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Kamala

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Original: “The Flawless Mirror” Copyright © 1964 by Kamala Silva

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O Espelho Perfeito

Kamala

“A Divindade não tem, sobre a terra, lugar mais adequado à Sua natureza do que uma alma pura e santificada.”

Demófilo

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Kamala (1906-1997)

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Este livro é dedicado

A cada Leitor

Oro para que as palavras de Paramhansa Yogananda “acendam lâmpadas de sabedoria” em seu caminho, e tragam

doces lembranças de Deus a seu coração.

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Paramhansa Yogananda, emissário espiritual

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ÍNDICE

PREFÁCIO ........................................................................................................................................ 9

CAPÍTULOS

1. UM SÁBIO ILUMINADO .......................................................................................................... 11

2. AMIZADE DE OURO ............................................................................................................... 15

3. HÓSPEDE DE HONRA ............................................................................................................ 21

4. VISITAS NO HOSPITAL ........................................................................................................... 24

5. A IOGA INVADE O PAÍS ......................................................................................................... 28

6. PRECIOSOS PRECEITOS........................................................................................................... 31

7. RECEBO INICIAÇÃO EM KRIYA ............................................................................................... 36

8. RECEBO DE MEU GURU A ORDENAÇÃO PARA O MINISTÉRIO.............................................. 41

9. BÊNÇÃOS DA GRAÇA............................................................................................................. 45

10. LEMBRANÇAS DA INFÂNCIA.................................................................................................. 50

11. A “AUTOBIOGRAFIA DE UM IOGUE” ..................................................................................... 52

12. VIDA EM MT. WASHINGTON................................................................................................. 54

13. TRANSMITO OS ENSINAMENTOS DE MEU GURU ................................................................... 59

14. UMA PROFECIA DE SRI YUKTESWAR ..................................................................................... 64

15. CORRESPONDÊNCIAS GUARDADAS COM CARINHO ............................................................. 67

16. A SEARA DO MESTRE: DEVOTOS DE DEUS............................................................................ 70

17. MONTAGEM DE TRABALHO, SABEDORIA E HUMOR............................................................. 73

18. HORAS PRIVILEGIADAS COM MEU GURU.............................................................................. 78

19. O MESTRE ENTRA NO GRANDE SAMADHI ............................................................................ 83

20. MEU GURU VEM TRAZER-ME DOCES LEMBRANÇAS DE DEUS............................................. 89

21. POEMAS DE PARAMHANSA YOGANANDA .... ..................................................................... 101

22. IN MEMORIAN: KAMALA SILVA (1906-1997) .................................................................... 109

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Swami Yogananda palestrando no Philharmonic Auditorium, Los Angeles, 1925

“O Único Oceano do Espírito está oculto sob as ondas das formas finitas.” Paramhansa Yogananda

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PREFÁCIO

“A introspecção é um espelho maravilhoso; melhor, porém, é ver sua própria imagem no espelho perfeito da mente de um sábio.”

Paramhansa Yogananda, em The Master Said [“O Mestre Disse”]*

Sabendo da fome que os devotos têm por palavras a respeito de seu Preceptor, registrei aqui minha convivência com meu Guru, Paramhansa Yogananda, por um período de mais 27 anos, em intervalos longos e curtos, em diversas localidades e sob diferentes circunstâncias.

As pessoas me pedem com tanta freqüência: “Fale de seus dias com o Mestre!” É o que procurei fazer. Estas páginas encerram apenas aquilo que toca diretamente o meu discipulado, e as horas em que tive o privilégio de estar na companhia dele. É possível que alguma passagem ou descrição de uma cena ofereça uma visão da qualidade eterna do relacionamento do Guru com o discípulo. Que esse vislumbre possa abençoar, do mesmo modo como foram abençoados todos os que entraram em contato com a vida dele.

* Agora reduzido e rebatizado pela Self-Realization Fellowship como Sayings of Paramahansa Yogananda [“Ditos de Paramahansa Yogananda”]. (N. T.)

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“Um perfil sorridente de meu Guru”

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CAPÍTULO 1

UM SÁBIO ILUMINADO

Á, na vida, encruzilhadas que mudam toda a direção da viagem. Foi o que aconteceu quando vi meu Guru. Seus preceitos iluminariam minha jornada pelo caminho que leva o coração e os pensamentos para Deus.

Na noite de 13 de janeiro de 1925 – data memorável – o Philharmonic Auditorium, em Los Angeles, estava com sua capacidade de 3 mil assentos completamente lotada. As pessoas formavam filas que contornavam o edifício, estendendo-se a longas distâncias, esperando que as portas se abrissem. Às 7 horas da noite, não havia mais assento disponível para as centenas que ainda queriam entrar. Isto se repetiu todas as noites, durante muitas semanas. Todos se reuniam para ouvir um certo emissário da Índia. Daquele país onde sábios têm sido nutridos, estávamos para conhecer um de seus mais iluminados.

Swami Yogananda subiu à tribuna, com sua túnica alaranjada que o identificava como alguém que pertencia a uma antiga ordem de renunciantes. Alegremente, traduzi em meu diário minha primeira e espontânea impressão: “O sorriso dele é como o brilho de sol da alma”. Era jovial e transmitia um entusiasmo que parecia a todos envolver.

Por que eu estava presente? Minha mãe* vira os cartazes com o retrato dele. O interesse dela baseava-se no respeito que tinha pelos ensinamentos da Índia, e ela estava “buscando a verdade”. Fui com ela, e assisti a todas as palestras e a uma série de aulas, chamadas preliminares, avançadas e superavançadas, repletas de centenas de estudantes entusiasmados. Em resposta a um pedido por voluntários, servi como indicadora de lugares nas aulas e palestras.

Estava eu buscando? Não conscientemente; mas quando o vi, pensei: “Agora encontrei alguém que pode responder a qualquer pergunta que eu queira fazer”. O estudo escolar trouxera-me respostas acadêmicas, mas careciam de profundidade – uma dimensão que eu sentia que deveria existir. Na igreja, eu havia recebido os ensinamentos cristãos sem uma “pedra da roseta” que os traduzisse em experiência. Esta sabedoria, eu a encontrei em Swami Yogananda.

Paramhansaji† ensinava métodos científicos de meditação, que permitem à pessoa saber como mergulhar no seu íntimo e seguir o caminho da alma para o Infinito. As poucas e simples técnicas de ioga que ele apresentou eram essencialmente diretas: guiavam a pessoa sem desvios.

As palestras de Swami eram precedidas pela execução de músicas ao órgão e, freqüentemente, a “Canção da Índia” anunciava seu aparecimento. Antes da conferência, ele lia um poema, às vezes de seu livro Songs of the Soul [“Cânticos da Alma”]. Sua poderosa declamação, anunciando a permanente sobrevivência da alma ao longo de eões de tempo, está gravada em minha memória.

* Dra. Frances Grant Buchanan. † Título que lhe foi conferido por seu Guru alguns anos mais tarde e, desde então, usado no lugar de “Swami”.

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Ele tinha uma farta munição de histórias cativantes e inesquecíveis, cada uma transmitindo um preceito espiritual. Muitas eram colhidas de suas próprias experiências; algumas ele trouxera da Índia.

Uma noite, ele mencionou que, na infância, era extremamente magro e que o seu peso atual viera como uma bênção de cura de seu Guru. Estava ciente de que, no mundo ocidental, a santidade está associada à magreza, a ponto de definhamento. Com seu agudo senso de humor, explicou que na Índia é desejável ser gordo, porque um instrutor magro é uma propaganda ambulante de que ele tem poucos discípulos para alimentá-lo!

Outra noite, alguém lhe perguntou a idade. Espontâneas conjeturas estenderam-se desde dezesseis anos até vários séculos. Mas ele replicou, com um sorriso:

– Eu nunca digo minha idade.

Isto deixou a questão ainda aberta à especulação. Ninguém, na época, compreendera plenamente que ele não media a vida unicamente por sua breve residência no corpo, pois o espírito não tem idade.

Após uma palestra, convidou a todos para virem tocar seus braços, os quais ele fez com que vibrassem de energia, à maneira de um gerador elétrico. Foi um recarregamento do corpo por meio do poder da vontade e da força vital – uma maneira benéfica de se exercitar, que ele ensinava nas aulas.

Diversos médicos participavam de seus cursos. Em uma ocasião, ele perguntou se alguns médicos presentes gostariam de observar o controle dos batimentos cardíacos. Eles ficaram muito interessados e subiram à tribuna. Com um médico de cada lado tocando-lhe o braço à altura do pulso, cada um registrou diferentes contagens à esquerda e à direita. Em seguida, ele fez cessar inteiramente a pulsação e, também, a respiração. Os médicos não puderam detectar o menor sinal delas.

Certa noite, Swami convidou todos os homens da polícia de Los Angeles, que estavam presentes às portas do Auditorium, para se aproximarem e vissem se seriam capazes de tirá-lo do equilíbrio ou de movê-lo do lugar onde estava. Alguns deles atenderam e ficaram surpresos ao constatarem que de nada valia o peso maior que tinham, em seus esforços para tirá-lo do lugar.

Vim a saber que tais demonstrações eram dadas raramente por ele, pois sua intenção era levar os outros a Deus por meio do amor ao Pai Celestial, e não pela exibição de poderes fenomênicos.

Na primeira noite em que o escutamos, ele falou a respeito da mente superconsciente, descrevendo-a como a mente espiritual. Chamou a mente subconsciente de um imitador, que imprime e grava todas as nossas ações, pensamentos e experiências.

Ele falou quase todas as noites, durante muitas semanas, e suas palavras tinham uma espécie de oratória que despertava o ouvinte da modorra espiritual. Aos que tendiam a exaltar a personalidade dele, dizia: “Não pensem em Yogananda, mas Naquele que me enviou”. Também dizia: “Não aceitem cegamente o que digo; pratiquem e provem para vocês mesmos, por sua própria experiência”.

Havia serviços de oração, que incluíam afirmações para o bem-estar físico, mental e espiritual. Todos participavam, e as orações e vibrações poderosas de Swami reforçavam as nossas. Depois de uma dessas reuniões, escrevi: “Hoje, fui para o serviço de cura e, no

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final das orações, uma onda maravilhosa desceu e encheu a sala. A sensação foi de uma grande bênção.”

Referências às suas aulas aparecem em anotações de meu diário. Incluo algumas aqui:

21 de janeiro. Nesta manhã, pratiquei os exercícios. Eles me fazem sentir forte e saudável. Swami falou de “como usar a Consciência Cósmica na vida diária”. Significa estar em contato com o amor, a coragem, a tolerância, a compaixão e a sabedoria.

28 de janeiro. Hoje à noite foi uma revelação para nós, que estamos aprendendo a

conhecer Deus e ouvi-Lo por meio do Som Cósmico. Swami conhece as leis para se entrar em contato com Deus, e somos muito felizes por aprendê-las.

30 de janeiro. Nossas lições e tudo que Swami diz são de grande valor. Ele fala a partir

de uma fonte interior de sabedoria. Esta noite foi o término do primeiro curso, e já tenho o suficiente para manter-me ocupada pelo resto da vida.

13 de fevereiro. Hoje, em meditação, uma maravilhosíssima percepção veio a mim: um

grande amor por Deus, meu Pai, de Quem me sinto próxima.

Depois de apenas um mês, tive esse sentimento íntimo, pessoal, por Deus, que nunca antes experimentara. Confirmou-me que as técnicas de meditação capacitam a pessoa a aproximar-se de Deus. Swami disse: “Para amar a Deus, é preciso conhecê-Lo. Então, a paz Dele entrará em seu coração.”

Em 8 de março, Swami falou de seus planos para comprar o edifício e os terrenos do Hotel Mt. Washington, a fim de usá-los para o trabalho da Yogoda.* Situava-se em uma das áreas residenciais de Los Angeles e, quando ele encontrou o lugar, o qual já tinha contemplado antes em uma visão, ficou especialmente contente por ter sido batizado em honra do grande pioneiro da liberdade da América.

Mount Washington foi adquirido e tornou-se a permanente sede internacional da Yogoda (SRF). Os terrenos abrangem muitos acres no topo de um monte, e, do edifício, tem-se a visão das colinas ondulantes e das luzes cintilantes da cidade, ao longe. A primeira reunião ali realizada foi na Páscoa: um serviço ao nascer do sol. Swami falou de Jesus e da experiência da Consciência Crística em nossos corações.

No final da primavera e durante o verão, Swami falou em diversas cidades da Califórnia, inclusive San Francisco. Já havia palestrado ali, no ano anterior, e agora, outra vez, encontrou grande receptividade. Também viajou para o norte, ao longo da costa, para cumprir compromissos de regresso nos estados de Oregon e Washington; muitos estudantes em Portland e Seattle o aguardavam. Em Spokane também, durante a visita que fez em setembro, ele encontrou platéias lotando, todas as noites, o imenso salão de conferências. Em outubro, ele voltou a Los Angeles para falar novamente no Philharmonic Auditorium. Escrevi em meu diário: “Meu grande mestre, Swami Yogananda, está de volta. Ele falou da Yogoda e dos meios pelos quais os Mestres da Índia alcançaram a realização divina.”

* Yogoda designava os seus ensinamentos, nome que foi mais tarde mudado para Self-Realization Fellowship. Na Índia, o nome original de Yogoda Sat-Sanga continua sendo usado. Traduzido, significa “o que confere a união (da alma individual com Deus), por meio da associação com a verdade”.

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Sempre trazíamos amigos a todas as palestras. Nosso entusiasmo não tinha limites. Mamãe e eu éramos atraídas por sua grande sabedoria, serenidade e radiante força espiritual, que qualquer um podia sentir. Enquanto eu absorvia seus ensinamentos, não sentira a necessidade adicional de dirigir-me até ele para ter uma entrevista pessoal, como faziam muitos estudantes. Agora, no entanto, como estávamos prestes a nos separar, quis falar com ele. Passaram-se nove meses desde que assisti a suas palestras pela primeira vez, em janeiro, e esta noite, 13 de outubro, seria a minha primeira conversa com ele.

Após a conferência, fui aos bastidores e o vi, de pé, próximo às cortinas. Observei-lhe a suave dignidade, e a reserva que sempre lhe foi natural. Esse mestre era reverenciado em minha mente e em meu coração, de um modo que eu não podia descrever, mas que, posteriormente, soube que era o sentimento natural do discípulo pelo Guru.

Aproximei-me, e ele me cumprimentou. Trocamos algumas palavras, e ele me disse que também estava partindo em breve para palestrar em outros estados.* A seu lado estava o instrutor que acabara de chegar a Mt. Washington, e ele nos apresentou.† Swami disse que viéssemos vê-lo outra vez, antes de partirmos.

Seu discurso naquela noite fora uma linda palestra a respeito de como viver a vida de Cristo, de Krishna e de Buda. Disse que Cristo viera quando o amor era necessário, que Buda trouxera a determinação espiritual e Krishna enfatizara a atividade guiada pela sabedoria. Na noite seguinte, sua esclarecedora palestra foi sobre “Como acelerar a evolução humana”, e ele descreveu a ajuda que as técnicas da ioga proporcionam.

Recebi uma bênção de meu Guru na noite seguinte. Swami falou de seu próprio grande mestre, Sri Yukteswar. Após a palestra, fui vê-lo. Ele me saudou e, durante a conversa, disse:

– Sempre conserve sua dignidade, e lembre-se do poder de seu pensamento e de sua vontade.

Quando me despedia, pedi-lhe a bênção. Ele colocou a mão sobre minha cabeça e orou. No começo, senti uma quietude interior; depois, uma alegria sagrada me inundou, enquanto meu espírito era erguido a uma imensa tranqüilidade.

Swami Dhirananda, o Mestre, Dra. Buchanan (mãe de Kamala) e Kamala; Mt. Washington, 1926

* Suas palestras, nos meses seguintes, estavam programadas para Chicago, Rochester, Cleveland, Pittsburg e no Carnegie Hall de Nova York. † Swami Dhirananda. (N. T.)

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CAPÍTULO 2

AMIZADE DE OURO

ERVIÇOS dominicais e palestras semanais eram agora realizados na nova sede de Mt. Washington. Mamãe e eu participávamos regularmente. No verão de 1926, fomos lá para morar e servir, a convite do instrutor residente que fora posto na direção por

Swami Yogananda.

O edifício era pouco ocupado e tínhamos à nossa escolha dúzias de quartos – todos sem mobília, naquela época. Escolhemos uma suíte no segundo andar e a pintamos; depois, mandamos buscar nossa própria mobília. Mamãe doava uma quantia mensal para cobrir nossas despesas de alimentação e estadia. Ela recebia os visitantes que vinham de longe e de perto, e fazia sala para eles até que o instrutor pudesse recebê-los. Mamãe era médica, e seu serviço voluntário foi possível porque havia acabado de se aposentar do exercício da medicina.

Descobri que a despensa precisava de atenção e, imediatamente, comecei a colocá-la em ordem, trabalhando firmemente todos os dias. Trabalhei também no escritório, respondendo algumas cartas enviadas por estudantes da Yogoda.

Na maior parte do tempo, Swami Yogananda estava palestrando por todos os Estados Unidos, mas retornava à Califórnia, onde ficava por períodos prolongados. Cada oportunidade de vê-lo e os pensamentos que exprimia em minha presença deixaram profundas impressões. Ele logo estaria aqui para passar as férias de verão.

Muitos detalhes desses dias estão anotados em meu diário. Essas anotações deixam um registro mais concreto e confiável do que a memória. De algumas recordações, pode-se ver o fragmento de um dia, e espero que um caleidoscópio de cenas como essas componham um quadro multifacetado.

Em 18 de agosto, estávamos alegremente ocupados em Mt. Washington com os preparativos para a chegada de Swami. Na tarde seguinte, muitos estudantes o receberam no trem e o presentearam com um lindo ramalhete de flores. Quando voltávamos, mamãe e eu fomos no carro com ele. Ele parecia imerso em Deus. Mais tarde, nos disse:

– Cultivem a amizade com Deus, meditem Nele e sintam-No. Sejam como a criança teimosa que bate na porta até que Ele a abra.

À noite, conversou conosco por um tempo e disse que estava muito contente por estarmos ali.

Swami trouxera consigo, da costa leste, algumas mangas frescas. Na noite seguinte, tivemos sorvete de manga, que ele havia planejado como uma surpresa para todos. Tocando uma flor que estava sobre a mesa, ele comentou:

– Nas flores capturamos a beleza de Deus.

Trouxe discos de Galli-Curci* e muitas canções espirituais da Índia, que ele tocou para nós. Gostava de ouvi-las e partilhá-las conosco.

* Amelita Galli-Curci, famosa cantora lírica, foi durante toda a sua vida, discípula de Paramahansa Yogananda. Ela escreveu o prefácio do livro dele, Whispers from Eternity [“Sussurros da Eternidade”]. (N. T.)

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Assistimos a um concerto com Swami e ouvimos “Morte e Transfiguração”, de Strauss. Estávamos no Hollywood Bowl, e Ralph Waldo Trine (autor do livro In Tune with the Infinite) também lá estava. Swami e ele eram amigos. Juntamente com a esposa e o filho, foram convidados para o almoço, no dia seguinte, em Mt. Washington. Tirei retratos deles com Swami.

Nós, que morávamos em Mt. Washington, e outros hóspedes fomos convidados por Swami para uma excursão de férias em Catalina Island. No hotel, recebemos quartos excelentes e, depois, saímos para passear em volta da ilha. Fizemos também um piquenique, na hora do almoço. Em seguida, muitos foram nadar e, depois, houve uma corrida a pé. Cinco participaram da competição. Notei que os pés de Swami movimentavam-se com a mesma rapidez que os pistões de um motor, e as passadas largas dos outros não podiam competir com ele. Ele se distanciou do mais próximo um quarteirão inteiro, em uma corrida de dois quarteirões! Mamãe e eu apreciamos muito testemunhar esse evento.

Na manhã seguinte, passeamos em barcos a motor por muitos quilômetros, sobre águas tranqüilas, e observamos muitas focas. Mais tarde, fizemos um passeio especial, no barco com fundo de vidro. Foi extraordinário. Vimos jardins lindos e coloridos debaixo da água límpida. Naquela noite, em outro passeio, os peixes voadores assemelhavam-se a raios prateados saltando da água, às vezes para dentro do barco. Descobrimos muitas coisas interessantes para ver e fazer, nos dias felizes que ali passamos. Swami foi um maravilhoso anfitrião para todos.

Quando voltamos à terra firme, Swami aceitou nosso convite para pararmos em nossa casa de praia, na cidade vizinha de Manhattan Beach. No caminho, fizemos compras e, depois, preparamos uma refeição indiana, que foi apreciada por todos. Amigos nossos vieram visitar-nos, e Swami divertiu os filhos deles ensinando-lhes algumas brincadeiras. Mais tarde, fomos a pé para a praia, onde ele e um de seus convidados foram nadar.

Depois, à tarde, Swami leu para nós algumas estrofes de um livro de poemas que estava na casa; então, tornamo-nos muito quietos. Após um período de silêncio, os olhos dele encheram-se de lágrimas de devoção. Ele disse:

– Oh, Brahma é tão bondoso comigo! Há uma correnteza circulando dentro de mim e por todo o meu corpo. Que bem-aventurança!

Horas depois, enquanto meditávamos, tive uma experiência espiritual. A respeito dela, escrevi: “É apenas o começo. Não posso descrever a alegria.”

Foi uma inesperada felicidade termos Swami em nossa casa, e o começo de um tempo que permitiu que nossa amizade crescesse e se aprofundasse com a bênção da convivência diária.

Permanecemos alguns dias na praia em Manhattan Beach, depois viajamos com Swami e os convidados para Santa Barbara. Foi a primeira visita dele à nossa casa. Naquela noite, após uma conversa a respeito das peças de Shakespeare, Swami deleitou-nos com uma representação dramática do famoso discurso de Antônio, no drama “Julius Cæsar”. Ele fez a declamação de maneira espontânea, com sua memória impecável. Foi à luz de velas, pois, na época, não havia eletricidade.* Pouco depois, os versos de

* Mamãe tinha acabado de construir a casa, mas, em vez de ocupá-la, tínhamos ido a Mt. Washington.

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Shakespeare e todo o drama foram esquecidos, enquanto voltávamos a mente e o coração para a meditação.

Depois, enquanto nos sentávamos fitando o céu iluminado de estrelas, Swami falou da alegria que sentia em Deus.* Então, começou a falar poeticamente, dizendo que o Dia e a Noite conversavam juntos, como amigos, e, contudo, cada um queria que o outro se retirasse! O Dia ansiava por revelar as belezas do mundo; a Noite sentia que o manto macio da escuridão trazia serenidade à humanidade.

Suas palavras tornaram-se um poema, criado naquele momento, em que descrevia a busca do cosmos pelo Ser Infinito. Ele perguntou à estrela e à nuvem: “Digam-me, em silêncio, a quem vêem? É Àquele que, dentro de mim, fez-me vibrar com um toque invisível e, rapidamente, fugiu sem ser visto?” E perguntou a toda a Natureza: “Viu Sua Presença oculta?”

Cada um de nós sentia a inspiração desses dias. Pareciam passar tão depressa! Swami sempre irradiava uma aura de paz, um halo de serena felicidade.† Quando voltamos para Manhattan Beach, ele me deu um álbum de autógrafos. Eis os pensamentos que ele escreveu:

Existe um liame invisível unindo Oriente e Ocidente, e todos os estranhos. Somos todos estranhos e, contudo, não há estranhos, pois todos pertencemos a Deus, nosso único Pai. Adore-O como Bem-aventurança, o que há de mais interessante dentro de você.

Aquele que eu sinto no frio toque da brisa, que vejo competindo nas ondas do mar, que ouço no bramir do oceano e que vejo emergindo do portão petalado das flores que se abrem – que Ele seja seu por toda a eternidade.

Nesta casa, em todo canto que rezei, deixei um altar permanente de devoção, erguido no éter invisível, onde você sempre O encontrará. Nesses mesmos lugares, mergulhe rápida e profundamente em seu íntimo, com reverência e devoção firme, e você encontrará esse altar secreto.

Swami Yogananda

Quando regressamos a Mt. Washington, entrevistas e numerosos assuntos relacionados à organização mantiveram Swami ocupado a maior parte do tempo, mas sempre havia períodos de meditação, refeições em comum e conversas tranqüilas. Um dia ele nos levou para vermos o filme “Mare Nostrum”. Todos os dias, ele jogava tênis na grande quadra que fica no outro lado da via de acesso. Também passava tempo com seus escritos e dava palestras nos serviços de domingo e de meio da semana. Ele lembrava aos devotos: “Aprofundem seu amor por Deus; tenham devoção acima de tudo. Usem sempre palavras gentis, e não usem só a mente, mas o coração também.” Ele também dizia: “A tranqüilidade é um dos maiores atributos da alma”.

* Ele a descreveu como Nirbikalpa Samadhi: um estado de consciência de Bem-aventurança em Deus, que permanece constante, mesmo enquanto a pessoa se ocupa de atividades externas. † Para todos os que conheceram Paramhansa Yogananda por meio de sua Autobiografia de um Iogue, será imensamente difícil compreender que, pelo fato de esse livro não ter sido ainda escrito, nós fomos aos poucos conhecendo as amáveis qualidades dele, sem o descortino que o livro nos oferece como pano de fundo.

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Mamãe e eu tivemos a bênção de estar com ele certa noite, quando seu amor por Deus expressou-se na efusão de uma prece ao Infinito, proferida com muita doçura. Sua absorção extática e seu semblante beatífico testemunhavam a resposta e a bênção da Divindade. Outra discípula, que estava presente, teve a inspiração de anotar taquigraficamente suas palavras.* Era muito raro conversarmos durante horas. Certa vez, perguntei:

– Como devem as crianças rezar?

Ele respondeu:

– Precisa haver orações para elas.

Ele então compôs orações, em linguagem simples, de bondade, consideração e integridade. Expressou modos de trazer a presença de Deus para perto das crianças, a fim de que percebessem o amor Dele nos pais e amiguinhos, a ajuda Dele através dos professores, a beleza Dele no seio da natureza, e para que O percebessem no silêncio, como paz e alegria em seus corações. Quando a alvorada iluminava a sala, espalhando uma cor rósea pelo céu, Swami ficou de pé, deu a cada uma de nós sua bênção e, então, retirou-se para seus aposentos, deixando conosco a lembrança inesquecível daquelas horas.

Swami voltou à casa de praia a fim de passar o tempo que lhe restava antes de partir para a costa leste. Ele gostava da simplicidade de nossa casinha perto do mar, que dava uma vista do oceano e situava-se em meio ao barulho das águas. Também havia quietude, sem demandas de seu tempo. Ele sempre meditava pela manhã, livre de interrupções. Perto do meio dia, estava pronto para o seu primeiro banho de mar diário e, freqüentemente, voltava ao mar outra vez, durante o dia.

Em nosso culto vespertino, ele cantava e tocava cânticos ao piano. Esses cânticos† incluíam muitos que ele mesmo compôs, e também outros da Índia. Mamãe e eu adorávamos ouvir esses cânticos devocionais.

Swami gostava de passear de carro, no final da tarde ou no começo da noite. Às vezes, íamos à vizinha Palos Verdes e, lá, nos detínhamos para meditar, sentados no chão, em uma encosta defronte ao oceano. Naquele lugar, nos dias quentes de verão, a brisa do Pacífico era suavemente fria, e Swami logo se absorvia profundamente em samadhi. (Na época deserta, tornou-se desde então uma área residencial.) O panorama que dali se descortinava incluía diversas cidades costeiras, ao longo da orla, e à noite cada uma se assemelhava a um cacho de jóias com um colar de luzes interligando-as. Freqüentemente passeávamos de carro sobre os montes e víamos uma fazenda eventual aninhada nessa área aparentemente remota, que distava alguns minutos da cidade.

Às refeições, tínhamos caril – muito gostoso e muito picante! Swami gostava de escolher os vegetais no mercado e fazia a maior parte do preparo. Nós ajudávamos no cozimento. Ele usava uma ampla variedade de verduras, cogumelos e, às vezes, channa (ricota), um queijo que pode ser cozido e preparado de diversas maneiras. O arroz costumava ser servido integral, com molho de caril, e, de sobremesa, frutas frescas.

* Essas orações, inclusive aquelas para as crianças, aparecem no livro dele Whispers from Eternity [“Sussurros da Eternidade”] publicado em 1929. † Aparecem no hinário “Cantos Cósmicos”.

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Em todos os seus anos ocupados com palestras e viagens, a dieta de Swami consistia principalmente de frutas e nozes, com raras oportunidades para refeições caseiras de sua terra natal. Ele as aceitava de bom grado e partilhávamos do seu prazer.

Um dia, quando sua data de partida se aproximava, perguntei o que eu deveria ler. Ele sugeriu alguns versículos da Bíblia e do Bhagavad Gita, todos os dias. E acrescentou:

– Ore, medite e seja honesta consigo mesma. – E também me disse:

– Lealdade ao Preceptor é de grande importância no caminho espiritual.

Deu-me um bracelete feito de prata, cobre e ouro, fabricado de maneira especial.* Ele sentia que o uso desse bracelete seria benéfico para mim.

Voltamos da cabana de praia para Mt. Washington. Swami partiu pouco depois, para cumprir uma agenda repleta de palestras, em cidades da costa leste. No trem, deu uma bênção a todos e disse para sermos bondosos e vivermos em harmonia uns com os outros.

Recebi de meu Guru, em novembro, a seguinte carta. Ele me chama de Kamala, como sempre o fez. É o nome que me deu, e significa Lótus. Meu nome de batismo é Mary.†

Cincinnati, Ohio

Querida Kamala,

Terei que lhe responder por telegrama, pois estou lutando contra o tempo. Fiquei contente em receber suas cartas. Parece que foi ontem que vim para cá. Tive grande êxito.

Fico feliz que você saiba de minha sinceridade. Este é o meu tesouro mais precioso. (Refere-se a algo que eu tinha escrito.)

Em dezembro, estarei tão empatado que será impossível me ver livre. Tenho que estar em diversos lugares. Queria estar em Los Angeles para ver vocês todos. Prepare-se para a grande obra de Deus.

Escreva-me. Estarei aqui até 28 de novembro.

Com bênçãos, sempre,

Swami Yogananda

Esta e outras cartas de meu Guru aparecem como ele as escreveu, exceto pela omissão ocasional de algumas linhas ou parágrafos, seja para encurtar, seja porque a mensagem era confidencial.

Em 24 de dezembro, recebemos de Swami, como presente de Natal, um artefato de cobre feito na Índia, e no cartão ele contou de suas próximas atividades e palestras em Washington, D.C. Também enviou suas bênçãos para o nosso “maior desenvolvimento espiritual”.

Antes de minha ida a Mt. Washington, eu fizera uma cirurgia no joelho e um defeito ainda precisava ser corrigido. Swami refere-se a isto em uma carta que enviou de Washington, D.C., em março (1927), na qual escreveu: “Informe-me da decisão de seu médico. Minhas bênçãos e orações sempre a protegerão.” * O propósito desse tipo de amuleto recebe detalhada explicação em Autobiografia de um Iogue. † Mary Isabel Buchanan (21 de junho de 1906 - 29 de novembro de 1997). (N.T.)

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Uma cirurgia foi marcada para julho. Eu ficaria engessada por algum tempo, assim mamãe e eu voltamos à casa de praia até chegar a época. Escrevi a Swami para perguntar-lhe se ele viria à costa oeste durante o verão, e expressei a esperança de que ele nos visitasse. De Buffalo, Nova York, ele me enviou a resposta, em junho.

Querida Kamala,

Não sei se estarei ou não em Los Angeles. Se eu for, certamente terei o prazer de aceitar a hospitalidade sua e de sua mãe, como na última vez, e que muito apreciei.

Com bênçãos para você e sua mãe,

Swami Yogananda

Trecho da dedicatória do álbum de autógrafos, mencionado na página 17

Kamala, sua mãe, Swami Yogananda e o pai dela, em Catalina Islands

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CAPÍTULO 3

HÓSPEDE DE HONRA

RA o meio do verão quando houve uma batida em nossa porta, e Swami, todo sorrisos, estava ali. Viera à Califórnia para passar as férias, chegando a Manhattan Beach em julho (1927). Sentimo-nos abençoadas por ele estar conosco. Mamãe e eu

estávamos conscientes de sua elevada estatura espiritual, contudo a simplicidade de suas maneiras permitia que o respeito comum especial que sentíamos se combinasse naturalmente com a amizade que ele nos dava. Ele trouxe uma atmosfera de alegria.

Durante a visita, mamãe e eu o levamos de carro até Santa Barbara e ficamos em nossa casa. A cidade tinha, na época, um aspecto muito vagaroso; ninguém parecia afobado, o que transmitia um sentimento de tranqüilidade, muito apreciado por nós. Os dias eram bonitos e quentes. Swami nadou na praia. Prosseguimos para dar uns passeios por lugares pitorescos próximos, que eram muito belos e cenários de inspiração espiritual.

Uma tarde, enquanto íamos de carro, meu Guru entrou no estado de samadhi. Externamente imóvel, ele estava interiormente absorto em Deus – sua consciência completamente interiorizada. Eu estava ciente disso; quando o carro chegou em casa, mamãe e o motorista entraram, mas eu hesitei, sem saber se ele queria estar sozinho ou se desejava que alguém ficasse por perto. Por isso, permaneci por alguns instantes, muito quieta, e, depois, entrei em casa. Ele entrou mais tarde. Compreendi, algum tempo depois, que quando ele entrava nesse estado de comunhão profunda, era um privilégio para o discípulo permanecer, meditar em sua companhia e receber a bênção de estar próximo.

Ele trouxera consigo um harmônio: um instrumento indiano com modulações de órgão e teclado de piano. Ele o usava para acompanhar seu canto em nossas meditações vespertinas.

Uma vez, fomos de carro até Pismo Beach, muitos quilômetros acima da costa, e jantamos lá. Adorávamos conviver com Swami, e seu senso de humor era daquele que parecia borbulhar de alegria, e todos nós apreciávamos as coisas duas vezes mais.

Em nossa viagem de volta a Manhattan Beach, ele me contou que tinha visto muitas de suas vidas passadas e, com elas, aprendera que a alma não aceitará por muito tempo nada que não seja a perfeição. Ele disse:

– Nenhum ser humano pode dar a alegria que só Deus concede; procure Deus sempre; dê a Ele a sua vida.

Durante esses dias de verão, amigos ocasionalmente passaram por lá e conheceram Swami. Em todos os ambientes, a conduta dele era cortês e sossegada. Por meio dessa quietude, ele transmitia um entusiasmo e uma doçura que eram sentidos por todos.

Foi nessa época, que meu pai* encontrou-se com meu Guru pela primeira vez, e passaram um tempo juntos, em conversa amigável. Meus pais se haviam divorciado quando eu tinha doze anos. Nenhum deles voltou a se casar e sempre continuaram amigos, com sentimentos de bondade um pelo outro. Durante toda a vida, meu pai mostrou interesse por nosso bem-estar e esteve presente em todas as emergências, dando * William James Buchanan.

E

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conforto e eficiente ajuda. Bastante querido, fez muita falta em minha vida depois de seu falecimento, alguns anos depois.

Perguntei a Swami o que eu poderia fazer além de estudar e praticar as lições da Yogoda. Ele me disse:

– Medite por mais tempo, com maior intensidade; do contrário a mente apenas morde a isca, mas nenhuma experiência virá.

Ele sugeriu que eu observasse por algum tempo uma dieta específica, o que fiz, beneficiando-me tremendamente em saúde e energia. Ele também escreveu esta lista:

1. Meditação 2. Dignidade 3. Perfeita Cooperação 4. Dieta

5. Não dar motivo à crítica 6. “Aprimore-se e sirva por prazer.” 7. A solidão é o preço da grandeza.

Pouco tempo depois, Swami partiu na companhia de seu motorista para meditar em Pismo Beach. A pequena cidade costeira, agora florescente, consistia então, principalmente, de dunas de areia ondulantes. Ele permaneceu lá alguns dias. Quando voltou, o motorista comentou com mamãe, em tom de perplexidade:

– Eu não sei o que ele fazia. Apenas se sentava no meio das dunas, de frente ao oceano, e ficava lá o dia inteiro, todos os dias.

Swami retornou com a refulgência daqueles dias de comunhão com Deus em torno de si e, quando entrou na sala, permaneci quieta, sentindo seu êxtase interior. Ele disse a Deus algumas palavras a meu respeito, preciosas e sagradas; então falou, com solenidade:

– Só me fale de Deus.

Naquela vibrante bem-aventurança na qual permanecera em comunhão ininterrupta, teria sido doloroso e constrangedor desviar o olhar de sua absorção no Infinito para colocá-lo em qualquer outro assunto.

Uma característica de sua autêntica santidade reside na disposição e capacidade de enfrentar o mundo ruidoso da constante atividade pública e lidar com cada dever, enquanto continuava, permanentemente, no santuário da beatitude interior. Aqui, agora, ele podia passear pela Imensidão Cósmica, sem que nem mesmo uma parte de sua mente precisasse voltar-se para a multidão de afazeres da vida diária. Assim como Jesus ia ao topo da montanha para orar, assim também meu Guru fora à praia para comungar com o Pai Celestial.

Alguns dias depois, Swami deixou a Califórnia. Despediu-se de nós, e disse que nos manteria em suas orações. Seu itinerário de outono incluía Minneapolis, St. Paul e Filadélfia.

Mamãe e eu íamos de carro a Mt. Washington para assistir aos serviços de domingo e às palestras do meio da semana, que eram conduzidos pelo líder dirigente. Ao longo dos anos, sempre participamos regularmente. A distância, da praia até aqui, era de quarenta quilômetros, mas desde então, o tempo de deslocamento foi reduzido, graças às rodovias. Perto da área montanhosa de Mt. Washington, a pessoa subia até a Sede Central por uma estrada sinuosa, com um número inacreditável de curvas. Velhas fotografias mostram esse caminho, que agora é usado raramente. A avenida atual tem, comparativamente, poucas

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curvas. Todavia, lembramo-nos da velha estrada com carinhoso afeto, porque passamos por ela muitas vezes e, quando nela chegávamos, já estávamos perto do nosso destino.

Swami nos escreveu a respeito do jantar especial comemorativo do segundo aniversário de fundação do Centro de Mt. Washington, em outubro. Ele não poderia voltar, mas esperava que estivéssemos presentes. No banquete dessa noite, o instrutor residente convidou mamãe para falar. Ela me perguntou se eu faria o discurso em seu lugar. Falei de nosso amigo muito querido, o fundador desse Centro, Swami Yogananda, que estava conosco em espírito naquela noite.

Paramahansa Yogananda e Ralph Waldo Trine. (Fotografia tirada pela autora: veja-se pág. 16)

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CAPÍTULO 4

VISITAS NO HOSPITAL

NZE meses se passaram antes que meu Guru retornasse à costa oeste. Os dois seguintes excertos de meu diário precederam os dias do regresso de Swami Yogananda à Califórnia, para suas férias de verão de 1928. Eu estava hospitalizada,

após recente cirurgia, com o corpo inteiro engessado, permanecendo assim durante sete meses.

7 de julho. Pensei em Deus e na Onipresença enquanto submetia-me à anestesia, mas não pude meditar nos dias seguintes por causa da dor, salvo por uma experiência maravilhosa, alguns dias depois. A enfermeira estava ocupada em meu quarto e mamãe, sentada perto de mim. Eu estava acordada, mas fechei os olhos e, instantaneamente, absorvi-me em meu íntimo, inteiramente fora deste mundo. Foi tão de repente! Eu estava livre da dor; o corpo foi esquecido no sentimento de paz, de amplo espaço, e de Deus. Eu estava consciente de ser parte Dele. Aprendi a grande diferença entre a consciência comum e a da Eterna Intemporalidade.

12 de julho. Diariamente, mamãe está de um lado para outro, quase todo o dia. Tenho

um pequeno quarto só para mim. Todos são bondosos. Sinto dor continuamente, e é o que posso esperar por alguns dias. O médico me visita todos os dias por alguns minutos. A presença de minha mãe me ajuda a sentir-me melhor: o amor e a ternura dela significam muito para mim.

O fato de mamãe ser médica deu-lhe o privilégio de permanecer no hospital por um tempo maior.*

Um dia, quando mamãe entrou no quarto, notei sua expressão de deleite. Alguém estava com ela, e ela sabia que eu ficaria alegre. Meu Guru estava aqui! É difícil descrever o impacto de sua presença, naquela hora e sempre que eu o via. Externamente, os cumprimentos foram silenciosos; apenas algumas palavras, mas o coração e o espírito estavam radiantes. Pude senti a radiação que o seu estado sempre-presente de bem-aventurança transmitia. Anotações no diário lembram algumas de suas visitas.

16 de julho. Swami Yogananda veio ver-me no hospital. Ficou por uma hora. Ele e seu motorista têm estado em nossa casa de praia desde hoje cedo.

17 de julho. Swami e mamãe vieram por algum tempo, e trouxeram balas de leite

inglesas. Depois que se foram, comecei a chorar, sentindo a falta deles. Oh, onde está meu aprendizado de ioga? Se eu apenas pudesse meditar mais…

* Mamãe recebera seu diploma na Denver and Gross College of Medicine, da Universidade de Denver, alguns anos após a virada do século. Mais tarde, foi a Chicago para tomar cursos adicionais na área de otorrinolaringologia, com especialização em oftalmologia. Seu campo de serviço foi o de clínico geral, e ela exerceu a medicina no Colorado, em Utah e na Califórnia, onde foi membro titular da filial da American Medical Women’s Association em Los Angeles.

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19 de julho. Swami me trouxe um saboroso prato de caril, que ele mesmo preparou na casa de praia. Comemos juntos e ele permaneceu por algum tempo. A dor diminuiu e posso meditar melhor agora.

21 de julho. Estou tão feliz esta noite: Swami Yogananda esteve aqui por duas horas.

Disse-me que já viu a mãe dele várias vezes, depois que ela faleceu. Também falou de muitas coisas espirituais.

24 de julho. Swami falou da felicidade que viu entre as crianças deste hospital.

Enquanto conversávamos, ele disse: “Vejo casamento para você”. Ele explicou certas condições que eu encontraria se me casasse. (Mais tarde, aconteceram exatamente como ele as descrevera.)

26 de julho. Swami jantou comigo esta noite. Ele me falou da palestra que fizera no

domingo sobre o tema “É esta vida um sonho?” Depois, escreveu dois poemas maravilhosos e os leu para mim. Comoveram meu coração. Senti fortemente a santidade dele.

É possível imaginar as refeições na companhia de meu Guru. Seu prato era colocado sobre uma pequena mesa; minha bandeja ficava a meu lado, pois eu estava engessada e sob tração. Que maravilhosa gentileza da parte dele em preparar a comida e trazê-la para mim. Ele sabia da felicidade que essas horas em sua companhia me proporcionavam.

Mamãe estava vivendo em Los Angeles para ficar perto de mim. Swami a incluiu em muitos de seus planos de férias. Ele e seu motorista permaneceram em nossa casa de praia grande parte de suas férias.

27 de julho. Swami e mamãe vieram ao meio-dia ver meu médico, que os levou a percorrer o hospital e os jardins. É o Dr. G. L. Lowman, fundador deste Hospital Ortopédico Infantil. Swami disse que o doutor está fazendo um trabalho semelhante ao de Cristo. (Em 1971, ele recebeu o título de “Médico do Século”.)

28 de julho. Maravilhosa conversa com Swami. Ele me disse que Deus planeja tudo tão

maravilhosamente quando O amamos e Lhe entregamos nossos corações, enquanto servimos Seu trabalho. Também me contou da feira que ele e mamãe visitaram ontem, em Long Beach.

Mamãe e Swami foram de carro até Santa Barbara, para verem a Festa Espanhola. Esse evento anual é um animado reavivamento da antiga Califórnia. Os trajes, as canções e as danças, a parada com os garbosos cavalos de raça, as carruagens de andar vagaroso com membros de antigas famílias espanholas… tudo é festivo, conservando contudo a dignidade dos “don” e “doña” da outra geração.

3 de agosto. Swami me trouxe um presente da Festa. É um disco de prata que se abre e fecha sem qualquer dobradiça externa. A perfeição artesanal é extraordinária. Dentro, há espaço para uma pequena fotografia. Mamãe disse que quando Swami o viu, ficou absolutamente fascinado pela habilidade requerida para fabricá-lo. Tão amável da parte dele trazê-lo para mim.

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5 de agosto. Hoje à noite, quando Swami esteve aqui, disse-me que estava partindo para palestrar em Boston e cumprir outros compromissos de conferências. Sentirei a falta dele, mas suas bênçãos continuarão comigo.

Sei que a cura divina chegou a muitas pessoas pelo canal de meu iluminado Guru. Entretanto, jamais busquei ou solicitei qualquer tipo de cura física, por causa de um pedido que fiz a Deus. Eu havia pedido a Deus que trouxesse todos os meus débitos cármicos para esta vida, a fim de que eu pudesse pagá-los e me livrasse deles de uma vez. Posso ter pedido demais, considerando nossas numerosas vidas passadas!

Uma vez, antes de fazer esse pedido, quando eu tinha 19 anos, recebi uma cura instantânea, graças às orações de minha mãe. Eu estava muito doente e mamãe sentava-se ao lado de minha cama, no quarto do hospital. Não soube, senão depois, que ela estivera rezando e que a cura veio a mim como viera a ela uma vez, miraculosamente. Ela rezou porque eu estava muito doente há vários dias. Eu tinha passado esse dia em silêncio, pensando na Estrela de Luz, tentando permanecer tranqüila. No começo da noite, senti de repente a presença de uma Grande Alma no quarto. Eu disse a minha mãe:

– Há um Mestre aqui.*

Ele permaneceu ao pé de minha cama durante vários minutos e, antes que partisse, suas bênçãos livraram-me completamente de meu sofrimento. As orações de mamãe foram respondidas. Eu estava curada.

Pode ser relevante falar do carma, e de minha crença e aceitação precoces do carma como sendo a lei justa da vida. Deus não planeja nossos destinos; se o fizesse, seríamos autômatos. Nossas próprias inclinações e desejos, fortemente desenvolvidos, tendem a dirigir nossas opções de ação; essas ações desenham o projeto de nossas vidas, por meio de seus efeitos resultantes. O carma coloca sobre nós mesmos a responsabilidade por nossas ações. A lei de causa e efeito, denominada carma, transfere-se de uma encarnação a outra, dando ao carma um longo espaço de tempo para amadurecer ou cumprir-se, em circunstância ou ambiente que sejam propícios.

Todos os aspectos de nossas vidas, não apenas o físico, são influenciados pela lei de causa e efeito, e todas as ações do presente estão sendo tecidas de modo a formar o desenho do amanhã. Se nos transformarmos da maneira correta, nossas curas serão permanentes, do contrário serão apenas um paliativo. Freqüentemente, a medicina trabalha com a natureza para curar “com o tempo”, enquanto a pessoa pode aprender a lição e pagar a dívida. Curas instantâneas, por meio da ciência e da oração, funcionam de acordo com o carma. Quando um mestre concede a cura, é somente com a permissão de Deus.

Eu acreditava que, se tivesse semeado um campo com muitas ervas daninhas, deveria colher o que plantei. Contudo, reconhecia que a oração, o amor e a meditação profunda são forças luminosas, cujo poder curativo pode ajudar a modificar o traçado cármico de nossas vidas.

Algum bom carma floresceu para mim, também! Tive o grande amor e a bondade que me circundaram, e a continuada orientação e paciência de meu Guru, enquanto eu resgatava as condições cármicas. Sempre contei com a ajuda incansável dele, para que eu

* Em visão posterior, soube que fora Sri Yukteswar.

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mudasse (a mim mesma), de modo que futuras plantações trouxessem a colheita do tipo correto de frutos.

Em meu culto, Deus era sempre o Espírito, a ser percebido na Onipresença e na Luz. Estar nessa Luz, sentir a Onipresença no Espírito: eis os meus anseios. Deus como Espírito era o Deus que eu amava e adorava. Escrevo “Ele” por ser o termo usado por Jesus na relação de filho para com o “Pai Nosso”, nosso Criador. Senti que Deus como Espírito estava “mais próximo do que o pensamento e o alento”, na Bem-aventurança, Inteligência e Amor Divino, e sempre presente para cada um percebê-Lo por meio da sintonia. Desconcertava-me pensar que houvesse um aspecto de Deus que fosse mais pessoal do que esse. Assim, foi em uma das muitas ocasiões que meu Guru veio ver-me no hospital que lhe perguntei:

– Deus é Pessoal ou Impessoal?

O Mestre escreveu sua resposta à minha pergunta e, então, a leu para mim. Apresento aqui sua bela resposta. Foi incluída em seu livro Whispers from Eternity [“Sussurros da Eternidade”], publicado posteriormente.

Tu és Impessoal, Oculto, Invisível, Sem Forma, Onipresente, contudo, congelado por

minha devoção, contemplei-Te às vezes como Krishna, às vezes como Cristo – pessoal, visível, aprisionado no pequeno espaço, dentro do templo de meu amor.

Ó Espírito Oculto, assim como congelaste Tua invisível Infinitude na visível Finitude Cósmica, aparece também a mim, em forma visível e vivente, para que eu Te possa servir. Quero ver-Te como o Oceano da Vida, com e sem as ondas da criação finita.

Com bênçãos,

Swami Yogananda

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CAPÍTULO 5

A IOGA INVADE O PAÍS

MA carta de meu Guru chegou a nós em maio (1929), de Nova York. Nela, ele falava de seus planos para o verão: “Estou indo ao México, partindo no dia 23 de maio, e depois visitarei Los Angeles por curto tempo”.

Ele visitou muitas partes do México e, durante sua permanência, encontrou-se com o presidente daquele país, Sr. Portes Gil, por cortesia da embaixada britânica.

Swami sempre mostrou entusiasmo pelas belezas da natureza em todas as terras. Admirava as maravilhas do Parque Nacional de Yellowstone, o augusto esplendor do Alasca, o empolgante Himalaia e a majestade do Pico Pikes, no Colorado, só para mencionar algumas. No México, ficou encantado com muitos lugares e incluiu os lagos Chapala e Xochimilco entre os pontos mais belos da Terra, que ele já vira.

Suas férias foram também um tempo de meditação profunda, e durante esse período compôs a letra e a música do cântico “Meu Deus, Serei P’ra Sempre Teu”.

Swami permaneceu no México por muito mais tempo do que planejara. Mamãe e eu estaríamos no Colorado no meio do verão e escrevemos perguntando se poderia nos visitar no caminho. Ele respondeu que podia nos ver.

30 de agosto de 1929

Querida Kamala,

Finalmente consegui algum tempo de folga. Estou atrasado um mês e meio em minha programação.

Fiquei muito feliz em saber de vocês. Chegarei a Colorado Springs em 4 de setembro, quarta-feira, às 7:15 da manhã. Espero encontrá-las na estação. Muitas coisas para contar quando vir vocês.

Bênçãos incessantes para vocês duas,

Swami Yogananda

Aguardamos ansiosamente a hora em que ele estaria conosco. Alva chuva de neve tocava as Montanhas Rochosas no dia que Swami chegou. Fomos encontrá-lo e o levamos de carro ao nosso chalé na montanha. Tínhamos hóspedes, e todos ficamos felicíssimos pela oportunidade de estarmos com ele. Foi um tempo de conversas e bênçãos perto da lareira, muito necessária por causa do súbito fim do verão.

No dia seguinte, fomos de carro até Denver, onde passamos a noite com amigos que, sabíamos, estavam muito interessados nos ensinamentos de Swami. O Mestre, gentilmente, concordou com os planos e viu que esse casal tinha muitas perguntas para lhe fazer. Reconhecendo a grande sinceridade dos dois, perguntou-lhes se gostariam de receber lições sobre as técnicas. A resposta afirmativa veio com feliz expectativa. À noite, todos nós nos sentamos em torno da mesa e lembro-me que praticamos as técnicas de concentração e meditação enquanto ele as explicava. Ele concluiu com uma bênção, enquanto mostrava a cada um a luz espiritual interior.

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Nas primeiras horas da manhã seguinte, meu Guru atravessou a rua e dirigiu-se a um parque, de frente à casa. Tudo estava branco com as primeiras neves do inverno. Ali, ao lado de uma linda lagoa, havia um lugar segregado para suas devoções, e ele meditou nesse ambiente tranqüilo.

Quando estávamos de partida, nossos amigos nos surpreenderam e deleitaram com o presente do filme de uma viagem à Índia, feito pelo filho deles. Swami adorou ver o filme. Depois que deixou o Colorado, ele o exibiu em muitas cidades durante suas viagens de conferências, e fez uma palestra especial intitulada “Visões da Índia”.

Quando chegou sua hora de despedida, estávamos naturalmente relutantes em vê-lo partir. Quando entrou no trem que o levaria embora, veio-me um sentimento de solidão, mas estávamos felizes porque ele conseguiu inserir esses dias em sua agenda ocupada.

É difícil descrever o imenso escopo de suas atividades, que começaram com sua primeira viagem transcontinental de conferências, em 1924, e prosseguiram por todos os anos seguintes. Cidadãos de todas as profissões apoiaram sua mensagem: educadores, advogados, ministros religiosos, juízes, editores, deputados e homens de negócios. Ele foi convidado a falar em universidades, clubes e igrejas de muitas denominações. Em diversas cidades, foi convidado de honra a muitos banquetes. Tudo isto em acréscimo a suas palestras e aulas programadas.

Swami Yogananda foi apresentado ao presidente dos Estados Unidos, Sr. Calvin Coolidge, na Casa Branca, pelo Sr. John Balfour, da embaixada britânica. A National League of American Pen Women, em Washington, deu-lhe uma recepção de honra.

“Nunca antes o Capitólio Nacional teve uma efusão tão grande de bênçãos espirituais derramadas em todas as linhas de credos”, comentou Sr. Louis Van Norman, então adido de assuntos comerciais do U. S. Department of Commerce e antigo editor do The Nation’s Business.

Recortes de jornais da época mostram o grande entusiasmo com que todas as partes da América o receberam. Em Washington, D.C., o Washington Herald declarou: “Multidões estão concorrendo para ouvirem Swami Yogananda, ilustre sábio da Índia que está conduzindo uma série extraordinária de doze palestras públicas no Washington Auditorium, sob o patrocínio de uma comissão de cidadãos de destaque do Capitólio Nacional. Na semana passada, suas platéias aumentaram a cada noite, em número e entusiasmo, e agora toda a capacidade do Auditorium (6.000) está completamente tomada.”

O Washington Post escreveu: “Swami quebrou todos os recordes de manter o interesse que ele mesmo despertou nos milhares que já o ouviram falar”.

Quando Swami falou em Buffalo, o Courier-Express noticiou: “Mais de 3 mil pessoas ouviram sua primeira palestra. A audiência superlotou os assentos disponíveis no salão, e muitos ficaram de pé durante as duas horas.”

O Pittsburg East Liberty Tribune escreveu: “A aula de Yogananda para quase mil pessoas foi uma revelação para a população conservadora de Pittsburg.(…) Ele entusiasmou e surpreendeu Pittsburg inteira com suas lições e palestras a respeito do uso e da conservação da energia vital.” O jornal acrescentou que Swami foi hóspede do juiz A. D. Brandon, do tribunal de costumes. O juiz queria ver a reação da mente de um oriental aos delitos dos ocidentais. Ele comentou: “A doutrina de Swami, do amor que tudo

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permeia e para que sempre nos voltemos à luz da compreensão, estendia-se até às misérias que ele viu no tribunal”.

O Cincinnati Enquirer escreveu: “Swami Yogananda, educador, filósofo e poeta hindu, abordou todas as questões com naturalidade imparcial, perante um grupo de jornalistas. Seu inglês era perfeito e fluía com facilidade, enquanto ele debatia religião, política, misticismo, poesia e reformas, acrescentando ocasionalmente definições que mostravam não ser ele um mero lexicógrafo. Cada questão provocava uma resposta em que era expressa uma idéia infinita. Não há sinal de juventude ou de velhice em seu rosto. Fitando-lhe os olhos, que se diriam quase inocentes, não se poderia ver neles um traço da marcha do tempo.”

O Detroit Free Press declarou: “Ele não tem credo do gênero sectário.(…) Ele modernizou algumas das práticas mais antigas da Índia. É um fervoroso defensor da paz mundial e da fraternidade humana.”

A respeito de Yogananda, o Los Angeles Times escreveu: “Um hindu invadindo os Estados Unidos para trazer Deus (…) em meio a uma comunidade cristã, pregando a essência da doutrina cristã”.

A revista bimensal East-West era publicada regularmente, representando de modo oficial o trabalho da Yogoda e mantendo os membros informados de todas as atividades. Apresentava tópicos de valor espiritual. O primeiro fascículo foi publicado em novembro de 1925 e continha um relato do trabalho de Swami na Índia e na América.

Esta revista continua sendo publicada por mais de meio século, embora, por muitos anos, impressa com o título de Self-Realization.*

O símbolo usado em todas as literaturas da SRF representa o lótus. Sobreposto a ele, um disco dourado que contém um centro azul escuro e, dentro dele, uma estrela de luz prateada. Esta é a descrição do “olho único” visto em meditação, que está em todos nós e foi mencionado por Cristo, quando disse: “Se, portanto, o teu olho for único, todo o teu corpo estará cheio de luz” (Mateus 6:22).

As atividades da Yogoda Sat-Sanga estão espalhadas por toda a Índia, com muitos Ashrams da YSS em diversas partes do país. Lá, Swami também fundou internatos, para dar às crianças uma educação completa. Treinamento iogue em concentração, meditação, exercícios de energização e valores morais são ensinados, junto com o currículo acadêmico básico.

Swami Yogananda veio aos Estados Unidos em 1920 como delegado da Índia ao Congresso de Religiosos Liberais, em Boston. Nessa assembléia, ele falou a respeito de A Ciência da Religião – uma palestra posteriormente elaborada no seu livro de mesmo título.† Ele primeiro fundou um centro em Boston, e lá permaneceu por quatro anos, ensinando. Foi em sua viagem à costa oeste, em 1924 e nos anos subseqüentes, que ele levou a mensagem da Ioga prática para toda a América.

* Designada “revista da SRF” em outras referências nestas páginas. † The Science of Religion, publicado pela Self-Realization Fellowship. (N.T.)

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CAPÍTULO 6

PRECIOSOS PRECEITOS

WAMI retornou em novembro (1929) a Los Angeles, onde fez palestras e permaneceu por algum tempo em Mt. Washington. Mamãe e eu estávamos de novo na Califórnia e assistimos a suas conferências. Também estávamos presentes nas meditações e

festividades do Natal, quando Swami foi o anfitrião para a reunião de discípulos residentes e convidados.

Essa época prefaciou o advento do novo livro de meu Guru, Whispers from Eternity [“Sussurros da Eternidade”]. No cartão de Natal que dele recebi estava escrito:

Para Kamala, Por sua imorredoura devoção a Deus e à Yogoda. Bênçãos incessantes. Um Whispers from Eternity logo estará saindo, para sussurrar Deus eternamente a você.

Swami Yogananda

Suas palavras, como sempre, exprimiam a verdade. Essas orações plenas de inspiração têm erguido meus pensamentos a Deus. Seus preceitos orientadores, expressos em figuras poéticas, estão inflamados com sentimento devocional pelo Infinito.

Seu livro Whispers from Eternity reflete os Sussurros de Deus em sua alma.

No cartão de Natal de mamãe, ele também escreveu uma saudação especial e mencionou o volume que ela receberia. Quando nossas cópias chegaram, ambas vieram autografadas e incluíam uma mensagem para cada uma. Em minha cópia, ele escreveu:

Para Kamala: Mire firmemente a Estrela Polar de Sua Presença. Ele sabe que você está tentando alcançá-Lo, apenas continue tentando. Assim que O convencer, ali Ele estará. Sem desvios, vamos correndo a Seu encontro.

Swami Yogananda

Em janeiro (1930), Swami foi convidado a fazer o discurso principal na consagração do Templo Sique, em Stockton, na Califórnia. Diversas pessoas de Mt. Washington estavam indo para acompanhá-lo, e mamãe levou algumas delas em seu carro.

Quando chegamos ao templo, Swami deixou o carro e misturou-se com os homens que estavam nos jardins, em volta do novo edifício. Uma animada discussão estava ocorrendo. Os membros siques (todos, homens) debatiam se deviam introduzir cadeiras no templo, ou se deviam sentar-se no chão atapetado: o novo versus o antigo. As cadeiras venceram! Os ofícios foram celebrados naquela noite e o discurso de Swami foi feito em sua língua materna.

Quando entrei no templo naquela noite, com nosso grupo, eu não sabia que todos os membros da fé sique tinham o sobrenome Singh. Antes que a cerimônia começasse, o Sr. Singh que viera no carro conosco estava sendo procurado por Swami. Todos estavam sentados e fui enviada para pedir-lhe que viesse ao fundo da sala. Desci o corredor e quando o vi, algumas fileiras adiante, chamei em um sussurro audível: “Sr. Singh”. Quando fiz isto, todas as cabeças no espaçoso salão voltaram-se para mim! Vou-me abster

S

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de descrever meus sentimentos, mas o “nosso” Sr. Singh respondeu e veio para o fundo da sala.

Passamos a noite em Stockton. Em nossa viagem de regresso, ocorreu um incidente que revelou a percepção de meu Guru. Tive um aperto no coração quando soube da história toda. Em nosso carro, mamãe e outras pessoas alternavam-se ao volante. Eu fui com Swami no carro dele. Quando chegamos à velha e sinuosa Ridge Route, além de Bakersfield, a neve estava caindo e grande parte dela estava se transformando em gelo. Foi ali que Swami pediu que seu carro parasse, e que se fizesse sinal para que o carro de mamãe parasse também. Ele acautelou mamãe e os outros para que dirigissem com muito, muito cuidado. A mim, ele disse:

– Vejo algum perigo.

Eu tinha fé em que suas orações nos dariam a divina proteção. Soube da gravidade do perigo quando mamãe comentou comigo, por puro acaso, muito tempo depois. Disse-me que enquanto dirigiam pela estrada montanhosa, íngreme e escorregadia, ela falou com o motorista, mas ele não respondeu. Ele estava dormindo ao volante! Ela tomou a direção no momento exato.

Um dia, Swami convidou a mamãe e a mim para virmos a Mt. Washington e acompanhá-lo a um piquenique, na manhã seguinte bem cedo. Fomos inevitavelmente retidas em Manhattan Beach, o que nos fez chegar atrasadas, e o encontramos ocupado com o trabalho organizacional, assuntos importantes que exigiam sua atenção. Swami nos cumprimentou e, então, disse:

– Vocês estão atrasadas!

Mamãe respondeu que lamentava muito.

– Mas – ela acrescentou – eu sabia que não importa o quanto atrasadas estivéssemos, ainda assim chegaríamos antes.

Ele lhe pediu que repetisse essas palavras, ditas com tanta espontaneidade, para certificar-se de que as ouvira corretamente. Então, seus olhos encheram-se de uma expressão de divertimento, e ele gostou de repetir essa afirmação ambígua, rindo com apreciação da verdade que ela continha. O atraso era comum, devido às muitas interrupções que impediam sua saída. Naquele dia específico, saímos com ele de Mt. Washington para nosso piquenique às 6 horas da tarde. Esta era uma das razões por que meu Guru freqüentemente voltava à nossa casa de praia durante as férias: para afastar-se por alguns dias das constantes demandas de seu tempo.

Raramente tirávamos fotografias de Swami, já que sua vida durante o ano inteiro era tão cheia de atividades que nos parecia uma cortesia não lhe pedir para posar. Mas não acredito, quando penso nisto agora, que ele tivesse se importado, e adoro as poucas fotografias que dele tenho. Várias delas aparecem nestas páginas.

Um dia, quando estávamos na casa de praia com Swami, trouxe-lhe um caderno e perguntei se escreveria algo nele. Ele assentiu e pegou a caneta. Por um momento, fitou o mar azul e escreveu:

O oceano lá fora é imóvel, nem sempre ao alcance – por isto, banhe-se no Mar Sem Praias, que você sempre traz em seu íntimo, nas ondas vibrantes da alegria, que sempre brotam do contato com Deus – sempre que quiser, em qualquer tempo, em toda parte.

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Aprendi, pela observação, muitos preceitos de meu Guru. Notei como ele cumprimentava as pessoas com uma amizade e cordialidade que a todos incluíam divinamente. Seu sorriso e expressão mostravam igual respeito para com todos. Tornou-se uma lição para mim, quando eu observava as outras pessoas na troca de olhares que sugerem galanteios. Percebi que o magnetismo dos olhos é um poder que pode refletir o ego, atraindo a atenção para si próprio quando usado dessa maneira. Mas esse poder magnético pode ser transformado no fulgor do divino sentimento por todos, quando reflete a vasta Alma, como no exemplo de meu Guru. O contraste era tão marcante, que senti que era um preceito a ser imitado, se a pessoa estivesse buscando Deus com seriedade.

O Mestre dava ajuda prática para a solução de problemas nos negócios e em outras áreas para se ganhar o meio de vida. Nas leis do êxito que ensinava, ele dava ênfase à oração e à compreensão da influência magnética do ambiente. Obtemos benefícios quando nos associamos com os outros em seu ambiente de sucesso. Isto também se aplica à espiritualidade. Swami falava das qualidades divinamente magnéticas das vidas dos santos e dos lugares sagrados, que podem influenciar fortemente os que são receptivos.

Para mim, as seguintes palavras do Mestre continham uma declaração surpreendente: “A companhia é mais poderosa do que a força de vontade”! Foi preciso que eu me observasse por um longo tempo para compreender plenamente essa verdade pragmática. Comprovei que recebemos, daqueles que vemos mais freqüentemente, as atitudes, as idéias, as maneiras de falar, os hábitos, os ideais, ou a falta deles. Pode ser imediatamente, ou mais tarde, depois que eles se afastaram de nossas vidas. Mas eles deixam suas impressões. Nós absorvemos inconscientemente e somos influenciados em um grau muito maior do que percebemos. A companhia mundana tira da mente os pensamentos a respeito de Deus. Da boa companhia, recebemos benefícios. O Mestre escreveu: “O ambiente é da maior importância”.

Swami disse: “Uso a minha sensibilidade apenas para absorver a espiritualidade”. Observei que ele permaneceu fiel a esse raro preceito durante todos os anos. Como é natural reagirmos a humores, comentários e atitudes negativas dos nossos associados! Ele nunca fez isso, mas as portas de sua compreensão estavam escancaradas para qualquer um que demonstrasse um interesse sincero pelas coisas do espírito. Uma vez, quando estava sentado no trem, em profundo estado meditativo, o cobrador passou por ele muitas vezes, fitando-o admirado; finalmente, deteve-se e disse:

– O senhor parece tão tranqüilo, sentado aí.

Swami respondeu:

– Quisera que você pudesse sentir o que estou sentindo.

O homem replicou:

– Pois eu quero!

O Mestre ofereceu-se para ensinar-lhe como encontrar essa paz na meditação. Quando o cobrador terminou suas obrigações, voltou ao Mestre, que lhe ensinou as técnicas das lições.

Swami sempre agia com vontade positiva; nada fazia com indiferença. Dizia: “Exercite sua vontade em tudo que faz”. Seus preceitos descrevem a vontade cega, a vontade

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ponderada e a Vontade Divina. Refleti sobre esta última, procurando o que significava a Vontade de Deus com relação à minha própria, para saber como diferenciá-las. Nosso Guru nos lembrou que a Vontade de Deus não está separada da nossa: “Se sua vontade é guiada pela sabedoria, ela é a Vontade de Deus. Se sua vontade é guiada pelo ego, não tem a aprovação divina. Faça o melhor que puder. Deus quer de nós a continuidade de esforço, e que não devemos fugir de nossos deveres.”

Quando o Mestre disse: “Concentre-se nas similaridades, não nas diferenças”, referia-se às nações e às pessoas em seus múltiplos relacionamentos: familiar, social e profissional. Descobri que essa é a chave para estabelecer harmonia com os outros. Dissolve atitudes críticas, pois as diferenças separam as pessoas. Aproximamo-nos mais uns dos outros, quando mantemos nossa atenção nas coisas que temos em comum.

O uso de cânticos devocionais pelo Swami enfatizava as bênçãos que podem ser percebidas por meio dessa forma de culto. Cantar nos ajuda a entrar em sintonia com Deus. Pode aliviar tensões e distúrbios emocionais, criando assim uma quietude interior. Como ocorre com as afirmações, o poder vibratório inerente a certas palavras chega ao fundo de nossa consciência por meio da repetição, e influencia nossos afazeres diários, como também nossa vida espiritual interior.

Uma tarde, em Mt. Washington, Swami dirigiu-se à varanda do quarto andar (que mais tarde foi fechada), para um período de culto. Quando desceu para o salão, onde vários de nós estávamos presentes, comentou que quando estivéssemos meditando não havia a menor necessidade de fazermos ostentação, falando sobre isto. Ele aconselhou que a pessoa pode simplesmente dizer: “Eu estava um pouco ocupado”.

Meu Guru me disse: “Quando os outros terminam, estou apenas começando”. Às vezes, quando eu estava para concluir minhas meditações, lembrava-me de suas palavras e continuava; freqüentemente para ser abençoada em uma medida não alcançada durante a primeira parte.

Os primeiros esforços para tornar-se quieto são difíceis para quase todos. Não é fácil retirar-se da costumeira identidade e do apego com relação ao corpo e suas posses. Raramente sabemos como desligar-nos de nossas memórias, das lembranças dos eventos cotidianos e de toda inquietude mental, emocional e física. O método “Hong-Só” de concentração, que o Mestre nos ensinou, confere quietude à mente e ao corpo. A paz e muitas outras bênçãos são encontradas nesse estado de relaxamento; uma quietude em que a respiração esquece seu movimento incessante. Essa lição de Ioga tem sido para mim da maior ajuda. Acredito que foi minha prática regular e prolongada dessa importante técnica que abriu caminho para o grande número de bênçãos que recebi de Deus e do Guru. Firme na prática diária, acrescentei outros momentos a esse exercício: enquanto viajava ou aguardava minha vez em compromissos, ocasiões em que os outros não notam o que a pessoa faz quando está sentada em silêncio.

Na meditação, procuramos viver nessa Consciência pura, que permanece imutável por toda a eternidade. Apenas essa Consciência pode conhecer Deus. Os avatares, vivendo nesse estado iluminado, oferecem ajuda aos seres humanos. “A sabedoria é implantada pelo Guru”, disse o Mestre, “mas a receptividade e o poder de crescimento precisam ser fornecidos pelo devoto.”

Somos propensos a permanecer nas trilhas familiares dos hábitos, das tendências e das inclinações, e seguir em círculos uma rota bem conhecida: movendo-nos, mas sem subir.

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Os Preceitos do Guru podem ser estranhos no que se referem à prática e às disciplinas da ioga, mas nos levam para cima, onde a alma deixa cair seus arreios transitórios e sua limitada submissão aos sentidos, para reivindicar a Liberdade e a Soberania do Espírito.

Meu Guru ensinou que se “olharmos para o Puro Facho Luminoso da Presença de Deus”, veremos que a substância fantasmagórica das imagens que se movem na tela da vida provêm, todas elas, da Divina Cabine de Projeção. É só quando tiramos os olhos das cenas e miramos para cima, que podemos ver o Facho Luminoso que é projetado da cabine. É nesse Facho que percebemos a Realidade, não nos movimentos sobre a tela.

Yogananda, poeta, sábio da Ordem dos Swamis

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CAPÍTULO 7

RECEBO INICIAÇÃO EM KRIYA

933 foi um ano em que vi meu Guru freqüentemente, quase todos os dias, a começar com sua visita inesperada à nossa casa de Santa Barbara, em 4 de janeiro. Que maravilha receber essa bênção! Fiquei saturada pela felicidade que sua presença

tranqüila sempre trazia.

Ele viera para fazer uma série de conferências públicas e aulas. Assisti a todas e anotei taquigraficamente suas palestras. Eu tinha acabado de completar um curso de secretariado, com duração de 15 meses, na Santa Barbara Business College, que agora se provou útil para o serviço à obra do Guru.*

Anotei em meu diário que Swami esteve conosco no dia 5 de janeiro. Muitos anos depois, eu soube que esse era o dia de seu aniversário. Ele não fez menção a isso, mas com certeza encontrou nossos corações repletos do feliz regozijo por sua presença entre nós.

Ele estava hospedado em um bangalô alugado, na companhia de seu motorista e de Ettie Bletch, uma discípula de Mt. Washington, que cuidava das coisas para ele durante a série de palestras. (Mais tarde, ela o acompanhou à Índia.) Houve um terremoto em Los Angeles naquela ocasião, e ele tomou o carro para lá imediatamente, para ver se todos em Mt. Washington estavam bem e dar-lhes o conforto de sua presença. Ettie me convidou para ficar com ela. Ficou contente porque pude vir, e tornamo-nos boas amigas. Durante essa época, transcrevi a máquina algumas das palestras de Swami, a partir de minhas anotações taquigráficas.

Quando Swami retornou, todos vieram a nossa casa, para o resto de sua estadia em Santa Barbara, enquanto ele conduzia as aulas. Do quarto que ocupou quando lá esteve, ele podia contemplar o nascer do sol sobre as águas espelhadas da baía e, ao crepúsculo, podia ver os últimos raios do sol que mergulhava no oceano, no horizonte ocidental. Essa visão panorâmica incluía a longa extensão das Montanhas Santa Inez. Os carvalhos e eucaliptos que circundavam os montes criavam um cenário encantador para a cidade de Santa Barbara.

Todas as palestras e lições do Mestre eram feitas de maneira improvisada, embora seguissem uma ordem de pensamento preparada de antemão. Quando ia de carro com ele, certo dia, perguntei-lhe se ele poderia contar, durante a aula, duas histórias a respeito de um grande iogue, o rei Janaka. Eram minhas favoritas, dentre as que eu lhe ouvira contar anteriormente. Ele respondeu:

– Bem, elas não combinam com a lição desta noite, mas vou contá-las, se você deseja. – Com sua maneira atenciosa, e para meu deleite, ele narrou as histórias, e todos adoraram.

As histórias que Swami entremeava em seus ensinamentos podiam ser ouvidas muitas vezes, com crescente percepção de seu valor instrutivo. Muitas delas estão agora compiladas nas Lições Praecepta da SRF. Uma que eu gosto descreve, de modo divertido, uma cobra perigosa que se reformou a pedido de um santo e, depois, quase perdeu a vida

* Meus estudos acadêmicos foram, anteriormente, na Santa Barbara State Teacher’s College; depois, na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, e cursos de pós-graduação na San Francisco State College.

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quando deixou de ser temida. Quando a pobre serpente, toda ferida, descreveu sua triste condição ao santo, o sábio replicou: “Eu lhe disse que não mordesse, mas não disse que não silvasse”.

A maneira de meu Guru de contar histórias era inigualável. De vez em quando ele habilmente usava mímica para retratar uma atitude, como, por exemplo, quando narrou este incidente de suas memórias de infância. Uma senhora da família passava muito tempo “em meditação” e, por causa disto, considerava-se extremamente piedosa. Essa opinião não era compartilhada por todos! Swami começava a questionar os benefícios da meditação, pois não se via qualquer influência benigna dos anos de prática dessa senhora. Ele então começou a observar que, durante o dia inteiro em que ela passava em retiro, numerosos envolvimentos com atividades externas formavam um padrão regular. Ela, nas muitas horas que passava “em reclusão”, mantinha um ouvido habilmente atento e sintonizado com tudo o que se passava na casa e, freqüentemente, aparecia para dar uma reprimenda, uma instrução ou incluir uma lista quando alguém saía para o mercado. Devido a seus interesses externos, só lhe sobravam momentos excessivamente curtos para a comunhão divina. Quando o Mestre percebeu essa conduta, sua fé na meditação foi restaurada! Ilustrava graficamente para nós a importância da atenção focalizada no interior, durante a meditação, se dela queremos obter benefícios.

Um dia, Swami entregou-me para ler um artigo que acabara de escrever sobre “O que acontece durante o sono?” Estávamos na praia, e ele caminhou pela orla, sobre a areia, enquanto eu lia. Quando voltou, perguntou-me:

– Leu tudo? Fale-me sobre ele.

Comecei a descrever os pensamentos que o artigo continha. Quando ele ficou inteiramente satisfeito por eu ter compreendido, acenou com a cabeça e disse:

– Sim, é isto mesmo.

Uma noite, achei sobre a mesa o livro Metaphysical Meditations [“Meditações Metafísicas”] do Mestre. Absorvi-me imediatamente no livro, lendo as belas orações e afirmações que canalizam a mente e o coração para Deus.

Uma tarde, eu estava saindo da Trenwith’s Department Store, e o carro de Swami estava parado ali, esperando por mim. Mamãe lhe dissera que eu estava na cidade e ele disse que me levaria de carro para casa. Foi tão inesperado vê-lo ali! Senti como se o fulgor do sol estivesse iluminando e aquecendo toda a área e os arredores. Como se pode descrever essa força espiritual?

O Mestre estava examinando uma nova edição do Rubaiyat de Omar Khayyam, que tínhamos comprado recentemente, e começou a falar dos significados profundos, ocultos nos versos. Insistimos para que ele ficasse com o exemplar. Essa edição fora impressa com cada estrofe colocada no topo da página, deixando o resto inteiramente em branco. Swami começou a escrever debaixo de cada verso. Sua interpretação completa do significado interior do poema inteiro apareceu em fascículos sucessivos da revista da SRF. Ele me falou, depois:

– Foi todo este espaço em branco, em cada página, que me encorajou a escrever as interpretações espirituais – disse, piscando um olho, ao admitir sua própria reação natural a esses espaços vazios.

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Meu Guru viu meu jogo de xadrez um dia, e comentou:

– Temos tão pouco tempo para realizar Deus completamente…

Ele não sugeriu que alguém se afastasse das recreações sadias, mas eu vi a verdade que ele estava me transmitindo. Diz respeito ao sem número de coisas que deixamos que absorvam horas preciosas. Podemos escolher o que é valioso para nós. Esta foi uma dica importante em minha vida, porque me levou a observar as atividades (além dos deveres) que enchem nossas horas, e a estar consciente dos interesses que absorvem nossos pensamentos. Descobri que muitas atividades podem ser desfrutadas, ocasionalmente, sem a necessidade de infinitas repetições.

Mamãe uma vez perguntou ao Mestre o que fazia quando mulheres paqueradoras vinham até ele para consultas. O Mestre respondeu, com uma risada:

– Falo de assuntos transcendentais com elas. Isto as desencoraja completamente.

Tínhamos um pequeno recipiente de cobre, selado, contendo água do rio Ganges. Mamãe o deu a Swami, que pareceu satisfeito. Muitos anos depois, quando estive afastada de Mt. Washington por um tempo e voltei para ver meu Guru, ele me cumprimentou e, depois, colocou esse memento em minha mão, perguntando se eu me lembrava. Foi um gesto muito atencioso. Esse objeto, esquecido até aquele instante, trouxe de volta esses dias em Santa Barbara, que mamãe e eu tivemos o privilégio de compartilhar com ele.

Uma tarde, Swami estava folheando as páginas de um álbum de fotografias, vendo cada retrato com evidente interesse, mas sem fazer qualquer comentário, até que chegou a uma criança de três anos de idade, de pé sobre uma cadeira, com uma expressão séria (eu mesma). Ele apontou para ela e disse:

– A Pequena Oradora. – Sua observação foi uma previsão precisa dos anos posteriores, em que palestrei e dei aulas da SRF.

O Mestre concluiu essas aulas em Santa Barbara com a especial Iniciação em Kriya. Escrevi em meu diário: “Guardo esta Iniciação como um tesouro – um presente de Deus por meio das bênçãos dos Gurus. Esses ensinamentos são o que há de mais maravilhoso para proporcionar o jubiloso contato com Deus.”

Esta foi a primeira das muitas vezes em que eu receberia Kriya de meu Guru. A bela cerimônia que acompanha a Kriya ajuda a imprimir o seu propósito sagrado na consciência do devoto.

Swami costumava conversar e meditar conosco, perto da lareira. Uma noite, ele me pediu que “pensasse a respeito de palestrar para a Yogoda”. Ele sabia que meu interesse era servir em seu trabalho, mas até então eu não tinha pensado em palestrar. Depois que suas aulas foram concluídas, ele voltou para Los Angeles. Logo depois, recebi dele esta carta:

8 de fevereiro de 1933

Querida Kamala,

Fiquei muito alegre em receber sua carta e saber dos cumprimentos de sua mãe. Estou anexando a programação de palestras em Hollywood, para seus amigos. É maravilhoso ver você cooperar com a Yogoda. É o que sempre quis que você fizesse. Eu lhe darei uma cópia de todas as minhas palestras e números atrasados da revista East-West (SRF), para

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que você se prepare para palestrar. Gostaria de saber se você pode vir no dia 26, para discutirmos o assunto. É necessário fazer um planejamento completo.

Com bênçãos incessantes para você e sua mãe,

Swami Yogananda

Fui a Mt. Washington na data que ele mencionou. Mamãe estava trabalhando com uma tradução e permaneceu por ora em Santa Barbara. Assisti às aulas avançadas que Swami conduziu em Hollywood, as quais incluíram uma cerimônia de Kriya. Seguiu-se uma série de palestras em Los Angeles, e fiquei para ajudar na venda de livros e no que fosse necessário. Quando a secretária dele precisou afastar-se inesperadamente, também servi nessa função.

Era uma vida ativa, muito ocupada. Durante o dia, o Mestre dava entrevistas de meia hora cada, assim já estávamos na cidade por volta das 8 horas da manhã, e suas consultas continuavam sem pausa até o final do dia; depois regressávamos a Mt. Washington, por uma hora, até as aulas noturnas.

Antes de sair para sua palestra, o Mestre passava por seu quarto e permanecia de pé, em silêncio reverente, diante de uma grande fotografia de seu Guru, Sri Yukteswar. Como é estimado o Guru no coração do discípulo – laço alicerçado sobre um vínculo eterno, que não muda!

Ao acabarem as palestras noturnas e entrevistas, voltávamos para casa, para termos o nosso jantar, um tanto atrasado, que o Mestre compartilhava comigo e duas outras discípulas. Havia tempo para um pouco de sossego, ou pequenas tarefas, depois a meditação e, geralmente, cada um se retirava para dormir às 4 horas da madrugada. Sono rápido! Esse período em que dormimos apenas três horas por noite, sem cochilos durante o dia, durou exatamente um mês, e quando mamãe veio a Los Angeles, ficamos surpresas ao constatar que eu tinha ganhado, nesse curto tempo, os quatro quilos e meio de que precisava. Parecia um milagre. Entretanto, discípulos próximos do Mestre podem dar testemunho de bênçãos semelhantes.

Meu Preceptor às vezes me pedia para datilografar as anotações que fiz de algumas de suas palestras. Lembro-me que uma vez prossegui pela noite adentro, a fim de completá-las pela manhã. Todos se retiraram para dormir ou meditar, enquanto minha máquina de datilografar continuou trabalhando durante horas. Quando eu transcrevia a última página, naquela madrugada de primavera, a luz estava aparecendo. Mais tarde naquele dia, o Mestre perguntou:

– Já terminou?

Apresentei-lhe o trabalho, e seu comentário de aprovação foi a respeito de minha autodeterminada perseverança, e não pelo manuscrito em si. Não senti cansaço; energia e bem-estar eram sempre evidentes quando alguém servia nosso Guru.

Swami escreveu que, antes de conhecer Sri Yukteswar, ele havia assimilado a idéia de que o devoto não precisa preocupar-se ativamente com deveres mundanos, porém sob o treinamento de seu Guru ele logo se recobrou “dessas agradáveis ilusões de irresponsabilidade”. Seu Guru admirava as pessoas práticas e dizia: “As percepções divinas não são incapacitadoras”.

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Em um dia memorável, Sri Yukteswar concedeu a Swami, com apenas um toque, a experiência da Consciência Cósmica.* Enquanto meu Guru ainda estava imerso naquela Bem-aventurança Infinita, Sri Yukteswar então, muito tranqüila e despretensiosamente, estendeu-lhe a vassoura e disse: “Venha, vamos varrer o chão da sacada; depois caminharemos ao longo do Ganges”. O Mestre compreendeu que seu Guru lhe estava ensinando o segredo da vida equilibrada. Enquanto o corpo realiza seus deveres cotidianos, a alma deve permanecer absorta na Beatitude Cósmica.

Os ensinamentos e a orientação do Mestre davam ênfase ao viver com equilíbrio: uma vida de serviço ativo, com deveres realizados conscienciosamente, embora sempre com tempo para Deus. Ele me disse, uma vez: “A meditação sozinha torna a pessoa imprática e sonhadora – com a cabeça nas nuvens. O caminho para a verdadeira salvação está em combinar a meditação com a atividade prática.”

* Descrita na Autobiografia de um Iogue.

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CAPÍTULO 8

RECEBO DE MEU GURU A ORDENAÇÃO PARA O MINISTÉRIO

UANDO o verão chegou, fui ao Colorado para passar um tempo em nosso chalé da montanha. Enquanto lá estava, transcrevi algumas das aulas mais recentes de Swami. Essas lições datilografadas, enviadas a Mt. Washington, foram depois

incluídas no Curso de Estudos Praecepta.* Também me preparei para as palestras e aulas da Yogoda (SRF) que daria depois.

Swami estava em Seattle, Washington, para outra série de palestras, e recebi dele uma carta, logo depois de sua chegada lá.

15 de junho de 1933

Querida Kamala,

Embora eu não pudesse escrever-lhe mais cedo – pois você sabe que tenho estado na mais acirrada batalha de atividades e constante movimentação – contudo tenho abençoado você diariamente. Você deixou conosco um rastro de seu perfumado comportamento divino e eficiente ajuda. Todos nós sentimos muito a sua falta. Seu telegrama e suas cartas foram profundamente apreciados.

Tive duas semanas de campanha em Tacoma. Choveu pesado antes de eu chegar e choveu torrencialmente depois que fui embora, mas não durante as palestras. Quase 800 pessoas assistiram-me – muito receptivas. Vim para servir a todos com Deus.

Medite todas as noites e todos os dias. Meditei 7 horas em Elsinore (sul da Califórnia). Foi indescritivelmente perfeito. Queria tanto que você estivesse lá. Ficarei aqui em Seattle, por um mês. Escreva-me.

Com as bênçãos mais profundas,

Swami Yogananda

O nome do Mestre estava na lista dos conferencistas do Congresso de Religiões do Mundo que se realizaria na Feira Mundial de Chicago, naquele outono. Ele escreveu de Kansas City, para perguntar se eu poderia assistir.

Querida Kamala,

Não pude escrever por falta de tempo, mas, espiritualmente, abençôo você todos os dias. Faça uma parada em Kansas, em seu caminho para Chicago. Não poderá vir no dia 10 de setembro, às 8 da noite, quando farei um discurso sobre a “Unidade Mundial”, no Morrisson Hotel, no maior Parlamento de Religiões do mundo? Representantes de 200 religiões concorrerão.

Bênçãos ilimitadas, sempre, SY

* No começo, o curso por correspondência de Paramahansa Yogananda era conhecido como Yogoda Course. Posteriormente, ele o ampliou e mudou-lhe o nome para Praecepta Lessons, as quais são conhecidas agora como Self-Realization Fellowship Lessons [“Lições da Self-Realization Fellowship”]. (N. T.)

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Foi especialmente apropriado a Swami Yogananda ser representante em um congresso pela unidade religiosa, pois ele sempre enfatizou a unidade subjacente de todas as religiões por meio da percepção do Único Espírito Onipresente.

As barreiras se dissolvem sem que seja necessário concordância exterior, quando existe um vínculo espiritual. Meu Guru ensinou que as diversas religiões são ramos da árvore única da verdade divina. Ele nos recordava que o Espírito Onipresente “não pode ser emparedado por crenças e limitações fabricadas, interpretadas e prescritas pelo homem”. O “coro de muitas vozes das religiões” une-se diante do altar de Deus, nosso Único Pai.

Sua grande e universal inclusão de todos, dentro de seu coração e de seus ensinamentos, está expressa no seu livro Whispers from Eternity, que ele dedicou:

Aos templos de todas as almas de cristãos, muçulmanos, budistas, hebreus e hindus, Nos quais sempre pulsa, por igual, o Coração Cósmico;

E, também, A todas as lâmpadas multicores das diversas doutrinas verdadeiras, Nas quais brilha a mesma chama branca de Deus;

E, ainda, A todas as igrejas, mesquitas, viharas, tabernáculos e templos do mundo, Nos quais, imparcialmente, mora o Pai Único na plenitude de Sua glória.

Viajei do Colorado para Chicago e assisti a sua palestra “Perceber a Unidade Mundial por meio da Arte de Viver”. Estavam presentes diversos discípulos de Mt. Washington, como também muitos estudantes devotados que tinham vindo de várias partes dos Estados Unidos para ouvirem-no falar.

Enquanto eu escutava o Mestre no imenso auditório do Morrisson Hotel, contemplei de novo a luminosa aura que o circundava. Em todos os anos, sempre que eu via a aura dele, era de um alvo fulgor luminoso. Uma radiação azul estendia-se além dessa luz e formava um halo em torno de sua cabeça; um esplendor dourado contornava a luz ao redor de seu corpo.

Após o discurso, eu estava presente em uma pequena reunião de membros da SRF. Tirou-se um retrato do Mestre com todos nós agrupados a seu redor. Era sempre o seu costume indicar onde ele queria que cada um ficasse e, atenciosa e rapidamente, providenciava o lugar de cada um.

No dia seguinte, juntei-me ao grupo que estava indo com ele ver o enorme espaço da Feira e as exibições do progresso humano. Ele era muito interessado em todos os reinos do empreendimento humano e observava as conquistas do homem com apreciação e compreensão.

O Mestre pediu-me para vê-lo na manhã seguinte. Tive a bênção de conversar com ele e, depois, retornei para o Colorado.

Eu estava residindo no coração das Montanhas Rochosas. Esse foi sempre o meu ambiente mais feliz da infância, com seu panorama de rochas gigantescas, corredeiras, flores silvestres, auroras douradas e ventos cantando através das árvores. No verão, toda folha de relva soletra paz à alma; então, o outono converte as encostas dos montes em tapetes persas de tons riquíssimos. As neves do inverno logo aparecem, lançando um

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feitiço de silêncio em toda parte, enquanto o sol brilhante espalha um fulgor diamantino por toda essa paisagem de encantamento. Ó Formoso Deus, tão visível!

Foi aqui, muitos anos mais tarde, que este livro começou, com a releitura das cartas de meu Guru. Uma intuição interior guiou meus pensamentos à percepção de que essa era a vontade do Mestre, e durante algum tempo perdi-me em devaneios, com minhas recordações. Então, comecei a datilografar, e a primeira página começou a desenrolar essas lembranças, por meio das quais eu compartilharia as cartas, os poemas e as conversas desse homem de Deus.

Nessa época, eu estava escrevendo alguns artigos que geralmente apareciam na revista da SRF. Esses incluíam uma série em três capítulos sobre a vida do Buda, intitulada “A Vida do Príncipe Siddhartha”. Era uma condensação do livro poético “A Luz da Ásia”, de Edwin Arnold.

Um dos escritos tocou o assunto da reencarnação. Aceitemos ou não a doutrina da reencarnação, há muitas coisas na vida que nos fazem parar e refletir. Se não aceitamos essa doutrina, parece que há muitos efeitos sem causas aparentes. A reencarnação dá significado às aparentes inconsistências da vida. Causa e efeito podem então ser vistos como se estendendo para além de uma curta existência.

Nossos desejos e nosso carma impelem a alma para o ambiente necessário e merecido. Freqüentemente, é uma inversão dos muitos outros papéis que já conhecemos. Swami disse que Deus nos dá “novas oportunidades para melhorar em um corpo irreconhecível e outro ambiente”.

Raramente nos lembramos do passado distante de outras vidas. O esquecimento é, sem dúvida, uma bênção! Dificilmente seríamos capazes de ter suficiente desapego, se nos lembrássemos de todas as experiências tristes e felizes, e se reconhecêssemos todas as relações do passado. As velhas atitudes, temores e tensões, amores, apegos e preconceitos tingiriam a nova vida. Entretanto, nada se perde. Todas as nossas habilidades – mentais, físicas e espirituais – permanecem intrínsecas, e reaparecem expressamente como tendências, inclinações e talentos.

Meu Guru ensinou a respeito da reencarnação, mas não considerava a crença nesse princípio um pré-requisito na busca do devoto por Deus. Com a infalível percepção e visão de um mestre, ele podia examinar suas próprias vidas passadas e as dos demais, mas não se detinha em nossos papéis mutáveis. Dirigia nossa atenção para o Eu Interior e para nossa eterna identidade com Deus. Uma vez ele me disse: “Concentre-se na imortalidade, não nas mudanças”.

Quando a época do Natal se aproximou, enviei a meu Guru um presente que esperava lhe pudesse agradar. A escolha foi um pequeno relógio suíço, com um mecanismo adornado com jóias. Através da cobertura de cristal, era possível ver o mecanismo. Sua carta, enviada da Califórnia, fala do relógio.

5 de janeiro de 1934

Querida Kamala,

Estou emocionado e profundamente comovido por você me ter enviado o presente. Estou brincando com ele como uma criança com um novo brinquedo. Finalmente, depois de

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muito tempo, encontrei algo no mundo material que me interessasse. Estou levando ele em minha túnica, preso com uma corrente.

Escreva-me sempre. Nunca estou tão ocupado que não tenha tempo para o prazer de ler suas cartas.

Muitas, muitas vezes eu lhe envio mil bênçãos através de Deus.

Medite profundamente e pratique Kriya,

Swami Yogananda

Eu estava recebendo essas bênçãos, pois esse foi um tempo de muitas realizações interiores. Outra carta do Mestre chegou, logo depois.

25 de janeiro de 1934

Querida Kamala,

Como vai? Quando planeja partir para a sua missão espiritual de difundir a Self-Realization Fellowship? Informe-me, por favor.

Votos carinhosos de todas as Irmãs.

Com minhas bênçãos mais profundas,

Swami Yogananda

Regressei à Califórnia e estive freqüentemente com meu Guru em Mt. Washington, enquanto ele fazia planos para uma viagem à Índia. Foi nessa época que o Mestre ordenou-me ministra da Self-Realization Fellowship. Não houve cerimônia formal, apenas uma bênção especial.

Antes de sua viagem, ele me disse:

– Quando eu voltar, viverei em Mt. Washington o tempo todo. Quer vir aqui para morar permanentemente?

Expressei o desejo sincero de transmitir seus ensinamentos aos outros em muitas áreas, e isso me fez tomar a decisão de servir no campo exterior. Meu Guru instantaneamente prontificou-se a me ajudar em meus planos. Logo depois, o Mestre deu uma Iniciação em Kriya na capela. Ele me disse:

– Quero que você se sente na frente e observe a cerimônia com muita atenção, para que possa dar Kriya. Tome nota de tudo, em detalhes.

(Logo depois, fui ao Arizona, onde dei uma série de palestras e aulas; depois, continuei a dar instruções sobre as Lições da SRF no Colorado e na Califórnia.)

Um dia, perto da data de sua partida de navio, estávamos conversando na sala de estar do Mestre, e nossa conversa continuou enquanto estávamos de pé no corredor, próximo à porta de seu apartamento. Foi então que comentei que se ele queria que eu ensinasse todas as lições, eu não havia recebido uma certa Iniciação avançada. Instantaneamente, ele disse:

– Oh, é assim. – Então, sem cerimônia e com total simplicidade, ele me ensinou as técnicas da 3ª e da 4ª Iniciações. Elas me têm ajudado tremendamente em minhas meditações mais profundas.

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CAPÍTULO 9

BÊNÇÃOS DA GRAÇA

ENHO recebido de Deus, por meio da bênção de meu Guru, muitas percepções interiores. São tesouros que recebo maravilhada, e me preenchem. Em cada exemplo, há uma elevação de espírito, variando de profunda paz a uma grande

alegria e, às vezes, à bem-aventurança de Deus. Acompanhando cada uma, há sempre uma profunda tranqüilidade interior. Esses maravilhosos estados de elevação preenchem a pessoa durante a experiência e continuam por algum tempo depois. Trazem ao coração e à alma um brilho indescritível.

Quando abrimos a porta para Deus, por meio do amor e da devoção, surge a Expansão da Consciência em que conhecemos momentos – até mesmo horas – de estados de Paz–Alegria–Bem-aventurança. Essa comunhão espiritual transcende a todas as manifestações externas que podem acompanhá-la. Ocorrências que são apenas extra-sensoriais, por mais espetaculares ou surpreendentes que sejam, não têm sabor sem a tremenda bem-aventurança de Deus. Deus é o Sal! Ele é o Açúcar!

As bênçãos sagradas que recebi nunca foram reveladas – mesmo para aqueles que me são próximos e queridos. Eu teria experimentado uma perda incalculável se tivesse falado delas. É somente agora, com Divina autorização interior, que estou incluindo várias delas aqui, conforme as escrevi em meu diário, desde 1925.

Emerson disse que as manifestações espirituais são revelações em que a alma individual funde-se com a Alma Universal; que tais ocasiões são sempre acompanhadas por sentimentos do sublime. Os exemplos aqui apresentados mostram algumas das diversas maneiras em que as variadas intensidades do sentimento espiritual vieram a mim.

Chuva dourada Depois da palestra de Swami esta noite, voltei para casa e enquanto entrava pela porta, antes de ligar a luz, caía nas salas uma chuva de luz dourada. Era uma chuva dourada, em toda parte, do teto ao soalho. As gotas de chuva eram muito compridas e douradas, na casa escurecida. A chuva dourada prosseguiu depois que as luzes foram acesas. Desliguei as luzes, voltei a ligá-las, mas a chuva continuou do mesmo jeito. Então, deixei as luzes desligadas por uns dez minutos, enquanto me sentei, observando com olhos bem abertos! Pouco depois, houve o som de um carro se aproximando, descendo a colina, e tudo cessou instantaneamente. Um sentimento de serenidade esteve comigo durante essa rara visão: uma paz que parecia fazer parte da visão.

Em sua Autobiografia, o Mestre escreveu a respeito de “raios como riscos de lápis ou linhas de chuva”, e estas palavras descrevem essa cena. Lembro-me de ter pensado, enquanto estava sentada ali, que meu Guru abrira meus olhos para essa visão de raios sutis e estava ciente de que eu os vira.

Samadhi Durante o sono, eu me vi de pé à beira de um precipício. Completamente consciente, eu disse: “Sei que estou sonhando e este é um corpo onírico. Eu sou a alma, unida ao Espírito; portanto, vou-me atirar.” Então, mergulhei de cabeça – para provar meu destemor.

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Instantaneamente, no momento em que eu teria tocado o solo lá embaixo, surgiu uma luz rodopiante na testa e um som envolvente e impetuoso. Fui atraída para dentro dessa luz, como num redemoinho, e ao mesmo tempo o Om assumiu proporções trovejantes e ressoou em toda parte, ao mesmo tempo. Em seguida, a Luz e o Som cessaram, fundindo-se ambos na Bem-aventurança – perfeita, além de toda descrição.

Esse mergulho na Bem-aventurança de Deus foi o mais completo que experimentei, pois quando aconteceu cessou de haver qualquer “eu”. Tudo era Bem-aventurança e eu me tornara parte dela! Eu estava desperta, em plena consciência, mas o mundo material fora esquecido. Um arrebol dessa beatitude durou por muito tempo, depois que assumi as atividades do dia.

Um passeio pelo ar Acordei vendo meu Guru de pé, diante de mim. De repente, minha respiração cessou por muito tempo, e voei sobre imensos continentes e oceanos; flutuei sobre vales verdejantes e encostas de montanhas, com árvores cobertas de neve. Senti a alegria de estar em toda parte, em meio a tanta beleza! Acompanhava uma grande sensibilidade, cuja intensidade estava além do comum, e absorvi, com clareza de detalhes, tudo que vi sobre a linda terra.

Visão de raios-X Tornando-me cada vez mais consciente durante o sono, vi o lado de fora da casa e toda a extensão da rua. Ao mesmo tempo, pude ver o interior deste quarto e meu corpo adormecido. Vi a rua como estava naquele momento da madrugada – não era uma lembrança nem a visão de um sonho. Meu ponto de observação era acima do corpo adormecido, olhando para baixo e, também, para as paredes e através delas, para além – exatamente como os raios-X podem fazer. Tudo era muito claro, e eu estava completamente consciente, dentro do centro da quietude. Estava tudo muito quieto durante essa surpreendente viagem para uma nova dimensão da visão.

O sono consciente, mencionado aqui e em outros exemplos deste capítulo, é um estado de percepção enquanto o corpo continua a dormir. É muito semelhante à meditação profunda, em que o corpo e as sensações externas são temporariamente esquecidas. Em vez da inconsciência do sono, existe a mesma consciência de quando a pessoa está acordada.

Uma resposta curativa de Deus Estava pensando em um problema e examinava cada aspecto dele, buscando a ajuda de Deus. Então, de repente, senti uma Paz suavizante, como um bálsamo curativo, e a alegria inundou meu coração. Disse a Deus, em voz alta: “Quando dás a Graça de Tua Presença, é tudo que queremos!” Toda preocupação pelo problema cessou. Meu coração iluminou-se na presença fulgurante de Deus. Foi um fluxo da super-Alegria, que durou muitas horas – quase 36.

Precioso despertar Esta manhã, Deus me despertou tão suavemente, tão gentilmente, tal qual a neve caindo em silêncio. Muito difícil de descrever. Eu estava consciente de éteres vibrantes em todo o quarto.

Sabor delicioso

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Em meditação, experimentei um sabor sutil, além de qualquer guloseima que se conhece neste mundo. Estava presente sem o pensamento de deglutir. Já experimentei o som interior, a visão interior e fragrâncias, mas nunca antes experimentara o paladar interior.

Ascensão por meio de vibrações Descansando em silêncio, de olhos fechados, fui atraída para dentro e para cima, através de cada nível de Consciência, até uma Paz além de toda descrição. Passei da solidez da carne e do peso para além das leis da gravidade, aonde não havia limitações restritivas; não havia peso, apenas uma maravilhosa percepção da Eternidade, saturada de paz. Então, em reversão exata, descendo por todos os níveis e tornando-me parte de cada um deles – uma parte sensível –, este peso normal pareceu um metal pesado depois de ter sido mais leve que o ar. Abrindo os olhos, eu estava “aqui”, fechando os olhos, eu estava “ali”. Ansiei por permanecer nessa liberdade celestial, em que a pessoa é tão leve.

Então, percebi o quanto o senso de leveza ou de peso depende de nosso estado de consciência. Essa parece ser a maneira com que Deus separa os diferentes planos: por meio de gradações de vibrações grosseiras e sutis. A sensação de peso corporal e de consciência material em nós mesmos cria suas próprias barreiras. Experimentei isto uma noite, de outra maneira, pouco tempo depois da morte de meu pai.

Porta para a Luz Meu pai veio a mim enquanto eu dormia. Pude ver que ele queria que eu o acompanhasse e que tinha um senso de urgência, como se soubesse que não se podia demorar. Ele me levou a uma grande igreja, na qual entramos e subimos uma escada. Quando chegamos ao patamar, tivemos a visão do imenso lugar de culto abaixo de nós; muito espaçoso, soalhos de madeira-de-lei e atapetados, com a simplicidade de muitas igrejas protestantes. Além, havia um segundo lance de escadas – um vão muito largo de quase doze degraus. Permanecendo de pé, por um momento, nesta escada, olhei para cima e, no topo, havia uma Porta aberta. Através dela saía uma luz mística, semelhante a uma Névoa Iluminada. Tão bela! O Mistério do Silêncio permeava aquela Porta. Nós dois começamos a subir, mas só pude galgar três ou quatro degraus, antes de me tornar consciente do peso e fiquei ali, incapaz de prosseguir. Meu pai, evidentemente, estava preparado para esse estado adiantado, pois subiu com facilidade e, depois, atravessou a Porta e entrou naquela Luz.

Comunicação de pensamento Nesta tarde, na casa de praia, experimentei um sentimento incomum de relaxação e, quase imediatamente, meu Guru, que se encontrava em Mt. Washington, falou através de minha mente, dizendo-me que estava vindo para a praia, e mencionou o nome daqueles que ele estava trazendo. Ele transmitiu a mensagem por meio de sua vontade positiva, demonstrando para mim a “comunicação de pensamento”. Eu a recebi em meu estado descontraído de receptividade. Ele chegou mais tarde, naquele dia, e com ele estavam todos aqueles que mencionara.

Forças contrastantes Houve uma ocorrência interessante em sono consciente. Eu caminhava por uma longa estrada ensolarada, com árvores altas em ambos os lados. De repente, todo o meu ser foi sacudido – terrivelmente sacudido, como se sacode grãos de milho em uma pipoqueira – e arremessado em um espaço escuro! Senti que tinha sido completamente erguida por alguma força e atirada para longe, e nada pude fazer. Não fiquei amedrontada e disse: “Não importa o que aconteça, Senhor, pois estás comigo, aqui como em qualquer outro lugar” –

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então, fui colocada suavemente – oh, tão suavemente – para fora da escuridão e trazida de volta para a cama. Da maneira suave com que retornei, acredito que fora algum tipo de teste.

Correntes espirituais Foi depois de meditar com Swami, mais ou menos meia hora após, quando estava indo para meu quarto, que ondas de correntes fluíram da cabeça aos pés, de tal modo que mal pude caminhar. Tinham grande força. Foi erguida em espírito e senti a Presença de Deus a meu redor.

Bênçãos de Kriya

Em uma das palestras de Swami nesta semana, experimentei um grande aguaceiro de bênçãos espirituais enquanto anotava taquigraficamente suas palavras. Senti a eletricidade na coluna vertebral. Swami comentou depois: “Nunca a vi tão feliz”.

Muitas águas

O Om surgiu como um som impetuoso, semelhante a uma cachoeira.* Eu estava muito quieta – no mais profundo Contentamento.

Música celestial Durante o sono, ouvi uma bela música, como uma sinfonia a encher os céus com seus sons – então acordei e continuei escutando-a, enquanto Ondas de Vibrações Divinas fluíam através de mim, repetidas vezes, trazendo uma Paz Crística que era parte dessa harmonia.

Arrebatamento Acordei vendo a Luz, e senti júbilo durante horas. Esse sentimento acompanhava a Luz.

Bem-aventurança Cósmica Durante o sono, tornei-me consciente e vi Swami caminhando na minha direção. Percebi que ele estava em samadhi, então eu o toquei e, instantaneamente, mergulhei na Bem-aventurança Cósmica por sua bênção direta. Essa Bem-aventurança permaneceu por todo este dia, mesmo durante todas as minhas atividades – sem que nada a afetasse. Experimentei Deus como Felicidade Suprema – indescritível.

Essas percepções interiores aparecem aqui como foram escritas há muito tempo. Era meu hábito condensar ao invés de escrever detalhadamente. A brevidade pode não transmitir o impacto avassalador das manifestações divinas, mas espero que as insinue.

O descortino direto nas esferas da percepção da alma produz a verificação pessoal de que somos parte integrante da Eternidade. Nossa própria Consciência (indestrutível) pode fundir-se no Espírito Onipresente, e a consciência individual aumenta, em vez de dissolver-se ou diminuir.

As palavras do antigo sábio Kabir assumem um significado especial quando a pessoa percebe que ele não descreveu idéias simbólicas, mas autênticas experiências da alma. Transcrevo aqui um de seus cânticos-poemas, traduzido por Rabindranath Tagore.

É a misericórdia de meu verdadeiro Guru Que me fez conhecer o desconhecido;

* A Bíblia: “Sua voz era como o som de muitas águas” (Apocalipse 1:15). “Sua voz era como o bramir de muitas águas, e a terra resplandeceu com Sua glória” (Ezequiel 42:2).

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Dele aprendi a caminhar sem pés, Ver sem olhos, ouvir sem ouvidos, Beber sem boca, voar sem asas. Sem comer, provei a doçura do néctar; Sem beber, aplaquei minha sede.(…) Diz Kabir: “A grandeza do Guru está além das palavras, E grande é a ventura do discípulo”.

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CAPÍTULO 10

LEMBRANÇAS DA INFÂNCIA

UITAS crianças expressam profundo interesse por Deus. Posso lembrar-me de várias ocasiões na infância, em que tentei imaginar o que era antes do começo dos tempos; naquela imensidão, antes que qualquer coisa existisse, como é que Deus

estava lá? Mamãe uma vez recordou o tempo em que eu era pequena e dela me aproximei com a pergunta:

– Quem fez Deus?

Ela respondeu que não sabia. Afastei-me, mas voltei depois de algum tempo para informá-la, enfaticamente:

– Eu sei quem fez Deus.

Ela sorriu e perguntou:

– Sabe?

– Sim, Ele fez a Si Próprio – foi a resposta que eu mesma encontrei!

Se volto meus pensamentos para a infância, minha primeira lembrança nesta vida é de quando eu tinha três anos – uma experiência de aparente significado. Posso lembrar-me dela agora, tão vividamente quanto naquela hora.

Eu estava de cama, adoentada, com febre escarlatina, e a temperatura interna de meu corpo estava excessivamente alta. A enfermeira, presente no quarto, disse a mamãe posteriormente que eu passara aquele tempo deitada na cama, imóvel e de olhos semi-abertos, sem piscar. Em minha consciência, todavia, eu não estava ali. Estava viajando.

A parede, à cabeceira da cama, abrira-se na forma de um túnel e, lentamente, a cama começou a mover-se para dentro dele, prosseguindo por essa estrada escura, como se estivesse andando sobre trilhos. O movimento era lento e firme, e a própria lentidão parecia preservar o sentimento de quietude. Aparentemente, a cama era impulsionada por uma força invisível.

Depois de curto tempo, emergi à luz do dia, onde pude ver um rio. Havia árvores perto de suas margens rasas, e ovelhas pastavam, contentes. O pastor, semelhante a Cristo na aparência, estava de pé, sereno e em paz. Ele se voltou para mim, mas não posso dizer se me viu. Embora eu relutasse em deixar esse cenário, a cama que me transportava não parou, mas continuou a atravessar a ponte que se estendia sobre o rio.

Então, o caminho conduziu outra vez a um túnel na margem oposta do rio e, como antes, entramos na zona escura como breu, com paredes laterais tão estreitas que eu poderia tocá-las se esticasse os braços para fora da cama.

Depois de curta distância, chegamos a um sólido obstáculo no corredor e a cama freou bruscamente até parar. Aqui, “nós” (a cama e eu) ficamos imóveis. Senti que esse bloqueio era inesperado e que nossa meta estava além. Esperamos que a porta ou a parede se abrisse! Ficamos aguardando ali por alguns minutos, na tenebrosa escuridão. Havia completa quietude.

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Então… muito, muito devagar, a cama começou a mover-se para trás, em uma viagem de regresso. Logo ela estava em seu ritmo anterior, exceto que eu, dessa vez, enquanto deitada, via de frente o caminho pelo qual nos movíamos. Emergimos novamente na luz do dia, com a zona rural aberta e o rio outra vez visíveis. Cruzamos a ponte e alcançamos a cena que eu estava esperando! Contemplei sua beleza e vi o pastor como antes, mas logo estávamos reentrando no túnel escuro, que me levou de volta a meu quarto. Uma vez lá, a cama se deteve com uma leve sacudida e a abertura na parede se fechou. Eu estava de volta!

Chamei minha mãe instantaneamente, contei-lhe minha viagem e disse:

– Quero voltar para aquele lugar bonito, mas quero que você fique sentada na cama e segure minha mão quando eu passar por aquela parte escura.

Com a natural preocupação, mamãe interrogou a enfermeira que estivera sentada ali. Mas não havia necessidade, pois esse fora o ponto crítico de minha longa enfermidade e eu logo estava bem.

Foi aos 16 anos de idade que outra experiência incomum me ocorreu. Uma tarde, eu estivera lendo os “Ensaios”, de Emerson, e adormeci em um breve cochilo. Acordei ouvindo um coral de milhares de vozes em harmonia extraordinária. Meu diário o descreveu “como um Coro de Anjos”. Eu o escutara durante o sono, mas ele continuou por muito tempo depois que acordei, enquanto eu permanecia quieta, escutando-o. Fui erguida a um estado de pura Alegria.

Lembro-me muito vividamente do impacto que essa música tão bela e inspiradora exerceu em meu coração e minha mente, e do sentimento de leveza, que se aproximava do estado de Bem-aventurança, que se seguiu. Desde então compreendi que sua duração, que se prolongou por uma semana, foi uma rara bênção a ela acrescentada.

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CAPÍTULO 11

A “AUTOBIOGRAFIA DE UM IOGUE”

MESTRE permaneceu no exterior pelo período significativo de um ano e meio. Suas viagens incluíram visitas à Terra Santa, Europa, Inglaterra, Escócia e muitas partes da Índia. Ele palestrou a imensas aglomerações, tanto na Índia quanto na

Inglaterra, patrocinado pelos principais cidadãos de ambos os países.

Em Londres, a imprensa e fotógrafos do cinejornal registraram suas atividades. Um colunista escreveu no London Star: “Com muito custo, consegui entrar no Caxton Hall antes que a multidão invadisse o auditório. A ocasião foi um discurso de Swami Yogananda, mestre de Ioga, a respeito de ‘Deus’. O salão, o piso e as galerias estavam abarrotados de gente. A atenção ficou presa por uma hora e quinze minutos. Tenho ouvido poucos oradores iguais ao Swami. Não houve uma sílaba de fanfarrice ou de metafísica ininteligível. Ao cabo dos 75 minutos, o Swami, aparentemente nem um pouco fatigado, saiu para falar à outra multidão que não pôde entrar.”

Também a Índia ofereceu-lhe uma magnífica recepção, homenageando-o por seu regresso, depois de 15 anos. Enquanto estava lá, seu Guru, Sri Yukteswar, concedeu-lhe o título de Paramhansa, que significa “Cisne Supremo”. (Simbolicamente, o veículo do Infinito.) Esse título ajustou-se perfeitamente a meu Preceptor, cuja vida fora vivida para transportar seus discípulos às praias da realização divina.

Após o regresso do Mestre à Califórnia, ele passou muito tempo dando prosseguimento à redação de sua Autobiografia. Quando completou o livro, ele me deu uma cópia. Seu precioso presente veio acompanhado desta carta:

17 de março de 1947

Querida Kamala,

Obrigado por suas palavras muito carinhosas a respeito de minha autobiografia. Eu as aprecio profundamente. Faz-me muito feliz saber que o trabalho de escrevê-la, para o qual dediquei 25 anos, está sendo bem recebido em toda parte. Isso se deve à Bênção de Deus, pois rezei para que esse livro fortalecesse em todo leitor o desejo de buscá-Lo com grande determinação e fervor.

Sua carta de apreciação me fez feliz – agora, divulgue nossa mensagem de Auto-realização por meio do livro, já que você sempre foi uma campeã de nossa causa.

Com bênçãos,

Paramhansa Yogananda

Paramhansa Yogananda permitiu que as pessoas se familiarizassem com ele e cada um dos Paramgurus por meio das páginas de seu livro. A sua “Autobiografia de um Iogue” dirige-se ao buscador com sabedoria, amor e bom humor. Leitores iniciantes e estudantes veteranos são igualmente enriquecidos por matérias que inspiram a pessoa a beber vivamente no manancial do Espírito.

A grandeza desse estimado clássico da Peregrinação Divina não pode ser apreciada plenamente com apenas uma ou duas leituras. A compreensão de seu valor é uma

O

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experiência crescente. Abrange aspectos da sabedoria que são revelados pela primeira vez a cada leitura.

Ele apresenta, em detalhes, a história do modo como os ensinamentos nos foram trazidos por meio dos Paramgurus. Ensinada na antiguidade por Krishna, foi Babaji, um Avatar do Himalaia, que iniciou Lahiri Mahasaya em Kriya Yoga. Esse venerado discípulo, ele mesmo chefe de família, alcançou a suprema Realização. Babaji assegurou-lhe que “os milhões de seres sobrecarregados por laços familiares e pesados deveres mundanos receberão nova inspiração de você, um chefe de família como eles”. Foi Sri Yukteswar, discípulo adiantado de Lahiri Mahasaya, que se tornou Preceptor de Yogananda.*

Na infância e na juventude, Yogananda tinha um grande desejo de conhecer Deus. Sentia que, para isto, teria de encontrar seu Guru. O relato de sua longa procura por esse homem de Deus (Sri Yukteswar) permite-nos viajar com ele na busca. Ele narra muitos encontros interessantes e incomuns com homens e mulheres considerados santos. Seu imenso anseio pela Consciência Cósmica foi satisfeito graças à iluminada orientação de seu Guru. Ele descreve em seu livro essa tremenda experiência.

Sri Yukteswar, um renunciante pertencente à Ordem dos Swamis, era altamente respeitado em seu país e por todos que o conheciam. Acreditava que a busca de Deus deveria ser científica e era amplamente conhecido por suas interpretações da Bíblia e do Bhagavad Gita. Ele esclareceu o significado profundo e demonstrou a unidade básica dessas duas escrituras em seu livro The Holy Science [“A Ciência Sagrada”].

A viagem do Mestre em 1935 foi planejada quando Sri Yukteswar lhe pediu que voltasse à Índia naquela época especial. Esse grande Rishi sabia que sua transição estava próxima. Ele faleceu enquanto o Mestre estava lá. O regresso de Sri Yukteswar, após a morte, a seu amado discípulo Paramhansa Yogananda ocorreu em uma situação que dá à humanidade grande descortino a respeito das “muitas moradas” do céu. Está relatado em um dos capítulos de sua “Autobiografia de um Iogue”.

Esse livro já foi traduzido em muitos idiomas, inclusive em braile. Traz a mensagem da Kriya Yoga, conhecida como o grande “acelerador espiritual”.

Paramhansa Yogananda é responsável pelo advento da Kriya Yoga ao mundo ocidental. Ele escreveu: “A Kriya, controlando a mente diretamente através da força vital, é a avenida de aproximação mais fácil, mais eficaz e mais científica para o Infinito”. Esse ensinamento está de acordo com o propósito de sua vida, por ele descrito nestes versos:

“Eu vim para falar Dele a vocês todos, e lhes dizer o modo de abrigá-Lo no seu seio, e ensinar a disciplina que atrai a Sua graça, (…) àqueles de vocês que me pediram que os guiasse até perante o meu Amado.”

* Esse nome monástico, Yogananda, que ele mesmo escolheu, significa “bem-aventurança divina por meio da união (yoga) com o Infinito”.

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CAPÍTULO 12

VIDA EM MT. WASHINGTON

LGUNS anos se passaram com a orientação e bênçãos do Mestre sempre presentes. Eu logo iria morar em Mt. Washington, e um par de arco-íris pareceu prefaciar essa nova mudança em minha vida.*

Eu estava viajando de ônibus e, no começo da manhã, após leve chuva, um par de arco-íris apareceu. Um deles curvava-se à direita do ônibus; o outro se estendia sobre a estrada, à pequena distância diante de nós. Percorremos quilômetros com os dois permanecendo nas mesmas posições em relação ao ônibus. As cores eram surpreendentemente nítidas! O par de arco-íris me acompanhou até quase o meu destino e experimentei um empolgante sentimento de maravilha. Desde o momento em que apareceram, tive a intensa percepção da presença do Mestre e de cada um de nossos Paramgurus , o que tornou o momento inesquecível e repleto de promessa espiritual.

Uma senhora estava sentada a meu lado. Sua aparência indicava cultura e requinte. Até então ela não havia falado comigo; apenas um aceno amigável com a cabeça quando nos sentamos. Mas agora ela disse:

– Sempre faço esta viagem, mas nunca vi isso antes. Creio que significa algo bom para você.

Com certeza, o “pote de ouro” do arco-íris será encontrado, mais exatamente, aos pés do Guru; assim pareceu-me a confirmação dessas palavras quando o Mestre me telefonou logo que cheguei a Los Angeles. Ele desejava que eu fosse vê-lo no domingo, após o serviço na igreja. Nesse dia, ele me perguntou se eu poderia vir imediatamente para servir em Mt. Washington. Nessa época, eu estava trabalhando nas repartições do Tesouro Municipal. Respondi que tomaria providências, mas perguntei se ele queria que eu fosse assim mesmo, já que eu não planejava tornar-me uma renunciante. Ele concordou, pois já havíamos chegado a esse entendimento. Conversamos com uma disposição séria e, no final, ele disse:

– Mandarei um carro buscá-la.

Na manhã que cheguei a Mt. Washington, o Mestre me recebeu, deu-me boas-vindas e expressou felicidade por eu estar ali. As discípulas me cumprimentaram amavelmente.

Paramhansaji desejava que eu servisse no departamento de correspondências e permaneci nesse trabalho especial nos quinze meses seguintes.

As atividades do dia começavam com um suave toque de gongo, anunciando a hora para as mulheres se reunirem no pórtico da frente, para o exercício matinal, que consiste na prática dos exercícios de re-energização da SRF. Seguia-se um período de culto na capela. Após o café da manhã, começavam as horas de trabalho regular. As Lições Praecepta, livros, revistas e todo material de leitura eram enviados daqui. O imenso volume de correspondência para o mundo inteiro também era processado, tarefa dividida com os monges, que trabalhavam em seus escritórios separados. Os discípulos homens operavam * A autora omitiu, em grande parte, o período de 1938 a 1947, época de seu primeiro casamento, com Robert E. Klusmire, quando esteve fisicamente distante do Mestre. (N. T.)

A

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a oficina gráfica. O trabalho de cozinha, jardinagem e limpeza doméstica em geral estava sob a responsabilidade daquelas que não se ocupavam do trabalho de escritório, e raramente o trabalho de um departamento interferia no de outro. Cada discípulo mantinha seu próprio quarto arrumado.

Enquanto eu trabalhava no escritório, havia ocasiões em que o Mestre me chamava ao interfone. Ele conversava com seu modo gracioso, sem o menor senso de pressa. Havia silêncios confortáveis, como acontecia quando estávamos em sua presença. Sentia-me muito próxima a ele e um sentimento de paz profunda acompanhava as conversas.

Era natural que alguém que não trabalhasse diretamente com o Mestre o visse com menos freqüência, como ocorreu nesse período em que lá servi. Todavia, muitas lembranças desses dias me vêm à mente.

Eu estava descendo as escadas, um dia, quando escutei meu Guru chamar alguém. Sua voz ressoava com um tom vibrante e eloqüente. Fiquei imóvel, pensando em como sua palavra falada refletia a beleza espiritual por meio do som. Isso me comoveu profundamente, e a lembrança permanece até hoje.

Quando vinha a notícia de que o Mestre estava para sair de carro, todos gostavam de ir para o vestíbulo, próximo da escada por onde ele descia. Eram momentos preciosos, pois ele cumprimentava cada um que estivesse no grande vestíbulo e, silenciosamente, nos abençoava com um toque de sua mão em nossa testa; talvez dissesse algumas palavras. Quando passava pela porta para descer até o carro que o aguardava, todos o seguiam até a varanda da frente. Seu doce sorriso envolvia a todos, até que o carro descia a via de acesso e desaparecia de vista.

Sempre que meu Guru falava de mamãe era com caloroso apreço. Os últimos meses de vida dela foram de inatividade forçada, devido a um severo problema cardíaco. Foi meu feliz privilégio cuidar dela. Nessa época, ela fez para mim um belo xale de lã que, desde então, me tem servido em minhas meditações matinais, colocado sobre meus ombros. Não me é possível descrever, de maneira fácil ou breve, a profundidade de meu sentimento por ela. Sua morte foi, naturalmente, uma grande perda para mim. Ela sempre me dera amor e companhia, e me confortava com seu permanente carinho. Estará alguém preparado para tal separação? Miríades de ternas recordações estão gravadas em minha mente e em meu coração. Ela deixou comigo a memória de seu amor.

Uma vez o Mestre mencionou mamãe a um grupo de discípulas, descrevendo-a como “maravilhosa mãe, tão compreensiva”. Um dia, enquanto eu conversava com o Mestre, ele notou um raro colar em meu pescoço e comentou sobre ele. Eu lhe falei que fora de mamãe e ele disse: “Oh”, com um tom de amorosa doçura. Passou a mão pelas pedras do colar, tocando-as levemente, como uma bênção à memória dela.

Sensibilidade era parte da natureza de meu Guru; vinha do coração, de maneira espontânea e sincera, com um calor humano que se podia sentir. Jamais o encontrei distante ou indiferente.

Uma tarde, uma amiga minha veio buscar o conselho de Paramhansa sobre o que fazer com a vida. Ele incluiu esta sugestão, em sua conversa com ela:

– Já que o passado não pode ser mudado, comece hoje do ponto em que está. – Essa sabedoria advertia a pessoa a não olhar para trás com tantos “se”. Há muito tempo, escrevi

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enquanto ele ditava: “O peixe que escapou da rede era o maior de todos; a felicidade que não foi plenamente desfrutada parece ser a maior que a pessoa perdeu”.

Um encontro inesperado com o Mestre ocorreu uma noite, já tarde, quando fui à cozinha pegar fósforos para acender meu aquecedor. Esperava não ver ninguém. Em vez disso, o Mestre estava sentado à mesa, e também estavam presentes vários membros da casa. Ele me pediu que ficasse e suas palavras de cumprimento foram para me dizer que estivera pensando em dar um passeio a Manhattan Beach e me chamar para acompanhá-lo, mas não pudera ir. Então, contou um incidente que ocorrera durante sua viagem à Índia. Uma pessoa que havia perdido a capacidade de andar sem auxílio procurou-lhe para ser curada. Ele soube intuitivamente que seria preciso algum esforço, e fez-se uma longa e difícil caminhada, com o Mestre assistindo, encorajando e orando. Seguiu-se a recuperação. Tive a clara impressão de que sua disposição para ajudar, nesse exemplo, implicava aceitar para si mesmo esse problema cármico e responsabilizar-se por ele.

Nem sempre a dívida cármica é assumida pelo outro quando a cura ocorre. O Mestre explicou que isto acontece às vezes, como quando o pai, se quiser, assume as dívidas do filho. Em todos os exemplos, o Mestre fazia a pessoa reconhecer que era Deus Quem curava. A cura divina é recebida de várias maneiras. Forças poderosas incluem a fé, o poder da vontade e a energia vital. A terapia de cura é encontrada na prática de afirmações selecionadas. O amor, a bondade, a felicidade, o perdão e a gratidão têm, cada um, o poder de curar. A oração é uma força extraordinária para a cura divina. O ambiente e o carma são fatores importantes. As leis de Deus estão presentes em todos os processos de cura, tanto do corpo quanto da mente. Alimento e medicamentos são compostos de taxas de vibrações, que correspondem a necessidades específicas. Para serem benéficos, precisam ser escolhidos com sabedoria. Muitas vezes em seus escritos, Paramhansaji* falou da cura,† mas ele buscava sobretudo despertar o amor por Deus, porque esse amor permanece como bênção eterna. Ele jamais mediu o alcance espiritual pelo grau de saúde corporal, visto que homens fortes não se tornam, necessariamente, mestres de sabedoria devido à sua perfeição física. Mas ensinou a prática do viver saudável, dando-lhe importância. Nessa noite, fez perguntas a respeito das refeições, demonstrando preocupação pela nutrição adequada dos discípulos, e instruiu o pessoal da cozinha a aumentar a quantidade diária de proteínas, na ampla variedade de pratos sem carne de nossa dieta vegetariana.

Várias discípulas em Mt. Washington eram renunciantes da Ordem de Irmãs da SRF, mas ali também moravam e trabalhavam estudantes novatas, que vieram para servir e avaliar sua decisão de assumir esse estilo de vida. Essas noviças eram colocadas onde seus talentos melhor se ajustavam, mas precisavam estar igualmente dispostas a ficar em qualquer lugar onde fossem necessárias. Isso se aplica tanto às irmãs quanto aos monges.

As divinas experiências interiores devem ser guardadas em segredo. Jamais as ouvi serem contadas entre as mulheres. A ocorrência mais próxima a esse respeito se deu em uma refeição, muitos anos antes, quando uma Irmã começou a contar a visão que tivera com a bênção do Mestre. Ela estava descrevendo, com muita simplicidade, o incidente

* “ji” = um termo de respeito, freqüentemente acrescentado a um nome ou título: Sri Yukteswarji, Babaji, Yoganandaji. † Scientific Healings Affirmations [“Afirmações Científicas de Cura”], de Paramhansa Yogananda, descreve muitos aspectos desse assunto.

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extraordinário. Nosso Guru estava sentado conosco, porém ocupado com seus próprios pensamentos. Quando o Mestre finalmente notou o curso que o comentário dela estava tomando, interrompeu a narrativa imediatamente, indicando de maneira clara que ele não queria que ela falasse sobre isso.

Uma vez, no passado, uma discípula não compareceu à mesa; um acesso de melancolia a manteve no quarto. O Mestre desaprovava o mau humor. Fez breve comentário sobre isso, e não disse mais nada. Sua maneira de ensinar era com muito pouca reprimenda verbal, deixando que o discípulo percebesse e corrigisse a falta.

O Mestre enfatizava o “comportamento correto”. Esperava que nossas ações se conformassem com a disciplina e a boa conduta, não importando como a pessoa pudesse sentir ou pensar. O que é desejável é a atitude correta, mas a pessoa talvez precise de tempo para aperfeiçoar suas atitudes e tendências, portanto, quando a ação era necessária, nosso Guru ensinou a se “comportar corretamente”. Com freqüência, os pensamentos e os sentimentos seguem, de maneira surpreendente, o traçado da ação.

Uma discípula residente raramente é perturbada em seu quarto por uma batida na porta, e qualquer mensagem é colocada no chão, no lado de fora, onde pode ser vista. Recebi muitos desses recados, contendo expressões de amabilidade e de consideração, contudo nenhuma vez um som perturbou minha meditação, deveres ou relaxação.

Quando, posteriormente, mudei-me para o norte da Califórnia, meu Guru aconselhou:

– Não comente sua vida pessoal com os outros.

Esta é uma regra que também é observada pelos discípulos que seguem o treinamento do Mestre, em Mt. Washington. Observei que eles não faziam perguntas pessoais. Desse modo, a tendência para a bisbilhotice é eliminada. Toda discussão sobre traços da personalidade, comentários sobre as ações, hábitos ou atividades, tanto dos outros quanto de si próprio – tudo enfim que compõe a conversa trivial comum – são substituídos pela quietude.

Algumas mulheres renunciantes praticam as asanas da Hatha Yoga e se tornaram proficientes. Ocasionalmente, na Convenção, os discípulos homens residentes demonstram sua habilidade nessas posturas iogues. Essas posturas não fazem parte das Lições Praecepta do Mestre, mas na revista da SRF já apareceram instruções detalhadas em diversas asanas. Os ensinamentos da SRF incorporam um pouco de cada um dos sistemas da Ioga, mas dão ênfase à Raja Yoga.

É preciso observar que, para a grande maioria de pessoas que não são inclinadas à prática de asanas, Paramhansaji, ao dar instrução em ioga, sempre ensinou que a postura para a meditação consiste em sentar-se em uma cadeira, com a coluna vertebral ereta, queixo paralelo ao chão, ombros retos e mãos descansando, relaxadas, no regaço. A postura de lótus pode ser usada para meditar, se a pessoa preferir e achar confortável, mas não é obrigatória.

Um dia, nós, as discípulas do escritório, saímos do prédio para nos despedir de uma hóspede que estava de partida. Quando voltávamos para a entrada da frente, vimos o Mestre diante de sua janela aberta, ao sol matinal. Ele falou com algumas discípulas, que olhavam para cima, desde o gramado e da via de acesso, e elas responderam, serenamente. Quedei-me muito quieta, olhando para ele, para ter certeza do que meus olhos viam. Diferente de qualquer experiência que tivera anteriormente, vi que a cor do Mestre era

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azul – não se tratava da aura, mas a própria textura de sua pele era aquele místico azul natalino, a cor da vibração da Consciência Crística. Fui para baixo do pórtico, a fim de pensar nisto. Voltei e olhei de novo; fiz isso três vezes. Era real. Não quis comentar com ninguém. Queria saborear a visão especial. Embora eu estivesse vendo com o olhar interior, meus olhos físicos também viram, tão claramente quanto se vê que a cor da grama é verde. Pensei depois no cântico “Meu Krishna É Azul” e no que o Mestre escreveu a respeito de Krishna e sua “forma divina de raios azul celeste”. Foi assim que vi meu Guru nesse dia. Parecia tão normal e, ao mesmo tempo, surpreendente, contemplá-lo de olhos abertos. Percebi que o Mestre estava em completa unidade com Krishna e Cristo, e, por sua graça, fui abençoada com essa visão.

Aos domingos, o Mestre dava palestras regularmente na bela Igreja de Todas as Religiões, da SRF, em Hollywood. Com descortino e clareza, ele instruía nos preceitos necessários para a vida cotidiana, com suas numerosas complexidades. Eu estava presente sempre que ele palestrava. Seus discursos não se baseavam em anotações, mas em pensamentos mentalmente organizados, e eram feitos por pura inspiração, fundamentada na percepção interior.

Paramhansaji não ensinava apenas por meio de sermões, mas pelo exemplo. Vêm-me à mente algumas palavras que descrevem certas qualidades exemplificadas em sua vida. Humildade é uma delas, a fibra de seu ser. Como é belo contemplar em uma pessoa esse atributo presente em todas as circunstâncias! A outra é cortesia. Ao longo dos anos, vi seu significado divino nos relacionamentos humanos, expresso em todas as palavras e ações dele. Santidade é outra. Havia ao redor dele uma sacralidade que se irradiava como autêntica fragrância. A presença dele erguia e atraía, magneticamente, os corações para Deus.

Apresento aqui uma de suas orações, transcrita de minhas anotações. Paramhansaji nos disse:

– Fechem os olhos e sintam devoção por nosso próprio Pai, no Templo do Silêncio. Um perfume de paz preenche este Templo. Trazemos todas as flores do amor, que crescem no jardim de nossa consciência. Elas estão decorando nosso altar de humildade.

Ele, então, orou:

“Vem, Espírito, vem. Recebe o fervor de nossas almas. Nós Te adoramos com o desejo ressoante e ardente de nossos corações; com os cânticos de nossas almas. Somos Teus filhos. Estamos batendo à Tua porta. Recebe-nos!

“Espírito Divino, perdoa nossas transgressões; ensina-nos a amar nossos irmãos como Teus filhos. Que Tu, o único Espírito, sejas refletido no espelho de nossas almas. Ensina-nos a querer apenas a Ti. É Teu amor que tenho o privilégio de difundir, com o pólen da reverência. Cada um aqui receba a Tua Luz. Recebe nossas almas a Teus pés de Onipresença.”

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CAPÍTULO 13

TRANSMITO OS ENSINAMENTOS DE MEU GURU

UANDO fui para a Baía de San Francisco, no norte da Califórnia, o Mestre me disse:

– Alegra-me que esteja indo para lá. Terei alguém em quem posso confiar. Você conhece meus ensinamentos.

Quando protestei minha falta de larga experiência em falar em público, ele disse, sem dar a menor atenção às minhas hesitações:

– A pessoa aprende a nadar entrando na água.

Casei-me na época do Natal [de 1948], tendo previamente recebido a bênção do Mestre. Senti que tinha um forte laço com Edward,* do passado distante. Muita coisa corroborou esse sentimento, através dos anos.

O amor de Edward pelos ensinamentos do Mestre estava baseado na compreensão prévia de que a religião na Índia tem um alcance universal e não tenta circunscrever Deus a um credo, doutrina ou igreja particular. Quando o conheci, falei-lhe dos ensinamentos da SRF. Ele leu a “Autobiografia de um Iogue” e, depois, comentou:

– Queria que o livro jamais terminasse.

Tornou-se estudante das Praecepta e expressou o ardente desejo de ouvir Paramhansaji palestrar. Seu primeiro encontro com o Mestre se deu na Igreja da SRF em Hollywood. Na época, Edward estava na marinha norte-americana, chegado de licença do Pacífico Sul.

Um dia, o Mestre me disse:

– Deus deve estar sempre em primeiro lugar.

Repliquei, instantaneamente:

– Oh, mas Ele está.

Minha resposta o satisfez, pois ele me disse:

– Então, está tudo bem.

Referia-se ao fato de eu estar deixando o ambiente do eremitério. O Mestre sempre manteve o progresso espiritual do discípulo primordial em seus pensamentos. Seu modo de treinar cada um era diferente; sua orientação, mesmo entre os renunciantes, não era idêntica. Isso também se aplicava aos discípulos que viviam em família. Escrever a respeito de meu próprio treinamento não é dar um exemplo “típico”, pois não havia sequer dois que fossem exatamente iguais.

Quando fomos morar em Oakland, Edward e eu visitamos dezenas de endereços, a fim de entrarmos em contato com membros que viviam na área da Baía. Alugamos uma linda sala no Palace Hotel de San Francisco para nossas reuniões semanais, que começariam no outono, e o Mestre expressou grande interesse pela formação desse Centro. Em abril, ele escreveu:

* Edward J. Silva. (N.T.)

Q

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Querida Kamala,

Fiquei extremamente contente ao receber sua carta de cumprimento, datada de 11 de abril. Estou muito feliz por você e Edward estarem planejando formar um Centro. Lembrem-se de que meu coração e minhas bênçãos estão com vocês.

Vocês devem criar aí uma verdadeira colméia divina, com abundância de mel divino. Falem-me de seus planos.

Bênçãos incessantes,

Paramhansa Yogananda

Durante o verão, viajamos por algumas semanas. Assim que voltássemos, realizaríamos nossa primeira reunião da SRF. O Mestre refere-se a isto em sua carta:

8 de setembro de 1949

Queridos Kamala e Edward,

Estou muito satisfeito por receber sua carta de 25 de agosto e saber que a data de abertura de nosso novo Centro da Self-Realization está marcada para 27 de setembro. Tenham a certeza de que estarei com vocês em espírito nesse dia – para que essa primeira reunião seja um sucesso e divinamente inspirada.

Estarei aguardando ansioso um relatório de vocês depois que a reunião se realizar. Traz grande alegria a meu coração saber que temos a cooperação de almas tão devotadas como você e Edward para ajudar a difundir estes ensinamentos de Deus e dos Gurus.

Estou feliz em saber que vocês gostaram da viagem. Em verdade, quando estamos em harmonia com a Vontade Divina todas as coisas fluem tranqüilamente. Vocês dois são lembrados em minhas meditações diárias, para que possam progredir firmemente no caminho espiritual.

Meu amor e bênçãos a você e Edward,

Paramhansa Yogananda

Nossos planos e atividades receberam do Mestre sua continuada orientação espiritual.

16 de setembro de 1949

Queridos Kamala e Edward,

Fiquei muito feliz ao receber novas notícias – felizes notícias sobre a criação do Centro. Que Deus esteja sempre com vocês para que estabeleçam o templo da Auto-realização nas almas dos homens, e que Ele possa morar ali para libertá-los.

(A respeito de alguém da área) Sempre que puderem, vocês dois devem meditar com ele – ele necessita disso. Precisamos ensinar as pessoas a meditar e sentir Deus. A igreja deve, em primeiro lugar, ensinar a fazer contato com Deus e ajudar a formar o hábito da meditação.

Se seguirem essa idéia, de vocês mesmos meditarem na companhia de seus íntimos companheiros da SRF, encontrarão membros espirituais – não seguidores emocionalmente viciados em intelectualidade superficial. Tragam membros para Deus, Cristo e os Gurus por meio da própria percepção pessoal que eles têm de Deus e da alegria da meditação.

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Com todo o meu amor para vocês dois. Dêem suas vidas a Deus, aos Gurus e à SRF,

Paramhansa Yogananda

Esta notícia foi impressa na revista da SRF:

“A primeira reunião de um Centro da SRF recentemente organizado em San Francisco foi realizada em 27 de setembro, no Palace Hotel. Entre os presentes, estavam moradores de San Francisco, Oakland, Berkeley, Hayward, San Leandro, Menlo Park e até da distante San José.”

Nossas reuniões no Palace Hotel continuaram por vários anos. Depois, passamos a nos reunir em Berkeley, onde realizávamos serviços dominicais. Em San Francisco, Oakland, San José e Berkeley, fiz palestras, ministrei aulas sobre as técnicas básicas e dava Iniciação em Kriya duas vezes ao ano, para todos os membros da região. Como ministra, incluí batizados, casamentos, aconselhamento e outros serviços próprios do ministério de uma igreja.

Quando compareci à Convenção de 1951, em Mt. Washington, o Calendário de Eventos incluiu as reuniões de nosso Centro. Dizia: “A SRF tem agora sete Centros na Califórnia (…) onde vocês receberão os ensinamentos de Paramhansa Yogananda (…) os quais foram criados para facilitar sua busca pela verdade”. Estavam relacionadas três igrejas (em Hollywood, San Diego e Long Beach), a Colônia de Encinitas, nosso Centro de San Francisco no Palace Hotel, o novo Santuário do Lago em Pacific Palisades e Mt. Washington em Los Angeles.

Sempre vesti um sari em nossas reuniões, e perguntei a Paramhansaji em que outras ocasiões eu deveria usá-lo. Ele respondeu:

– Sempre que estiver representando a SRF e, se possível, quando estiver com os membros.

Às vezes, eu consultava nosso Guru, por meio de chamadas telefônicas, a respeito do trabalho de nosso Centro, e essas consultas freqüentemente se estendiam na forma de conversas prolongadas e guardadas na memória.

Paramhansaji me disse que era bom ter serviços aos domingos, porque esse dia está associado com a igreja na mente das pessoas. Descobri que isto era evidente em nosso próprio grupo, pois embora as noites de quintas-feiras em San Francisco fossem conduzidas da mesma maneira que os domingos em Berkeley, todos, inclusive eu, referíamos a nossos encontros de quinta como “reuniões” e aos de domingo como “culto”.

Quando perguntei ao Mestre se deveríamos chamar nosso Centro oficialmente como “Igreja”, ele respondeu:

– Chamem-no de Igreja da SRF assim que estiverem se reunindo em um local permanente.

Era desejo de Paramhansaji que tivéssemos um edifício próprio para nossa igreja.*

* Os membros da Baía criaram um “Fundo Para a Igreja da SRF”. Reuníamo-nos em casas e alugávamos salas até que, mais tarde, após muita procura, Edward e eu localizamos uma igreja na cidade vizinha de Richmond. A Self-Realization Fellowship aprovou a escolha e ela foi comprada. A linda capela, salas para a escola dominical, outras salas e facilidades e amplo estacionamento atendiam às necessidades de nossa crescente assistência. Situada num terreno de dois acres, perto de colinas ondulantes, essa área silenciosa é

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Diversos membros de nosso Centro da SRF na Baía de San Francisco formaram Grupos de Meditação em suas próprias casas, reunindo-se regularmente em diversas comunidades. Era uma fonte de satisfação para todos nós vermos essa expansão de nosso trabalho de SRF por meio desses membros. Muitos foram daqui para Mt. Washington, a fim de entrar na Ordem de Renunciantes da SRF.

O Mestre, atenciosamente, providenciou para que as anotações de minhas aulas e temas dos sermões fossem impressos na Sede Central. Incluí neles uma ampla variedade de seus ensinamentos, em que a Bíblia e o Bhagavad Gita eram parte integral. A sabedoria de nosso Guru iluminava cada assunto com seu descortino.

ideal para a meditação e o estudo espiritual. Tornou-se a primeira Igreja da SRF no norte da Califórnia. Foi intensamente gratificante cumprir o desejo do Mestre de ter aqui um local de culto permanente.

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MEDITAÇÃO

Os métodos científicos da Ioga ajudam o devoto a alcançar sua unidade com o Infinito.

Para que sua vida se torne compreensível, o homem precisa das verdades. Ele sente a necessidade de ver sentido no Plano de Deus para Seus filhos, e essa questão entra no âmbito de seus questionamentos. Os sermões procuram atender a essas necessidades, mas deveriam, acima de tudo, ensinar o devoto a ter contato pessoal com Deus na meditação.

Quando nos voltamos para o santuário do silêncio interior, a inquietude do corpo e da mente costumam impedir nossa entrada nesse templo de quietude. A atividade parece natural, enquanto a quietude é difícil de ser adquirida. O método de concentração ensinado por Paramhansa Yogananda ajuda a pessoa a alcançar o estado de relaxação que é essencial para a interiorização da consciência. A respiração, inter-relacionada com a mente, nunca é “presa”, porém torna-se quieta por meio desse exercício eficaz.

A mente tornada quieta é, então, dirigida para Deus, na técnica de meditação da SRF, por meio da manifestação da Vibração e da Luz. O Som Cósmico de Om (o Espírito Santo) pode ser ouvido pela prática. A Luz interior pode ser vista, ao abrir-se nossa visão dentro do “olho único”. Nos escritos sagrados, o “olho esférico” tem recebido muitos nomes, entre eles: “terceiro olho”, “caverna da sabedoria” e “túnel da Eternidade”. Dentro dele brilha a “estrela do Oriente”. A luz da estrela é a porta para o Espírito. Santos e sábios de todas as eras têm testemunhado a presença da Luz em suas experiências da Consciência Cósmica.

A iniciação em Kriya é concedida depois que a pessoa estudou as Lições Praecepta, que incluem as técnicas mencionadas. Essas técnicas básicas são pré-requisitos da Kriya e continuam a ser praticadas regularmente, depois que a Kriya é recebida. Esses métodos específicos de Ioga expandem nossa capacidade de ter a experiência cósmica em Deus.

No começo, a pessoa pode não ser devota nem religiosa, porém a aplicação de certas práticas iogues podem abrir o caminho para o conhecimento de Deus. O American College Dictionary define ioga como “a união da alma humana com o Espírito Universal”.

Disse Paramhansa Yogananda: “Como qualquer outra ciência, a Ioga é aplicável a pessoas de todos os climas e épocas. A Ioga é o método para restringir a turbulência natural dos pensamentos – esses, se não forem dominados, impedem todos os homens, imparcialmente, em todas as terras, de vislumbrarem sua verdadeira natureza, que é Espírito. Enquanto a mente do homem estiver cheia de pensamentos inquietos, haverá a necessidade universal pela Ioga.”

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CAPÍTULO 14

UMA PROFECIA DE SRI YUKTESWAR

U via meu Guru freqüentemente, embora vivendo agora a mais de 600 quilômetros de distância. Havia visitas no Natal e no verão. Além disso, o Mestre visitou o norte algumas vezes e foi de carro até nossa casa. Edward e eu também o visitamos em

seu apartamento no Palace Hotel, em San Francisco, quando ele estava lá. No final da primavera de 1950, recebi dele esta mensagem:

“Estou profundamente satisfeito em saber de você e estou orando. Deus e os Gurus estão com você. Venha em agosto, se puder. Terei uma conversa com você na ocasião. Meu amor e bênçãos para Edward e todos do Centro de San Francisco. Deus a abençoe.”

Seu feliz entusiasmo pela propriedade recentemente adquirida em Pacific Palisades está expresso nesta carta. Eu ainda não tinha visto aquele lago.

30 de julho de 1950

Querida Kamala,

Está planejando comparecer à Convenção – especialmente a inauguração do Santuário do Lago? Você ficará maravilhada ao ver esse lugar. É um paraíso! Por favor, escreva-me se estiver vindo.

As pessoas estão chegando por terra, mar e ar, de todas as partes do mundo. Essas ocasiões marcarão uma das grandes realizações da profecia de Lahiri Mahasaya para o meu trabalho: sua gigantesca expansão em 1950. É meu desejo que você possa estar aqui.

Com as mais profundas orações e bênçãos para você e Edward,

Paramhansa Yogananda A importante carta que chegou logo depois destacava o desejo especial do Mestre de

falar comigo.

8 de agosto de 1950

Querida Kamala,

Eu tinha acabado de escrever hoje para você quando recebi sua carta. Você precisa vir desta vez. Tenho algumas razões muito profundas para dizer isto, mas não posso contar agora. Este é o meu mais profundo pedido para você. Pelo menos, venha no dia 20, para a grande inauguração do Santuário do Lago. Estarei esperando ansioso vê-la aqui. Preciso falar com você.

Estou ocupado 14 horas por dia, editando 3.000 páginas do Bhagavad Gita.

Todas as bênçãos para vocês dois,

Paramhansa Yogananda

E

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O Santuário do Lago é um lugar de rara beleza, conforme escreveu o Mestre. Está localizado perto do Oceano Pacífico, na Sunset Boulevard. Na entrada, há um portão com motivos de lótus; dentro, um grande estacionamento e, daí, pode-se passear por alamedas rústicas até o lago que já foi vislumbrado desde a curva em forma de ferradura, na rodovia acima.

Cisnes brancos deslizam sobre o lago, em cujas águas há numerosos peixes.* À margem do lago, temos um autêntico moinho holandês, que abriga uma linda capela. Existe uma casa flutuante, estilo Mississipi, e próximo a ela, um museu, com interessantes objetos de arte.

Nos jardins, encontram-se estátuas de santos, nichos para meditação e contemplação, flores e árvores raras de todas as partes do globo: um verdadeiro porto para horticultores e todos os que amam a beleza e a serenidade em um ambiente de paz. Uma estátua de Cristo, em tamanho natural, ergue-se acima do lago, iluminada à noite por um holofote voltado para ela.

Estive presente na especial inauguração do Santuário do Lago. Esse dia propiciou a todos muitas horas na presença do Mestre. Paramhansaji consagrou o “Santuário a Gandhi pela Paz”, dentro do qual guardou uma porção das cinzas do Mahatma, que lhe foram enviadas da Índia. A porção remanescente das cinzas já tinha sido dispersada no Ganges. O ilustre vice-governador da Califórnia, Goodwin Knight, descortinou os grandes lótus dourados que descansam na elevada arcada diante do lago.

A flor de lótus é usada pela Self-Realization Fellowship em sua literatura e arquitetura. Na Índia, é um símbolo de grande significação espiritual. As pétalas que se abrem sugerem o desabrochar de cada alma.

O Mestre concluiu a consagração do Santuário do Lago com um sermão emocionante. Esse discurso e um relato dos eventos foram publicados na revista da SRF e, naquela tarde, foram feitas filmagens, que capturaram, com clareza surpreendente, a expressão e a forma luminosamente belas do Mestre.

Antes que a grande assistência se dispersasse, o Mestre atendeu a numerosos pedidos e autografou seus livros, enquanto muitos se adiantavam para saudá-lo e receber sua bênção. Quando me dirigi ao local em que ele se sentava, perto do lago, ele se referiu entusiasticamente à beleza do ambiente e acrescentou:

– Você estará na cerimônia de Kriya.

Assenti com a cabeça, fiz um pronam e afastei-me, pois embora já fosse tarde, algumas pessoas ainda queriam vê-lo.

A Iniciação em Kriya que o Mestre conduziu em Mt. Washington contou com a presença de centenas de estudantes e encerrou a memorável semana da Convenção. Lembro-me do lindo buquê de flores que levei como oferenda para a cerimônia. Várias daquelas flores tinham sido trazidas do Havaí por um membro, deleitando as Irmãs e a mim. Como eram belas!

* Nosso Guru às vezes tirava um peixe da água com as mãos, e depois o devolvia, após comentar como era mansinho e isento de medo.

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Quando me dirigi ao altar, a importância sagrada do momento trouxe a lembrança de uma cerimônia de Kriya anterior, que o Guru celebrou aqui. Quando fiquei diante do Mestre nesse dia, ele tocou-me a testa e orou em silêncio. Então, disse:

– Deus a abençoe. Estou dando minha bênção para os milhares que você iniciará em Kriya Yoga.

Voltei para meu lugar, caminhando nas nuvens, alheia a tudo que me circundava e ponderando profundamente suas palavras. Ainda não posso expressar adequadamente o tremendo senso de responsabilidade que elas me proporcionaram.

Após o serviço, o Mestre continuou na capela até meia-noite, recebendo todos os que o buscavam. Entre os estudantes, alguns queriam que ele lhes mostrasse a “Luz” no interior da testa, e ele atendeu ao pedido, impondo as mãos sobre eles, um de cada vez. Isto concluiu a memorável noite.

Permaneci em Mt. Washington por doze dias e, no último, passei muitas horas com meu Guru. Nessa ocasião, a atmosfera de seu quarto estava especialmente eletrizada – recarregada e vibrante. Era um silêncio “vivo”, com uma força espiritual dinâmica. Senti a presença dos santos, incluindo a pessoa querida do Mestre.

Por um momento, meu Guru permaneceu interiorizado. Depois, começou a falar. Enquanto falava, havia interrupções ocasionais, causadas por uma batida na porta. Ele respondia, tomava uma decisão ou resolvia uma dúvida. Atendia a todos os assuntos que lhe eram trazidos, porém estava vivendo mais no reino para além deste.

Nessas horas, ele me falou muitas coisas a respeito de sua própria vida; algumas delas provocaram risos durante a narração; muitas eram solenes e sagradas ao mais secreto de seu coração. Enquanto ele refletia nessas lembranças, tive um sentimento de intemporalidade. Então, chegou o momento que ele escolheu para transmitir-me esta importante notícia. Disse:

– Sri Yukteswar veio a mim para dizer que meu tempo agora é curto. Preciso terminar o que tenho para fazer. – E acrescentou, com brevidade:

– Ele não quer que eu fale sobre isto.

O Mestre não disse quanto tempo isso levaria. Permaneci por mais algumas horas em sua abençoada presença e, em seguida, tomei o trem para Oakland.

Uma vez sozinha, a aflição que fora amenizada na companhia de meu Guru agora me assaltou com plena força. Chorei com indizível tristeza a noite inteira, sem ser vista, no vagão ocupado por pouca gente. Todavia, nos dias que se seguiram, descobri que a presença querida e tranqüilizadora do Mestre em Mt. Washington diminuía a tristeza que senti por ter sido informada dessa grave notícia.

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CAPÍTULO 15

CORRESPONDÊNCIAS GUARDADAS COM CARINHO

OS primeiros anos, eu escutava o Mestre orar com mais freqüência ao “Pai Celestial”, contudo foi com muitos Nomes que seu coração invocava o Criador – Nomes diversos e belos, sugerindo nossas variadas relações com o Ser Infinito. Em

suas orações e poemas, ele também usava metáforas poéticas, expressas de maneira comovente. Às vezes, dirigia-se a Deus no aspecto feminino de “Mãe Divina”, com Sua ternura e Seu amor confortador, e referiu-se a Deus dessa maneira em algumas de suas cartas.

O Mestre ressaltava a importância do serviço. Falou disto em muitas cartas, como nesta, enviada para mim quando eu morava em Oakland.

6 de setembro de 1950

Querida Kamala,

Deus abençoe vocês dois. Meditem profundamente e com regularidade, fazendo tudo a seu alcance para realizarem este grande trabalho de Deus. Conservem a luz do amor Dele acesa no altar de seus corações, para que ela possa iluminar o caminho dos outros.

Vocês dois estão sempre comigo. Com todo o meu amor,

Paramhansa Yogananda

Paramhansaji nos fala de sua preocupação com seus escritos durante um período de reclusão. Sua carta expressa o amoroso encorajamento que sempre nos deu.

22 de setembro de 1950

Querida Kamala,

Estou muito feliz em saber de você e agradeço o envio do cheque referente aos direitos autorais de sua peça “Ozma of Oz”. Talvez um dia a Mãe Divina lhes conceda o privilégio de ver produzida uma de suas peças.* Foi muito atencioso de sua parte e de Edward enviarem-me o cheque. Vou usá-lo em alguma coisa em prol da Índia, que me lembrará de vocês dois.

Afastei-me de toda atividade externa e estou passando o máximo de tempo possível com meus escritos.

Agrada-me demais saber que você e Edward estão fazendo um trabalho tão maravilhoso aí. Por meio de sua boa disposição de espírito, esses ensinamentos alcançarão muitas almas sedentas de Deus. Estou com vocês no Espírito e assim continuarei.

Você e Edward me são muito queridos.

Todo o meu amor e bênçãos para os dois,

Paramhansa Yogananda * O Mestre se refere a duas peças infantis dos livros de L. Frank Baum, que dramatizei. Foram publicadas por Samuel French Inc. Os direitos autorais foram das produções anuais. Em 1962, em Los Angeles, suas palavras se realizaram quando assisti à encenação de uma das peças: “Ozma of Oz”.

N

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Edward e eu estivemos com o Mestre na época do Natal, e sua carta fala desta visita.

12 de janeiro de 1951

Querida Kamala,

Fiquei muito feliz em ver você e Edward durante sua recente visita. Obrigado pelos presentes e votos de Natal. Foi muito gentil da parte de vocês lembrarem-se de mim dessa maneira. Adorei receber a estatueta de meu Mestre e gostei da que você fez de mim.

Deus abençoe vocês dois. Meditem profundamente, amem-No cada vez mais e juntem mãos e corações na busca por Ele, dentro e fora de vocês, em toda parte.

Foi uma alegria ver vocês. Todo o meu amor e bênçãos para os dois,

Paramhansa Yogananda

As estatuetas que ele menciona foram fotografias recortadas e coladas sobre uma armação de madeira. A que está retratada neste livro mostra os dois sábios juntos, na Índia, nas túnicas ocres da ordem dos Swamis. O Mestre escreveu, dizendo: “Fiquei muito contente em receber de você e Edward a outra caixa das estatuetas. São muito bem feitas e gostei muito delas. A de Sri Yukteswarji é a preferida. Quero enviar algumas para a Índia.”

Muitos anos depois, a outra, dele mesmo sozinho, foi ampliada em tamanho natural para a Convenção de 1957. Esse querido retrato, feito a partir da fotografia mostrada na página 69, foi exibido em posteriores Convenções, juntamente com o seu harmônio e outros pertences.

Uma de minhas cartas ao Mestre mencionara a eficiente ajuda dos membros da Baía de San Francisco. Em sua carinhosa resposta, ele dá seu apoio a todos os que continuam firmes na busca pela realização divina.

21 de fevereiro de 1951

Querida Kamala,

É bom contar com colaboradores assim, que sejam sinceramente dedicados a Deus e aos Gurus e dispostos a servir para que os ensinamentos sejam disseminados em toda parte. Deus pode realizar milagres por meio de corações dispostos.

Busque a Mãe Divina de todo o coração. Seja qual for o tempo na vida em que a pessoa inicia o caminho espiritual, o que importa é continuar até o fim. Medite com devoção sempre crescente. Então você receberá a divina recompensa: a realização divina.

Sinto falta de vocês. Com todo o meu amor para os dois,

Paramhansa Yogananda

A grande compaixão do Mestre pelos povos dos países oprimidos pela guerra pode ser sentida nesta carta.

7 de março de 1951

Querida Kamala,

Apreciei especialmente a sua mensagem pessoal, cuja essência deposito aos pés da Mãe Divina.

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A Mãe Divina me deu muito trabalho a fazer a respeito da situação na Coréia. Muitas e muitas vezes, tenho sentido o enorme sofrimento que agora permeia aquela parte do mundo.

Confio em que vocês estejam bem e felizes. Ancorem-se em Deus, meditando profundamente, de manhã e à noite. Esse é o modo de estabelecer em suas vidas a felicidade permanente.

Com bênçãos incessantes,

Paramhansa Yogananda

Quando releio as cartas de meu Guru, penso mais uma vez no que me transmitiram através dos anos. Nelas vejo seus constantes lembretes de Deus. Vejo o encorajamento de meu Guru, suas bênçãos, sua amizade. Elas também diziam: venha a Mt. Washington, venha ao congresso religioso, venha à Convenção, venha à Meditação de Natal, venha conversar comigo.

É o eterno chamado do Guru ao discípulo. Paramhansaji me chamou – como tem chamado a todos – para realizar Deus, e ele acendeu “velas de sabedoria” ao longo de nosso caminho.

Paramhansaji diante da Igreja da SRF de San Diego.

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CAPÍTULO 16

A SEARA DO MESTRE: DEVOTOS DE DEUS

M telegrama, enviado em 25 de agosto de 1951, trouxe este convite do Mestre: “Venha de avião ou de trem para a Iniciação, sábado, às 7 horas da noite. Estou esperando você. Amor para os dois, Paramhansa.”

Compareci à Convenção e, depois que a semana de atividades programadas terminou, o Mestre enviou uma das Irmãs para perguntar-me por quanto tempo eu poderia ficar. Eu não viera esperando permanecer, mas respondi que poderia ficar por tanto tempo quanto o Mestre quisesse.* Ela disse que ele estava indo para Encinitas naquela noite e que eu devia acompanhá-lo.

Fomos de carro pela costa, e o líder de um Centro da SRF, em visita, ia ao lado do Mestre. No carro estavam duas Irmãs da Ordem da SRF. Foi uma viagem agradável e logo chegamos ao Eremitério, que está situado ao longo da rodovia costeira, de frente ao oceano. O lindo edifício é cercado por rica vegetação. Foi construído quando o Mestre estava na Índia e ele, posteriormente, consagrou-o como Colônia da SRF. Perto, dentro da propriedade, há uma cafeteria e um retiro, onde qualquer um pode vir e passar algum tempo. Nesse local de descanso, as tensões se esvaem, permitindo à mente tornar-se revigorada e sintonizada mais profundamente com Deus.

Nosso Guru ajudou os devotos a prepararem a semeadura espiritual com o arado a motor dos métodos científicos da Ioga. Dizia: “Os discípulos que cultivam com firmeza as sementes da meditação vão ver que elas se transformarão na grande árvore da Realização, e os outros virão em seguida para abrigarem-se na sombra de sua paz”. Os muitos discípulos, de todo o mundo, que seguem lealmente seus preceitos para conhecer Deus constituem a Rica Seara do Guru. Naquela ocasião, estavam em Encinitas vários dos discípulos mais adiantados de Paramhansaji.

O Dr. M. W. Lewis,† querido ministro e dirigente desse belo lugar, dava palestras regularmente tanto aqui quanto na Igreja de San Diego. Era discípulo de Paramhansaji desde 1920. Ele e sua família viviam em uma casa na propriedade do Eremitério.

Havia na ocasião diversos ministros da SRF visitando Encinitas. Alguns vieram de lugares distantes para assistir à recente Convenção em Los Angeles, dentre os quais o Sr. J. M. Cuarón, líder do Centro da Cidade do México. Esse devotado discípulo traduziu os livros e as lições do Mestre para o espanhol e ensinou esses preceitos no México e em muitos países da América do Sul.

O Mestre ofereceu almoços especiais para os ministros e, um dia, enquanto ainda estávamos reunidos à mesa, pediu-me que lhe trouxesse alguma coisa, descrevendo onde eu a encontraria. Quando voltei e lhe entreguei, ele abriu uma pequena caixa que continha uma preciosa e autêntica relíquia que pertencera a Babaji. Ele a mostrou, com reverência, a cada um.

* Tive o privilégio de permanecer por muitas semanas. † O Dr. Lewis tornou-se vice-presidente da Self-Realization Fellowship em 1952. O fascículo de maio de 1960 da revista da SRF traz um relato biográfico de sua vida, como discípulo e ministro religioso.

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Depois que muitos dos hóspedes foram embora, nosso Guru planejou um piquenique com Dr. e Sra. Lewis, e eu fui incluída. O dia marcado amanheceu frio e ventoso, mas isso não o deteve nem alterou seu entusiasmo, pois o Mestre adorava piqueniques. Ele escolheu uma área de frente ao oceano, localizada no caminho para San Diego. Armamos uma mesa, montamos cadeiras dobráveis ao lado do carro estacionado, e logo nossa refeição foi servida. Enquanto comíamos o alimento que Sra. Lewis preparara com tanto amor, tínhamos de segurar nossos pratos contra o vento, mas todos nós desfrutamos felizes da companhia do Mestre.

Rajasi Janakananda também estava em Encinitas. O Mestre dera esse nome a Sr. James J. Lynn, um discípulo que alcançara a suprema Realização. Ele passava tanto tempo em Encinitas quanto suas atividades empresariais o permitiam. Seu estado de consciência era evidente; ele irradiava espiritualidade a tal ponto que muitos buscavam sua bênção.* Alguém me disse:

– Não é possível descrever a alegria dele, mas podemos senti-la quando ele está perto e a vemos em seu rosto.

Paramhansaji uma vez escreveu a Rajasi que ele tinha sido “um iogue dos eremitérios do Himalaia do passado, que acenderá a lâmpada da Auto-realização em muitos corações tateantes”. Essa predição já se realizou.

Uma vez, ouvi Rajasi dizer:

– Eu sigo este caminho porque sou prático e este é um caminho prático, que traz resultados. Não é especulativo. Em nenhuma outra parte pude encontrar um meio de alcançar a realização espiritual que eu buscava. O amor e a alegria de Deus que sinto não têm fim.

Notei, através dos anos, que enquanto os outros falavam a respeito das verdades – ele meditava; enquanto os outros buscavam companhias – ele permanecia recluso.

Quando Rajasi vinha visitar o Mestre pela manhã, o Guru e o discípulo amado cumprimentavam-se em silêncio. Conversavam sobre diversos assuntos e, nos intervalos, havia silêncios plenos de paz, que eram compartilhados pelos de nós que estivéssemos presentes. Esses breves encontros deixaram comigo o retrato da grande harmonia que existia entre eles por mais de dezoito anos.

Irmã Gyanamata residia aqui, no Eremitério de Encinitas. O Mestre dizia que ela era a maior santa na SRF. Posso lembrar-me dos muitos deveres e detalhes a que ela atendia, muito tempo atrás, em Mt. Washington. Sempre prestativa, provou que a vida de um santo não está isenta de responsabilidades. Ninguém conseguia convencê-la a que se poupasse; optou por agir até o limite de sua capacidade, a serviço de Deus e do Guru. Em seu quarto, as palavras “GOD ALONE” [“Deus Apenas”] estavam colocadas na parede, para inspirá-la nos momentos em que lá estivesse. Também têm sido uma inspiração para os outros. Suas cartas a nosso Guru serão proveitosas a todos que as lerem e ponderarem sobre elas, pois a santidade era seu estilo de vida. Foram impressas em numerosos fascículos da revista da SRF e, algum dia, aparecerão em forma de livro.

* Rajasi tornou-se presidente da Self-Realization Fellowship em 1952. Sua biografia apareceu no fascículo de março de 1955 da revista da SRF, a ele dedicado e intitulado: “O norte-americano que se tornou um iogue iluminado”.

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Em uma das muitas vezes que a Irmã Gyanamata estava meditando e sentiu as vibrações da presença do Mestre trazendo-lhe intensa Alegria, ela lhe escreveu que essas bênçãos espirituais significavam mais do que as maravilhas das visões.

Quanta sabedoria! Muitos viram Cristo quando ele vivia na terra, mas não se tornaram discípulos – mas aqueles que sentiram esse Filho de Deus dentro de seus corações e de suas almas tornaram-se santos. A Irmã estava fazendo essa comparação com base na própria experiência, pois ela tivera muitas visões sagradas em suas meditações.

Quando vi o Mestre pela primeira vez, em 1925, escrevi a respeito de seu sorriso. Ela também menciona a beleza dos sorrisos dele em uma de suas cartas. Escreveu: “Meu sempre abençoado Mestre, soube que estão fazendo gravações de tua voz, cantando. Quisera que pudessem ser feitas gravações dos sorrisos que às vezes brilham em tua face, em resposta a alguma emoção secreta. O sorriso que me deste na última vez foi realmente uma bênção, tanto quanto o toque de tua mão sobre minha cabeça. Assim, Deus sorri para mim através de ti. Gyanamata.”

O nome dela significa “Mãe de Sabedoria”. Foi o próprio Mestre quem lhe deu, na ocasião em que ela fez os votos de renúncia e tornou-se Irmã. Todos os discípulos encontraram nela uma mãe verdadeiramente sábia. Nosso Guru deixou Mt. Washington sob os cuidados dela enquanto esteve na Índia.

A distância não era obstáculo para que as bênçãos dele a alcançassem. Quando ele estava no exterior, ela escreveu: “Tive a grande felicidade de sentir as arrebatadoras vibrações de tua presença. Tornaram-se mais intensas durante o dia e, em minha meditação, flutuei em um mar de paz e alegria.”

Em outra carta ao Mestre, ela disse a seu venerado Guru: “Toda vez eu me admiro da alegria e do bem-estar que vêm a mim quando tu me atrais para o Espírito”.

Eu estava fazendo uma curta visita a Irmã Gyanamata em seu quarto, no eremitério, antes de nosso regresso a Los Angeles. Quando me levantei para sair, ela perguntou se eu levaria um recado ao Mestre: que ele olhasse do carro para a janela dela, quando estivéssemos indo para Mt. Washington naquele dia. Perguntei se ela não queria que ele a visitasse antes de partir. Ela me garantiu que só queria isso. Quão poucos pediriam tão pouco! A Irmã sabia que seu Guru atenderia a qualquer desejo seu.

Meu recado fez com que o Mestre parasse o carro ainda na propriedade. Olhando para cima, vimos a face dela, consagrada a Deus, aguardando docemente. Ele a fitou por longo tempo, depois ergueu a mão em uma bênção de despedida, e partimos. Ela estava, naquela época aproximando-se do capítulo final de sua vida.

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CAPÍTULO 17

MONTAGEM DE TRABALHO, SABEDORIA E HUMOR

UANDO voltamos a Mt. Washington, nossos dias estavam repletos de muitos deveres, e Paramhansaji trabalhava quase em volta do relógio. As discípulas se revezavam para se manterem no ritmo das atividades. Sabíamos que nosso Guru

raramente dormia mais de duas ou três horas no dia. Mesmo assim, apenas supúnhamos que ele dormisse nessas horas em que estava sozinho. Quando discípulas voltavam para um lembrete, poucos minutos depois de terem deixado os aposentos dele, já o encontravam profundamente absorto em meditação.

Também pudemos observar que nas poucas vezes em que ele passava para o respirar uniforme e regular do sono profundo, permanecia continuamente consciente, e se nossa conversa em voz baixa trouxesse uma dúvida em que ele pudesse nos ajudar, seus olhos se abriam, sua respiração se alterava e ele respondia a qualquer coisa em que estivéssemos ponderando. O sono não lhe trazia a inconsciência!

Jamais houve qualquer formalidade nas idas e vindas das discípulas no cumprimento de suas obrigações ou para receberem instruções. Algumas vinham para tratar de assuntos administrativos; traziam cartas para o Mestre responder, enquanto tomavam notas. As sugestões dele eram requisitadas para os futuros fascículos da revista e a publicação dos livros. Buscava-se seu conselho para uma ampla variedade de assuntos. Uma vez uma discípula comentou comigo:

– Mesmo que determinado problema pareça necessitar de certo tipo de solução, se o Mestre nos orientar a tomarmos a direção oposta, sempre dará certo e, depois, podemos ver porque o outro jeito não funcionaria.

O Mestre sempre conversava conosco tarde da noite, sentado diante das janelas abertas. Uma vez, ao recordar sua vida na Índia, ele evocou, com uma risada, uma memória da infância e nos contou a seguinte história. Relacionava-se com as aulas de música que o impediam de brincar, pelo que ele não apreciava a visita regular do professor quando esse estava para chegar. Nesse dia específico, inteiramente sem intenção, ele pôs fim a essas vindas. O jovem Mukunda (nome de batismo de Paramhansaji) comentara com sua irmã:

– Quando ele chegar, terá tantas moedas no bolso. – Ele mencionou a soma exata de dinheiro. Incrédula, a irmã comentou alegremente com o professor, esperando provar ao irmão que a afirmação era produto de sua imaginação! O professor escutou e esvaziou o bolso, comprovando com exatidão o que o menino havia declarado. Em seguida, Mukunda enumerou em detalhes outros objetos, os quais também foram verificados. À medida que cada afirmação era comprovada, o pobre professor ia ficando cada vez mais pálido. De repente, ele atirou tudo no chão, saiu correndo da casa e nunca mais voltou!

Questionado pelo pai, o menino admitiu seu comportamento inusitado e, além disto, acrescentou que recitaria, palavra por palavra, qualquer página de um livro que fosse aberto em outra sala, enquanto ele permanecia de olhos vendados. A proposta foi aceita. Seu pai vendou-lhe os olhos, escolheu um livro e uma página ao acaso em uma sala adjacente, e o ouviu recitar, acuradamente, o conteúdo da página inteira. Seu pai percebeu que era surpreendente, mas quando o menino terminou, o sábio progenitor lhe disse para

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não repetir esses feitos, que eram muito assustadores para quem os testemunhasse. O céu noturno, através das altas copas das árvores, tinha cor de anil e os sons do verão

estavam presentes no ar. Nossas mentes, porém, estavam na Índia, para onde nos levara a história do Mestre, e uma discípula fez uma pergunta a respeito de determinado iogue que costumava caminhar debaixo d’água, no leito de um rio caudaloso. Paramhansaji respondeu a ela e, em seguida, me disse com muita simplicidade:

– Eu também posso fazer isso. Assenti com a cabeça. Evidentemente, quem pode controlar os batimentos cardíacos e

a respiração também pode permanecer debaixo d’água. O Mestre dizia: “Eu poderia caminhar sobre o fogo e lotar todos os auditórios com

curiosos, mas qual seria o benefício? Vejam as estrelas, as nuvens e o oceano; vejam a neblina sobre a relva. Que milagre se compara com esses? As pessoas precisam conhecer o amor de Deus.”

Nosso Guru sempre nos mostrou, pelo exemplo e pelo ensino, que a absorção em Deus é a razão de nossa existência e que nada menos nos pode satisfazer por muito tempo.

Já ouvi discípulos e visitantes falarem de terem sentido o poder de Paramhansaji. Ele possuía uma força dinâmica, que era evidente mesmo quando se sentava em silêncio, ocupado com algum trabalho. Vi essa força em seus olhos, algumas vezes, e ela me familiarizava com a realidade do poder e do domínio, cujo tipo a mente não pode compreender plenamente. Sempre governada pela gentileza, essa força podia ser sentida intuitivamente.

Uma discípula questionou Paramhansaji a respeito da presença de Deus na criação, manifestada em suas formas variadas, e seu padrão de mudança e evolução. O Mestre, instantaneamente, dedicou plena atenção à pergunta e explicou, com respostas detalhadas, profundas e específicas. Era quase sempre dessa maneira informal que os discípulos recebiam seus ensinamentos.

O Mestre comentou:

– As discípulas à minha volta não são pessoas submissas; todas têm vontade forte.

Algumas discípulas eram renunciantes há vinte anos ou mais; outras tinham vindo mais recentemente. Tinham uma serenidade em comum e vieram não com problemas ou desejo de conversar, mas para servirem à obra de Deus. Certo dia, uma Irmã deixou a sala após receber do Mestre algumas instruções administrativas. Ele me disse:

– Eu a estive treinando todos esses anos… Agora estou satisfeito.

Eu sabia que ele estava comentando sobre o papel que ela desempenharia no futuro trabalho da SRF, pois disciplina firme significa preparar discípulos para as responsabilidades que, mais tarde, lhes seriam atribuídas.* Seu comentário fez-me consciente de que estava se aproximando o tempo em que ele colocaria o trabalho em outras mãos.

Uma noite, Rajasi telefonou de Encinitas. O Mestre me disse para permanecer na sala. Acredito que ele queria que eu ouvisse suas palavras a esse amado discípulo. Ele disse a Rajasi:

* Uma das Irmãs tornou-se presidente da Self-Realization Fellowship em 1955.

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– Você me agradou em todos os sentidos; satisfez cada desejo que eu tinha por você. – Palavras para qualquer discípulo guardar na memória como um tesouro!

O Mestre estava intensamente interessado nos assuntos mundiais e, todas as noites, às dez horas, escutava as notícias do rádio. Sempre sintonizávamos o programa para ele nessa hora, estivéssemos no carro ou em Mt. Washington.

Uma jovem estudante freqüentemente usava seu talento para a mímica de maneira tão engraçada que provocava risadas instantâneas ao fazer uma imitação, e era difícil resistir ao sentimento de hilaridade diante de seus gestos. O Mestre lhe disse para ser mais séria. Ela obedeceu e, quando mudou seus modos, notei que sua dignidade e amabilidade aumentavam à medida que a seriedade substituía as palhaçadas.

O Mestre sempre sabia como guiar o discípulo para que trazer à tona o que havia de melhor e ajudá-lo a aperfeiçoar-se cada vez mais. Luther Burbank (famoso horticultor que praticava os ensinamentos do Mestre, inclusive a Kriya) demonstrou com as plantas que apenas combiná-las com uma nova vida tornava possível mudar hábitos “fixos”, inflexíveis, e tendências arraigadas. A planta então se fixa de uma nova maneira, jamais retornando à antiga. Essa é a comparação apropriada para a mão orientadora do Guru na vida do discípulo.

As sugestões e o conselho de um mestre podem, sem dúvida, ajudar os discípulos a evitarem muita infelicidade e diminuir as dificuldades da vida, se eles forem alertas e receptivos em atender à orientação salutar. Descobri, porém, que o conselho de nosso Guru jamais era imposto, jamais forçado, e freqüentemente oferecido de maneira muito sutil. Ele nem mesmo impunha um caminho mais sábio e melhor, porque dava liberdade de escolha e de vontade. Algumas vezes, permanecia calado, em contraste com sua atitude feliz e positiva quando tudo estava bem.

Um exemplo disso, em minha própria vida, referia-se ao tempo em que meu Guru deu-me uma bênção incomum, a qual, segundo ele, continuaria por toda a minha vida. Ao mesmo tempo, ele me proibiu que fizesse determinada coisa. Desde que era um tipo de atividade corriqueira que se aplicava a mim, pensei que ela às vezes pudesse ser necessária e perguntei se eu poderia fazer exceções. Ele desviou o olhar e, então, disse sim, mas estava relutante em dar seu consentimento. Eu deveria ter percebido que não era o melhor, porque ele era sempre muito feliz e entusiasmado diante de qualquer coisa que soubesse ser correta. Logo depois disso, fiz essa exceção, o que resultou em certa adversidade. Os benefícios que julguei necessários foram inteiramente perdidos! Finalmente, vi que ele tentava orientar-me, embora eu não tivesse percebido a plena importância de seu sábio conselho. Desde então, nunca mais fiz exceções. A bênção especial permaneceu comigo.

Às vezes, eu desejava guardar algumas orações que nosso Guru proferia durante a meditação noturna. Eu escrevia o que podia lembrar, depois lhe pedia ajuda. Todas as vezes, ele era sempre capaz de recordar suas palavras, o que me parecia extraordinário, porque suas orações eram espontâneas e variadas. Mas suas orações eram expressas com profundo sentimento, e seus pensamentos devocionais ficavam gravados em sua consciência.

Uma das muitas qualidades adoráveis de nosso Guru era sua apreciação do lado cômico da vida. Entrei na sala, um dia, e o encontrei lendo as tiras em quadrinhos de “Blondie e Dagwood” e “Pafúncio e Marocas”. Foi um prazer estar presente, porque

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aquelas explosões conjugais e perplexidades domésticas estavam provocando suas risadas, e logo até seus ombros se sacudiam com suas gargalhadas.

O Mestre sempre se divertia com o desfecho de uma história verdadeira a respeito de um homem e sua esposa, os quais ele conheceu muitos anos atrás. A mulher reclamava constantemente de tudo ao marido. Era embaraçoso para todos, mas tão comum, que o marido parecia não se importar. Paramhansaji aconselhou-a que mudasse seu hábito, que parecia muito destoante. Ela aceitou o bom conselho e conteve toda tendência de falar daquela maneira. Satisfeito com o resultado, o Mestre comentou com o marido a respeito da magnífica mudança da mulher. O marido admitiu que realmente ela havia mudado por completo e, agora, tudo estava mais tranqüilo para seus amigos. Então, muito timidamente, ele confessou:

– Mas, sabe, eu preferia como era antes! A risada forte e contagiante do Mestre juntou-se à nossa quando ele chegou a essa

inesperada conclusão de seu relato. Acredito que nosso Guru estava de pleno acordo com muitos homens a respeito de

alguns estilos de chapéus femininos. Lembro-me de um dia, há muito tempo, quando entrei no carro usando um novo chapéu. Era enfeitado, no topo, com algumas flores. Vi que ele estava tendo muita dificuldade de segurar o riso, e sua hilaridade aumentava sempre que acontecia de ele olhar para o chapéu. Naquela época, os chapéus não tinham poucos enfeites no topo. Esses cobriam a cabeça inteira! O Mestre parecia sempre gostar de meu senso de humor, mas lamentei muito ter escolhido um estilo muito avançado de chapéu, para apreciar plenamente isto – embora me divirta agora, quando me lembro! O que permanece em minha mente foi a referência que ele fez, uns 18 anos depois, quando estávamos viajando de carro de novo, e ele disse, com um brilho cintilante de humor nos olhos:

– Lembra-se daquele chapéu?

Certo Natal, o Mestre me presenteou com uma linda brochura do poema The Hound of Heaven [“O Perdigueiro Celestial”], de Francis Thompson. Em ocasiões passadas, eu o ouvira recitar trechos desse poema na tribuna de conferências. Agora, em sua sala, sentada a seu lado em silêncio, aludi a esse poema de que ele muito gostava. Sua face iluminou-se e, para meu deleite, como eu esperava, começou a recitar os versos imortais que retratam Deus sempre nos perseguindo, enquanto fugimos Dele. Sabedoria revestida de beleza poética! As sublimes palavras cadenciadas voltaram a comover-me, enquanto eu lhe escutava o entusiástico recital.

Eu estava presente quando Paramhansaji deu a seguinte sugestão a uma devota a respeito de sua filhinha. Ele disse:

– Ela tem uma vontade muito forte e não vai aceitar uma rédea muito curta, por isto, em seu trato com ela, não a prenda muito firmemente e procure orientá-la sem que ela sinta o aperto das rédeas. Dê-lhe espaço para movimentar-se. Eu vejo a vida dela claramente diante de mim.

Algumas Irmãs da SRF assumiram sua vocação enquanto eram ainda muito jovens. Essa atração prematura e firme por esta forma de serviço espiritual poderia ser indício de algum treinamento no passado – talvez, em vida anterior num ambiente semelhante. O Mestre confirmou isto em um exemplo, quando disse que uma das jovens discípulas tinha

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sido madre superiora de um convento na encarnação anterior. Não obstante, raramente o Mestre revelava essas coisas.

Um mestre jamais revelará algo sem a inspiração interna de Deus. Nessas ocasiões, ele às vezes comentava: “Deus permitiu que eu lhe dissesse isto”. Ou ele poderia explicar gentilmente: “Deus não vai me deixar falar”.

Muitos anos atrás, o Mestre me disse que me reconheceu de imediato, desde o passado, quando nos vimos pela primeira vez. Posteriormente, mencionou uma associação passada, revelando com brevidade o papel dele e o meu, porém nunca mais voltou a referir-se a isso. Seu comentário me trouxe à mente de que modo o Guru continua a estar com seus discípulos, vida após vida.

Minhas primeiras tendências e impressões sugeriram certas cenas, como a minha surpresa ocasional na infância, quando, ao olhar-me no espelho, eu esperava ver meu rosto refletido, mas de outra nacionalidade. Eu também era vegetariana desde o nascimento. Embora a carne fosse servida diariamente em nossa mesa, ninguém conseguia obrigar-me a comê-la. Por causa destas e de outras reações, eu me perguntava, de vez em quando, onde eu vivera em encarnação recente. Perguntei ao Mestre, e estou surpresa por tê-lo feito, sabendo que o Guru só lhe dirá quando quiser que você saiba. Percebi que ele relutava em falar e desviou o olhar, porém, amavelmente, deu o nome de um país como resposta geral. Isto confirmou muito do que eu já sentia e indaguei por um local específico. Com relutância ainda maior, ele respondeu com um nome que me emocionou: Brindaban – local de peregrinação e cidade natal do grande Avatar, Krishna. A brevidade do Mestre, porém, proibiu outras perguntas. Percebi, ainda mais profundamente, que ele desejava que minha atenção se focalizasse na imutável identidade da alma com o Espírito. Ele sempre enfatizava nossa origem em Deus, em vez de nossas encarnações terrenas, na medida em que nossa herança espiritual será encontrada por meio da lembrança do Eterno Eu imutável.

Certa manhã, nosso Guru falou em voltar à Índia. Eu estava inteiramente despreparada para minha súbita efusão de lágrimas quando ele mencionou isto. Pois eu soube, instantaneamente, que se ele fosse nesta viagem, eu não mais o veria. Entretanto, não estava destinado que ele retornasse ao solo santificado por seu Guru e Paramgurus.

No início da vida do Mestre, ele teve a premonição de dois caminhos e o privilégio de decidir qual deles tomaria. Ele nos contou que lhe foi dada a opção entre uma vida de meditação às margens do rio Ganges, sem qualquer sofrimento, ou vir para a América e dar orientação espiritual a incontáveis milhares, tendo contudo de sofrer fisicamente no final da vida. Sua decisão foi para nosso benefício e para os muitos que, no futuro, encontrarão seu caminho para Deus por meio de seus ensinamentos.

Um dia, o Mestre olhou para mim e perguntou: – Você tem todas as minhas cartas? Esta foi sua primeira e única referência às cartas que me escrevera ao longo dos anos.

Seu olhar era firme, esperando minha resposta. A pergunta não fora feita casualmente, mas com ênfase, e respondi:

– Sim, guardo tudo que o senhor me deu. Seu aceno de aprovação demonstrou que estava satisfeito. Foi quando me lembrei de

sua pergunta, muito tempo depois, que percebi que fora formulada prevendo que eu escreveria este livro.

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CAPÍTULO 18

HORAS PRIVILEGIADAS COM MEU GURU

QUELES dias de outono na Fellowship continuavam muito atarefados. Admirei-me do poder miraculoso que o Mestre tinha para lidar com todos os detalhes, grandes e pequenos, durante o dia. O bem-estar dos renunciantes e dos demais membros

era a sua preocupação, e visitantes de todo o mundo vinham vê-lo. Ele estava ocupado diariamente, desde cedo, com horas de trabalho já completadas quando eu entrava em seus aposentos. Eu me sentava, enquanto ele terminava a tarefa em que se concentrava. Logo ele erguia os olhos para cumprimentar-me com um “bom dia”. Eu fazia um pronam – saudação à maneira hindu, tocando a própria testa com as mãos postas: externamente, séria; o coração, sereno.

Uma atmosfera de tranqüilidade permeava suas relações com todos. Sua doce cortesia infalível, sua consideração e sossego interior tornavam o dia propício a pensamentos de Deus em meio às atividades.

Pode parecer que a pessoa teria muitas perguntas a fazer ao Mestre se tivesse o privilégio de estar com ele. Descobri, porém, que quando estava com meu Guru, era erguida a uma atmosfera de paz, e os outros assuntos eram resolvidos ou esquecidos. Isto aconteceu em meu primeiro encontro com ele, e sempre que estive em sua presença.

Senti-me abençoada ao saber que o Mestre me queria consigo; que ele mesmo me mandara chamar. Sempre houve um desejo inexpresso de estar com meu Guru, o que me deu a felicidade especial de poder servi-lo. Estar com ele era um privilégio, que sempre trouxe um sentimento íntimo de contentamento divino.

Há muito tempo, a Índia reconheceu as bênçãos espirituais que se recebem no ambiente do Guru. Uma vez, o Mestre humildemente transmitiu este pensamento, depois que eu havia completado um pequeno serviço para ele. Suavemente, ele disse:

– Talvez você receba algum benefício também.

Havia serviços que eu era capaz de fazer, mas eu sabia que o Mestre chamava seus discípulos para estarem perto dele, não pelo que pudéssemos fazer para ele, mas pelo que ele faria por nós.

Interligada com a grande tranqüilidade do Mestre, estava uma firme vitalidade que não dependia do sono. Jamais o vi em algum dos tipos de apatia que acometem quase todos. Em todas aquelas semanas, como em anos anteriores, ele nunca pareceu cansado, mesmo depois de dias cheios, de 12 a 19 horas, com os numerosos assuntos que chegam ao líder de uma enorme organização e o aconselhamento espiritual buscado por meio de cartas e entrevistas pessoais. Observei que essa fragilidade muito humana não o afetava. Ele tinha tremendas reservas de energia e poder, que só podem ser descritas como “vindas de Deus”.

Ele uma vez tocou a própria testa e me disse:

– Quando ponho minha mente aqui, não sinto o corpo.

Em um instante, ele podia absorver-se no Infinito, excluindo tudo o mais. Estava, assim, além da necessidade das técnicas, contudo, como exemplo e ajuda para todos nós,

A

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meditava conosco e nunca deixava de fazer os exercícios de energização pela manhã e à noite. Tarde da noite, ele se dirigia à varanda, próxima a seu apartamento, para praticá-los. Eu sempre o acompanhava.

O Mestre geralmente escrevia ou ditava durante horas, depois da meia-noite; freqüentemente, as muitas cartas e ocasionais telegramas para a Índia foram escritos nessas horas, livre de interrupções. Sempre que possível, ele voltava a atenção para os livros que planejava completar, aprofundando-os em toda oportunidade que tivesse. Geralmente os escrevia à mão. Depois, eram datilografados pelas secretárias. Às vezes, fazia pequenas inserções no escrito original ou na cópia datilografada.

Antes que nós (discípulas) nos retirássemos para nossos quartos, à noite, meditávamos com ele, e ele sempre nos orientava a praticarmos Kriya antes que terminássemos. Permanecíamos serenamente absortas por algum tempo, depois ele dizia: “Deus as abençoe”, e: “Bem, boa noite”, ou: “Podem ir agora”. Essas palavras eram ditas com uma espécie de amabilidade que sempre transmitia o sentimento de que ele também lamentava conosco que o dia terminara e chegara a hora da despedida. Contudo, a pessoa nunca se sentia dispensada – apenas muito sonolenta às vezes, e feliz de que logo estaria com o Mestre pela manhã.

Paramhansaji gostava de sair para dar um passeio ao entardecer, antes que seus escritos recomeçassem a ocupá-lo. Às vezes, jantávamos em um drive-in, onde éramos servidos em bandejas, dentro do carro. Em uma ocasião, subimos de automóvel, ao longo da costa, até Oxnard, e todos, com nosso Guru, entramos em um restaurante, onde desfrutamos uma refeição da cozinha chinesa.

No final de uma tarde, entrando nos subúrbios de Pasadena, ele viu uma casa com uma varanda no segundo andar, situada entre arbustos e árvores altas e frondosas. Ele disse, com entusiasmo:

– Olhem! De todas as casas por que passamos, esta é a mais parecida com uma casa da Índia.

Paramos o carro por um instante, enquanto observávamos a casa que lhe trouxera uma imagem de sua amada terra natal, e sem dúvida ele voou para lá, em pensamento saudoso.

Uma conversa com o Mestre, que começou do modo mais casual quando estávamos em um de nossos passeios vespertinos, tornou-se a previsão de um acontecimento que se realizaria pouco tempo depois. Ele estava falando da meditação natalina que se aproximava. Cismando, eu disse que esperava que nosso carro pudesse nos trazer. (No ano anterior, havia-se quebrado uma mola de suspensão, enquanto estávamos a caminho, e perdemos a celebração do dia 23, embora estivéssemos presentes no dia do Natal.) Pensativo, ele acenou com a cabeça e disse:

– Vocês precisam de outro carro. Que tipo seria?

Sua pergunta era retórica, e ele ficou calado por alguns instantes; então, disse-me:

– Deviam ter um Chrysler.

Enquanto eu respondia, concordando em que deveríamos pensar em comprar outro carro, não compreendi o significado de sua observação. Ele não falou mais sobre o assunto. Seu estilo não era ostentar uma premonição; ele a apresentava de maneira

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simples, como uma sugestão. Quão humilde ele era! Possuindo tanta sabedoria, sem fazer qualquer alarde.

Quatro meses depois, em Oakland, veio a conclusão deste relato, quando Edward atendeu ao telefone, em 16 de janeiro. Um de seus irmãos telefonava para perguntar se ele gostaria de ficar com seu carro, pois acabara de surpreender a família com um novo. Edward disse:

– Sim, gostaria demais, pois já não podemos depender do nosso.

Falou em fazer um acordo de pagamento, mas seu irmão respondeu que seria um dólar pela transferência e que não protestasse, pois se insistisse em pagar mais, ele o daria a outra pessoa! Assim, o carro – muito bom – veio como um presente. Sim, era um Chrysler!

Nas ocasiões que saíamos mais cedo para aproveitarmos a claridade do dia, o Mestre levava a comida. Era trazida em um recipiente de plástico dividido em muitos compartimentos, onde colocávamos vários tipos de frutas e nozes, e uma grande garrafa térmica cheia de suco de fruta. Limonada gelada era a favorita. O Mestre dava uma bênção individual sempre que colocava uma porção no prato de cada um e o encaminhava a determinado discípulo ou convidado. O prato não podia ser passado para outra pessoa. Esse tipo especial de bênção sempre acompanhava qualquer coisa que ele desse: uma flor, uma fruta ou algum presente.

O Mestre, uma vez, em uma palestra, falou das qualidades espirituais presentes nos alimentos. Disse que o corpo existe para manifestar a alma, e que todo alimento tem qualidades intrínsecas. Nós nos beneficiamos dessas diferentes vibrações magnéticas. Por exemplo: as cerejas têm a vibração da alegria. As bananas, um alimento muito espiritual, conferem tranqüilidade e humildade. Entusiasmo e energia renovada são derivadas dos ovos e do leite. As laranjas e os limões expulsam a melancolia e são estimulantes cerebrais. As amêndoas e o mel refletem, tanto um quanto o outro, o autocontrole. As amoras auxiliam a clareza de pensamento. O morango está sintonizado com a dignidade, e as uvas têm vibrações especiais de Amor Divino.*

O Mestre era criativo em inventar receitas inusitadamente deliciosas. Uma delas combina suco de abacaxi e salsa fresca – uma bebida batida no liquidificador e servida bem gelada. Tem a cor verde, é refrescante como hortelã e saudável.

Croquetes de Calcutá são outro exemplo da engenhosa arte culinária de Paramhansaji. Ele encontrava todos nós dispostos a provar e experimentar os diversos ensaios de sua nova receita, que se tornou popular na Cafeteria da SRF, em Hollywood. Outro favorito no cardápio era o “mushroomburger” [hambúrguer de cogumelo]. O restaurante oferecia uma ampla variedade de pratos do leste da Índia, todos eles vegetarianos. Caiu nas graças de muitas pessoas no bairro e de membros da SRF, de áreas próximas e distantes, e estava sempre muito ocupado. Outro restaurante da SRF, localizado no Eremitério de Encinitas, preparava os mesmos pratos especiais. As renunciantes serviam, vestidas com lindos saris indianos. Alguns irmãos da Ordem também se ocupavam com tarefas relacionadas ao

* Esta é uma lista parcial de minhas anotações, feitas em 1925. Nunca mais o ouvi repetir essa palestra, nem vi essa lista impressa. Os outros alimentos que ele mencionou aparecem na segunda edição de meu livro “Priceless Precepts”.

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restaurante. Anexo ao restaurante, há um salão de conferências, e muitas atividades da igreja e aulas das convenções foram realizadas ali.

Quando o Mestre visitava a Cafeteria da SRF, os discípulos ficavam extremamente alegres pela visita inesperada do Guru, e saíam para agrupar-se em volta das portas e das janelas abertas do carro. Nós, que o acompanhávamos no passeio, saíamos do carro para dar espaço aos outros, enquanto ele lhes falava. O Mestre gostava de estar ao ar-livre, naquelas lindas tardes de verão.

Quando o trabalho permitia, Edward vinha para o sul. Ele também estava estudando para obter um diploma acadêmico. Em uma ocasião, quando lá se encontrava, nosso Guru o convidou para um desses passeios vespertinos. Paramos em um restaurante ao longo do caminho, onde todos jantamos. Naquelas horas, Edward sentiu a bênção e o privilégio de estar com ele.

Em um dos passeios ao longo da costa, o Mestre me falou a respeito do valor das Colônias da SRF. Referiu-se à formação de comunidades dentro de uma cidade ou na área rural, em um estilo de vida semelhante ao de um eremitério, para membros que não desejam tornar-se renunciantes ou não podem fazê-lo devido a certas obrigações. Tal vida permitiria a cada um associar-se diariamente com aqueles que compartilhassem do mesmo objetivo espiritual. Ele descreveu tais Colônias como sendo compostas de casais e suas famílias, e também de pessoas solteiras que têm vontade de servir e viver em harmonia uns com os outros. A idéia, na visão do Mestre, era que todos pudessem trabalhar juntos, em uma comunidade auto-suficiente, em que cada um fosse dedicado a Deus.

Uma noite, um passeio de carro ao Santuário do Lago da SRF permitiu que nosso Guru conversasse com o ministro encarregado. Os que estávamos com ele fomos à linda capela à beira do lago, até que ele estivesse pronto para partir. Quando voltamos a Mt. Washington, houve uma instantânea aglomeração de discípulos homens, que estavam de sobreaviso para a chegada dele. Isto sempre acontecia quando ele voltava, não importa a hora. Nós saíamos, enquanto ele ficava conversando com eles. Aquelas horas em sua companhia eram ansiosamente esperadas, e realmente valorizadas, por cada um.

Ele orientava os devotos para que a formalidade e o ritual externos jamais tomassem o lugar da realização interior. O Mestre disse: “Não é o que vocês vestem que importa, mas o que são interiormente. Façam de seu coração um eremitério, e seja a sua túnica o amor de Deus.” Também disse: “Gostaria de sentir que a luz da devoção por Deus que acendi em seus corações seja eterna”.

Essas palavras e outras conversas com o Mestre, guardadas na memória, foram anotadas por alguns discípulos, tanto homens quanto mulheres, e esse precioso material tornou-se o livro intitulado The Master Said [“O Mestre Disse”]. Nesse volume, Paramhansaji parece estar aqui, falando mais uma vez, diretamente conosco. O que ele nos diria? Qual seria sua resposta a uma pergunta que gostaríamos de fazer hoje? Freqüentemente, sua resposta está diante de nós nesse livro. Sua sabedoria toca os numerosos aspectos das experiências humanas e como encará-las, e de nossos problemas e como enfrentá-los. O leitor pode sentir que está na companhia desse Mestre iluminado, recebendo seu sábio conselho. Um discípulo encontrará seu Guru especialmente próximo, por intermédio desses dizeres que iluminam a estrada para o Infinito.

Uma tarde de domingo, duas Irmãs renunciantes e eu acompanhamos o Mestre em um passeio até Manhattan Beach. Quando nos aproximamos do oceano, por uma estrada

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margeada por altos eucaliptos, ele pediu que o carro parasse. Ainda restava claridade suficiente para vermos a ampla expansão de água. O Mestre ficou silencioso por um instante, e quando afinal falou, seu estado de espírito era reminiscente. Relembrou nossa vida de discipulado e comentou o fato de que estávamos com ele “no começo e, agora, no fim”. Suas palavras, ditas de maneira tão simples e sem ênfase, lembraram-me, dolorosamente, que pouco tempo restava para ele partir. No Espírito, não há princípio nem fim, mas a vida terrena começa e termina.

Banquete de Natal, dezembro de 1951 (de frente, da esquerda para a direita: Sra. Lewis, Rajasi, o Mestre, Dr. Lewis, uma convidada, Kamala e Edward Silva; de pé, atrás do Dr. Lewis: Yogacharya Oliver Black; sentadas em frente ao Doutor: Mira Mata e sua filha, Mrinalini Mata, atual vice-presidente da Self-Realization Fellowship). Muitos outros discípulos estavam presentes para compartilhar a bênção dessa ocasião inesquecível.

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CAPÍTULO 19

MEU GURU ENTRA NO GRANDE SAMADHI

UANDO retornei a Oakland, recebi diversas cartas de meu Guru. Ele escreveu: “Tenho certeza de que as reuniões do Centro estão progredindo em todos os sentidos”. Eu havia feito uma descrição resumida de nossos serviços regulares e da

meditação especial preparatória de Natal, que tínhamos planejado. Em janeiro, eu conduziria uma Iniciação em Kriya e, em fevereiro e março, uma série de aulas a respeito das técnicas básicas de meditação.

O Mestre continuava com seus escritos. Ele amava a beleza do deserto e, às vezes, escrevia no bangalô da SRF, sombreado por árvores, em Twenty-Nine Palms. Ele se refere a esse lugar em sua carta seguinte. Também fala de finanças. Isto tinha a ver com a compra de uma igreja que ele desejava para a área da Baía de San Francisco. Ele me disse: “Precisamos ter lá uma colméia para o mel de Deus”.

A seu pedido, procuramos uma igreja, mas ainda não havíamos encontrado uma que fosse adequada. O “Fundo Para Construção da Igreja”, criado para tal propósito, é mencionado no capítulo 13. Era seu desejo ter um local de culto permanente aqui, e nos falou de seus planos para ajudar a financiá-lo.

13 de novembro de 1951

Querida Kamala,

Recebi sua carta de 19 de outubro e lembrei-me de você e do grupo na noite do dia 23. Teria respondido antes, mas estive ausente, desfrutando o ar do deserto por algum tempo. Espero retornar para lá ainda nesta semana. Estou ocupado como sempre, com o telefone tocando o tempo todo.

Meu coração está leve, pois estou trabalhando de novo com meus livros. Estive acordado até as primeiras horas desta manhã, escrevendo. Estou trabalhando no “Gênesis”, e encontro-me extremamente ocupado. Será um grande alívio completar mais alguns livros e espero dedicar-me a isto enquanto estiver no deserto.

Escreva, por favor, a respeito de seus planos para disseminar o trabalho. Como vão as coisas? Estou levantando recursos para você. (Trata-se de sua ajuda para a compra de uma igreja, quando a localizássemos.)

Procure vir no Natal. Poderá vir? No dia 23 será a meditação, no dia 25, às 2 da tarde, o banquete. Vocês dois estão convidados.

Sempre com amor para vocês dois,

Paramhansa Yogananda

Os pensamentos de Paramhansaji a respeito de nosso Centro e sua resposta a um pedido de oração estão em sua carta que se segue:

Q

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15 de dezembro de 1951

Querida Kamala,

Estou muito feliz em ter notícias suas e saber, de maneira breve, do progresso do trabalho aí. Fiquei satisfeito ao ler as boas novas a respeito da casa que foi oferecida para as reuniões em Berkeley, as quais começarão no Ano Novo.

Foi interessante notar que você conduzirá um Serviço Devocional de Natal à Luz de Velas, no Centro de San Francisco, amanhã à noite, e meus pensamentos estarão com vocês.

Recebi sua carta a respeito da Sra. ––, e comecei imediatamente a orar por ela. Por favor, mantenha-me informado sobre sua condição e diga-lhe para manter a fé inabalável e rezar, profunda e freqüentemente: “Pai, estou protegida no castelo de Tua Onipresença”.

Estou contente que você e Edward virão para o Natal. Nessa ocasião, espero poder falar mais com você, pessoalmente, em detalhes. Quero saber quando virão e por quanto tempo poderão ficar.

Até lá, todo o meu amor para vocês dois,

Paramhansa Yogananda

Estivemos em Mt. Washington durante a época do Natal. A meditação de um dia inteiro na véspera do Natal foi passada em oração, canto e adoração interior, com os corações sintonizados com Cristo. Paramhansaji meditou conosco. Falou de Jesus e sua Unidade com o Pai, de sua Presença viva e de como o Cristo pode nascer de novo no interior de nossa consciência. Esse serviço especial de Natal, que realça a santa festividade, é realizado nas igrejas e centros da SRF em todo o mundo, e é espiritualmente edificante para todos os que dele participam. Durante minha vida, tenho participado dessas meditações em Mt. Washington tantas vezes quanto possível.

No dia do Natal, o Mestre nos mandou chamar até seus aposentos, onde Edward e eu tivemos uma conversa com ele e recebemos seus atenciosos presentes. Quando estávamos sentados à mesa do banquete, fiz anotações de um discurso que ele fez, a fim de levar sua mensagem para nossos membros, no norte da Califórnia, e voltei a refletir no nosso privilégio de estarmos na companhia de alguém cuja vida exemplificava os preceitos de Cristo.

O Mestre pediu-me que viesse vê-lo no dia seguinte. Nesta ocasião, Edward permaneceu com os monges. Conhecia muitos deles e sempre passava tempo com os Irmãos renunciantes, quando vinha a Mt. Washington.

Enquanto estive com o Mestre, meditamos juntos por alguns instantes; depois, conversamos sobre muitas coisas, especialmente com relação às atividades da SRF. O tempo passou muito depressa. Quando chegou a hora da despedida, o Mestre mandou buscar Edward e, então, deu a cada um de nós uma bênção. Com relutância, nós nos separamos, com pronams de respeito e devoção.

Eu não voltaria a ver meu Guru! Mas não sabia disto quando recebi sua bênção de despedida. Como eu teria ficado deprimida e abalada se soubesse! Apesar de todas as suas palavras de preparação, um véu parecia ocultar a minha compreensão.

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De volta a Oakland, senti um enorme desejo de conversar com o Mestre. Apesar de haver estado tão recentemente com ele, minha mente, de modo estranho, ficava insistindo. Era como se meu sentimento de urgência fosse um impulso intuitivo, pois embora eu não o soubesse na época, esta foi a última vez que escutei a voz dele enquanto estava em sua forma terrena. Fiz uma chamada telefônica nas primeiras horas do dia 5 de janeiro. Era seu aniversário. Enquanto conversávamos, perguntou-me se eu poderia voltar para passar alguns dias. Mencionei a Iniciação em Kriya em janeiro e a série de aulas que viriam depois, no Centro de Berkeley. Esses planos já programados impediram-me de perceber seu desejo expresso. Vim mais tarde a compreender, quando meu Guru não estava mais aqui, que eu deixara escapar a última oportunidade preciosa de estar com ele. A conseqüência disto foi um grande remorso. Meu descuido assaltou-me com força inesperada. Foi como ver em foco o que não tinha sido previamente registrado. Tais lições, ensinadas por meio da dor do arrependimento, são bem aprendidas!

Paramhansaji foi convidado pelo cônsul-geral, em San Francisco, para comparecer à celebração do Dia da Independência da Índia, a ser realizada nessa cidade. O Mestre nos escreveu e pediu-nos que o representássemos na ocasião.

17 de janeiro de 1952

Queridos Kamala e Edward,

Fiquei muito feliz de ver vocês dois na época do Natal. Mas senti sua falta na festa de aniversário, no dia 5.

Por favor, escrevam-me freqüentemente com detalhes a respeito do trabalho de seu Centro, mesmo que eu não seja capaz de escrever-lhes regularmente, por falta de tempo. Espero que tudo que tenham planejado seja bem-sucedido. Envio meus amorosos pensamentos a vocês dois, o tempo todo.

Recebi uma carta do cônsul-geral pedindo-me para comparecer à celebração do Dia da Independência da Índia, em San Francisco. Estou ocupado, preparando o livro para publicação, por isto não poderei comparecer. Escrevi hoje ao Sr. Ahuja, informando-lhe que, por não poder comparecer pessoalmente à cerimônia, estou enviando meus substitutos, você e Edward, para representar-me. Por gentileza, transmitam ao cônsul e sua esposa meu amor e cumprimentos.

O cartão anexo lhes dará os detalhes da cerimônia de comemoração.

Com meu amor e bênçãos incessantes para você e Edward,

Paramhansa Yogananda

Assistimos à recepção que foi dada na ocasião pelo Sr. e Sra. Ahuja na casa deles, em San Francisco. O cônsul-geral e o embaixador da Índia planejavam visitar o Mestre em breve. Meu Guru escreve sobre isto em sua última carta para mim.

20 de fevereiro de 1952

Querida Kamala,

Fiquei feliz em receber sua carta de 26 de janeiro, contando-me da recepção pela Independência da Índia.

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Tenho estado soterrado de trabalho com o livro e incapaz de cuidar das cartas que têm chegado. O livro está progredindo muito bem e espero que não demore muito a estar pronto para ser publicado. Estou trabalhando dia e noite para este fim.

O embaixador indiano aos E.U.A. está chegando a Los Angeles para um visita, em março. Estou planejando participar da recepção no Biltmore para ele. Ele vem visitar-me em Mt. Washington e, também, visitará a Cafeteria da SRF e o Santuário do Lago, com o Sr. Ahuja.

Tenho estado tão ocupado escrevendo sobre o “Gênesis” e com a correspondência internacional, que me sinto acorrentado. Mas estou felicíssimo – como sempre – por ter notícias suas. Por favor, escreva com detalhes o que posso fazer. Escreva-me, não importa quão ocupado eu esteja.

Com todo o meu amor e bênçãos

para você e Edward,

Paramhansa Yogananda

Os convidados que Paramhansaji aguardava visitaram-no em Mt. Washington, no mês de março. Foram à Cafeteria da SRF e ao Santuário do Lago. Cada plano que o Mestre mencionou em sua carta se cumpriu, inclusive a recepção no Hotel Biltmore, em 7 de março, em honra do embaixador da Índia.

Era o mesmo hotel em que o Mestre ficou hospedado quando veio pela primeira vez a Los Angeles, em 1925. Vinte e sete anos depois, em 1952, o Mestre voltava ao Hotel Biltmore, mas, desta vez, seria o cenário de seu Mahasamadhi.*

Naquela noite, Paramhansa Yogananda fez um discurso aos convidados do banquete. Momentos antes de ser chamado para falar, ele se voltou para a pessoa sentada a seu lado e disse:

– Lembre-se sempre: a vida tem suas lindas rosas e, também, seus espinhos; e precisamos aceitar tanto um quanto o outro.

Em seu discurso, falou da necessidade que o mundo tem de Deus. Descreveu a combinação ideal: a atividade do Ocidente e as qualidades meditativas do Oriente. Concluindo, recitou versos de seu poema “Minha Índia”. No momento em que pronunciava as últimas palavras do poema, desprendeu-se de sua forma terrena.

Meu Guru, meu amigo mais querido nesta vida, se foi. Fiquei atordoada com o abalo inevitável da notícia. Ele havia escapado para o imenso Infinito, mas eu só sentia um vazio. Coube-me o triste dever de informar à classe em Berkeley, onde eu transmitia seus ensinamentos. Contei do desenlace do Mestre, mal conseguindo concluir antes que lágrimas de aflição tomassem conta de mim, uma aflição que, silenciosamente, encheu os corações de todos.

Em 17 de março, em San Francisco, realizei um serviço especial em sua memória. Uma enorme reunião de pessoas, provenientes de todas as partes do norte da Califórnia, veio oferecer-lhe homenagens.

* Maha = grande; samadhi = êxtase; a última vez que uma alma realizada sai do corpo. Naquela hora, Deus atendeu ao desejo que o Mestre havia expressado: o de morrer “falando de Deus e da Índia”.

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A série de interpretações do Mestre às palavras de Cristo na Bíblia estava sendo publicada em cada fascículo da revista da SRF. Lembro-me da surpresa que tive, quando vi que o artigo que ele escreveu para o fascículo de março de 1952 intitulava-se A Experiência Final. O texto que ele selecionou fora extraído de Lucas 23:46: “Pai, em Tuas mãos, entrego o meu espírito. E tendo dito isto, expirou.”

Uma estudante me contou que o Mestre lhe dissera que ele permaneceria no mundo até terminar seus livros. Quando uma carta recente dele lhe informava que ele havia completado seus livros, ela não entendeu o significado de suas palavras. Mais tarde, pareceu tão evidente! Houve muitos exemplos como este.

Em seu ensaio “Leis Espirituais”, Emerson diz que “não podemos ver as coisas que nos encaram, até que chegue a hora (…); então as contemplamos, e o tempo em que não as vimos é como um sonho”.

Existe um consolo nas palavras do Mestre quando ele escreveu, de modo parecido, a respeito de seu próprio Guru, Sri Yukteswar, enquanto visitava a Índia, em 1936. “Dia após dia, banhando-me na luz solar de seu amor, inexpresso mas agudamente sentido, afastei de meu pensamento as várias insinuações que ele fizera, relativas ao iminente abandono do seu corpo.”

Minha mente voltou ao ano de 1933, quando Paramhansa Yogananda levou consigo vários de nós para o cemitério Forest Lawn, em Glendale. Juntos, caminhamos pelos salões. Passamos pelas imponentes réplicas de Michelangelo, admiramos o vitral da “Última Ceia”, escutamos os acordes melódicos de “Ah! Doce Mistério da Vida” e passeamos por entre muitas alcovas banhadas pela luz do sol. Logo, seu corpo, querido por todos nós e que havia servido o Pai Celestial de maneira tão completa e sem reservas, seria levado para lá, a fim de residir na cripta denominada Sanctuary of the Golden Slumber [“Santuário do Sono Dourado”]. Sinto que ele já sabia deste acontecimento futuro, quando passeávamos por lá.

Em breve, os jornais de Los Angeles traziam manchetes inesperadas, que diziam que o corpo de Paramhansa Yogananda encontrava-se em um estado de incorruptibilidade, de imutabilidade. A preservação perfeita tornara-se um fenômeno sem paralelo na história mortuária. Isto foi descoberto no necrotério do Forest Lawn, enquanto o caixão permaneceu sem lacre por vinte dias, esperando a chegada de discípulos da Índia.

Devido à tristeza, pareceu muito longa nossa viagem de Oakland para Los Angeles, em 11 de março, para assistirmos aos serviços na capela de Mt. Washington, onde jazia a forma amada de Paramhansaji.

Foi uma reunião muito silenciosa, embora centenas de pessoas estivessem presentes. Não houve demonstrações abertas de dor, exceto as lágrimas que escorriam em silêncio pelas faces de muitos. Algumas das canções favoritas do Mestre foram tocadas no órgão. Entre elas: “Glória, Glória, Aleluia”, “Ave Maria”, “Ah! Doce Mistério da Vida” e “Danúbio Azul”. Rajasi Janakananda e Dr. Lewis conduziram a combinação de ritos cristãos e védicos, e o embaixador da Índia, Sua Excelência Binay R. Sen, expressou, em seu panegírico, a homenagem da Índia a Paramhansa Yogananda – um tributo caloroso e sincero, que também revelava a estima pessoal que ele tinha. O honorável Mulk Raj Ahuja também estava presente. Suas palavras afetuosas a respeito de Paramhansaji aparecem no fascículo em sua memória da revista da SRF. Este fascículo especial também contém o

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tributo do embaixador Sen e traz um relato daquele dia e dos acontecimentos que o precederam.

Durante todo o serviço, senti a presença viva do Mestre. Não pude vê-lo, mas o que senti foi tão vívido, tão real, que a dor diminuiu durante aquelas horas. As centenas de pessoas passaram para ver-lhe o semblante sereno e depois foram embora, de volta a um mundo menos brilhante. Os discípulos residentes permaneceram na capela, cantando muitos cânticos.

Meu momento mais triste foi quando o esquife estava sendo carregado, lentamente, desde a capela, através do vestíbulo e daí para longe desta casa que lhe pertencia. Todos os devotos estavam cantando o cerimonial “Cântico das Rosas”. Cada um de nós nos aproximamos para contemplar a face tão amada do Mestre e tiramos de uma cesta algumas pétalas de rosas, para arremessá-las sobre o corpo, enquanto era levado para o carro que o esperava. Senti uma grande perda, ao testemunhar essa despedida que concluiu desse modo o evento de seu desenlace.

Naquelas horas, e nos dias que se seguiram, experimentei a solidão que é causada por esse grande sentimento de separação, sempre presente quando morre um ente querido. Contudo, o Mestre, vivendo na Luz, pode cruzar à vontade essa barreira inescrutável. Meu coração e minha mente acreditavam nesta verdade. Muito em breve, eu teria a confirmação.

Fotografia tirada uma hora antes de seu Mahasamadhi, em 1952, no banquete em honra ao

embaixador da Índia

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CAPÍTULO 20

MEU GURU VEM TRAZER-ME DOCES LEMBRANÇAS DE DEUS

ARAMHANSA Yogananda afirmou: “Esteja eu neste corpo ou não, vou inclinar-me do céu para ajudar os que estão em sintonia comigo a experimentarem o amor de meu Pai.”

Esta promessa, ele cumpriu; esta bênção, eu recebi. Só porque ele escapuliu de uma forma querida não significa que esteja fora de alcance. A comprovação disto veio sem ter sido buscada. Tenho estado consciente de meu Guru muitas vezes. Sua presença sagrada e vibrante tem-se manifestado a mim de muitas maneiras. Em cada situação, encontrei exatamente a mesma bênção espiritual que sentia quando ele estava aqui, em seu corpo terreno.

Um Guru dotado de Consciência Cósmica não está “lá” nem “aqui”, mas continua a ser Um no cosmos. Desejo expressar tão claramente quanto possível que o relacionamento com tal ser não é um “contato com o além”, mas um contato contínuo e ininterrupto com um Guru “vivo”, que foi capaz de dizer: “Despercebido, caminharei ao lado de vocês, e os protegerei com braços invisíveis”.

Paramhansa Yogananda escreveu em sua autobiografia: “A consciência de um iogue perfeito identifica-se sem esforço não com um corpo limitado, mas com a estrutura universal.(…) Quem tem consciência de ser o Espírito onipresente não mais está sujeito à solidez do corpo no tempo e no espaço.”

Paramhansaji veio para despertar o amor por Deus. Todos os seus lembretes espirituais continuam a abrir as portas da receptividade da alma. São Paulo disse: “As coisas que olhos não viram, nem ouvidos ouviram, (…) são as que Deus preparou para os que O amam”.

Sempre que meu Guru me fez sentir sua presença foi para elevar-me, de meu estado imediato de consciência para um que fosse tão alto quanto me fosse possível experimentar. Esses estados diferem, de tempos em tempos. O Guru pode transmitir a Alegria Sagrada, na medida em que sejamos capazes de recebê-la. Quando o senso de ego, do corpo e das posses é esquecido, o devoto pode sentir sua identidade com o Espírito.

Em cada toque de Deus, sentimos a satisfação de todos os anseios, e nesses momentos perfeitos, somos erguidos à Felicidade Divina. Nela somos afetados mais profundamente, de modo mais tangível, do que pelo mundo material dos cinco sentidos. Jamais é um estado de excitação; em vez disso, é um grau de quietude que raramente experimentamos em outras ocasiões. Somos erguidos a um desejo de viver constantemente nesta Felicidade de Deus.

Dezoito dias após o Mahasamadhi de meu Guru, anotei em meu diário o jubiloso registro de que o Mestre aparecera para mim.

O Mestre aqui – vê-lo tão claramente! Ele entrou no quarto, abençoou-me e falou comigo. Permaneci silenciosa em sua amada presença, no maravilhoso contentamento que ele me trouxe. Mais tarde, em minha meditação matutina, a fragrância de rosas invisíveis impregnou meu quarto, quando comecei a Kriya.

P

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Alguns dias depois, meu Guru tornou-se mais uma vez visível para mim, trazendo-me um conforto indescritível. Escrevi sobre isto nesta anotação de meu diário.

O Mestre veio! De repente, aqui em meu quarto, o Mestre estava de pé, diante de mim. Não apenas estava próximo à minha visão, mas era tão tangível que, impulsivamente, estendi a mão para tocar-lhe o braço. Ele olhou para mim e disse, gentilmente: “Bem…” E começou a desaparecer. Quis pedir-lhe que se demorasse um pouco mais, mas ele se foi. Acredito que meu movimento perturbou a quietude necessária para vê-lo.

Na Convenção realizada no verão de 1952, enquanto eu escutava a leitura de uma carta vinda da Índia a respeito do Mestre, correntes tão poderosas passaram por minha coluna vertebral que não pude absorver todas elas. A intensidade da energia prânica trouxe bem-aventurança; lágrimas encheram meus olhos. Isso ocorreu por meio da bênção do Mestre; senti sua presença extasiante.

Quando as bênçãos da alma vêm, elas afetam a pessoa de modo tão inspirador que se faz freqüentemente a pergunta: “Será isto uma coisa que os outros também experimentam? Será parte de nossa caminhada para Deus?” Sempre guardei essas horas com carinho, na reclusão de meu coração e de minha alma, sem falar sobre elas, senão agora, quando as escrevo com a permissão do Guru. Meu ministério entre pessoas que buscam a Deus sinceramente me tem ensinado que muitos preferem avaliar suas percepções interiores sem revelar a outros esses acontecimentos sagrados. Nosso Guru nos deu instruções esclarecedoras a respeito dos estados espirituais de consciência, durante as experiências sagradas que ocorrem em nosso caminho.

As bênçãos de Paramhansaji vieram a mim de muitas maneiras, desde sua partida. Algumas delas estão descritas nas seguintes anotações, escritas a partir de 1952.

Fragrâncias sagradas Acordei cedo e sentei-me para meditar. Senti que meu Guru estava aqui. Sua presença transmitia paz. Também notei uma doce fragrância de flores. Quando entrei no quarto adjacente, o ar também estava saturado do mesmo aroma de flores. Às vezes, Deus concede essas fragrâncias encantadoras; outras vezes, é meu Guru quem as dá, sempre me lembrando de Deus.

* * * *

Nesta noite, enquanto datilografava, o perfume de gardênia estava presente, como se as flores estivessem a meu lado e por todo o quarto – muito cheirosas. Uma hora depois, quando Edward entrou, perguntei-lhe se podia sentir o aroma. Ele respondeu: “Gardênias! Onde estão?” Foi para o lado de fora, mas viu que não havia flores vicejando. Ele então perguntou: “É uma fragrância astral?” Claro que era!

* * * *

Na quietude da meditação, senti que o Mestre estava aqui, no quarto. Um instante depois, enquanto eu estava ocupada arrumando a casa, coloquei minha cópia de Whispers from Eternity sobre o parapeito da sacada. Percebi o aroma de rosas emanando de seu livro de orações e saturando o ar em torno dele. Permaneceu por longo tempo.

* * * *

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Quando Edward e eu visitávamos uma senhora, membro da SRF, no hospital, levei comigo um retrato do Mestre. Abri minha bolsa para tirá-la e notei o doce aroma de gardênia. Eu não trouxera um frasco do perfume ou as flores, e ela não tinha nenhuma flor que exalasse qualquer aroma. Então, quando lhe entreguei o retrato dele, a fragrância preencheu todo o quarto. Ansiosa e amorosamente, ela tomou o retrato em suas mãos e mirou-o com grande reverência. Tanto ela quanto Edward falaram do perfume de gardênia. Depois disto, a caminho de casa, abri minha bolsa várias vezes e pude aspirar a doçura que exalava do retrato. Quando o retrato foi mais uma vez colocado em meu quarto, o ambiente estava impregnado pelo perfume da flor.

Proteção Neste verão, desejei especialmente a bênção do Mestre para a próxima viagem de férias. Uma visão de uma tragédia iminente fez adiar nossa saída para muito tempo depois de estarmos preparados para partir. Então, nesta noite, enquanto falava ao telefone, em uma chamada interurbana, senti de repente a presença de meu Guru, aqui no quarto. Pedi à minha amiga, no Colorado, que esperasse e, naqueles momentos que se seguiram, a garantia e a bênção foram dadas; a proteção especial que eu pedira foi concedida.

O que ocorreu na viagem foi muito parecido com o que eu vira anteriormente; roçou de perto, mas foi evitado! Uma forte situação cármica estava presente e um tremendo sofrimento estava à espreita, porém não aconteceu o desastre maior que eu havia testemunhado na visão, graças à divina intercessão de meu Guru sintonizado com Deus.

Oração Eu estava refletindo em certa dificuldade e querendo saber o que fazer. Minha mente voltava ao problema freqüentemente. Hoje, ao acordar de um breve cochilo, vi o Mestre diante de mim, de perfil, com as mãos postas, em atitude de oração. Senti que sua mensagem era para eu orar: meditar e orar mais. Depois que seu rosto, claramente visível, desaparecia de meu olhar enquanto eu saía da sonolência, ele apareceu de novo diante de mim. Nas duas vezes, era visível a meus olhos abertos. Permaneci em silêncio, percebendo que ele viera para mostrar-me que a oração me traria a resposta de Deus.

Resposta à oração

Em tempos de problemas mentais, físicos ou emocionais, buscamos a ajuda de uma sabedoria e de um poder que sejam maiores que os nossos. Há sempre uma resposta que resolve nossos problemas de um modo divino, se pudermos nos aprofundar o suficiente na oração e, às vezes, precisamos persistir por longos períodos de tempo.

De um problema cármico que aparentemente não tinha fim, experimentei o desespero exaustivo decorrente da busca infrutífera por uma resposta. Procurei encontrar um modo de mudar aquilo que não mudava. Ele se estendia sobre minhas emoções como uma maré e trazia ao coração uma dor realmente física. Meu maior protesto a respeito do problema era o seu poder de perturbar a mente, afastando-a de Deus. Fez-me voltar para Deus com orações fervorosas.

Durante essa provação, houve três vezes em que Deus respondeu à minha oração longa, profunda e contínua, erguendo-me subitamente tão acima e à parte da dor específica, que aconteceu a cessação de toda tristeza. Eram situações em que me senti completamente dentro do Ser infinito e silencioso, único local onde a Presença de Deus existe. Em vez de encontrar a solução do problema, percebi que esta era a resposta, a solução. Não a mudança das circunstâncias ou dos problemas, mas a própria Presença de Deus.

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Nada podia perturbar essa Paz que, cada vez, durava muito tempo, o suficiente para acarretar mudanças dentro de mim mesma. Freqüentemente, a “oração respondida” chega dessa maneira. Os problemas nem sempre são mudados; nós somos. Podemos agir e não sermos influenciados; não nos sentirmos deprimidos nem esmagados pela circunstância. Até que isso ocorra, como somos vulneráveis! Nosso próprio “calcanhar de Aquiles” fica exposto às farpas e setas que nos afetam e nos tiram de nosso Centro de Paz, em Deus.

Às vezes, em raros exemplos, a orientação tem vindo de Deus ou do Guru, em palavras pronunciadas audivelmente. Três dessas ocasiões são relatadas aqui.

* * * *

Enquanto eu orava pela sabedoria necessária para escolher entre dois caminhos diferentes, abertos diante de mim, Deus falou através de minha mente. Esta sentença veio com grande clareza: “Nada faça até que a resposta venha”. Percebo agora que, nesta ocasião, a paciência, e não a ação, é a resposta. (Com que freqüência, quando nos sentimos perplexos, queremos agir imediatamente! Todavia, Deus sabe quando as condições são adequadas para nós.)

* * * *

Hoje à noite, orei com a mais profunda urgência e preocupação. Precisava de ajuda para enfrentar um sério problema. Que deveria eu fazer? O Mestre respondeu! Na calada da noite, ouvi suas palavras, pronunciadas audivelmente, e reconheci sua voz. Recebi, de modo conciso, o curso de ação que deveria tomar.

(Bons resultados acompanharam seu conselho inusitado, que foi ao mesmo tempo disciplinador e recompensador.)

* * * *

Busquei a vontade de meu Guru a respeito de uma decisão importante para minhas atividades pela SRF. Orei para que seus pensamentos me guiassem. A resposta do Mestre veio de uma maneira inesperada; ele falou comigo. Por meio de suas palavras, deu-me a decisão detalhada – sábia e previdente.

Estado de sono consciente

Paramhansa Yogananda escreveu: “Sintonizei minha vida com a Tua, e agora (…) Tua Fonte de Bem-aventurança inebria-me, dia e noite, em meus estados de vigília, nos sonhos ou nas horas de sono profundo”. Aqui, o Mestre revelou sua percepção da Bem-aventurança em cada um desses estados.

Quando a verdadeira experiência da alma ocorre durante o sono, podemos reconhecer tal acontecimento em uma destas duas maneiras: (1) ou nos lembramos do que acabou de ocorrer, depois que acordamos, ou (2) ficamos conscientes de tais ocorrências, enquanto elas se desenrolam.

Nas ocasiões em que experimentei a segunda maneira, eu adormeço naturalmente e, depois, torno-me consciente, mas sem pensar no corpo físico, que continua adormecido. Estou consciente do acontecimento enquanto ele se realiza. Ocorre no presente e eu participo, refletidamente. Não preciso acordar depois (já estou consciente), mas simplesmente abro os olhos e vejo tudo que me circunda.

Durante o sono, a energia vital (prana) é parcialmente retirada dos nervos sensórios e motores para dentro da coluna vertebral e do cérebro, deixando o corpo completamente

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relaxado. É, portanto, o tempo ideal para a receptividade espiritual, se a pessoa está conscientemente desperta.

Nas percepções da alma durante o sono, as experiências podem ocorrer em um ambiente terreno ou astral. Às vezes, toda forma é esquecida no Espírito.

Apresento aqui, de meus diários, exemplos de sono consciente, desde a partida de Paramhansaji.

Recebo do Mestre a sagrada comunhão Tornei-me consciente durante o sono e estava de pé, à porta de uma grande sala onde numerosos discípulos estavam presentes. Reconheci muitos deles. O Mestre presidia a reunião. Sentava-se em uma plataforma muito baixa. Entrei na sala e uma das Irmãs levou-me até ele. Seu olhar repousou em mim, e vi que ele segurava uma hóstia consagrada. Ajoelhei-me, e meu Guru colocou a hóstia em minha boca.* Pude senti-la em minha língua. Em seguida, ele segurou minha mão entre as suas, e disse: “Vai formigar um pouco” – e uma corrente fluiu de suas mãos para a minha, e pude senti-la subindo pelo braço e dirigindo-se diretamente ao meu coração. Por meio da concentração, pude mantê-la ali, ou, melhor dizendo, ficar consciente de sua força suavemente penetrante. Depois da bênção concedida por essas vibrações e pela hóstia simbólica, ele me pediu que repetisse estas palavras: “Santos Sempre”. Fiz o que me pediu. Então, eu estava de novo em meu quarto e ainda inundada pela bênção sagrada.

Descobri que as palavras “Santos Sempre” têm grande poder para abençoar uma pessoa, por meio da seqüência reverente que elas evocam. A mente, concentrando-se nelas, sente-se saturada pelos seres sublimes que caminharam com Deus.

Darshan

Durante a noite, vi o Mestre, com sua túnica alaranjada, subindo um monte, e muitas pessoas o seguiam, poucos passos atrás dele. A cena transmitia um sentimento de elevação. É a bênção que se recebe pela contemplação de um santo, chamada darshan. Continuei de pé, à distância, observando a cena e sentindo dentro de mim o fervor que ela transmitia.

Sintonia Tornei-me cada vez mais consciente durante o sono e vi o Mestre caminhando para mim, sobre um verde gramado. Quando se aproximou, houve o som de uma música, que ambos escutamos. Quando cessou, sentamo-nos sobre o gramado para meditar, e permanecemos em completo silêncio por longo tempo. Senti perfeita sintonia com meu Guru. Sua presença transmitia uma paz infinita, que me permeava. Era, realmente, a Paz de Deus. Quando o Mestre se levantou e afastou-se alguns passos, vi que sua aparência era jovem, como a de um homem de vinte anos, contudo era o Mestre do mesmo jeito. Somente nesta e em outra ocasião ele apareceu assim. E a Paz Divina continuou comigo durante todo este dia.

Sabedoria transmitida simbolicamente Anoitecia. Senti uma tremenda necessidade de dormir, de um modo muito diferente, sem me sentir sonolenta. Era como ser puxada para o adormecimento. Quando fechei os olhos para dormir, parece que de repente, e estando intensamente alerta, eu estava com o Mestre. Era um ambiente ao ar-livre, muito semelhante a uma área de piquenique. Muitos outros ali estavam, inclusive Edward. O Mestre nos levou, Edward e eu, a uma mesa separada, onde nos sentamos. Deu-nos muitos presentes, e enquanto nos oferecia cada um, senti seu grande amor e minha

* Hóstias consagradas não são utilizadas em nossos serviços da SRF, mas meu Guru a usou neste exemplo.

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própria gratidão irresistível. Eu não via o conteúdo de cada pacote; eles expressavam, antes, sua dádiva espiritual, que abrangia todos estes anos. Pensei: “Quanto tu me deste das coisas eternas!”. Então, ele fez sinal para que subíssemos a estrada, onde tornaríamos a nos encontrar. Descemos um declive para alcançarmos a estrada. Edward continuou a caminhar, mas eu me detive por um momento, fitando o Mestre. Ele estava na beira do aterro de cascalhos, uns 3 metros e meio acima. Ele mexeu com a bengala uma pequena pedra, mas ela pareceu desprender e deslocar outra, do tamanho de uma bola de futebol, e a face dele assumiu a expressão de grande preocupação quando a pedra desceu com toda a força na minha direção. Não pude dizer onde ela me poderia atingir! Senti uma forte corrente de ar quando ela passou por mim. Eu disse ao Mestre: “Não sabia para que lado me mover, por isto fiquei parada”. Muito sério, ele respondeu: “Sim, às vezes é também assim que Deus age”.

Sinto que esta é a lição que ele quis transmitir – uma verdade, também, por isto ele fingiu preocupação, mas apenas para que eu sentisse que era real e reagisse naturalmente. Mas não senti medo. Que maravilha estar com o Mestre!

Esta experiência que acabo de relatar veio a ter um tremendo significado em minha vida, prenunciando um golpe cármico, o efeito natural de determinada causa em meu caminho. O Mestre viu que seria disparado em minha direção, em um tempo não muito distante. Quando chegou, eu quis com todo o meu ser me mexer, agir, fazer algo, mas a divina orientação interna de Deus e do Guru continuou sendo a que eu experimentara nesta visão: “ficar parada”.

Uma visão de Rajasi Em um ambiente ao ar-livre, ensolarado e sereno, eu estava sentada ao lado de Rajasi. Conversávamos acerca de certo tipo de bênção espiritual. Enquanto ele falava, vi uma expressão de êxtase interior inundar seu rosto, e havia um tom de admiração em sua voz, quando disse: “Lembro-me que passei uma noite inteira em meditação, sentindo este arrebatamento!” Pensei: Com que intensidade um santo saboreia o Vinho de Deus! Mais tarde, na mesma visão, voltei a vê-lo, junto a um grupo de pessoas, ensinando. Serenamente, ele passava de uma pessoa para a outra, dando conselho espiritual e uma bênção. Notei sua imensa tranqüilidade. Acredito que o Mestre quis que eu visse Rajasi no outro lado, servindo os outros como havia servido na terra.

Visita preciosa Hoje, de manhã cedo, o Mestre veio e permaneceu muito tempo, falando de muitas coisas. Eu estava alerta, muito alerta, mas o corpo estava adormecido. Depois, senti no coração a doçura de sua presença e refleti em tudo que ele me dissera neste maravilhoso tempo de comunicação.

Viagem pelo espaço Tornei-me consciente durante o sono e descobri-me ao lado de Sri Yukteswar, o Guru de meu Mestre, viajando pelo espaço, contemplando imensos panoramas. É difícil descrever o sentimento maravilhoso. Estar livre de qualquer limitação de movimento! Sri Yukteswarji estava a meu lado, tal qual duas pessoas podem andar juntas pelo mesmo caminho. Mas estávamos nos movendo com a velocidade de uma flecha! Eu sabia que era ele quem me possibilitava fazer isto, guiando-me, pois durou um tempo incrivelmente longo. Nesse período, pude ver as copas das árvores de uma floresta, montanhas e vales – paisagem que adoro. Estendíamo-nos sobre gramados ao calor do verão e paisagens com a cobertura branca das neves invernais. Estávamos bem acima da Terra, e havia sempre presente o sentimento de espaço.

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Minha mente estava serena, enquanto nos movíamos. Esse vôo, sem qualquer impedimento causado por limitações gravitacionais, transmitia uma sensação de imensa liberdade.

Amorosa solicitude Em sono consciente, eu estava com o Mestre. Caminhamos juntos e conversamos por um bom tempo, quando chegamos a um edifício parecido a um clube campestre. Atravessamos o amplo portão e entramos pela porta da frente. Vi que estava mobiliado de maneira informal, como um chalé das montanhas, e ali estava presente um grupo de membros da SRF, reunidos para uma celebração especial. Ninguém nos deu atenção quando entramos, e continuaram com suas atividades de acender uma lareira e preparar a refeição na cozinha adjacente. Agora estávamos sentados próximos, mas quando o Mestre falou comigo, ninguém se voltou na direção de sua voz; então percebi que eles não nos viam, porque estavam em um ambiente terreno e nós estávamos em corpo astral. O Mestre e eu aguardamos em silêncio. Eu sabia que estávamos ali, porque Dr. Lewis tinha acabado de passar por nós e o Mestre ficou próximo desse pequeno grupo, até que todos foram informados, por meio dos canais competentes. Pensei com que freqüência nosso amado Guru pode estar presente em tempos de tristeza ou regozijo, embora não o saibamos.

Ocorrências em sonhos

Quando os acontecimentos se desenrolam durante o sono e são recordados depois que acordamos, por meio da lembrança, nós os consideramos sonhos. Há muitos tipos de sonhos, incluindo-se aqueles da mente subconsciente, que não conferem alegria especial.

Disse Paramhansaji: “A prática da técnica de (concentração) Hong-Só lhe poupará anos de perambulações infrutíferas no plano subconsciente. Esse é o plano que você deve evitar, pois está repleto de experiências espirituais ilusórias e imaginárias. É preciso alcançar o estado superconsciente para se ter experiências espirituais autênticas e percepções da verdade.”

Quando a verdadeira ocorrência espiritual se manifesta no sonho – experiência que se origina do estado superconsciente (a alma) –, pode ser reconhecida como tal pelo brilho de felicidade e serenidade que a pessoa sente quando se recorda do sonho depois de acordar.

Cinco sonhos desse tipo são apresentados aqui.

* * * *

Acordei hoje me lembrando de um sonho com o Mestre. Estávamos de pé, no centro de uma grande sala, conversando por um tempo, quando, com um movimento resoluto, ele se dirigiu para uma cadeira, sentou-se e ficou absorto em meditação. Sentei-me e fechei os olhos. Imediatamente contemplei, com visão interior, uma fogo de altas labaredas, começando na base da coluna vertebral e elevando-se até meus ombros. Pude sentir esse fogo, também, como vibração. Era feito de “luz”, não de “calor”, e senti que estava repleta de júbilo. Percebi que o Mestre queria que eu erguesse (elevasse) as chamas para dentro do Centro Crístico.

* * * *

Estive com o Mestre e Sri Yukteswarji da mesma maneira que alguém está com a própria família. Era tão natural, que nem pensei na maravilha que era, até que acordei relembrando as horas preciosas. Senti uma serenidade divina, que ainda está comigo.

* * * *

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Bendito sonho! Tempo precioso com o Mestre. Eu estava em um bosque de pinheiros e escutei o Mestre chamar-me. Quando me aproximei, ele me pediu um copo d’água. Ele estava ao lado da entrada de uma casa rústica. Entrei, enchi um copo e lhe entreguei. Ele bebeu devagar e pareceu gostar. Fitando-me, disse pensativamente: “Tem o sabor exato”, e eu vi que estava satisfeito. Então, experimentei uma tremenda felicidade na alma, e percebi que ele havia me chamado para conceder-me essa alegria sagrada.

* * * *

Acordei nesta manhã lembrando-me de um vívido sonho na companhia de Daya Mata. Ela estava em postura de lótus, sobre o chão, segurando na mão um objeto, de cujo valor espiritual discutíamos. Senti ao redor dela uma grande tranqüilidade – uma leveza de ser – e meu pensamento, ao acordar, foi o de que ela estava em meio a uma lagoa de tranqüilidade. Foi inspirador sentir essa qualidade irradiando-se dela.

A gentileza de um Mestre A única fotografia disponível de Lahiri Mahasaya não revela seus olhos, embora possamos lhes sentir a radiação espiritual. Ocasionalmente, através dos anos, tive o desejo de que pudesse ver a expressão deles. Era apenas o sussurro de um pensamento. Contudo, nesta manhã, ele satisfez meu desejo durante um sonho. Eu estava em uma sala com algumas pessoas. De maneira descontraída, conversávamos enquanto nos dirigíamos para uma mesa comprida, à qual nos sentamos. O Mestre e Lahiri Mahasaya estavam ali. Eu estava explicando alguma coisa para uma pessoa a meu lado quando parei de falar no meio de uma sentença, pensando: “Por que está falando de coisas sem importância, na presença desses Grandes Seres? O Mestre está aqui! Lahiri Mahasaya está aqui!” E quando pensei nisto, Lahiri Mahasaya voltou-se e olhou para mim. Ele tinha a mais divertida das expressões, e captei seu pensamento que me dizia: “Estou satisfazendo seu desejo!” Enquanto eu olhava atentamente, memorizando solenemente e em cheio o seu rosto, ele continuou a prender meu olhar com seus olhos sorridentes, que cintilavam de vivacidade. Nesses momentos de satisfação, ele parecia compreender minha gratidão. Continuou a sorrir e a conceder-me todo o tempo que eu quisesse para imprimir seus olhos e a expressão deles indelevelmente em minha memória. Eu estava completamente alerta, e uma intensa serenidade me permeava. Então, voltei a dormir. Quando acordei, pensei na imensa gentileza desse grande Mestre por satisfazer meu desejo.

* * * *

Bênçãos

Descobri que as bênçãos divinas são transmitidas com a mesma sacralidade e poder através de qualquer um destes três estados: sono consciente, sonho e vigília. Esses estados foram descritos e designados apenas para identificação. A seguir, estão algumas do estado “vígil”.

Radiação Hoje, quando comecei a meditar, o quarto a meu redor estava inteiramente repleto de uma radiação azul. Senti-me banhada nas bênçãos de Cristo.

Luz Nesta manhã, bem cedo, acordei mirando uma paisagem no Centro Crístico (Olho Único). Era um jardim dentro da Luz e feito de Luz, pois as flores, as cercas, a relva, tudo estava iluminado a partir de dentro de seus próprios átomos, como brilhante radiação, colorida. Que encanto! Sei que tudo, em essência, é pura luz; aqui, Deus me mostrou a luz dentro e através

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da forma. Procurei adentrar-me ainda mais no jardim, e meu esforço fez a paisagem desaparecer.

A estrela Em meditação, a estrela de luz estava diante de mim, grande e perfeita, circundada por um intenso azul. Eu estava completamente imóvel, no maravilhoso silêncio de Deus.

Visão expandida Sentei-me para meditar e uma visão interior surgiu. Dentro de um azul escuro circundado por luz dourada, havia a visão completa de uma montanha próxima e todas as suas cercanias. Toda essa área imensa estava claramente diante de mim, em perfeitos detalhes, como se fosse proporcionada por uma teleobjetiva. E todo esse cinerama, com suas grandes distâncias, estava encerrado dentro de minha testa. Essas paisagens externas parecem tão encantadoras, quando vistas pelo olhar interior!

O olho esférico Após nossa aula da SRF nesta noite, enquanto conversava com um estudante, a Luz interior apareceu diante de meus olhos, de modo inesperado, na sala claramente iluminada. Ela permaneceu. Fechei os olhos por um momento, e ela também estava diante de meu olhar interior. As pálpebras, abertas ou fechadas, não afetavam minha visão da Luz diante de mim. Que maravilha percebê-la durante a atividade.

Amor O amor de Deus envolveu meu coração hoje, durante a meditação longa de Natal. Senti a tepidez do Seu amor, exatamente como se um espelho captasse os raios do sol e os incidisse sobre meu coração, que fulgurou com o amor puro de Cristo, imensuravelmente profundo.

Flor espiritual No olho espiritual, dentro da estrela prateada, apareceu uma rosa de perfeita beleza. Enquanto eu a fitava, as pétalas aveludadas começaram lentamente a abrir-se diante de mim, o que levou vários minutos. De quase um botão, desabrochou até sua completa perfeição. Era grande, de tamanho natural e muito próxima, como se estivesse dentro de minha testa. Experimentei uma quietude eterna, durante e muito tempo depois. Tudo desapareceu de minha mente, exceto a rosa e a quietude, enquanto eu observava sua perfeição palpitante de vida.

O Espírito Santo

A descida do Espírito Santo está descrita na Bíblia, em Atos 2:2, quando os discípulos estavam todos reunidos: “De repente veio do céu um som, como que de um vento forte e impetuoso”. É o grande Som Cósmico, chamado OM nas escrituras hindus.

Quando recebi de meu Guru a Técnica de Meditação de Om, em 1925, não pude ouvir esse som cósmico. Escutava outras importantes vibrações interiores, mas não o Om.* Muitos dos presentes levantaram as mãos para indicar que o ouviram, mas eu estava entre aqueles que demoraram mais tempo. Talvez eu fizesse um esforço muito intenso, pois a relaxação é uma das chaves da meditação. Mais tarde, a prática trouxe resultados! Finalmente, fui capaz de ouvi-lo durante a meditação e ele, também, tornou-se audível sempre que eu me encontrava em ambientes silenciosos, embora ainda me escapasse durante qualquer atividade física ou em lugares ruidosos. Depois de vir para a Baía de San

* Exceto em ocasiões de bênção especial, conforme mencionei no capítulo 9.

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Francisco, tornei-me muito ocupada como ministra do trabalho da SRF. Uma das grandes bênçãos de Deus e do Guru veio a mim nessa ocasião, quando, um dia, a Vibração de Om encheu meus ouvidos, com seu som abençoado, e meu corpo, com sua vibração. A partir desse tempo, permaneceu comigo fortemente audível, tanto durante a atividade, quanto na meditação sossegada.

Às vezes, o sempre-presente Som de Om aumenta de volume, como se fosse um vento impetuoso ou o zumbido de um motor gigante em uma usina de força. E derrama-se por todo o corpo, tanto como vibração quanto como som. Som de baixa freqüência, ele jamais pulsa. Não tem começo nem fim – é verdadeiramente de Deus! Agradecida, guardo este Som Divino como um tesouro.

Alegria Eu contemplava a beleza do nascer do sol, quando senti um formigamento eletrizante na coluna vertebral e um sentimento de júbilo. Reconheci a presença do Mestre. Ele ficou comigo alguns minutos. Esta Alegria tem estado comigo desde então! Só pode ser descrita como a sensação de estar cantando e dançando no Espírito.

Amizade Hoje, quando acordei, o Mestre apareceu diante de mim. Abri os olhos, e ele estava aqui. Era profunda a expressão de seus olhos tranqüilos e luminosos. Enquanto ele me fitava, parecendo sondar o fundo de minha alma, senti todo o seu interesse sagrado por mim. Ele não falou, e só ficou por breve tempo. Todavia, esses momentos sossegados transmitiram-me um profundo contentamento. Senti o toque consolador de sua Amizade divina.

Visita sagrada Hoje à noite, o chalé na montanha estava incandescente, com a presença do Guru e dos Paramgurus. O ar estava eletrizado com a radiação deles. Quando essa bênção sublime me tocou, tornei-me absorta na felicidade inefável comunicada pela presença deles.

Uma manhã, após a meditação, abri as páginas da Autobiografia do Mestre, e estas palavras saltaram à minha vista: “Quando seu livro estiver acabado, eu lhe farei uma visita”. Fiquei estupefata! Naquele instante, tive a certeza íntima de que as palavras eram uma mensagem de promessa em minha vida. Foi confirmada. Com a conclusão destes escritos, vieram os dois seguintes acontecimentos, junto com bênçãos torrenciais, e cada um trouxe consigo a realização desta promessa.

Babaji veio! Babaji me abençoou! Este sagrado acontecimento me preencheu de tal maneira que ainda não posso escrever plenamente. A lembrança de sua presença a meu lado e a bênção divina que ele me concedeu provocaram em mim gratidão e um sentimento de profunda reverência.

O Espelho de Deus Tremenda experiência! O Mestre conferiu-me o estado de Bem-aventurança! Começou com um cochilo durante a tarde, que se converteu em sono consciente e, em seguida, continuou quando acordei. Vi uma imensa multidão de pessoas caminhando estrada acima e, enquanto as observava, soube de repente, com plena certeza, que o Mestre estava para passar. Nesse momento, elas pararam, e ali, entre elas, meu Guru. Estava de pé, olhando diretamente para mim, com um sorriso de doçura infinita. As pessoas próximas a ele não sabiam de sua presença, aparentemente interessadas em alcançar determinado destino. Pensei que se eu corresse para

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alcançá-lo, poderia ter a bênção de caminhar a seu lado. Agora, todos, inclusive o Mestre, começaram a andar, muito depressa. Gritei que estava indo juntar-me a ele. Logo o alcancei, sem fôlego devido a meu esforço. Então, voltei-me para fitar novamente sua querida face familiar. Nesse instante, tudo se dissolveu – todas as formas desapareceram de minha vista. Fui inundada por pura Bem-aventurança. Só estava consciente da Bem-aventurança. Eu estava desperta, divinamente desperta! O Om ressoava, e experimentei o perfeito êxtase no Espírito.

Fitando a face de meu Guru, encontrei a Bem-aventurança Cósmica Sem Forma! Depois disto, pensei, com reverente admiração, de que maneira o Espelho Perfeito de meu Guru reflete Deus.

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PARAMHANSA YOGANANDA enviou-me esta bela mensagem em um de seus cartões de Natal:

O oceano inteiro da alegria flui por debaixo da pequena onda de sua consciência. Não se satisfaça com um pequeno silêncio. Prossiga sem parar. É preciso buscar dia e noite, na meditação, para se conseguir resultados.

A felicidade que Deus dá é maior que qualquer coisa que o mundo pode oferecer. A Alegria Divina é eterna. Quando tudo o mais se dissolve, essa Alegria permanece.

Se você quer experimentar essa Alegria, passe mais tempo na solidão. Lembre-se de que a verdadeira felicidade é encontrada na comunhão com Deus em meditação.

Embora medite duas ou três horas à noite e, depois, cante e converse com Ele, no começo você não encontrará resposta. Então, de repente, uma Luz aparecerá. De repente, uma Fragrância virá. Esse é o modo por que Deus Se manifesta ao homem, mas é preciso grande persistência de sua parte.

Logo atrás de seus olhos, logo atrás de seus pensamentos, logo atrás de seus sentimentos, Deus está. Quando você está tranqüila, o universo inteiro da Felicidade agita-se por debaixo de sua consciência. Ela é Deus falando com você.

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CAPÍTULO 21

POEMAS DE PARAMHANSA YOGANANDA

Breve Descrição do Samadhi Grilhões Invisíveis Descobri que Eu Era Tudo O Guru Chama o Discípulo O Sonho da Eternidade

Meu Guru freqüentemente compunha poesia quando eu não tinha papel ou lápis à mão; encontrando-os o mais depressa possível, eu anotava suas palavras, às vezes em Mt. Washington, outras vezes em um ambiente rural ou perto do mar. Os poemas inspiradores aqui apresentados são de minhas anotações. É a primeira vez que aparecem em forma impressa.

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Breve Descrição do Samadhi Paramhansa Yogananda

Não havia quem nadasse. Não havia quem contemplasse esse Mar. Nada havia senão o Mar…

o Mar da Bem-aventurança Cósmica. Eu era isso!

Toques, aromas… tudo sumiu. Dissolveram-se as estrelas, dissolveu-se a terra…

tudo sumiu. Percebi o Mar Cósmico da Bem-aventurança

sem as ondas da criação.

Paramahansa Yogananda meditando em samadhi

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Grilhões Invisíveis Paramhansa Yogananda

Você pode caminhar pelo mundo com os pés livres de correntes. Pode vagar com as mãos desembaraçadas. Pode mover-se pelo mundo com aparente liberdade. Pode realizar tudo que sua imaginação ditar. Todavia, será que você é livre? Estará livre de grilhões?

Há grilhões invisíveis, mais fortes que correntes: grilhões de ouro, grilhões de ferro, dos bons e maus hábitos que o prendem. Se você caminha livre, em aparente liberdade, preso por cordas de caprichos ingovernáveis e grilhões de paixões descontroladas, está preso pelos grilhões de ferro dos hábitos obscuros, pelas correntes de ouro dos desejos. Se esses o amarram, você está vivendo agora na casa dos sentidos, cumprindo-lhes as determinações.

Os liames dos instintos mortais, embora ocultos e invisíveis, prendem com mais força que correntes de ferro. Se correntes de ferro o prendem, outras pessoas podem parti-las para você. Mas suas cadeias são ainda mais fortes, as intrincadas correntes dos hábitos. Ninguém as pode quebrar para você, nem mesmo você com sua fortíssima, porém temporária determinação. Não obstante, é você, só você, que pode quebrar suas cadeias invisíveis.

Eu sou meu próprio juiz; cumpro minha própria sentença, imposta por meu próprio carma. Forjo meus grilhões, construo minha própria cadeia e quebro as grades de minha própria prisão. Dissolvo-as em nada por meus próprios esforços. Teço a guirlanda de meus próprios lauréis da vitória, e recompenso a mim mesmo adornando-me com ela. E eu mesmo tiro a guirlanda de meu pescoço e a lanço fora.

Construo sozinho, a meu redor, as paredes de muitas prisões. Na medida em que eu faço meus próprios grilhões e os amarro em volta dos pés livres de minha vontade e de minhas ações, hei de permanecer preso, ou quebrarei minhas correntes e não forjarei mais outros grilhões?

Eu mesmo me recompenso; eu mesmo me castigo; sou o juiz de meu próprio destino. Já que Deus me deu a razão, Ele não é responsável por mim. Ele me deu livre escolha para que eu faça minha própria prisão ou crie aqui o meu paraíso. Ele me deu o poder de julgar, logo eu sou o juiz.

A morte chega pelo comando mortal do temor. Ela irá embora por meu eterno comando de imortalidade e destemor. Desde que sou um prisioneiro, confinado em minha própria cadeia, restrito à minha própria sentença, que hei de fazer?

Posso forjar grilhões em volta de meus pés; posso construir milhões de cadeias e sentenciar-me por milhões de transgressões; contudo, jamais poderei prender minha razão livre, a liberdade de minha vontade, o desejo de ser bom para mim mesmo. Mesmo o mais vil, o mais cruel de todos, o mais perverso de todos os malfeitores, é gentil para consigo mesmo, é bondoso para si próprio. Sempre existe esse desejo de liberdade, de elevar-se, de correr de volta ao lar celestial. Logo, jamais poderemos sofrer o perene ostracismo, a prisão perpétua. Portanto, todos somos livres.

Sou alguém que vive na cadeia dos hábitos e dos instintos pré-natais, preso pelas correntes dos desejos vivos, que sempre crescem e se autoperpetuam. Contudo, sou livre!

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Quebrarei minhas próprias correntes! Revogarei minha própria sentença. Reduzirei minha pena, conforme meu desejo. Assim como Deus é o Senhor da Casa Cósmica, deste Reino Cósmico, assim também eu, sendo Seu filho, o sou!

Ele é livre! Eu sou livre! Sonhei que amarrara correntes em volta de meus pés. Acordei. Ah, meus pés estão livres! As cadeias nascidas de meu cérebro desapareceram. Sou livre mais uma vez!

“O Mestre encontra alegria nas flores.” Convenção da SRF, 1950

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Descobri que Eu Era Tudo Paramhansa Yogananda

Minha alma, qual esfera de nuvem transparente, qual esfera de nuvem cinzenta, disparou-se para a abóbada do firmamento, rodopiou, explodiu em círculos sempre-crescentes, até se espalhar, se dissolver e desaparecer no céu.

De vez em quando, eu me via diferente do céu, como sendo o oceano e a luz do sol sobre a colina. E com muita freqüência, lá do céu, eu me via sentado sobre a colina, em meu corpo, respirando, observando a luz do sol.

Na maior parte do tempo, porém, eu sentia que a pequena esfera de nuvem (minha alma) havia desaparecido no céu e se transformado no oceano ondulante, no imenso céu, nos raios ardentes do sol, na porção condensada da terra e no pequeno corpo sentado nela.

Muitas vezes, eu me descobria como um pequeno corpo e, muitas vezes, eu me via como o oceano, como o céu, como a luz do sol, como todas as coisas. Muitas vezes, perguntava-me se eu era o corpo ou a paisagem que o circundava. Muitas vezes, mirava a paisagem com milhões de olhos e, através deles, observava meu corpo separado da paisagem.

Mas afinal, através dos dois olhos de meu corpo e dos milhões de olhos do espaço que eu tinha estabelecido a meu redor, vi com o Olho Único, a visão única de minha alma. Conheci e percebi minha ignorante separação, e me encontrei em tudo. Eu era tudo! Assim como Ele o é!

E uma Alegria extática entrou na tranqüilidade de minha alma.

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O Guru Chama o Discípulo Paramhansa Yogananda

Estou indo. Venham, meus queridos, venham todos – vamos partir! Ou na jangada da existência, ou naufragados sob as ondas de vida e morte, ou ainda submersos no mar da Eternidade, não importa: estaremos no colo de nossa Mãe Divina. Ela nos chama através de toda a natureza. Não posso parar. Venham todos! Se ninguém vem – eu vou.

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O Sonho da Eternidade Paramhansa Yogananda

A vida pode ser um sonho, ou Pode ser real.

Mas se é um sonho e eu, o sonhador, o sonho pode ser irreal,

Mas eu sou real, Eu sei!

A Eternidade cintila através de mim! Tu és real, pois eu o sou.

Eu sei! Estou de pé, na ilha

do Presente. A meu redor, o misterioso mar

de vidas passadas e futuras. Sozinho estou – contudo,

abarrotado por milhões de pensamentos, milhões de experiências,

que emergem do obscuro passado; abarrotado por milhões de premonições,

vistas vagamente no armazém da vida futura.

Será o Presente real,

enquanto o Passado que outrora parecia tão real é apenas

um sonho esquecido? Vejo que, amanhã,

Hoje será um sonho. Vejo que, mais uma vez, todos

os amanhãs, aos poucos, me dirão adeus.

Será o Passado real?

Será o Presente real? Será o Futuro real?

Realidade ou irrealidade? Será o oceano real,

e as ondas, irreais? Todavia… as ondas dormem secretamente

no seio do mar. Como posso esquecer o Passado?

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Ou o Presente? E o Futuro?

Todos estão sepultados no fundo do Mar Cósmico.

Quero ver todos aqueles que vi,

e com eles Levá-los todos,

os que amo e os que ainda hei de conhecer,

Em minha jangada da Eternidade.

Estou indo para as praias do céu. Não me importam as tormentas

de misteriosas mudanças, que se estendem sobre o mar da vida.

Minha alegria é meu desejo de ir, e levar muitos outros

à Casa de meu Pai.

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In Memoriam: Kamala Silva (1906 – 1997)

Kamala Silva, discípula há muitos anos de Paramahansa Yogananda, faleceu em 29 de novembro de 1997. Irmão Bhumananda, da sede internacional da Self-Realization Fellowship, conduziu um serviço memorial para ela, no Templo da SRF em Richmond, Califórnia.

Batizada, ao nascer, com o nome de Mary Buchanan, ela adotou o nome sânscrito Kamala, com o qual Paramahansaji costumava chamá-la, e que significa “lótus”. Entre os milhares de pessoas que assistiram à primeira série de palestras de Paramahansaji em Los Angeles, em 1925, Kamala e sua mãe formaram um dos primeiros grupos associados ao grande Guru. Depois que estabeleceu, no topo de Mt. Washington, a sede internacional de sua organização naquele ano, ele as convidou para que morassem ali por algum tempo e servissem a seu crescente trabalho espiritual.

Kamala e seu marido, Edward Silva (que faleceu no começo de 1997), fundaram o Centro da Self-Realization Fellowship em Oakland, no final dos anos de 1940, e daí em diante conduziram serviços e ajudaram nas atividades da SRF na Baía de San Francisco – inclusive nos projetos que culminaram na criação do atual templo de Richmond. Por muitos anos, ela se uniu aos monges e monjas da Sede Central nas celebrações anuais do Natal, até que a idade não mais lhe permitiu que viajasse.

Em uma mensagem de apreço, lida no serviço memorial, Sri Daya Mata escreveu: “Até o fim da vida, sua devoção a Guruji não diminuiu, e tive a alegria de saber, por aqueles que estavam freqüentemente a seu lado, que ela estava em paz, no amor de Gurudeva. Através dos anos, sua lealdade a ele e a sua organização, que brotava de seu profundo amor por ele, permaneceu inalterável e sempre foi o alicerce de nossa contínua amizade com ela.”

Em 1950, Paramahansaji escreveu a Kamala e Edward Silva: “Meditem profundamente e com regularidade, fazendo tudo a seu alcance para realizarem este grande trabalho de Deus. Conservem a luz do amor Dele acesa no altar de seus corações, para que ela possa iluminar o caminho dos outros. Vocês dois estão sempre comigo.”

(Revista Self-Realization, Spring 1998, p. 75-76)