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Versão Provisória Por favor não citar Draft Version Please do not quote Redes interinstitucionais e a democratização dos serviços na intervenção social com idosos Alda.M.Gonçalves ISS, I.P. (Instituto da Segurança Social, I.P.), Lisbon, Portugal Isabella Paoletti, CLUNL, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal. Octubro 2014 1

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Versão ProvisóriaPor favor não citarDraft VersionPlease do not quote

Redes interinstitucionais e a democratização dos serviços na intervenção social com idosos

Alda.M.Gonçalves

ISS, I.P. (Instituto da Segurança Social, I.P.), Lisbon, Portugal

Isabella Paoletti,

CLUNL, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal.

Octubro 2014

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Índex

Introdução: Paoletti I & Mota, P Intervenção inter-institucional e pessoas idosas

Capitulo 1: Paoletti, I. A participação de cidadãos séniores promovida pela intervenção inter-institucional

Capitulo 2: Paoletti I. Um modelo de intervençao em parceria: planeamento, formação, criação conjunta de serviços e avaliação

Capitulo 3: Gonçalves, A. Rede Social: Institucionalização e consolidação de uma medida política

Conclusão: Gonçalves, A. & Paoletti, I., A democratização dos serviços

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Introdução

Isabella Paoletti I & Paulo Mota

A intervenção social com pessoas idosas.Uma perspectiva Integrada

De forma a combater desigualdades, promover a coesão social e a

sustentabilidade em relação à população idosa, é necessário observar não apenas até que

ponto os serviços são prestados, mas também como é que são prestados para

corresponderem às suas necessidades específicas, e em particular se, e como, serviços

sociais e de saúde adequados promovem um papel activo das pessoas idosas e uma

participação por inteiro na vida social. Isto é importante não só para assegurar a

qualidade de vida da população idosa, mas também para prevenir o inevitável custo

social da sua exclusão, em termos de dependência crescente. Cuidados de qualidade

podem assegurar uma vida melhor às pessoas idosas, mas também podem ter

contrapartidas em termos de redução da despesa em cuidados médicos e sociais. Uma

intervenção dirigida à compensação da reduzida capacitade das pessoas idosas não será,

provavelmente, sustentável para as sociedades europeias a longo prazo. Esforços de

prevenção e reabilitação são necessarios para contrariar o processo de redução das

capacidades entre as pessoas idosas (Verbrugge & Jette 1994). A marginalização e

exclusão social podem ser combatidas através da exploração e compreensão das

circunstâncias efectivas em que são produzidas interactivamente. A intervenção

institucional pode ter efeitos mobilizadores e positivos, promovendo o envelhecimento

activo e a participação na vida social; mas pode também ter efeitos limitatativos e

negativos, os quais podem ter consequências dramáticas para as pessoas idosas:

deterioração física e mental, e um aumento da dependência.

O projecto APSE1: “Envelhecimento, pobreza e exclusão social: um estudo

interdisciplinar sobre serviços inovadores de intervenção social” (Paoletti 2014a; 2014b;

2014c; Paoletti & Carvalho, 2012; Carvalho, Paoletti, Rego 2011) teve como objectivo

produzir recomendações que possam contribuir para a definição de políticas para as

pessoas idosas, baseadas numa investigação que permita uma compreensão detalhada,

1 This study was carried out with the financial support of the FCT.

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em múltiplos níveis, de como o sistema de protecção social local pode contribuir para

combater as desigualdades e a exclusão social, e contribuir também para os objectivos

da União Europeia (EU 2007) no que respeita à coesão social e à qualidade de vida

numa Europa em envelhecimento. Pretende-se conhecer os esforços realizados ao nível

das medidas de política e descrever boas práticas na prestação de serviços, de forma a

combater as desigualdades e a exclusão social, em relação às pessoas idosas. O estudo

procura realçar boas práticas na prestação de cuidados, ou seja, cuidados que assegurem

não apenas a mera sobrevivência, mas também a qualidade de vida e participação das

pessoas idosas na vida social. O propósito central do projecto é mostrar boas práticas na

prestaçao de cuidados, em relação as pessoas idosas em risco de exclusão.

E importante sublinhar a relevância de uma perspectiva interactiva do

envelhecimento. Ser idoso pode significar várias coisas diferentes. De facto, a idea

central do projecto é que ser idoso não é tanto uma caracteristica do sujeito, mas algo

construído socialmente na interacção do dia-a-dia (Paoletti 2008a; 2008b). Estudos em

sociolinguistica examinaram o uso conversacional de categorias relacionadas com idade

avançada (Coupland e Coupland 1989; 1993; 1994; 1998; 1999; Coupland, Coupland e

Giles 1989;1991; Coupland, Coupland e Grainger 1991) e diferentes implicações no

trabalho de construção da identidade (Antaki & Widdicombe, 1998). Distanciando-se da

categoria ou negação do envelhecimento (eu não sou velho) (Bultena e Powers 1978;

Coupland e Coupland, 1989; Coupland, Coupland e Giles 1989) os entrevistados

projectam para eles próprios uma identidade pessoal positiva. A associação com as

caracteristicas prejudiciais da categoria é muitas vezes utilizada para justificar

limitaçoes (eu sou velho ja não posso fazer isto) (Coupland & Nussbaum 1995; Taylor

1992), com differentes implicaçoes para a projecção da identidade. O envelhecimento

activo é muitas vezes associado à distanciação em relação a categorizaçoes de idade

avançada, enquanto a associação com tais categorias está relacionada com auto-imagens

de fragilidade e dependência.

A utilização de categorias da idade em actividades práticas está longe de ser

mecânico; esta utilização está, pelo contrário, entrelaçado numa rede de objectivos,

motivaçoes, relevancia moral e práticas sociais e institucionais (Sacks, 1992; Hester e

Eglin 1997). É no curso de ocasiões concretas e rotineiras que as pessoas ou ficam

presas em construçoes estereotipicas que as limitam e restringem as sua esfera de acção,

ou são capazes de jogar habilmente com categorias, produzindo um “espaço” para auto-

imagens positivas, anunciando novas e excitantes perspectivas de vida (Paoletti, 1998a).

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Tais construções não são produzidas “na cabeça” das pessoas, estando antes ligadas a

contextos sociais e institucionais especificos, assim como a circustancias concretas

enquanto produto de um trabalho interpretativo dos membros em relação a actividades

especifícas. É através da variabilidade do uso de categorias que tanto a marginalização

ou, por outro lado, a integração são produzidos conversacionalmente (Paoletti, 1998a;

2004). Asim também as mesmas práticas de cuidados podem contribuir para a

independência e inclusão social das pessoas idosas, ou podem, pelo contrário, reforçar

imagens de dependência, fragilidade e exclusão. É útil sublinhar a importância da

colaboração de diferentes profissionais na prestação dos cuidados na intervensao de

suporte a pessoas idosas. Examinamos alguns casos concretos de pessoas idosas que

necessitam de apoio, de modo a ter uma ideia do tipo de problemas complexos com os

quais se confrontam diariamente os profissionais.

Case 1: Abuso financeiro

O utente que designamos convencionalmente Eduardo foi vítima de abuso financeiro. A

cooperação com a polícia local (Programa de Policiamento de Proximidade) permitiu

acabar com o abuso. A situação familiar de Eduardo é problemática, o próprio filho

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Relatório Social

O utente, Eduardo, com 87 anos, estado civil Viúvo, residente em L. O senhor Eduardo é utente da A A. Frequenta o Centro de Dia do L. desde Setembro de 2012, depois de uma outra instituição ter encerrado o seu Centro de Dia.Apesar de aparentar alguma autonomia, são já patentes algumas fragilidades em certas actividades básicas do quotidiano, sobretudo no que à sua higiene diz respeito. O utente tem um filho com 60 anos, que se encontra institucionalizado num Lar há vários anos. É acompanhado na Unidade de Saúde Familiar de S A, onde integra um vasto rol de utentes sem Médico. Porém podemos afirmar, que não apresenta graves problemas de saúde, sendo apenas um pouco surdo.Este senhor reside em habitação camarária, que partilha com uma família composta por um casal com um filho menor. No entanto, esta família pouco ou quase nada o apoia, pois acaba por tratá-lo como um inquilino.Convém informar que o idoso foi durante alguns meses alvo de extorsão da sua Pensão (mais ou menos 300€), por parte de um indivíduo que se fazia passar por seu amigo. Esta situação teve o seu fim quando o senhor Ernesto, apresentou queixa às autoridades. Desde então, é acompanhado por agentes da PSP e por um funcionário da A. A., à Caixa Geral de Depósitos, a fim de levantar a sua Pensão. O senhor E, realiza as suas refeições na A. A., procede à sua higiene pessoal nas instalações do Centro de Dia, bem como beneficia dos serviços de transporte e de diligências. Este caso foi e continua a ser trabalhado em articulação com a Associação de S. D. L.Resumidamente, pode-se considerar este um caso de sucesso, pois há várias instituições nele envolvidas e que têm conseguido solucionar os problemas do utente.

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necessita de cuidados e não pode cuidar do pai. Eduardo divide o seu apartamento com

uma família, sem receber qualquer tipo de ajuda. É a frequência do Centro de Dia e do

Serviço de Apoio Domiciliário que lhe permite receber o suporte necessário.

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Caso 2: Família alargada que não presta cuidados

Rosa é uma simpática idosa com 87 anos que pertence a uma família alargada, na qual

ninguém está disponível para lhe prestar cuidados. Após uma queda, ela esteve

internada no hospital durante alguns meses – um caso de abandono familiar que

originou um processo judicial.

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Relatório SocialTrata-se de uma senhora, Rosa, com 87 anos, alentejana, natural de O., que vive sozinha e que frequenta o Centro de Dia do L., desde Dezembro de 2010. Este foi um caso que nos foi sinalizado pela Associação de Solidariedade e Desenvolvimento do L. em Maio de 2010, para uma possível integração no Serviço de Apoio Domiciliário. Em Novembro desse ano, foi realizada uma reunião com esta instituição e com a família, para se apurarem mais elementos. Dessa reunião concluiu-se que a melhor resposta seria a integração da idosa em Centro de Dia, visto que a mesma ficava bastante tempo sozinha em casa e sem qualquer tipo de socialização. Nessa mesma reunião, também se apurou que, apesar da família ser bastante numerosa, apenas um neto presta algum tipo de apoio à idosa. Depois de iniciar a frequência do Centro de Dia, verificou-se uma boa adaptação da utente à instituição. Contudo, de acordo com as informações prestadas pelas Auxiliares de Acção Directa, a residência da idosa necessitava de alguma limpeza e arrumação, visto que a mesma já não tem capacidade para efectuar estas actividades. Quando detectadas estas situações, o neto foi contactado para providenciar as diligências necessárias à higiene habitacional. Quanto ao quadro clínico a utente apresenta alguns sinais de senilidade, própria da idade e algumas limitações na mobilidade, bem patentes na utilização de um andarilho.No início de Dezembro de 2011, a idosa foi encontrada caída em casa, tendo sido encaminhada para o Hospital G.O., de onde teve alta no dia 9 desse mesmo mês. Porém permaneceu nesta unidade hospitalar até 5 de Julho de 2012, devido a abandono familiar, o que suscitou a abertura de um processo judicial por parte do Ministério Público, entretanto arquivado.Ao longo desses sete meses foram realizadas diligências, em conjunto com a Segurança Social, com o Serviço Social do Hospital G.O. e com a Câmara Municipal de A. - Divisão de Habitação, junto da família com o objectivo de fazer regressar a idosa á sua casa, entretanto ocupada por uma bisneta com 20 anos.Depois de alguma insistência e conversas mantidas com o único familiar, (neto) com capacidade e desejo de solucionar este caso, a utente regressou à sua residência, continuando a frequentar a Resposta Social de Centro de Dia da A. A. De referir que nesta altura a idosa beneficiou do alargamento de horário desta Resposta Social nos dias úteis, contando com o apoio do referido neto e das equipas de Apoio Domiciliário da mesma instituição, ao fim de semana.Há que referir que a idosa encontra-se perfeitamente integrada na instituição e denota um comportamento bastante afável e correcto para com todos os elementos que a compõem.No passado dia 18 de Janeiro de 2013, a utente não conseguiu vir para o Centro de Dia, pois queixava-se de dores na perna direita, tendo beneficiado do Serviço de Apoio Domiciliário da instituição. Nesse mesmo dia, e com o consentimento do neto, a idosa foi encaminhada para o Hospital G. O., onde lhe foi diagnosticado um traumatismo no joelho e do qual tem Alta, desde o dia 19 de Janeiro. Esta informação foi transmitida ao neto, o qual, para nossa surpresa, colocou alguns entraves, no sentido de a ir buscar, mas que acabou por fazé-lo no dia 20. No entanto, recusou levá-la para casa, alegando que a mesma não o reconhecia e que não tem qualquer apoio familiar e institucional. Perante esta situação, parece-nos que o ideal para esta utente é a sua integração em Lar.

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Caso 3: Recolector de lixos

:

Mauro encontra-se num estado inicial de demência e não tem família que o suporte.

O seu caso está sinalizado pela polícia e pelo serviço social, no que respeita

particularmente à sua condição habitacional: presença de uma grande quantidade de

lixo e parasitas.

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Relatório SocialO utente Mauro, nascido a 22 de Julho de 1926, com estado civil Divorciado, residente em L. Trata-se de um utente acompanhado no Centro de Saúde do L.. O senhor Mauro ao nível cognitivo apresenta alguns sintomas de desorientação no tempo e no espaço. Idoso isolado, sem suporte familiar, a residir sem as condições mínimas de habitabilidade necessárias ao seu bem-estar. Nos primeiros dias do ano 2010, os nossos serviços, conjuntamente com a PSP (solicitada ao local para se poder entrar na residência do utente, uma vez que não era visto há 3 dias) depararam-se com a existência de parasitas (pulgas e ratos) e grandes quantidades de lixo. Entre os dias 7 e 19 de Janeiro de 2010, o idoso esteve numa Casa de Repouso (Nossos Queridos Pais) de modo a efectuarem-se as diligências de limpeza e remoção de lixo da sua casa. Estas procederam-se com a preciosa ajuda da Associação de S D L e da Junta de Freguesia local.O idoso beneficia dos serviços prestados pelo Centro de Dia da Alma Alentejana, no Laranjeiro, nomeadamente ao nível das refeições, transporte, higiene pessoal, diligências e higiene habitacional. Aos domingos e feriados, dias em que o Centro de Dia se encontra encerrado, este utente é acompanhado pelas equipas do Serviço de Apoio Domiciliário da A. A.Entre os dias 13 e 24 de Fevereiro, esteve internado no Hospital GO, devido a uma Pneumonia. Durante este período, foram efectuadas diligências no sentido de integrar o utente na Resposta Social de Lar, mas que infelizmente não foram conseguidas por falta de vagas nas Instituições contactadas. Após este acontecimento, o utente tem melhorado o seu estado de saúde, continuando no entanto desorientado no tempo e no espaço. O idoso continua a beneficiar dos mesmos serviços, mas que se têm manifestado insuficientes uma vez que durante o período de não funcionamento da instituição (domingo à tarde) sai de casa sozinho e desorienta-se, sendo posteriormente encaminhado para o Hospital G. O, onde os nossos serviços o vão buscar às segundas-feiras de manhã. Porém e para evitar esta situação, desde o último fim-de-semana de Agosto, o senhor Mauro tem beneficiado do apoio do Lar até ir em definitivo para uma instituição que o possa acompanhar permanentemente. Deve-se referir que o utente aufere uma pensão no valor total de 349,05 € já incluindo o Complemento Solidário para Idosos.

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Caso 4: Barreiras arquitetónicas

Adriana é uma idosa descendente de portugueses, mas natural de Moçambique. Não tem

família. Ela não consegue ir ao Centro de Dia, porque anda em cadeira de rodas e vive

num apartamento sem elevador. A sua admissão num Lar para idosos, representa a

única solução considerando o seu problema de saúde e a sua situação habitacional.

Estes quatro casos dão uma ideia da complexidade de situações que os profissionais

enfrentam diariamente. Questões de saúde, habitação, finanças, legais, relacionais e

psicológicas estão muitas vezes interrelacionadas e sem que se encontrem soluções

fáceis. Parece evidente que a estreita cooperação entre diferentes profissionais,

trabalhadores sociais, profissionais de saúde, polícia, etc., é vital para dar respostas

apropriadas às necessidades das pessoas idosas.

Neste estudo, as experiências no âmbito da “Rede Social” (rede interinstitucional) em

Portugal, será apresentada descrevendo dois casos de estudo etnográficos: uma rede

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Relatório SocialUtente, Adriana, com 88 anos, solteira, sem filhos, a residir sozinha e com um rendimento mensal de cerca 300€. Trata-se de uma idosa diabética, hipertensa e com uma amputação de um dos membros inferiores. Beneficia do Serviço de Apoio Domiciliário desde Agosto de 2010, beneficiando numa primeira fase da entrega de refeições e de apoio psicológico. Desde o início de 2013, a estes dois serviços foi acrescido o serviço de higiene pessoal em resultado de um agravamento do seu estado de saúde. Quanto à rede familiar, existe o registo de dois sobrinhos, ambos residentes fora do Concelho de Almada, mas também eles condicionados com fatores inerentes aos seus próprios quadros familiares.Oriunda de Moçambique nos anos 70, na sua chegada a Portugal, esteve durante alguns anos internada numa instituição médica de apoio a doentes de lepra. Foi nesta instituição que se registou a amputação do membro inferior. Depois de deixar esta instituição, veio viver para a casa onde actualmente reside. Nesta habitação, um primeiro andar num prédio sem elevador, viveu durante as últimas décadas, com uma sobrinha que era o seu suporte familiar. No entanto esta faleceu em Julho de 2010, vítima de doença oncológica. Desde essa data que a utente, pretende integrar a Resposta Social de Lar. Porém e apesar das várias diligências efectuadas, até à presente data ainda não existe vaga.A casa onde habita foi herdada pelo filho da sobrinha, que pretende colocá-la à venda. Perante este facto, a idosa considera-se “um fardo” para o sobrinho, provocando-lhe uma grande ansiedade, dando assim origem a uma elevada instabilidade emocional. Esta situação aliada ao seu quadro clínico, tem resultado no já referido agravamento do seu estado de saúde, bem patente em alguns internamentos no Hospital G. O., registados no primeiro trimestre do presente ano.Perante este cenário, tem havido articulação com outros serviços como a Segurança Social, o Serviço Social do Hospital G. O. e o Centro de Saúde da área de residência, com o intuito de reforçar os pedidos de integração da idosa na Resposta Social de Lar. No entanto, e apesar de todos os esforços encetados neste sentido, até à presente data não se têm obtido os resultados pretendidos.

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interinstitucional numa freguesia de Lisboa e uma rede interinstitucional informal num

município suburbano, que evidenciam a importância de compreender a cultura destas

redes e as motivações social e éticas que as conduzem a um sucesso duradouro. A

discussão nas secções seguintes permite destacar os problemas inerentes a estas práticas

de intervenção social e a orientação para futuros estudos.

Os dados analisados neste e-book fazem parte de um grande corpus e foram

recolhidos no decurso do projecto interdisciplinar de pesquisa APSE: "O

envelhecimento, a pobreza e a exclusão social: um estudo interdisciplinar sobre serviços

de apoio inovadores." http://www.clunl.edu.pt/en/?id=1646&mid=189 (Paoletti &

Gomes, 2014; Paoletti 2013a; 2013b; Paoletti & Carvalho, 2012; Carvalho, Paoletti,

Rego 2011). O objectivo desta pesquisa consistiu em analisar o papel do trabalho social

e dos serviços sociais na intervenção social com pessoas mais velhas, descrevendo as

boas práticas na prestação de serviços. Inicialmente foram realizadas entrevistas aos

gestores locais (assistentes sociais na posição, gestores de serviços de coordenação,

coordenador de ONGs; presidentes, pessoas mais velhas das associações) envolvidos na

intervenção com pessoas mais velhas. Com base nas entrevistas, foram escolhidas duas

orientações para a documentação etnográfica. Foi perguntado e concedido pelos

participantes na pesquisa, a permissão para gravar as entrevistas e outros dados

interacionais. Os nomes dos participantes foram alterados, no sentido de preservar o

anonimato (ver Paoletti 2013; Paoletti et al de 2013, para a complexa questão da

anonimização de transcrições).

No primeiro capítulo, a experiência da rede social na Freguesia de Santos-o-

Velho, em Lisboa é apresentada e descrita em detalhes que incluem a cultura e o

contexto que permite uma inclusão efetiva dos idosos na vida social e cultural desta

cidade, além disso, as principais características da intervenção coordenada com idosos

em situação de risco são apontadas. No segundo capítulo, são descritas as características

organizacionais da rede interinstitucional num Municipio suburbano, havendo uma

ênfase no seu modelo de planeamento conjunto, na implementação e avaliação da

intervenções sociais com idosos que foram desenvolvidas ao longo de trinta anos.

Portanto, a legislação da rede social e seus desenvolvimentos são apresentados no

terceiro capítulo, sendo que as duas experiências podem ser relacionadas e discutidas

em relação a documentos políticos relevantes. Na conclusão, algumas das características

mais salientes do estudo são enfatizadas e apontam para a recomendação específica no

nível político em relação à intervenção interinstitucional com uma população idosa.

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Uma nota acerca de como este texto deve ser lido. A consideração etnográfica,

que descreve as experiências de duas redes interinstitucionais, é produzida utilizando

transcrições de entrevistas com profissionais. O principal conteúdo das transcrições é

sempre resumido em um comentário. De fato, as transcrições são, frequentemente,

difíceis de ler. Elas são usadas aqui como informação documental que sustenta a

argumentação apresentada nos estudos, mas, também, para realçar a riqueza de detalhes

que caracteriza uma consideração etnográfica. A compreensão dos principais aspectos

destas experiências é possível, simplesmente, através da leitura dos comentários, mas

nós encorajamos os leitores a fazerem um esforço para ler as transcrições, porque elas

transmitem melhor os peculiares recursos culturais desses lugares sociais.

Nós gostaríamos de agradecer a todos os profissionais e idosos que participaram

nesse processo de pesquisa por compartilharem connosco suas experiências e por suas

afabilidades e simpatias.

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Capitulo 1:

A participação de cidadãos seniors promovida pela intervenção inter-institucional

Isabella Paoletti

Reforçar a participação dos cidadãos mais idosos é um objetivo importante por

si só, num país democrático, mas também constitui um meio eficaz de promoção do

envelhecimento ativo.O atual envolvimento das pessoas idosas na vida social, cultural e

política das suas comunidades representa uma forma de envelhecer saudável e positiva.

Este estudo refere-se a um projeto de investigação em curso sobre intervenção social de

combate à pobreza e exclusão social da população idosa, projeto APSE 2

“Envelhecimento. Pobreza e exclusão social: redes institucionais e intervenção social e

de saúde integrada com pessoas idosas.” https://apseclunl.wordpress.com/

Os dados recolhidos incluem a observação e a gravação de reuniões inter-institucionais,

atividades envolvendo pessoas idosas entrevistadas (88 horas de gravação audio/video).

Através de um relato etnográfico (Atkinson et al., 2001 Smith, 2005), são

descritas as principais estratégias de intervenção com a população idosa no distrito de

Lisboa, tornando visível o seu contributo. Estas atividades são baseadas principalmente

nas memórias, experiências e perspetivas das pessoas idosas. Algumas destas atividades

são apresentadas, em particular no museu ao Bairro, atividade de memória, fórum

senior.

Reportando as vozes das pessoas idosas a partir das gravações de atividades, o estudo

descreve, em termos de interação, como é que essas atividades promovem uma

integração efetiva das mesmas nas suas comunidades contribuindo assim para um

envelhecimento saudável

Introdução

Em Portugal, em 1997 a resolução de (Resolução do Conselho de Ministros nº

197,1997) aprovou o programa "Rede Social", designado por Redes Sociais inter-

institucionais. Esta resolução teve como objetivo apoiar a rede existente entre as

diferentes instituições públicas e privadas de solidariedade social no país.

Neste documento pode-se ler: a rede social é o conjunto das diferentes formas de

entreajuda, bem como das entidades particulares sem fins lucrativos e dos organismos

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públicos que trabalham no domínio da ação social e articulam entre si e com o Governo

a respetiva atuação, com vista à erradicação ou atenuação da pobreza e exclusão social e

à promoção do desenvolvimento social” (Resolução do Conselho de Ministros n.º

197,1997). No âmbito dos objetivos da Rede está a erradicação ou atenuação da pobreza

e a promoção do desenvolvimento comunitário.

Este estudo etnográfico descreve as atividades desenvolvidas por uma rede inter-

institucional, numa freguesia em Lisboa, sobre a intervenção social com pessoas idosas,

promovendo a sua participação na vida social, cultural e política dessa comunidade. Os

significados dessa experiência em relação ao paradigma do "envelhecimento ativo" e

das políticas relacionadas são enfatizados.

Na literatura existe um consenso relativamente à importância atribuída ao conceito de

"envelhecimento ativo" (ver Boudiny de 2013 para uma revisão atualizada) e dos

conceitos relacionados como o "envelhecimento saudável", "envelhecimento

produtivo", "envelhecimento bem sucedido" (Veja Ouwehand. et al 2007, para uma

visão geral), com um amplo reconhecimento ao nível político(WHO2002; ONU; EC,

2007) Há também algum consenso sobre a falta de clareza na definição de tais

conceitos (Boudiny 2013). Boudiny (2013,1077) aponta:

"Embora o conceito de envelhecimento ativo seja muito utilizado durante a última década na política, investigação, bem como nas práticas, ainda é caraterizado por uma falta de clareza quanto à sua interpretação (Clarke e Warren 2007; Ranzijn 2010). Na nossa perspetiva dois problemas estão subjacentes a esta obscuridade. Primeiro, existe uma falta de consenso sobre o significado em torno do envelhecimento ativo (...) Em segundo lugar, o envelhecimento ativo é muitas vezes usado como sinônimo de noções subtilmente divergentes como são o envelhecimento saudável e o envelhecimento produtivo (Ranzijn 2010), que, por sua vez, são definidos de forma diferente pelos vários autores. "

As críticas de interpretação do envelhecimento ativo num quadro predominantemente

económico têm surgido baseados na definição da OMS (Boudiny, 2013; Ranzijn, 2010).

Mas na Gerontologia Crítica (Critical Gerontology), alguns autores (Laliberte Rudman,

2006; Liang & Luo, 2012; McHugh, 2003; Phillipson & Biggs1998; Razanova 2010)

têm criticado os próprios conceitos de envelhecimento ativo e bem-sucedido.

Os interesses econômicos subjacentes ao conceito de envelhecimento ativo e

envelhecimento bem-sucedido têm sido enfatizados. Os princípios neo-liberais de

redução das despesas com os cuidados com os idosos são concebidos como as bases da

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estrutura conceptual do envelhecimento ativo (Laliberte Rudman, 2006; Razanova

2010).

Além disso, as pessoas idosas são reenquadradas como uma nova oportunidade

comercial (McHugh, 2003), constituindo um novo mercado para a indústria e para o

comércio. "Como solução para as desvantagens associadas à idade avançada como a

dependência, o declínio e, finalmente, a morte, a indústria anti-envelhecimento oferece

uma infinidade de produtos e passatempos que apagam os sinais e as manifestações da

idade avançada, mantendo a aparência da pessoa jovem, ativa, e virtualmente produtiva

indefinidamente. "(Razanova 2010, 215).

Na gerontologia crítica os aspetos relativos ao agismo e ao etnocentrismo do

conceito "envelhecimento bem-sucedido" (Liang & Luo, 2012) são enfatizados. As

pessoas idosas que são frágeis e não estão a envelhecer bem, são discriminadas no

quadro conceptual do envelhecimento bem-sucedido. Além disso, a importância das

ações e da participação social é certamente um valor central nas culturas ocidentais, mas

não noutras. "O modelo de envelhecimento bem-sucedido ignora as diferenças de

gênero, da identidade racial / étnica e falha na captação da diversidade factual das

populações mais idosas" (Liang & Luo, 2012, 328).

Phillipson & Biggs (1998) descreve como a tendência para a mercantilização da

prestação de cuidados implica o surgimento de uma "zona de não-cuidado" e

consequentemente, uma "zona de não-identidade" para a população idosa: "a vida

moderna enfraquece a construção de uma identidade viável para a vida na velhice.

"(Phillipson & Biggs, 1998, 21). A incerteza e a ausência de significado na vida das

pessoas idosas, a falta de segurança no mundo parecem caracterizar a velhice.

Estas abordagens sugerem o confronto com a "realidade" do envelhecimento:

"um processo de dependência biológica que, embora não seja uma doença em si,

envolve a perda funcional e a susceptibilidade face à doença e à morte" (Liang & Luo,

2012). Sem negar a "realidade" do envelhecimento, é importante reconhecer a

plasticidade do funcionamento dentro dos limites biológicos (Fernandez-Ballesteros et

al. 2009) do processo de envelhecimento, que é o declínio que pode ser retardado e as

capacidades podem ser recuperadas, mesmo quando se perderam consequência de um

trauma ou de uma doença. A "realidade" do envelhecimento é muito diversa. Por que é

que não nos esforçamos por envelhecer com boa saúde e envolvidos em atividades

profundamente significativas, sejam elas quais forem? É importante reconhecer o direito

das pessoas idosas frágeis serem apoiadas e cuidadas, mas também é importante realçar

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o valor de criar novas possibilidades para um tempo de vida que é pouco explorado.

Uma grande parte da população vai chegar à velhice, constituindo uma nova realidade,

em termos individuais e sociais, e é necessário criar novos significados para a vida

nestes últimos anos.

Uma crítica pertinente ao paradigma do "envelhecimento ativo e bem-sucedido",

que não tem sido suficientemente desenvolvida é a sua dimensão individualista. Para

ilustrar este aspecto, é útil referir um documento recente da ONU (Tesch-Roemer, 2012,

3), onde se pode ler:"O envelhecimento activo tem sido desenvolvido como uma

estratégia para promover o potencial dos indivíduos para melhorar a consciência do que

cada um de nós pode fazer para se manter em forma e saudável durante o maior tempo

possível. A atividade física, o envelhecimento saudável, a aprendizagem ao longo da

vida e a integração na vida profissional, como trabalhador remunerado ou como

voluntário - todos estes são elementos para um estilo de vida ativo que deve caracterizar

todo o ciclo de vida"

A responsabilidade de ser ativo e envolvido é dada inteiramente ao indivíduo.

Existe uma responsabilidade da comunidade para dar espaço às pessoas idosas? É a

comunidade prestadora de serviços de qualidade que possam ajudar o indivíduo a

manter-se saudável e a recuperar perdas?

A matriz individualista do paradigma do envelhecimento ativo remete para o

valor de pertencer a uma comunidade mas não sublinha suficientemente o seu valor. A

realização de algumas atividades em conjunto com outras pessoas não tem o mesmo

valor e significado que pertencer a uma comunidade. Pertencer a uma comunidade

significa ter um papel nesta, atribuindo significado e valores a algumas atividades. O

paradigma do "envelhecimento activo" surge incompleto una vez que destaca apenas as

responsabilidades individuais no processo de envelhecimento esquecendo-se de dar

orientações em relação às responsabilidades das comunidades para incluir os membros

mais velhos.

O objetivo deste estudo é, assim, apresentar um exemplo de uma comunidade

que abre espaço aos seus membros mais velhos. O estudo mostra como a rede inter-

institucional num bairro de Lisboa promove a inclusão social das pessoas mais idosas na

comunidade, descrevendo as principais características da intervenção com a mesma e

relata alguns exemplos de atividades que são particularmente eficazes de forma a torná-

los protagonistas da vida cultural da sua cidade. Em particular, o estudo tem como

objetivo sublinhar os aspectos da qualidade da intervenção na promoção da participação

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dos cidadãos seniores e dos seus significados relativamente ao paradigma do

envelhecimento ativo.

O estudo

Os dados apresentados neste estudo referem-se a um projeto de investigação APSEI II:

"As redes institucionais e de intervenção integrada do serviço social e da saúde a

pessoas idosas". O estudo pretende documentar boas práticas de intervenção inter-

institucional com pessoas idosas em risco de pobreza e isolamento social. Foi realizada

uma etnografia em uma Freguesia no Município de Lisboa, com uma rede inter-

institucional de cinquenta e seis parceiros, documentando as iniciativas sociais com

população idosa e o trabalho de intervenção com pessoas idosas em risco de pobreza e

exclusão social.

Os dados compreenderam: gravação audio das reuniões inter-institucionais da rede,

vídeo / gravações áudio das atividades específicas de intervenção, gravação áudio das

reuniões entre os profissionais, encontros entre pessoas idosas e profissionais, reuniões

com o grupo de intervenção com a população idosa, entrevistas com assistentes sociais e

outros profissionais envolvidos na gestão dos casos.

Todos os dados foram anonimizados, a fim de preservar a confidencialidade dos

informantes (CF. Paoletti et al (próximo 2013; Paoletti 2013, para a complexa questão

da anonimização das transcrições). Através de um relato etnográfico detalhado

(Atkinson et al. 2001), o estudo descreve as actividades organizadas em relação à

intervenção com a população idosa do concelho de Lisboa, destacando como é que a

inclusão ativa das pessoas idosas é construída, através das iniciativas promovidas pela

rede inter-institucional. As iniciativas dão voz às pessoas idosas e as suas histórias

tornam-se parte da história e da cultura da sua cidade. Um profissional do bairro, numa

entrevista referiu;

“os idosos são muito falados mas falam pouco e nós tentamos essa situação que seja em vez de ser o objeto de ser o sujeito”. (Inteview C 24)

1. A intervenção no apoio às pessoas idosas no concelho de Lisboa

“A nossa freguesia é muito envelhecida e portanto recebemos muitos idosos que vêm pelos mais diversos motivos uns que já têm uma vêm só para conversar alguns verbalizam ah vim cá só visitá-la e eu e vêm ã é claro que muitas vezes este vim visitá-la tem alguma coisa por trás passou-se alguma coisa aconteceu alguma coisa está mais triste com alguma situação e portanto vêm ou vêm para tratar de

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coisas muito concretas que se prendem com os direitos e com as prestações sociais desde complementos por dependência, complemento solidário para idosos, subsídios.”(Inteview M7)

“às vezes eu fico a pensar isto é ridículo mas parece que lhes dá algum prestigio terem esta relação connosco pronto nós achamos gostamos imenso dá-nos imenso prazer estar com eles mas de facto nós temos pessoas e isto acontece se estiverem aí a observar e a professora (…) que vêm que passam só de manhã por exemplo às vezes entram na junta pedem ali ah podia ligar eu venho cá abaixo digo bom dia dou dois beijinhos e pronto” (Inteview M9)

Quando entramos neste contexto institucional alguns aspectos são particularmente

visiveis: há um excelente relacionamento entre os profissionais e as pessoas idosas.

Também é perceptível um excelente nível de cooperação e de amizade entre os

profissionais.

Sempre que visito o bairro para uma reunião, uma entrevista, etc, vejo pessoas idosas

sentadas na sala de estar à entrada e, como referiu um técnico na entrevista, vêm por

várias razões, mas às vezes só para ver os profissionais, para cumprimentá-los ou ter

com quem conversar. A mesma simpatia e informalidade carateriza a relação entre os

profissionais.

“Temos uma relação também de grande proximidade e parceria tanto com a equipa de cuidados continuados como com o serviço social do Centro de Saúde fazemos visitas conjuntas vemos várias questões com a própria Santa Casa da Misericórdia”.(Interview M 225)

“com a polícia temos um óptimo relacionamento a professora assistiu com a polícia a polícia num programa de policiamento de proximidade eles são impecáveis eles também nos sinalizam pessoas porque eles vão visitar várias pessoas e nós as vezes também lhes telefonamos porque já não vemos a pessoa há muito tempo para eles passarem assim eles passam telefonam portanto são impecáveis”. (Interview M 232)

Juntamente com as instituições parceiras, os técnicos criam eventos na comunidade em

que o contributo das pessoas idosas é significativamente valorizado. Isso é feito

incrivelmente com poucos recursos, além da inteligência, perícia, cuidado e criatividade

das pessoas envolvidas. O coordenador da intervenção social no bairro, ao descrever a

população idosa no município, refere:

“Nós temos idosos muito idosos mas curiosamente também temos ai um grupo de idosos muito idosos muito activos … que fazem a vida deles que vão à hidroginástica e que mesmo a nível mental estão muito bem muitíssimo bem pessoas estou a falar de pessoas quase com 90 anos como é o caso aqui portanto

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que ainda que ainda estão muito bem e depois temos um grupo que alguns ainda nem têm os 65 mas estão ali mas que estão muito desorganizados portanto pessoas que estão com pensão de invalidez por motivos psiquiátricos porque que fazem a sua vida mas que de uma forma muito desorganizados muito conflituosos com muitas dificuldades depois temos aí um grupo considerável de idosos que eu acho fantástico que é muito saudável que andarão aí a nível de faixa etária nos setentas e muitos 75 se calhar entre os 75 e os 80 são pessoas autónomas bem dispostas muito participativas aliás eu acho que isso é uma característica aqui que me surpreende que é as pessoas aderem muito às actividades vêm participam falam não tem dificuldade em dizer aquilo que pensam aliás se não as deixam dizer aquilo que pensam é que é o problema mas que depois nós vamos ver que é espantoso são pessoas que vivem com dificuldades financeiras portanto têm reformas pequeninas mas que conseguem ter uma organização e uma gestão que não são o utente típico portanto não vêm aos serviços pedir apoio disto e daquilo e daqueloutro portanto conseguem e nós temos aí exemplos muito interessantes de pessoas com 300 euros portanto tinham a pensão mais o complemento solidário para idosos ficaram com 300 e poucos e conseguem manter a sua as suas contas todas em dia pagar a sua renda de casa têm uma capacidade de poupança extraordinária” (Inteview M 71)

A Junta de Freguesia coordena uma série de serviços para a população idosa, desde as

aulas de ginástica, aos serviços de Apoio Domiciliário e a um Centro de Dia para

deficientes. Além disso, através da rede inter-institucional, as atividades sociais e

culturais são organizadas envolvendo as pessoas idosas. Um modelo participativo

caracteriza a relação entre os profissionais e o conselho consultivo, como o coordenador

da intervenção social afirmou numa das entrevistas:

“contrariamente ao que acontece noutras juntas que eu sei que acontece portanto que deriva do executivo e que o executivo é que define tudo e os técnicos simplesmente operacionalizam e executam aqui o processo não é esse portanto é muito discutido muito partilhado muito participado e no fundo podemos dizer que até hoje temos bastante flexibilidade para poder apresentar discutir e que as coisas vão seguindo um bocadinho o rumo que nós definimos não nesse aspecto o executivo é facilitador e possibilitador da acção portanto não se nós entendermos que devemos ir por este eixo ou por aquele e obviamente que justificado não é como normalmente é aprovado não temos assim” (Inteview M 71)

A importância do diálogo e do trabalho em rede caracterizam a gestão interna da Junta

de Freguesia, bem como a intervenção inter-institucional. A descrição da estrutura

organizacional da intervenção com pessoas idosas irá ilustrar como é que estas

instituições operam em conjunto.

1.1 A estrutura organizacional da intervenção

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A Freguesia de Lisboa, descrita neste estudo, tem uma longa tradição de trabalho em

rede interinstitucional no âmbito da intervenção social. Antes da institucionalização da

"Rede Social", em Lisboa, em Junho de 2005, esta cidade convidou as instituições do

concelho a constituir uma rede informal: Fórum Social, a fim de promover a

intervenção social integrada no município.

Dois anos mais tarde, a "Comissao Social de Freguesia" (comitê social do

município) foi oficialmente criada, de acordo com os requisitos legais, como parte da

"Rede Social", em Lisboa. Tem agora cinquenta e seis membros, entre eles:

representantes do centro de saúde, serviços de segurança social, polícia, museus,

bombeiros, universidades, associações de pessoas idosas, várias associações de

cidadãos, ONGs, cidadãos interessados. A maioria das instituições participantes estão

localizadas na proximidade, mas a rede está-se a estender cada vez mais para além dos

limites territoriais do município.

O objetivo principal do comitê é, como se lê no ato constitucional: "o

planeamento estratégico da intervenção social local, na perspectiva de promover a

inclusão social como um compromisso coletivo" (art. 2, de 2007, Regulamento Interno).

Os participantes da rede reúnem-se a cada dois meses para definir objetivos e avaliar

atividades conjuntas, a fim de responder às necessidades da comunidade.

Os objetivos identificados nas reuniões da rede são, então, operacionalizados e

implementados pelo "Núcleo Executivo" (Comissão Executiva), através da constituição

de grupos de trabalho. Estes grupos de trabalho são responsáveis pela criação,

implementação e avaliação das ações acordadas durante as reuniões da rede. Em cada

grupo de trabalho um membro da comissão executiva está presente com a tarefa de

coordenar o grupo e relatar as actividade do grupo de trabalho para o comitê executivo.

Não há grupos de trabalho permanentes, a composição dos grupos muda de acordo com

o planeamento das atividades, ou seja, os primeiros objetivos específicos são

estabelecidos em seguida, os grupos são organizados para os realizar. Num relatório de

uma reunião da CSF pode-se ler:

“No Plano de Acção consta apenas aquilo que os parceiros, organizados em Grupos de Trabalho, se comprometem a fazer. O Plano é definido em função das necessidades da comunidade e não em função dos interesses ou necessidades casuísticas de cada uma das diferentes instituições. Primeiramente definem-se as acções e só depois se constituem os Grupos de Trabalho.”(Documento f the Núcleo Executivo da CSFSOV)

A intervenção social com pessoas idosas, neste bairro de Lisboa é articulada em duas

áreas principais:

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1) a intervenção em relação a casos específicos de idosos frágeis, coordenado pelo

NAIS-Núcleo de Apoio e Intervenção a Seniores (intervenção e grupo de apoio aos

cidadãos seniores). Os profissionais que estão diretamente envolvidos no apoio a idosos

frágeis participam nas reuniões NAIS.

2) a organização de atividades sociais e culturais que envolvem os idosos, coordenada

pela CSF-Comissao Social de Freguesia (rede inter-institucional). O planeamento e a

avaliação da intervenção são realizados através de reuniões da rede inter-institucional.

2. NAIS - Núcleo de Apoio e Intervenção a Seniores

O NAIS (intervenção e grupo de apoio aos cidadãos seniores) inclui profissionais de

todas as instituições envolvidas na prestação de ajuda direta à população mais idosa. Os

profissionais presentes nas reuniões são geralmente: um profissional coordenador, uma

assistente social da St. ª Casa da Misericórdia, o principal prestador de assistência social

em Lisboa, o gestor do centro de dia do centro paroquial, uma ONG organizada pela

Igreja local que gere o centro de dia e presta serviços de apoio domiciliário (refeições,

higiene pessoal, trabalhos domésticos, etc), uma enfermeira do centro de saúde local

(centro de Saúde da L.), agentes da unidade policial local (PSP Policia de proximidade),

um profissional do regime de bombeiros sapadores voluntários/ NISAC (Núcleo de

Intervenção Social de Apoio ao Cidadão).

Visita conjunta Intervenção conjunta

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Este grupo de profissionais criou uma base de dados com uma lista de nomes e moradas

de todos os idosos em situação de fragilidade no município. A organização pela rua foi

sugerida pelos polícias e pela assistente social foi considerado como uma forma muito

eficaz de mapeamento das necessidades de cuidados. A polícia (PSP) do Distrito tem a

tarefa de inserir na base de dados as informações que os parceiros institucionais

proporcionam. No momento os procedimentos legais e técnicos para partilhar a

informação entre os parceiros institucionais estão a ser estudados. Uma reunião com o

Centro Nacional de Protecção de Dados foi organizada. Os profissionais estão a planear

a implementação de um único formulário de avaliação conjunta.

A intervenção dirigida a idosos frágeis é activada por solicitação direta dos interessados:

“a junta tem também um atendimento social específico semanal é feito por mim e pela colega de serviço social portanto eu sou antropóloga de formação mas tenho essa função também de fazer o atendimento”(Inteview M5)

Casos de pessoas idosas que necessitam de ajuda também podem ser sinalizados por

vizinhos ou instituições relevantes:

“atendimento é individual e acontece às vezes ser a própria pessoa que procura vem marca atendimento e vem ou às vezes as vizinhas telefonam dizem ah doutora está aqui a D. Alice não sei quê e ela está mesmo a precisar pronto aí eu telefono ou telefonamos porque temos uma listagem com todos os idosos as moradas os contactos … ou então vou lá a casa e converso e às vezes faço os primeiros atendimentos em casa da pessoa porque a pessoa não se desloca por algum motivo ou porque não quer vir à junta” (Interview M 197-201)

“pode ser já aconteceu o centro de saúde ligar-nos ah na Rua das ( ) existe uma senhora assim assim está a fazer o penso e ela está muito sozinha está muito não sei quê pronto nós vamos lá ver pronto agora acontece há muito pedido portanto as pessoas marcam muito atendimento e vêm facilmente pedir ajuda” (Interview M 203)

Nas sessões semanais, as pessoas idosas podem conversar com os profissionais do

bairro sobre os seus problemas e necessidades. O acesso aos serviços e aos vários tipos

de benefícios é mediado nestes encontros, mas muitas vezes têm também um valor

terapêutico, como apontou um dos profissionais:

“temos um grupo significativo de pessoas que como eu costumo dizer que estão constantemente deprimidas que vivem neste registo devido à sua história de vida devido e que recusam o acompanhamento psicológico e portanto substituem que não é o atendimento não é o acompanhamento psicológico mas preferem vir aqui

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semanalmente ou quinzenalmente conversar são capazes de estar aqui uma hora uma hora e um quarto uma hora e meia às vezes pronto e depois regressam a casa mas realmente temos idosos que tiveram um percurso de vida muito complicado muitas vezes com episódios mesmo dolorosos e que realmente nesta fase aquilo que eu sinto é que depois na velhice tudo vem ao de cima e portanto e vem de uma forma às vezes muito difícil de a gerir”(Inteview M7)

As reuniões com os profissionais fazen parte integrante das intervenções. A intervenção

com as pessoas idosas é concebida como um processo que tem como base o respeito e a

valorização da pessoa idosa como um indivíduo com experiência e conhecimento:

mas com os idosos eu acho que tem que haver muito esta sensibilidade de valorização porque o que acontece muitas vezes nos idosos pelo menos eu sinto isso é que há muito também uma infantilização pronto são idosos coitadinho e tal pronto e não saímos disso vamos lá ver e ajudar e coitadinho e aquela pessoa que está ali tem uma historia de vida tem uma riqueza teve uma profissão teve não sei que e nós temos que agarrar nisso e valorizar e a pessoa à partida a não ser casos muito difíceis há pessoas que realmente estão num estado muito complicado e que é preciso e que não aceitam nada já tive situações sei lá mas muito difíceis que a pessoa não aceita estar com mais ninguém não aceita participar em actividade nenhuma não aceita então vamos lá então o que é que aceita pronto não também não é necessário é ao ritmo da pessoa pronto e logo se vê e depois há evoluções nós temos nós fazemos a praia todos os anos e há idosos que nós já conhecemos há não sei quantos anos e que por exemplo nunca foram à praia nunca quiseram ir porque ou como é muita gente ou não se sentem à vontade para ir à praia ou não se sentem não sei quê portanto vão outros aos poucos têm começado a ir depois ficam encantados não querem outra coisas pronto … acho que a chave para isto tudo acho que é mesmo a relação se a pessoa se existir ali uma sintonia não é e se sentirem acolhidos e valorizados” (interview M 258-260)

Os profissionais na entrevista sublinham a importância de se conhecer pessoalmente as

pessoas mais idosas e descobrir quais são os seus interesses, as suas prioridades e

começa a partir daí um processo de inclusão em várias atividades na comunidade.

“entretanto o que eu acho mais importante assim nos idosos é quando nós os recebemos eu pelo menos tenho esta perspectiva a minha preocupação se calhar também por não ser de serviço social e estar menos formatada para um antropólogo é o prazer por si de estar com a pessoa e de conhecer a pessoa portanto não tenho outras preocupações não é e tentar perceber realmente a dinâmica e como é que a pessoa está no seu bairro está na sua vida está e portanto o que eu tento é perceber está bem que a pessoa tem problemas e temos que mas ver o que é que esta pessoa tem onde é que podemos agarrar que potencialidades é que esta pessoa tem o que é que a pessoa gostava eu as vezes agarro muito na questão dos sonhos ah eu gostava há não sei quantos anos que não vou a Fátima e não sei o quê portanto proporcionar a uma pessoa que não vai há 20 anos a Fátima tem 80 anos e o sonho dela é ir a Fátima … a intervenção tem que ser essa tem que ser uma viagem a Fátima porque não há nada que se possa fazer que vá ter tanto impacto como isso portanto e depois podem-nos criticar dizer há mas isso não tem oh digam o que disserem mas o que é certo é que a experiência mostra que realmente as pessoas ficam com uma depois de participarem numa praia de fazerem as pessoas ficam com outra motivação e a seguir é possível depois ir trabalhando algumas coisas (interview M 256-258)

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Os profissionais estão atentos se a pessoa idosa recebe os benefícios a que tem direito e

também ajudá-los no trabalho administrativo, além disso consideram que é muito

importante ouvir os seus sonhos e a partir daí começa um trabalho de ajudar a pessoa a

obter uma vida mais saudável e melhor. A intervenção em casos específicos é discutida

entre os vários profissionais de acordo com as diferentes tarefas envolvidas, durante as

reuniões NAIS (Paoletti, 2013b), mas também por telefone ou numa reunião informal

entre os profissionais, por exemplo, durante o almoço; ou uma linha de intervenção é

definida de acordo com as necessidades específicas da pessoa:

“depois dependente da situação pode ser um caso que tem que se discutir em equipa no sentido de ah para esta senhora estava mesmo a precisar e ela gostava ou já tem acontecido esta senhora tinha o sonho nunca foi a uma revista gostava de ir a uma revista ou gostava de ir assim às vezes coisas que são muito pequenas então vemos aqui do lado com o Carlos pesquisa o que é que é possível se e organiza-se qualquer coisa para essa senhora ou então vemos aqui numa discussão mais restrita entre mim e a Marta o que é que se a senhora tem os direitos todos assegurados se a senhora tem por exemplo se ela recebe o apoio domiciliário então porque é que ainda não tem o complemento por dependência ou se pode requerer o complemento solidário para idosos e ainda não requereu e então trata-se do complemento portanto vê-se qual é a situação tenta-se conhecer e ver qual é a situação” (Interview M 203)

A intervenção com pessoas idosas frágeis não é apenas para prestar os serviços

essenciais, mas também para incluí-los, tanto quanto possível, em atividades

comunitárias:

“onde há mais cuidado é cuidado no sentido de os idosos que não podem sair de casa aí apostamos nas visitas domiciliárias e tentamos às vezes nem que seja poucas vezes no ano mas tira-los de casa por algum motivo conciliar ali com a assistência ou com os bombeiros de podê-los ou trazer aqui ou leva-los a alguma actividade para que pelo menos eles tenham uma oportunidade de sair e portanto aí é feito outro tipo de trabalho de articulação com a equipa de cuidados continuados do centro de saúde da Lapa ali com a assistência paroquial que faz o apoio domiciliário portanto para esse tipo de idosos é depois os restantes idosos é tudo muito livre portanto existem as actividades as pessoas inscrevem-se nós divulgamos convidamos as pessoas a participar e participa quem quer” (Interview M 174)

A intervenção em casos específicos e a organização de iniciativas de carácter social e

cultural, através da rede inter-institucional, envolvendo pessoas idosas, são atividades

fortemente inter-relacionadas. Para responder às necessidades e desejos reais das

pessoas mais idosas constrói-se uma relação de confiança entre as pessoas idosas e os

profissionais. Esta ligação, consequentemente, fomenta a participação ativa dos idosos

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nas atividades da comunidade. A importância do contato direto com as pessoas idosas é

apontada pelos profissionais, o telefone é o meio de comunicação preferencial:

“depois incentivamos as pessoas a participar nas actividades dizemos olhe mas porque é que não vem à aula disto ou porque é que não se inscreve ou porque é que não vai experimentar não vem à praia não vêm e às vezes telefonamos mesmo fazemos às vezes o Carlos então é a nossa central telefónica mas nós funcionamos muito com o telefone de telefonar às pessoas seja para convidar para vir à actividade seja para saber se estão bem então como é que tem passado então já não a vemos há 15 dias como é que portanto e somos nós que entre nós fazemos dividimos e vamos mais o Carlos faz mais este porque está mais liberto de outras coisas faz mais este trabalho mas nós também fazemos e os estagiários também já fazem isso quando há algum atelier temos os cartazes mas se as pessoas não lêem os cartazes não é portanto o que é que funciona o modo tradicional que é fazer uns flyers ir à padaria ir ao café ir à farmácia não sei quê pronto está divulgado não é depois sabemos que há um conjunto de pessoas que ainda assim sai poucas vezes então temos que telefonar nós olhe dona como aquela senhora Dona MJ muito engraçada D. J olhe na quinta-feira vai haver aqui na junta se a senhora quiser está convidada apareça e ela fica toda contente só de receber o convite isto já é uma coisa alguém me ligou a convidar não sei quê pronto e portanto há esta eles também nos telefonam imensas vezes e às vezes quando não podemos atender é complicado então precisava de alguma coisa? ah nao liguei so pra ouvir a sua voz pronto nem sempre também temos este também é difícil gerir esta mas” (Interview M 203)

O contacto telefónico do profissional tem o significado de um convite pessoal. Os

contactos telefónicos a convidar as pessoas idosas a participar em iniciativas

comunitárias não é apenas um meio de divulgação dos eventos e das atividades, mas

fazem parte da intervenção com as pessoas idosas, no sentido de que possui um efeito

positivo e faz com que se sintam bem-vindos; além disso o contacto telefónico a

convidar é também uma forma de manter o acompanhamento personalizado das pessoas

idosas.

  Na seção seguinte, iremos presentar a rede inter-institucional (CFS) e as suas

principais características organizacionais, destacando em particular os princípios

inspiradores relativos à inclusão social das pessoas idosas. Em seguida iremos descrever

algumas das principais iniciativas que envolvem as pessoas idosas, sublinhando o seu

significado em relação ao envelhecimento ativo.

3. A organização de atividades sociais e culturais que envolvem pessoas idosas coordenadas pela rede inter-institucional CSF (Comissão Social de Freguesia)

“Quando se fala na pobreza e exclusão a nossa ideia é com certeza que a pobreza e exclusão está directamente relacionada com a privação material e económica claro que sim … mas não se esgota aí ou seja estas formas de participação as pessoas

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não estão só excluídas de ter o dinheiro que lhes permita melhorar a vida às vezes estão excluídas e um bocadinho sufocadas abafadas ou desvalorizadas de privação à palavra ao poder não é? ao poder de decidir de influenciar o espaço onde moro onde trabalho onde trabalhei de espera aí mas quem quer construir aqui o que quer que seja não é importante ouvir?” (Inteview C 46)

“O nosso entendimento da inclusão é uma forma mais abrangente porque quando nós por exemplo fazemos uma visita a um museu e possibilitamos que idosos que nunca entraram num museu se possam deslocar a um museu estamos a trabalhar a inclusão não é também e portanto eu acredito que nós já tivemos relatos de algumas pessoas que nos disseram eu nunca na vida tinha eu nunca me tinha sentido tão bem eu nunca tinha ido a um sítio destes eu nunca tinha por exemplo nós temos pessoas em restaurantes que nos oferecem almoços e jantares no Natal em sítios tipo aqui o Cais o Sr. Vinho que são restaurantes que as pessoas não vão porque é de difícil acesso muito caros por exemplo o Sr. Vinho é caríssimo não é e que proporcionar aos idosos poderem não é de uma forma porque nós tentamos que isso não aconteça de serem grupos e de estigmatizar as pessoas não tentamos que seja o mais abrangente possível e nós acompanhamos sempre e vamos também ã de proporcionar este tipo de este acesso a este tipo de recursos que de outra forma as pessoas não têm” (Interview M 255)

O significado da inclusão por estes profissionais é também a acessibilidade: garantir o

acesso não só ao meios básicos de subsistência, mas inclui a participação em eventos

culturais, atividades de tempos livres e iniciativas políticas. Muitas vezes, a abordagem

prinicipal à pobreza é garantir simplesmente a sobrevivência: principalmente, estes

profissionais procuram buscar modos de gratificar e valorizar cada pessoa e o seu

contributo para a comunidade. O primeiro passo para erradicar a pobreza é dar valor à

pessoa aqui e agora, isto é a mensagem principal destas práticas de intervenção social.

A participação na atividade da comunidade é construída gradualmente. A possibilidade

de responder às necessidades concretas e desejos da pessoa idosa contribui para a

construção de uma relação de respeito e confiança, depois a participação nas iniciativas

comunitárias acaba por ser uma consequência natural desta relação. Os profissionais da

Junta de Freguesia acreditam na transformação pessoal e no efeito que a participação

nas atividades sociais e culturais pode ter ao nível pessoal dos idosos.

nós sentimos mudanças nas pessoas na forma até como se apresentam como depois estão mais motivadas para aderir a outras coisas e nos relatos que fazem de nós por exemplo estou-me a lembrar de uma senhora que é um caso que tinha pensão nem tinha pensão social quando eu a conheci ela não tinha reforma porque achava que não tinha direito a reforma não tinha feito descontos e portanto não tinha direito a reforma é uma senhora até que participa nas visitas do museu ao bairro e então é extraordinário que é ela agora tem a pensão social e tem o complemento solidário para idosos até vive aí numa casinha é uma pessoa muito engraçada não sabe ler nem escrever mas tem um conhecimento e uma capacidade de expressão extraordinária e portanto ela no dia das visitas do museu ao bairro todos os dias que nós fazemos a visita o ultimo Sábado de cada mês e ela antes de ir para a visita ela vai sempre ao cabeleireiro arranjar o cabelo e pintar as unhas e ela chega ela chegou-me a fazer a visita assim ( ) e eu a primeira vez fiquei assim

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completamente mas ela só me dava vontade de rir mas foi quando pensei caramba eu estou tantas vezes com esta senhora e eu no gabinete eu não a consigo pô-la desta maneira eu não consigo trabalhar a auto-estima dela ao ponto de ela sair do atendimento e se ir produzir por mais simpática que eu seja não consigo ter este poder e aquilo que nós sentimos é que estas actividades têm um poder extraordinário nas pessoas muda mesmo as pessoas ficam ali com um” (Interview M 255)

As iniciativas criadas em cooperação com os parceiros da rede inter-institucional são

frequentemente iniciativas culturais de alta qualidade, nas quais as pessoas são

diretamente envolvidas, constituindo um bom exemplo o último evento em que

participei, a peça de teatro “ O Lavadouro”, encenado por Helder Costa da companhia

“A Barraca”. A peça de teatro foi apresentada no antigo lavadouro do bairro, onde

algumas mulheres idosas ainda vão lavar. “ O Lavadouro” é uma peça de avant-garde

que conta a história recente de Portugal – a criação da República, a ditadura de Salazar,

e a revolução de 25 de Abril – através do olhar das lavadeiras. A conversa entre as

mulheres que trabalham no lavadouro é usada para narrar estes eventos, enfatizando o

significado que os mesmos tiveram na vida destas mulheres. As mulheres idosas do

bairro, em particular estas que ainda trabalham como lavadeiras foram envolvidas na

fase inicial de documentação para a criação do enredo, contando a história da vida no

lavadouro; depois elas foram participar também no coro, cantando canções tradicionais.

Antes de apresentar alguma das iniciativas sociais e culturais principais que envolveram

as pessoas idosas, é importante descrever a estrutura organizacional da rede inter-

institucional e alguns dos principais princípios inspiradores.

“Comissão Social de Freguesia” - a rede inter-institucional

Os encontros da comissão social de freguesia são geralmente organizados a cada dois

meses na sede da Junta. Os encontros são coordenados por um dos parceiros na rede,

usualmente um coordenador muito experiente, por vezes um dos profissionais ou o

presidente da Junta de Freguesia agem como coordenadores. Cada encontro começa

sempre com alguma atividade cultural: leitura de poesias, canções, um vídeo, um

power-point que apresenta a documentação de atividades passadas. Bolachas e bebidas

estão sempre na mesa no início do encontro. Todos se sentem bem-vindos e bem

acolhidos.

Os aspetos mais notáveis destes encontros é a inexistência ou a redução ao

mínimo da hierarquia institucional, isto é, os participantes estão ali para representar uma

instituição, eles são primeiramente pessoas e depois profissionais. É criado um espaço

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inter-institucional com direitos iguais entre parceiros independentemente do poder da

instituição que estão ali a representar. É um espaço de liberdade para os profissionais

exercitarem a sua especialidade, mesmo contrastando com as práticas normais das suas

respetivas instituições. A contribuição pessoal de cada parceiro é enfatizada, a

criatividade ou a qualidade são os principais critérios para promover ações de

intervenção e não tanto a importância da instituição que os profissionais representam.

Os contributos pessoais são valorizados.

Rituais específicos foram elaborados para promover a identidade social da “ rede

social” e o sentido de pertença na comunidade de bairro. Este bairro está situado na

parte antiga de Lisboa perto do rio e estava ligado à atividade piscatória. Nele, muitas

das mulheres idosas eram varinas. No passado, costumavam andar ao longo das ruas de

Lisboa com a cesta de peixe para vender. São mulheres muito destemidas e arrojadas,

não têm problemas em falar em público. O peixe e a rede foram escolhidos como

símbolos da rede social de freguesia. Na sala da Junta de Freguesia, onde se realizam

reuniões, uma rede de pesca é exibida na parede. Peixes de papel com os nomes de cada

parceiro são pendurados nesta rede. Quando um parceiro novo pede para ser incluído na

rede, é levado a cabo o ritual de pendurar o peixe com o nome do parceiro no início do

encontro da rede inter-institucional. São dados aplausos de boas vindas ao novo

membro.

“Criou-se um ritual de adesão, porque o simbólico é fundamental na construção identitária de qualquer grupo. Madragoa território ligado ao rio. Bairro de varinas e pescadores. Então, haja rede! Haja peixe! Muitos Peixes! De Rio, de Mar, de Oceanos, de perto e de longe! Que venham todos! Só “é proibida a entrada a quem não andar espantado por existir”. Hoje já lá nadam 58! Todos diferentes!”

“Cada Peixe representa uma instituição que se coloca na Rede onde e como se sentir bem. Na Rede todos sabem…é importante rechearem a Rede. Às vezes pescamos, outras vezes deixamo-nos pescar. Tudo é importante!”

A abordagem geral à intervenção social é planeada como forma de dar poder aos

participantes, tornando-os agentes de produção de iniciativas culturais:

“exactamente fazer um bocadinho a sensibilização das pessoas ou seja nós tentamos não só eu é uma filosofia de trabalho da junta de freguesia … que é a de tentar com o apoio directo das pessoas fazer das pessoas participantes realmente activos das coisas não serem também existem mas passar daquele modelo de actividades que estão formatada … programadas e que as pessoas são só os destinatários finais não que as pessoas sejam parte do processo de construção das

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coisas não acontece em todas as actividades porque quando é para planear a visita quando é geralmente somos nós que fazemos a pesquisa e tudo mas existem outras como esta do museu ao bairro como esta das tertúlias que embora sejam organizadas por nós mas o contributo das pessoas é tão grande que a actividade é recheada e preenchida e a substância da actividade é realmente parte dos contributos das pessoas ou seja as pessoas que vêm cá para falar a maior parte das vezes porque têm essa sensibilidade dos convidados estão dispostos a ouvir e então é nesse encontro entre quem vem conversar quem vem apresentar mas que as próprias pessoas a professora Isabella já assistiu tomam conta da actividade.” (Inteview C 18)

Um profissional especifica muito claramente a diferença entre ser um consumidor de

atividades culturais ou estar envolvido na produção das mesmas:

“existe seja por produtos culturais seja por produtos até de objectos utensílios que cada vez estão a ser criados mais está a crescer o mercado direccionado para os idosos nem que seja mercado de telefone com teclas maiores para terem hipótese a calçadeira para portanto há uma serie de já de economia de lojas de negócio que tem crescido e para além deste negócio económico que tem crescido também têm crescido as actividades para os idosos mas nós estamos a tentar que não só ver as pessoas nestas actividades como consumidores de produtos para elas mas sim produtores de serviços não é? de produtos que sirvam a outros públicos no caso do museu ao bairro é um exemplo” (Inteview C 22)

Os profissionais acreditam na produção de iniciativas que têm uma finalidade e

envolvem os idosos num processo de crescimento pessoal.

“é contribuir colaborar com as pessoas para que elas sejam sujeitos do seu próprio desenvolvimento não é? para que haja uma emancipação de cultural social não é fácil mas é um trabalho em que nós acreditamos” (Inteview C 40)

“há outras ideias e tudo que vale a pena recriar e explorar especialmente esta das pessoas poderem ser novamente actores sociais mesmo num plano concreto não é? prático especifico” (Inteview C 195)

Um profissional fala de informalidade como um aspeto caracterizante da

abordagem institucional, ou seja, a importância do envolvimento pessoal concreto

de pessoas que pertencem a instituições diferentes.

“há muita comunicação que eu acho que aqui é uma coisa importante no nosso trabalho é não só nós outros parceiros também e outros projectos noutras áreas é antes pensava-se que as coisas muito formais aquela postura dos serviços que é responsável com maturidade como se a informalidade fosse uma coisa menor e cada vez vemos mais que o que aproxima e é uma ferramenta de trabalho uma metodologia é a informalidade porque as parcerias são parcerias entre as pessoas não interessa dizer que temos esta parceria se … se ela não se activa se não activa não activa” (Inteview C 152)

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A formalidade cria distanciamento, a informalidade produz aproximação e

envolvimento. Acima de tudo, o aspeto chave desta metodologia de intervenção neste

ambiente institucional é a valorização ou o contributo individual dos profissionais,

assim como das pessoas idosas. No próximo ponto, serão apresentadas algumas das

iniciativas sócio culturais mais relevantes no envolvimento das pessoas idosas.

4. Descrição de iniciativas socio culturais que envolvem idosos

Isto é uma necessidade transversal é o ser humano o ser humano gosta de ser reconhecido os idosos é natural que estejam na fase em que estão da vida que gostem mais ou especialmente de ser reconhecidos e portanto tem que haver e quando sentem que são envolvidos e portanto e que a opinião deles conta e que aquilo que eles têm para dizer é importante e que é valorizado então estão estão a vontade e falam imenso e dizem imensas coisas(interview M 269)

Entre as várias iniciativas organizadas que envolveram os idosos nos ultimos três anos

na freguesia, os seguintes foram provavelmente os que ilustram melhor o trabalho de

desenvolvimento comunitário levados a cabo pelos profissionais: “Museu ao Bairro”, “

Comunicação – lugar de gentes, gestos e memórias”, “ Fórum Sénior”. Estas iniciativas

eram particularmente eficazes no envolvimento ativo das pessoas idosas e constituíram

eventos culturais com grande sucesso.

4.1 “ Museu ao bairro”

O “Museu ao bairro” é provavelmente a iniciativa mais duradoura e bem sucedida que

envolveu pessoas idosas. Começou em 2009 e ainda contínua. Consiste numa visita

guiada ao bairro por um profissional de conservação do património com a participação

das pessoas idosas. Durante uma entrevista, o profissional da freguesia responsável pela

iniciativa descreve-a da seguinte forma:

“no último sábado de cada mês as pessoas fazem um percurso os visitantes realizam um percurso que tem início no Museu das Comunicações que é um dos parceiros da Comissão Social de Freguesia um percurso por locais daqui da freguesia e muito do bairro da Madragoa fazem aquela visita histórica mas não só a história dos acontecimentos históricos e dos edifícios mas a história das vivencias da vida das pessoas e muito e geralmente as pessoas que acompanham o percurso e que também acabam por guiar os visitantes pelas suas zonas de origem ou de experiencia de vida são essencialmente as idosas o grupo aqui dos velhotes como nós dizemos aqui essencialmente senhoras … um grupo de senhoras que umas tiveram ligadas ao peixe não é à descarga do peixe outras que tiveram fizeram venda pela cidade de canastra não é como

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varinas outras pessoas que não acompanham logo o percurso mas estão no próprio bairro e falavam também” (Inteview C 14)

O projecto “Do Museu ao Bairro da Madragoa” … visa valorizar e divulgar os diferentes patrimónios do Bairro da Madragoa e promover a identidade colectiva, através de visitas guiadas ao Bairro

O profissional descreve as características artísticas principais do bairro, enquanto as

pessoas idosas contam as histórias da vida no bairro quando eram jovens; reconstróem

algumas cenas da vida no bairro, e reproduzem alguns pregões. A iniciativa é muito

bem-sucedida e algumas agências de viagens propuseram inseri-las nas suas visitas

turísticas. Recentemente foi introduzida uma cobrança para participar nas visitas e a

receita é usada para financiar iniciativas culturais para pessoa idosa.

4.2 O Evento sobre a Memória:

O evento “ Comunicação – lugar de gentes, gestos e memórias” foi organizado em

2011, pelo Museu da Comunicação, um parceiro da rede inter-intitucional. É uma

tertúlia em que o participante partilha memórias sobre os meios de comunicação (cartas,

telefone, rádio, etc.). O coordenador do evento convidava o público a contar histórias

pessoais sobre os meios de comunicação e comentava a intervenção. Muitas pessoas

intervieram narrando a própria história, entre eles, alguns funcionários do museu de

comunicação, uma professora, uma estudante, o presidente da Junta de Freguesia e um

grupo de mulheres idosas. Após a intervenção do presidente, uma mulher idosa tomou a

palavra, Íris, é uma varina, uma mulher muito vivaça, arrojada e destemida. Íris contou

a história das cartas de amor fictícias que as mulheres do bairro costumavam escrever

durante o carnaval, usando títulos de filmes. Durante a sua intervenção, toda a audiência

desatou a rir várias vezes.

A transcrição da sua intervenção é apresentada de seguida:

C= Coordinator I=Iris C P= Participant

1 C: faz favor2 I: boa tarde a todos3 P: tinha que ser4 I: eu sou a Ana Rosa5 ((aplausos))6 P: tinha que ser7 I: oh e eu vou aqui contar uma história que é a partilha de uma carta

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8910111213

vou falar aqui para os mais novos para ver se eles conseguem fazer isso é difícil é uma carta que nós tínhamos no carnaval escrevíamos sobre filmes antigos de rapazes por exemplo eu tinha um rapaz que gostava dele mas ele não sabia ((risos)) e então eu escrevia aquela carta e passava logo a carta a outra rapariga queres tu escrever agora para o teu escreve tal e então

14 ficou-me na memória15161718192021222324252627282930

não é tudo não é o que eu vou dizer mas é tudo sobre filmes antigos então a carta começava assim senhor amar-te foi a minha perdição era um filme ((risos)) com todo o meu coração era outro filme ((risos)) lhe escrevo esta amorosa carta que ao vê-lo pela primeira vez à esquina do pecado era outro filme ((risos)) a (fascinação) era outro filme ((risos)) que a (fascinação) dos seus olhos fez com que um raio de luz me levasse a este fim o raio de luz também era um filme ((risos)) ao ler ( ) ontem o vi numa noite sem estrelas era outro ((risos)) os seus olhos ao verem ( ) da escuridão me fizeram apaixonar será a idade das ilusões? Não mas sim a idade perigosa também era um filme ((risos)) dizem que daqui (é doido por saias) era outro filme ((risos)) (ou para um aventureiro) depois isto tinha muito mais filmes mas o fim era engraçado porque a gente depois dizia assim caso queira responder a morada é viela rua sem sol era um filme ((risos)) hóspede do quarto 13 esta que se assina a indomável

31 ((aplausos e risos))323334353637

I: (é engraçado) porque depois ( ) tinha muito mais filmes muito mais ( ) e a gente pegava e a outra dizia ai isto o que é que eu hei-de escrever ao meu e então a carta andava de mão em mão até que vinha parar outra vez isto é só pelo carnaval que (e depois há pessoas é quem será) porque aquilo levava um interesse era tudo ( )

38 ((aplausos))3940

C: e já agora o resto da história ((risos)) o resto da história eles às vezes descobriam quem era ( )?

41 I: não não aquilo era um segredo de Estado4243

C: ((Risos)) e quando mandavam a carta não gostavam que eles soubessem que vocês gostavam deles?

44454647

I: não não não era precisamente pois claro aí é que era assim ele dizia assim epa ela é dalém e a gente fazia-se de muito (esquisita) aquilo depois ( ) até havia uma que era o pátio das cantigas havia vários filmes muito engraçados

48 C: dava um trabalhão para compilar4950

I: ah pois dava mas eu (só) preciso da memória e eu ainda tenho algumas

51 C: ainda sabe de cor?525354

I: ainda sei de cor e então ( ) e depois será que ele (recebia) ficava sem saber se eles tinham recebido ou não porque aquilo a morada não dizia nada claro claro que sabíamos o nome da pessoa

55 C: era por baixo da porta ou assim ou na caixa do correio56 I: exactamente porque ninguém sabia57 C: e era aqui na Mouraria que isso acontecia?

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58 I: na M. ((risos))

Depois outra mulher do bairro participou, Cármen a fadista, contou a sua experiência

acerca da censura durante a ditadura, descrevendo como os textos das canções era

revisto e depois começou a ler uma poesia. A coordenadora convidou a cantar enquanto

o público exclamava “Canta! Canta!”, aplaudindo ritmicamente. Ela começou a cantar e

depois outras mulheres idosas juntaram-se a cantar no refrão, e, pouco depois, o público

começou a cantar também. Outras mulheres idosas começaram as canções do bairro

com todo o público aplaudindo ritmicamente durante o refrão. Elas continuaram até ao

final do evento, alternando histórias e comentários com as canções e com o público a rir

e a aplaudir. O evento durou duas horas. No total, o grupo de mulheres idosas manteve a

palavra durante 42 minutos. A participação do público através de risos e aplausos era

maior durante a intervenção das mulheres. É possível dizer que entre o público que

interveio neste evento, este grupo de mulheres idosas deu a contribuição maior a

entreter o público e fez deste evento cultural um sucesso.

4.3 O Fórum Sénior

O Fórum Sénior é provavelmente a iniciativa mais ambiciosa no sentido de promover a

inclusão social da pessoa idosa, mas não está ainda completamente desenvolvida. A

ideia que está na base deste projeto é a promoção da participação do cidadão idoso na

vida política da freguesia, criando um grupo permanente de pessoas idosas que é

consultado pela Junta de Freguesia em relação à gestão do bairro. Durante um encontro

do grupo sénior, o grupo inter-institucional de profissionais que organiza as iniciativas

com pessoas idosas resume assim a discussão acerca da finalidade do Fórum Sénior:

geralmente as pessoas, umas mais outras menos (…) aqui até aparecem, … Nós temos essa possibilidade sempre de chamar assim as pessoas. Uma dificuldade que eu vejo que também é o aliciante para nós trabalharmos é que para construir estas sessões, uma das dificuldades ou uma das formas também de ter de ser bem trabalhada são as ideias de cada um sobre o que será o fórum do sénior e essa é que é a dificuldade que nós estamos a enfrentar, porque nós, eu continuo a dizer, eu acho que não podemos, eu sei que há várias ideias, temos as ideias conforme o sénior poderá ser isto, poderá ser isto, poderá ser, o objetivo é que seja, ou um dos… ou das possibilidades, que seja uma espécie de um órgão consultivo das pessoas, dos seniores alguns, ou… e existir, transmitirem a outros e tudo, que possa ser, e é por isso que a primeira sessão o ano passado do C. R. ele fez diretamente essa pergunta ao Sr. Luís, aqui antes de dinamizar a sessão… ele até disse: “ Ó Luís desculpe lá e tal… nós vamos fazer isto com esta intenção” é que sirva para dar dicas, sugestões, recomendações às políticas dos seniores e não só, acarinhadas por uma autarquia, por isto, por aquilo, portanto o objetivo será que as pessoas trabalhem e sejam consideradas, não só nestes momentos que são importantíssimos, mas

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como uns pares ali de decisão. Claro que isso poderá ser, se calhar, provavelmente a acontecer numa primeira fase e, se calhar até poderá acontecer durante muito tempo essa fase, somente consultivo e não deliberativo, mas é uma tentativa

A ideia é de criar um processo que pode conduzir à organização de uma comissão

consultiva com pessoas idosas de apoio à Junta de Freguesia. Uma série de tertúlias

foram organizadas nos últimos três anos, ou seja, encontros em que as pessoas idosas

foram convidadas a participar ativamete, discutindo várias questões de interesse: saúde,

segurança, tempos livres, sexualidade e emoções, habitação, isolamento, mobilidade,

etc. Por exempolo, a polícia de proximidade e os bombeiros da localidade foram

evolvidos em coordenar um encontro sobre o tópico da segurança. As sessões eram

muito participadas, uma das mais bem sucedidas no sentido da participação de pessoas

idosas foi o encontro sobre o tema do isolamento e da solidão. A transcrição que se

segue reporta a intervenção de uma mulher idosa que descreve a sua experiência de ter

mudado de casa para viver mais perto do seu filho:

Vou-me referir aquela questão de criar amizades dá muito trabalho. E combater a solidão também dá. Eu fui viver para Aveiras para ao pé dum filho que me alugou lá uma casa ao lado dele para eu não estar sozinha porque eu tenho parkinson. E… ora, sofri horrores quando me vi ali sozinha sem conhecer ninguém fora…fora da minha terra, fora do meu bairro, fora das minhas amizades…sofri horrores. Chorei muito, gritei muito, o C. é testemunha que quis muita vez fazer a mala e vir-me embora, mas, pronto, fui-me adaptando. Fui procurando sítios onde eu me pudesse integrar.B: Portanto, foi procurar na comunidade algumas associações, juntas de freguesia (…)A: Sim, sim, sim, sim, sim, sim, sim, sim, sim… Fiz-me sócia da biblioteca porque eu adoro ler, frequento a biblioteca, vou buscar livros, vejo filmes…lá, porque nós podemos requisitar um filme e elas põem-nos assim num ecrã, numa salinha muito confortável. Pronto… casa do povo, junta de freguesia, inscrevi-me na ginástica. Na casa do povo, é assim, não tem muitas atividades para mim, mas pratica-se lá… já lá tive uma neta que andou lá nas Sevilhanas, mas desistiu. Agora tenho…há os garotos do ballet e os garotos que vão lá praticar artes marciais e isso tudo. Eu não tenho lá nem neto nem neta, mas vou ver e gosto de estar ali a ver as crianças a…B: E fez amizades?A: Ah e, portanto, comecei de frequentar o café lá do sítio que era mais… concorrido. E depois é assim…Vamos lá ver como é que eu sei explicar isto. Eu sou uma pessoa que gosto de ouvir e dou espaço às pessoas para falarem comigo e desabafarem comigo. Não critico, oiço, conselhos não dou porque as pessoas, claro têm a sua maneira de agir e de…mas já fiz lá umas amizades. Na biblioteca, fiz anos em janeiro. As senhoras cantaram-me os parabéns a você, deram-me um ramo de flores, outra do café até me deu… as senhoras que gerem o café são minhas amigas.

A passagem seguinte descreve muito claramente a questão central discutida neste artigo,

o sentido de pertença a uma comunidade. Esta mulher idosa fez um esforço considerável

de tentar adaptar-se a um novo ambiente, fazendo novas amizades e participando em

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várias atividades, mas ela ainda sente que não pertence à nova comunidade, e continua a

regressar ao seu bairro.

Minhas amigos do peito, só tenho aqui. Tenho uma que está internada agora, que era minha amiga, com quem eu me dava todos os dias - tenho um desgosto tremendo de ela estar internada - e tenho uma que é como uma irmã, que é a minha vizinha de cima que é a Julieta, a que canta o fado. De maneira que todos os dias vou a casa dela, todos os dias lá estou. Telefonemas, todos os dias eu lhe faço telefonemas, telefono-lhe sempre e para os meus filhos, claro. Telefono aqui muita vez para a junta, telefono para o Celso para lhe ralar a cabeça…(Risos)A: Ai eu ao princípio ralei-o tanto…C: É uma queixa que eu quero fazer… (Risos)D: Ah, mas este Celso é um santo.A: C. tira-me daqui, anda-me cá buscar, eu não estou bem, eu não… não…não estou no meu…C: Eu pedi um dia de férias, mas eles não me deram… estou a brincar, desculpa…A: …já me adaptei mais.B: Então e quanto tempo é que levou essa sua adaptação?A: Ora eu já lá estou há um ano e tal…um ano e tal. Eu fui para lá…já lá passei o Inverno passado… este Inverno, estou aqui há um mês, porque eu recebo a minha reforma do meu marido pelo Banco, mas a minha recebo pelo vale de correio. E já me tem dito “Muda para o Banco e não sei quê…”. Não quero, que é para eu ter um pretexto de vir a Lisboa.D: Acho bem, acho bem…B: Isto é uma estratégia altamente.A: Estou aqui há um mês. Tenho…eu...aqui oito dias, venho para receber, depois fico…B: Depois vai ficando e tal…A: Vou ficando uns dias e tal…B: Então e depois não é mais difícil a separação quando se vai embora?A: É… Já não é tanto, mas é… é… é … é… mas já não… como já lá tenho conhecimentos e amigas… Ah! Faço caminhada todos os dias…

Esta passagem é muito relevante porque mostra claramente a diferença entre participar

em atividades com outras pessoas e pertencer a uma comunidade. É também importante

porque ilustra a qualidade da relação entre este profissional e esta pessoa idosa, quando

a senhora conta acerca dos seus telefonemas depois que mudou de casa, “tira-me daqui,

anda-me cá buscar, eu não estou bem, eu não… não…não estou no meu…”. O

profissional é alguém a quem ela pode recorrer quando está em sofrimento, é um

recurso, um ponto de referência. Para além disso, a passagem mostra o sentido de

humor e a informalidade com que o profissional gere a intervenção da idosa em relação

a problemas passados: “É uma queixa que eu quero fazer…”; “Eu pedi um dia de férias,

mas eles não me deram… estou a brincar, desculpa…”. Esta é a “informalidade” em

ação. A possibilidade de brincar é uma medida do grau de proximidade entre ambos. A

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qualidade das relações que estes profissionais são capazes de estabelecer com as pessoas

idosas é certamente relacionado à suas qualidades humanas, mas é também uma

escolha profissional consciente, que reconhece a importância de dar valor a cada pessoa

e a relevância da ligação afetiva para a inclusão das pessoas idosas.

6. Discussão

O estudo descreve a estrutura e as características principais da intervenção inter-

institucional com as pessoas idosas numa Freguesia de Lisboa. A principal qualidade

deste tipo de intervenção consiste na habilidade dos profissionais em criar relações

fortes com os utentes dos serviços. As relações significativas que conseguem construir

são baseadas no reconhecimento dos idosos como pessoas com histórias, trajectórias

pessoais e necessidades específicas. Constróem a intervenção como um processo de

desenvolvimento pessoal, no qual o envolvimento em actividades sócio-culturais é uma

parte muito importante. Para estes profissionais a luta contra a pobreza significa

produzir acessibilidades num sentido muito concreto, mas também num sentido muito

abrangente: não apenas acessibilidades aos recursos, como pensões ou subsídios de

inserção, mas também a acessibilidades a actividades culturais e de lazer. Estas

iniciativas criam ocasiões de visibilidade significante para as pessoas idosas, em

particular mulheres idosas com vulnerabilidades, que são geralmente invisíveis. A

principal mensagem neste tipo de intervenção pelo combate à pobreza e exclusão social

é o reconhecimento do valor de cada pessoa e dos seus contributos. Esta perspectiva de

intervenção contra a pobreza contrasta precisamente com o processo de

“estranhamento” (“othering”) descrito por Krumer-Nevo & Benjamin (2010, 695-696):

“Os Outros são percebidos como objectos aos quais falta complexidade, motivação,

racionalidade e capacidades, como portadores de coisas indesejáveis em nós ou

reprimidos e soterrados no nosso inconsciente (Kristeva, 1991). Assim percebendo um

como o Outro inclui também a negação da sua visibilidade ou sua semelhança ao eu

(“self”), recusando admitir a sua unicidade ou o reconhecer a sua voz e o seu

conhecimento.” As pessoas idosas tornam-se as protagonistas de eventos culturais na

cidade, a participação nestas actividades tem o poder de mobilizar transformações

pessoais, como foi descrito por um profissional na entrevista.

A intervenção inter-institucional, descrita neste artigo, foi concebida numa

perspectiva de desenvolvimento pessoal. Na experiência supra descrita pode identificar-

se um processo de oferta de serviços à medida de cada pessoa, que se pode designar

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“personalização”. Mas refere-se a uma noção diferente de “personalização” na oferta de

serviços, como discutido na literatura mais recente (Xie et al. 2012). Por exemplo, no

Reino Unido “personalização” é muitas vezes inscrito entre um discurso de “lógica de

mercado” (“marketization”) na produção de serviços de assistência (Scourfield, 2006).

O serviço é personalizado de modo a que o utente possa exercer a sua escolha

(Lymbery, 2011; Xie et al. 2012) em relação a um conjunto de diferentes soluções de

cuidados. Também é diferente do que Rockwell (2012) define como "cuidado

relacional", em que o cuidado é prestado com base no relacionamento pessoal. Neste

âmbito, a noção de “personalização” assenta no significado de criar processos de

desenvolvimento pessoal para os utentes do serviço, conhecendo-os pessoalmente e

proporcionando-lhes oportunidades de melhoria da sua qualidade de vida. Os

profissionais tentam propor soluções específicas à medida de cada pessoa idosa,

utilizando os recursos disponibilizados pelas instituições e criando iniciativas inclusivas

através da rede inter-institucional. O risco inerente a este tipo de perspectiva é o do

"profissional conhece melhor", ou seja, o de adoptar atitudes paternalistas em relação às

pessoas mais velhas e à capacidade de gerirem as suas próprias vidas. Mas, neste

contexto, também é importante reconhecer que, para muitos idosos com fragilidades,

dependências, etc., consequentemente, as necessidades de ajuda são características

predominantes nas suas vidas. É um equilíbrio difícil de gerir. Nas entrevistas, os

profissionais mostram real respeito em relação às pessoas idosas e às suas escolhas,

como documentado nesta obra.

Provavelmente, o principal risco desta experiência está inscrito na própria razão da

sua existência. A falta de recursos é um dos principais motivos para, criativamente,

mobilizar a comunidade no sentido de proporcionar apoios para as pessoas mais velhas,

onde os serviços adequados não são fornecidos pelo Estado. Este tipo de experiências

tendem a aliviar o Estado da responsabilidade de fornecer serviços adequados à

população mais velha. Em Portugal, o sistema de Segurança Social foi instituído

recentemente (Ferreira, 2005; Vasconcelos Ferreira, 2008), concretamente após a

revolução de 1974. A prestação de serviços à população mais velha é garantida

principalmente através de ONGs, que são subsidiadas pelo Estado, através da Segurança

Social. O sistema de Segurança Social mantém a sua acção. No entanto, as experiências

desenvolvidas por esta rede inter-institucional são certamente excelentes exemplos de

integração e democratização da prestação de serviços. A capacidade criativa dos

profissionais na mobilização de recursos e na organização de iniciativas de qualidade é

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realmente peculiar e eficaz na criação de uma comunidade inclusiva para as pessoas

mais velhas.

Conclusão

Neste estudo, a discussão do paradigma do envelhecimento activo focalizou-se na

abordagem individualista que privilegia o envelhecimento bem-sucedido., o paradigma

do envelhecimento ativo foi discutido em particular, focalizando o aspeto da abordagem

individualista da questão do envelhecimento com sucesso. A apresentação do estudo

etnográfico teve a finalidade de ilustrar a importância da pertença a uma comunidade

inclusiva e de a descrever como um exemplo de abordagem inclusiva de intervenção

social.

As características principais da intervenção social foram descritas do seguinte

modo: a intervenção em casos específicos de pessoas idosas frágeis, articulada através

do grupo NAIS e a criação de iniciativas culturais coordenadas pela rede social de

freguesia. De facto, a atividade da rede e a intervenção em casos específicos encontram-

se fortemente inter-relacionadas. A participação nos encontros da rede social e o

trabalho conjunto das atividades inter-institucionais contribuem para a construção de

relações de confiança e proximidade entre os profissionais. Este tipo de relações

proporciona condições de trabalho muito eficazes para a intervenção social no caso

específico de pessoas idosas frágeis. A familiaridade entre os profissionais faz uma

enorme diferença no tratamento normal destes casos. Para além disso, a existência de

atividades de comunidade onde a pessoa idosa possa ser integrada é importante no

tratamento de casos específicos de pessoas idosas isoladas. Neste contexto institucional,

o envelhecimento ativo é interpretado como inclusão efetiva das pessoas idosas em

diversas esferas da vida social, cultural e política da sua comunidade.

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Capítulo 2:A experiência interinstitucional de trabalho em rede

Isabella Paoletti

A cooperação conjunta de diferentes profissionais na intervenção com pessoas

idosas é particularmente eficaz porque com as pessoas idosas frágeis, os problemas de

saúde, muitas vezes, tornam-se problemas de suporte social, comorbilidade, doenças

crónicas em idade avançada, possuem necessidade de várias formas de ajuda e de

serviços de suporte. É reconhecida a necessidade de planeamento conjunto dos serviços

e de estabelecer claras ligações para disponibilizar serviços dirigidos às necessidades

específicas de cada idoso. Este capítulo discute, à luz da literatura relevante, o resultado

de um estudo etnográfico de redes inter-institucionais que promovem a intervenção

social e na saúde com as pessoas idosas em Portugal.

Paradis and Reeves (2013) nas suas extensas revisões de literatura, que cobrem

40 anos, (1970-2010) argumentam que o campo de pesquisa interprofissional está a

crescer rapidamente e adquire cada vez maior legitimidade como domínio de pesquisa

independente. A intervenção social interinstitucional vem sendo, cada vez mais,

promovida ao nível político (Hudson 2002; Sousa & Costa; Xyrichis, Lowton 2008).

Em muitos documentos de política do World Health Organisation a importância do

trabalho em equipa é enfatizada, em particular “Learning together to work together for

health” (WHO, 1988) é um documento chave, que salienta a importância da educação

multiprofissional. Sousa & Costa referem que: “The multi-professional approach is

advocated by governments and is usually positively viewed and desired in practice, but

it is also widely assumed to be difficult to achieve (see e.g. Hallett & Birchall, 1992).”

As dificuldades no trabalho de equipa interprofissional vêm sendo referidas na literatura

relevante (Hudson, 2002; Xyrichis, Lowton 2008). Hudson (2002) faz uma distinção

entre parcerias profissionais e institucionais referindo que no UK se observa uma lacuna

entre as duas: “Partnership working is now a central plank of public policy in the UK,

especially in the field of health and social care. However, much of the policy thrust has

been at the level of interorganisational working rather than at the level of

interprofessional partnerships.” (Hudson 2002). Hudson conduziu um estudo

etnográfico entre profissionais de assistência médica e social que trabalham com idosos

em situação de risco de três regiões do norte da Inglaterra. O seu estudo descreve

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algumas das dificuldades envolvidas na interprofissionalidade, mas ele, também,

enfatiza resultados positivos. Hudson aponta a necessidade de explorar o que designa

“hipóteses otimistas” (Hudson, 2002, 16), por exemplo, entre outros: “That socialisation

to an immediate work group can override professional or hierarchical differences

amongst staff.” (Hudson, 2002, 16). Xyrichis & Lowton (2008) na revisão de literatura

descrevem o que suscita ou previne o trabalho de equipa interprofissional. Eles

salientam alguns aspectos da estrutura e dos procedimentos da equipa que originam a

cooperação interprofissional. Sousa & Costa (2010, 444) apontam a escassez de

trabalho empírico que documente a verdadeira prática profissional: “the literature has

paid little attention to the interaction and behaviours of front-line professionals (those

who interact directly with service-users), and to how hey put this way of working into

action, integrating what is useful into day-to-day work flows while screening out less

useful or more problematic demands.”

Neste estudo, uma experiência de uma rede interprofissional informal será

apresentada, apontando a importância da compreensão e cultura destas redes e a

motivação ética e social ou os caminhos que assegurem o seu sucesso duradouro. A

sessão de discussão irá enfatizar os problemas inerentes a essas práticas de intervenção

social e as orientações para estudos adicionais.

A criação de uma rede interinstitucional

O “Grupo Concelhio de Idosos” é uma rede informal que reune, praticamente,

todos os serviços sociais e culturais relacionados com a intervenção com idosos no

Municipio de A. É coordenado por um profissional da Câmara Municipal. Esta rede

informal está em funcionamento há trinta anos, como um profissional refere:

A: Sim. Portanto, nós… eu sou técnica da Câmara Municipal, sou assistente social, e é a Câmara Municipal que dinamiza essa parceria que é o grupo (…) de idosos. E o grupo (…) de idosos é uma estrutura informal. Não tem nenhum protocolo de adesão, ninguém paga quota, portanto as entidades participam de sua livre vontade se considerarem que têm vantagem nisso, não é? Pronto. É um grupo que foi criado em 1981 - trinta anos… portanto, há trinta anos - com as primeiras instituições, com a Câmara Municipal, com a Segurança Social, com a Saúde e com as instituições que havia na altura que eram três. Neste momento somos 23 parceiros, mais ou menos. Pronto. Quem é que participa actualmente? A Câmara, a Segurança Social, a Saúde deixou de participar há um ano, porque diz que não tem recursos para poder participar - a Saúde, isto é um comentário meu, a Saúde está-se a virar para dentro, de há uns tempos a esta parte – e as instituições. As instituições particulares de solidariedade social que trabalham com pessoas idosas. Portanto, o apoio tradicional do lar, do Centro de Dia, do Serviço de Apoio Domiciliário, do Centro de Convívio, etc. Pronto. (Profissional Entrevistado)

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De facto, este tipo de rede informal constituiu-se como suporte da legislação da “rede

social”, como é, explicitamente, descrito no primeiro documento de política que define

e orienta a sua implementação (Resolução do Conselho de Ministros n.o 197/97):

“Regista-se, assim, um vasto espectro de redes de solidariedade que a política social não poderá descurar, sob pena de alienar a sua força vital. Dir-se-á até que uma primeira medida de política social consiste no reconhecimento das redes de solidariedade que a antecedem, respeitando a sua identidade, potencialidades e valores intrínsecos.”

A participação nesta rede é livre, cada entidade que trabalha na assistência a

idosos é bem-vinda a participar. Não há um procedimento formal de admissão, como

exemplificado por um técnico, que descreve a participação de um novo parceiro numa

reunião da rede.

É completamente informal, como eu disse. Por exemplo, nós tivemos… Tivemos a primeira reunião plenária deste ano e apareceu lá uma senhora, que eu não conhecia de lado nenhum, e eu propus então que se apresentasse. E a senhora disse: “Ai, eu sou da associação da Casa do Pessoal dos Trabalhadores do A. do A.…criámos… esta casa do pessoal já existe há três anos, somos os aposentados do A. do A. e, como somos todos pessoas aposentadas, por acaso tive conhecimento pela Associação de Reformados do L. que me convidou para vir cá.” Portanto, qualquer associação, qualquer parceiro sente-se à vontade, no direito de convidar outra pessoa para vir. (…) A senhora chegou ali, e veio, e disse: “Ah… Eu não sei quê…” Ela queria ficar... Nós reunimo-nos sempre… Onde é que nos reunimos? Nós reunimo-nos sempre na U. No salão da U., portanto, pomos umas cadeiras à volta - daquelas cadeiras de plástico brancas, de esplanada, portanto, é tudo informal até no espaço - à volta, chega mais alguém, abre-se mais o círculo e põe-se uma cadeira mais, e ali estamos. Pronto. E então a senhora pôs-se na fila de trás e eu disse: “ Não, mas a senhora tem de vir para aqui para a frente.”“- Ai não porque eu não pertenço, eu não pertenço ao grupo…” E eu disse: “ Está bem! Nós sabemos que a senhora não pertence, mas pode pertencer se quiser. Pode vir a pertencer. Faz favor de tomar aqui o lugar connosco. Vai saber do que se passa e, a partir daqui, vai levar a informação para a sua… para a casa do pessoal, não é? Se quiserem aderir, há-de vir um dia, pode vir cá as vezes que quiser antes de aderir. Quando quiser, chega aqui e diz assim: ´Oi! Nós queremos fazer parte.´ (…) e participe.” É muito informal. É muito informal. Até ver. Até ver. Porque já há alguns indícios… cada vez as coisas são mais… se formalizam mais, pronto, e eu… não temos nada contra a formalização. A nossa história é esta. A nossa história é esta. (…) A nossa história é esta. (…) Tem funcionado bem. Mas se for preciso formalizar também não temos problema.

Este fragmento de entrevista permite uma ideia muito clara do espírito que motiva uma

rede interinstitucional. Parece clara a vontade de manutenção da informalidade original

face à formalização imposta pela legislação que instituiu a rede social. Acima de tudo,

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há um grupo de pessoas aqui que está genuinamente motivado para um trabalho coeso

no sentido de maximizar a eficácia da intervenção social conjunta.

O desenvolvimento da rede ao longo dos anos

Observa-se uma evolução na composição da rede interinstitucional em termos

quatitativos, mas também em termos do tipo de participantes. A rede iniciou com

poucos membros, a Santa Casa da Misericordia e duas IPSS, como uma profissional

refere:

Obviamente um processo que tem trinta anos passou por fases muito diferentes […]. E como eu dizia, há trinta anos havia três instituições de apoio a idosos. A Misericórdia e duas associações. […] Mais nada. Pronto. E, depois, começaram os centros paroquiais a criar, que já tinham normalmente creches, jardim-de-infância, começaram também a criar o apoio a idosos. E foram vindo. Ou seja, isto foi crescendo, não é? Começou só com alguns e hoje em dia, de certo modo, temos uma rede que tem o grupo – que é do concelho todo, não é? Algumas freguesias com mais equipamentos, outras com menos, mas pronto.

Actualmente, os participantes nas reuniões da rede são, principalmente, profissionais,

enquanto no início as direções das IPSS que coordenavam os serviços eram também

partipantes nas reuniões, pois nas IPSS não havia profissionais qualificados, apenas as

instituições de maior dimensão (como a Santa Casa da Misericórdia, o Centro de Saúde

etc.) tinham profissionais. Em alguns casos, a participação das direções das IPSS

proporcionaram grandes contribuições para o desenvolvimento das redes de actividades.

Mas o que eu queria dizer é que, além deste alargamento, também é muito interessante ver a composição do grupo também foi diferente. Porque no início havia… Quem é que tinha técnicos? Tinha a Câmara, tinha a Saúde, tinha a Segurança Social, tinha a Misericórdia e uma associação. Mais ninguém. E quem vinha, as Instituições que vinham ao grupo concelhio… quem vinha participar… hoje em dia aquele plenário e os grupos de trabalho são praticamente técnicos – não é? Mas em representação das entidades. Mas naquele tempo não eram. Eram as direções que vinham. […] A U. tem técnicos desde meados dos anos noventa, mas está cá desde 1981 também, neste grupo de trabalho. A U. tinha os seus diretores, que eram senhores reformados, um deles é operário, que é o atual presidente, que participa no grupo concelhio desde 1981, […] que era operário do A. do A. – não é? – E que sempre participou neste grupo ao lado dos técnicos, com uma capacidade de envolvimento dos seus utentes, com uma capacidade de decisão sobre as coisas, de compreensão e tudo mais, espetacular.

As IPSS, durante um período, foram dirigidas por idosos, como no caso mencionado

pelo técnico. O valor marcante desse idoso em particular é enfatizado. Algo que se

perdeu, no momento actual. No início, eles representavam um número pequeno

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envolvido nas IPSS, sendo mais fácil discutir e alcançar um acordo. O envolvimento de

elementos das direcções representava compromisso com as acções a concretizar no

terreno:

Porque nós também técnicos também… se calhar hoje, porque somos muito mais, é mais difícil os técnicos, se calhar, perceberem o ponto de vista das direções, porque estão noutra postura, do que antigamente, em que nós estávamos ali, lado a lado, a discutir se vamos fazer uma ação de formação para o pessoal se vamos fazer uma visita a um projeto qualquer que seja inovador para ver o que é que fazemos cá no concelho, ou se vamos fazer um encontro de teatro, por exemplo (…) … e discutíamos tudo ali também com os não técnicos. Havia um grande peso e isso, de certo modo, perde-se, quer dizer… Há ganhos e há perdas. Porque, de facto, havia um grande envolvimento das direções, naquele tempo eram muito menos, portanto, as direções é que se envolviam.

Há ainda alguns representantes de direções de IPSS que estão envolvidos e participam

nas reuniões da rede, mas são poucas, como, por exemplo, a Associação de Reformados

de C que é uma associação pequena: ”Tem um Centro de Convívio informal, mas

participa muito e são extremamente colaborantes e têm um grupo muito interessante”

(Profissional Entrevistado). A rede interinstitucional tinha, de facto, um papel positivo

no suporte da inclusão de profissionais nas actividades das IPSS.

O papel dos profissionais nas IPSS

Houve uma considerável evolução no funcionamento das IPSS, devido essencialmente,

à contratação de profissionais/ técnicos qualificados. As IPSS foram e ainda são

basicamente de dois tipos: ligadas à Igreja ou a associações de voluntários. Houve

incialmente uma certa resistência à contratação de profissionais pelas IPSS, devido ao

custo envolvido. Os profissionais encontravam-se um pouco isolados no seio das suas

instituições.

Mas o que eu quero dizer, é assim, como já tive essa experiência há muitos anos tenho a noção de que um técnico, e hoje a realidade apesar de tudo é diferente, mas aqui há dez anos, quinze, vinte, um técnico numa IPSS estava muito isolado, muito, muito isolado. […] Estava muito isolado. Tinha uma direção que podia ser mais aberta ou mais fechada, regra geral era mais fechada, ou quando era mais aberta, era mais aberta de vontade, que nós também tínhamos aqui muito… tínhamos… Tínhamos essencialmente duas realidades, que também é o que temos agora, que é as instituições ligadas à Igreja Católica que eram, regra geral, muitíssimo fechadas. Tinham as suas orientações e não aceitavam muito bem que alguém… humm. E depois tínhamos as associações de reformados cheias de boa vontade, mas sem nenhum conhecimento e, portanto, que se perdiam… Perdiam-se nas coisinhas muito… Não tinham uma visão, não tinham uma

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visão mais global, nem técnica. Nem percebiam para que é que era preciso pagar dinheiro a um técnico, gastar dinheiro a pagar a um técnico, quando eles estavam lá voluntariamente, de tão boa vontade. Pronto.

Os profissionais que se envolvem nas atividades da rede, de facto, adquirem uma certa

força em relação à negociação de questões técnicas e em relação à direção das suas

próprias IPSS. Esta rede foi importante para a afirmação do espaço técnico nas IPSS,

pelo conhecimento especializado e capacidade de prestação de apoio e serviços de

proximidade mais adequados e eficazes:

eu acho que um técnico (…) que chegava a uma instituição destas e que, de repente, vem para um grupo de trabalho com pessoas que estão já nos serviços, na Segurança Social que é a entidade de tutela na Câmara Municipal que também tem aqui um apoio às Instituições e que é interlocutora até das direções e pode influenciar um pouco as próprias direções. Tudo mais, o técnico ganhava outro… outra força e outro apoio, outra – não é? – Eu acho que foi muito importante para a afirmação do espaço técnico nas Instituições. Porque existia muito aquela visão ou muito reivindicativa ou muito caridosa. E não havia uma visão profissional, técnica, qual era o espaço do técnico e do trabalho técnico aqui, não é? Afirmar o valor do trabalho técnico nes… e a mais valia do trabalho técnico neste espaço era muito difícil. E eu acho que isso se ganhou muito por este trabalho. Eu acho que foi uma grande mais-valia para os técnicos que foram entrando para as Instituições, que, se calhar, tiveram muito mais facilidade do que se estivessem completamente isolados, não é? (…) É. Por outro lado, também foi muito importante para as próprias direções das Instituições. Eu acho que as nossas Instituições hoje estão a anos-luz do que foram. (…) (Interview professional)

Na reunião da rede, a questão da falta de comunicação entre profissionais e direções das

IPSS têm aumentado e o Coordenador da rede refere a importância dos profissionais

possuirem um papel ativo no reportar do trabalho que executam. Os profissionais não

têm apenas que fazer o trabalho, mas têm também, que o tornar visível. Reportar

concretamente o que foi feito e como foi feito é parte do trabalho real. O seguinte

fragmento de entrevista ilustra precisamente a necessidade de valorizar e “fazer

marketing” do trabalho realizado:

Há outras alturas que as pessoas já estão há mais tempo e, portanto, que está tudo mais estabilizado. Que as pessoas, elas próprias percebem a importância do seu papel e a importância de elas próprias influenciarem a sua direção. Que eu acho que um técnico tem muito esse papel. […] E outro dia, na última reunião plenária, não sei o que é que se falou, que alguém dizia: “Ah… Sim. Está bem, mas as direções não dão valor ao trabalho que nós estamos aqui a fazer”. E eu disse: “Não dão valor é porque a responsabilidade é vossa. É porque nós não sabemos fazer marketing do nosso trabalho. Não sabemos vender o nosso trabalho”. – “Ai, ninguém nos pergunta o que é que estamos a fazer”. Ah, mas eu não estou à espera que os meus chefes me perguntem. Eu não estou à espera que os meus chefes me perguntem. Se calhar nunca me iam perguntar

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nada. Têm mais em que pensar, até acham que eu estou a fazer bem, deixa-a lá estar. Está lá em autogestão. Não! É a toda a hora – não é? Fazer pontos de situação, ou seja, é a minha obrigação como técnica reportar… - não é? E alguém que avalie, e alguém que pergunte depois, se quiser, mas se não quiser perguntar, está ali – não é? Portanto, e isso é um papel…

No fragmento seguinte uma técnica refere como as reuniões da rede são uma ocasião

importante para discutir a relação entre os profissionais e as direções das IPSS e muitas

vezes orientações específicas a esse respeito são sugeridas. Em particular, os

profissionais são encorajados a ter um papel ativo na acessoria técnica às direções. Em

particular, é sublinhada a importância de uma comunicação por escrito do parecer

técnico.

É fácil um técnico estar isolado numa Instituição e dizer que: “ Ah, a direção toma decisões sem me ouvir”. Mas, porquê? Já falaste para eles te ouvirem? Já escreveste? Quando eu digo falaste, é escreveste. Estou sempre a dizer: “ É escrever, não é falar. É escrever.” Eu é que dou importância ao meu papel na Instituição, na entidade. E como é que eu dou importância? É deixar registos do que faço. Não é? […] É o que eu costumo dizer sempre: “ Eu nunca me abstenho de fazer as minhas propostas”. Eu faço o que me mandam, mas eu digo o que penso. Eu escrevo. Eu escrevo o que penso. Depois podem dizer não é nada di… Não é nada disso. Não, vais fazer outra coisa. E eu vou. […] Eu faço. Eu cumpro as ordens de uma hierarquia. Mas ficou escrito. Não ficou dito. Ficou escrito que o meu parecer, como profissional, é este. E é assim que tem de ser. As pessoas ficarem à espera na Instituição, que tem uma direção colegial, não sei quantos membros que falam entre si, a técnica é só uma. Qual é o peso?

O direito e o dever de expressar um parecer técnico é muito claramente referido. De

facto, a rede interinstitucional tem um papel que contrasta com o isolamento dos

profissionais das IPSS. As decisões que são tomadas dentro da rede podem ser

utilizadas pelo profissionais para reforçar os seus pontos de vista às direcções das IPSS,

mas os técnicos têm que ter um papel ativo na comunicação das decisões da rede às

direcções.

Ela tem aqui um grupo concelhio por trás. - “Ah, mas o grupo concelhio não é visível na Instituição”. Não, não é. Cada um é que pode dar visibilidade e dizer: “O grupo concelhio estava… o plano de atividades é este. Tomem lá. O plano de atividades está aqui está aprovado. É este.” Não podem dizer que não conhecem, o que é que… O que estão… O que eu estou a fazer? Estou a participar neste grupo de trabalho assim, assim… Está aqui. O trabalho que temos é este. Então não fazemos isto? Se não fizermos, se estivermos à espera que perguntem, como é que nos vamos admirar que não valorizem? Não é? Portanto, eu acho que, neste momento, acho que o grupo concelhio é um grande suporte para os técnicos que estão isolados nas Instituições se eles quiserem. Se eles souberem utilizar (…) uns utilizam, outros não. Pois. Há sempre

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aqueles que vão-se desculpando e dizer: “Não, a minha direção não quer saber o que eu estou a fazer”. É fácil dizer. É fácil acusar alguém que está para cima… […] Pronto. Os chefes e os patrões são sempre criticáveis, pronto. […] E eu?

É norória a relevância destas redes na criação de um espaço técnico, no qual os

profissionais conquistam uma autonomia relativa e algum poder negocial face às

instituições às quais pertencem. No próximo ponto apresentam-se os principais recursos

desta rede interinstitucional.

Os recursos organizacionais da rede interinstitucional

Ao longo dos anos, a rede desenvolveu procedimentos visando a produção de

diagnósticos conjuntos, empiricamente fundamentados, planeando, treinando, avaliando

e desenvolvendo serviços em parceria, especificamente, em relação ao apoio aos idosos.

Um profissional descreve os objetivos da rede do seguinte modo:

Quais são, no fundo, os objetivos deste grupo? São, para já, pela partilha entre todos manter, de uma forma informal porque não temos recursos, mas manter um certo diagnóstico atualizado dos principais problemas das pessoas idosas, não é? Um pouco um diagnóstico mais empírico, não é? Do exercício das entidades. Depois, também, tentar desenvolver projetos articulados, rentabilizar recursos, criar recursos em parceria, e depois também ir sensibilizando ao longo dos anos a comunidade para uma alteração da imagem da velhice. Para a importância da… Para esta questão de que a coesão social se faz com todos, e se faz também com a participação das pessoas idosas na vida da comunidade e não com a segregação. Os serviços de apoio a idosos são necessários porque são recursos que devem haver na comunidade para as pessoas utilizarem, mas que não devem… as pessoas não devem ser enfiadas em guetos, não é? Pronto. E, portanto, é um bocadinho sensibilizar para isso.

Os serviços são vistos como uma ferramenta útil para detectar as necessidades dos

idosos e criar um base de informação empírica na qual o planeamento das atividades de

intervenção é construído. Há ainda, uma consciência da importância da criação de uma

cultura inclusiva em relação às pessoas idosas e ao papel que os serviços têm neste

contexto. No fragmento seguinte, as principais características organizacionais de uma

rede interinstitucional são evidenciadas.

Os membros de uma rede encontram-se quinzenalmente para planear e avaliar as

atividades conjuntas. Essa intervenção conjunta é articulada através do trabalho de

vários grupos, organizado de acordo com os objetivos que foram estabelecidos. Há entre

eles: um grupo de “atividades de animação” encarregue do planeamento de atividades

culturais conjuntas; um “grupo dos coordenadores da instituição” que mantém os

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contactos com a Segurança Social e “transmite as diretrizes, as orientações no âmbito

dos protocolos que a Segurança Social tem, dos acordos de cooperação e que se

trabalham muito as questões do sistema de gestão da qualidade - neste momento”

(Profissional entrevistado). Há o grupo da formação que organiza a formação conjunta

entre as equipas de diferentes instituições da rede. O grupo de sistematização da

intervenção “que vem tendo um papel ativo na criação de respostas integradas de

projetos que são de parceria. Os grupos elaboram um plano de trabalho para cada área

de intervenção que, em seguida, são discutidos nas reuniões gerais da rede:

A: Porque o trabalho… o grupo já é tão grande que o trabalho em plenário não é muito produtivo. O plenário aprova aquilo que os grupos vão fazendo. Quem desenvolve as ações são os grupos, subgrupos – não é? – e depois o plenário vai aprovando e vai… é essencialmente é aprovar e avaliar – não é? -. Não, o plenário não desenvolve ações mesmo, não é? Pronto. Portanto, agora, o que é que acontece? Ficaram marcadas reuniões de todos os subgrupos e cada um vai, dentro daquilo que é a sua competência, as suas ações, vai então fazer… trabalhar as propostas que vai apresentar no plenário. Pronto. A partir do momento em que esteja aprovado definitivamente o plano, depois também vamos ao plenário da rede social apresentar o nosso plano – não vamos apresentar um proposta de plano para eles aprovarem ... depois a partir daí cada grupo começa a trabalhar as ações que têm a seu cargo e no plenário seguinte vai dando… vamos fazendo o ponto (…) vai dando conhecimento ao plenário do trabalho que está a ser desenvolvido para ser validado por todos os parceiros.(Interview Professional)

Os grupos de trabalho são também responsáveis pela execução das ações que são

conjuntamente planeadas.

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Actividades socioculturais conjuntas

Criação de serviços

conjuntos

Relação com a segurança social

Actividades de formaçao conjunta

Síntese do processo de intervenção inter-institucional

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Dianosticoconjunto

Plano de intervençao conjunto

avaliação conjunta

Grupo Atividades Culturais

Grupo Coordenadres das Instituições

Grupo Sistematização

GrupoFormação

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A criação de serviços conjuntos

A rede organiza serviços conjutos que são, então, utilizados pelos utentes pertencentes a

todas as diferentes instituições. Como refere um dos técnicos entrevistados, é

interessante o exemplo de criação de apoio domiciliário nocturno em funcionamento já

há cerca de quinze anos:

estava-me a lembrar por exemplo que assim historicamente, voltando atrás, criámos o primeiro serviço de apoio domiciliário noturno acho que do país. Não havia. (…) instituição… Cada instituição tem um serviço de apoio domiciliário que eram sete horas, agora já está nas doze, agora a Segurança Social já faz um acordo de cooperação para doze horas por dia, mas eram sete horas inicialmente e nós criámos um serviço de apoio domiciliário noturno, um único serviço para todas as instituições. Definimos os critérios de acesso a esse serviço que são, por exemplo, que são pessoas que são sinalizadas pelas várias… há uma instituição que é a promotora do serviço, que é a responsável pelo serviço que é a Misericórdia de A. e depois as outras instituições parceiras sinalizam à Misericórdia, por fax ou por e-mail, sinalizam as situações que… de pessoas, por exemplo, que entraram numa situação de maior cuidado e que precisam de tomar um medicamento durante a noite e não têm quem lho dê, ou que precisam ser posicionadas a meio da noite. Qualquer coisa assim. Portanto, há um contacto e uma sinalização dessas instituições, os utentes são daquela instituição, não é? Não são da Misericórdia, mas de qualquer maneira a Misericórdia presta um serviço por via da instituição àquela pessoa… Portanto, esse serviço já foi criado há uns quinze anos, talvez

Outro exemplo é o “banco de ortóteses”, que consiste num centro de recursos de ajudas

técnicas que dispõem de cadeiras de rodas, camas articuladas, bengalas entre outras,

acessíveis aos utentes de apoio domiciliário que delas necessitem.

Outro serviço que também foi criado foi um banco de ortóteses. É um centro de recursos de ajudas técnicas. A Misericórdia de A. disponibilizou um espaço onde, com um apoio financeiro da Câmara se foi comprando todas a ajudas técnicas que permitem um maior conforto no domicílio dos utentes de apoio domiciliário: camas articuladas, cadeiras de rodas, andarilhos, colchões anti-escaras, peles também anti-escara etc.

Todas as instituições parceiras podem solicitar essas ajudas técnicas para fazer face às

necessidades dos seus utentes. Os cidadãos privados são também convidados a

contribuir para o banco com equipamentos que já não utilizem, como refere o técnico:

“também fizemos campanha junto das Igrejas, das Paróquias, da população em geral no sentido que as pessoas que ás vezes têm essas coisas, de algum familiar que morreu, ou que a pessoa esteve… a pessoa partiu uma perna, teve umas canadianas, mas já não precisa, vai deitá-las fora… poderem ceder, pronto.”(Interview Professional).

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Atualmente, algumas instituições estão a criar o seu próprio centro de recursos,

mas o banco de ortóteses foi o primeiro.

Um serviço de lavandaria para idosos foi também criado conjuntamente. A

necessidade de criação de um serviço deste tipo, relaciona-se com a precariedade de

condições habitacionais de algumas pessoas idosas.

Também criámos a lavandaria do idoso que é uma… também foi um espaço que a Câmara disponibilizou o espaço e fez a obra e equipou com máquinas de lavar e de secar e tudo o mais – não é? – e depois, dentro do grupo concelhio criámos uma associação, com as instituições que estiveram interessadas em criar essa associação, para gerir esta lavandaria para as pessoas idosas destinava-se especialmente às pessoas idosas que não tinham máquina de lavar em casa, que muitas vezes não tinham condição de lavar a roupa, etc. E pessoas que vivessem em casas mais degradadas … Foi essa a situação que verificámos.

Aqui aparece evidente o papel dos profissionais de uma rede interinstitucional no

suporte das IPSS para a criação de uma nova associação que poderia promover o serviço

de lavanderia. A “oficina domiciliária” é também um projecto recentemente criado no

contexto da parceria interinstitucional. O Município ofereceu um carro, que foi

modificado e transformado num tipo de workshop móvel(??). A Santa Casa da

Misericórdia de A. contratou um trabalhador que vai às casas de idosos para efectuar

pequenas reparações de banheiras, pintar paredes etc, reparações que as pessoas idosas

já não conseguem fazer. A rede interinstitucional coordena ainda a inclusão de

associações voluntárias no suporte de idosos, por exemplo, um grupo de professores

aposentados.

A inclusão dos serviços voluntários

Um grupo de professores aposentados coordena a universidade da Terceira idade em A.

Criaram um projeto “Uma Palavra, Um Alento” em cooperação com os profissionais da

rede interinstitucional. A associação promove atividades culturais nas casas dos idosos

que estão isolados ou nma casa vinculada. Os membros das instituições na rede

identificam as pessoas mais isoladas e que querem receber este tipo de ajuda. A

experiência tem tido sucesso. Esta intervenção não visa a substituição da rede de

profissionais, mas integra-se nela, como refere um técnico:

esta associação de professores é essencialmente uma associação de professores reformados, aposentados, e então eles também estão a participar no grupo concelhio e

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decidiram criar um projeto, mas vieram propor-nos em parceria e foi criado por nós, no fundo fomos nós que elaboramos o projeto com eles e trabalhamos… o trabalho técnico é de todos – não é? – e depois é a entidade que é a entidade promotora. Portanto, foi um projeto de voluntariado. Eles têm uma Universidade Sénior. É a própria associação de professores que gere a Universidade Sénior. Portanto, têm muitos recursos de pessoas qualificadas que querem fazer trabalho voluntário, … E então, criaram um projeto de voluntariado que eles chamaram “ Uma Palavra, Um Alento” que é um projeto de apoio e animação no domicílio dos utentes de apoio domiciliário, aquelas pessoas que estão isoladas… (…) Não é para substituir o trabalho técnico, que isso não vamos por aí. Não vamos por aí, embora exista superiormente – não é? – as orientações governamentais neste momento são nesse sentido, mas nós não vamos por aí. O trabalho técnico, em nosso entender, deve ter sempre uma coordenação téc… O trabalho voluntário tem de ter sempre uma coordenação técnica, em nosso entender. Portanto, as instituições continuam com o seu serviço de apoio domiciliário, mas o serviço de apoio domiciliário também não permite um grande acompanhamento. Portanto, serve para dar o banho, serve para fazer a higiene da cama, do meio, do quarto, do espaço que a pessoa utiliza, não é? Serve para dar a refeição, para levar a pessoa ao médico, para marcar uma consulta. Mas para ler um livro, para fazer companhia, não dá. (Interview professional)

Neste fragmento discursivo, é claro o papel que a rede interinstitucional tem no apoio às

inciativas voluntárias existentes no território. O técnico refere, detalhadamente, como

uma associação de voluntários foi apoiada na elaboração do projecto, além disso, é

salientada a importância de uma formação específica dos voluntários:

E então, portanto, este projecto faz a formação dos voluntários… Para já… mesmo… há, portanto, uma triagem mesmo através de um psicólogo para perceber as motivações e as competências que a pessoa tem para um trabalho destes, não é? E depois as pessoas fazem uma formação, muito com base no tipo de atividades que podem desenvolver, mas essencialmente muito nas fronteiras que deve haver na entrada na casa de outra pessoa, no respeito que é preciso ter pela privacidade do utente. Pronto. E depois as instituições requisitam, identificam as pessoas que estão mais isoladas e que pretendem ter este acompanhamento, e também de certo modo fazem um acompanhamento, um enquadramento do voluntário, não é? Pronto. E é um trabalho que está a funcionar já vai fazer dois anos e está a funcionar muito bem

A rede inter-institucional propôs-se conceber um plano gerontológico local e, após

definição conjunta dos objectivo, optou pelo envolvimento dos próprios utentes nesse

plano, valorizando a participação das pessoas idosas.

Plano Gerontológico local participativo

O Plano Gerontológico local foi motivado pela necessidade de ter uma orientação de

médio prazo, contemplando o planeamento anual das atividades da rede

interinstitucional. O Plano foi contruído com base num inquérito por questionário, que

fundamentou empiricamente o conhecimento das necessidades e problemas dos utentes

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dos serviços das diferentes instituições. Estes utentes representam os idosos mais

vulneráveis e mais carenciados do concelho. Os questionários foram aplicados pelos

estudantes da Universidade da Terceira Idade. O objectivo dos questionários consistia

principalmente em identificar as condições de habitabilidade dos idosos. O ponto de

partida foram os princípios das Nações Unidas para as pessoas idosas:

Outra questão que fizemos foi: pegamos nos princípios das Nações Unidas para as pessoas idosas e com base nesses princípios trabalhamos isto no grupo concelhio para que cada instituição junto dos seus utentes trabalhasse um bocadinho para identificar as principais necessidades e problemas que se encaixavam em cada princípio – não é? – Os idosos (…) os idosos devem ter direito a uma habitação condigna… Está lá enunciado, não é? Pronto...O que é que as pessoas identificam? Aí as pessoas identificaram imensa… Imensas coisas.

Os resultados do questionário foram apresentados e discutidos numa reunião pública: O

Fórum de Participação. Três principais tópicos foiram identificados: acessibilidade e

autonomia, agilidade activa e relações familiares. Três workshops paralelos foram

organizados sobre esses tópicos e as pessoas foram convidadas a participar nos grupos

de trabalho e discutir os resultados apresentados. A necessidade de estabelecimento de

prioridades conjuntas tornou-se evidente durante o processo.

Temos de fazer opções, temos de priorizar. E o mesmo aconteceu com o nosso plano gerontológico. Eram milhares, mas depois foi preciso dizer não, num plano de três... num… em três anos o que é que podemos fazer? Vamos fazer isto, depois avaliamos e depois partimos para outras ações ou damos continuidade a estas, logo se verá. Não é possível, não conseguimos, não temos recursos para tudo, não é? Pronto… E quando falamos de recursos, devo dizer que isto envolve muito pouco dinheiro. Porque é essencialmente trabalho técnico - não é? – Envolve muito pouco dinheiro... Tempo para dinamizar as atividades e para as pensar e para as avaliar

Outra acção importante que resultou de um processo participativo foi o da definição da

« Carta de Princípios da Intervenção Domiciliária”.

Carta de Princípios da Intervenção Domiciliária.

Em 1999, o ano do envelhecimento ativo e da solidariedade entre gerações, na rede

interinstitucional foi criada a Carta de Princípios da Intervenção Domiciliária, através de

um processo participativo. O objectivo fundamental desta Carta consiste no respeito

pela privacidade e autonomia dos utentes.

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Gostava de dizer outra coisa que também que é uma coisa que a mim me orgulha muito, … criámos a nossa Carta de Princípios da Intervenção Domiciliária. Que foi um processo também muito participado. Foi assim: nós considerávamos que era muito importante que as Instituições tivessem noção do que é respeitar o utente quando se vai a casa dele. Entrar em casa de uma pessoa, levar a alimentação ou a dar banho, ainda mais - não é? – quer dizer… é preciso que estas pessoas que vão e que são pessoas, muitas vezes, com pouca formação – não é? – que a própria Instituição tenha instrumentos para formar estas pessoas e para lhes fazer perceber a importância de respeitar a privacidade, de respeitar a autonomia do utente. E não é como nós queremos impor. É como aquela pessoa tem vontade também. (interview professional)

O processo baseou-se em entrevistas a informantes priveligiados: os utentes do serviço,

os seus familiares, os ajudantes de acção directa e às técnicas que coordenam o apoio

domiciliário nas Instituições.

E então fizemos também um processo assim: fizemos entrevistas a utentes que têm capacidade ... pessoas que estavam acamadas – não é? – Mas que estavam lúcidas e capazes de… com autonomia a nível mental e psicológico, que pudessem colaborar, que colocassem alguns problemas que identificavam nesta… problemas ou então questões que eles achavam importantes garantir, não é? Fizemos essas mesmas entrevistas também com familiares. Fizemos essas entrevistas com as ajudantes de ação direta que vão a casa dos utentes e com as técnicas também que coordenam nas Instituições. Com isto tudo, identificámos vários pontos.

O envolvimento da equipa no processo de entrevistas foi, por si só, uma etapa de

consciencialização e de formação em relação aos direitos dos idosos em situação de

risco. Foi organizada uma sessão pública na qual todas as instituições que prestam apoio

e serviços foram, formalmente, requeridas a assinar a Carta:

e depois fomos trabalhando aquilo… depois fizemos novamente sessão com as pessoas para, um bocadinho, devolver isto – não é? – e chegámos a um princípio de uma carta de princípios que… e fizemos uma sessão solene com todos os parceiros a assinar essa carta – não é? – a responsabilizar-se por levar por diante à prática, digamos assim, essa carta de princípios. Que eu acho que é uma coisa que também não existe noutros lados. E que é… que também acho que é interessante.

A descrição dos processos participativos para a concepção do Plano Gerontológico

Local Participativo e da Carta de Princípios da Intervenção Domiciliária constitui,

provavelmente, o melhor exemplo de força e sucesso duradouro desta rede

interinstitucional. É um grupo de profissionais, um grupo de pessoas que compartilham

valores e objetivos que vêm sendo conjuntamente estabelecidos. Acima de tudo, há uma

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experiência impressionante de democratização da provisão de serviços e da intervenção

social.

Conclusão

Eesta experiência interinstitucional constitui um excelente exemplo de

contributo para a democratização dos serviços dirigidos à população idosa, baseada na

participação dos utentes no processo de tomada de decisão em relação às valências e

modalidades de prestação de serviços. Os utentes e o público em geral são convidados a

participar e discutir as necessidades de acesso e a definição dos objetivos de

intervenção. Melhorar e eficiência e a eficácia da prestação de serviços e a adaptação

dos mesmos aos seus utentes pode ser visto como um efeito fundamental deste processo

de democratização. Apesar das dificuldades financeiras que as instituições portuguesas

têm enfrentado e a consequente limitação de serviços oferecidos à população idosa, os

processos participativos ativados por esta rede interinstitucional podem considerar-se

boas práticas de interesse para qualquer país europeu que objetive a democratização na

intervenção social.

Refira-se que a motivação política, nomeadamente de nível central, deve

transformar-se em compromisso, não apenas face aos profissionais/ técnicos envolvidos,

mas também face à participação dos indivíduos e grupos sociais mais vulneráveis.

Motivação e compromisso que encontram maiores dificuldades no actual contexto de

crise social, económica e financeira.

Este estudo revela um excelente exemplo de promoção da arte da participação

sénior em contextos de intervenção interinstitucional. Nos diferentes níveis territoriais é

possível encontrar grande diversidade de experiências, quer relativos aos idosos, quer às

pessoas desempregadas e/ou com baixas qualificações, às crianças em situação de

pobreza, ou à criação de serviços e programação de equipamentos, entre outras.

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Capitulo 3:

Rede Social: Institucionalização e consolidação de uma medida politíca

Alda Gonçalves

“(…) la realidad está en construcción, no está predeterminada, es un proceso en movimiento.”2

Das redes informais à Rede Social

A institucionalização da Rede Social, enquanto programa com expressão e

implementação participada e territorializada, beneficiou de um conjunto de condições

internas e externas.

De facto, a existência de redes informais e o trabalho em parceria na área social

possuem longa tradição em Portugal, nomeadamente entre os profissionais de Serviço

Social, pois as designadas metodologias de intervenção comunitária eram já utilizadas e

ensinadas desde os anos sessenta do Séc. XX. O contexto de ditadura no qual Portugal

viveu durante cerca de meio século, condicionou a existência de políticas sociais e de

intervenção por parte do Estado e dos cidadãos, impedidos de participar na construção

da sua cidadania. Contudo, nesta época, algumas das situações de vulnerabilidade eram

atenuadas quer formalmente através da Igreja Católica, das Misericórdias e de outras

Instituições Particulares de Solidariedade Social (abordagens sócio-caritativas), quer

informalmente através de solidariedades familiares, de vizinhança e comunitárias.

Alguns autores referem iniciativas de grupos de cidadãos integrados em Movimentos

Cristãos (caso da Juventude Operária Católica e Juventude Agrária e Rural Católica e

Liga Operária Católica, Centro de Cultura Operária e Acção Católica Rural), em

Associações culturais, a nível de freguesia ou de bairro (colectividades locais), em

Organizações de cariz político, sindical e/ou cooperativo, com o objectivo de

consciencialização e envolvimento dos cidadãos em pequenos projectos de

desenvolvimento das comunidades locais. Tratava-se de um trabalho oculto que, após o

25 de Abril de 1974, facilitou a criação de Cooperativas de Produção Agrícola e

Operária, Culturais, de Habitação; Associações Sócio-Culturais e de Organizações Não

Governamentais para o Desenvolvimento. Foram assim impulsionadas em diversos

2 Gil, Manuela; Cuevas, Concepción (2012), “Tres enfoques metodológicos para el análisis de redes” , in Prisma Social, Revista de Ciências Sociais, N.º 9, p. 119.

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Municípios, metodologias de animação cultural e de educação. É neste sentido que se

pode dizer que, entre os anos sessenta e oitenta do século vinte, ocorreram diversas

experiências de participação territorializada para promoção do desenvolvimento local,

envolvendo pessoas de comunidades rurais e urbanas que, generalizadamente queriam

ter acesso à informação.

Este tipo de intervenções e projectos deram origem a, pelo menos, três aspectos

essenciais na promoção do desenvolvimento local, como a participação e autonomia

social, a ancoragem ao local de vivência e o contributo para a melhoria das condições de

vida locais. (Cf. Albino, s/data)

Um impulso externo surgiu com a implementação do Programa Europeu de Luta Contra

a Pobreza I (1975-1979). Esta primeira iniciativa comunitária orientava-se

essencialmente para a investigação, reconhecendo-se ao nível europeu a insuficiência de

conhecimentos nesta matéria. Considera-se que, em Portugal, a sua expressão foi

limitada, mas foi assim que surgiram os primeiros trabalhos de investigação realizados

por Alfredo Bruto da Costa e Manuela Silva. Esboçavam-se as primeiras definições de

pobreza.

A adesão de Portugal à UE (01.Jan.1986) foi um importante momento de viragem,

observando-se também um estímulo político à constituição de parcerias, nomeadamente

nas áreas social e do emprego, reforçado pelo surgimento do PELCP II (1986-1989),

sob a Presidencia Irlandesa da UE. Foram promovidos 91 projectos, orientados para a

investigação-acção, em torno grupos-alvo vulneráveis. Foram fundamentais as

actividades transnacionais e aprendizagens daí resultantes. Realizaram-se também

alguns estudos estatísticos com objectivos de medição e operacionalização das

definições de pobreza. Segue-se o PELCP III (1989-1994), com orientação diferente do

anterior, centrado em 42 projectos territoriais, respeitando os princípios de

integralidade, parceria e participação. Com este Programa tornou-se mais abrangente a

utilização do conceito de exclusão social. Foi relevante a influência destes programas no

modelo concebido, em 1990, para o Programa Nacional de Luta Contra a Pobreza

(PNLCP).

A partir deste manancial de experiências, estavam criadas as condições para a reflexão e

concepção de um Programa como a Rede Social, organizando ideias e soluções que

vinham sendo experimentadas nas redes informais, como o planeamento participado, o

trabalho em parceria, a colaboração e complementaridade entre Administração Central e

local, e ainda com as instituições que intervêm na área social.

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A partir de meados da década de noventa do Séc. XX, o Governo reconhecendo a

importância dessas redes informais, impulsiona um conjunto de medidas de política

social activas, territorializadas e assentes no trabalho de parceria3. A partir de então

surgem as Redes Regionais para o Emprego, o Rendimento Mínimo Garantido (RMG)4,

as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), o Programa de Erradicação da

Exploração do Trabalho Infantil (PEETI), os Territórios Educativos de Intervenção

Prioritária (TEIP), entre outras, incluindo o Programa Rede Social do qual se falará

mais adiante.

A disseminação territorializada deste tipo de políticas permitiu aos níveis locais, novas

competências em termos de participação, de conhecimento, de planeamento e de

modelos de organização e intervenção. Estas medidas começavam, em geral, como

projectos-piloto, para serem disseminadas posteriormente e possuíam estruturas com

configurações variáveis consoante os territórios, pois as parcerias eram constituídas por

Serviços desconcentrados da Administração Central, Autarquias Locais e por outras

instituições de âmbito social, cuja adesão era voluntária. A implementação destas

políticas permitiu um novo modelo de relacionamento entre o Estado Central, o Local e

as Instituições Particulares de Solidariedade Social5.

É neste contexto propício à participação, experimentação e inovação que se inicia o

processo de formalização/ institucionalização do Programa Rede Social, através da

RCM n.º 197/97, de 18 de Novembro, no qual surge definido da seguinte forma:

Designa-se por rede social o conjunto das diferentes formas de entreajuda, bem como das entidades particulares sem fins lucrativos e dos organismos públicos que trabalham no domínio da acção social e articulem entre si e com o Governo a respectiva actuação, com vista à erradicação ou atenuação da pobreza e exclusão social e à promoção do desenvolvimento social. (P. 6253)

No primeiro folheto de divulgação do Programa podia ler-se:

No âmbito de uma política social que se orienta para potenciar a eficácia social das medidas de intervenção decidiu o Conselho de Ministros fazer o reconhecimento público da identidade e valores desta realidade, fomentar a formação de uma consciência colectiva responsável dos diferentes problemas sociais que atende e

3 Em concordância com a definição de Francisco Branco, a medida Rede Social enquadra-se nas “políticas sociais activas, orientadas por um princípio de solidariedade activa em substituição da lógica de solidariedade passiva desenvolvida mecanicamente pelo Estado Providência” (2009: 82).4 Esta medida de política, o RMG tem sofrido várias alterações e designa-se actualmente Rendimento Social de Inserção (RSI).5 Este novo modelo corporizou-se numa estrutura de concertação social, Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social (criado pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 21/97, de 12 de Fevereiro), que integrava representantes do Estado Central, dos Municípios, Freguesias, Misericórdias, IPSS e Mutualidades.

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incentivar redes de apoio social integrado de âmbito local. (IDS, Folheto de Divulgação6)

Em nosso entender, as duas referências complementam-se, na medida em que a primeira

remete para uma definição de “rede social” assente no trabalho conjunto das diversas

entidades com intervenção no domínio social, enquanto a segunda explicita a relevância

que o poder político vigente atribuía às redes já existentes e ao seu contributo

fundamental na formação de uma “consciência colectiva” que tornasse mais eficaz a

resolução dos “problemas sociais”.

No mesmo sentido, em 21 de Novembro de 2003, no 2.º Encontro Nacional da Rede

Social, um dos comentadores referia que a Rede Social:

(…) foi um programa que veio no momento certo e com propostas adequadas que correspondiam a necessidades reais. Na maior parte dos casos (…) este processo prende-se com experiências anteriores de parcerias. (…) Há quem ande nisto, das parcerias e planeamentos estratégicos locais com energias endógenas, desde os anos sessenta e setenta, mas depois foi-se acentuando nos anos 80 e 907.

Os objectivos centrais do Programa assentavam então na promoção do desenvolvimento

local integrado, através da mobilização de um conjunto de recursos e competências

institucionais que, de forma mais eficaz, permitissem responder aos problemas sociais

identificados nos concelhos e freguesias. Assim os objectivos específicos sintetizavam-

se, num dos documentos de apoio, da seguinte forma:

Induzir o diagnóstico e o planeamento participados, promover a coordenação das intervenções ao nível concelhio e de freguesia, procurar soluções para os problemas das famílias e pessoas em situação de pobreza e exclusão social, formar e qualificar agentes envolvidos nos processos de desenvolvimento local no âmbito da rede social, promover uma cobertura adequada do concelho por serviços e equipamentos e, finalmente, potenciar e divulgar o conhecimento sobre as realidades concelhias. (IDS, 2001)

Neste âmbito, importava respeitar os princípios de integração, articulação,

subsidiariedade e inovação e promover uma metodologia de acção participativa.

Para operacionalizar os objectivos previstos, a própria RCM n.º 197/97 definia como

modelo organizativo ou de governação, a constituição de Conselhos Locais de Acção

Social (CLAS8), parcerias alargadas, presididas pelos Presidentes das Câmaras 6 O Instituto para o Desenvolvimento Social (IDS) foi a entidade pública da Administração Central, gestora do Programa, até à sua extinção em Março de 2003. Depois desta data, a responsabilidade de gestão e acompanhamento transitou para o Instituto da Segurança Social, I.P.7 Fragmento do “Comentário Síntese do Encontro” efectuado por Orlando Garcia, in Actas do 2.º Encontro nacional da Rede Social, realizado no Centro de Congressos de Aveiro, 21 de Novembro de 2003, p. 71. 8 O CLAS é composto pelas seguintes entidades: Câmara Municipal (que assegura a presidência), Juntas de Freguesia, entidades da Administração Pública central existentes no concelho, Instituições Particulares de Solidariedade Social, associações locais diversas, Forças de Segurança e outras entidades e cidadãos

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Municipais e de Comissões Sociais de Freguesia e/ou Inter-freguesias (CSF e CSIF9,

respectivamente), lideradas pelos Presidentes de Juntas de Freguesia. Esperava-se que

as entidades parceiras elaborassem Regulamentos Internos (RI) adequados ao seu

funcionamento; efectuassem Diagnósticos Sociais (DS) que permitissem dar conta dos

principais problemas e potencialidades territoriais; Planos de Desenvolvimento Social

(PDS), para três ou cinco anos, definindo prioridades e soluções para os problemas

detectados; Planos de Acção anuais (PA); Sistemas de Informação a partilhar por todos

os parceiros e propostas de modelos de articulação entre as diversas parcerias existentes.

Em síntese, a ideia forte aqui subjacente era a de racionalizar e rentabilizar recursos e

respostas dos diversos parceiros de diferentes áreas sectoriais, pondo em prática

processos de planeamento com vista ao desenvolvimento social local, integrando o

combate à pobreza como um dos focos principais.

O Percurso da Rede Social ou a Implementação de um Órgão de Planeamento

O Percurso Institucional

A implementação do programa não se realizou em todos os territórios concelhios em

simultâneo, obedeceu a um faseamento. Numa primeira fase, entre Janeiro de 2000 e

Abril de 2001, o Programa começou por ser implementado de forma experimental em

41 concelhos piloto, de norte a sul do Continente.

Contudo, nesta fase, surgiram várias dificuldades, nem sempre fáceis de superar e que

foram debatidas no 1.º Encontro Nacional do Programa Rede Social10. Salientavam-se

as seguintes dificuldades: inexistência de tradição de planeamento da intervenção social

em Portugal, isto é, a intervenção social obedecia a uma lógica de resolução dos

problemas à medida que surgiam e de forma sectorial, sem um objectivo de trabalho

integrado e complementar; deficiente formação de parte dos técnicos na área social e o

facto de a maioria das Câmaras Municipais, excepto as dos concelhos urbanos de maior

de reconhecido mérito local. Mas o CLAS possui também um Núcleo Executivo (NE), constituído por técnicos (cinco a sete), de carácter mais operativo. 9 A CSF/ CSIF integra: Junta de Freguesia (que preside), entidades da Administração Pública central, Instituições Particulares de Solidariedade Social e outras entidades e/ ou cidadãos de reconhecido mérito local. 10 O 1.º Encontro Nacional realizou-se a 07.Novembro.2000, no Estoril, com o objectivo de discutir sobre o grande n.º de parcerias existentes, assim como as resistências à implementação do programa, por parte de entidades com uma cultura organizacional mais fechada e assente em práticas individualistas e assistencialistas.

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dimensão, terem, neste âmbito, uma intervenção geralmente limitada à habitação social.

Apesar das dificuldades, o balanço revelou-se positivo, nomeadamente pelo esforço de

cooperação entre entidades públicas e particulares na consensualização de objectivos e

concertação de intervenções. Seria ainda importante, referia Jordi Estivill no final do 1.º

Encontro, dar maior visibilidade e forte suporte político a uma experiência deste tipo,

capaz de ser replicada noutros países europeus. Refira-se que o Programa foi divulgado

no âmbito do Plano Nacional de Acção para a Inclusão 2003-2005, como boa prática,

nomeadamente pela capacidade de fomentar o trabalho inter-institucional,

racionalizando-o, ensaiando modelos de articulação das parcerias locais, introduzindo

processos de planeamento estratégico nos territórios, fomentando níveis de

conhecimento mais aprofundados e sistemáticos e promovendo a circulação da

informação11.

Ainda neste âmbito, Godinho e Henriques, os autores responsáveis pela avaliação mais

recente, fazem referência à existência de um grande manancial e riqueza de experiências

no contexto das redes sociais, “potencialmente transferíveis para outros contextos, que

não têm espaço para uma divulgação adequada”12, questão reconhecida pelos próprios

actores locais.

Desde o início que a entidade gestora do Programa considerou fundamental impulsionar

e manter um acompanhamento de proximidade, devido à complexidade dos desafios que

se colocavam aos territórios concelhios. Uma equipa de técnicos assegurava o apoio e

acompanhamento técnico às redes sociais, quer de proximidade, quer através da

elaboração de vários documentos13, como:

Guia do Programa Rede Social (2001) – propõe uma apresentação dos objectivos,

princípios e filosofia subjacentes ao Programa da Rede Social e constituindo-se

como um guião orientador, capaz de facilitar a compreensão e utilização da

metodologia proposta para a sua implementação.

Documento de Apoio à Elaboração do Plano de Desenvolvimento Social (2002) –

este documento agrega um conjunto diversificado de metodologias e técnicas de

planeamento, com uma panorâmica das principais vantagens e desvantagens,

permitindo que os CLAS optem pelas mais adequadas às suas necessidades.

11 Para maior detalhe da informação ver MSST (2004) PNAI 2003-2005, Lisboa, pp. 134-139. 12 Godinho, Rui; Henriques, José Manuel (Coord.) e al. (2012), Projecto Rede em Prática, Guia de Experiências, Lisboa, IESE (não publicado), p. 1.13 Elaborados internamente e aos quais se pode aceder através do link www.seg-social.pt/redesocial

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Guia de Recursos para o Desenvolvimento Social (2003) – trata-se de um

documento agregador de um conjunto de medidas e programas, disponíveis a nível

nacional, que podem constituir-se como respostas às necessidades existentes.

Guia Prático para a Implementação da Rede Social (2004) – este guia propõe um

conjunto de orientações técnicas, que permitem operacionalizar as diferentes fases

de trabalho dos CLAS.

Tipificação das situações de exclusão em Portugal Continental (2005) – este

documento propõe uma tipologia das situações de inclusão/exclusão e de pobreza,

com base em indicadores de âmbito territorial concelhio, constituindo uma base de

conhecimento inicial para elaboração dos DS. (Em actualização.)

Plano de Trabalho dos CLAS (2012) - instrumento de apoio à concretização do

plano de trabalho do CLAS.

Por outro lado, para melhor ir resolvendo os problemas e dificuldades, importava fasear

a implementação14. Assim, o Programa alargou-se, a ritmos diferentes, aos restantes

concelhos do Continente, como se pode observar no quadro que se segue:

Q.1. Evolução do n.º de concelhos aderentes ao Programa Rede Social, por NUT II e ano de adesão

NUTs II 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2008 TotalContinente

Norte 10 14 15 17 21 9 0 0 66Centro 9 8 12 18 17 13 0 1 78LVT 10 1 10 14 8 7 1 0 51Alentejo 4 6 7 11 12 7 0 0 47Algarve 3 1 3 0 6 3 0 0 16Total 36 30 47 60 64 39 1 1 278

Fonte: Castro (Coord.) e al., Desafios e Experiências de um Programa Estruturante, ISS, I.P., 2009.

Nesta segunda fase de alargamento foi decisivo o financiamento proporcionado aos

concelhos (através de candidatura do Instituto para o Desenvolvimento Social - IDS ao

Programa Operacional Emprego, Formação e Desenvolvimento Social - POEFDS), quer

para a contratação de técnicos que assegurasse a implementação do Programa, quer para

a contratação de acessórias técnicas e/ ou promoção de acções de formação específicas.

Foi neste âmbito que o DN N.º 8/2002 criou o Programa de Apoio à Implementação da

Rede Social15. De forma complementar foi-se registando a aprovação anual pelo Gestor

14 Castro (Coord.) e al., Desafios e Experiências de um Programa Estruturante, ISS, I.P., 2009, p. 20. 15 Este Despacho Normativo orientador das condições de financiamento aos territórios surgiu na sequência da aprovação da candidatura ao POEFDS, acção-tipo 5.1.1.1 – Dinamização e Consolidação de Parcerias Locais. O montante do financiamento, previsto para 24 meses de implementação, em geral, prolongou-se até 29 meses.

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do POEFDS de um Plano de Formação, apresentado pelo IDS para acções-tipo 5.1.1.2 –

Formação e Qualificação de Agentes de Desenvolvimento Social.

Importa ainda referir que a reflexividade, quer sobre o processo de implementação do

Programa, quer sobre as práticas de planeamento e intervenção em curso foi-se

realizando em momentos diversos, nomeadamente no 2.º Encontro Nacional (2003), em

quatro Encontros Regionais (2004), nos encontros Inter-CLAS que se realizavam com

regularidade e ainda na 1.ª avaliação externa do Programa (2005), quando as redes

sociais já se encontravam implementadas em praticamente todo o território16.

A importância dos diversos encontros revelou-se fundamental para reflectir/ informar,

trocar experiências e divulgar boas práticas no âmbito da implementação de um

Programa que conseguia dinamizar e mobilizar uma diversidade de sectores em torno

das questões sociais.

Refira-se, a título exemplificativo, que o 2.º Encontro Nacional mobilizou cerca de 600

técnicos e dirigentes de redes sociais locais, que se reuniram para reflectir/discutir

questões como:

1) Sustentabilidade do Programa Rede social; 2) Sistemas de Informação e

marketing da Rede Social; 3) Promoção de Redes e Parcerias Eficientes e Eficazes

no Desenvolvimento Sócio-local; 4) Articulação entre economia, território e

solidariedade; 5) Contributos da Rede Social para a melhoria da qualidade de vida

dos cidadãos. (Castro e al., 2009, 28)

Por seu lado a 1.ª Avaliação do Programa Rede Social, realizada por uma entidade

externa17, dava conta genericamente de um processo de implementação positivo e com

importantes impactos, nomeadamente por te tratar de uma medida de política que

propunha “uma abordagem integrada e sistémica do desenvolvimento social, da

promoção do bem-estar social” (CET, 2005: 8). Mas o relatório dava conta também de

dificuldades e vulnerabilidades, referindo nomeadamente um défice de

acompanhamento técnico de proximidade, devido ao crescimento do n.º de concelhos

com Rede Social, a ausência de regulamentação da RCM n.º 197/97 e a “inexistência de

articulações interministeriais formais e publicamente visíveis”, pois ao colocar a gestão

do Programa num Ministério específico “transmitiu para o terreno um sinal (incorrecto)

de que se tratava de uma iniciativa restrita à acção social, isto é, justamente um sinal

16 Excepto Tomar e Viseu. Estes dois concelhos só aderiram, respectivamente, em 2006 e 2008.17 A 1.ª Avaliação externa do Programa Rede Social foi realizada por Teresa Amor, enquadrada pelo Centro de Estudos Territoriais/ ISCTE, em 2005.

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contrário ao que a Rede Social procurava induzir: o da necessidade de políticas sociais

integradas” (CET, 2005, in Castro e al., 2009, 31).

Especificando, o Programa propunha intervenções territoriais integradas (englobando

diversas áreas sectoriais, como acção social, saúde, educação, emprego e formação,

habitação, entre outras) e a entidade gestora, o IDS, era tutelada pelo Ministério da

Solidariedade e Segurança Social, fazendo com que, na época, várias entidades

considerassem que a responsabilidade maior em termos de intervenções se restringia à

acção social.

Em 2006, através do Decreto-Lei n.º 115/2006, de 14 de Junho, a rede social

transforma-se numa estrutura orgânica, completando assim a sua institucionalização, já

com todos os concelhos aderentes. O planeamento participado do desenvolvimento

social local continua a ser o foco principal, acentuando-se agora a preocupação com a

coerência necessária entre estas estruturas de planeamento e os instrumentos de

planeamento de âmbito nacional, nomeadamente o Plano Nacional de Acção para a

Inclusão (PNAI)18.

Importa ainda referir que este DL promove e regulamenta também a organização da

rede social a outro nível regional – as plataformas supraconcelhias19, de âmbito

territorial equivalente às NUT III, justamente para garantir a articulação, a circulação de

informação entre os parceiros, a análise e encaminhamento para o nível nacional de

problemas colocados pelos CLAS e para promover a reflexão sobre os problemas

existentes nos territórios abrangidos.

As plataformas20 integram: representantes dos Centros Distritais da Segurança social das

áreas territoriais respectivas; representantes dos governadores civis respectivos;

dirigentes das entidades e serviços relevantes da Administração Pública das áreas

territoriais respectivas; os presidentes dos CLAS respectivos; os representantes das

instituições particulares de solidariedade social, organizações não-governamentais e

associações empresariais e sindicais com expressão nacional e com delegações nos

territórios respectivo. A coordenação das plataformas é assegurada pelos directores do

18 O PNAI era um instrumento de congregação e planeamento das medidas de política, programas e projectos de combate à pobreza de âmbito nacional, comum aos Países da UE e baseado em orientações europeias, nomeadamente no Método Aberto de Coordenação. Foram realizados os seguintes Planos: 2001-2003; 2003-2005; 2006-2008 e 2008-2010. Cf. Gonçalves, Alda (2006), “Alguns Traços de Análise de Três Gerações de Planos Nacionais de Acção para a Inclusão”, in Cidades, Comunidades e Territórios, n.ºs 12/13 Lisboa, CET/ ISCTE. 19 Ver Decreto-Lei n.º 115/2006, de 14 de Junho.20 Informação mais detalhada sobre as actividades das Plataformas Supraconcelhias encontra-se em www.seg-social.pt/redesocial

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Centro Distrital de Segurança Social que abranjam maior número de concelhos, ou seus

representantes.

O Relatório Final de Avaliação das Redes Sociais (segunda avaliação externa,

Setembro, 2012, cuja apresentação pública dos resultados se realizou em

04.Dezembro.2012, em Coimbra21) refere que

Os mecanismos top-down de governação da rede são reforçados com uma regulamentação tendencialmente uniforme a todo o território (…) com a preocupação reforçada de que a Rede faça parte do dispositivo de acção da Administração Central, bem visível na preocupação com o seu contributo para o planeamento da rede de equipamentos sociais. (Godinho, Henriques e al., 2012: 8)

Importa assinalar que o facto de a rede social se ter tornado a maior estrutura de

participação a intervir na área social, no Continente, deve muito ao empenhamento de

técnicos e entidades que a integram, acompanham e animam, nos diversos níveis

territoriais – local, regional e nacional. Ainda que, ciclicamente, quer na fase de

implementação/ experimentação, quer na de institucionalização, se tenham registado

tensões e dificuldades, nota-se a evolução da participação de uma diversidade de

parceiros (quantitativa e qualitativa), que impulsionam a rede social para uma terceira

fase, de consolidação, testando capacidades de resposta aos desafios que actualmente se

colocam (Op. cit., 2012: 9).

O quadro seguinte permite ilustrar a extensão das entidades parceiras que integravam os

CLAS, por região.

Q.2. Número de Entidades Parceiras nos CLAS, por RegiãoRegião N.º de Entidades Parceiras nos

CLASNorte 3.495Centro 2.767LVT 1.919Alentejo 1.327Algarve 558Total 10.066

Fonte: ISS, I.P., Relatório de Execução Final do Programa de Apoio à Implementação da Rede Social, (Dezembro de 2007)

O Planeamento e Respectivos Instrumentos

A implementação de práticas de planeamento estratégico, assente em objectivos comuns

e soluções/ intervenções concertadas entre os diversos parceiros, sempre foi o fio

21 Godinho, Rui; Henriques, José Manuel (Coord.) e al. (2012), Projecto Rede em Prática, Relatório Final de Avaliação, Lisboa, IESE (não publicado).

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condutor do Programa desde o seu início, como se referiu. Pretendia-se que cada rede

social contribuísse para um planeamento intersectorial indispensável ao

desenvolvimento local de cada um dos seus territórios. Na realidade, os instrumentos de

planeamento permitem fundamentar e legitimar projectos e candidaturas capazes de

captar recursos e financiamentos baseados no conhecimento aprofundado da realidade

territorial.

Assim, neste ponto, importa traçar uma panorâmica dos principias instrumentos comuns

de planeamento previstos (a maioria efectuados internamente, pelos Núcleos

Executivos, técnicos representantes das entidades dos CLAS e outros elaborados por

consultores externos) que têm pontuado os percursos das diferentes redes socais (os

Diagnósticos Sociais, os Planos de Desenvolvimento Sociais e os Planos de Acção).

Neste contexto, o Decreto-Lei n.º 115/2006, define o DS como

um instrumento dinâmico sujeito a actualização periódica, resultante da participação dos diferentes parceiros, que permite o conhecimento e a compreensão da realidade social através da identificação das necessidades, da detecção dos problemas prioritários e respectiva causalidade, bem como dos recursos, potencialidades e constrangimentos locais. (Art.º 35)

E o PDS como “um plano estratégico que se estrutura a partir dos objectivos do PNAI e

que determina eixos, estratégias e objectivos de intervenção, baseado nas prioridades

definidas no DS” (Art.º 36) e operacionaliza-se através de PA anuais (Art.º 37).

O quadro seguinte permite uma panorâmica quantitativa dos resultados existentes no

final de 2008, revelando o esforço, empenhamento e motivação de técnicos e parceiros

na implementação do Programa.Q. 3. Número de Instrumentos de Planeamento Elaborados pelos CLAS (Dezembro de 2008)

CLAS/ Instrumentos de Planeamento elaborados

Total

N.º de Concelhos aderentes ao Programa 278N.º de CLAS constituídos 278N.º de Diagnósticos Sociais (DS) 269N.º de Planos de Desenvolvimento Social (PDS) 260N.º de Planos de Acção (PA) 253N.º de Instrumentos de planeamento elaborados e aprovados 782N.º de instrumentos de planeamento previstos 834

Fonte: Quadro adaptado de Castro (Coord.) e al. (2009) Desafios e Experiências de um Programa Estruturante, ISS, I.P., p. 44.

Para a elaboração quer dos diagnósticos sociais, quer dos planos de desenvolvimento

social, a opção incidiu num conjunto de metodologias e técnicas de pesquisa

diversificadas, utilizadas quase sempre de forma complementar, nomeadamente análise

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estatística, documental e bibliográfica, inquéritos por questionário, entrevistas, focus-

group, análises SWOT, árvore de problemas, workshops temáticos, método Delphi,

análise estratégica de actores e construção de cenários. Um estudo realizado por uma

equipa de investigadores do CIES (2007) reforça justamente esta constatação empírica22.

Estes autores realizaram um estudo centrado nas áreas do emprego e da formação

profissional e na forma como as redes sociais trabalhavam e respondiam aos problemas

existentes, utilizando também metodologias diversificadas, entre as quais inquéritos por

questionário, entrevistas a interlocutores privilegiados e estudos de caso, com análise

detalhada de alguns instrumentos de planeamento.

Em termos de temáticas, observa-se considerável diversidade e grande coerência nos

dois tipos de documentos (DS e PDS). As áreas temáticas onde se encontra maior

convergência são a “educação”, a “formação”, o “emprego”, uma notória preocupação

com os “idosos/ 3.ª idade”, a “saúde”, a “infância” e a “acção social”. Por seu lado as

temáticas menos abordadas são as do “ambiente”, “sem-abrigo” “trabalho infantil” e

“ordenamento territorial”.

Se os diagnósticos sociais permitem identificar os principais problemas a resolver nas

diversas áreas, propondo prioridades que devem convergir com as dos planos de

desenvolvimento, estes por sua vez, contemplam soluções cujas formas de

concretização se materializam nos planos de acção anuais, em geral com cronogramas

definidos e entidades/ parceiros responsáveis. Muitas vezes estes PA incluem medidas

resultantes de parcerias estabelecidas no contexto da própria rede local, que vão além

das actividades regulares de cada uma das entidades.

Com base no estudo efectuado por Alves, Martins e Cheta (2007), podem observar-se,

como exemplo, as áreas prioritárias23 definidas nos dois tipos de documentos. Veja-se o

quadro que se segue, mesmo tendo em consideração que, à data de realização do estudo

referido, nem todas as redes sociais tinham ainda os seus PDS elaborados.

Q. 4. Prioridades das Diferentes Áreas nos DS e nos PDS

Áreas Prioritárias Diagnósticos Sociais

(Prioridade Máxima24)

Planos de Desenvolvimento

Sociais (Prioridade

Máxima)

22 Alves; Martins; Cheta (2007), Emprego, Formação e Redes Sociais, Celta Editora, Lisboa. 23 A partir de um inquérito realizado às Autarquias com Rede Social, em 2006.

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N.º N.ºEducação 95 82Formação 68 57Emprego/ Desemprego 78 65Idosos/ 3.ª Idade 82 70Juventude 43 40Infância 65 55Saúde 47 38Habitação/ Habitação Social 43 37Demografia/ População/ Desertificação 27 15Acção Social 64 55Toxicodependências 42 35Criminalidade/ Justiça 5 2Actividades Económicas/ Empregabilidade 32 24Cultura 5 4Associativismo 11 5Desporto 5 5Cidadãos deficientes/ Barreiras Arquitectónicas 41 32Ambiente 8 5Transportes/ Acessibilidades 17 13Infra-estruturas de saneamento básico 7 6Famílias 39 27Violência doméstica 10 7Trabalho infantil 7 7Imigração/ Minorias étnicas 5 3Sem-Abrigo 3 3Outras formas de pobreza/ Exclusão Social 15 12Ordenamento territorial/ Urbanístico 1 1Turismo 11 8Património Histórico e Cultural 6 5Ocupação dos Tempos Livros 20 19Outras 8 9

Fonte: Quadro adaptado de Alves; Martins; Cheta (2007), Emprego, Formação e Redes Sociais, Celta Editora, Lisboa, pp. 50, 51.

De acordo com o Relatório Final de Avaliação mais recente “conclui-se que a maioria

das redes sociais incorpora nos seus documentos de planeamento a filosofia estratégica

de acção e (...) respeita a natureza de cada um dos documentos, definida em sede legal e

em documentos de apoio” (Godinho e Henriques, 2012: 89).

Importa referir, na sequência das avaliações efectuadas (em 2005 e 2012), a importância

que as actividades de formação, promovidas pelo ISS, I.P., ao longo do tempo de

existência do programa têm tido para os técnicos envolvidos nas redes sociais. Cerca de

90% das Câmaras inquiridas, no âmbito da última avaliação externa, referem que os

seus técnicos frequentaram, nos últimos três anos, formações específicas centradas no

trabalho em parceria, nomeadamente “coordenação e animação de parcerias” e também

sobre “métodos de recolha participada de informação”, entre outras.

24 Esta prioridade máxima insere-se numa escala de cinco prioridades indicadas pelos técnicos, no inquérito realizado às Autarquias com Rede Social, em 2006, pelos investigadores do CIES.

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A noção de que o acesso à informação é fundamental em actividades com as das redes

sociais e, por outro lado, os dados de âmbito social são, em geral, escassos e encontram-

se em constante mutação, em 2004, foi criado um Sistema de Informação Nacional25,

através de uma Página de Internet (portal do ISS, I.P.), cujo acesso começou por ser

condicionado aos Concelhos que iam aderindo às redes sociais e hoje se encontra

generalizado a todas as redes e ao público em geral. A preocupação era e continua a ser

a de disponibilização quer dos documentos de planeamento que vão sendo realizados e

actualizados, um conjunto de indicadores sociais, informação relevante e documentos de

apoio promovidos pelos serviços centrais. Por outro lado, na mesma página, há uma

Base de Dados para trabalho local e exclusivo de cada um dos CLAS26, instrumento de

registo de respostas, serviços e caracterização dos projectos existentes em cada

território.

De acordo com Godinho e Henriques (2012), a apreciação genérica em relação ao site,

efectuada pelos CLAS, revelou-se bastante positiva e os principais motivos de acesso

são essencialmente a consulta de documentos de apoio, de normativos e orientações

genéricas sobre o Programa, consulta de documentos e de projectos de outras redes e

ainda carregamento de informações/ dados da própria rede.

Contudo, no que respeita a Sistemas de Informação Locais, para promover um acesso

generalizado à informação, constata-se que só cerca de metade das redes dispõem de

sistemas de informação actualizados e, em geral, alojados nos sites das respectivas

Câmaras Municipais.

Finalmente, no âmbito deste processo, um dos pontos sensíveis e menos concretizado

pelas redes sociais, tem sido a monitorização e avaliação. Isto é, os documentos iniciais

de apoio à implementação preconizaram, desde logo, a necessidade de monitorização e

avaliação das actividades das redes, assim como a Portaria n.º 141/2002, de 12 de

Fevereiro que contemplava apoio financeiro específico para a avaliação das redes

sociais locais. No entanto, como refere o estudo de Alves, Martins e Cheta (2007: 53),

“na maioria das situações analisadas pelo inquérito (55% dos casos) não houve lugar à

implementação de dispositivos de avaliação do trabalho realizado.” Nesta sequência,

nas situações em que se verificou avaliação, o modelo mais utilizado foi o da auto-

avaliação. As redes que a efectuaram destacaram sobretudo três razões: o facto de 25 Para obter informação mais detalhada sobre esta questão, consultar: Castro (Coord.) e al. (2009) Desafios e Experiências de um Programa Estruturante, ISS, I.P., pp. 51-56. Godinho, Rui; Henriques, José Manuel (Coord.) e al. (2012), Projecto Rede em Prática, Relatório Final de Avaliação, Lisboa, IESE (não publicado), pp. 83, 84 e a página em www.seg-social.pt/redesocial. 26 O acesso a esta BD é restrito aos técnicos das redes sociais, não permitindo acesso ao público em geral.

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permitir corrigir situações, de corrigir situações e obter feedback crítico e ainda uma

combinação de olhar específico, correcção de situações e feedback crítico.

Os mais recentes resultados da avaliação externa vêm, justamente, reforçar que se

mantêm algumas fragilidades das redes sociais a este nível:

Conclui-se que a dimensão de monitorização e avaliação da actividade da Rede, enquanto instrumento para regular a acção das Redes, é uma fragilidade do Programa que merece investimento futuro. Esta dimensão encontra-se fortemente relacionada com a capacidade desejável de orientação do trabalho das redes para os resultados nas populações, conferindo visibilidade à riqueza das intervenções e promovendo modalidades de ajustamento contínuo das actividades e dos recursos disponibilizados, face às necessidades das comunidades. (Godinho e Henriques, 2012: 114)

As principais razões identificadas para esta relação de relativo distanciamento face a

exercícios de monitorização e avaliação prendem-se com o nível de maturidade das

estruturas de parceria das redes e com a própria capacitação técnica existente para o

efeito. O que não significa que não existam alguns exemplos positivos de redes que

possuem instrumentos de monitorização e avaliação, utilizados com regularidade.

Projectos de Redes Sociais: Exemplos Com Enfoque nos Idosos 27 “Vivemos em sociedades acentuadamente envelhecidas,

marcadas por processos de rápidas e profundas mudanças: um número crescente de pessoas atinge idades avançadas, ao mesmo tempo que

os modos de vida e as formas de sociabilidade se transformam, estruturando novos percursos e projectos de vida dos que avançam na idade.”28

Dando expressão prática a uma “governança colaborativa”29, as redes sociais concebem

e implementam projectos em várias áreas, sendo possível destacar algumas das que

possuem especial enfoque nos idosos e na problemática do envelhecimento, indo ao

encontro da temática central dos estudos de caso focados no presente documento – CSF

de Santos-o-Velho/ Lisboa e o Grupo Concelhio de Idosos de Almada.27 Para este ponto recorreu-se aos estudos de caso que constam no documento anexo ao Relatório Final de Avaliação, de Godinho, Rui; Henriques, José Manuel (Coord.) e al. (2012), Projecto Rede em Prática, Guia de Experiências, Lisboa, IESE (não publicado). Esta informação foi recolhida no âmbito de 20 estudos de caso de redes sociais de todo o Continente, efectuados entre Nov.2011 e Maio.2012. A selecção dos estudos de caso obedeceu a uma combinação de fontes de informação (identificação de redes por parte de interlocutores de Centros Distritais da Segurança Social, análise documental, entrevistas e inquéritos Delphi). 28 Quaresma e Graça, 2006, cit. em Guerra, Isabel; Pinto, Teresa Costa; Martins, Marta; Almeida, Sara; Gonçalves, Alda (Coord.), (2010), À Tona de Água – Retratos de um Portugal em Mudança, Lisboa, Tinta-da-China Editora. V. 2, p. 349.29 Esta “assenta na organização de atores não estatais de natureza diferente em torno de fóruns ou plataformas com agentes estatais com o propósito de tomada de decisão por consenso em matérias de interesse público.” Godinho, Rui; Henriques, José Manuel (Coord.) e al. (2012), Projecto Rede em Prática, Guia de Experiências, Lisboa, IESE (não publicado), p. 5.

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Com este tipo de intervenções pretendem alcançar maior eficácia e eficiência na

implementação de políticas públicas e na alocação de recursos, considerando a

multidimensionalidade dos problemas e das respostas que estes exigem. Observem-se

breves exemplos.

Veja-se o caso da rede social de Alfandega da Fé:

Ajudou a impulsionar o grupo de idosos “Jovens de Outrora” que emergiu da

população local, com o objectivo de animar e dinamizar actividades de apoio

social.

As entidades Associação Vencer o Tempo e a Associação para a Educação e

Prevenção da Saúde, dinamizou o projecto Vencer o tempo nas sete cidades,

congregando jovens e idosos na dinamização de actividades lúdicas e culturais.

A rede social da Amadora:

Foi criada uma linha telefónica de saúde para pessoas idosas, com mais de 65

anos, que funciona entre as 20h e as 06h, complementando o serviço do Hospital

Amadora-Sintra.

Criaram um Banco de Ajudas Técnicas, em parceria com a Cruz Vermelha que

inclui medicamentos e banco de voluntariado.

Criaram o projecto de apoio alimentar à população sénior, que funciona ao fim

de semana, propondo-se envolver cerca de 300 idosos.

Propõem SAD para todos, isto é, um programa de emergência para idosos em

situações de demência e sem apoio familiar.

A rede social de Beja:

Criou o projecto Beja Sénior, com os seguintes objectivos: informar os idosos

dos recursos e serviços existentes, fomentar hábitos de vida saudáveis, promover

uma imagem positiva do envelhecimento, dinamizar em termos sociais e

culturais esta faixa etária da população, no sentido de aumentar a sua auto-

estima.

Criou o “Centro Social do Lidador”, Centro de Dia, equipamento da Câmara

Municipal (com financiamento QREN), gerido pela Câmara e com actividades

promovidas por vários parceiros (PSP, Centro de Saúde e Escolas), com o

objectivo de quebrar a solidão e incentivar à participação.

Por último, rede social da Lousã:

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Elaborou um Plano Municipal Sénior, que permitiu a realização de actividades

recreativas, desportivas, culturais e inter-geracionais, promovendo a participação

da população idosa. Neste âmbito organizaram a Semana Sénior. A coordenação

foi assegurada pela Câmara Municipal contando com a participação das

entidades do CLAS.

Os Principais Desafios Actuais

A breve resenha do Programa efectuada até ao momento permite identificar alguns dos

seus pontos fortes, nomeadamente: uma cultura de trabalho entre instituições e uma

crescente implementação do trabalho em parceria, essencialmente no âmbito do

planeamento de equipamentos sociais e de intervenções de acção social. Aspectos

importantes reconhecidos por Teresa Amor (2005), no contexto da primeira avaliação

externa e na pesquisa de Alves, Martins e Cheta (2007). Observa-se também o

fortalecimento da relação entre redes sociais e outras parcerias locais e, como assinalam

alguns autores verifica-se

Uma metodologia de trabalho conjunto, que combina instrumentos top-down e

bottom-up, nomeadamente na relação ISS,I.P.-Autarquias-IPSS; no apoio ao

funcionamento da rede (top-down), e no reconhecimento da participação local

como geradora de planeamento e produtora de iniciativas, conhecimento e decisões

(bottom-up). (Godinho e Henriques, 2012: 187)

Contudo e de acordo com os resultados da última avaliação (Op. Cit., 2012), subsistem

algumas fragilidades que importa superar, salientando-se nomeadamente situações nas

quais as redes são apropriadas por “parceiros obrigatórios” (sobretudo, Segurança

Social e Câmaras Municipais), em detrimento de outros e predominando os técnicos de

serviço social, sobre outros profissionais com contributos relevantes no âmbito do

planeamento e do desenvolvimento social. Já o estudo efectuado por Alves, Martins e

Cheta (2007), havia alertado para esta questão. Verifica-se que o trabalho

interinstitucional é ainda relativamente “fechado e invisível” e apesar de ter positivas

repercussões institucionais, os seus efeitos possuem, de um modo geral, menor

visibilidade na qualidade de vida das populações e na sua mobilização. Resistências da

administração central e local em relação às redes sociais como parceiros fundamentais

em matéria de planeamento da área social. E ainda, deficiências de articulação entre os

níveis local, municipal e supramunicipal.

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É neste contexto, que os autores referidos (Op. Cit, 2012) propõem alguns desafios aqui

enunciados de forma necessariamente breve: a importância do papel da Rede Social no

contexto actual – numa fase de consolidação que apelidam de “Rede para a Coesão

Social” – a articular com a participação portuguesa na Estratégia 2020 e com os fundos

estruturais; investir na articulação das redes sociais com outros níveis de planeamento

territorial; promover recursos adequados às necessidades das redes; melhorar a

capacitação quer em termos de planeamento estratégico, quer em termos do

planeamento da participação (inclusive da própria população) e reforçar a capacitação

de equipas técnicas para a monitorização e avaliação.

Finalmente, um investimento global nestas dimensões pode conduzir até à renovação do

próprio enquadramento legal das redes sociais, concluem os mesmos autores.

Bibliografia

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SIGLAS

CLAS - Conselho Local de Acção Social CM - Câmara Municipal CPCJ - Comissões de Protecção de Crianças e Jovens CSF - Comissão Social de Freguesia CSIF - Comissão Social Inter-Freguesias DN – Despacho NormativoDS - Diagnóstico Social IEFP – Instituto de Emprego e Formação ProfissionalIDS – Instituto para o Desenvolvimento SocialIPSS - Instituição Particular de Solidariedade SocialISS, I.P. – Instituto da Segurança Social, Instituto PúblicoNE – Núcleo Executivo PA - Plano de Acção PAIRS - Programa de Apoio à Implementação da Rede SocialPDS - Plano de Desenvolvimento Social PELCP - Programa Europeu de Luta Contra a Pobreza PEETI - Programa de Erradicação da Exploração do Trabalho Infantil

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PNAI – Plano Nacional de Acção para a InclusãoPNLCP – Programa Nacional de Luta Contra a PobrezaPOEFDS - Programa Operacional Emprego, Formação e Desenvolvimento Social RCM – Resolução de Conselho de Ministros RI - Regulamento Interno RMG - Rendimento Mínimo Garantido RS – Rede SocialSI - Sistema de Informação TEIP - Territórios Educativos de Intervenção PrioritáriaUE – União Europeia

Anexo 1. Legislação

Legislação Descrição Formato - Tamanho

Decreto-lei .N.º 115/2006

Regulamenta o programa Rede Social. PDF - 158 KB

Despacho normativo

N.º 8/2002

Regulamenta o programa de apoio à implementação da Rede Social, criado a partir da resolução do conselho de ministros n.º 197/97, de 18 de novembro.

PDF - 125 KB

Decreto regulamentar

N.º 12-A/2000

Regula os apoios a conceder às acções a financiar pelo fundo social europeu (FSE), designadamente no âmbito da formação profissional, da inserção no mercado de trabalho e dos apoios ao emprego, bem como dos processos, tais como a promoção do acesso à qualificação, o acompanhamento pós-formação e pós-colocação, o desenvolvimento e os recursos didácticos que, a montante e a jusante, possam contribuir para a consecução dos respectivos objectivos.

PDF - 115 KB

Despacho normativo

N.º 42-B/2000

Fixa a natureza e os limites máximos de custos elegíveis relativos com formandos e formadores, bem como a natureza de outros custos susceptíveis de elegibilidade, para efeitos de co-financiamento pelo fundo social europeu (FSE).

PDF - 127 KB

Portaria N.º 799-B/2000

Estabelece as normas procedimentais aplicáveis ao financiamento de acções com o apoio do fundo social europeu (FSE).

PDF - 115 KB

Declaração de retificação

N.º 10-O/1998

Retifica a resolução de conselho de ministros n.º 197/97, de 18 de novembro, no que respeita à presidência dos CLAS e das CSF.

PDF - 9 KB

Resolução N.º 197/1997

Procede ao reconhecimento público da denominada "rede social".

PDF - 32 KB

Fonte: www.seg-social.pt/redesocial

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Conclusão:

A democratização dos serviçosGonçalves, A., & Paoletti, I.

Neste livro, apresentam-se duas experiências de redes interinstitucionais de

intervenção com pessoas idosas: a rede interinstitucional num bairro/ Freguesia de

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Lisboa e o grupo “Grupo Concelhio de Idosos” (Grupo municipal de idosos). Alguma

informação de base foi concedida no clima cultural no qual estas experiências

acontecem. São também apresentados alguns documentos de suporte das políticas que

institucionalizão as redes sociais interinstitucionais em Portugal, permitindo discuti-las

à luz dos resultados de avaliações externas.

Neste estudo, visa-se dar conta da representação do trabalho cultural destas

redes. De facto, considera-se que promover a intervenção interinstitucional não é uma

questão meramente técnica, mas uma questão de motivação ética e política. Neste caso,

um grupo de profissionais partilhou a sua motivação de luta contra a pobreza e a

orientação de democratização da prestação de serviços. Esta democratização assegura o

sucesso duradouro dessas redes.

Este estudo revela um excelente exemplo de promoção da arte da participação sénior

(dos idosos) em contextos de intervenção interinstitucional. Nos diferentes níveis

territoriais é possível encontrar grande diversidade de experiências/ exemplos, quer

relativos aos idosos, quer às pessoas desempregadas e/ou com baixas qualificações, às

crianças em situação de pobreza, ou à criação de serviços e programação de

equipamentos, entre outras.

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