wendt

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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DOCENTE: Prof. Dr. Samuel Alves Soares DISCENTE: Lívia Peres Milani RA: 4100810 DISCIPLINA: Teoria das Relações Internacionais II CURSO: Relações Internacionais – 2º ano (Noturno) Resumo Crítico: WENDT, Alexander. Anarchy is what states make of it. International Organization, v 46, n.2, 1992. Alexander Wendt nasceu em 1958, estudou Ciência Política e Filosofia no instituto Macalester College e obteve seu doutorado em Ciência Política pela Universidade de Minesota, em 1989. Wendt foi professor nas Universidades de Yale e Chicago e atualmente leciona na Universidade de Ohio. Entre suas publicações encontram-se vários artigos e o livro “ Social Theory of International Politics . 1 Em seu artigo “ Anarchy is what states make of it” , Wendt inicia o texto apresentando e posicionando-se no debate entre a concepção neo-realista e a neoliberal das Relações Internacionais. O autor argumenta que as duas concepções discordam com relação à influência da estrutura na ação estatal, sendo que os realistas a privilegiam sobre o processo e os liberais entendem que o processo é mais relevante que a estrutura. Wendt também privilegia o processo e, portanto, posiciona-se próximo aos liberais. Neste texto, o autor tem como finalidade apresentar o construtivismo como uma nova forma de conceber as Relações 1 Disponível em <http://en.wikipedia.org/wiki/Alexander_Wendt>. Acesso em 19/09/2011.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA FILHOFACULDADE DE CINCIAS HUMANAS E SOCIAISDOCENTE: Prof. Dr. Samuel Alves SoaresDISCENTE: Lvia Peres Milani RA: 4100810DISCIPLINA: Teoria das Relaes Internacionais II CURSO: Relaes Internacionais 2 ano (Noturno)Resumo Crtico: WENDT, Alexander. Anarchy is what states make of it. International Organization, v 46, n.2, 1992.

Alexander Wendt nasceu em 1958, estudou Cincia Poltica e Filosofia no instituto Macalester College e obteve seu doutorado em Cincia Poltica pela Universidade de Minesota, em 1989. Wendt foi professor nas Universidades de Yale e Chicago e atualmente leciona na Universidade de Ohio. Entre suas publicaes encontram-se vrios artigos e o livro Social Theory of International Politics.[footnoteRef:1] [1: Disponvel em . Acesso em 19/09/2011.]

Em seu artigo Anarchy is what states make of it, Wendt inicia o texto apresentando e posicionando-se no debate entre a concepo neo-realista e a neoliberal das Relaes Internacionais. O autor argumenta que as duas concepes discordam com relao influncia da estrutura na ao estatal, sendo que os realistas a privilegiam sobre o processo e os liberais entendem que o processo mais relevante que a estrutura. Wendt tambm privilegia o processo e, portanto, posiciona-se prximo aos liberais.Neste texto, o autor tem como finalidade apresentar o construtivismo como uma nova forma de conceber as Relaes Internacionais e traar uma ponte entre este e a teoria neoliberal. O autor busca alcanar tal objetivo a partir de uma argumentao construtivista que demonstre, assim como defendem alguns liberais, que o processo pode transformar identidades e interesses atravs de instituies internacionais. Neste sentido, a estratgia do autor refutar a concepo neo-realista de que a auto-ajuda uma conseqncia necessria da anarquia, argumentando que a poltica de poder resultante do processo, no da estrutura.Wendt escreve o texto, e busca atingir os objetivos citados acima, guiado pela indagao sobre a mutabilidade de algumas caractersticas que marcam o sistema internacional contemporneo. Desta forma, procura responder se a poltica competitiva de poder e a auto-ajuda so conseqncias necessrias da anarquia. Como resposta a tais perguntas, Wendt apresenta a tese de que a auto-ajuda e a poltica de poder no so resultantes da anarquia, e que se hoje tais caractersticas existem porque foram construdas pela interao entre os Estados. Dessa forma, nenhuma caracterstica do sistema internacional um resultado necessrio da anarquia, mas da forma pela qual os Estados interagem. Para demonstrar que a poltica de poder no resultante da anarquia, mas da interao entre estados, foi necessrio que Wendt definisse alguns conceitos, como o de identidade. A identidade refere-se percepo que os Estados tm de si mesmo e dos outros e construda socialmente, sendo impossvel a existncia de identidade antes da interao. A importncia da identidade refere-se ao fato de que esta a base do interesse, sendo que quando h indefinio de identidade, os interesses tambm se tornam confusos. O conceito de instituio para o autor refere-se tambm identidade, sendo que esta definida como uma estrutura de identidades e interesses. Apesar de poderem constranger os atores e mudar interesses, estas instituies so uma funo do que os atores sabem coletivamente e da forma como interagem. A soberania e a auto-ajuda so exemplos destas instituies.A partir destes conceitos, Wendt divide sua argumentao em duas partes. Na primeira, o autor demonstra que a auto-ajuda e a poltica de poder so constructos sociais desenvolvidos sob a anarquia. Na segunda parte, so explanadas como as instituies, a soberania, a cooperao e certos esforos intencionais podem transformar identidade e os interesses em uma situao de anarquia.Primeiramente, autor argumenta que os Estados no podem ser naturalmente egostas, porque no h identidade anterior interao. Assim, a auto-ajuda no natural porque no estado de natureza h a vontade de sobreviver, mas no h identidade egosta porque o eu ainda no foi definido. Neste estado natural tambm h indefinio de ameaa, pois estas no so naturais, so socialmente construdas de forma intersubjetiva a partir de significados comuns. Para demonstrar estes aspectos, Wendt argumenta que certos elementos abstrados do neorrealismo afetam as relaes interestatais dentro da anarquia. Esta a situao das relaes de amizade e inimizade. Pode-se perceber que os Estados agem de forma diferente com relao a inimigos e amigos, porque estes ltimos no so ameaadores. Desta forma, a ao dos atores influenciada por estruturas construdas com base em significados comuns. O autor ainda argumenta que a auto ajuda uma instituio que se desenvolve a partir de crculos de interao que levam os atores a crer reciprocamente que o outro no confivel. Neste caso, o outro visto como ameaador e o eu sente a necessidade de se proteger e agir de forma competitiva, tornando-se agressivo. Desta forma, os dilemas de segurana e auto-ajuda no so decorrentes da anarquia, mas uma vez institucionalizados, so difceis de desconstruir. Assim, se surge um Estado predador, o qual ameaa todos os outros atores, estes passam a agir de forma competitiva para garantir sua segurana e isto leva ao sistema de auto-ajuda. Entretanto, uma vez que a defesa se d de forma coletiva, com todos os atores lutando contra o predador, este no levar necessariamente a auto-ajuda, e o sistema de segurana poder ser garantido. O autor argumenta que a auto-ajuda produto da ao humana e trat-la como um dado, assim como fazem os neo-realistas, perigoso porque resulta em um processo de naturalizao da histria, no qual o mundo humano tratado como algo separado das prticas humanas que o construiu. Entretanto, mostrar que a poltica mundial socialmente construda no significa dizer que esta totalmente malevel. Por conseguinte, as instituies podem transformar as identidades apenas a partir de um processo de prtica estvel e constante. Um dos exemplos que o autor aponta como uma instituio que mudou o carter da anarquia a soberania, pois esta fez com que os Estados tivessem seus territrios relativamente garantidos e respeitassem os direitos territoriais dos outros. Outro exemplo a cooperao, j que esta leva a novos entendimentos e comprometimentos internacionais. Os ganhos comuns so uma condio necessria ao incio da cooperao, mas uma vez institucionalizada e repetida inmeras vezes, a cooperao muda os entendimentos comuns entre os atores e consequentemente as identidades. A cooperao muda identidades de forma lenta e gradual e de forma no intencional, entretanto as identidades e interesses tambm podem ser mudados a partir de esforos conscientes. Isto ocorre quando surge um novo contexto internacional e mais vantajoso para certo Estado mudar sua identidade que mant-la. Neste caso, a mudana de identidade s pode ter sucesso se o eu conseguir convencer o outro de suas novas intenes e desconstruir a percepo que este possua. A poltica de Gorbatchev no final da Guerra Fria um exemplo apontado pelo autor sobre como estes esforos conscientes podem mudar identidades.Aps argumentar que a auto-ajuda no um dado exgeno da anarquia, o autor conclui que as duas teorias que entendem que o processo pode mudar as identidades, os liberais e os construtivistas, poderiam contribuir muito para a teoria da poltica internacional se juntassem foras. Isso ocorre porque cada teoria tem suas prprias fraquezas, de forma que estas poderiam atuar de forma complementar. Entretanto, Wendt admite que isso apenas poderia ocorrer se as duas concepes conseguissem ultrapassar o problema de sua epistemologia ser diferente.O artigo de Wendt representa uma importante contribuio para as Relaes Internacionais porque inclui em sua percepo alguns aspectos das relaes sociais que ficavam negligenciados nas teorias realista e liberal da poltica internacional. Tratando as identidades e os interesses como elementos endgenos e que no podem ser abstrados das relaes entre os Estados, Wendt consegue entender de forma mais completa as interaes entre os Estados, e consequntemente o sistema internacional.Ademais, Wendt escreve um texto convincente e demonstra de forma lgica como o sistema internacional foi construdo pelos Estados. O autor consegue responder de forma satisfatria a todas as perguntas porque aponta as maneiras pelas quais as identidades podem ser transformadas. Outro aspecto que torna o texto lgico a presena de exemplos empricos sobre como identidades foram transformadas, como foi o caso da Unio Sovitica aps Gorbatchev, que teve sua identidade redefinida. O caso da Alemanha tambm poderia ser satisfatoriamente explicado pela argumentao de Wendt, pois mostra como um Estado pode aprender e mudar sua identidade atravs da cooperao. Isto decorre do fato de que este pas, que poderia ser considerado predador durante a Segunda Guerra Mundial, hoje coopera com os Estados da Unio Europeia e no representa mais uma ameaa aos seus antigos inimigos.Argumentando que o carter da anarquia dependente da ao dos Estados, o autor tambm demonstra que a construo de um sistema no qual haja menos competitividade e mais cooperao possvel e depende apenas das aes humanas. A importncia disto fazer os estadistas perceberem que o destino do sistema internacional no um dado, mas que a construo de um sistema cooperativo depende das formas pelas quais estes iro interagir. Assim, a ideia de que a auto-ajuda imutvel, o que poderia inclusive contribuir para legitim-la, desconstruda.