wirth oswald - o livro do aprendiz (portugués)
TRANSCRIPT
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
Oswald Wirth
A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus
Adeptos
Sua Filosofia, seu Objetivo, seus Mtodos, seus Meios
IO Aprendiz
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
...A Franco-Maonaria chamada a refazer o mundo.
A tarefa no est acima de suas foras, desde que ela se torne
aquilo que deve ser.
O. W.
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
... A Franco-Maonaria visa a formar Iniciados, ou seja, homens
na mais alta concepo da palavra.
O Maom deve, pois, operar sobre si mesmo uma transmutao
semelhante quela dos alquimistas...
O. W.
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
O Livro do Aprendiz
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
ndice da Matria
Prefcio
Aos Novos Iniciados
Questes Ritualsticas a Propor aos Irmos
Visitantes
Resumo Filosfico sobre a Histria Geral da
Franco-Maonaria
Consideraes Preliminares
As Origens Manicas
A Arte Sagrada
Primeiros Dados Histricos
O Cristianismo
As Ordens Monsticas
A Maonaria Franca
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
As Confraternidades de So Joo
Canonizaes Equvocas
Os Stiros contra a Igreja
A Alquimia
A Decadncia das Corporaes
A Cabala
Os Rosa-Cruzes
A Franco-Maonaria Moderna
Elias Ashmole
A Primeira Grande Loja
O Livro das Constituies
Os Princpios Fundamentais da Franco-Maonaria
Extenso Rpida da Franco-Maonaria
A Maonaria Anglo-Saxnica
O Incio da Maonaria na Frana
O Trabalho Manico segundo a Concepo Inglesa
A Igualdade
Os Primeiros Gros-Mestres
Constituio de uma Autoridade Central
Os Mestres Escoceses
O Perodo Crtico
A Maonaria Inicitica
Os Substitutos do Gro-Mestre
A Autonomia Ilimitada das Lojas
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
O Grande Oriente da Frana
A Grande Loja de Clermont
A Franco-Maonaria antes da Revoluo
Claude de Saint-Martin
Mesmer
Cagliostro
A Maonaria de Adoo
A Iniciao de Voltaire
A Igreja e a Franco-Maonaria
Suspenso dos Trabalhos Manicos
O Rito Escocs
A Maonaria Imperial
A Restaurao
O Reino de Lus Filipe
A Grande Loja Nacional de Frana
Reviso Constitucional
Deus e a Imortalidade da Alma
O Prncipe Lucien Murat
A Marechal Magnan
O General Mellinet
A Terceira Repblica
O Convento de Lausanne
O Grande Arquiteto do Universo
A Grande Loja Simblica Escocesa
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
A Encclica Humanum Genus
Reviso dos Rituais
Congressos Manicos Internacionais
A Grande Loja de Frana
O Amanh da Franco-Maonaria
A Iniciao Manica
Os Trs Graus
Os Metais
A Cmara de Reflexes
O Sal e o Enxofre
O Testamento
Preparao do Recipiendrio
A Porta do Templo
Primeira Viagem
Segunda Viagem
Terceira Viagem
O Clice da Amargura
A Beneficncia
A Luz
O Avental
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
As Luvas
Restituio dos Metais
Concepes Filosficas Relacionadas
Ritualstica do Grau de Aprendiz
As Tradies
A Regenerao
A Gnese Individual
As Provas
Deveres do Aprendiz Maom
Deveres Gerais do Iniciado
Discrio Manica
Segredo
Tolerncia
Procura da Verdade
Realizao
Fraternidade Inicitica
Respeito Lei
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
Catecismo Interpretativo do Grau de
Aprendiz
Primeiros Elementos de Filosofia IniciticaOs Mistrios
O Esoterismo
Os Nmeros
A Unidade
O Binrio
O Ternrio
O Quaternrio
O Templo
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
Prefcio
Far-me-o justia cinqenta anos depois de minha morte.
Freqentemente, em seus momentos de afetuoso abandono,
Oswald Wirth repetia-me esta frase. Ele morreu a 9 de maro de 1943, h
menos de vinte anos, e a justia j lhe foi feita. Havia ela, alis, cessado
de ser-lhe rendida? Seguramente, os jovens Franco-Maons no o haviam
conhecido, e seu nome era aureolado como uma espcie de lenda. A
maior parte de suas obras estavam fora do comrcio e eram vendidas a
preos muito elevados aos raros adquirentes que a Fortuna havia
favorecido com seus dons. Falava-se dele de como uma sorte de santo da
Franco-Maonaria e, assim como acontece com os santos, a hagiografia
esmorecia seus traos e seu pensamento sob o vu piedoso da fbula que
ele no admitiu durante a vida, ele, que era a prpria simplicidade.
Destruindo-se as lendas, o homem no ser menor, ao mesmo
tempo em que mais prximo de ns. Este ano de 1962 que vai ver a
reedio de todos os seus livros inencontrveis pode marcar uma
espcie de renovao da Franco-Maonaria autntica. No foram
precisos, pois, seno vinte anos e no cinqenta para que o nome e
a obra de Oswald Wirth voltasse a ser familiar aos jovens que obedecem
ao apelo da vocao inicitica. Esta, da qual ele dizia em um de seus mais
belos pensamentos e dos melhores expressos:
A vocao inicitica encontra-se entre esses vagabundos
espirituais que erram na noite, depois de haverem desertado de sua
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
escola ou de sua igreja, na falta de a encontrarem sua Verdadeira
Luz1.
*
* *
Sob um invlucro carnal nico, existiram muitas expresses do
esprito de Oswald Wirth: Wirth ocultista, Wirth magnetizador, Wirth
astrlogo, Wirth hermetista, Wirth tarlogo.
Por ocasio da reedio de livros tratando dessas diversas
expresses, quis o destino que eu fosse chamado a reconstituir meu velho
Mestre em suas forma e esprito exatos. Sem a menor fabulao, muito
simplesmente, apoiando meus escritos sobre documentos que ele me
legou2.
, pois, normal que, hoje, eu no vos fale exclusivamente seno
que do Oswald Wirth Franco-Maom. Do Franco-Maom que ele foi e
com que f durante quase sessenta anos inteiramente consagrados
Ordem.
Sob meus dedos, comprimem-se velhas cartas, velhas pranchas de
convocao, velhos diplomas, velhas condecoraes. Sobretudo, releio as
linhas que ele me ditava, quando, a cada ano, ns nos encontrvamos
durante muitos meses de vero, quando a noite caia sobre a paisagem,
cuja calma e o silncio eram propcios s confisses e s evocaes.
1 Oswald Wirth, Ls Mystres de lArt Royal, Ed. Dervy.2 Le Tarot des Imagiers du Moyen Age, Tchou. La Franc-Maonnerie rendue
intelligible ss adeptes (trs volumes: Apprenti, Compagnon, Matre), Ed. Dervy.
Convm a acrescentar a reedio dos Essais de Sciences maudites, de Satanislas de
Guaita, Ed. Circle du Livre Precieux, do qual uma longa introduo estuda a vida de
Oswald Wirth, quando secretrio e amigo de Stanislas de Guaita.
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
Tanto quanto possvel, nesta primeira parte, no quero ser seno o
eco de suas palavras. Escutemo-lo3...
*
* *
... 1879! Alguns anos se passaram...Eu estava na Inglaterra, onde
minhas distraes dominicais consistiam principalmente na atenta
audio dos pregadores do exrcito da salvao. Mas esta ocupao, por
edificante que ela seja, no tarda a se mostrar bastante montona. Por
isso, com satisfao que descubro como que por acaso os livros
de Mazaroz4. Este, de sua profisso de fabricante de mveis em Paris,
era um escritor meridional, mas suas idias bizarras no deixaram de me
seduzir. H, notadamente, um tratado de Franco-Maonaria muito
interessante. Para Mazaroz, a sociedade deve ser organizada base de
corporaes, administrada por um governo corporativo. Em uma tal
sociedade, a Franco-Maonaria deve ser o elemento conciliador, aquele
que estabelece e mantm a paz em virtude dos trs pontos. Essas leituras
3 O leitor compreender que essas linhas no foram escritas por Oswald Wirth, mas
provm de notas que tomei sob seu ditado. Elas so o reflexo to preciso quanto possvel
de seu pensamento, e mesmo de sua linguagem.4 J.-P. Mazaroz. Mestre-marceneiro, foi um autor muito prolfico no gnero socialista-
desta tal como se entendia a palavra socialista no fim do sculo XIX. Todas as
suas obras so escritas partindo de um maonismo tal como Wirth deveria realar e
exprimir alguns anos mais tarde. Mas aqueles que tiveram maior influncia sobre Wirth
foram os seguintes, definitivamente cados no esquecimento: Franc-Maonnerie,
religion sociale, Le Socialisme Maonnique, LEtat social dmocratique des paroles du
Christ, La Franc-Maonnerie, Le Socialisme Maonnique, Ls Sept Lumires
Maonniques. De notar tambm La Science magntique que, talvez, haja influenciado a
carreira de magnetizador de Wirth.
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
se acumularam no fundo de meu esprito, de onde ressurgiram um dia,
muito vivas. ainda em Londres que encontro Silbermann, preparador
no Collge de France, mas cujas concepes, inteiramente especiais, so
para mim o exemplo do pensamento independente, daquilo que eu
chamaria mais tarde de o despojamento dos metais... Estamos ento
em 1879, e eu assisto aos comeos da teosofia. Depois, volto Paris, a
fim de retomar o caminho da Sua antes de meu servio militar. Revejo
Silbermann. Fico sabendo que ele Maom e, pela primeira vez, coloco-
lhe uma dessas questes que, desde h muito tempo, sem dvida,
inconscientemente, desde que ultrapassei a idade do pensamento
independente, comprimiam-se diante de meu esprito crtico: A
Franco-Maonaria poltica? Jamais me esqueci da resposta que me
deu Silbermann: No, a Franco-Maonaria no poltica. Mas, tente
distinguir seus aspectos particulares, porque ela que ser adivinhada.
Pode existir uma Franco-Maonaria azul, vermelha, negra ou branca,
isso no muda em nada o negcio, porque, mesmo os fitas brancas, se
eles no viveram a Maonaria, nada sabem de seus mistrios. No existe
para voc, se est curioso de seus mistrios, seno uma nica soluo:
pea sua admisso.
Em 13 de novembro de 1882, em Chlons-sur-Marne, fiz minha
entrada no 106 Regimento de Infantaria. Entediei-me. Entediei-me
terrivelmente naquele meio de onde todo intelectualismo parecia banido.
Penso em Silbermann. Para fugir ao tdio, no tenho seno uma soluo:
tornar-me Franco-Maom.
A Loja situa-se na Rua Grande-tape. Ela funciona dizem-me
sob a direo de um Senhor Piet. Vou v-lo, encho-o de perguntas...
Redija seu pedido, responde-me ele, eu o transmitirei. Mas, se
voc vem a ns por esprito de curiosidade ou de informao, ou de
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
alguma coisa que, de ordinrio, varia, ficar decepcionado. No existe l
nada de maldoso, e ns somos, essencialmente, uma associao
filantrpica.
Meu primeiro entrevistador um honesto quitandeiro de
Chlons-sur-Marne que me aconselha, primeiro, a ser paciente. O
segundo, muito srio, um oficial de meu regimento.
Sbado, 26 de janeiro de 1884, sou admitido no seio da
fraternidade manica pela Loja La Bienfaisance Chlonnaise,
devendo obedincia ao Grande Oriente de Frana. Uma de minhas
primeiras surpresas a de ver nas Colunas meu prprio Capito, do qual
que eu ignorava esta qualidade, que deveria me torn-lo to caro.
Por pobre que parecesse a Loja de Chlons, devo-lhe, todavia,
grandes alegrias intelectuais. Como freqentemente o caso na
provncia, os Irmos, pouco numerosos, objetos de crtica, so quase
constrangidos a se isolarem e encontrarem neles mesmos os princpios
da verdadeira Maonaria. Foi assim que pude instruir-me perto de um
velho Maom, antigo cozinheiro autodidata, em trs quartos feiticeiro e
enamorado do ocultismo, junto ao qual aprendi muitas coisas que jamais
supusera at ento.
Perto do final de 1884, a Loja d-se um novo Venervel, Maurice
Bloch, israelita comerciante de carvo, e que, por amor-prprio
Manico, dedica-se a que sua Oficina retome um vigor que at ento lhe
faltara. Ele trunfa em todos os planos. Com ele, comeo a visitar as
Lojas da regio, instruindo-me, assim, na diversidade de homens e de
pensamentos no interior do meio Manico.
Em 1885, o Grande Oriente envia uma circular s Lojas,
pedindo-lhes para estudar modificaes que convinha aportar aos
rituais, julgados muito antigos. Sou ento Secretrio da Loja e,
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
encarregado do relatrio, concluo, para espanto quase geral, pela
manuteno dos velhos rituais, com apenas algumas raras modificaes
de detalhe exigidas pela diferena das pocas.
Em 1886, meu servio militar concludo, vou a Paris, onde sou
afiliado Loja Les Amis Triunfants. Continuo minha propaganda pela
manuteno dos antigos rituais, o que provoca o descontentamento dos
pontfices da poca. Sou bem advertido: Voc perde seu tempo. Ter
todo mundo contra si, os clericais e os Franco-Maons.
Deixo, pois, Les Amis Triunfants e dirijo-me, ento, Grande
Loja Simblica Escocesa, onde, aps uma curta passagem pela Loja
Les Philanthropes Reunis, inscrevo-me na Loja Travail et vrais amis
fidles, obediente, mais tarde, Grande Loja de Frana, e que deveria
permanecer minha Oficina de Eleio.
*
* *
nesta poca que se produz o evento que vai, to profundamente,
influenciar a vida de Oswald Wirth, que com isso permanecer marcada
at o fim de seus dias. Ele encontra Stanislas de Guaita, o mestre
inconteste da jovem escola ocultista do final do sculo XIX.
Primeiramente, este manifesta prevenes quase inatas contra a Franco-
Maonaria. Prevenes, alis, naturais, se considerarmos o meio social de
onde saiu Stanislas de Guaita, assim como sua formao intelectual.
...Eu lhe felicito muito amavelmente pelo sucesso que voc
obteve, especialmente como Mestre de uma Igreja que to inconsciente,
neste momento, de seus smbolos, quanto o catolicismo dos seus ritos.
Quanto bem voc poder fazer, iniciado como , na inteligncia esotrica
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
dos emblemas adoniramitas! a vida retornando a um cadver; no
preciso dissimul-lo; tambm a alma que preciso devolver ao Bruto
Positivismo; porque quem perdeu o sentido da moralidade verdadeira
est condenado a perder o cetro da inteligncia cientfica. O Esprito no
faz aliana com o Corpo material seno que em favor da alma, que um
misto. Voc suficientemente cabalista para compreender-me5...
Contudo, a inteligncia de Guaita no pode recusar-se, com sua
lealdade habitual, a explorar os domnios que Wirth acaba de lhe abrir...
... Eu lhe emprestarei, se isso lhe agradar, obras decisivas da
verdadeira e primitiva Maonaria, aquele que quase se confunde, para o
investigador contemporneo, com as Sociedades R+C e de filsofos
desconhecidos6...
Pouco a pouco, Guaita abandona suas prevenes. Ele reconhece
que a Maonaria, tal como a concebe e apresenta Oswald Wirth, est
longe de ser um instrumento desprezvel no rude trabalho de formao
real dos homens.
...Defendendo o simbolismo, que a base real da Maonaria,
voc realiza uma obra to louvvel quanto corajosa, e duplamente digna
de um discpulo de Hermes: primeiro, restituindo aos seus Irmos o fio
de Ariadne que eles haviam perdido, e graas ao qual os iniciveis
podero entrar algum dia na santa luz do Escocismo integral; segundo,
poupando, ao menos, uma blasfmia estpida e ilgica queles que, no
possudo o que preciso para percorrer o caminho que voc fornece,
so, em todo caso, mantidos pelo simbolismo (que permanece, para eles,
letra morta) na lgica e na afirmao verbal do espiritualismo
5 Carta de Guaita a Wirth (agosto de 1887).6 Carta de Guaita a Wirth (1888).
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
transcendente que o Princpio e a razo de ser de toda associao
manica7...
No mesmo momento, Oswald Wirth publica seu primeiro
Manual, o que lhe vale a seguinte apreciao que prova a que ponto
Stanislas de Guaita pde discernir a verdadeira Maonaria por trs das
aparncias muito humanas sob as quais ela est, to freqentemente,
velada por todos aqueles que confundem o profano e o sagrado, ou
mesmo, mais simplesmente, que ignoram o sagrado...
Seu Manual, meu caro amigo, ao mesmo tempo agradvel de
ler, muito instrutivo e bem pensado... Eis um dos muito raros livros
manicos que li com justificado prazer, e que me deixaram alguma
coisa no esprito8...
*
* *
Qual era, pois, a origem desse Manual, primeiro esboo da trilogia
que deveria se tornar a obra mestra de Oswald Wirth no plano manico,
sob o ttulo geral de La Franc-Maonnerie Rendue Intelligible ses
Adeptes?
-me fcil traar-lhe brevemente o nascimento e a evoluo,
graas s numerosas notas, manuscritos e documentos diversos que me
foram legados por Oswald Wirth.
Assim como eu disse mais acima, desde as semanas que se
seguiram sua iniciao, ele compreendeu que os rituais ento em vigor
no correspondiam mais a nada de autenticamente inicitico. Sob o
pretexto de uma depurao de base cientista, eles foram despojados
7 Carta de Guaita a Wirth (novembro de 1888).8 Carta de Guaita a Wirth (dezembro de 1894).
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
daquilo que constitua sua prpria essncia e razo de ser. Em dezembro
de 1885, o Grande Oriente de Frana enviou a todas a Lojas, a
compreendida aquela de Chilons, uma circular, convidando-as a
apresentar suas sugestes para modificaes a serem feitas nos rituais,
julgados muito antigos. E Wirth, j secretrio de sua Loja, redigiu um
relatrio em sentido exatamente inverso. Convinha que fossem mantidos
os antigos rituais, bastando para a se aportarem algumas simplificaes,
tendo por objetivo desembara-los de toda verbosidade grandiloqente
prpria de quase todo sculo XIX. No se tratava, de modo algum, de
fazer novos, como pedia o Conselho da Ordem, mas de retornar s mais
antigas tradies iniciticas em sua totalidade e em sua integralidade.
Vou deix-los pensar sobre o efeito produzido por um tal
relatrio, que a Loja de Wirth fez imprimir e, depois, difundiu
abundantemente. Seguramente, a idia foi lanada, mas ela ainda no
adquirira o direito de citao no meio manico.
Chamado a Paris, Wirth prosseguiu seu trabalho no seio e graas
ao apoio de sua nova Loja Travail et vrais amis fidles. Ele prepara um
ritual que, depois de usado, adotado, impresso s custas da Oficina e
colocado venda, disposio de todas as Lojas que o desejassem9.
Acontecimento surpreendente, e que deu no que pensar, com a Loja
suportando os custos! Existem, pois, Franco-Maons que interessam
Franco-Maonaria?
Forte nesta experincia, Wirth cria o grupo de estudos iniciticos.
Pela circular datada de 13 de fevereiro de 1893, a Grande Loja
Simblica Escocesa concede seu apoio moral ao Ritual Interpretativo
9 Ritual Interpretativo para o Grau de Aprendiz, um livrinho 16x24. Redigido para uso
das Lojas Simblicas de todos os Ritos e de todas as Obedincias pelo Grupo Manico
de Estudos Iniciticos.
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
do Grau de Aprendiz e recomenda-lhe o estudo em todas as suas
Oficinas10.
deste esboo que sai, em 1894, a primeira edio do Livre de
lApprenti. Uma segunda edio revista e aumentada foi publicada pela
Loja Travail e Vrais Amis Fidles em 1908. Depois as edies se
sucederam, todas rapidamente esgotadas, at oitava, em 1931.
*
* *
Poucos jovens Maons conhecem a obra de Oswald Wirth.
Muitos, dentre os antigos que ainda vivem, tiveram suas bibliotecas
pilhadas, saqueadas, durante os anos 1940/44. Quase todas as Lojas
perderam seus arquivos. Mas a nostalgia do esprito wirthiano permanece.
Quais so, pois, as caractersticas deste esprito que, aps tantos
anos, impregna ainda a Maonaria francesa, e torna-a to diferente das
Maonarias estrangeiras?
Para Oswald Wirth, a Maonaria um organismo vivo. Assim
concebida, ela tem um corpo e uma alma. Ningum compreender Wirth,
se no compreender a diferena que este faz sempre entre a Maonaria e o
Maonismo. Em toda a primeira carta que ele me escreveu, ele comeou
por colocar-me, imediatamente, em face desse problema fundamental:
...Distingamos entre Maonismo e Maonaria. Esta uma
associao de homens que corporificam o Maonismo. Este uma
concepo, uma espiritualidade que desafia toda crtica.
10 Possuo os balastres das reunies do Grupo Manico de Estudos Iniciticos. Eles
poderiam ocasionar estudos muito curiosos, mas que no tm lugar naquilo que deve ser,
simplesmente, uma introduo.
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
O Maonismo, ao qual os Maons no-instrudos viram s vezes
as costas, visa felicidade do gnero humano, realizada pelo
aperfeioamento dos indivduos. (Talhe da Pedra Bruta, base da
construo do Templo)...
Ocorreu a falncia do regime das Grandes Lojas inaugurado em
1717, j que ele resultou na desinteligncia e no desacordo entre Maons
de ritos opostos.
Mas o Maonismo sair de seu corpo atual, para tentar uma
outra encarnao que no ser a ltima, porque tudo se corrompe para
dar nascimento ao Filho da Putrefao.
H uma Maonaria exterior, pela qual ns somos responsveis e
que devemos abandonar aos seus destinados; mas pertence-nos cultivar,
no interior de ns mesmos, o Maonismo puro. Quanto s butiques
manicas rivais, elas causam piedade. preciso nos elevar acima delas,
para conceber o vasto plano do verdadeiro Templo. Espiritualizemo-nos,
e tudo se esclarecer11...
*
* *
Trinta e trs anos se passaram. Oswald Wirth est morto h quase
vinte. Eu mesmo estou no umbral da velhice. Mas jamais a cadeia foi
rompida. Crescem as geraes de jovens Franco-Maons que,
decepcionados como ns todos ficamos com a aparncia da Franco-
Maonaria, reencontraram, graas a ele, o Maonismo autntico, esprito
sempre vivo da Ordem eterna.
11 Carta de Oswald Wirth a Marius Lepage (26 de fevereiro de 1926).
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
Laval, 13 de maro de 1962.
Marius LEPAGE.
Da criao do homem por ele mesmo nasce o homem
aperfeioado, o Filho do Homem.
O. W.
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
O Aprendiz Maom
O Aprendiz diante da Pedra Bruta que ele deve desbastar com a
ajuda do malho e do cinzel.
O Livro do Aprendiz
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
Aos Novos Iniciados
(Prefcio edio de 1931)
Queridos Irmos,
Em vos iniciando em seus mistrios, a Franco-Maonaria
convida-vos a tornar-vos homens de elite, sbios ou pensadores elevados
acima da massa dos seres que no pensam.
No pensar consentir em ser dominado, conduzido, dirigido e
tratado, muitas vezes, como animal de carga.
por suas faculdades intelectuais que o homem se distingue do
bruto. O pensamento torna-o livre: ele lhe d o imprio do mundo.
Pensar reinar.
Mas o pensador foi sempre uma exceo. Outrora, o homem tinha
a possibilidade de entregar-se ao recolhimento, perdendo-se no sonho;
em nossos dias, ele cai no excesso contrrio. A luta pela vida absorve-o,
a ponto de no lhe restar tempo algum para meditar com calma e
cultivar a Arte suprema do Pensamento.
Ora, esta Arte, chamada a Grande Arte, a Arte Real ou a Arte
por excelncia, pertence Franco-Maonaria faz-la reviver entre
ns.
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
A intelectualidade moderna no pode continuar a se debater entre
dois ensinamentos que excluem um e outro o pensamento: entre as
igrejas baseadas na f cega e as escolas que decretam os dogmas de
nossas novas crenas cientficas.
Quanto ento tudo conspira para poupar aos nossos
contemporneos o trabalho de pensar, indispensvel que uma
instituio poderosa reanime a tocha das tradies esquecidas. So-nos
necessrios pensadores, e no nosso ensino universitrio que os forma.
O pensador no o homem que sabe muito. Ele no tem a
memria sobrecarregada de lembranas amontoadas. um esprito livre
que no tem necessidade de catequizar nem de doutrinar.
O pensador faz-se a si mesmo: ele filho de suas obras. A
Franco-Maonaria sabe-o, ela tambm evita inculcar dogmas.
Contrariamente a todas as igrejas, ela no se pretende na posse da
Verdade. Em Maonaria, limitamo-nos a estar em guarda contra o erro, a
seguir, exorta-se cada um a procurar o Verdadeiro, o Justo e o Belo.
Franco-Maonaria repugnam as frases e as frmulas das quais
os espritos vulgares se apoderam, para ataviarem-se de todos os
ouropis de um falso saber. Ela quer obrigar seus adeptos a pensar e no
prope, em conseqncia, seu ensinamento, seno velado sob alegorias e
smbolos. Ela convida assim a refletir, a fim de que se nos apliquemos a
compreender e adivinhar.
Esforai-vos, pois, queridos Irmos, por mostrar-vos adivinhos,
no sentido mais elevado da palavra. Vs no conhecereis, em Maonaria,
seno aquilo que houverdes descoberto vs mesmos.
Rigorosamente, deveria ser suprfluo dizer-vos mais. Todavia,
dadas as disposies to pouco meditativas de nossos tempos, Maons
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
experientes acreditaram dever vir em auxlio do pensador comum do
esprito atual.
Eles, ento, empreenderam tornar A FRANCO-MAONARIA
INTELIGVEL AOS SEUS ADEPTOS. Depois de j haverem publicado
um Ritual Interpretativo para o Grau de Aprendiz, eles fizeram aparecer
o presente Manual, seguido do LIVRO DO COMPANHEIRO e do LIVRO
DO MESTRE.
Sua tarefa ingrata, mas eles contam com o apoio e o concurso
de todos aqueles que sentem a necessidade de uma regenerao
inicitica da Franco-Maonaria. Mostrar-se-o profundamente
reconhecidos pelos conselhos e esclarecimentos que se fizerem chegar
Loja TRABALHO E VERDADEIROS AMIGOS FIIS.
Oswald WIRTH.
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
Questes Ritualsticas a Propor aos Irmos
Visitantes
Quando um Maom se apresenta para tomar parte nos trabalhos de
uma Loja, ele no obtm a entrada no Templo seno aps haver sido
trolhado pelo Irmo Cobridor.
Entrando, ele executa a marcha e as saudaes de costume, depois
permanece de p e ordem entre as duas colunas at que seja convidado a
tomar lugar.
Nesse momento, o Venervel Mestre poder colocar ao Irmo
visitante as seguintes questes, s quais ele dever saber responder:
Meu Irmo, de onde vindes?
Da LSo Joo, Ven Mest.
Que se faz na L So Joo?
Elevam-se templos virtude e cavam-se masmorras aos
vcios.
Que trazeis?
Sade, prosperidade e boa acolhida a todos os irmos.
Que vindes fazer aqui?
Vencer minhas paixes, submeter minha vontade aos meus
deveres e fazer novos progressos na Maonaria.
Tomai lugar, meu Irmo, e sede bem-vindo ao seio desta
oficina que recebe com gratido o concurso de vossas luzes.
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
Os autores que tm estudado a Franco-Maonaria em seu
esoterismo, ou seja, em seu ensinamento oculto, muito tm insistido sobre
a importncia da pergunta: De onde vindes?
Ela deve ser tomada pelo pensador no sentido mais elevado e
conduzir assim ao problema da origem das coisas.
O Aprendiz deve procurar de onde viemos, assim como o
Companheiro dever perguntar-se aquilo que somos, e o Mestre, para
onde vamos.
Essas trs questes formulam o eterno enigma que toda cincia e
toda filosofia tratam continuamente de solucionar. Nossos esforos no
podem chegar seno a solues provisrias destinadas a apaziguar
momentaneamente nossa sede de curiosidade. Mas logo compreendemos
a inutilidade das respostas com as quais nos contentamos, e procuramos
sempre, sem acalentar jamais a iluso de acreditar que encontramos.
Semelhante ao lendrio judeu errante, o esprito humano
prossegue sempre. Mas quando os homens se agrupam entre si, seu
vnculo social decorre essencialmente das idias que eles se fazem do
passado, do presente e do amanh das coisas.
Existe, pois, obrigao, para o pensador, de esclarecer desse
ponto de vista aos seus contemporneos. Como dipo, ele deve saber
responder s interrogaes da Esfinge, a menos que, a exemplo de
Hercules, ele saiba enganar a fome de Crbero, lanando com seus
prprios punhos a terra do solo na tripla garganta do guardio dos
infernos.
A pergunta De onde vindes? no tem unicamente um alcance
filosfico: o Ritual a ela responde, reportando-nos histria da Franco-
Maonaria. Nossa instituio deriva, com efeito, das confraternidades de
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So Joo, ttulo que traziam, na Idade Mdia, as corporaes construtivas
s quais devemos todas as obras-de-arte da arquitetura ogival.
Tem-se, alm disso, desejado ver em So Joo o Janus dos
latinos. Esse deus de dupla face simbolizava o princpio permanente, para
quem passado e futuro no fazem seno um. Sua imagem deve levar os
Maons a olhar para trs ao mesmo tempo em que para frente; porque,
para preparar para a humanidade os caminhos do progresso, preciso
levar em conta as lies da histria.
Janus, segundo uma medalha antiga. O crescente lunar que domina a dupla face
aproxima o deus latino do Hermes grego. Trata-se da influncia formadora que se inspira
na tradio (hereditariedade) para engendrar aquilo que deve nascer.
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Resumo Filosfico sobre a Histria Geral da
Franco-Maonaria
Consideraes Preliminares
Certas idias so suscetveis de exercer uma poderosa atrao
sobre os indivduos isolados. Elas agrupam-se e tornam-se, assim, o piv
intelectual de uma associao.
Mas esta no saberia ser constituda pelo nico fato de um
agrupamento desprovido de toda estabilidade e de toda coeso. Para
transformar uma aglomerao de individualidades dspares em um todo
permanente, a interveno de uma lei orgnica instituindo a vida coletiva
indispensvel.
Em toda associao preciso, pois, distinguir a idia e a forma.
A idia ou o esprito age como gerador abstrato: o pai da
coletividade da qual a me est representada pelo princpio plstico que
lhe d sua forma.
Esses dois elementos de gerao e de organizao esto
representados em Maonaria por duas colunas, das quais a primeira
(masculina-ativa) faz aluso quilo que estabelece e funda, enquanto a
segunda (feminina-passiva) se relaciona quilo que consolida e mantm.
O historiador, se ele for esclarecido pelas luzes da filosofia,
no pode fazer abstrao desses dois fatores essenciais. Para ele, os anais
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de nossa instituio remontam para alm do ano de 1717, data de
fundao da Franco-Maonaria moderna; porque as idias que ento
conseguiram tomar corpo haviam inspirado, em pocas anteriores,
numerosas tentativas de criaes similares.
Uma coletividade que se funda no saberia, de outra parte,
improvisar sua organizao. Todo ser se constitui conforme sua espcie, e
ele beneficia-se nisso da experincia ancestral. Todo recm-nascido se
torna assim o herdeiro de uma raa antiga, que revive nele, como ele
mesmo viveu em toda cadeia de seus antecessores.
Colocando-se desse ponto de vista, permitido assinar Franco-
Maonaria uma origem das mais antigas, porque ela se relaciona a todas
as confraternidades iniciticas do passado.
Todavia essas parecem haver sado das primeiras associaes de
construtores, como se pode julgar de acordo com as circunstncias que
deram nascimento arte de construir.
As Origens Manicas
A Franco-Maonaria no se entrega mais, em nossos dias, a
trabalhos de construo material, mas ela deriva diretamente de uma
confraria de talhadores de pedras e de arquitetos, cujas ramificaes se
estenderam, na Idade Mdia, sobre toda Europa ocidental.
Transmitindo-se os segredos de sua arte, esses construtores
conformavam-se aos antigos usos. Eles praticavam ritos iniciticos que as
lendas corporativas faziam remontar mais alta antiguidade.
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Devemos evitar tomar ao p da letra essas tradies ingnuas.
Elas se prendem ao mito e escondem, muito freqentemente, um sentido
alegrico12.
Mas suficiente refletir sobre a influncia exercida
primitivamente pela arte de construir, para fazer-se uma idia justa do
papel civilizador que as mais antigas associaes manicas
necessariamente desempenharam.
Essas associaes se constituram desde que a arquitetura se
tornou uma arte. Elas foram chamadas, sem dvida, a construir
primeiramente os muros das cidades primitivas. Essas muralhas de pedras
talhadas no puderam ser obra seno que de trabalhadores treinados e
agrupados em tribos. Concebe-se de bom grado esses artesos indo de um
lugar para outro, para exercerem sua profisso l aonde eram chamados.
Eles no poderiam deixar de ser associados por duas razes:
primeiro, porque toda construo importante no saberia ser a obra de
indivduos isolados e, a seguir, porque a prtica da arte de construir exige
uma iniciao profissional.
, pois, evidente que, desde os tempos mais antigos, os maons
formaram agrupamentos corporativos e que, pela prpria fora dos fatos,
dividiram-se em aprendizes, companheiros e mestres.
Quanto sua misso civilizadora, ela manifesta-se num duplo
ponto de vista:
De uma parte, as cidades, protegidas contra os assaltos da
brutalidade brbara por slidas muralhas, tornaram-se focos de
12 De acordo com uma dessas lendas, Ado teria sido regularmente recebido Maom,
segundo todos os ritos, ao Or do Paraso, pelo Pai Eterno. uma maneira de dizer que
a Franco-Maonaria sempre existiu, seno em ato, ao menos em potncia de vir a ser,
visto que ela responde a uma necessidade primordial do esprito humano.
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atividade pacfica, asilos inviolveis reservados a uma elite mais culta que
a multido de fora.
De outra parte, os maons deram o exemplo da associao em
vista de um trabalho comum.
Pode-se, pois, afirmar que a Arquitetura me de toda
civilizao13 e que a justo ttulo que os antigos maons consideravam
sua arte como a primeira e mais estimvel de todas.
A Arte Sagrada
Primitivamente, tudo se revestia de um carter religioso. Mas a
arte de construir era, mais particularmente, impregnada de um carter
divino. Os homens que a ela se entregavam exerciam um sacerdcio. Eles
eram sacerdotes sua maneira. Talhando pedras e reunindo-se para erguer
edifcios sagrados, eles acreditavam render um culto divindade.
Toda construo til era santa: destru-la era um sacrilgio, e as
mais antigas inscries ameaam com a vingana dos deuses todo homem
mpio que atacasse os monumentos.
Os construtores tinham uma religio prpria inteiramente baseada
sobre a arte de construir. O universo era, a seus olhos, um imenso canteiro
de obras, onde cada ser era chamado, por seus esforos, edificao de
um monumento nico. Figuravam-se um trabalho incessante, no tendo
13 A barbrie o estado primitivo de insegurana que coloca o mais fraco merc do
mais forte. Os citadinos colocaram-se ao abrigo dos brbaros, entrincheirando-se atrs
de muralhas instransponveis. Uma vez em segurana, eles puderam civilizar-se,
adotando leis protetoras do fraco contra o forte. A arquitetura , pois, o fator primordial
de toda real civilizao.
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jamais comeado e no devendo jamais terminar, mas executando-se em
toda parte segundo os dados de um mesmo plano.
Da vem a idia da Grande Obra visando construo de um
Templo ideal, realizando cada vez mais a perfeio. Da, alm disso, o uso
tradicional entre os maons de consagrarem seus trabalhos Glria do
Grande Arquiteto do Universo.
Primeiros Dados Histricos
Ns no possumos seno informaes precrias sobre as mais
antigas corporaes construtivas de povos do Oriente. Mas singular
encontrar na escrita acadiana o triangulo como smbolo da letra rou que
tem o sentido de fazer, construir. Salvo uma simples coincidncia, ela ,
no mnimo, surpreendente, e os Maons entusiastas podero ver a um
indcio da alta antiguidade de seu simbolismo, porque os monumentos
caldeus dos quais se tratam remontam a mais de 4.500 anos antes de
nossa era.
Os autores desconhecidos dos mais antigos livros sagrados da
China no ignoravam, alis, o valor simblico do compasso e do
esquadro, insgnias do sbio que possui os segredos do Primeiro
Construtor e sabe conduzir-se de maneira conforme s suas intenes14.
No Egito, o sacerdcio ensinava as cincias e as artes. Alguns
iniciados eram mais especialmente engenheiros e arquitetos. Os artesos
colocados sob suas ordens no tinham direito a qualquer iniciativa.
Os escultores e os talhadores de pedras foram muito mais livres
na Sria. Eles a formavam associaes religiosas que percorriam toda
14 R. F. Gould. A Concise History of Freemasonry. Londres, 1903, p. 3 e 4.
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sia Menor para construir templos em toda parte, segundo a convenincia
dos diferentes cultos.
assim que, por volta do ano 1000 antes de J.C., Hiram, Rei de
Tiro, pde enviar a Salomo os obreiros necessrios construo do
templo de Jerusalm, do palcio real e dos muros da cidade. Esses
mesmos construtores tomaram parte igualmente da fundao de Palmira.
Mais tarde, a arquitetura foi exercida por confrarias profissionais
anlogas quelas das quais Numa Pomplio aperfeioou a organizao por
volta do ano de 715 antes da era crist.
O legislador romano constituiu os colgios de construtores
encarregados da execuo de todos os trabalhos pblicos. Essas
corporaes tinham sua autonomia, e a lei garantia-lhes inmeros
privilgios. Cada uma delas praticava suas cerimnias religiosas
particulares apropriadas profisso exercida por seus membros15.
Exerciam estes todas as profisses necessrias arquitetura religiosa,
civil, militar, naval e hidrulica.
Essas confraternidades laboriosas difundiram-se por todo imprio.
Elas seguiam a marcha das legies romanas, para construir pontes,
estradas, aquedutos, fortalezas, cidades, templos, anfiteatros, etc. Em toda
parte elas contribuam para civilizar os povos vencidos, instruindo-os nas
artes da paz. Elas subsistiram, florescentes, at a invaso dos brbaros,
praticando ritos secretos de carter religioso. Foram religies santificando
o trabalho.
No terceiro sculo, Teofrasto no-las descreve nos seguintes
termos: Segundo as tradies da estaturia antiga, os escultores e os
talhadores de pedras viajavam de um lado a outro da terra com as
ferramentas necessrias para trabalhar o mrmore, o marfim, a madeira, o
15 Plutarco, Vida de Homens Ilustres, Numa, 17.
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ouro e os outros metais. A matria informe era-lhes fornecida para os
templos que eles elevavam sobre modelos divinos16.
O Cristianismo
As religies profissionais eram conformes ao gnio do politesmo
greco-romano; tambm, enquanto ele reinou, ningum pde sonhar em
pedir contas s corporaes arquiteturais de seu ensinamento religioso
particular. No foi mais assim, quando o Cristianismo, tornado com
Constantino religio do Estado, pretendeu fundar a unidade do culto e
da crena.
O Supremo Arquiteto do Universo ajustava-se, sem dvida, ao
monotesmo que ele parecia haver precedido. Mas esta simplicidade, essa
onda propcia s adaptaes contraditrias, no deveria mais satisfazer
nova religio que formulava dogmas imperiosos e precisos, aos quais,
necessariamente, era preciso doravante submeter-se.
Fiis s suas tradies, os construtores evitaram revoltar-se contra
a f oficial17. Fizeram-se batizar, ainda que se reservando adaptar
secretamente o cristianismo s doutrinas da metafsica arquitetural. Assim
tomou nascimento uma heresia oculta, parente do gnosticismo, que se
absteve cuidadosamente de toda manifestao exterior. Quando muito,
encontra-se um indcio de tal manifestao nesta facilidade singular com
a qual os artistas bizantinos e coptas punham-se indiferentemente a
servio, primeiro, das diferentes seitas crists, depois, muulmanas.
16 Teofrasto, Vida de Apolnio de Tiana. Traduo de Chassang, p. 202.17 Os Versos de Ouro de Pitgoras comeam prescrevendo ao iniciado render
exteriormente aos deuses imortais o culto consagrado, mas guardar interiormente sua
prpria convico.
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Externamente submissas ao absolutismo cristo, as associaes
construtivas puderam prosperar sob a gide do Imprio do Oriente,
quando ento desapareceram no Ocidente, submersas sob as ondas das
invases brbaras. Veio um perodo no qual se esteve muito mais
preocupado em destruir os edifcios antigos do que construir novos.
O Cristianismo, todavia, no tardou a se impor aos invasores. A
arquitetura religiosa foi ento recolocada em honra, e novas escolas de
construtores constituram-se pouco a pouco. Elas deram nascimento ao
estilo romnico.
As Ordens Monsticas
Durante longos sculos, toda a Europa ocidental foi presa da
brutalidade de guerreiros ignorantes que no estremeciam seno diante
dos fantasmas de sua imaginao grosseira. O clero cristo, aplicando
nisso a tradio de todos os sacerdcios, conseguiu muito rapidamente
dominar esses espritos propensos aos terrores supersticiosos. Ele teve a
ousadia de ameaar os conquistadores violentos em nome de um Juiz
celeste, do qual o rigor cruel no poderia ser abrandado seno que pelo
favor de doaes piedosas. Essa foi, para a Igreja, a fonte de imensas
riquezas.
Viu-se ento o Cristianismo cercar-se de um aparato faustuoso.
Depois de haver crescido na abnegao e na pobreza, ele quis seduzir pela
magnificncia. Os templos antigos, outrora saqueados pela cupidez dos
brbaros ou abatidos pelo furor iconoclasta dos novos crentes, deveram
ser restabelecidos glria do Deus dos cristos. Como no se havia
jamais cessado inteiramente de construir, os procedimentos profissionais
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estavam conservados entre os artesos; mas, quando foi questo de
construir edifcios apropriados s exigncias imprevistas do culto cristo,
faltaram, antes de tudo, arquitetos.
Monges instrudos foram chamados assim a estudar a arquitetura,
e sua habilidade em traar planos no tardou a se afirmar. Alguns abades,
em particular aqueles da congregao de Cluny, desenvolveram mesmo, a
esse respeito, um verdadeiro talento. Rivalizando entre si, esses prelados
logo no mais se contentaram com construes tecnicamente grosseiras,
para a execuo das quais eles podiam recorrer a artesos de ocasio,
sedentrios ou nmades. Quando, de simples muros de tijolos ou
cascalhos, eles desejaram passar aos acoplamentos de pedra talhada, foi-
lhes de todo necessrio formar artistas verdadeiros, sobretudo quando a
ambio lhes veio a impressionar os espritos pela ousadia das cpulas
cada vez mais complexas.
Os monges foram assim levados a associar-se, de modo
permanente, aos laicos talhadores de pedras que, na qualidade de irmos
conversos, portavam o hbito e recebiam sua subsistncia do convento.
A Maonaria LivreEntre os obreiros submetidos disciplina monstica, os melhores
dotados no faltaram em assimilar conhecimentos suficientes para
permitir-lhes dirigir eles mesmos os trabalhos de seus companheiros.
Formaram-se assim arquitetos laicos, de esprito tanto mais independente,
quanto mais tomavam conscincia de suas capacidades e de seu talento.
Sua autoridade no tardou a prevalecer sobre aquela dos monges que,
pouco a pouco, viram as confrarias construtivas se subtrarem sua tutela.
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Associaes autnomas, lembrando em alguns aspectos os
colgios romanos, puderam assim se constituir. Esta evoluo pareceu
realizar-se primeiro na Lombardia, onde as antigas tradies, sempre
permanecendo vivas, puderam assim mais facilmente ser recolocadas em
honra pela intermediao de Veneza, pois a influncia bizantina exercia-
se poderosamente nesta regio. Certo que a cidade de Como
permaneceu por longo tempo o centro para onde afluam os artistas
preocupados em se aperfeioarem na arte de construir. Sua ambio era
fazer-se iniciar nos segredos dos magistri comacini, ttulo estendido no
sculo XI, de maneira geral, a todos os construtores.
Pretende-se que, vista de fazerem consagrar sua independncia,
as associaes arquiteturais laicas, unidas entre si pelos laos de uma
estreita solidariedade, teriam solicitado do papa o monoplio exclusivo
para a construo de todos os edifcios religiosos da cristandade.
Desejando encorajar uma to piedosa empresa, a Corte de Roma teria
tomado a confraternidade manica sob sua proteo especial, declarando
que seus membros deveriam ser, em toda parte, isentos de impostos e
corvias. Seriam essas liberdades outorgadas por Nicolau II em 1277 e
confirmadas por Benedito XII em 1334 que teriam valido aos protegidos
da Santa-S o nome de franco-Maons18.
O patronato do Soberano Pontfice explicaria o favor que a
Maonaria Livre encontrou junto a todos os prncipes cristos. Nesses
tempos de fervor religioso, aqueles no poderiam experimentar seno
simpatia pelos construtores de igrejas que se espalhavam
progressivamente na Frana, na Normandia, na Gr-Bretanha, na
Borgonha, depois em Flandres e s margens do Reno, penetrando da em
toda Alemanha. Em toda parte, essas associaes deixaram monumentos
18 At agora, a prova documental dessas alegaes arriscadas no foi fornecida.
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de um estilo particular, dito gtico ou, mais precisamente, ogival, obras-
de-arte cuja uniformidade de carter parece ser o indcio de um acordo
internacional mantido durante sculos entre os construtores espalhados
sobre toda Europa ocidental. Foi isso que levou Hope a dizer, em sua
Histria da Arquitetura: Os arquitetos de todos os edifcios religiosos da
Igreja latina extraram sua cincia de uma mesma escola central. Eles
obedeciam s leis de uma mesma hierarquia; eles dirigiam-se, em suas
construes, segundo os mesmos princpios de convenincia e de gosto;
eles mantinham conjuntamente, em toda parte para onde eram enviados,
uma correspondncia assdua, de sorte que os menores aperfeioamentos
tornavam-se de imediato propriedade do corpo inteiro e uma nova
conquista da Arte.
As Confraternidades de So Joo
Os arquitetos da Idade Mdia gostavam de celebrar os solstcios
de maneira conforme aos usos que remontavam aos tempos pagos mais
recuados. A fim de poderem permanecer fiis s tradies equvocas do
ponto de vista cristo, eles escolheram por patronos os dois So Joos,
cujas festas coincidiam com os pontos solsticiais.
Tem-se perguntado se, ao abrigo dessa escolha, o antigo culto de
Janus no reencontrara adeptos mais ou menos conscientes. Do mesmo
modo que ambos os santos solsticiais, o deus de dupla face presidia
inaugurao da marcha ascendente, depois descendente do Sol, porque ele
era o gnio de todos os comeos, tanto dos anos, das estaes, quanto da
vida e da existncia em geral. Ora, no se deve perder de vista que
comeo se diz initium em latim. Os iniciados deviam, pois, ver a
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divindade tutelar da iniciao neste imortal preposto guardio das portas
(janua), das quais ele afastava aqueles que no deveriam entrar. Um
bculo (baculum) era, para essa finalidade, sua insgnia. Ele tinha, alm
disso, uma chave, para indicar que lhe pertencia abrir e fechar, revelar os
mistrios aos espritos de elite ou frustr-los curiosidade dos profanos
indignos de conhec-los.
Etimologicamente, Joo, verdade, no provm de Janus, mas do
hebreu jeho hannam que se traduz por: Aquele que Jeho favorece. O
mesmo termo reaparece em Hanni-Baal ou Anbal que significa
favorito de Baal. Mas Jeho e Baal no so outros seno nomes ou
ttulos do Sol. Este era visto pelos fencios como um astro ardente,
freqentemente mortfero, do qual os efeitos eram de temer. Os
mistagogos de Israel a viam, ao contrrio, a imagem do Deus-Luz que
esclarece as inteligncias. Jeho hannam, johannes, jehan ou Joo
tornam-se assim sinnimos de Homem esclarecido ou iluminado
maneira dos profetas. Do mesmo modo que os artistas das catedrais,
instrudos, sem dvida, em doutrinas esotricas muito antigas, o
Pensador verdadeiro ou Iniciado est, pois, no direito de dizer-se Irmo
de So Joo.
Observemos, de resto, que So Joo Batista nos apresentado
como o precursor imediato da Luz redentora do Cristo solar. Ele a
aurora intelectual que, nos espritos, precede o dia da plena compreenso.
spera e rude, sua voz retumbava atravs da esterilidade do deserto,
despertando ecos adormecidos. Seus acentos veementes provocavam as
mentalidades rebeldes e preparavam-nas para compreender as verdades
que deviam ser reveladas.
Se o violento Precursor se relaciona simbolicamente aos alvores
plidos da manh, convm, em oposio, representar-se So Joo, o
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
Evangelista, como cercado de toda glria prpura do poente. Ele
personifica a luz crepuscular do anoitecer, aquela que abrasa o cu,
quando o Sol acaba de desaparecer sob o horizonte. O discpulo preferido
do Mestre foi, com efeito, o confidente de seus ensinamentos secretos,
reservados s inteligncias de elite dos tempos futuros. O Apocalipse -
lhe atribudo, o qual, sob o pretexto de desvendar os mistrios cristos,
os mascara sob enigmas calculados para conduzir os espritos
perspicazes alm das estreitezas do dogma. Tambm da escola joanina
que se tm prevalecido todas as escolas msticas que, sob o vu do
esoterismo, visaram emancipao do pensamento. No nos esqueamos,
enfim, de que o quarto Evangelho comea por um texto de alto alcance
inicitico sobre o qual, por muito tempo, se prestou o juramento
manico. A doutrina do Verbo feito carne, quer dizer, da Razo divina
encarnada na Humanidade, remonta, alis, atravs de Plato, s
concepes de antigos hierofantes.
Nessas condies, o ttulo de Lojas de So Joo convm, melhor
que qualquer outro, s oficinas onde as inteligncias, aps haverem sido
preparadas para receber a luz, so levadas a assimilarem-se a ela
progressivamente, a fim de a poderem refletir ao seu redor.
Canonizaes Equvocas
Seria temerrio afirmar que os dois So Joos marcam
unicamente o simbolismo inicitico. Talvez eles correspondam a
personagens que realmente existiram. Outros santos, ao contrrio, no
gozam de seu privilgio celeste, porque foram outrora extrados do
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
calendrio pago. Em sua Origem de todos os Cultos, Depuis muito
explcito a esse respeito:
Os gregos, diz ele, honravam Baco sob o nome de Dionsio ou
Denis: ele era visto como a chave e o primeiro autor de seus mistrios,
assim como Eleutrio. Este ltimo nome era tambm um epteto que eles
lhe deram, e que os latinos traduziram por Lber. Celebravam-se, em sua
honra, duas festas principais: uma na primavera e outra na estao das
vindimas. Esta ltima era uma festa rstica celebrada no interior ou nos
campos; opunha-se s festas da primavera, chamadas festas da cidade ou
Urbana. A se acrescentou um dia em honra a Demtrio, Rei da
Macednia, que tinha sua corte em Pella, perto do Golfo de Tessalnica:
Baco era o nome oriental do mesmo deus. As festas de Baco deviam,
pois, ser anunciadas no calendrio pago por essas palavras: Festum
Dionysii, Eleutherii, Rustici. Nossos bons antepassados fizeram disso trs
santos: So Denis, Santo Eleutrio e Santa Rstica, seus companheiros.
Chamavam o dia precedente Festa de Demtrio, do qual fizeram um
mrtir tessalonicense. Acrescente-se que este foi Maximiliano, que o fez
morrer por conta de seu desespero pela morte de Lyaeus, e Lyaeus um
nome de Baco, assim como Demtrio. A antevspera foi reservada Festa
de So Baco, do qual se fez um mrtir do Oriente. Assim, aqueles que
quiserem se dar ao trabalho de ler o calendrio latino ou a bula que guia
nossos sacerdotes na comemorao dos santos e na celebrao das festas
a vero a 7 de outubro: Festum sancti Demetrii, e a 9: Festum sanctorum
Dionysii, Eleutherii et Rustici. Assim, fizeram-se santos de muitos
eptetos, ou de denominaes diversas do mesmo Deus, Baco, Dionsio
ou Denis, Lber ou Eleutheros. Esses eptetos tornaram-se outros tantos
de companheiros.
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
...Baco desposa Zefir ou o vento suave sob o nome da ninfa
Aura. Muito bem. Dois dias entes da festa de Denis ou de Baco, celebra-
se aquela de Aura Plcida ou Zefir, sob o nome de Santa Aura e de So
Plcido.
Dupuis mostra, alm disso, como a frmula dos desejos Perpetua
Felicitas deu nascimento Santa Perptua e Santa Felicidade. Ele cita
ainda Santa Vernica, que vem de Veron Eicon ou Icnica, a verdadeira
face ou a Imagem de Cristo. So Rogado, So Donato, Santa Flora, Santa
Lcia, Santa Bibiana, Santa Apolinria, Santa Ida, Santa Margarida e
Santo Hiplito so igualmente adaptaes pags.
As Stiras contra a Igreja
Em que medida as reminiscncias da Antiguidade puderam influir
sobre o estado de alma dos construtores medievais? A questo difcil de
resolver; mas permanece certo que eles eram animados de um esprito
singularmente crtico.
Primeiramente, do ponto de vista religioso, eles pretendiam no
depender diretamente seno do Papa e, deste chefe, eles afirmavam o
desrespeito mais flagrante vista da hierarquia eclesistica. Sua audcia
muitas vezes manifestou-se por caricaturas que eles no temiam talhar da
prpria pedra das catedrais.
Um monge e uma religiosa representados na mais inconveniente
das atitudes decoram a Igreja de So Sebaldo em Nuremberg, e esse
assunto escabroso repete-se, entre outros, numa grgula do Museu de
Cluny em Paris.
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
Na galeria superior da Catedral de Strasbourg, uma procisso de
animais conduzida por um urso que carrega a cruz. Um lobo segurando
um crio aceso a precede a um porco e a um carneiro carregados de
relquias; todos esses quadrpedes desfilam piedosamente, enquanto um
asno aparece no altar, celebrando a missa.
Revestida de ornamentos sacerdotais, uma raposa prega em
Bradenbourg diante de um bando de gansos.
Os exemplos dessa natureza abundam. Encontram-se, em
particular, juzos finais s vezes muito subversivos no sentido em que,
entre os condenados, figuram de modo corrente personagens trazendo
coroas ou mitras. O prprio Papa, toucado da tiara e cercado de cardeais,
foi entregue s chamas eternas no prtico da Catedral de Berna.
Esses indcios levam a supor que a iniciao conferida
secretamente aos membros das confraternidades de So Joo no se
referia unicamente aos procedimentos materiais da arte de construir.
Certos escultores irnicos puderam, sem dvida, ser inspirados
por rivalidades que, em todos os tempos, opuseram as ordens monsticas
ao clero secular; mas outros traduziram de modo manifesto o pensamento
de um artista singularmente emancipado para a poca.
A Alquimia
Se ns nos perguntarmos de que fonte pde ser extrada, na Idade
Mdia, uma inspirao mstica estranha ou mesmo secretamente hostil
Igreja, somos levados a recordar o prestgio do qual desfrutava ento a
Filosofia Hermtica. Sob o pretexto de procurar a Pedra dos Sbios,
adeptos, ou seja, pensadores independentes, aplicavam-se, na realidade,
Oswald Wirth
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em penetrar os segredos da natureza. Eles aprofundaram indiferentemente
as obras de todos os filsofos, quer fossem gregos, rabes ou hebreus.
Este ecletismo deveria chegar a doutrinas to pouco catlicas, no sentido
ordinrio da palavra, que se tornou imprudente exp-las de outro modo a
no ser sob o vu de alegorias e de smbolos. A transmutao do chumbo
em ouro tornou-se assim o tema de dissertaes muito sbias, onde a
metafsica religiosa tinha muito mais lugar que a metalurgia ou a qumica.
A Grande Obra visava a realizar a felicidade do gnero humano graas a
uma reforma progressiva dos costumes e das crenas. A leitura atenta dos
tratados de alquimia posteriores Renascena no pode deixar subsistir
nenhuma dvida a esse respeito, porque o estilo dos discpulos de Hermes
tornou-se menos enigmtico, quando diminuiu para eles o perigo de
expressarem-se livremente.
A antiga arquitetura sagrada era, alis, essencialmente simblica.
Desde o plano de conjunto de um edifcio at os menores ornamentos de
detalhe, tudo devia ser ordenado segundo certos nmeros msticos e de
acordo com as regras de uma geometria especial conhecida apenas dos
iniciados.
As figuras geomtricas deram lugar, com efeito, a interpretaes
sobre as quais se enxertava uma doutrina secreta que pretendia fornecer a
chave de todos os mistrios. Ora, os construtores de catedrais provaram,
por suas obras, que eles eram instrudos nessas tradies filosficas das
quais os alquimistas eram simultaneamente detentores.
No se saberia determinar em que medida uns obtiveram de
outros seus conhecimentos iniciticos. Sempre foi que o Hermetismo
freqentemente inspirou os talhadores de pedras na escolha de seus
motivos ornamentais. Os Alquimistas, de outra parte, no ignoravam o
sentido que os maons atribuam s suas ferramentas.
Oswald Wirth
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O Rebis, a coisa dupla unindo os dois sexos, na realidade, a alma espiritual dotada de
razo (Sol) e de imaginao (Lua). O princpio inteligente domina a animalidade
representada pelo drago das atraes elementares.
Nada mais significativo, a esse respeito, que uma gravura do
tratado intitulado O Azoto, ou o meio de fazer o ouro oculto dos filsofos,
do Irmo Basile Valentin19. V-se a um personagem de duas cabeas, do
qual a mo direita segura um compasso e a esquerda, um esquadro. o
andrgino alqumico, unindo a energia criadora masculina receptividade
feminina, associando, em outros termos, o Enxofre ao Mercrio, ou o
ardor empreendedor da coluna J estabilidade ponderada da coluna B.
Ele est de p sobre o drago simbolizando o quaternrio dos elementos,
dos quais o iniciado deve triunfar no decorrer de suas provas.
A Decadncia das Corporaes
19 Publicado logo depois de as Doze Chaves da Filosofia tratando da verdadeira
medicina metlica. Paris, Pierre Moet, 1659.
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Tornado-se rica e poderosa, a Igreja devia necessariamente
corromper-se. Veio um tempo no qual o alto clero, entregue a todas as
intrigas da poltica, exibia o luxo mais insolente e no se dava ao
menor trabalho de dissimular a corrupo de seus costumes.
Os fiis escandalizaram-se com isso. Seu antigo fervor deu lugar
dvida, e numerosas heresias puderam enraizar-se nos espritos. Essa foi
a aurora do sonho intelectual que se preparava.
O novo claro de alma teve sua repercusso sobre a arquitetura
religiosa. Os doadores tornaram-se raros. fora de construir igrejas e
elas existiam, alis, em toda parte os membros das confraternidades de
So Joo encontravam, cada vez menos, o emprego de seus talentos. Eles
eram, de resto, especialistas no estilo dito gtico, doravante dmod.
Depois veio o cisma de Lutero que, desencadeando pavorosas guerras
religiosas, acabou de desorganizar as antigas corporaes construtivas.
Elas ameaavam desaparecer, no deixando delas mesmas seno
vagos traos documentais, mas afirmando seu poderoso passado por
monumentos incomparveis que se impuseram sempre admirao da
posteridade.
A Cabala
Nem tudo devia estar perdido. Uma transformao elaborava-se,
provocando primeiro um movimento intelectual do mais alto interesse.
Enquanto querelas de dogma dividiam os espritos, inteligncias
de elite quiseram aprofundar imparcialmente as questes religiosas. Foi-
se assim levado a estudar mais especialmente a metafsica religiosa dos
judeus. Estes se pretendiam na posse de uma doutrina secreta remontando
at Moiss. Era, a seus olhos, a tradio por excelncia, dita Qabbalah em
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hebreu. Tratavam-se, na realidade, de concepes derivadas, em boa
parte, do Gnosticismo alexandrino, e tomadas de emprstimo, assim, ao
patrimnio da antiga iniciao. Sua caracterstica era fazer ressaltar a
concordncia fundamental das religies.
Esses sonhos msticos tiveram por efeito prtico sugerir a idia de
uma filosofia reunindo indistintamente os fiis de todos os cultos, sem
obrig-los a renegar suas crenas particulares.
Vigorosos pensadores em comunho de vontade uns com os
outros, tendo aplicado toda sua energia cerebral a especulaes dessa
sorte, da resultou finalmente uma tenso particular na atmosfera mental
do sculo XVII.
Os Rosacrucianistas
O excesso do mal chama o remdio. As devastaes do fanatismo
cego deviam conduzir ao sonho de uma regenerao universal pelo amor
e pela cincia. Por volta de 1604, uma associao secreta20 quis relembrar
ao Cristianismo a inteligncia de seus mistrios e ensinar ao mundo as
leis da fraternidade.
Os afiliados haviam escolhido por emblema uma rosa fixada
sobre uma cruz, e reconheciam-se a lenda de um certo Christian
Rosenkreuz, do qual pretendiam prosseguir a obra. Fizeram muito falar
deles e, ainda que se perdendo nas nuvens do Hermetismo e da Teosofia,
20 A ordem dos rosacrucianistas no foi jamais organizada como corpo. Considerava-se
algum como lhe pertencendo pelo nico fato de esse algum possuir certos
conhecimentos. Os Irmos Rosacrucianistas no se reuniam para deliberar ou trabalhar
em comum. Eles contentavam-se em manter relaes epistolares e em comunicarem
entre si o fruto de seus estudos.
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eles no conseguiram menos surpreender as imaginaes e semear os
germes cuja ecloso no devia se fazer esperar.
A Franco-Maonaria Moderna
A concepo de um ideal (Coluna J) permanece estril
enquanto faltem os meios prticos de realizao (Coluna B). As
aspiraes generosas dos filsofos no poderiam ser colocadas em ao
sem a ajuda de uma organizao positiva. O esprito ou a alma nada pode,
se no dispe de um corpo como instrumento de ao.
Ora, na poca na qual, graas aos rosacrucianistas e a outros
msticos, uma entidade espiritual planava, de qualquer sorte, no ar,
ansiosa por encarnar-se, um organismo propcio veio a oferecer-se a ela.
No possuindo mais razo de ser, as antigas confraternidades
manicas estavam em toda parte dissolvidas, salvo na Gr-Bretanha e na
Irlanda, onde sempre reinou um esprito favorvel sobrevivncia de toda
tradio antiga e respeitvel. Pela fora de um hbito passado aos
costumes, as associaes de Maons livres e aceitos subsistiam, pois,
ainda no sculo XVII, em diversos centros dos trs reinos insulares. Era
ento de notoriedade pblica que os Freemasons se reconheciam entre si
por certos sinais e que eram obrigados por juramento a guardarem
segredos. Sabia-se igualmente que, em todas as circunstncias da vida,
eles eram obrigados a prestar assistncia recproca. A partir de sua
decadncia do ponto de vista do exerccio da arte de construir, a prtica
da solidariedade tornou-se, com efeito, o objetivo essencial dessas
confraternidades. Difundiu-se ento a moda de fazer-se aceitar a ttulo de
membro honorrio, e as lojas manicas mostraram-se to acolhedoras
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aos gentlemen que no manejavam profissionalmente a trolha, que os
profissionais do ofcio se desinteressaram cada vez mais de uma
instituio que no respondia em nada s suas necessidades prticas. Os
maons aceitos tornaram-se assim pouco a pouco to numerosos quanto
os Maons livres, e, no incio do sculo XVIII, eles eram francamente a
maioria.
Nesse momento, foi tomada uma resoluo de extrema
importncia. Ele teve por efeito fazer renunciar s antigas empresas
materiais da velha maonaria profissional designada como operativa em
oposio a uma nova Maonaria, puramente filosfica, dita especulativa.
Assim nasceu a Maonaria moderna, que tomou de emprstimo
aos construtores da Idade Mdia um conjunto de formas alegricas e de
smbolos engenhosos, regras de boa disciplina e tradies de fraternal
solidariedade, a fim de aplicar tudo ao ensinamento de uma arquitetura
social, esforando-se por construir a felicidade humana, trabalhando para
o aperfeioamento intelectual e moral dos indivduos.
Elias Ashmole
A Maonaria moderna respondia a uma necessidade sentida em
toda Europa pelos mais nobres espritos. Ela devia, pois, difundir-se com
uma rapidez que parecia dever-se a um prodgio. Tambm, quando mais
tarde se quis remontar sua fonte, no foi possvel defender-se da idia
de que, semelhante Minerva, surgindo inteiramente armada do crebro
de Jpiter, a concepo manica devera ter sido amadurecida por algum
pensador de gnio.
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A fim de descobrir o fundador de uma to maravilhosa
instituio, os Maons ingleses do sculo XVII foram passados em
revista. Descobriu-se que, a 16 de outubro de 1649, um sbio antiqurio,
adepto do hermetismo e de conhecimentos secretos ento em voga, foi
recebido Maom em Warrington, pequena cidade do condado de
Lancastre. No foi preciso mais para erigir Elias Ashmole este nome
do personagem em heri da lenda. -lhe atribudo todo o mrito da
reforma realizada. Segundo o Ir Ragon e outros historiadores seria ele,
o Rosacrucianista, quem teria imprimido um carter inicitico aos rituais
obreiros primitivos21. Isso no verdade. A influncia que esse amador de
cincias ocultas exerceu sobre a Franco-Maonaria permanece nula.
Verdadeiramente decepcionado pela natureza dos mistrios que lhe
foram revelados quando de sua iniciao, ele no reapareceu em loja
seno ao cabo de 31 anos, em 11 de maro de 1682, pela segunda e ltima
vez em sua vida, como testemunha seu dirio, que ele jamais deixou de
manter, diariamente, com escrupulosa mincia.
A Primeira Grande LojaContrariamente quilo que, em boa lgica, era permitido supor, os
documentos positivos mostram-nos a organizao da Maonaria moderna
nascendo inconscientemente. As maiores coisas podem, com efeito, ser
chamadas existncia por individualidades que no tm nenhuma
suspeita do alcance de seus atos.
Esse foi o caso dos Maons londrinos que, a 24 de junho de 1717,
se reuniram para celebrar a festa tradicional de So Joo Batista. Eles
21 Essa assero temerria, reconhecida depois inexata, foi reproduzida na pgina 25 da
primeira edio (1894) do Livro do Aprendiz.
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eram membros de quatro lojas to pouco prsperas que, para no se
desagregarem inteiramente, decidiram permanecer unidas sob a
autoridade de oficiais especiais. Ora, cada uma das lojas, sendo presidida
por um Mestre22, deu-se o ttulo de Gro-Mestre ao presidente do novo
agrupamento que, ele mesmo, se qualifica como Grande Loja. Ainda
duvidoso que esses nomes hajam sido adotados desde 1717, a principal
preocupao devendo muito bem ser, neste ano, reunir-se novamente em
nmero suficiente no prximo solstcio de vero.
O primeiro Gro-Mestre foi Antony Sayer, homem obscuro, de
condio bastante modesta. Ele fora escolhido na falta de melhor; tambm
se apressou em dar-se-lhe como sucessor George Payne, burgus bem
colocado, que no havia assistido reunio precedente. O prximo eleito
foi Jean-Thophile Dsaguliers23, doutor em filosofia e em direito,
membro da Sociedade Real de Cincias de Londres. Depois de haver
completado seu ano de gro-mestrado, esse fsico distinto restituiu o
malhete ao Ir.. Payne, na falta de um mais ilustre personagem.
Para consagrar o prestgio da Grande Loja, importava, alis,
colocar sua testa um homem de qualidade. Igualmente os Maons de
Londres chegaram ao auge de seus desejos, quando, em 1721, Sua Graa
o Duque de Montagu condescendeu em aceitar a dignidade de Gro-
Mestre. Esta eleio teve o melhor efeito sobre o mundo profano. Tornou-
se da por diante de bom-tom pertencer Sociedade dos Franco-Maons,
universalmente considerada como uma companhia distinta.
22 Para distingui-lo de outros Mestres, davam-lhe o epteto de Venervel (Worshipful
Master) ou designavam-no como Master en chaire (Meister vom Stuhl ou Stuhlmeister
em alemo). 23 Nascido em La Rochelle, a 12 de maro de 1683, filho de um pastor calvinista que
devera refugiar-se na Inglaterra aps a revogao do dito de Nantes (1685).
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O Livro das Constituies
As modificaes aportadas ao regime das antigas
confraternidades construtivas deram lugar promulgao de um novo
cdigo da lei manica. Sua redao foi confiada ao IrJames Anderson,
cuja obra intitulada The Book of Constitutions of the Freemasons,
containing the history, charges and regulations of that most ancient and
right worshipful fraternity.
Ali est dito, no que concerne a Deus e religio:
Um Maom obrigado, por seu engajamento24, a obedecer lei
moral; e, se ele compreende bem a Arte, no ser jamais um estpido ateu
nem um libertino irreligioso.
Ainda que em tempos passados, os Maons estivessem
obrigados, em cada pas, a praticar a religio do dito pas, qualquer que
ela fosse, estima-se doravante mais oportuno no lhes impor outra
religio a no ser aquela sobre a qual todos os homens esto de acordo, e
deixar-lhes toda liberdade quanto s suas opinies particulares.
suficiente, pois, que eles sejam homens bons e leais, pessoas honradas e
de probidade, quaisquer que sejam as confisses ou as convices que os
distingam.
Assim, a Maonaria tornar-se- o centro de unio e o meio de
estabelecer uma sincera amizade entre pessoas que, fora dela,
permaneceriam constantemente separadas umas das outras.
Relativamente autoridade civil, suprema ou subordinada, lemos
a seguir:24 Tenure no original, termo feudal que significa obrigao contrada pelo detentor de
um feudo.
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O Maom um indivduo pacfico sujeito aos poderes civis em
qualquer lugar onde resida ou trabalhe; ele no deve jamais estar
implicado em compls ou conspiraes contra a paz e a prosperidade da
nao, nem se comportar incorretamente vista de magistrados
subalternos, porque a guerra, o derramamento de sangue e as insurreies
tm sido, em todos os tempos, funestas Maonaria.
Se algum Irmo vier a insurgir-se contra o Estado, preciso
evitar favorecer sua rebelio, e sempre t-lo em piedade, como a um
infeliz. Se ele, alis, no for culpado de nenhum crime, a leal
Confraternidade, ainda que obrigada a desmentir sua rebelio, a fim de
no atrair sombras ao governo estabelecido nem lhe fornecer um motivo
de desconfiana poltica, no saberia expuls-lo da Loja, uma vez que
suas relaes com ele permanecem indissolveis.
O artigo VI, que trata da conduta em Loja, recomenda enfim:
Que vossas discrdias ou vossas querelas particulares no
franqueiem jamais o umbral da Loja; evitai mais ainda as controvrsias
sobre religies, nacionalidades ou a poltica, visto que, em nossa
qualidade de Maons, ns no professamos seno a religio universal
mencionada mais acima. Ns somos, alis, de todas as naes, de todas as
lnguas, de todas as raas, e, se ns exclumos toda poltica, porque ela
no contribuiu jamais no passado para a prosperidade das lojas e no
contribuir mais amanh.
Os Princpios Fundamentais da Franco-
Maonaria
Oswald Wirth
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luz dos extratos precedentes, a Franco-Maonaria moderna
aparece-nos como uma associao de homens escolhidos, cuja moralidade
pde ser aprovada, de sorte que, sentindo-se perfeitamente seguros uns
dos outros, podiam praticar entre si uma fraternidade sincera e sem
reserva.
Esses homens, reconhecidos bons, leais e probos, so obrigados a
evitar com o maior cuidado tudo aquilo que os arriscaria a dividirem-se.
-lhes especialmente interdito ocasionar litgios quanto s suas
convices ntimas, tanto religiosas quanto polticas, sua virtude
caracterstica devendo ser, em todas as coisas, a TOLERNCIA.
Ora, para ser tolerante, indispensvel adquirir idias amplas e
elevar-se acima da estreiteza de todos os preconceitos. A Franco-
Maonaria esfora-se, em conseqncia, por emancipar os espritos;
aplica-se, em particular, a libert-los dos erros que sustentam a
desconfiana e o dio entre os homens. Estes, a seus olhos, no devem ser
considerados seno em razo do valor efetivo que obtm de suas
qualidades intelectuais e morais, qualquer outra distino de crena, de
raa, de nacionalidade, de fortuna, de classe ou de posio social devendo
eclipsar-se no seio das reunies manicas.
Extenso Rpida da Franco-Maonaria
O cdigo manico redigido e impresso por ordem da Grande
Loja da Inglaterra recebeu a aprovao solene desta a 17 de janeiro de
1723. Desde ento, foi sempre considerado como o documento que
determina as normas caractersticas da Franco-Maonaria moderna. Sua
importncia , pois, capital, j que toda organizao que se afastasse dos
Oswald Wirth
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princpios dos quais ele foi inspirado deixaria, por este mesmo fato, de ser
manica.
O livro de Anderson permitiu, alis, fazer conhecer ao longe a
nova confraternidade que respondia s aspiraes ao mesmo tempo as
mais nobres e as mais generosas. Ela no tardou a exercer uma verdadeira
fascinao sobre quantidade de espritos de elite. Viram-se para a afluir,
em particular, os pensadores apaixonados pela doutrina do
Humanitarismo. No era uma forma, uma organizao que se oferecia
espontaneamente, para revestir de um corpo tangvel as concepes, at
ento nebulosas, dos filsofos? Quando ento o sectarismo e a
intolerncia vinham de colocar a Europa em fogo e sangue, devia-se
altamente apreciar, alm do mais, a amplitude de vistas, das quais os
franco-maons faziam prova em matria de religio e de dogmatismo, no
menos que em relao s dissenses polticas. pureza de princpios e
elevao de tendncias associavam-se, enfim, certos pendores de mistrio
e de impenetrabilidade, cuja seduo no foi menos poderosa.
Nessas condies, as Lojas multiplicaram-se muito rapidamente,
primeiro na Inglaterra, na Esccia e na Irlanda, depois sobre o continente,
para ganhar finalmente at os confins do mundo civilizado.
No incio, verdade, as Lojas no se fundavam sempre em
virtude de poderes formais emanados da primeira Grande Loja. Todo
Mestre Maom regularmente iniciado na Inglaterra acreditava-se no
direito de propagar no estrangeiro a luz manica. Para esse efeito,
cercava-se, tanto quanto possvel, de alguns outros Maons e realizava
com eles recepes segundo as formas ritualsticas. A rigor, ele iniciava,
com sua autoridade privada, um profano que julgasse digno desse favor;
em seguida, ambos procediam iniciao de um novo adepto, de maneira
a constituir uma loja simples, destinada a tornar-se primeiro justa, pela
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
adjuno de dois novos membros, e, finalmente, perfeita, quando, por seu
efetivo, ela atingia ou ultrapassava o nmero de sete.
Uma Loja podia, alis, manter-se em no importa que local
convenientemente fechado e ao abrigo de qualquer indiscrio. Certas
figuras traadas com giz sobre o assoalho eram suficientes para
transformar qualquer local em santurio.
Concebe-se que Lojas to facilmente chamadas existncia
houvessem podido desaparecer com igual facilidade sem deixar traos
documentais de sua atividade. Tambm a histria da introduo da
Franco-Maonaria em diferentes pases encontra-se, o mais
freqentemente, envolvida numa profunda obscuridade. Est-se reduzido,
muitas vezes, a narrativas equvocas, das quais impossvel controlar a
exatido.
A Maonaria Anglo-Saxnica
Desde que um grande senhor ficou testa da Grande Loja da
Inglaterra, a prosperidade da instituio encontrou-se imediatamente
assegurada. Doze Lojas somente haviam tomado parte, em 24 de junho de
1721, da eleio do Duque de Montagu. Ora, trs meses depois, havia
dezesseis, depois, vinte ao final do ano; em 1725, quarenta e nove lojas
estavam representadas na Grande Loja.
O que fez, sobretudo, da em diante, procurar a iniciao
manica que ela conferia, de qualquer sorte, um brev de
respeitabilidade. O pblico ingls manifestava, todavia, alguma
desconfiana vista de uma sociedade em muito indiferente em matria
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
de religio. A fim de tranqiliz-la, os Freemasons no tardaram a
manifestar, em todas as coisas, uma escrupulosa ortodoxia anglicana.
Todo um movimento se desenhou nesse pas aps 1723,
numerosos espritos timoratos escandalizaram-se com as inovaes
consagradas pelo Livro das Constituies. Este tinha, a seus olhos, o
muito grave defeito de no tornar nenhuma crena obrigatria, quando
ento, tradicionalmente, todo Maom tinha o imperioso dever de ser fiel
a Deus e Santa Igreja.
Ciumentas de sua autonomia, muitas lojas se recusaram, alm do
mais, a reconhecer Grande Loja de Londres uma autoridade que elas
pretendiam usurpada.
Por motivos dessa ordem, e sob outros pretextos, produziram-se,
no seio da Maonaria inglesa, uma srie de cises que tiveram por
conseqncia, a partir de 1751, opor uma outra duas Grandes Lojas
inimigas.
A mais recente dessas Grandes Lojas no foi praticamente
constituda seno em 1753. Como seus adeptos vangloriavam-se de
permanecer ligados aos antigos usos, intitularam-se Maons Antigos, em
oposio aos Maons Modernos, cuja Grande Loja era, todavia, a mais
antiga, pois que remontava a 1717.
Foi isso que os historiadores chamaram de o Grande Cisma. A
Constituio dos Antigos tornava obrigatria a crena em Deus. Seu ritual
transbordava de preces e multiplicava as citaes bblicas tanto quanto as
frmulas piedosas. Ele comportava, alis, um grau suplementar, aquele do
Real Arco.
Nessas condies, sendo dado o esprito reinante entre os anglo-
saxes, a concorrncia dos Antigos deveria afirmar-se desastrosa para os
Modernos. A fim de no se desacreditarem inteiramente em seu prprio
Oswald Wirth
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A Franco-Maonaria Tornada Inteligvel aos seus Adeptos
pas, estes deveram ceder, capitulando pouco a pouco sobre a maior parte
dos princpios que, no incio, haviam seduzido a elite dos pensadores de
toda a Europa.
De reao em reao, os Modernos chegaram, finalmente, a no
mais se diferenciarem dos Antigos seno que por nuanas ritualsticas. A
no havia mais do que fazer seriamente obstculo fuso das duas
Grandes Lojas inglesas que, em 1813, se entenderam para constituir em
conjunto a Grande Loja Unida da Inglaterra.
O Incio da Maonaria na Frana
possvel que refugiados ingleses se houvessem entregado, na
Frana, a trabalhos manicos pouco depois de 1649, data da condenao
morte e da execuo de Carlos I. Entre aqueles dentre eles que
freqentavam a cor