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Projeto de Pós-Doutorado Título: Emotividade versus Razão: Por uma Pedagogia do Amor (do Coração) Balduino Antonio Andreola 1. Introdução Antes de definir o objeto de investigação deste Projeto, parece-me necessário responder à pergunta: Por que um Pós-Doutorado a esta altura de minha vida? A resposta a esta pergunta eu a devo a mim mesmo, antes ainda do que à instituição onde atuo como docente, o UNILASALLE de Canoas, à UFRGS, onde pretendo realizar o meu Pós-Doutorado, e à CAPES, agência da qual espero um apoio financeiro. Devo a mim a resposta, porque ao defender minha tese de doutorado, há 30 anos, decidi que nunca pensaria em pós-doutorado. Mas as coisas mudaram muito, e não apenas da minha parte. Aqui, no UNILASALLE, até o 1° semestre de 2014, só tínhamos Mestrado. Tendo sido aprovado pela CAPES o Doutorado em Educação, na primeira reunião do Colegiado foi-me dito: “Agora, que tens orientação e disciplina obrigatória no Doutorado, não podes sair antes de três ou quatro anos”. Na mesma hora reagi, dizendo: “Então vou fazer o que nunca pensei em fazer, até hoje, vou realizar um Pós-Doutorado”. E para isto estou tendo todo o apoio da instituição onde atuo. Minha trajetória, como professor universitário, foi bastante variada. Antes de fazer concurso na UFRGS, em

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Projeto de Pós-Doutorado

Título: Emotividade versus Razão: Por uma Pedagogia do Amor (do Coração)

Balduino Antonio Andreola

1. Introdução

Antes de definir o objeto de investigação deste Projeto, parece-me necessário

responder à pergunta: Por que um Pós-Doutorado a esta altura de minha vida? A

resposta a esta pergunta eu a devo a mim mesmo, antes ainda do que à instituição onde

atuo como docente, o UNILASALLE de Canoas, à UFRGS, onde pretendo realizar o

meu Pós-Doutorado, e à CAPES, agência da qual espero um apoio financeiro. Devo a

mim a resposta, porque ao defender minha tese de doutorado, há 30 anos, decidi que

nunca pensaria em pós-doutorado. Mas as coisas mudaram muito, e não apenas da

minha parte. Aqui, no UNILASALLE, até o 1° semestre de 2014, só tínhamos

Mestrado. Tendo sido aprovado pela CAPES o Doutorado em Educação, na primeira

reunião do Colegiado foi-me dito: “Agora, que tens orientação e disciplina obrigatória

no Doutorado, não podes sair antes de três ou quatro anos”. Na mesma hora reagi,

dizendo: “Então vou fazer o que nunca pensei em fazer, até hoje, vou realizar um Pós-

Doutorado”. E para isto estou tendo todo o apoio da instituição onde atuo.

Minha trajetória, como professor universitário, foi bastante variada. Antes de

fazer concurso na UFRGS, em 1978, eu já lecionava, desde agosto de 1976, no CEL –

Centro Educacional La Salle, hoje UNILASALLE – Centro Universitário La Salle, onde

permaneci até 1981, quando fui para o doutorado. Em 1976 me classifiquei no concurso

em 2 disciplinas na UCS – Universidade de Caxias do Sul, onde lecionei até a hora de

concentrar as atividades na UFRGS. Em 1976 lecionei também um ano na PUCR/RS,

como professor convidado, substituindo a Professora Zilá Totta, uma das maiores

educadoras do Rio Grande do Sul, em licença por um ano. Aposentado como Professor

titular na UFRGS, em 1996, por vários motivos, lá continuei atuando, como professor

colaborador convidado, até 2003. De 1998 a 2001, fui professor visitante no PPG/EDU

da UFPel, em Pelotas, dois anos como bolsista da CAPES e um ano da FAPERGS.

Tendo sido convidado pela Escola Superior de Teologia de São Leopoldo, para

colaborar na criação de um Mestrado em Educação, lá permaneci, como docente, até

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2006, quando participei na seleção para o Mestrado em Educação no UNILASALLE de

Canoas, onde continuo até hoje. Acrescentando minha caminhada de professor desde

1953, completo, neste ano, 62 anos como educador.

Esta andarilhagem teve, para mim, dois aspectos positivos. Em primeiro lugar, a

gratificação de ver meu trabalho sempre valorizado em todas estas instituições em que

atuei. Em segundo lugar, a riqueza muito grande de experiências. Todavia esta

itinerância trouxe consigo também o preço da dispersão. Um Pós-Doutorado se oferece

a mim como um tempo de retomada de minha longa trajetória, e de elaboração de uma

síntese das muitas experiências valiosas, integrando na mesma inclusive as

aprendizagens das dispersões e dos erros cometidos. Esta síntese me será possível ao

concentrar-me num tema preferencial não apenas para mim, num sentido pessoal, mas

também como uma contribuição que valha a pena, como exporei, ao longo deste

Projeto, frente ao desafio de problemas que se apresentam hoje a todos nós, em nível de

urgência.

2. Definição do objeto de pesquisa

Sem desprezar ou sequer minimizar a exigência da racionalidade do rigor

científico, no processo do conhecimento, no campo da educação, optei, no meu novo

projeto de pesquisa, por dedicar-me ao estudo da emotividade, do afeto, do amor, a par

da intuição e da imaginação poética, sem as quais a emotividade e o amor não são

possíveis. Em relação direta com estas concepções mais diretamente filosóficas,

investigarei experiências e propostas que no campo da educação priorizam as “razões do

coração”, através de métodos e práticas onde prevalecem o afeto, o amor.

Herdeiros, há vários séculos, de uma cultura que tem suas raízes no Iluminismo,

podemos ter, quem sabe, a tendência a considerar um lance apenas da imaginação

poética o aforismo de Pascal: “O coração tem razões que a própria razão desconhece”.

Como veremos, porém, ao tratar da fundamentação teórica, grandes pensadores, já nos

primórdios da era moderna, e sobretudo em tempos mais recentes, inteiramente de

acordo com Pascal, nos trouxeram, em suas obras, contribuições de alto nível para a

compreensão de outras dimensões do ser humano, condenado à pequenez do

ensimesmismo, do egocentrismo, do individualismo, inspirados no liberalismo

filosófico e econômico, raiz do capitalismo, da competição, da guerra, do colonialismo,

da condenação de dois terços da humanidade à pobreza, à miséria, à fome. A cegueira, a

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ambição e a ganância dos poderosos da terra levou a evolução humana à depredação dos

recursos naturais e à beira da destruição da vida no planeta.

Não se trata, pois, de uma crise no campo dos paradigmas teóricos, mas sim no

âmago das instituições políticas e sociais da própria convivência humana. É com esta

preocupação que Paul Ricoeur, nas suas obras mais recentes, se referiu com frequência

à proposta da convivência humana numa perspectiva ética, que significa “aspirar à

verdadeira vida com e para o outro em instituições justas” (RICOEUR, 1996: p. 186).

Com igual preocupação, em suas falas e seus escritos, Paulo Freire insistiu, nos últimos

anos de sua vida, sobre a urgência de uma “reinvenção do poder”. No Posfácio ao II

volume das obras de Ernani M. Fiori, lembrando a última conversa com seu grande

amigo e parceiro de lutas, ele escreveu:

Nós conversamos muito, [...] e eu dizia: “Ernani, eu não tenho dúvida nenhuma

que daqui para o fim deste século, nesses vinte anos que a gente tem, os

partidos populares estão fadados a sumir da história.” Então a tese central era

esssa: a importância dos movimentos sociais numa coisa que eu vinha

chamando “reinvenção do poder” – sobre o que eu escrevi depois um livro -,

que por sua vez implicava necessariamente a reinvenção da economia, a

reinvenção do ato produtivo, sem o qual não se reiventa o poder e a partirt do

que, então, seria viável a reinvenção da cultura, da educação e também da

linguagem. À medida que eu ia falando, Ernani ia abrindo os olhos, a sua face

brilhava, a cabeça balançava, ele havia esquecido o câncer e dizia para mim:

Paulo, esse tema que tu levantas me preocupa intensamente. Estou totalmente

de acordo contigo”. [...] Num certo momento ele me disse: “Paulo, eu estou tão

contente porque tu não paraste” [...]. (FIORI, 2014: p. 337-338).

O tema da crise foi tratado com extrema sensibilidade política por Mounier, já

nas décadas de 30 e 40. Crise que teve uma das suas expressões mais terríveis na

primeira guerra mundial, que se desdobrava em sinais sinistros de que a segunda, muito

mais terrível, se anunciava com evidência, prevista como certa, por intelectuais que

advertiam os países vencedores da primeira, de que era urgente a revisão do tratado de

Versalhes. A evidência da ameaça, e a advertência da revisão necessária, não foram

reconhecidas pelos dirigentes das grandes potências da época, tornando-os assim

corresponsáveis da nova tragédia. A terrível segunda guerra mundial se prolongou,

depois, em guerra fria, tendo no seu bojo a ameaça de um conflito nuclear, que ainda

paira no ar, como uma possibilidade da tragédia maior.

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Sem deter-me nesta argumentação, a ser retomada na fundamentação teórica,

antecipo que numerosos dos grandes pensadores aos quais recorrerei, para aquela

fundamentação, caracterizam nossa época como “barbárie”, ou “anti-civilização da

barbárie”, e escrevem em tom de urgência. É neste sentido que eu venho falando, e

escrevendo, há tempo, em termos de urgência, sobre a possibilidade de uma “Pedagogia

das grandes urgências planetárias”. E neste meu novo projeto, parece-me que esta

pedagogia não poderá primar apenas, na perspectiva da tradição ocidental, pelos rigores

da racionalidade, devendo dar lugar às “razões do coração”, constituindo-se então numa

“Pedagogia do coração”, ou seja, do amor.

Minha pesquisa se orientará para duas vertentes distintas, mas inseparáveis.

Numa linha da História da Educação realizarei um estudo comparativo de instituições

que historicamente primaram ou primam ainda pela valorização da emotividade, do

afeto, do amor, nos seus métodos de ensino e de educação. Numa perspectiva teórica, no

campo da História da Filosofia e da Pedagogia, estudarei o pensamento de grandes

pensadores que, sem menosprezar as exigências da racionalidade, deram destaque

importante, em suas obras, às “razões do coração”. Sem esquecer que o sentimento

poético e a beleza da arte também respondem às razões do coração, muito mais do que à

racionalidade da inteligência humana.

Na metodologia serão definidas com precisão as duas linhas complementares, a

que desenvolve as razões do coração, e a que nos traz uma “pedagogia do coração”.

3. Objetivos

3.1 Objetivo pessoal

Um Pós-Doutorado me permite valorizar ao máximo o tempo restrito, de três ou

quatro anos, que me proponho atuar ainda, como docente e pesquisador, na instituição

onde atuo. Evitando a dispersão de diferentes temas, conseguirei concentrar ao máximo

meu tempo num tema que considero o mais relevante, neste momento, dentro de minha

trajetória e de minhas possibilidades.

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3.2 Objetivo pedagógico-político

Sempre achei, como educador, que não teria um sentido maior minha vida, se

visasse apenas, em minhas atividades, interesses individuais. Dentro desta perspectiva,

perante a gravidade e a urgência dos problemas que afligem a família humana, de

acordo com inúmeros grandes pensadores e educadores nos quais busco a

fundamentação teórica de meu projeto, o objeto de meu estudo pode oferecer subsídios

para o debate e busca de soluções.

4. Justificativa

A primeira justificativa para o tema escolhido, e para os objetivos acima, reside

no fato de que há momentos, na vida, em que nos sentimos desafiados a concentrar

nossa atenção e nossos melhores esforços no que é essencial, não havendo mais razões

para a dispersão A situação histórica da “urgência”, e minha caminhada de sessenta e

dois anos no campo da educação, me dizem com eloquência que o essencial é o que

importa.

Ao falar e escrever em “Pedagogia das grandes “urgências”, não posso deter-me

nesta paisagem sóbria do mundo atual, que poderia configuar-se numa “pedagogia do

medo”. Não sendo esta minha concepção, eu falo, ao mesmo tempo, em grandes

“convergências”, citando, como farei também no referencial teórico deste projeto,

numerosas personalidades do nosso tempo, que, a partir de experiências étnicas,

culturais, geográficas, religiosas ou políticas muito diversas, convergem, no seu

discurso e na sua luta, na busca de construção de um mundo mais humano e solidário,

contrapondo-se ao que o espetáculo triste de uma “anti-civilização da barbárie”. Eu vejo

justificada assim minha escolha, enquanto me associo à linguagem, ao pensamento, e,

ainda que nos meus limites, ao esforço destes gigantes do nosso tempo.

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5. Referencial Teórico

Para que a gente escreve, se não é para juntar nossos pedacinhos? Desde que entramos na escola ou na igreja, a educação nos esquarteja: nos ensina a divorciar a alma do corpo e a razão do coração.

Eduardo Galeano: O livro dos abraços

Como acenado já na “Justificativa”, entre os conceitos-chave deste projeto,

trarei primeiramente os que falam em termos de “urgência” e, em seguida, os que

considero na perspectiva das “grandes convergências”. Iniciando por Paulo Freire,

lembro que numa de suas últimas entrevistas, segundo me referiu o Prof. Ernesto Jacob

Kheim, de Blumenau, o nosso pedagogo maior disse: “Os problemas de hoje são tantos

e tamanhos, que eu não poderia ter idéias ou propostas para a solução de todos eles.

Cabe a vocês inventar novas pedagogias”.

Independente desta referência, Paulo Freire expressou, com outras palavras, em

várias oportunidades, este pensamento. Eu diria até que todos os grandes mestres e

mestras da humanidade, tanto orientais, quanto ocidentais, pensaram sempre assim. Em

lugar de nos apresentarem ideias ou respostas prontas, eles nos questionaram,

desafiando-nos a construirmos novos caminhos, condizentes com as necessidades dos

tempos e contextos diversos.

Evidente que o desafio lançado por Freire, de inventarmos novas pedagogias,

não significa inventarmos por inventar, criarmos apenas pelo prazer da novidade. Trata-

se de inventarmos ou de descobrirmos novas pedagogias, ou novas propostas para a

educação, condizentes com os problemas prioritários de nossa época. Como estudioso

da obra de Paulo Freire, tenho a sensação de que, em seus escritos, nos últimos anos de

sua vida, ele se preocupou com o critério da urgência. Com relação à ecologia, ele foi

enfático, ao declarar, em sua Terceira Carta Pedagógica: “A ecologia ganha uma

importância fundamental neste fim de século. Ela tem de estar presente em qualquer

prática educativa de caráter radical, crítico ou libertador” (FREIRE, 2000, p. 67).

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Leonardo Boff (1999, p.17) inicia o primeiro capítulo de um de seus livros sobre

Ética e Ecologia com as seguintes palavras: “Este livro vem escrito a partir de uma

perspectiva de urgência”.

Paul Ricoeur, em seu livro “História e Verdade” (1968, p. 282), referindo-se à

ideia de uma única humanidade, declara:

Pode-se mesmo dizer que o perigo nuclear nos faz ainda um pouco mais

conscientes dessa unidade da espécie humana, de vez que, pela primeira vez,

podemos sentir-nos ameaçados em nosso corpo globalmente

Em tempos bem mais recentes (2002), numa entrevista com Edmond Blattchen,

perguntado sobre o que o entrevistador considera uma “heurística do medo” no filósofo

Jonas, Ricoeur declara:

Jonas quer simplesmente dizer que não se deve temer somente o que é

provável, mas também o que é possível. E, consequentemente, integrar em

todos os nossos projetos, particularmente nossos projetos econômicos, os

danos, os resíduos. Ora, essa imagem que estou dando, da integração dos danos

e dos resíduos, é preciso aplicá-la à totalidade de nossos projetos, porque a

perpetuação da humanidade não é mais uma evidência: depende de nós querê-

la (RICOEUR, 2002: p. 46-47).

A reflexão de Ricoeur sobre a ameaça nuclear me lembra Mounier (1962, p.356-

357) segundo o qual Hiroshima e as experiências nucleares nas Ilhas Bikini, trouxeram

à humanidade a surpresa de um poder único, com relação a outros poderes, ou seja, “o

poder de explodir o planeta”. De acordo com ele:

Agora a humanidade como tal deverá escolher, e precisará, com certeza, de um

esforço heróico para não escolher a facilidade, o suicídio. Pode-se dizer que

sua maturidade começa neste momento (MOUNIER, 1962: p. 356-357).

Cabe observar aqui, porém, que os autores que em suas obras caracterizam o

mundo de hoje em termos de “barbárie”, estão deixando clara a advertência de um

compromisso de a humanidade reagir com urgência máxima, como veremos através das

citações que seguem.

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O termo “barbárie”, serve para lembrar que é assim que muitos pensadores do

nosso tempo caracterizaram a nossa época, ou, mais precisamente, o mundo ocidental,

apresentado, paradoxalmente, por muitos, como o apogeu da civilização, na história da

humanidade. O filósofo francês Guy Coq o caracteriza como “anti-civilização da

barbárie” (COQ & RICHEBÉ, 2002: p. 78-79).

Outros pensadores que usam o conceito “barbárie”, para definir a nossa época

foram os da “teoria crítica”, da Escola de Frankfurt. Como nos lembra ZUIN (2000), o

tema da barbárie ocupa muitas páginas dos filósofos frank-furtianos Horkheimer e,

sobretudo, Adorno. Segundo ele: “A presença da barbárie ou a perspectiva de seu

retorno fez parte do contexto sociocultural de Adorno, desde a ascensão do nazi-

fascismo em 1933 até sua morte em 1969” (ZUIN et al., 2000, p. 129).

O filósofo brasileiro Rouanet (2003) fala em “crise”, também ele caracterizando-

a como “barbárie”, em seu livro Mal-estar na Modernidade. No primeiro capítulo,

intitulado “Iluminismo ou barbárie”, ele escreve:

Em suma, no Brasil e no mundo, o projeto civilizatório da modernidade entrou

em colapso. [...] como a civilização que tínhamos perdeu sua vigência e como

nenhum outro projeto de civilização aponta no horizonte, estamos vivendo,

literalmente, num vácuo civilizatório. Há um nome para isso: barbárie.

(ROUANET, 2003, p. 11).

Não precisamos de estatísticas para explicar a barbárie. Basta a foto vencedora

do Prêmio Pulitzer, tirada por Carter, em 1994, durante a fome que assolou o Sudão.

Uma criança agonizante rasteja na direção do campo de alimentos da ONU. Atrás dela,

um abutre aguarda que ela morra para devorá-la. Diante de cenas como aquela, todos

nos sentimos desumanizados. O fotógrafo não resistiu. Suicidou-se três meses depois.

Ao citar Carter, ocorre-me que ao abrir nossos olhos, em nível internacional, a

humanidade toda sonhava, talvez, que horrores como o “holocausto” nunca mais

aconteceriam. Mas o sonho foi desmentido por dez anos de atrocidades do regime

estabelecido na Sérvia por um novo Hitler, Slobodan Milosevic, o carrasco dos Bálcãs.

Já que lembrei a guerra e “o carrasco dos Bálcãs”, acho interessante citar um

fragmento de uma reportagem publicada pela revista TRIP (jan. 2007) intitulada

“Sarajevo 12 anos depois”, de autoria de Fernando Costa Netto, o Dandão. Ele voltou a

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Sarajevo, capital da Bósnia, 12 anos após sua estada lá, como repórter durante os

horrores da guerra, e foi entrevistar o “artista comandante” Alija Balta, que realmente

comandou a resistência heroica de seu povo. A duas últimas perguntas de Dandão

foram: Como o exército sérvio, tão bem preparado, não conseguiu tomar a cidade que

se defendia com armas civis e homens despreparados? Por que as milícias de

Slobodan Milosevic não atropelaram Sarajevo com seus tanques? - E Dandão

escreve: “Escrevo sem respostas que me convençam. Segundo Alija, Sarajevo

não caiu porque ele, seus homens e todos os que estavam no front “lutaram

com seus corações”. (NETTO, 2007, p. 149)

Junto com Carter, citado acima, podemos lembrar Sebastião Salgado, em seu

livro Êxodos (2000), onde as fotos falam novamente com a eloquência de tratados,

como denúncias de diferentes formas de barbárie hoje, em contraste com o que ele nos

traz no outro livro seu Gênesis (2013), no qual documenta numerosas formas de pureza,

que felizmente são geradas, não obstante a barbárie, por nossa fecunda Mãe Terra.

Mas para documentar a eloquência das fotos, bastaria abrir as páginas dos

jornais, que infelizmente documentam as terríveis formas de violência que povoam,

cadia dia, nosso planeta. E tenho aqui, diante de mim, em primeira página do “Diário

Gaúcho”, de Porto Alegre, do dia 5 de maio de 2015, a foto do menino Richard Kaum,

de nove anos, hospitalizado há poucos dias, com morte cerebral, vítima de bala perdida.

Acima da foto, em letras garrafais, a manchete BARBÁRIE, com o sub-título “MAIS

UMA CRIANÇA VÍTIMA DO TRÁFICO”. E no dia 8 de maio, no jornal Zero Hora,

leio de novo, em primeira página, a palavra Barbárie, ligada à guerra do tráfico.

Sem nos determos em muitas citações, não precisaríamos lembrar nem mesmo

Auschwitz, Gulag, duas guerras mundiais, a ameaça nuclear, todas as formas

devastadoras do meio ambiente. Bastaria nos perguntarmos: Que civilização superior é

esta, onde os três mercados mais rentáveis são: o tráfico de armas, o tráfico de drogas e

tráfico de seres humananos?

No portal de informação “Infojovem” lemos:

O tráfico de seres humanos não é somente um problema brasileiro, mas um fenômeno mundial que tem sido vivenciado por milhões de pessoas de diferentes lugares do mundo. Essas pessoas ficam submetidas a trabalhos

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forçados para gerar lucros aos grupos de exploradores. No Brasil o tráfico de seres humanos se encontra como a terceira maior fonte de renda gerada pelo tráfico. Perdendo somente para o tráfico de armas e drogas (INFOJOVEM, 2012).

Esta situação de urgência máxima, poderíamos defini-la também com a categoria

“situações-limites”, como as definem, sob diferentes ângulos, Jaspers, Vieira Pinto, Paul

Ricoeur, e, sobretudo entre nós, Paulo Freire (ANDREOLA, 2011: p. 320-322). Os

problemas que ameaçam a própria continuidade da vida no planeta, podem ser

considerados situações-limites de dimensões universais, planetárias ou cósmicas até.

Uma humanidade que imaginou alcançar sua plena emancipação encontra-se

hoje à beira da destruição total da vida no planeta. Perante tamanhas “urgências” cabe-

nos perguntar se haverá alguma saída para a humanidade, ou, em outras palavras, se

ainda há esperança, se cabe falar em “outro mundo possível”. Um dia, numa conversa

com Dom Paulo Moretto, bispo emérito de Caxias do Sul, ele me disse que não

podemos olhar de frente, durante muito tempo, para o mal, porque ele penetra em nós.

O meu convite a um olhar crítico sobre as “grandes urgências” da barbárie e das

“situações-limite” de nosso tempo teve como objetivo único o desafio de pensarmos

alternativas, engajando-nos numa “pedagogia das grandes convergências” de ideias,

iniciativas e projetos, que representam, no Brasil e no mundo, um processo imenso, no

horizonte da esperança, para a construção de um mundo mais humano e solidário.

Leonardo Boff (2006, p. 239), no Fórum Mundial de Teologia e Libertação, ponderou

que o medo e a esperança andam juntos. As utopias, segundo ele, nascem para reforçar a

esperança. Embora nunca se realizem totalmente, elas nos mantêm a caminho, como as

estrelas, que orientam os navegantes, na visão poética de Mário Quintana, por ele

citado: Se as coisas são inatingíveis, ora!

Não é motivo para não querê-las.

Que tristes os caminhos se não fora

A mágica presença das estrelas.

E Leonardo Boff conclui sua reflexão, dizendo que, na atual crise, vê surgirem

duas utopias “conaturais à teologia da libertação: utopia da salvaguarda da Casa

Comum, o planeta Terra, e a utopia da conservação da unidade da família humana”

(Ibid.: p. 239).

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Na minha Carta-prefácio ao primeiro livro póstumo de Paulo Freire (2000: p.24),

situei a Pedagogia do Oprimido como projeto político-pedagógico na constelação do

que denomino “Pedagogia das grandes convergências” de líderes ou mestres famosos da

humanidade do século XX, alguns vivos ainda, que dedicaram suas vidas à luta por um

projeto mais humano e solidário de mundo. Sem excluir outros, penso nos seguintes:

Gandhi, João XXIII, Luther King, Simone Weil, Lebret, Franz Fanon, Che Guevara,

Teresa de Calcutá, Dom Hélder, Dom Ivo Lorscheider, João Paulo I, Mounier, Teilhard

de Chardin, Nelson Mandela, Roger Garaudy, Dalai Lama, Téovédjré, Betinho,

Paramahansa Yogananda, Michel Duclerq, Fritjof Capra, Pierre Weil, Leonardo Boff,

Paul Ricoeur e outros.

Deste modo podemos pensar que, ao panorama sombrio das grandes urgências

planetárias, responderá uma “Pedagogia das grandes urgências”, que só poderá ser, e

estará sendo, uma “Pedagogia das grandes convergências”. Foi neste sentido que na

mesma “Carta-prefácio” escrevi também: “Paulo, simpatizo com a idéia de pensar o teu

projeto pedagógico-político na constelação do que denomino “Pedagogia das grandes

convergências”. À luz distante das estrelas de primeira grandeza, que brilham solitárias

e tristes, no firmamento, eu preferi sempre a luz mansa e fraternal das constelações. Foi

neste sentido que acrescentei: “Se tua voz, Paulo, fosse uma voz solitária, a esperança se

tornaria difícil. Alegra-nos ver-te situado num projeto histórico de grande envergadura”.

Cabe-nos lembrar, nesta hora, o encontro de três dias que o Papa Francisco quis,

recentemente, com os representantes dos movimentos populares do mundo inteiro,

acontecimento com certeza de inestimável alcance social e político, contrastando

inclusive com a votação no Congresso, contra os Conselhos Comunitários. A escolha

dos participantes não obedeceu a nenhum critério religioso, significando unicamente a

representação dos movimentos populares. O evento adquire um significado especial,

neste momento histórico, de uma nova aurora, não apenas para a Igreja, mas para o

Mundo, sinalizada pelos gestos, pelas palavras e pelas decisões do Papa Francisco,

convidando-nos à construção de um mundo mais justo, belo e solidário.

Nesta busca de respostas para um mundo marcado pela racionalidade

instrumental do individualismo, da competição, da ganância e do desperdício, cabe-nos

buscar inspirações e respostas em outras reservas das pessoas e da comunidade humana,

inclusive as da poesia. Neste sentido parece-nos que Carlos Drummond de Andrade

pode nos oferecer contribuições importantes, não apenas como poeta. Um dos

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eminentes filósofos brasileiros, Gerd Bornheim, numa entrevista ao “Jornal da

Universidade” da UFRGS afirmou que considerava, naquele momento, Drummond de

Andrade o nosso maior pensador. E a respeito do Drummond acrescenta:

O que é que vou fazer, se isto está no Drummond? Tenho que buscar é no

Drummond. Ele colocou no papel bem direitinho, e numa linguagem

maravilhosa. Não é uma linguagem sem rigor. É num rigor poético, mas uma

coisa altamente construída. É consciente por parte do poeta (BORNHEIM,

1997: p. 5).

Mas além de poeta e filósofo, ele seria também pedagogo ou educador? A

resposta está num artigo dele sobre “A educação do ser poético” (DRUMMOND, 1976:

p. 593-594). Considerando que as crianças são naturalmente poetas, mas que vão

perdendo aos poucos este “instinto poético”, Drummond se pergunta se não estaria na

escola “o elemento corrosivo do instinto poético da infância”. Pedagogicamente,

“freireanemente”, antes que Freire falasse e escrevesse sobre “uma pedagogia da

pergunta”, Drummond a pratica, em seu artigo. Ao abordar um tema relacionado com a

Educação e com a Escola, ele o faz com muita sensibilidade pedagógica. Sem deixar de

ser poeta, pois a linguagem do artigo é banhada, toda ela, de inspiração poética.

Pedagogicamente, ele pergunta, e pergunta na “boniteza”, como diria Freire, da

linguagem poética. À primeira pergunta do parágrafo inicial, Drummond não responde

“dogmaticamente”, como quem já sabe de antemão a resposta. Ele arrisca

humildemente uma hipótese, e esta, de novo, em forma de pergunta:

Será a poesia um estado de infância relacionado com a necessidade de jogo, a

ausência de conhecimento livresco, a despreocupação com os mandamentos

práticos do viver – estado de pureza da mente, em suma?

A esta nova pergunta, ele arrisca uma resposta, agora afirmativa, mas mesmo

nessa afirmação, atenuada por um verbo: “Acho”. Este verbo significa que a resposta

tem o sentido ou a “aparência” de uma nova hipótese. Drummond “acha” que a poesia

pode ser tudo o que ele contemplou na pergunta anterior. Mas acrescenta: “e mais do

que isso”, ponderando que a poesia: “[...] pode expandir-se pelo tempo afora, conciliada

com a experiência, o senso crítico, a consciência estética dos que compõem ou

absorvem poesia”. Depois deste segundo parágrafo do artigo, o Drummond, que vinha

avançando, em sua reflexão, como poeta, cujo pensamento se reveste de imaginação, e

como “pedagogo”, que não antecipa respostas, mas socraticamente ou freireanamente

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pergunta, sem despir-se dos trajes de poeta e de pedagogo, surge novamente como

filósofo, lançando à escola e à educação, com veemência irretrucável, uma pergunta

radical:

Mas, se o adulto, na maioria dos casos, perde essa comunhão com a poesia, não

estará na escola, mais, do que em qualquer outra instituição social o elemento

corrosivo do instinto poético da infância, que vai fenecendo à proporção que o

estudo sistemático se desenvolve, até desaparecer no homem feito e preparado

supostamente para a vida? (DRUMMOND, 1976: p. 593).

O nosso poeta, reconhecido já como filósofo por filósofos de renome, aqui

assume novamente a postura de quem não pergunta apenas por perguntar. A pergunta

que o Drummond lança a nós, educadores e educadoras, é dura e cruel. As palavras que

ele usa neste seu terceiro parágrafo são fortíssimas. Ele se pergunta se não estaria na

escola “o elemento corrosivo do ser poético da infância”. “Elemento corrosivo”,

responsável pela morte do “ser poético” da criança. Drummond não acharia exagerada a

expressão de Mounier, que escreveu em seu último e mais importante livro, “O

Personalismo”, três meses antes de morrer:

Pode-se dizer da nossa educação que ela era em larga escala um “massacre de

inocentes”: desconhecendo a personalidade da criança como tal, impondo-lhe

um resumo das perspectivas do adulto, as desigualdades sociais forjadas pelos

adultos, substituindo o discenrnimentos dos caracteres e das vocações pelo

formalismo autoritário do saber (MOUNIER, 2004: p. 133).

Drummond nutre a esperança de que a escola seja promotora da sensibilidade

poética, em lugar de abafá-la. Pessoalmente, expresso a hipótese de que o “Mais

Educação” possa suprir a lacuna denunciada por Drummond de Andrade, que não

apenas em seus poemas, mas também num artigo seu memorável nos questiona, a todos

nós, educadoras e educadores, professoras e professores.

Depois de citar a poesia e os poetas, como fonte de inspiração para novas

maneiras de pensar a realidade, a vida, a educação e, sobretudo o amor no processo do

conhecimento e da educação, ocorre-me citar Edgard Morin, que escreveu:

O amor faz parte da poesia da vida. A poesia faz parte do amor da vida. Amor

e poesia engendram-se mutuamente e podem identificar-se um com o outro

(MORIN, 2005: p. 9).

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Sobre os diálogos de pensadores do Ocidente com os gurus orientais, existem

numerososas obras e instituições, em diferentes lugares do mundo. Paramahansa

Yogananda, em seu livro Autobiografia de um Iogue faz referência a “filósofos,

professores, advogados e cientistas” que visitavam, com diferentes expectativas e

diferentes atitudes mentais, o seu mestre Siri Yukteswar e escreve:

Ocasionalmente, um sorriso altivo ou um olhar de divertida condescendência

traíam a expectativa dos recém-chegados de que só ouviriam algumas

platitudes piedosas. No entanto, a relutância que demonstravam para ir embora,

expressava a convicção de que Siri Yukteswar mostrara possuir um

conhecimento preciso de seus campos de atuação (YOGANANDA:

2008: p. 138).

Dijen Babu, amigo de Yogananda, depois de testemunhar uma “fenomenal

aparição” do mestre Siri Yukteswar, declarou: “O que acabei de ouvir a respeito dos

poderes de nosso guru me dá a impressão de que qualquer universidade do mundo não

passa de um jardim de infância”. Esta declaração coincide com o que disse,

recentemente, na UFRGS, em 2012, o escritor moçambicano Mia Couto, no ciclo de

palestras “Fronteiras do Pensamento”:

Mas nós próprios, que temos um pé neste mundo da modernidade, e que

fundamos aquilo que somos e pensamos no conhecimento científico, não

imaginamos o quanto a ciência não sabe, não sabe quem somos” (MIA

COUTO, 2012).

Diante destas declarações de um jovem asiático e de um poeta africano, caberia

perguntar-nos por que nossas Universidades, trancadas dentro dos muros indevassáveis

de sua prepotente segurança científica, são tão renitentes a qualquer abertura para o

pensamento e os valores que ultrapassem as fronteiras das tradições ocidentais.

A proclamação da autonomia do pensamento humano evoluiu, através dos

séculos XV, XVI e XVII, atingindo seu ápice no século XVIII, com a absolutização da

“Razão”, no fenômeno cuja imensa complexidade foi sintetizada numa palavra:

“Iluminismo”, “iluminação” ou então “esclarecimento”, que significa a afirmação da

autonomia da razão como caminho para a emancipação humana. Esta defesa da razão

autônoma foi uma das grandes conquistas da humanidade, que abriu o caminho para um

extraordinário desenvolvimento humano em quase todos os campos. Ao mesmo tempo,

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todavia, na medida em que o Iluminismo absolutizou a razão, fechou os caminhos para

o desenvolvimento, tanto na linha da ação, quanto da elaboração teórica, de outras

potencialidades humanas. A razão absoluta passou a desconhecer “as razões do

coração”. O racionalismo moderno, que, segundo muitos estudiosos, teria suas raízes no

“cogito” cartesiano, evoluiu, como razão filosófica, científica, técnica e instrumental.

Ao invés de uma razão do ser humano na sua totalidade, afirmou-se como razão do

indivíduo, com seus desdobramentos, na afirmação da liberdade individual, da

propriedade privada, da competição, do lucro e na concentração dos bens como

privilégio de uma minoria, no sistema capitalista.

“A liberdade do liberalismo, – escreveu Mounier – é a liberdade do mais forte”.

Não se trata de meras abstrações, porque o Liberalismo, filosofia do Capitalismo,

tornou-se razão filosófica de todas as formas de colonialismo, de imperialismo, de

consumismo desmesurado, de concentração ilimitada dos bens, de guerras sempre mais

violentas, com o aumento da pobreza, da miséria, da fome e da violência no mundo.

Tanto que muitos pensadores de renome internacional, já citados anteriormente,

caracterizam a sociedade humana atual como barbárie ou anti-civilização da barbárie

(ANDREOLA, 2011: p.316-320). Ao mesmo tempo, contudo, muitos desses pensadores

dedicaram ou dedicam suas vidas, tanto na linha da práxis quanto da elaboração teórica,

à construção de outro mundo possível, como civilização humana da solidariedade.

Tanto na vida, quanto na ação e no pensamento, muitos autores de nossa época, sem

desmerecer as grandes conquistas da razão humana, nos campos da filosofia, da ciência,

da tecnologia e da economia, passaram a dedicar importância igual às “razões do

coração”, grande intuição precursora de Pascal.

Nesta linha de pensamento, citarei o grande filósofo existencialista russo Nicolas

Berdiaeff. No primeiro capítulo, ou melhor “Primeira Meditação”, de seu livro Cinco

Meditações sobre a Existência (BERDIAEFF, 1961: p. 11-42), depois de afirmar que

São Boaventura resolveu o problema das relações entre conhecimento filosófico e fé de

maneira diversa da de São Tomás, declara: “Esta opinião parece-me mais justa; mas não

ignora menos a tragédia do filósofo, a do conhecimento”(Ib.: p.23). Em que consistiria,

segundo Berdiaeff, esta “tragédia do conhecimento”? Ele a explicita e a analisa,

discorrendo, ao longo de várias páginas, sobre as relações entre emoção e pensamento,

como também entre filosofia e fé. Berdiaeff inicia suas reflexões declarando:

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É, com efeito, um erro crer que a emoção não possa ser senão subjetiva,

enquanto que o pensamento seria objetivo; um erro é crer que o sujeito

conhecente só entra em contacto com o ser pelo intelecto e que e emoção o

mantém no seu universo subjetivo. É a concepção do tomismo, a do

racionalismo; era a de quase toda a filosofia grega, que se esforçava de passar

da à , da opinião à ciência; a da maioria dos filósofos

(BERDIAEFF, 1961: p. 23).

Nos limites deste Projeto não poderei explicitar, mesmo que com brevidade, o

pensamento de outros autores, que convergem, na linha do pensamento, com as ideias

de Berdiaeff. Alguns deles, os citarei, logo adiante. No limite de vinte minutos que me

eram dados, em minha participação na ANPED SUL, em 2014, limitei-me a visualizá-

los no slide abaixo do power point. Nos meus estudos de Pós-Doutorado, as obras

destes mestres das “Razões do coração” merecerão uma atenção maior.

Retomando o fio da meada destas reflexões, lembrarei que, frente ao desafio das

“grandes urgências” do nosso tempo, procuramos uma inspiração para a esperaça, e

visualizamos os nomes de grandes personalidades de nosso tempo, que dedicaram o

brilho de suas inteligências e o dinamismo de sua ação à luta para a construção de um

mundo mais humano e solidário. Descobrimos, porém, que os poetas também

significam referências importantes, na busca de transformação. Cientes de que a razão

iluminista, absolutizada, endeuzada, deturpada e depravada em racionalismo,

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individualismo e capitalismo devastador, levou a humaninade à beira do abismo,

buscamos outras luzes, nas “razões do coração”, anunciadas por Pascal, e desdobradas

nas “meditações” de Berdiaeff e de outros pensadores. Nas páginas que seguem trarei

uma experiência coletiva que nos mostra como “razões do coração” podem resultar

numa “pedagogia do amor”, visando uma “educação do coração”.

Desta “pedagogia do amor”, transfigurando-se em “educação do coração”, há

várias experiências, no mundo, hoje, sobreduto em Congregações religiosas ou

diferentes igrejas. Eu me limitarei a expor, brevemente, a da Congregação de São José

(Josefinos de Murialdo), fundada, em 1973, por São Leonardo Murialdo para dedicar-

se à educação de crianças e jovens pobres e abondonados. Ao escrever num ambiente

universitário laico, acho conveniente prever duas objeções. A primeira, poderia ser de

que num espaço de pesquisa científica, como o da ANPED e das Universidades

Públicas, em Geral, não cabe falar de amor. E a segunda, de que não podemos misturar

as coisas, falando aqui de religião. Eu considero que ambas as objeções se baseiam em

preconceitos, não em argumentos racionais, como esclarecerei brevemente.

Quanto a falar em amor num ambiente laico, deixarei a palavra a Paulo Freire.

No final de uma longa entrevista, publicada no Pasquim, em 1978, Freire declarou:

[...] Para mim é imprescindível a afetividade e o amor. Eu tenho aliás,

recebido muitas críticas, sobretudo da América Latina, porque eu falo muito de

amor e amor segundo essas críticas é um conceito burguês. Em primeiro lugar

eu não admitiria que foram os burgueses que inventaram o amor. Eles podem

ter a propriedade das fábricas, mas do amor não. O amor é uma dimensão do

ser vivo e que ao nível do ser humano alcança uma transcendência espetacular.

Nesse sentido é que eu digo que a revolução é um ato de amor (FREIRE, 1978:

p. 11).

Toda a obra de Freire é permeada, verbalmente, ou no seu conteúdo, da

dimensão do amor, tanto que ele conclui seu livro mais importante Pedagogia do

Oprimido com a palavra “amar”, escrevendo:

Se nada ficar destas páginas, algo, pelo menos, esperamos que permaneça:

nossa confiança no povo. Nossa fé nos homens e na criação de um mundo em

que seja menos difícil amar (FREIRE, 2007: p. 2013).

Na mesma linha de pensamento, Emmanurel Mounier (1905-1950) escreveu:

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Que seja dedicado a uma reflexão sobre o amor um esforço tão considerável

como a aquele que foi consagrado à reflexão sobre o conhecimento e a fortiori,

àquele que se destinou à invenção tecnológica, tal é a subversão que o espírito

cristão deve inaugurar na pesquisa (MOUNIEUR, 1962: vol. III, p.594).

Contra o segundo preconceito, o dos laicistas, que excluem dos livros e

pesquisas de História da Educação, grandes educadores da humanidade, simplesmente

porque são religiosos, cabe lembrar também que o autor marxista Manacorda dedica

várias páginas de sua História da Educação (MANACORDA, 2003) à obra de La Salle,

reconhecendo seu mérito pioneiro de promover educação e formação profissional de

jovens das classes populares. Na minha pesquisa de Pós-Doutorado pretendo estudar,

assim, experiências de uma “Pedagogia do amor” ou do afeto, e de uma “Educação do

coração”, além da obra do Murialdo, da qual tenho conhecimento pessoal há muitos

anos, também na de outros dois eminentes educadores e fundadores, também eles, de

duas Congregações dedicadas à educação, nos quais o próprio Murialdo se inspirou.

Trata-se de São João Batista de La Salle e São João Bosco, nomeado simplesmente, em

geral, Dom Bosco.

Antes de alguns acenos às ideias do Murialdo sobre a “pedagogia do amor” e a

“educação do coração”, trarei o relato de uma das participantes do Seminário da

Família Murialdo (BISSONI et al.: 2005). A professora Moema Muricy, do Instituto

Secular Murialdo, conta que um menino de 13 anos, aluno da 7ª série da Escola Paulo

VI, de Caxias do Sul, demonstrava desinteresse total, na escola, em todas as disciplinas.

Com muita paciência, procurou perguntar-lhe, um dia, de que é que ele gostaria. Sua

resposta foi: “De nada!”. Propôs-lhe então que durante a semana pensasse alguma coisa

que gostaria de fazer, para diser-lhe na semana seguinte. Ouviu então dele que gostaria

de música. Proporcionou-lhe, por isso, oportunidade de aprender violão. Muito tempo

depois, teve a surpresa de vê-lo, na TV, tocando violino. Soube depois que fizera

especialização na Áustria e nos Estados Unidos, sendo reconhecido como pessoa

extraordinária e músico exímio. Depois de referir outro exemplo, Muricy concluiu:

“Este fato mostra a formação do coração que vai além da aquisição de conhecimentos,

mas forma a pessoa humana sensível e solidária” (BISSONI, LAZZARI & AGAZZI,

2005: p. 109-110).

O relato de Moema Muricy deixa claro o que significa “educação do coração”,

segundo a pedagogia de Leonardo Murialdo, que resumia seu pensamento nestas

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palavras: “O coração é verdadeiramente o todo; é a parte mais nobre do homem. Pois

bem, a educação do coração é o que buscamos” (DOTTA & FOSSATI, 2012: p. 247).

Ele se inspirou no pensamento pedagógico do bispo e professor universitário francês

Félix Dupanloup (1802-1878), como esclareceu em seus escritos:

O sistema proposto tem seu fundamento no princípio de Dupanloup: “O

educador tem a seu cuidado e como finalidade o que há de mais precioso na

sociedade, isto é as crianças; aquilo que há de mais precioso nas crianças, o

coração, não tanto o exterior, o comportamento visível, a tarefa, a escola, mas

sim o interior, o coração, a religião e a educação dos sentimentos.” (DOTTA &

FOSSATI, 2012: p. 241).

Por ocasião do vigésimo quinto aniversário de fundação da Congregação, em

1898, o Murialdo escreveu uma carta circular aos confrades, na qual dizia:

Como seria bom se pudéssemos difundir entre nós o espírito de doçura, de

familiaridade, de paciência com os jovens. Seria o segredo para fazer um

pouco de bem às almas que Deus nos confiou, dizendo-nos: “Recebe este

menino, nutre-o para mim, e eu te darei a tua recompensa” (Êxodo, 2, 9).

Procuremos, pois, ter sempre, quando tratamos com eles, um semblante alegre,

um tratamento cortês, uma fala amável, afável, afetuosa; se não o fazemos por

instinto, por inclinação natural, façamo-lo por compromisso, com esforço, por

amor a Deus e às almas (DOTTA & FOSSATI, 2012: p. 274).

O Fundador Leonardo Murialdo se preocupava muito em conhecer outras

experiências, outras obras que se dedicavam à educação de crianças e jovens pobres,

órfãos ou desamparados, na França, na Suíça e na Itália. Ele se inspirou particularmente

em Johann Heinrich Pestalozzi, que escreveu a um amigo:

Eu não conhecia nenhum ordenamento, nenhum método, nenhuma arte, que

não se baseasse sobre a simples consequencia da convicção das crianças a

respeito de meu amor por elas. E eu não queria nem mesmo sabê-lo.

(PESTALOZZI, 1996: p. 554-555).

Em 2005 foi realizado, em Fazenda Souza (Caxias do Sul) o Primeiro

Seminário Internacional sobre a atualidade pedagógica do pensamento e da obra de São

Leonardo Murialdo. Naquele Seminário, a “educação do coração”, através de uma

“Pedagogia do Amor”, se constituiu no tema central, sendo relatadas numerosas formas

de realização desta proposta, em diferentes contextos geográficos e culturais onde a

Congregação está presente. Aquele Seminário documentou em livro os tabalhos

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apresentados, as práticas relatadas, e as conclusões que poderão inspirar novas

caminhadas (BISSONI, LAZZARI & AGAZZI, 2005).

Beatriz De Ansò, falando da educação na Argentina, escreveu:

Na nossa concepção murialdina procuramos como principal meta a educação

do coração. Entendemos o coração no sentido bíblico de “o íntimo vital da

pessoa”, isto é, a consciência, aquela que amadurece na adesão livre e pessoal

aos valores humanos descobertos em Cristo, e vividos em comunhão com ele,

numa verdadeira síntese entres a fé e a cultura (Ib.: p. 261).

Esta referência ao “sentido bíblico” está evidentemente de acordo com o

pensamento e com toda a ação pedagógica do Murialdo, como também com as

experiências conhecidas por ele, na França, na Suíça, na Itália, e em toda a tradição de

diferentes congregações religiosas, nas quais se inspirou como fundador. Esta reflexão

me oportuniza um aceno muito rápido, por ora, à Biblia como fonte importante para a

minha pesquisa. Junto com outros preconceitos laicistas, de que falei anteriormente,

registro também aqui o da ausência quase total da Bíblia nas referências bibliográficas

de estudos, em nossas universidades. Sem argumentar a importância da Biblia no campo

da fé, da religião e da teologia, acho não podermos negar que, independente de nossa

crença ou não, num sentido religioso, nossa tradição cultural, pedagógica e filosófica

não é apenas greco-latina, mas também judaico-cristã. De qualquer modo, no campo de

minha pesquisa os livros bíblicos serão fonte importante e fecunda, porque as

referências ao coração como expressão metafórica das dimensões mais profundas e

essenciais da existência humana são inúmeras, na Bíblia.

Na sua intervenção durante o Seminário pedagógico de Fazenda Souza, o

Diretor do Colégio Murialdo de Araranguá, Evair H. Michels,lembrou que “o Murialdo,

na sua época, foi um profeta, ao anunciar a pedagogia do amor e a educação do

coração”. Relatou, depois, que no colégio de Araranguá, segundo uma pesquisa feita, as

famílias reconhecem que esta pedagogia se manifesta em aspectos, entre outros, como: a

escola vista como extensão da família, um ambiente de acolhimento, conhecimento

pessoal dos alunos, ausência de exclusão e diálogo com as famílias” (BISSONI,

LAZZARI & AGAZZI, 2005: p. 350).

R. Altamirano situou a pedagogia do coração como um desafio de um contexto

triste, de uma realidade juvenil do Equador “marcada pela pobreza e pela emigração dos

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pais e das mães de família, em busca de trabalho e de sustento”. Buscando respostas a

partir do carisma do Murialdo, escreveu:

A educação do coração cumpre neste sentido um papel fundamental de criar

nos jovens o sentido da autoestima, de não estar sós, de ter por perto sempre

um amigo, um pai e irmão com quem contar (Ib.: p. 106).

Segundo Raymundo Pauletti:

Pedagogia do Amor, Educação do coração tem muito a ver com a capacidade

de escutar: uma escuta ativa que pressupõe sintonia, comprometimento, entrega

e cumplicidade confiança. A escuta no silêncio:

lugar da experiência de Deus (Ib: p. 112).

Esta atitude de escuta, esta capacidade de saber escutar, vista por muitos, no

Seminário Internacional, como essencial a uma pedagogia do amor, nos lembra que no

no seu livro Pedagogia da Autonomia, Paulo Freire dedica treze páginas ao tema

“ensinar exige saber escutar” (FREIRE, 2011: p. 113-125).

No II Seminário pedagógico, da mesma Congregação, realizado em Buenos

Aires em 2008, “foi reafirmado o compromisso dos educadores com a educação do

coração, como expressão de acolhimento, de presença, de escuta e de ternura”, numa

abertura às ruas, às praças, aos espaços onde se encontram as crianças, os adolescentes e

os jovens em situação de risco. Segundo aquele Seminário, a educação do coração deve

significar o convite: “Vem também tu; nós temos um lugar para ti”, num horizonte de

“protagonismo juvenil, para que os jovens possam aprimorar, condividir e multiplicar os

tesouros que possuem ocultos em seus corações. (MURIALDO, 2008)

Esta ideia de protagonismo dos jovens nos lembra que a educação do coração

afeta positivamente não só o educando. Ela toca a tal ponto o educador, que este se vê

lançado rumo ao infinito da esperança e das utopias. Ou seja, as pessoas têm soluções,

elas não são o problema, como dizia Dom Luciano Mendes de Almeida, referindo-se às

crianças de rua: “A criança não é o problema, ela é a solução”. Visão muito diferente do

que pensam os que propõem a redução da idade penal, para mandar mais cedo nossas

crianças para a cadeia. Apostar no pioneirismo das crianças e dos jovens é acreditar que

outro mundo, mais humano e solidário, é possível.

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O número de páginas dedicadas ao referencial teórico poderia parecer uma

desproporção, na estrutura de um projeto de pesquisa. Mas o motivo é outro. Minha

pesquisa será quase essencialmente de caráter teórico. Na medida em que eu avançava,

na redação deste projeto, apareciam novos nomes de grandes autores, nos vários campos

da ciência, da filosofia ou, mais especificamente, da educação. Mas decidi que a

redação do projeto deveria encerrar-se, e a ampliação dos diálogos, com diferentes

autores, poderá acontecer, não necessariamente, na realização da pesquisa.

6. Metodologia de Pesquisa

Minha pesquisa será prioritariamente documental e teórica. As fontes principais

serão as obras dos três grandes educadores citados anteriormente: Leonardo Murialdo,

São Batista de La Salle e Dom Bosco. Irei valer-me também de obras de caráter

histórico, dentro dos limites do tempo reduzido de um Pós-Doutorado, que me ajudem a

situar os educadores estudados no contexto histórico de sua época. Outra fonte

importante, novamente, como referência de consulta, serão as obras de estudiosos destes

educadores. Além dessas fontes, faler-me-ei de alguns grandes pensadores, filósofos,

teóricos da educação, psicólogos, teólogos e até poetas, cujas referências bibliográficas

já aparecem neste projeto.

Para a pesquisa documental assim concebida, estou prevendo também a

possibilidade de um estágio de dois a quatro meses em Roma. Tal estágio me

possibilitará acesso a fontes importantes, e o diálogo direto com estudiosos

mundialmente reconhecidos. Para as obras do Murialdo e a pedagogia da Congregação

por ele fundada, poderei deslocar-me para Viterbo, no Seminário teológico “Istituto San

Pietro”, da Congregação “Josefinos do Murialdo”, onde cursei quatro anos de teologia,

e onde se encontram os principais estudiosos da obra do Murialdo. Quanto ao Dom

Bosco, em Roma conheço o “Pontificio Ateneo Salesiano”, onde estive como

palestrante, no Colóquio Internacional Emmanuel Mounier, no centenário de seu

nascimento, em 2005. E como referência para a pedagogia do La Salle, há em Roma,

um Centro Internacional, onde inclusive espero poder fixar minha residência provisória.

De Roma, não terei dificuldade para deslocar-me alguns dias a Teramo, cidade

próxima, onde está a redação da revista Prospetti/Persona, referência principal, na

Itália, de estudos sobre o Personalismo de Mounier, autor importante nas minhas

referências teóricas. Lá reside, inclusive, o Casal Attilio Danese, fundador e Diretor da

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Revista, e Giulia Paola Di Nicola, também exímia estudiosa das obras de Mounier e de

Paul Ricoeur.

Sobre o tema de uma “Pedagogia do amor”, e da “Educação do coração”, sem

propor-me uma pesquisa propriamentre empírica, irei valorizar, como referência

empírica, uma experiência que pratica uma pedagogia do amor ou do afeto. Trata-se de

um projeto da Faculdade de Educação da UFRGS, coordenado pela Professora Dra.

Carmem Craidy, com a participação de Professoras/es e estudantes da Educação, do

Direito, da Psicologia e do Serviço Social da UFRGS. Aquele grupo de

pesquisadores/educadores realiza, em parceria com a FASE de Porto Alegre, um

trabalho pedagógico-social de atendimento a adolescentes e jovens internos daquela

instituição. Trata-se de um trabalho realizado com mais de mil e quinhentos jovens, com

resultados altamente positivos, documentado em vários livros, entre os quais destaco a

obra intitulada Medida Socioeducativa entre A & Z (LAZZAROTTO et al., 2014).

Decidi considerar, em minha pesquisa, esta referência empírica, porque minha pesquisa

é motivada, em grande parte, pela realidade triste à qual são “condenados” muitos

adolescentes e jovens das classes populares, vítimas fáceis do tráfico de drogas. Diante

desta tragédia de milhares de vidas ceifadas cruelmente, cabe a todos nós, brasileiras e

brasileiros, nos propormos a pergunta formulada pela iniesquecível Betinho, por ocasião

da chacina da Candelária: “O que estamos fazendo com nossas crianças”? Quanto às

instituições destinadas a recolher os jovens em situação de risco, nossos governantes

precisariam saber que, para a recuperação dos mesmos não é suficiente competência

científica e técnica. E neste momento nosso país está enfrentando a ameaça de uma

devastação de vidas em idade mais tenra ainda, com a proposta perversa de redução da

idade penal. Infelizmente, muitos políticos nossos já terceirizaram sua consciência há

muito tempo. Em lugar da condenação e da reclusão, não é dever nosso oportunizar a

milhões de crianças pobres, gestos de amor, condições de vida digna, escola acolhedora

e direito de sonharem ser felizes?

O Murialdo, como Diretor do “Collegio degli Artigianelli” (Colégio dos

Pequenos Artesões), de Turim, internato para meninos pobres, órfãos e abandonados,

dizia aos seus educadores, que o mais importante nos educandos era o coração,

convencido de que se não se chegasse ao coração deles, através do afeto, qualquer outro

esforço seria estéril.

Cabe-me esclarecer que de boa parte da bibliografia necessária para a minha

pesquisa, já disponho aqui. De Leonardo Murialdo, cujo legado será a referência

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principal de minha pesquisa, foi-me doado o livro Antologia dele Fonti Carismatiche:

L’insegnamento di San Leonardo Murialdo, organizado por Giovenale Dotta e

Giuseppe Fossati. Além disso, quanto à pedagogia daquela Congregação e à sua

atualidade, recebi o livro que surgiu do Seminário Internacional, realizado em Fazenda

Souza, em 2005, no qual consta uma contribuição minha, tendo sido convidado, como

assessor, para o contraponto das Ciências da Educação à tradição pedagógica da

Congregação (ANDREOLA, 2005; p. 167-180).

No que concerne à pedagogia de João Batista de La Salle, fui brindado com as

obras completas, em seis volumes (LA SALLE, 2012), cuja publicação foi organizada

por Edgard Hengemüle, com a colaboração do Irmão Henrique Justo e vários outros

membros da Congregação.

No meu possível estágio em Roma, além do acesso à muita documentação

extremamente valiosa, terei a oportunidade do diálogo direto com vários estudiosos das

obras que serão fontes de minha pesquisa.

No campo da metodologia, irei valer-me das contribuições da Hermenêutica,

exigência que me parece fundamental para interpretação da linguagem de diferentes

autores. Isto como preocupação importante que tenho há tempo, de que não são

suficientes métodos ou técnicas que se limitam a procedimentos analíticos de sabor

estruturalista ou positivista.

Para o diálogo direto, disponho já aqui no Brasil, de interlocutores competentes

e atenciosos. Para a Pedagogia do Murialdo, vários participantes do I Serminário

Internacional de 2005, e do II, que aconteceu na Argentina em 2008. Da Pedagogia

Lassaliana, como docente do UNILASALLE, tenho diálogos frequentes com o Irmão

Henrique Justo, um dos maiores estudiosos do La Salle no Brasil. Com a possibilidade

de conversas, igualmente, com o Irmão Edgard Hengemüle, organizador das Obras

Completas em português, e com vários livros publicados. Tenho a possibilidade também

de me encontrar com o Irmão Marcos Antonio Corbellini, atualmente Diretor da

Faculdade de Tecnologia de Estrela, cuja tese de doutorado, em 2002, foi “A Sociedade

das Escolas Cristãs – França (1679-1719) - Contribuição para novos olhares sobre sua

origem (2002).

No PPG/EDU da UFRGS, instituição onde realizarei meu Pós-Doutorado, já

recebi proposta de algumas reuniões ou seminários, sobre temas ligados ao meu Projeto

de Pesquisa, com colegas com os quais já mantenho diálogo há muitos anos, e com a

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participação de estudantes do PPG/EDU ou do Curso de Pedagogia. Atividades

semelhantes realizarei no UNILASALLE, onde atuo como docente e pesquisador.

7. Cronograma

Minha previsão, neste momento, é de que meu Pós-Doutorado tenha início,

oficialmente, 1º de julho de 2015, com duração máxima até 31 de outubro de 2016.

Prevejo, como dito já na Metodologia, um estágio de dois a quatro meses em Roma,

possivelmente a partir de março de 2016, com pesquisa documental e entrevistas com

estudiosos ligados ao meu objeto de estudo, em quatro instituições, já nomeadas na

Metodologia.

4. Referências

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