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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL DEPARTAMENTO DE ECONOMIA Texto Didático n°07 O DILEMA DO PRISIONEIRO William Poundstone Julho 1995

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Kriegspiel

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL DEPARTAMENTO DE ECONOMIA

Texto Didático n°07

O DILEMA DO PRISIONEIRO

William Poundstone

Julho 1995

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O DILEMA DO PRISIONEIRO

A idéia de um jogo espelhar os conflitos do mundo é antiga. Em Mabinogion, uru coletânea de contos populares galeses (dos séculos XI a Mio, consta uma história de dois reis em guerra jogando xadrez, enquanto seus exércitos se degladiam nos arredores. Cada vez que um rei captura uma peça, um mensageiro chega para informar o outro rei que este acaba de perder um homem ou divisão crucial. Finalmente um rei aplica um cheque mate. Um mensageiro ensangüentado aparece e conta ao perdedor: "O exército está em retirada. Você perdeu o império."

Esta ficção se refere à origem militar do xadrez. O jogo chinês chamado Hindu Chaturanga e muitos outros jogos também são simulações de batalhas. Aqueles que encaram os jogos como simulações de guerra podem encarar esta também como um tipo de jogo. O exemplo clássico disso foi o centenário jogo na Prússia, chamado Kriegspiel. KRIEGSPIEL (JOGOS DE GUERRA)

Com o objetivo de ser um jogo educativo para as escolas militares no século XVIII, o Kriegspiel era jogado originalmente em um tabuleiro, que consistia do mapa da fronteira França-Bélgica, dividida em 3600 quadrados. As peças avançavam e recuavam pelo tabuleiro como exércitos.

O jogo original suscitou muitas imitações e foi finalmente substituído por outra versão, que se tomou muito popular entre os oficiais da Prússia. A nova versão usava verdadeiros mapas militares em vez do tabuleiro. Em 1824, o chefe do Comando alemão disse, referindo-se ao Kriegspiel: "Não é de modo algum um jogo! É um treinamento para a guerra !"

Iniciou-se, então, urna obsessão nacional difícil de se entender hoje em dia. O alto comando do exército Prusssiano estava tão impressionado com o jogo que mandou-o para todos os quartéis. Havia ordem expressa para que todo militar jogasse. O Kaiser aparecia nos campeonatos de Kriegspiel, com sua farda militar completa. Inspirados por peças de xadrez militarizadas, comuns na época (as peças eram feitas como marechais alemães, coronéis, etc.). Artesãos produziam as peças de Kriegspiel com detalhes impressionantes. Com vaga semelhança desses Zinnfiguren (bonecos de chumbo), existem hoje os soldados de brinquedo. Havia um crescente aumento de complexidade em tomo do jogo enquanto seus aficcionados praticantes desejavam maior realismo. O livro de regras, originalmente com sessenta páginas, aumentava a cada edição. '

Afirmações de que o jogo estaria por trás das vitórias militares prussianas estimularam o interesse internacional. Kriegspiel, supostamente, teria levado a uma vitória sobre a Áustria, na Guerra das Seis Semanas, em 1866. A partir de então, o exército austríaco também passou a jogar. A derrota francesa na guerra Franco-Prussiana (1870) também foi tida como uma vitória devida ao Kriegspiel, provocando uma febre pelo "jogo" também na França.

KIiegspiel chegou aos Estados Unidos após a Guerra Civil. Um oficial do exército americano reclamou que "o jogo não pode ser pronta e inteligentemente utilizado por alguém que não seja um matemático. Requer, para ser utilizado prontamente, uma certa instrução específica, estudo e uma dedicação equivalente à necessária para se ter conhecimento a respeito de uma língua estrangeira." Contudo, tornou-se popular na Maúnlla e no Naval War College em New Port, Rhode Island.

A vitória japonesa, na guerra com a Rússia (1905), foi a última creditada a uma nação jogadora de Kriegspiel. Tornou-se visível que as estratégias advindas do jogo nem sempre se adequavam à batalha. A derrota alemã na Primeira Grande Guerra foi o decreto de morte para o jogo - exato, ironicamente, na própria Alemanha, onde os comandantes no pós-guerra "lutavam" entre si, com réplicas dos regimentos renegados a eles pelo Tratado de Versalhes.

Em Budapeste, o jovem John von Neumann jogava Kriegspiel com seus irmãos. Eles desenhavam castelos, estradas e praias, onde avançavam e retrocediam "exércitos" de acordo com as regras. Durante a Primeira Grande Guerra, Johuny obteve mapas dos "fronts" e seguia os movimentos reais. Hoje em dia, KIiegspiel é jogado com três tabuleiros de xadrez, visíveis somente ao juiz. Era um passatempo comum na Rand Colporation e von Neumann jogava em suas visitas à mesma.

Para alguns críticos, a teoria dos jogos é a versão do século XX do Kriegspiel, onde, como em um espelho, os estrategistas militares vêem refletidas suas percepções. A comparação é relevante mesmo sendo injusta. A teoria dos jogos se tomou uma forma de oráculo estratégico, especialmente nas duas décadas pós Hiroshima. O problema é comum aos oráculos reside no fato de que a formulação das perguntas determina as respostas. ' Esta tradução foi feita por Leandro Milititski e revisada por Márcia Saraiva Cidade.

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Por que teoria dos jogos? É um clichê da biografia científica para achar razões na personalidade do cientista para a escolha de um tema. Porém, a pergunta é justa. Apesar do cientista ou matemático ser um descobridor e não um criador, exige um universo de rumos à explorar.

Por que um, não outro? Respostas significativas são mais difíceis de aparecer do que os historiadores da ciência admitem. Quando a questão é colocada para cientistas vivos, tem sido normalmente em vão. Muitos atribuem a causa da fascinação de vou Neumann por jogos à sua coleção de brinquedos infantis, seu freqüente humor infantil. Nesse sentido, ele não era atípico entre os cientistas. Jacob Boronowski escreveu (1973): "Você deve notar que, em um sentido, toda ciência, todo pensamento humano, é uma forma de jogo. O pensamento abstrato é a jovialidade do intelecto, através do qual o homem é capaz de ter atividades que não têm objetivo imediato (outros animais brincam somente enquanto jovens), com o intuito de se preparar a longo prazo. " A teoria dos jogos não se refere a "jogar", como é, muitas vezes, compreendida. Se refere a conflitos entre seres racionais, porém não confiáveis. Von Neumann escapou à revolução e ao terrorismo na Hungria e depois ao nascimento do nazismo. A relação com sua mulher, Xlara, era de constante conflito. Em suas cartas para a mulher, Johnny se refere a traição, represálias e profunda inconfiabilidade. Isso é parte do que significa a teoria dos jogos.

A teoria dos jogos teve como fundamento uma mente cínica. Alguns têm sugerido que o cinismo pessoal de von Neumann influenciou a teoria. É aceitável que sua personalidade o levou a explorar a teoria dos jogos e não outra. É incorreto pensar que von Neumann criou a teoria dos jogos como uma base "científica" para seus posicionamentos pessoais ou políticos. A teoria dos jogos é rigorosamente um estudo matemático, que surge naturalmente do modo de se enxergar o conflito. Von Neumann não teria se atido à teoria dos jogos, não tivesse sua intuição matemática lhe dito ser este um campo propício ao desenvolvimento. Uma parte da matemática utilizada na teoria dos jogos está intimamente relacionada à utilizada por von Neumann na física quântica.

A inspiração principal para a teoria dos jogos foi o pôquer, um jogo que von Neumann jogava ocasionalmente e apenas razoavelmente. (Em 1955 um artigo da Newsweek o caracterizou como um razoável ganhador no jogo.) No pôquer, se deve levar em consideração que os outros jogadores também estão pensando. Isso diferencia a teoria dos jogos da teoria probabilística, a qual também se aplica para diversos jogos. Considere um jogador de pôquer que, ingenuamente, tenta utilizar somente a teoria da probabilidade para decidir sobre suas jogadas. O jogador pensa na probabilidade de seu jogo ser melhor que o de todos os outros jogadores e avalia em proporção direta com o tamanho da rodada. Depois de diversas jogadas, os outros jogadores irão notar que seu desejo de apostar, digamos, doze dólares significa que ele tem pelo menos uma trinca. Como sabem os jogadores de pôquer, esse tipo de previsibilidade é ruim. (Já diz o ditado - a expressão de um jogador de pôquer nada revela.)

Bons jogadores de pôquer não levam somente em conta a sua dificuldade. Consideram as conclusões que os outros jogadores tirarão das suas ações, às vezes blefam para confundi-los. Foi a genialidade de von Neumann que viu que esse modo de jogar era ao mesmo tempo racional e passível de rigorosa análise.

Nem todos concordam que a teoria dos jogos tenha sido a parte mais expressiva dos amplos talentos de von Neumann. Paul Halmos, assistente de von Neumann em Princeton, me contou: "pelo meu ponto de vista ele estava somente perdendo seu tempo com aquela coisa de jogos. Eu sei perfeitamente que a maioria das pessoas não concorda com as opiniões que eu tinha na época ... e eu não tenho certeza se eu concordo com elas agora, mas ... eu nunca aprendi o assunto, tampouco a gostar dele." QUEM FOI O PRIMEIRO?

Von Neumann não pode ser responsabilizado totalmente pela invenção da teoria dos jogos. Iniciando em 1921, sete anos antes de von Neumann ter publicado seu primeiro trabalho, o matemático francês Émile Borel publicou diversos trabalhos em "La théorie du jeu". A relação entre esse trabalho e o de von Neumann é forte. Borel utilizou o exemplo do pôquer e o blefe, bem como von Neumann, mais tarde. Borel apreciava o potencial econômico e militar como aplicações da teoria dos jogos. Certamente Borel alertara sobre a forma simplificada da aplicação da teoria dos jogos à guerra. Ele não falava sem conhecimento de causa. Borel, que havia trabalhado como funcionário público, tomou-se Ministro da Marinha Francesa em 1925. Mais importante, foi Borel que colocou as perguntas básicas da teoria dos jogos: Para quais jogos haverá uma melhor estratégia? E como se chega a tal estratégia?

Borel não se aprofundou muito nessas questões. Bem como tantos outros indivíduos criativos, von Neumann tinha inveja a menções anteriores à sua "invenção". Seu trabalho de 1928 e o livro de 1944 não falam, senão uma menção ao pé da página, sobre Borel. Para que não houvesse dúvida, Ulman disse que um dos trabalhos de Borel havia realmente inspirado von Neumann.

O tratamento inadequado por parte de von Neumann com o trabalho de Borel contribuiu para uma sub-apreciação do trabalho do primeiro. Em 1953, von Neumann teria ficado furioso por saber que o trabalho de Borel estava sendo traduzido para o inglês. O tradutor, o matemático C. J. Savage, contou a Steve Heims: "Ele me ligou de Los Alamos muito bravo. Ele havia escrito uma crítica aos trabalhos em inglês. A crítica não era agressiva. Era característico dele que a crítica fosse escrita com respeito."

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Dito isso, é inegável que o trabalho fundamental da teoria dos jogos seja de von Neumann, no artigo de 1928, "Zur Theorie der Gesellschoftspiele" (teoria dos Jogos de Salão). Neste, ele provou (como Borel não o tinha feito) o famoso "teorema do minimax". Este resultado importante imediatamente atribuiu à teoria respeitabilidade matemática. TEORIA DOS JOGOS E COMPORTAMENTO ECONÓMICO

Von Neumann queria que a teoria dos jogos atingisse uma audiência maior que a dos matemáticos. Ele pressentiu que o campo emergente seria de grande utilidade para os economistas. Trabalhou com um economista austríaco, então em Princeton, Oskar Morgenstem, para desenvolver sua teoria.

A Teoria dos Jogos e o Comportamento Econômico de vou Neumann e Morgenstem é um dos livros menos lidos e mais influentes do século XX. A Princeton University Press admitiu o fato em um anúncio no American Scientist para "comemorar" o qüinquagésimo ano de vendas anêmicas "Grandes livros freqüentemente levam um tempo para serem reconhecidos ... Mais tarde, quando o mundo se vira para eles, sua influência de longe ultrapassa seus leitores." O livro, em cinco anos, não havia vendido quatro mil cópias, um fato difícil de se entender, levando em conta que havia afetado fortemente o campo econômico. A maioria dos economistas ainda não o tinha lido (e nem iriam ler); não constava de muitas bibliotecas de economia . Algumas cópias tinham sido vendidas para apostadores profissionais.

Teoria dos Jogos e Comportamento Econômico é um livro difícil. Hoje, o entusiasmo dos leitores por atravessar 641 páginas repletos de fórmulas está baixo, pelo fato de von Neumann e Morgenstem terem sido ultrapassados no seu tratamento a jogos para mais de duas pessoas. Sua postura, embora não errada, já não parece a mais útil ou esclarecedora.

Antes de tudo o livro era ambicioso. Von Neumann e Morgenstem sonharam em fazer na economia, o que von Neumann havia feito na física quântica e não havia conseguido fazer na matemática: colocá-la numa base axiomática. Os autores colocaram, "Esperamos perpetuar satisfatoriamente... que o típico problema de comportamento econômico toma-se estritamente idêntico às noções matemáticas de estratégias de jogos adequadas. "

Teoria dos Jogos e Comportamento Econômico, se apresenta como um trabalho pioneiro de economia. A introdução do livro é praticamente um pedido de desculpas por investigar jogos recreativos. Os jogos são apresentados como modelos potenciais para as interações econômicas (as aplicações militares, que se tomariam tão importantes para os seguidores de von Neumann não são citadas).

O tom é iconoclástico. Von Newnann e Morgenstem insistem que a Economia deve voltar à estaca zero. Eles comparam a Economia matemática corrente com a Física antes de Newton e Kepler. Eles confrontam aqueles que pregam reformas econômicas baseadas em teorias até então não confirmadas. Compreende-se que os autores se referiam ao Marxismo, entre outras teorias.

Os autores especulam que uma futura ciência econômica exata deverá requerer sua própria e ainda desconhecida matemática. Eles sugerem que o cálculo, que é essencialmente derivado da queda e órbita dos corpos da física, está sobrevalorizado no presente.

Felizmente, para nossos propósitos, o essencial da teoria dos jogos é simples de compreender, mesmo para aqueles com pouco conhecimento ou tolerância pela matemática. A teoria dos jogos é fundamentada de um modo simp les, porém poderoso, para esquematizar o conflito. Esse método pode ser ilustrado por alguns jogos infantis. A DIVISÃO DO BOLO

A maioria das pessoas já ouviu falar da melhor maneira de duas crianças dividirem um pedaço de bolo. Não interessa quão cuidadosamente um familiar tenha dividido, uma criança, ou ambas, sente-se prejudicada. A solução é deixar uma criança dividir o bolo e a outra escolhe o pedaço que preferir. A ganância assegura uma divisão justa. A primeira criança não pode reclamar que o bolo tenha sido mal dividido, por ter, ela própria, cortado o bolo. A segunda não pode reclamar já que escolheu o pedaço.

Esse exemplo doméstico, não somente é um jogo para von Neumann, mas também se torna a forma mais simples de ilustrar o "minimax", sobre o qual está baseada a teoria dos jogos.

O problema do jogo é um conflito de interesses. Ambas as crianças querem a mesma coisa, a maior fatia de bolo possível. A divisão final do bolo depende tanto da criança que corta o bolo, como da criança que escolhe o pedaço. É importante que cada criança preveja o que a outra vá fazer. Isso é o que torna a situação, um jogo para von Neumann.

A teoria dos jogos procura por soluções - fins racionais - para os jogos. Dividir o bolo igualmente é a estratégia adequada para a primeira criança, já que essa prevê que a estratégia da outra será a de escolher o maior pedaço. Portanto, a divisão igual do bolo é a solução para esse jogo. Essa solução independe da generosidade. É reforçada pelo próprio interesse de ambas as crianças. A teoria dos jogos procura soluções desse tipo.

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JOGADORES RACIONAIS

Com esse exemplo em mente, voltemos a examinar algumas idéias já introduzidas. Há muitas maneiras de se jogar. Pode-se jogar só por diversão, sem a preocupação de ganhar ou perder. Pode-se jogar descuidadamente te, contando com a sorte para vencer. Pode-se jogar presumindo-se que o adversário é fraco e explorar essa fraqueza. Jogando-se com uma criança, pode-se até jogar para perder. No entanto, esses não são pontos explorados pela teoria dos jogos. A teoria dos jogos se refere somente a jogadores perfeitamente lógicos, interessados somente na vitória. Quando se credita ao adversário tanto a racionalidade quanto o desejo de vencer, e joga-se tentando obter o melhor resultado possível, então o jogo é passível de análise pela teoria dos jogos.

Perfeita racionalidade como qualquer coisa perfeita é pura ficção. Não existe tal coisa como uma linha perfeitamente reta. Isso não impediu Euclides de desenvolver um sistema de geometria bastante útil. Acontece o mesmo com von Neumann e seus jogadores perfeitamente racionais. Pode-se pensar nos jogadores perfeitamente racionais como sendo programas de computador, ao invés de seres humanos. Os jogadores são considerados capazes de conhecer todas as regras do jogo e memorizar todas as jogadas passadas. Em qualquer momento do jogo, eles são capazes de prever todas as jogadas possíveis decorrentes de seus movimentos, bem como dos movimentos do adversário.

Jogadores perfeitamente racionais jamais deixariam de comer uma peça em damas ou jamais cairiam em uma armadilha no xadrez. Todas as jogadas possíveis estariam de acordo com as regras desses jogos e um jogador perfeitamente racional leva em consideração todas as possibilidades.

Como qualquer pessoa que jogue um dos jogos sabe, armadilhas e enganos - no sentido de tentar fazer o adversário cometê-los e tentar escapar deles - é exatamente a razão de ser dos jogos. Como seda um jogo entre dois jogadores perfeitamente racionais?

Você provavelmente já sabe o que ocorre quando o jogo da velha é jogado racionalmente". Termina no empate, é assim, a não ser que alguém cometa um erro. Por ser um jogo tão simples pode-se aprender a jogá-lo com perfeição, com o jogo perdendo o interesse.

Von Neumann mostrou, contudo, que muitos outros jogos são como o jogo da velha nesse sentido. Xadrez não é um jogo, von Neumann disse a Boronowski. Ele quis dizer que há uma maneira "correta" de se jogar, apesar, de ninguém saber, no momento, qual seria - e que o jogo, portanto, seria trivial, no mesmo sentido do jogo da velha, para jogadores conhecedores da estratégia "correta". JOGOS COMO ÁRVORES

A demonstração de von Neumann para esse fato é perfeitamente simples. Aplica-se não somente ao xadrez, mas para qualquer jogo onde "todas as cartas estão sobre a mesa."

A maioria dos jogos são jogados com a seqüência de jogadas. Tanto em xadrez como em damas, o tabuleiro está visível para ambos os jogadores. Não há jogadas em segredo. Para tais jogos é possível desenhar um diagrama de todas as possibilidades de jogadas. Utilizarei o exemplo do jogo da velha, por ser bastante simples. A mesma coisa poderia ser feita, em princípio, para xadrez, dama ou qualquer jogo desse tipo. O jogo da velha inicia com o jogador ("X") colocando uma marca em qualquer dos nove quadrados. Existem, portanto, nove jogadas iniciais possíveis. As nove possibilidades para o jogador X na primeira jogada, podem ser colocadas num diagrama de nove linhas saindo de um ponto. O ponto representa a jogada, o momento de decisão, e as linhas representam as possibilidades.

Em seguida vem o jogador O. Restam oito quadrados disponíveis, esses, dependerão de onde tiver jogado X. Desenha-se oito linhas secundárias do topo de cada uma das nove linhas primárias. Restam sete quadrados para a Segunda jogada de X. Com a continuação do diagrama das jogadas possíveis, se parece com uma árvore cheia de galhos.

Com a continuação do processo, chega-se, eventualmente, a um ponto em que haverá três sinais iguais em linha. Essa seria a vitória para o próximo jogador a jogar. Seria também o fim daquela linha específica do diagrama, pois o jogo termina quando alguém coloca três em linha. Marque esse ponto (chame-o de uma folha no diagrama), como sendo uma vitória para X ou O, dependendo do caso.

Outras linhas do diagrama acabarão em empate. Marque-os como empates. Obviamente o jogo não pode durar para sempre. Nove jogadas são o limite. Então, eventualmente, se terá um diagrama completo do jogo da velha. Qualquer jogo da velha possível - qualquer jogo já jogado ou que virá a ser jogado - deve aparecer no diagrama, como uma ramificação começando na raiz (a primeira jogada de X) e continuando até uma "folha", como sendo uma vitória para X ou O, ou o empate. A maior ramificação completa é a de nove jogadas. A mais curta é de cinco jogadas (que é o mínimo para a vitória do primeiro jogador).

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Por um processo de eliminação, pode-se chegar a uma maneira de se jogar o jogo da velha "racionalmente", através do diagrama. O diagrama contém todas as seqüências possíveis de jogo, até mesmo aquelas consideradas estúpidas, que são aquelas em que um jogador deixa passar a chance de ganhar o jogo. Só o que se tem a fazer é retroceder na árvore e retirar todas as jogadas estúpidas. O que sobrar serão as jogadas inteligentes - o modo racional de se jogar. Empate X ganha X ganha Ponto A (X joga) Ponto B (O joga) Ponto C (X joga)

Assim se parece uma pequena parte do diagrama. Observe o diagrama com cuidado. Cada "folha" é a última jogada de alguém, uma jogada que chega a uma vitória ou a um empate. Por exemplo, no ponto A, é a

vez de X jogar e existe somente uma possibilidade de jogada. X não tem chance senão preencher este último espaço vazio e chegar a um empate. Agora observ e o ponto B, uma jogada anterior do jogo. É a vez de O jogar e ele tem duas possibilidades de jogada. Colocando no ponto anteriormente visto leva

a um empate. Contudo, colocando no outro espaço, levará a uma vitória de X. Conseqüentemente, um "galho" seguindo do ponto B em diante, não pode ocorrer em um jogo racional. Retire esse galho do diagrama. Uma vez que o jogo chegue ao ponto B certamente haverá um empate.

Porém, observe: X poderia ter ganho antes, no ponto C. Um jogador (X) racional teria escolhido uma vitória direta no ponto C. Então, podemos retirar todo o lado esquerdo do galho do diagrama.

Continue talhando o diagrama até a raiz e irá descobrir que o empate é o único resultado possível para um jogo racional. (No entanto, há mais de uma maneira racional de se jogar.)

O que pode ser feito para o jogo da velha, pode ser feito para qualquer jogo de duas pessoas sem informações escondidas. A principal restrição é que o jogo deve ser finito, não podendo continuar indefinidamente e o número de escolhas para cada jogada, deve também ser finito. Caso contrário, não há folhas (últimas jogadas) para se seguir.

Sendo os seres humanos mortais, nenhum jogo recreativo tem a intenção de seguir indefinidamente. As regras de jogos mais desafiadores raramente explic itam um número máximo de jogadas. O xadrez normalmente termina com xeque-mate- Há diversos casos onde as peças podem ser movidas indefinidamente sem se chegar a um xeque-mate. Se o jogo chegar ao ponto do permanecer somente os dois reis no tabuleiro, nenhum jogador poderá aplicar xeque-mate no outro. As "regras de empate" trazem um fim para tais jogos. Uma regra comum declara o empate quando uma seqüência de jogadas se repete por três vezes. Outra regra mais complexa, coloca que se nenhum peão for movido e nenhuma peça mais "alta" for capturada em quarenta jogadas, o jogo termina em empate.

Conseqüentemente, von Neumann e Morgenstm apontaram que há um limite numérico de jogadas em um jogo de xadrez, dada uma regra de empate. (O limite se encontra provavelmente em tomo de 5000 jogadas com as regras comuns - muito mais que qualquer jogo de xadrez jamais jogado.) O número em si do limite não é importante, deve sim existir e ser finito. Dado que o jogo de xadrez só poderá ser jogado por um determinado número de jogadas e que o número de escolhas a cada jogada é finito, segue que o número de diferentes caminhos possíveis é também um número finito. Poderia se criar um diagrama de todas as sequências possíveis de jogadas e achar o modo racional de se jogar xadrez.

Existe uma velha piada sobre o xadrez, onde as peças brancas iniciam o jogo e o jogador com as peças pretas diz: "eu desisto". Xadrez entre jogadores perfeitamente racionais seria tão trivial como essa piada. Somente por não conhecermos a estratégia correta para o xadrez é que ele ainda é um desafio aos jogadores. Um fato

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é provar que existe uma estratégia correta, mas é outro (bem mais complexo), fazer todos os cálculos e criar essa estratégia. Não se sabe se um jogo racional de xadrez terminaria em vitória (presume-se para as peças brancas por jogarem primeiro), ou em um empate. JOGOS COMO TABELAS

Há outra maneira de se olhar os jogos. Uma maneira bem mais útil à teoria dos jogos. Um jogo é o equivalente a uma tabela de possíveis resultados. Como já foi dito, o número de jogadas possíveis em um jogo de xadrez é assustadoramente grande, porém finito. Segue que o número de estratégias de xadrez

também é finito. A palavra estratégia já foi utilizada diversas vezes, chegou a hora de defini-la. Em se tratando da teoria dos jogos, a estratégia é uma idéia importante e tem um significado mais preciso que a palavra normalmente empregada. Quando jogadores de xadrez falam de estratégia, se referem a algo do tipo "abrir com a Defesa Indiana do Rei e jogar agressivamente". Na teoria dos jogos a estratégia é um plano extremamente específico. É uma descrição completa de uma maneira particular de se jogar, não importando o que faça o outro jogador, tampouco quanto dure o jogo. A estratégia deve ser tão específica que não deve ser necessário tomar decisões posteriores.

Um exemplo de uma verdadeira estratégia no jogo da velha poderia ser: Coloque X no quadro central. O pode responder de duas maneiras: 1) se O for em alguma posição que não seja um canto, colocar X num canto adjacente a O. Isso resultará em dois X em linha. Se O trilhar em bloquear na próxima jogada, coloque três em linha e ganhe o jogo. Se O bloquear, coloque X num quadrado de canto (vazio) que não seja adjacente ao primeiro O. Isso te dará dois em linha duas vezes. Não importando o que O vertia a fazer na próxima jogada, você fará três em linha e ganhará; 2) se porventura a primeira jogada de O for num quadrado de canto, coloque X num quadrado adjacente que não seja de canto. Isso te dará dois em linha. Se O falhar em ganhar na próxima jogada, faça três em linha e ganhe. Se O bloquear, coloque X num canto adjacente ao segundo O e no mesmo lado da grade que o primeiro O. Isso lhe dará dois em linha. Se O falhar em bloquear na próxima jogada, coloque três em linha e ganhe. Se O bloqueá-lo, coloque o X no quadrado adjacente ao terceiro O. Isso lhe dará dois em linha. Se. O falhar em bloquear na próxima jogada, coloque três em linha e ganhe. Se O bloqueá-lo, (pg. 50). O importante é escolher a estratégia certa. A tabela mostra todas as possibilidades, que, no entanto, não se mostram sempre suficientes. A combinação de resultados na tabela pode ser inconfiável. Nenhum jogador escolhe o resultado desejado, escolhe sim, uma linha ou coluna. A escolha do outro jogador tem igual contribuição.

Olhe para uma tabela imaginária para o xadrez. A estratégia número 1 é boa para as peças brancas? É difícil dizer. Se o jogador com as peças pretas escolher a opção 1, será uma boa opção, levando a uma vitória das peças brancas. Contudo, se o jogador vier a fazer outra escolha qualquer, o resultado poderá vir a ser um empate ou uma derrota das peças brancas.

As peças brancas gostariam realmente de determinar a estratégia das peças pretas, sendo o único trabalho das primeiras combinar as estratégias de tal modo que as leve a uma vitória.

Infelizmente as peças pretas querem a mesma coisa. Cada jogador age pensando na forma pela qual o outro jogador irá reagir. Borel e von Neumann entenderam que esse comportamento coloca os jogos acima do raio de ação da teoria probabilística. Os jogadores estariam muito

enganados se imaginassem que a escolha de seu adversário se daria pela probabilidade. A probabilidade não se enquadra. Os jogadores farão o possível para deduzir a escolha do adversário e se preparar para ela. Há a necessidade de uma teoria nova. JOGOS DE SOMA ZERO

O termo jogos de soma zero foi um dos poucos termos ligados à teoria dos jogos a ter entrado no vocabulário do dia-a-dia. Se refere a jogos em que o retomo é fixado. O melhor exemplo é o pôquer. Os jogadores apostam dinheiro a cada rodada e alguém ganha. No entanto, nunca alguém ganhará um dólar a mais do que foi perdido pelos outros. É nesse restrito, mas bem diversificado grupo de jogos que a teoria dos jogos tem se mostrado melhor sucedida. As analogias com a economia são óbvias. Quando se fala em uma "sociedade de soma zero", queremos dizer que o que um ganhou o outro perdeu: "Não há tal coisa como um almoço de graça." '

A maior parte dos jogos recreativos são de soma zero. Isso se refere inclusive a jogos que não envolvam dinheiro. Envolvendo ou não dinheiro, cada jogador prefere um resultado a outro. Quando essas preferências são expressas em escalas numéricas, são chamadas utilidade.

Pense na utilidade como na pontuação de um jogo, ou como nos pontos que estás tentando ganhar. Se estiveres jogando pôquer com palitos de fósforo e tentares ganhar o maior número possível de palitos de fósforo, então a utilidade será igual à quantidade de palitos de fósforo.

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Em um jogo envolvendo dinheiro, o dinheiro é a utilidade, ou quase isso. Quando um jogo é jogado pelo simples prazer da vitória, então a vitória por si só confere utilidade. Em jogos como o jogo da velha ou o xadrez, pode-se relacionar à vitória a utilidade de 1 ("pontos" arbitrários) e à derrota a utilidade de -1. A soma das utilidades permanece zero, por serem jogos de soma zero.

Um fato importante a ser lembrado a respeito da utilidade é que corresponde às preferências dos jogadores. No caso de um adulto estar jogando com uma criança e desejar perder, a utilidade do adulto seria revertida: à derrota se daria utilidade 1 e à vitória se daria a utilidade -1. Lembrando que a utilidade não corresponde necessariamente a dinheiro, vitória, derrota ou qualquer objeto.

O jogo mais simples e verdadeiro é o jogo de duas pessoas, duas estratégias e soma zero. A única maneira de um jogo ser mais simples seria se um jogador tivesse somente uma estratégia. Só que uma escolha com uma só opção, obviamente não envolve escolha nenhuma. O "jogo" seria um jogo de uma só pessoa, o que não seria jogo algum.

Um jogo de duas pessoas e duas estratégias poderia ser colocado num diagrama de duas linhas e duas colunas. Se o jogo for um jogo de soma zero, poderá ser apresentado concisamente. Preencha cada uma das quatro células com um número representando a vitória de um jogador. Sabemos que a vitória de um jogador representa obrigatoriamente a derrota do outro. Possibilitando que ambos os jogadores utilizem o mesmo diagrama (as vitórias do segundo jogador são os números negativos dos números na tabela). O MINIMAX E O BOLO

Um jogo de duas pessoas e soma zero é uma "guerra". Um jogador só pode ganhar com a derrota do outro. A cooperação não é possível. Von Neumann estabeleceu um plano simples e sensível para soluções racionais de tais jogos. É chamado princípio do minimax.

Reexaminaremos o problema da divisão do bolo sob a perspectiva da teoria dos jogos. As crianças estão jogando um jogo de soma zero. A quantidade de bolo é pré-estabelecida e nada que as crianças venham a fazer vai modificar esta quantidade. O acréscimo na quantidade de bolo para uma criança acarreta, necessariamente, em uma diminuição dessa mesma quantidade para a outra criança.

A primeira criança (a cortadora) tem uma enorme quantidade de possíveis estratégias. Falando-se específicamente, esse número é ilimitado, considerando-se que ela pode cortar o bolo de infinitas maneiras. Não perderemos muito simplificando o número de escolhas a apenas duas estratégias. Uma estratégia seria a de cortar o bolo de forma desigual, enquanto, a outra seria a de cortar o bolo de forma a ficar o mais igual possível.

A segunda criança (a escolhedora) também tem duas estratégias. Ela pode escolher o pedaço maior ou o menor (como um complemento de realismo assumiremos que seria impossível uma divisão perfeita do bolo, mesmo que a criança que deve cortar o bolo opte por corta-lo igualmente, sempre haverá um pedaço maior que o outro).

Uma tabela simples ilustra as possíveis escolhas. Coloca-se, somente, os resultados de uma criança na tabela. Usaremos os resultados da criança cortadora. Obviamente, a escolhedora fica com o que sobrar. A tabela se parece assim: Estratégia do escolhedor Escolher o pedaço maior Escolher o pedaço menor Cortar o bolo em pedaços iguais Metade do bolo menos uma migalha Metade do bolo mais uma migalha Cortar um pedaço maior que o outro Pedaço pequeno Pedaço grande

Estratégia do cortador

Já sabemos o que esperar desse jogo. A "cortadora" tentará cortar o bolo de forma igual. A "escolhedora" pegará o pedaço maior do bolo. O resultado será, portanto, a célula superior esquerda. A "cortadora" ficará com um pedaço levemente menor que a metade do bolo. "

Por que esse resultado? Se a "cortadora" pudesse escolher, certamente escolheria o maior pedaço (célula inferior direita). A "cortadora" sabe o que esperar da "escolhedora", ou seja, o menor pedaço possível.

A "cortadora" tem o poder de decidir o resultado da divisão do bolo. Ela espera terminar com o menor pedaço do bolo, pois a "escolhedora" agirá de forma a minimizar o pedaço da "cortadora". Portanto, ela age tentando maximizar o menor pedaço que será deixado para ela.

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Se a "cortadora" cortar o bolo de forma igual, ela sabe que receberá praticamente metade do bolo. Se, porventura, cortar um pedaço bem maior que o outro, sabe que terminará com o menor pedaço. A verdadeira escolha que ocorre é entre a quase metade do bolo e muito menos que a metade. A "cortadora" escolhe ficar com o mais próximo da metade possível. Esse montante, o máximo do mínimo, é chamado de "maximin".

"Você sabe que o melhor que se pode esperar é evitar o pior", escreveu Italo Calvino em In a vànter's night a traveler (1979). O ditado expressa corretamente o princípio do minimax. A escolha da estratégia é um resultado natural. Não se trata de um resultado justo arbitrado por teorias, mas sim, do equilíbrio advindo do interesse de ambos os jogadores.

O princípio do minimax traz sentido a jogos de duas pessoas e soma zero mais complexos. Temos mostrado que praticamente todos os jogos comuns são equivalentes a uma escolha simultânea de estratégias pelos jogadores. Jogos simultâneos são diferentes do problema da divisão do bolo, onde o escolhedor age depois do cortador.

E se o escolhedor tivesse que escolher antes do cortador ter pegado a faca? Não faria a menor diferença. Um escolhedor racional sabe que o cortador vai dividir o bolo de torna a deixa-lo com o menor pedaço. O escolhedor, por sua vez, quer deixar o cortador com o menor pedaço possível. O escolhedor procura o mínimo da coluna do máximo (o minimax). E a célula superior esquerda.

Nesse jogo, a célula superior esquerda é o resultado natural, não importando qual jogador deve anunciar sua decisão antes. Conseqüentemente, sentimo-nos seguros em afirmar que a célula superior esquerda seria o resultado lógico para o jogo onde os jogadores devessem decidir simultaneamente.

A célula superior esquerda representa tanto o maximin (o resultado mais realístico para o cortador), quanto o minimax (o resultado mais realístico para o escolhedor). Pode-se pensar se houve uma coincidência ou se representa a regra. É somente uma coincidência, porém, não muito incomum em tabelas pequenas. Quando o minimax e o maximin coincidem, esse resultado é chamado de "ponto de cela".

Quando um jogo tem um ponto cela, este ponto, é a solução para o jogo, o ponto esperado para um jogo racional. Observe que um resultado racional não significa que todos terminem felizes. O cortador termina com uma migalha ou duas a menos que o escolhedor. Ele pode se sentir injustiçado, ou mesmo ambos podem ficar tristes por não terem pegado um pedaço bem maior. Nenhum dos jogadores consegue a sua primeira escolha. O que impede os jogadores de se rebelarem e agirem de forma irracional?

A resposta é a ganância e a desconfiança. A metade do bolo menos uma migalha é o máximo que o cortador pode garantir sem qualquer ajuda do escolhedor. Esse é também o menor pedaço que o escolhedor pode deixar para o cortador. Para atingir qualquer resultado melhor, um jogador necessitaria da ajuda do adversário. No entanto, o oponente não tem por que ajudar - seria menos bolo para ele próprio. O ponto de cela para um jogo de soma zero é o resultado natural. É parecido com as algemas de dedo chinesas. Quanto mais força se faz para melhorar, em pior situação se encontrará. ESTRATÉGIAS, MISTURADAS

Infelizmente há um problema. Nem todos os jogos tem o ponto cela. O problema é que se pode inventar um jogo com as regras que quiser. Qualquer tipo e resultado é possível. É fácil se preencher uma grade retangular com números de tal forma que a linha do mínimo -máximo não se iguala à coluna máximo -mínimo. Dessa forma não há ponto de cela.

Um dos jogos mais simples não tem ponto de cela. "Cara ou coroa" (que von Neumann e Morgenstem usam como exemplo), dificilmente pode ser considerado um jogo. Dois jogadores colocam simultaneamente um centavo sobre uma mesa - cara ou coroa para cima. Quando as duas moedas combinarem (forem iguais) o jogador número um fica com as duas moedas. Ele permanece com o seu centavo mais o ganho do adversário. Caso as moedas não combinem, o segundo jogador fica com ambas.

A tabela para essa combinação se parece assim:

Cara Coroa Cara 1 centavo -1 centavo Coroa -1 centavo 1 centavo

O mínimo de ambas linhas é -1 centavo. Portanto, o máximo mínimo é –1 centavo. O máximo de ambas as linhas é 1 centavo, então o mínimo máximo

também é 1 centavo. Existe urna diferença de dois centavos entre o minimax e o maximin.

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Von Neunmnn e Morgenstm gostavam de jogos tipo "cabo de guerra". Ambos os lados podem impedir que o adversário ganhe muito terreno, mas há um terreno intermediário onde a corda oscila, indo e vindo.

Apostando os centavos, o primeiro jogador pode assegurar seu minimax (-1 centavo), que neste caso não significa muito, por ser a maior perda possível no jogo, O segundo jogador tem a garantia de que não vai perder mais de 1 centavo. A diferença entre essas duas garantias, 2 centavos, é o que está em jogo.

Deve-se escolher cara ou coroa? Obviamente, depende da escolha do outro jogador. Se você soubesse o que o outro jogador iria fazer, saberia também o que fazer - e vice-versa.

Como você provavelmente já deve saber, a melhor maneira de se jogar cara ou coroa é ao acaso (com 50% de chance cada). Isso é chamado "estratégias misturadas", contrastando com as "estratégias puras" onde se jogaria sempre cara ou sempre coroa. As estratégias misturadas não eram novidades para von Neumann. O trabalho de Borel já considerava tais estratégias, e claro que jogadores de jogos como cara ou coroa já sabem da importância da escolha casual há muito tempo. Às vezes cara ou coroa é utilizado para decidir qual time vai levar vantagem em outro jogo, tal como qual time vai dar o pontapé inicial num jogo de futebol.

Façamos um novo diagrama que inclua a estratégia do acaso.

Cara Coroa Acaso Cara 1 centavo -1 centavo 0 Coroa -1 centavo 1 centavo 0 Acaso 0 0 0

Qualquer um que jogue ao acaso tem a mesma chance de ganhar ou perder um centavo. ( Isso vale independentemente do adversário escolher uma estratégia pura ou ao acaso.) Na média, o resultado para um jogador que joga ao acaso é 0, Preencha as linhas e colunas dos jogadores com estratégias ao acaso com zeros.

Agora existe um ponto cela. Se o primeiro jogador tivesse que escolher sua estratégia primeiro (cara, coroa, ou ao acaso), sabendo que o segundo jogador tiraria vantagem dessa informação, então ele escolheria a estratégia do máximo mínimo. As estratégias de cara ou coroa tem mínimo de -1 centavo. A estratégia do acaso garante uma média de 0, independente do que o outro jogador venha a fazer. Portanto, a estratégia do acaso é a do máximo -mínimo.

Se o segundo jogador tivesse que escolher primeiro ele optaria pelo mínimo máximo. Novamente este é o caso da estratégia do acaso. A teoria dos jogos sugere a célula inferior direita como o resultado natural. Ambos os jogadores deveriam escolher a estratégia do acaso. Mais uma vez se vê o equilíbrio entre as vontades opostas dos jogadores.

A maioria das crianças de cinco anos já sabem jogar cara ou coroa. Então para que se precisa da teoria dos jogos? A resposta é que há outros jogos que não são tão simples e, para esses, a teoria dos jogos consegue resultados que, de forma alguma, são de senso comum. Os

contras em uma estratégia ao acaso não têm que ser de 50%. Eles deveriam e são ajustados de acordo com a "recompensa". A teoria do jogo explica isso. Aqui está um belo dilema: "Cara ou Coroa com Milionários". O jogo funciona da mesma forma que qualquer jogo de cara ou coroa, com o detalhe que está se

jogando com adversários extremamente ricos e se ocorrer duas caras teu adversário te paga 1 milhão de dólares. Seus resultados são os que seguem (do adversário são os opostos): Cara Coroa Cara $ 1milhão - 1 centavo Coroa -1 centavo 1 centavo

Qual estratégia deveria ser utilizada para esse jogo? Bem, os centavos são desprezíveis. Está-se interessado em ganhar o milhão de dólares. A única maneira disso acontecer é você jogar cara. Então, sua primeira reação é jogar cara.

Espere um momento, seu adversário teria de ser louco para jogar cara. Ele não vai se arriscar a perder 1 milhão de dólares. A primeira reação dele vai ser de jogar coroa.

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Se as reações iniciais prevalecerem você jogará cara e seu adversário coroa. Não vai haver combinação (mesmo escolha para ambos), e você vai perder um centavo para o seu adversário - espere um pouco, este jogo não deveria ser favorável a você?

Em uma análise mais profunda, você percebe que seu adversário tem que escolher coroa (ou pelo menos deve). Isso não somente veta a sua grande jogada (a grande perda dele), mas ele ainda ganha um centavo cada vez que você escolher cara.

Os dois podem jogar esse tipo de jogo. Apostando que você saiba, quase que com certeza, que seu adversário vai escolher coroa, você pode tirar vantagem desse frito. Escolha coroa e você muito provavelmente vai ganhar um centavo.

Talvez seu adversário preveja sua estratégia. Ele pode ficar tentado a jogar cara - ou não; ele estaria arriscando 1 milhão dessa forma. Assim mesmo, se houver qualquer chance dele jogar cara, talvez você devesse reconsiderar a possibilidade de jogar cara. Você pode muito bem deixar de ganhar um centavo para tentar a sorte grande com o milhão.

A teoria dos jogos conclui que a melhor estratégia misturada seria jogar coroa quase que todo o tempo. Você deveria jogar cara com uma probabilidade de 2 em 100 milhões. Seu adversário deveria fazer a mesma coisa.

A linda possibilidade de ganhar 1 milhão de dólares é praticamente uma ilusão, devido ao fato de que seu adversário pode vetá-lo. Cara ou coroa é um jogo justo, com zero de retomo esperado. A versão dos milionários é em seu favor, mas somente em aproximadamente um centavo por jogada. Isso, é claro, é o que você ganha por jogar coroa. O resultado efetivo do possível milhão é aumentar sua média de ganhos em um centavo! Não aumentaria seu retomo esperado de forma apreciável, mesmo que o bônus se elevasse para 1 trilhão de dólares.

O outro ponto surpreendente é a recomendação para que o segundo jogador eventualmente utilize a estratégia arriscada de jogar cara. Ele não a joga muito, mas é difícil vê-lo jogando assim mesmo (2 em 100 milhões). Aqui está uma maneira de se encarar essa situação. O jogo basicamente consiste em um dos dois jogando coroa. Se, porventura o segundo jogador cortasse totalmente das suas possibilidades jogar cara, você jamais ganharia o milhão de dólares. Portanto, você igualmente não teria razão alguma para jogar cara.

O segundo jogador (que quase sempre joga coroa) gosta quando você joga cara. Tal ação quase sempre resulta em um vitória para ele. Ele tem que jogar cara eventualmente, para incentivá-lo a jogar cara vez que outra. E mais, essas vezes em que ele joga cara não criam problemas por você normalmente jogar coroa.

Um raio raramente cai duas vezes no mesmo lugar. Contando que ambos os jogadores jogam cara raramente, os muitos casos de somente uma cara (com vitória do segundo jogador) equilibra a escassa possibilidade da catástrofe de ambos os jogadores colocarem cara. Portanto, há uma estratégia misturada, em que caras são jogadas com pouquíssima seqüência, mas não são descartadas por completo. BOLAS CURVAS E GENES MORTAIS

Uma vez entendida a idéia de estratégias misturadas, você as encontra seguidamente. Daremos alguns exemplos. Os arremessadores de baseball atiram alguns tipos de bolas melhores que outros. Permanecendo todo resto constante, o rebatedor esperaria que o arremessador

atirasse sua melhor bola o tempo todo. Porém, com o rebatedor prevendo a jogada, ele tirará proveito disso. Os arremessadores, por isso, jogam uma mistura de bolas rápidas, lentas, bolas curvas para manter o rebatedor com um grau de incerteza. A exceção (rara) só comprova a regra. Quando perguntaram a Satchel Paige como ele conseguia atirar somente bolas rápidas e mesmo assim com sucesso, ele respondeu, "Eles sabem o que vem, mas eles não sabem onde."

Em princípio, a teoria dos jogos poderia combinar uma mistura ótima de arremessos. A combinação variaria de acordo com os pontos fortes de cada arremessador. Seria necessário a obtenção de dados estatísticos - quantas corridas resultaram de cada tipo de arremesso, etc. Seria interessante comparar a reação instintiva dos jogadores com o resultado advindo da teoria dos jogos. A matemática só aparece como dados estatísticos, e isso parece um caminho natural para o surgimento de um novo Bill James.

Já em 1928, Oskar Morgenstem reconheceu um dilema nas Aventuras de Sherlock Holmes, de Aflhur Conan Doyle. Ele e von Neumann citam em seu livro: Sherlock Holmes deseja ir de Londres a Dover e daí ao Continente para escapar do Professor Moriarty, que o persegue. Assim que o trem se põe em movimento,

ele observa a chegada do Professor Moriarty na plataforma. Sherlock Holmes tem como certo que seu adversário, que já o viu, pode tomar um trem mais rápido e ultrapassá-lo. Sherlock Holmes está diante da alternativa de ir até Dover ou deixar o trem em Canterbury, a única estação intermediária. Seu adversário - cuja inteligência está apta a visualizar ambas as possibilidades - tem a mesma escolha. Ambos devem decidir o local de descida sem saber a escolha do adversário. Se, porventura ambos se encontrarem na mesma plataforma, como resultado de suas escolhas, pode-se esperar que Moriarty mate Sherlock Holmes. Caso Sherlock Holmes chegue seguro a Dover poderá escapar em definitivo.

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Von Neumann e Morgenstem vão ao ponto de colocar os diversos resultados e colocam uma estratégia misturada. Eles recomendam que Moriarty vá a Dover com 60% de probabilidade e vá a Canterbury com 40% de probabilidade. Sherlock Holmes deveria ir a Canterbury (com 40% de probabilidade) e para Dover (com 60% de probabilidade). O jogo é injusto e Moriany tem melhores condições de vencer.

Na história de Doyle, Holmes desce em Canterbury e vê o trem, mais rápido, passar de Moriany, indo para Dover. É interessante notar que tanto Holmes como Moriarty seguiram o caminho indicado como o mais provável por von Newnam e Morgenstem na estratégia misturada. Eles escreveram: "É, contudo, ilusório que isso leve a uma vitória completa de Sherlock Holmes, onde nota-se acima que as possibilidades de vitória favorecem Moriarty...Nosso resultado...mostra que Sherlock Holmes tem 48% de chances de morrer quando o trem sai da Victoria Station."'

Essa forma de calcular possibilidades lembra o blefe no pôquer. O pôquer pode ser bastante complexo, especialmente por ter mais de dois jogadores. Von Neumann analisou uma forma simplificada de pôquer. Mesmo simplificado, o resultado se aplica ao jogo real. Ele mostrou que você deveria sempre atuar agressivamente quando se tem uma mão forte. Com um jogo fraco, deveria blefar ocasionalmente (atuar agressivamente de qualquer modo).

Von Neumann colocou duas razões para blefar. Um jogador que nunca blefe perde muitas chances de pegar blefes dos demais jogadores. Imagine que tanto você quanto seu adversário venham com cartas ruins. Você não blefa, seu adversário sim. Isso quer dizer que seu adversário ganhará sem mostrar as cartas. Se você tivesse blefado, suas cartas ruins seriam comparadas com as cartas ruins dele e você poderia ter ganho. O blefador pode explorar o não blefador, portanto o jogador racional de von Neumann deve blefar.

Blefar é também uma forma de fazer as expectativas nebulosas. Jogadores formam opiniões sobre a mão baseado nas apostas. O blefe previne que um jogador se tome previsível.

A teoria dos jogos tem importantes analogias com a biologia. Uma pessoa que herde um gene com célula anêmica de somente um dos pais tem maior imunidade a anemia, mas alguém que herde dos dois pais desenvolverá a anemia, uma doença mortal. A incerta sobrevivência desse e outros genes mortais provavelmente envolve um equilíbrio muito parecido com a versão bônus- resultado do cara ou coroa.

Uma célula doente apesar de perigosa é benéfica quando só está presente um gene. Observando-se que a ocorrência desse gene é bastante raro, casos da doença são raros se comparados com o número de casos de imunidade. Acredita- se ser essa a razão da persistente presença desse gene raro em locais em que a malária é comum.

Você deve estar pensando o que isso tem a ver com a teoria dos jogos. Os genes não podem escolher qualquer tipo de estratégia. Em um nível bastante abstrato pode-se dizer que a teoria dos jogos se refere a tabelas com números. Não faz diferença se pegarmos como exemplo jogadores de pôquer que querem ganhar a maior quantidade de dinheiro possível ou como genes se reproduzindo tanto quanto possível de acordo com a natureza. Veremos mais a respeito da relação da teoria dos jogos com a biologia mais tarde. O TEOREMA DO MINIMAX

O teore ma do minimax prova que todo jogo finito de duas pessoas e soma zero tem uma solução racional na forma de estratégias puras ou misturadas. A posição de fundador da teoria dos jogos dada a vou Neumann deve-se principalmente a ele ter conseguido provar o teorema do minimax em 1926. Von Neumann considerou crucial o teorema. Em 1953, ele escreveu: "Como eu vejo, não poderia haver teoria dos jogos sem aquele teorema... Ao longo do período eu achei que não havia nada que valesse a pena ser publicado antes de provado o teorema do minimax."

Colocando em linguagem corriqueira, o teorema do minimax diz que sempre há uma solução racional para um conflito de duas pessoas com interesses completamente opostos. É uma solução racional dado que nenhum dos dois jogadores pode fazer melhor, dada a natureza do conflito.

As respostas da teoria dos jogos são conservadoras. São as melhores que um jogador racional pode esperar ao enfrentar outro jogador racional. Elas não garantem o melhor resultado possível. Normalmente um jogador racional consegue melhores resultados ao enfrentar um jogador irracional. As vezes essa vantagem vem do fato do jogador seguir rigidamente a estratégia do jogo, outras vezes, é necessário ao jogador divergir da estratégia da teoria para tirar vantagem do jogador irracional.

Pequena como essa mudança possa parecer, a estratégia modificada não é mais a ótima, abrindo a você a possibilidade de explorá-la (ou ser explorada por um terceiro jogador, ou mesmo pelo jogador irracional). JOGOS DE N-PESSOAS

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Um jornalista perguntou a von Neumann se a teoria dos jogos poderia ajudar em uma eventual entrada no mercado de ações. Muito honestamente, von Neumann respondeu que não. Tal pergunta respondida, para que afinal serve a teoria dos jogos? Se não para se jogar, então para quê?

Von Neumann viu o teorema do minimax como o primeiro pilar de uma ciência econômica exata. Visando esse fim, boa parte do livro de von Neumann e Morgenstem tratava de jogos com três ou mais pessoas. Na maior parte das vezes, o número de "jogadores" em um problema econômico é grande - às vezes imenso e nenhuma simplificação é possível.

Um jogo com um número indefinido de jogadores é chamado "jogo de n- pessoas". Uma análise completa de tais jogos é muito mais complexa do que de jogos de duas pessoas e soma zero. Os conflitos de interesses são menos importantes. O que é bom para A, pode ser ruim para B e bom para C. Em tal situação A e C podem formar uma aliança. Tais coalizões mudam um jogo radicalmente.

Em um jogo de três pessoas, é possível que duas atuando conjuntamente possam garantir a vitória. Dois aliados podem, portanto, cortar um terceiro da sua parcela de ganhos. Von Neumann e Morgenstem tentaram descobrir quando tais coalizões seriam mais viáveis e quem as formaria. Dois concorrentes fracos se juntariam contra um forte? Ou os fracos tentaram se unir aos fortes? Uma conclusão foi que muitas coalizões são possíveis. Sendo difícil ou impossível de se prever.

Von Neumann esperava usar o teorema do minimax, inclusive, para jogos com maior número de jogadores. O teorema do minimax dá respostas racionais a jogos de duas pessoas e soma zero. Jogos de três pessoas podem ser dissecados em sub-jogos com as coalizões potenciais. Se os jogadores A e B se unirem contra C, o jogo resultante é efetivamente um jogo de duas pessoas, com resultado garantido pelo teorema do minimax. Ao poderem prever os resultados de todas as coalizões possíveis, os jogadores A, B e C, poderiam decidir qual coalizão se encaixaria melhor em seu interesse. Isso daria uma solução racional a um jogo de três pessoas.

Não tem porque parar por aí. Jogos de quatro pessoas podem ser –divididos em jogos de duas ou três pessoas, com suas possíveis coalizões. Colocando-se todas as opções, o resultado se toma evidente. Jogos de quatro pessoas levam a jogos de cinco pessoas, seis pessoas, ad infinitum.

Infelizmente, a complexidade dos jogos, cresce exponencialmente com o número de jogadores. Se a economia do mundo for modelada como um "jogo" de 5 bilhões de pessoas, esse fato é de pouco uso prático. Em sua parte principal, o trabalho de von Neumann e Morgenstem nunca saiu do chão. Permanece, para que alguém extenda suas fundações.

Como bom matemático que era, von Neumann não tentou limitar sua teoria ao seu tema principal. Hoje em dia não nos parece nada incomum utilizar a geometria em contextos diferentes pelos quais foi inventada. Um retângulo é um retângulo, não importando se é a fazenda de alguém ou algo abstrato em um teorema geométrico. Von Neumann e Morgenstem colocaram que um jogo de soma zero e n-jogadores é, na verdade, uma função com n variáveis ou, igualmente, uma matriz n-dimensional. Boa parte da discussão no livro Teoria dos Jogos e Comportamento Econômico aplica-se a tais funções abstratas ou matrizes, indiferentemente se são colocadas como resultados de jogos ou tabelas, resultados de provenientes de decisões econômicas ou militares, ou qualquer outra coisa. A teoria dos jogos é inspirada em jogos, mas não se refere somente a eles.

Conflitos reais adiaram um maior desenvolvimento da teoria. Como muitos de seus colegas, von Neumann participou do esforço de guerra, deixando pouco tempo para a pesquisa. Von Neumann não escreveria mais nenhum trabalho matemático no período entre guerras. Paul Halmos (1973) escreveu: "O ano de 1940, foi o ponto intermediário da vida científica de von Neumann e suas publicações mostram um ponto de descontinuidade, a partir de tal ano. Até então, ele era um grande matemático que entendia de física; depois ele era um matemático aplicado que se lembrava de trabalhos passados."

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