não foi imediata e sim em outro telefonemaalgum tempo depois;

Gilson de Souza Brito declarou (fls. 1060/1061) que possui o segundo grau deescolaridade; que conhece pessoalmente Helio e Cícero e que Ricardo conheceu somenteapós o acidente. Quanto a Norberto não se recorda de tê-lo visto; que foi procurado porHelio, por telefone, que lhe perguntou se conhecia algum engenheiro naval para fazer umrelatório de arqueação e cálculos de capacidade de passageiros; que Helio passou por fax aointerrogando as metragens do barco e da cabine; que não foi passada cópia do TIE; queCícero concordou em fazer o serviço, dizendo que precisaria fazer uma vistoria no barco eperguntou se poderia colocar os nomes do interrogando e do Helio como testemunhas davistoria; que telefonou para Helio e o comunicou a aceitação do serviço por Cícero e oavisou que seria incluído seu nome como testemunha da vistoria; que Helio autorizou oserviço e concordou que seu nome figurasse como testemunha da vistoria; que decorridosalguns dias passou no escritório de Cícero; que este o informou a prontificação dodocumento; que indagou a Cícero se este havia realizado a vistoria e a resposta foiafirmativa; que confiou na resposta de Cícero, pois já havia feito vários serviços com ele;que sabe o dever da testemunha presenciar o fato testemunhado, todavia confiou naafirmação de Cícero; que nada recebeu por esta intermediação; que não sabe as quantiascobradas por Helio e Cícero, nem mesmo se as receberam; que após receber a documentaçãono escritório de Cícero, as enviou pelo correio para Helio; que não é verdadeira a afirmaçãode Helio de que soube de seu nome como testemunha apenas após o acidente.

Alexandre José Trinas de Freitas, engenheiro naval com mestrado em hidrodinâmica,um dos peritos elaborador do laudo pericial, declarou (fls. 1068 e 1069) que não teria havidoqualquer imperícia do Comandante do “TONA GALEA” para provocar seu emborcamento;que a realização do teste prático objetiva principalmente a obtenção das medições constantesno item 08 do laudo, quais sejam, as variáveis “bl1”, a borda livre com os passageiros

Page 19: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

19/33

divididos igualmente entre os bordos e a variável “bl2”, a borda livre com todos ospassageiros agrupados no mesmo bordo; que considera muito difícil que tais dados possamser tomados por estimativas.

A Defesa do 4º Representado requereu a remessa dos depoimentos prestados pelastestemunhas de defesa no juízo criminal federal (fl. 1087), que foram juntadas às fls. 1032 a1161.

Requereu, ainda, a oitiva do engenheiro naval Múcio Scevola Duarte Coelho e ajuntada de prova documental técnica a ser apresentada até o final da instrução.

Todas as provas foram deferidas.Assim, foram acostadas declarações de seis pessoas atestando a reputação ilibada do

2º Representado, prestadas ao juízo (fls. 1135 a 1140).Também foram juntadas declarações de três pessoas atestando a reputação ilibada do

4º Representado (fls. 1142 a 1144), além dos seguintes depoimentos:Helio da Silva Erdite declarou (fls. 1146 e 1147) ao juízo que até a edição da

Portaria nº. 26/94 era incumbência dos próprios militares fazerem as medições dos barcosque instruiriam os pedidos de inscrições e alterações de características dos barcos, sendo quea partir da edição daquela Portaria e das NORMANS a Marinha passou a exigir que aquelasmedições e outras providências técnicas relativas às instruções fossem feitas por engenheironaval; que enquanto trabalhava na Capitania estava entre suas atribuições a de, atendendo àsordens de seus superiores, efetuar aquelas medições dos barcos; que Gilson lhe pediu parafazer as medições do “TONA GALEA” para repassá-las ao engenheiro que faria o relatóriodas alterações das características da embarcação; que Gilson costumava lhe pedir e odepoente costumava realizar esses serviços em barcos; que em outras oportunidades jáprestara auxílio a Gilson, bem como a outros despachantes, nos quais eles diziam aodepoente que colocariam o nome deles como testemunhas dos testes práticos realizados peloengenheiro naval, com o que o depoente concordava mesmo sem ter presenciado a realizaçãodaqueles testes; que, todavia tem certeza que no caso do “TONA GALEA”, Gilson não oconsultou nem comunicou que faria seu nome figurar como testemunha do teste prático; quenega os depoimentos de Gilson e Norberto quando afirmam que Norberto teria procurado odepoente diretamente; que no dia da feitura da medição recebeu de Norberto certa quantiaem dinheiro, cujo valor não se recorda, e da qual ficou com R$ 35,00 (trinta e cinco reais),depositando o restante na conta de Gilson no HSBC para os pagamentos dos serviços dele edo engenheiro; que quando servia na Marinha, apesar de realizar testes naquela espécie,nunca foi técnico no assunto.

Page 20: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

20/33

Rui Kenki Shashiki, engenheiro naval, declarou (fls. 1158 e 1159) que conheceu dosfatos pela imprensa; que já trabalhara com Gilson e por intermédio dele conhecera Cícero,após o acidente; que leu o laudo elaborado pelo engenheiro naval Mucio Scevola,encomendado pelo Cícero; que dos sessenta e dois passageiros conduzidos na embarcaçãoapenas oito estavam em pé; que neste contexto é possível concluir que a embarcação nãoestava desequilibrada pelo número de passageiros que conduzia; que por sua experiênciacomo engenheiro naval conclui que o número de passageiros não foi fator preponderantepara a ocorrência do acidente; que concorda com a simulação feita pelo engenheiro navalMucio no sentido de que o acidente foi ocasionado por uma conjugação de fatores, entre osquais o efeito das ondas, ventos e manobras; que o mar força quatro na escala Beaufort,mencionado no laudo do engenheiro naval Mucio, geraria ondas de um metro e vinte, queseriam perigosas para uma embarcação de turismo do tipo e porte mencionado na denúncia;que não pode precisar qual seria o número de passageiros que tal embarcação poderiaconduzir com segurança.

Izildinha de Barros Campelo Boueres, sobrevivente do naufrágio, declarou (fls. 1153a 1155) que estava na embarcação e que seu marido e a irmã foram vítimas fatais doacidente; que o mar estava calmo e chegou a tirar algumas fotos; que não viu a onda queatingiu o barco; que quando viu a ponta do barco já estava virando e as pessoas estavamcaindo; que tinha duas fileiras de cadeira e um corredor no meio e as pessoas que estavam naoutra fileira já estavam caindo para o meu lado.

Mucio Scevola Duarte Coelho em síntese, declarou (fl. 1203 a 1205) que éengenheiro naval; que dentre suas atividades profissionais está a de perícias técnicas; quepossui 33 anos de experiência ativa como engenheiro naval diretamente ligado com projetosde engenharia naval; que foi projetista de todas as embarcações do estaleiro Mac Laren nosidos de 1981/1988; que conhece o acidente ocorrido com a embarcação “TONA GALEA”,bem como a documentação técnica carreada aos autos; que tem conhecimento sobre o testeno qual se determinou a capacidade máxima da embarcação para o transporte de 26passageiros; que o teste foi realizado conforme os requisitos previstos na NORMAN 02; queo teste não simula as condições de mar e vento do dia do acidente; que segundo o texto daNORMAN 02, item 0639, alíneas “a” e “n” o atendimento aos critérios de estabilidade nãogarante a imunidade contra emborcamentos e nem absolve os comandantes de suasresponsabilidades e se deve dispensar atenção especial para as embarcações navegando commar de popa ou de alheta, devido a perigosos fenômenos que podem resultar em amplitudede jogo excessiva ou em perda da estabilidade na crista das ondas, criando uma situaçãofavorável ao emborcamento das embarcações; que uma situação perigosa ocorre quando o

Page 21: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

21/33

comprimento da onda é da ordem de 1,0 a 1,5 vezes o comprimento da embarcação; que avelocidade do navio/embarcação e /ou a sua rota devem ser adequadamente alteradas paraevitar estes fenômenos; que no seu entender foi o que ocorreu com o “TONA GALEA” nodia do acidente; que seria indiferente o número de passageiros para aquelas condições de mare vento e do posicionamento da embarcação em relação às ondas; que em síntese o “TONAGALEA” é uma embarcação que não pode sair do canal de Itajuru ou das áreas delimitadaspela área um, porque a interação de uma embarcação com o mar, neste caso o mar de través,pode resultar em situação de fator de ampliação de jogo muito elevado. Esse fator écalculado pela divisão do período natural de jogo da embarcação pelo resultado da subtraçãodo período natural de jogo da embarcação pelo período da onda. O “TONA GALEA” possuiperíodo natural de jogo que varia de 6,1 a 4,1 segundos, sendo 6,1 para 62 passageiros e 4,1para sete passageiros. O período de jogo das ondas formado pelo vento força 04 reinante nodia e na véspera do acidente varia de 1,4 a 7,6 segundos, observa-se aí de pronto que podeexistir um resultado que mostre um fator de amplificação de jogo muito elevado, pois oresultado da subtração tende para zero e qualquer número dividido por zero tende ao infinito.Agravando a situação, o “TONA GALEA” possui 14 metros de comprimento e ocomprimento médio da onda gerada no dia do acidente é de 18 metros, o que torna um alertaa própria precaução citada na NORMAN 02, pois 18 pertence ao intervalo 14 a 21; que o“TONA GALEA” é uma embarcação sensível ao mar para ventos de força maior do que aBeaufort 03; que quando confecciona documentos para apresentar à Marinha, por princípio,ele próprio efetua as medições e os cálculos; que o acidente decorreu da interação daembarcação com o mar, vento, onda de través e oito pessoas colocadas no mesmo bordo; queas simulações matemáticas conduzidas segundo as formulações existentes no Principal ofNaval Architeture indicam que o acidente ocorreria da mesma forma com 62, 27 ou 7pessoas a bordo.

O 4º Representado juntou a documentação que comprova a punição que lhe foiaplicada pelo CREA/RJ e atesta o seu cumprimento (fls.1209 a 1213).

A defesa do 5º Representado requereu (fl. 1099) que fossem extraídos dos autos osdepoimentos do 2º e 6º Representados, às fls. 182, 228 e 58, o que foi indeferido (fl. 1102).Requereu, ainda, a oitiva de Ivonei Fernandes dos Santos Junior e Luiz Gomes da Silva (fl.1120).

Dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo 5º Representado, em síntese,extrai-se que Ivonei Fernandes dos Santos Junior declarou (fl. 1175) que conheceu Helio daSilva Erdite na Agência da Capitania em Cabo Frio quando ele lá servia, há cerca de dezanos; que soube do acidente pela televisão e rádio; que Helio trabalhava como instrutor de

Page 22: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

22/33

cursos de aquaviários na Agência em Cabo Frio; que não conhecia outra atividade exercidapor ele relacionada à liberação de documentos de embarcações.

Luiz Gomes da Silva, em síntese, declarou (fl. 1176) que conheceu Helio da SilvaErdite na Agência da Capitania em Cabo Frio quando trabalharam na instrutoria da Agência;que soube do acidente pela imprensa; que não conhecia nenhuma atividade exercida por elerelacionada à liberação de documentos de embarcações.

Em Alegações Finais se manifestaram a PEM (fls. 1216), o 1º, 3º(fl. 1272) e 4ºRepresentados (fls.1227 a 1251).

A PEM refutou a preliminar de incompetência absoluta, suscitada pelo 4ºRepresentado, frisando que a Lei 9.578/97, art. 1º, introduziu no art. 10 da Lei 2.180/54 aalínea “l”, atribuindo ao Tribunal Marítimo o exercício da jurisdição sobre toda pessoaenvolvida, por qualquer forma ou motivo, em acidente ou fato da navegação.

Alerta que na defesa apresentada às fls. 1018 a 1022, tal alínea foi olvidada, quandoda reprodução do art. 10. Assim, entende descabida a preliminar.

Sobre a alegação do 4º Representado de que estaria sendo punido duas vezes naesfera administrativa pelo mesmo fato, assevera que na decisão do CREA o Representadonão foi condenado por dar causa aos eventos da navegação em tela. Ele foi condenado porilícitos administrativos previstos no art. 2º, alíneas “d” e “e” e no art. 6º, alínea “b”, daResolução nº. 205/71, do Código de Ética Profissional (CONFEA), que não se confundemcom os ilícitos administrativos apontados na sua exordial. Dessa forma, entende não haverqualquer risco de violação ao princípio do “non bis in idem”.

Quanto aos demais representados a PEM não se manifestou além do que já havia nosautos.

Os 1º e o 3º Representado (fl. 1272) não se manifestaram além do que já havia nosautos.

O 4º Representado (fls. 12271251) reitera a preliminar de incompetência absoluta doTribunal Marítimo, argumentando que a interpretação a ser dada ao art. 10, alínea “l” deveser restritiva. Segundo ele, a pessoa do representado não esteve “[...] envolvida, por qualquerforma ou motivo em acidente ou fato da navegação [...]”. Ele apenas assinou um laudotécnico que sofreria análise da autoridade naval competente, não lhe podendo ser imputadaculpa direta ou indireta pelo acidente, pois como se verificará na análise do mérito, este teriaocorrido com ou sem laudo técnico.

Reapresenta também a questão do preceito do “non bis in idem”. Reafirma que o 4ºRepresentado já foi julgado e punido administrativamente pelo CREA pelos mesmos fatos.Segundo ele, a acusação feita pela Procuradoria é clara: elaborar e/ou assinar laudo técnico

Page 23: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

23/33

com informações incorretas; a decisão do CREA foi a mesma: elaborar e/ou assinar laudotécnico contendo informações incorretas. Idênticas as situações, idênticas as causas de punir.

No Mérito, fundamentando-se no depoimento do engenheiro naval Mucio ScevolaCoelho, reafirma a tese da ausência de nexo de causalidade entre a não confecção do laudode vistoria pelo 4º Representado e o acidente, não havendo como se determinar a existênciade culpa.

Assevera que o teste previsto pela NORMAN 02 não é absolutamente determinantepara a apuração das causas do acidente. Foi um teste estático que não simulou as condiçõesde mar, vento e a distribuição dos passageiros a bordo do “TONA GALEA”e, portanto,inservível ao fim pretendido pela Procuradoria, qual seja, prova do fato concreto.

Já a análise realizada pelo “expert” do Representado usou dados climáticos,estimativa de velocidade e buscou simular o que pode ter acontecido no dia do acidente,levando em conta os componentes dinâmicos, tais como ventos e ondas prováveis e odeslocamento da embarcação e assim foi conclusiva para determinar que mesmo com 26passageiros a bordo o emborcamento teria ocorrido se apresentadas as mesmas condições denavegação enfrentadas pelo “TONA GALEA”quando do acidente.

Salientou que o principal perito da Capitania que realizou o teste do “TONAGALEA” participou diretamente da elaboração dos anexos da NORMAN, portanto, nadamais natural que defendesse o teste estático.

Conforme a certidão à fl.1273 os 2º, 5º, 6º e 7º Representados não se manifestaramem Alegações Finais.

Decide-se:De tudo que consta dos autos verifica-se que a embarcação São João, de

propriedade de Alfredo Pedro Cunha, fazia passeios turísticos em Cabo Frio, operando semproblemas na área um, área totalmente abrigada que compreende apenas o rio Itajuru (fl. 46).

Norberto Guimarães da Silveira e Ricardo Ribeiro da Silveira constituíram asociedade empresária Conchas Turismo e Passeios LTDA e adquiriram a embarcação SãoJoão. Trocaram-lhe o nome para Tona Galea e passaram a fazer passeios turísticos na áreadois, área parcialmente abrigada que compreende o canal de Itajuru e a área marítimaadjacente.

Por ter fundo chato a embarcação era instável e sob a desculpa de que seria feia,aos olhos dos turistas, e ventosa na manobra, os sócios proprietários resolveram reformá-lapara assumir a forma de proa em “V” como todas as outras embarcações da área e talvezmelhorar a estabilidade.

Page 24: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

24/33

Para tal, contrataram o carpinteiro naval Marcelo Correa de Oliveira que, semqualquer qualificação técnica-científica ou planos navais, baseando-se apenas na experiênciafamiliar, executou a obra onerosamente.

Era preciso regularizar a inscrição da embarcação.Foi então que o 2º Representado procurou alguém com trânsito e conhecimentos

burocráticos na Delegacia da Capitania dos Portos. Encontrou Hélio da Silva Erdite, sargentoda reserva da Marinha que já havia trabalhado na área por algum tempo.

O procedimento para regularizar a embarcação mudara desde 1996. Seria agoranecessário um engenheiro naval para assinar a documentação e responsabilizar-se por ela.

Helio contatou Gilson de Souza Brito, despachante que já trabalhava em talatividade com o engenheiro naval Cícero Augusto Penteado de Brito Vianna que faria oserviço por cerca R$ 850,00 (oitocentos e cinqüenta reais).

Helio, já conhecedor do procedimento, mas agora sem a devida qualificaçãoprofissional exigida pela Autoridade Marítima, foi à embarcação e efetuou as mediçõesrequeridas por Cícero.

Gilson as recebeu e encaminhou a Cícero via fax.Cícero, sem se preocupar com a origem ou a fidelidade dos dados coletados,

estimou valores, efetuou os cálculos, preencheu os modelos, assinou, indicou comotestemunhas da execução do teste de carga e lotação os dois despachantes e os remeteu devolta a Gilson que repassou a Hélio que entregou a Norberto que apresentou na Delegacia daCapitania dos Portos. Serviço prestado, inscrição regularizada!

O Tona Galea estava pronto para que a armadora o operasse nos passeiosturísticos.

Mas o Tona Galea carregava um vício oculto, pois o teste de carga e lotação,requisito essencial, não fora executado como determina a norma vigente e assim a suaestabilidade, melhorada ou não, estava comprometida, pois a real capacidade da embarcaçãoera desconhecida de todos exceto para o grupo de representados.

A embarcação passou a navegar com o vício e a sua real capacidade operacionalestava mascarada.

No dia em que houvesse a conjugação de fatores que exigissem da embarcação asua plenitude operacional, a deficiência seria desmascarada e descobertas todas as violaçõesàs normas em vigor. Esse dia foi 19 de abril de 2003. Quando a conjugação do excesso depassageiros, a manobra que deixou o mar pelo través, a rajada de vento e uma onda umpouco mais forte exigiram a plenitude operacional da embarcação. A estabilidade que ela não

Page 25: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

25/33

detinha para aquelas circunstâncias ocasionou a tragédia. Ocorreu da pior maneira possívelcom o naufrágio da embarcação e a morte de quinze pessoas.

A PEM em uniformidade de entendimento com os peritos e encarregado doinquérito representou em face de Conchas Turismo e Passageiros LTDA, NorbertoGuimarães da Silveira, Ricardo Ribeiro da Silveira, Cícero Augusto Penteado de BritoVianna, Helio da Silva Erdite, Gilson de Souza Brito e Marcelo Correa de Oliveirafundamentando-se nas fartas provas dos autos.

Em preliminar, Cícero Augusto Penteado de Brito Vianna, 4º Representado,apresentou a tese da ilegitimidade absoluta do Tribunal Marítimo para conhecer e julgar arepresentação, pois o Representado não estaria listado no rol dos jurisdicionados previstos noart. 10 da Lei 2.180/54 cuja interpretação, segundo ele, deve ser restritiva.

Apresentou também uma questão prejudicial. Alega que a condenação doRepresentado seria “non bis in idem”, pois ele já foi condenado administrativamente peloCREA.

A PEM refutou a preliminar à fl. 1222. Não assiste razão ao Representado.A Lei nº 9.578/97 inseriu no rol dos jurisdicionados todas as pessoas, físicas ou

jurídicas, envolvidas em acidentes da navegação por qualquer forma ou motivo.Como está provado nos autos o envolvimento do 4º Representado, uma vez que

produziu de forma onerosa, por sua própria vontade, o relatório que propiciou aregularização da embarcação junto à Autoridade Marítima com capacidade superior a quedeveria ter, não há porque se falar em interpretação restritiva da norma para excluí-lo do rolde jurisdicionados deste Tribunal.

Assim não deve ser acolhida esta preliminar suscitada.Melhor sorte não assiste ao Representado na questão prejudicial.É cediço que uma mesma conduta pode violar deveres jurídicos em diferentes

esferas de atuação do Estado, na cível, penal e administrativa ou na mesma esfera, como napenal nos crimes praticados em concurso formal heterogêneo, quando uma única condutaviola mais de um tipo penal.

O Representado ao produzir um documento, atestando a capacidade daembarcação Tona Galea sem conduzir efetivamente o teste que afirmava ter feito e indicandotestemunhas que afirmaram não terem participado dele, possibilitou a regularização daembarcação com um vício oculto que veio a dar causa ao naufrágio.

Page 26: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

26/33

A violação ao dever jurídico sob atribuição do CREA é de natureza ética e foijulgado pelo Conselho de Ética do CREA-RJ (fls. 1077), resultando na condenação doRepresentado.

Essa mesma conduta do representado violou deveres jurídicos na jurisdiçãocriminal e está em julgamento na Justiça Comum Federal, no Juízo de São Pedro da Aldeia.

Como já exemplificado em outro julgado, em tese, se num navio se praticadescaminho ou contrabando os seus responsáveis serão julgados pelo Tribunal Marítimo comfundamento no art. 15, alínea “f”, da Lei 2.180/54, mas haverá também outro processoadministrativo perante a Receita Federal, para a apuração de outra infração administrativa.

Portanto, o fato de existir a possibilidade de haver mais de um processoadministrativo em nada impede o Tribunal de exercer suas atribuições e não há que se falarem punição duplicada, pois são violações a deveres em esferas de competência e atribuiçõesdistintas, que não se confundem com a conduta única do representado.

Diante do exposto, rejeita-se a preliminar de ilegitimidade absoluta e a questãoprejudicial suscitadas pelo 4º Representado.

No mérito, assiste razão à PEM quanto aos 1º, 2º, 4º, 5º e 6º Representados.Segundo os peritos, a causa determinante do emborcamento foi a ocorrência de

uma onda que provocou o adernamento da embarcação e o subseqüente agrupamento depassageiros em um bordo, em número bem maior do que seria permitido, superando oslimites reais de resposta da embarcação.

O “expert” apresentado pelo 4º representado, no mesmo depoimento, afirma que“[...] A conclusão é que foi a interação do mar com o barco que o fez emborcar, a queda dospassageiros foi mera conseqüência [...]” (fl. 1204) e “[...] o acidente decorreu da interação daembarcação com o mar, vento, onda de través e oito pessoas colocadas no mesmo bordo [...]”(fl. 1205), portanto, embora aparentemente contraditório, pois os passageiros ora são causaora são conseqüência, ele identifica a mesma causa determinante dos peritos.

No caso tem-se o que a doutrina nomeia como causalidade múltipla, porém épossível se determinar, dentre elas, qual foi a causa real do resultado.

Está provado nos autos que no momento do sinistro o Tona Gálea foi atingido poruma onda de características desconhecidas. Entretanto, em outros passeios e durante atravessia para a ilha no dia do sinistro, inúmeras ondas o atingiram. Há relato de testemunha(fls. 433 a 438) que afirma ter havido onda maior do que a do momento do acidente e aembarcação não emborcou. É de se concluir que as ondas, por si só, não foram capazes deemborcar o Tona Gálea.

Page 27: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

27/33

Ocorre que a onda do momento do acidente provocou um efeito que as outras nãoprovocaram. É cristalina, diante dos depoimentos dos passageiros, (fls. 146/437/1154) quecom a onda a embarcação adernou em inclinação tal que as pessoas escorregaram para omesmo bordo, concentração que, repita-se, não ocorreu nas outras oportunidades. O mestreda embarcação, Norberto Guimarães da Silveira, 2º representado, afirmou ao depor no juízocriminal (fl. 1051) “[...] mas nunca antes acontecera de praticamente todos os passageiros seconcentrarem num dos lados da embarcação, até porque o interrogando preocupava-se emnão permitir que durante a viagem os passageiros ficassem em pé no barco [...]”.

Sabe-se do teste de carga e lotação que a concentração de mais de 26 pessoas nomesmo bordo, por si só, é capaz de levar a embarcação ao emborcamento.

Com efeito, verifica-se que a onda no momento do sinistro deu causa aconcentração dos passageiros no mesmo bordo e esta sim deu causa ao emborcamento, pois aembarcação não possui o adequado momento de endireitamento, requisito essencial para aestabilidade de qualquer embarcação.

Assim, constata-se que a onda foi uma concausa superveniente que agravou adeficiência de estabilidade da embarcação.

A defesa do 4º Representado também apresenta um elemento intrínseco daembarcação como possível causa determinante. Afirma o “expert” (fls. 1203 a 1205) dadefesa que o Tona Gálea emborcaria independentemente do número de passageiros paraaquelas condições de mar e vento em razão do seu comprimento e do período natural de jogoda embarcação. Afirma, ainda, ter conduzido simulações matemáticas que sustentariam suasafirmações. Entretanto, não apresentou no momento oportuno qualquer estudo ou simulaçãoque pudesse ser contraditado, razão pela qual não deve ser acolhida sua suposição acerca doemborcamento necessário.

Os peritos, ao contrário, embasaram suas afirmações em análises decorrentes dascurvas de estabilidade que foram juntadas aos autos e contraditadas, tanto assim que o“expert” afirma que os testes conduzidos pelos peritos não retratam as condições domomento do sinistro.

Dessa forma, assiste razão à PEM quando indica que a causa determinante donaufrágio foi a falta de estabilidade da embarcação quando carregada com os 64 passageiros.

Algumas defesas questionaram a qualidade da estabilidade, chegando a afirmaremque ela melhorou em relação à época em que a embarcação possuía fundo chato. Estãoequivocadas as defesas, pois a melhora ou não da estabilidade é irrelevante para a apuraçãode responsabilidades no caso.

Page 28: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

28/33

O dever jurídico violado é a não execução do teste de lotação e carga comodeterminado na NORMAM, que propiciou o aumento indevido da capacidade de passageirosda embarcação. Assim, todos os que sabiam da não execução do teste e levaram adocumentação adiante são co-responsáveis pela violação da norma vigente.

A defesa do 1º Representado Conchas Turismo e Passageiros LTDA, apresentou atese da exculpabilidade sob a alegação de que os fatos não ocorreram por culpa doRepresentado, mas não logrou êxito em prová-la e nem em desconstituir as existentes nosautos que comprovam a sua culpabilidade. Desta forma a sociedade empresária foi uma dasresponsáveis pelo acidente e deve ser condenada pelas condutas omissivas e comissivas deseus proprietários, conforme a promoção da PEM, considerando a agravante perda de quinzevidas.

O 2º Representado, Norberto Guimarães da Silveira, foi quem coordenou todas asações. Foi o responsável principal pela contratação da obra de transformação da chata emescuna, acompanhou sua execução, providenciou a regularização do registro e comandava aembarcação no momento do acidente.

Foi representado por suas condutas omissivas e comissivas, na qualidade de sócioproprietário e Comandante da embarcação e, apesar de ser aquaviário experiente, assumiu orisco de por a navegar uma embarcação ao arrepio das normas vigentes.

Sua defesa apresentou a tese da exculpabilidade sem, no entanto, provar suasalegações e nem desconstituir as provas e argumentos contra si carreadas aos autos.

Como marítimo experiente tinha a obrigação de saber o que representa a falta deestabilidade para uma embarcação.

Deveria ter sido diligente e acompanhado a realização do teste de lotação e cargae jamais poderia ter aceitado aquele relatório, sabendo que a embarcação nunca semovimentara para tal fim.

Sua permanente preocupação (fls. 1052) em não permitir o movimento de pessoasa bordo durante os trânsitos demonstra que tinha noção dos riscos envolvidos e, ainda assim,manobrou a embarcação, deixando-a em condições adversas em relação ao mar. Assim, deveo 2º Representado ser condenado, conforme a promoção da PEM.

Quanto ao 3º Representado, Ricardo Ribeiro da Silveira, a PEM promoveu arepresentação por entender ter sido ele negligente ao permitir a regularização da embarcação,tendo ciência da inexistência do teste prático.

Ocorre que não há provas nos autos que demonstrem, acima de qualquer dúvida,que ele conhecia, antes do acidente, a não realização do teste. O depoimento em que hámenção ao fato foi dado pelo 2º Representado (fl. 218), mas, posteriormente, em depoimento

Page 29: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

29/33

prestado no juízo criminal (fl. 1063), o 4º Representado esclareceu que o contato telefônicoentre ele e o 3º Representado para falar sobre a não realização do teste ocorreu somentedepois do sinistro, confirmando os depoimentos do 3º Representado tanto no juízo criminalquanto ao encarregado do inquérito.

Dessa forma, não assiste razão à PEM, devendo Ricardo Ribeiro da Silveira serexculpado por falta de provas.

A defesa do 4º Representado, no mérito, apresenta a tese da ausência de nexo decausalidade entre a conduta do Representado, a elaboração do laudo de vistoria, e o acidente,com a conseqüente exclusão da sua responsabilidade, fundamentando-se no depoimento doengenheiro naval Mucio Scevola Duarte Coelho.

Afirma que o teste realizado pela perícia oficial não reflete a real situação dascircunstancias do dia do sinistro e que o laudo elaborado por seu “expert” buscou simular oque pode ter acontecido no dia do acidente, levando em consideração dados de provávelocorrência.

Segundo a testemunha as simulações que realizou indicam que o Tona Galeaemborcaria independentemente do número de passageiros.

Entretanto, verifica-se que para realizar tais simulações a testemunha valeu-se dedados médios obtidos por suposições a partir de informações gerais. Considera a altura, operíodo das ondas e a intensidade do vento estimados a partir das previsões meteorológicasesperadas para o dia do acidente.

Constata-se, assim, que a simulação que a defesa tenta transparecer como próximada realidade no momento do sinistro está fundamentada em vários parâmetros estimados cujaocorrência não foi e nem pode ser comprovada diante da complexidade dos fatos. Assim, elanão deve ser acolhida como prova idônea para apurar-se a causa determinante do sinistronem para afastar as conclusões obtidas a partir da situação ideal.

A autoridade Marítima sabedora de que não é possível fazer uma norma para cadainstante, elaborou uma, seguindo referências aceitas internacionalmente pela IMO,estabelecendo parâmetros mínimos a partir de uma condição ideal perfeitamente controlada.

Assim, se os parâmetros ideais não forem atendidos, com certeza os reais tambémnão serão.

Por estas razões os requisitos estabelecidos a partir das condições ideais assumempapel relevante, pois eles estabelecerão os deveres jurídicos norteadores das condutas daspessoas envolvidas nas atividades em tela.

Portanto, a simulação elaborada pelo “expert” do 4º Representado não comprovaque o acidente ocorreu da forma que ele o apresenta.

Page 30: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

30/33

Sendo assim, não há como se comprovar a tese da exclusão do nexo decausalidade por fortuidade ou força maior.

Ao apresentar um laudo com dados incorretos e sem realizar o teste, o 4ºRepresentado mascara a real situação da estabilidade da embarcação, levando a um aumentoindevido do número de passageiros e sua conduta foi determinante no acidente, poispossibilitou o embarque de passageiros em quantidade acima da capacidade real daembarcação e assim a concentração excessiva de passageiros num mesmo bordo.

Essa conduta foi negligente porque aceitou dados essenciais, omitindo-se emverificar a capacidade de quem os obtivera e porque aceitou a avaliação anterior sem sabercomo teria sido obtida. Foi imprudente porque resultou em aumento do número depassageiros e foi dolosa porque ele sabia que o teste não fora realizado como indicado nolaudo e que não houve a presença das testemunhas ali indicadas.

Cabe ainda ressaltar que a alegação do Representado de que manteve o número depassageiros inalterado, pois não sabia que a embarcação sofrera alterações não deve seracolhida. Segundo a norma contida no Capítulo VI, Seção VIII, da NORMAN 02, o testepara determinação da lotação de passageiros e do peso máximo deve ser realizado em apenastrês circunstâncias: nas embarcações novas, antes de entrarem em tráfego; nasreclassificações; ou sempre que as embarcações sofrerem alterações que modifiquem suascaracterísticas de estabilidade.

Como a embarcação não era nova, a exigência para realização do teste só poderiaser por reclassificação ou por alteração da estabilidade. Portanto, havia uma nova situaçãoem curso.

Assim, diante dos riscos envolvidos na questão, não é aceitável que umengenheiro naval concorde realizar um teste dessa natureza sem questionar a sua motivação,principalmente porque o número de passageiros por ele mantido era o que se pretendiabuscar para a nova situação.

Desta forma está demonstrado que o 4º Representado violou o dever jurídicoestabelecido pela Autoridade Marítima, sendo um dos responsáveis pelo acidente e deve sercondenado conforme a promoção da PEM, considerando a agravante perda de quinze vidas.

A defesa do 5º Representado, Helio da Silva Erdite, apresentou a tese daexculpabilidade sob a alegação de que o Representado é da reserva remunerada da Marinha enão exerce outra atividade profissional oficialmente, que apenas foi intermediário dadocumentação elaborada e que não foi consultado para figurar como testemunha darealização do teste.

Page 31: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

31/33

É notória a grande quantidade de trabalhadores informais no país. Inclusive sãoincluídos nas avaliações das taxas de desemprego determinadas pelos institutos de pesquisa.Há quem sustente que para cada trabalhador formal exista outro informal no mercado detrabalho.

O Representado ao afirmar que recebeu R$ 35,00 para despachar os documentospara Gilson e recebê-los para dar entrada na Delegacia da Capitania dos Portos, demonstraque, na realidade, é um trabalhador que presta serviços na informalidade, contrariando aargumentação de sua defesa e confirmando o seu depoimento às fls. 208 a 213 de que aatividade que exerce não é oficial.

Os depoimentos onde as testemunhas (fls. 1175/1176) afirmam que ele não exercea atividade laborativa de despachante referem-se ao trabalho formal e não devem seracolhidas.

Quanto às medições efetuadas na embarcação para o engenheiro Cícero o próprioRepresentado confirmou que as efetuou, o que foi comprovado com os demais depoimentos.Assim é indubitável a correção da representação.

No que diz respeito à autorização para figurar como testemunha do teste nãorealizado, seus depoimentos são contraditórios. No IAFN (fl. 208 a 213) afirmou que “[...]tem conhecimento da inscrição de seu nome no relatório de verificação da lotação depassageiros e do peso máximo de carga de embarcação com AB menor que vinte, o qual nãofoi realizado, pois fora informado por Gilson por via telefônica e que “[...] para mim seriacomo se fosse uma testemunha, não participei do teste porque a meu ver o engenheiro équem deveria fazer o teste” [...]” e no juízo criminal declarou que “[...] já prestara auxílio aGilson, bem como a outros despachantes, nos quais eles diziam ao depoente que colocariamo nome deles como testemunhas dos testes práticos realizados pelo engenheiro naval, com oque o depoente concordava mesmo sem ter presenciado a realização daqueles testes; que,todavia tem certeza que no caso do Tona Galea, Gilson não o consultou nem comunicou quefaria seu nome figurar como testemunha do teste prático [...]”.

Ademais, o 6º Representado confirmou (fl. 1060/1061) que Helio era plenoconhecedor da inclusão de seu nome como testemunha no teste e que o fizera por telefonedepois de falar com Cícero. Verifica-se no depoimento de Cícero (fl. 1063) que a resposta deGilson sobre a inclusão dos nomes dos despachantes como testemunhas não foi dada deimediato e sim posteriormente.

Diante do exposto, está comprovado o envolvimento do Representado naprodução do laudo que proporcionou a regularização da embarcação junto à Autoridade

Page 32: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

32/33

Marítima, devendo ser julgada procedente a representação para condenar Helio da SilvaHerdite.

A defesa do 6º Representado Gilson de Souza Brito, alega que a acusaçãofundamenta-se em declarações prestadas pelo Representado sem assistência de Advogado,em ambiente de Organização Militar, que naturalmente inibe o depoente de instruçãoprimária.

Entretanto, em juízo, com a presença de Advogado, de Promotor de Justiça e deum Magistrado a oitiva do Representado não possui diferenças significativas que possamdescaracterizar o depoimento prestado ao encarregado do inquérito ou macular a promoçãoda PEM (fls. 1060/ 1061), portanto, não procede tal alegação.

Ademais a defesa não deu conta de provar que o Representado não sabia darealização do teste prático e da inclusão de seu nome como testemunha na sua realização,uma vez que o próprio explicitou sua participação nos depoimentos que prestou, inclusivecom participação em outros testes do mesmo teor. Também não conseguiu afastar as provasexistentes nos autos que demonstram o envolvimento do Representado no acidente.

Desta forma, está comprovada a culpabilidade do Representado, na modalidadenegligência, como promovido pela PEM.

O 7º Representado, Marcelo Correa de Oliveira, realizou a reforma daembarcação segundo seus conhecimentos artesanais obtidos na prática familiar, semqualquer embasamento técnico. Porém, segundo os peritos, a embarcação pode operar comsegurança desde que seja observada a lotação máxima de 26 pessoas e a área de operaçãocorreta.

Como a conduta do representado não guarda qualquer liame com aumentoexcessivo da lotação de passageiros, ela não possui nexo de causalidade com o acidente nemcom o fato da navegação descritos na promoção da PEM, razão pela qual deve serexculpado.

Diante do exposto, deve ser julgada parcialmente procedente a representação, paracondenar a sociedade empresária Conchas Turismo e Passeios Ltda, Norberto Guimarães daSilveira, Cícero Augusto Penteado de Brito Viana, Helio da Silva Herdite e Gilson de SouzaBrito, diante de suas condutas culposas e exculpar Ricardo Ribeiro da Silveira porinsuficiência de provas e Marcelo Correa de Oliveira por negativa de autoria.

Assim,A C O R D A M os Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimidade: a) quanto à

natureza e extensão do acidente e fato da navegação: naufrágio da embarcação “TONA

Page 33: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

33/33

GALEA” ocorrido nas proximidades da Ilha dos Papagaios, Cabo Frio, RJ, quandotransportava sessenta e dois (62) turistas e dois (02) tripulantes, no roteiro turístico local deduas horas, provocando a morte de quinze (15) pessoas, sem danos ambientais; b) quanto àcausa determinante: falta de estabilidade da embarcação quando carregada com sessenta equatro passageiros, admitidos em decorrência da não realização do teste de lotação e cargacomo previsto na NORMAN 02; e c) decisão: Rejeitar a preliminar e a questão prejudicialsuscitadas por Cícero Augusto Penteado de Brito Vianna. Julgar o acidente e o fato danavegação, capitulados no art. 14, alíneas “a” e “b” e art. 15, alínea “e”, ambos da Lei nº.2.180/54, como decorrentes de imprudência, imperícia e negligência do 1º, 2º, 4º, 5º e 6ºRepresentados, condenando: a sociedade empresária Conchas Turismo e Passeios Ltda. àpena de multa no valor máximo previsto no art. 121, VII e § 5º, combinado com o máximoprevisto no art. 124 §1º e com o máximo previsto art. 127 §2º, da Lei 2.180/54; CíceroAugusto Penteado de Brito Vianna à pena de multa no valor máximo previsto no art. 121,VII e § 5º, combinado com o máximo previsto no art. 127 §2º, da Lei 2.180/54; NorbertoGuimarães da Silveira à pena de multa no valor máximo previsto no art. 121, VII e § 5º,deixando de aplicar os art. 124 § 1º e art. 127 § 2º em razão da atenuante prevista no art. 139,I; Helio da Silva Herdite e Gilson de Souza Brito à pena de multa no valor máximo previstono art. 121, VII e § 5º para cada um, deixando de aplicar o art. 127 §2º em razão de suashipossuficiência econômica. Custas na forma da lei para Conchas Turismo e Passeios Ltda. eCícero Augusto Penteado de Brito Vianna proporção de metade para cada um. ExculparRicardo Ribeiro da Silveira por falta de provas e Marcelo Correa de Oliveira por negativa deautoria.

Publique-se. Comunique-se. Registre-se.Rio de Janeiro, RJ, em 19 de agosto de 2008.

SERGIO BEZERRA DE MATOSJuiz-Relator

LUIZ AUGUSTO CORREIAVice-Almirante (RM1)

Juiz-PresidenteDINÉIA DA SILVA

Page 34: WM/SBM PROCESSO Nº 20.510/03 ACÓRDÃO Embarcação …...bem no teste de mar realizado; que antes da reforma o “TONA GALEA” era conhecido como “barco ventoso”, pois precisava

(Continuação do acórdão referente ao processo nº 20.510/03.................................................)=================================================================

34/33

Diretora da Divisão JudiciáriaAUTENTICADO DIGITALMENTE