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Volume 5, n. 2. jul/dez 2014

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  • Volume 5, n. 2. jul/dez 2014

  • Volume 5, n. 2. jul/dez 2014

    MNEMOSINE REVISTA. Programa de Ps-graduao em Histria/UFCG

    Vol. 5 n 2 Jul/Dez 2014.

    Campina Grande: PPGH, 2014.

    Semestral.

    ISSN: 2237-3217.

    Universidade Federal de Campina Grande. Programa de Ps-graduao em Histria.

    Programa de Ps-graduao em Histria

    Endereo: Rua Aprgio Veloso, n 882 Bodocong

    Campina Grande Paraba

    BRASIL CEP:58.429-140

    Telefone: 2101-1742

    E-mail: [email protected]

    Site: http://www.ufcg.edu.br/~historia/ppgh/

    Equipe de Realizao:

    Edio de Texto: Alisson Pereira Silva

    Arte: Lays Anorina Barbosa de Carvalho

    http://www.ufcg.edu.br/~historia/ppgh/

  • Volume 5, n. 2. jul/dez 2014

    MNEMOSINE REVISTA

    Nmero 2 - Volume 5 Jul/Dez 2014

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

    Reitor: Prof. Dr. Jos Edilson de Amorim

    DEPARTMENTO DE HISTRIA

    Coordenadora Administrativa: Prof. Dr. Marinalva Vilar de Lima

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA

    Coordenador: Prof. Dr. Iranilson Buriti de Oliveira

    COMIT EDITORIAL

    Prof. Dr. Joo Marcos Leito Santos - Editor

    Prof. Dr. Jos Otvio Aguiar

    CONSELHO EDITORIAL

    Alarcon Agra do (UFCG)

    Antnio Clarindo Barbosa de Souza (UFCG)

    Elizabeth Christina de Andrade Lima (UFCG)

    Gervcio Batista Aranha (UFCG)

    Iranilson Buritide Oliveria (UFCG)

    Joo Marcos Leito Santos - Editor Chefe (UFCG)

    Juciene Ricarte Apolinrio (UFCG)

    Keila Queirs (UFCG)

    Luciano Mendona de Lima (UFCG)

    Maria Lucinete Fortunato (UFCG)

    Marilda Aparecida de Menezes (UFCG)

    Marinalva Vilar de Lima (UFCG)

    Osmar Luiz da Silva Filho (UFCG)

    Regina Coelli (UFCG)

    Roberval da Silva Santiago (UFCG)

    Rodrigo Ceballos (UFCG)

    Rosilene Dias Montenegro (UFCG)

    Severino Cabral Filho (UFCG)

  • Volume 5, n. 2. jul/dez 2014

    Sumrio

    Apresentao

    Andr Figueiredo Rodrigues______________________________________________ 05

    DOSSI TERRITRIOS E FRONTEIRAS

    DESBRAVANDO PERCURSOS: A INSERO DOS

    (RADIO)TELGRAFOS E DAS ESTRADAS NO TERRITRIO DO ACRE

    Jefferson Henrique Cidreira____________________________________________ 07

    LUTA PELA POSSE DA TERRA EM UMA REGIO

    DE FRONTEIRA: TOLEDO PR

    Nilton Marques de Oliveira / Leandro de Arajo Crestani

    Rosngela Maria Pontili / Moacir Piffer__________________________________ 24

    VITRIA DE SANTO ANTO EM IMAGENS FOTOGRFICAS:

    COTIDIANO E SINTOMAS DO MODERNO (1880-1930)

    Leandro Anto dos Santos / Gervcio Batista Aranha_____________________ 39

    INCURSES MISSIONRIAS PROTESTANTES NA CIDADE

    DE MOSSOR E NA PROVNCIA DO RIO GRANDE DO NORTE:

    UM ESTUDO INTRODUTRIO

    Elioenai de Souza Ferreira____________________________________________ 51

    A CENTRALIDADE CULTURAL DO REINADO DE D. JOO V

    E A GOVERNABILIDADE DO IMPRIO: O SURGIMENTO DE

    UM NOVO TIPO SOCIAL DE OFICIAIS RGIOS PARA

    O ULTRAMAR PORTUGUS

    Mnica da Silva Ribeiro___________ ____________________________________66

    NOS TRILHOS DO CAF: FERROVIA E URBANIZAO EM

    SO JOS DO RIO PRETO-SP NO INCIO DO SCULO XX

    Henry Marcelo Martins da Silva ________________________________________ 83

    ARTIGOS DE FLUXO

    EIS QUE VENHO SEM DEMORA!: O LIVRO DE APOCALIPSE

    E SUA RELAO COM O CRISTIANISMO NASCENTE DO SCULO I d.C

    Alisson Pereira Silva_________ _______________________________________ 99

  • Volume 5, n. 2. jul/dez 2014

    UM ISOLAMENTO OPCIONAL: A CONSTRUO DA IMAGEM

    DO IMIGRANTE NO INTEGRADO AO BRASIL DA OBRA

    UM RIO IMITA O RENO

    Rodrigo Luiz dos Santos ______________________________________________ 110

    EU ENSINAVA AOS MENINOS A LAVAREM AS MOS...:

    PEDAGOGIA DA HIGIENE E DA CURA POPULAR NO

    CARIRI PARAIBANO (1950-1980)

    Iranilson Buriti de Oliveira / Taianara Catarine Ratis Santiago____________ 125

    O PRINCIPADO DE TIBRIO CSAR: A QUESTO DA CONTINUIDADE

    DOS PRECEITOS POLTICOS DE AUGUSTO E OS ANOS DE

    GOVERNO DE ROMA (14 26 D.C.)

    Rafael da Costa Campos ______________________________________________ 137

    INQUISIO COMO TERRITRIO DE PUREZA:

    AS ESTRATGIAS DE PROPAGANDA NORMATIZADAS PELOS

    REGIMENTOS DE 1552 E 1613 E SUA ATUAO NO BRASIL

    Carlos Andr Cavalcanti / Jos Runivaldo Marques Pascoal ________________ 156

    MANOEL BOMFIM: CRTICA AO ESTADO PATRIMONIALISTA

    E UTOPIA EDUCACIONAL EM

    AMRICA LATINA MALES DE ORIGEM (1905)

    Luiz Carlos Bento ____________________________________________________ 169

    AS FORMAS SIMBLICAS RETRATADAS NOS PORTES

    DA IGREJA ABACIAL DE NOSSA SENHORA DO MONSERRATE

    DO RIO DE JANEIRO PREFCIO HISTRICO

    E DEVOCIONAL DE UMA SOCIEDADE

    D. Mauro Fragoso, OSB _______________________________________________ 179

  • 5

    2 5 jul/dez 2014

    Apresentao

    O territrio em suas mltiplas concepes

    Brasil, Dezembro de 2014.

    Nesse volume 05, N 2,

    JUL/DEZ 2014, apresentamos aos

    leitores da Mnemosine Revista o

    Dossi Territrios e Fronteiras, uma

    coletnea com artigos que abordam

    diferentes apropriaes do conceito

    de Territrio e Fronteira, onde o

    territrio pode ser pensado e

    elaborado de acordo com os

    objetivos de estudo/pesquisa

    tentando-se incorporar a mltipla

    temporalidade dos objetos

    estudados, assim com mltiplos so

    as compreenses da ideia de

    fronteira e territorialidade.

    O territrio pode ser analisado

    a partir de uma multiplicidade de

    concepes. Rogrio Haesbaert

    apresenta em seu trabalho intitulado

    Dos mltiplos territrios a

    multiterritorialidade (2004) vertentes

    que tratam este conceito a partir de

    trs enfoques: jurdico-poltico;

    cultural e econmico, a partir dos

    quais tambm entendemos as

    problemticas aqui tratadas.

    De incio, o trabalho remisso a

    antiguidade intitulado O principado

    de Tibrio Csar: a questo da

    continuidade dos preceitos polticos

    de Augusto e os anos de governo de

    Roma (14 26 d.c.), apresenta

    discusses que tratam o territrio

    como uma resposta as relaes de

    poder poltico-administrativos num

    perodo em que as bases da

    sociedade ocidental estavam se

    firmando nas mais diversas reas.

    O segundo artigo, A

    centralidade cultural do reinado de d.

    Joo V e a governabilidade do

    imprio: o surgimento de um novo

    tipo social de oficiais rgios para o

    ultramar portugus, exemplifica a

    frase do Ives Lacoste, quando esse

    afirmou que a Geografia serve antes

    de tudo para fazer a guerra,

    parafraseado o territrio espao

    de guerra abordando como a

    institucionalizao de novas relaes

    de poder de um governante em

    relao ao conhecimento do territrio

    por ele constitudo, influenciando nas

    relaes com outras naes,

    repercutindo a demarcao de

    territorialidades na construo das

    identidades.

    Depois, nos aproximamos do

    Brasil, com tempos e territorialidades

    regionais diversas, comeando com o

    artigo, intitulado Visitaes do Santo

    Ofcio, mtodos judiciais e territrios:

    as estratgias de propaganda

    normatizadas pelos regimentos de

    1552 e 1613 no Brasil, no qual se

    discute como o poder exercido pela

    Igreja Catlica subjugou a colnia

    portuguesa, beneficiando-se da

    fragmentao do territrio em

    Capitanias, como um mecanismo de

    poder para a consolidao da

    dominao, como nico caminho a

    ser seguido, frente s dissidncias do

    espao colonial.

    Ainda na dimenso da

    organizao da cultura, e o papel da

    religio, o prximo texto, Incurses

    missionrias protestantes na cidade

  • 6

    2 5 jul/dez 2014

    de Mossor e na provncia do Rio

    Grande do Norte: um estudo

    introdutrio, traz a concepo de

    territrio a partir da relao de poder

    estabelecida com a insero de novas

    prticas religiosas e a consolidao

    de um grupo sociopoltico dominante

    nas trs ltimas dcadas do sculo

    XIX, como frmula de ruptura e

    reordenamento das fronteiras em

    dimenso simblica em que operam

    os sistemas religiosos.

    Na sequncia, lemos o artigo

    Vitria de Santo Anto em imagens

    fotogrficas: cotidiano e sintomas do

    moderno (1880-1930), no qual os

    autores buscam, atravs da anlise

    de fotografias e textos diversos

    referentes a temporalidade indicada,

    retratar o territrio como espao de

    vivncia coletiva e cotidiana.

    Nessa dinmica de mobilidade

    de sujeitos e ideias, o migrante um

    personagem central, como se v

    indicado no trabalho Um isolamento

    opcional: a construo da imagem do

    imigrante no integrado ao Brasil da

    obra um rio imita o Reno, quando se

    refere a uma pesquisa que se baseia

    numa obra elaborada no ano de 1939

    e que trata da percepo de territrio

    cultural, onde o imigrante no se

    percebe parte mesmo habitando o

    territrio formal.

    Ainda no movimento de

    transitar o Brasil, o artigo seguinte,

    Desbravando percursos: a insero

    dos (radio)telgrafos e das estradas

    no territrio do Acre, utiliza o

    conceito de territrio enquanto

    Estado-Nao e a concepo de

    integrao a partir da comunicao,

    primeiro em seu sentido mais

    restrito: emissor-receptor-emissor,

    para em seguida ampliar a eficcia

    da comunicabilidade para traduzir o

    sentido mais amplo, como elos fsicos

    desse territrio, no sculo XX.

    Por fim, mas no por ltimo, o

    artigo Luta pela posse da terra em

    uma regio de fronteira: Toledo/PR,

    trata sobre a construo de

    territrios de poder e conflitos a

    partir da produo rural entre as

    dcadas de 1960-70, evidenciando a

    atualidade do tema e os conflitos

    econmicos e o reordenamento

    social.

    Finalmente, todos os artigos

    apresentados nessa edio primam

    pelo uso do conceito de territrio

    evidenciando a multiplicidade de usos

    a partir da histria humana ao longo

    do tempo, sugerindo nesta prpria

    prtica a condio contingente da

    ideia de fronteira e territrio de

    tempo e lugar, e dos universos

    simblicos e culturais.

    Assim, desejamos a todos

    uma excelente leitura!

    Dra. Janana Barbosa da Silva

    Gegrafa, professora da Universidade Federal

    de Campina Grande

    Ms. Emmanuela de Almeida Lins

    Historiadora professora da Universidade do

    Vale do So Francisco

  • 7

    2 5 jul/dez 2014

    DESBRAVANDO PERCURSOS: A

    INSERO DOS

    (RADIO)TELGRAFOS E DAS

    ESTRADAS NO TERRITRIO DO

    ACRE

    Jefferson Henrique Cidreira1

    Resumo

    Neste artigo, procuramos traar um

    percurso sobre a insero dos telgrafos

    no Acre, e sua eminncia como um meio

    de comunicao capaz de ligar o

    Territrio acreano internamente; e

    externamente (com o restante do pas).

    Foi atravs da Comisso Rondon que

    lugares antes inalcanveis pelas

    dificuldades das vias fluviais e terrestres,

    passaram a inserir novas pessoas, antes

    excludas, esquecidas pela sociedade.

    Alm da crucial importncia no mbito da

    comunicao, pois abriu as portas para

    que outros meios de comunicao

    pudessem ser instalados no Acre. Para tal

    estudo, utilizaremos como aporte

    terico/metodolgico os estudos sobre os

    telgrafos de Milton Vargas, Laura

    Antunes Maciel, Edilberto Coutinho,

    dentre outros, alm de pesquisas em

    jornais locais datados desde 1906.

    PALAVRAS-CHAVE: Comisso Rondon,

    Telgrafos, Acre.

    Abstract

    In this article, we try to chart a course

    over the inclusion of Telegraphs in Acre,

    and his eminence as a medium capable of

    binding the Acre Territory internally; and

    externally (with the rest of the country).

    It was through the Rondon Commission

    places before "unreachable" by the

    difficulties of river and land routes, new

    people began to enter before "excluded",

    forgotten by society. Besides the crucial

    importance in communication because

    "opened" the door for other media could

    be installed in Acre. For this study, we

    use as the theoretical / methodological

    studies on the telegraph Milton Vargas,

    Laura Antunes Maciel, Edilberto Coutinho,

    among others, in addition to research in

    local newspapers dating from 1906.

    KEYWORDS: Rondon Commission,

    Telegraph, Acre.

    INTRODUO:

    Quando falamos dos meios de

    comunicao modernos na

    Amaznia acreana inevitvel

    pensarmos em um primeiro momento

    nos telgrafos, o primeiro meio de

    comunicao eltrico do pas e do

    mundo.

    O telgrafo tem sua histria

    iniciada durante a Primeira Repblica

    Francesa, como nos afirma Vargas,

    o Eng. francs Claude Chappe

    inventou um telgrafo semafrico

    (ptico), que em 1794 conseguiu

    comunicar a vitria francesa sobre os

    exrcitos austracos (VARGAS,

    1994: 315).

    Vargas (1994) nos afirma

    ainda que a histria do telgrafo

    continua somente no decorrer do

    sculo XIX com os trabalhos do

    italiano Alessandro Volta, com a

    transmisso de informao eltrica

    codificada, o que permitiria assim a

    materializao do telgrafo eltrico.

    Da a ideia do aparelho eltrico

    passou pela Alemanha, quando

    houve as primeiras demonstraes

    de uma linha area de telgrafos.

    Depois a ideia foi parar na Inglaterra

    at chegar aos Estados Unidos, onde

    Samuel Morse desenvolveu um

    equipamento e um cdigo binrios

    bem mais eficiente; em 1844 seu

    sistema comeou a se espalhar

    rapidamente pelo mundo, conhecido

    hoje como cdigo Morse.

    1 Mestre em Linguagem

    e Identidade / UFAC

    Professor de Histria /

    SEEAC.

    [email protected]

    mailto:[email protected]:[email protected]

  • 8

    2 5 jul/dez 2014

    Apenas alguns anos depois, os

    relatrios do Ministrio da Justia

    comearam a anunciar as

    experincias realizadas com os

    telgrafos. O ministro Eusbio de

    Queiroz assim manifestou-se a

    respeito dos servios telegrficos:

    Tenho o prazer de anunciar-vos, que

    dentro de pouco tempo se acharo

    em exercicio os telephrafos electricos,

    e ainda que sobre linhas de pequena

    extenso, considero de grande

    importancia este primeiro ensaeo de

    to prodigiosa descoberta. A

    communicao dos pensamentos, das

    ordens, das noticias j no encontra

    demora na distancia [...] (QUEIROZ,

    apud MACIEL, 2001: 130).

    1.A implantao dos telgrafos

    no Brasil: a marcha da Comisso

    Rondon

    No Brasil, em 1852, o

    imperador D. Pedro II incumbiu ao

    engenheiro e professor de Fsica

    Guilherme de Capanema a misso de

    estudar e implantar o primeiro

    sistema de telgrafo no pas. Desse

    modo, o telgrafo foi inaugurado em

    11 de maio do mesmo ano. Assim,

    nos afirma Alencar:

    As primeiras linhas telegrficas do

    Pas datam de 1852, poucos anos

    aps a introduo do telgrafo nos

    Estados Unidos por Samuel Morse. A

    instalao dessas linhas foi devida aos

    esforos do ento Ministro da Justia,

    Eusbio de Queiroz Coutinho Mattoso

    Cmara, com o auxlio de um

    proficiente e dedicado professor de

    fsica da Escola Central, Dr. Guilherme

    Schuch de Capanema [...] (ALENCAR,

    2011: 2).

    Ainda segundo Alencar

    (2011), em 1854 ocorreu primeira

    ligao telegrfica entre o Palcio de

    So Cristvo e o Ministrio da

    Guerra, e em fins do sculo XIX

    registrou-se uma ampliao do

    servio telegrfico, passando a incluir

    outras provncias, como Paraba e

    Pernambuco.

    A utilizao do telgrafo s

    seria comprovada na Guerra contra o

    Paraguai (1864-1870), quando o

    aparelho se mostrou eficiente para

    passar orientaes rpidas no avano

    das tropas e redefinio das

    estratgias militares.

    A experincia da guerra

    deixou clara a precariedade das

    comunicaes com o restante do

    Territrio imperial, e a fragilidade da

    defesa de suas fronteiras. Logo, foi

    isso que, segundo Maciel,

    determinou o incio imediato da

    construo de linhas telegrficas, por

    iniciativa e sob a responsabilidade da

    RGT (Repartio Geral de

    Telgrafos), visando unir e integrar

    as provncias brasileiras (MACIEL,

    2001: 132).

    No Brasil, o telgrafo ganhou

    uma conotao crucial, pois foi

    compreendido como aparelho

    mgico, quase mtico, que teria o

    poder de transformar tudo por onde

    passasse, tudo em sua volta:

    Nas cidades ele revolucionaria o

    comrcio, a indstria e o mercado

    financeiro, agilizando a troca de

    informaes e auxiliando no

    transporte de mercadorias. No interior

    ou nos sertes, sua utilidade estaria

    associada s noes militares de

    defesa do territrio, do governo e

    administrao de populaes

    dispersas, de manuteno da ordem e

    progresso da nao (MACIEL, 2001:

    138).

    nesse momento que entra

    em cena Cndido Mariano da Silva

    Rondon. Rondon nasceu em 5 de

    maio de 1865 na sesmaria Morro

    Redondo, ou Mimoso, Estado de Mato

  • 9

    2 5 jul/dez 2014

    Grosso, optou pela carreira militar

    onde se fizera soldado do 3

    Regimento de Artilharia e Cavalo no

    ano de 1881. Em 23 de dezembro de

    1889 Rondon nomeado auxiliar de

    Gomes Carneiro, na Comisso das

    Linhas Telegrficas, e em 1900 se

    torna chefe da Comisso de Linhas

    Telegrficas do Estado do Mato

    Grosso e da Comisso Estratgica de

    Instalao de Linhas Telegrficas do

    Mato Grosso ao Amazonas.

    No ano de 1906, o presidente

    da Repblica Alfonso Pena

    determinou a execuo de medidas

    que consolidassem a incorporao

    dos territrios do Acre, do Purus e do

    Juru, com a extenso da linha

    telegrfica ao vale amaznico, a qual

    foi confiada a Rondon.

    Desejou o presidente que a tomada

    de posse daquele serto fosse feita

    dentro de um ponto de vista que

    sempre fora o do prprio Rondon:

    com a explorao cientfica do

    territrio e a sua incorporao ao

    mundo civilizado como elementos

    convergentes de um s objetivo [...]

    (COUTINHO, 1968: 77).

    A comisso Rondon foi de

    suma importncia para a integrao

    da Amaznia com o restante do

    Brasil, sendo de grande contribuio

    para conhecermos a geografia e a

    histria do vale amaznico, j que

    os trabalhos de reconhecimento e

    determinaes geogrficas, o estudo

    das riquezas minerais, da

    constituio do solo, do clima, das

    florestas e dos rios caminhariam

    paralelamente com os trabalhos de

    instalao das linhas telegrficas

    (COUTINHO, 1987: 77).

    J Maciel (1999) afirmou que

    em renomear rios, serras e campos,

    a Comisso Rondon ia se apropriando

    de espaos, memrias, culturas e

    conhecimentos, ao mesmo tempo em

    que conhecia, mapeava e imprimia

    suas marcas. Alm do que, com a

    renomeao e a locao de rios em

    mapas, traria a incorporao de um

    espao dito vazio para a

    administrao do estado republicano.

    Edilberto Coutinho, em sua

    obra Rondon e a Integrao

    Amaznica, vai alm quando fala a

    respeito do chefe desta Comisso:

    le colocou no mapa uma imensa

    regio, que antes figurava como

    DESCONHECIDA, doando ao Brasil um

    territrio igual ao da Frana, no qual

    estendeu quilmetros e quilmetros

    de fios telegrficos. [...] Como

    autntico bandeirante do sculo XX,

    em suas expedies cientficas foi

    desbravando rios, corrigindo o curso

    de numerosos afluentes do

    Amazonas, catequisando e pacificando

    naes indgenas, descobrindo as

    lendas e mistrios dos povos

    primitivos, e propiciando indstria

    todos os recursos da floresta secular

    [...] (COUTINHO, 1968: 17).

    Porm tal empreendimento

    no foi um trabalho to simples. A

    Comisso enfrentou muitos

    obstculos nessa misso, desde a

    escassez de alimentos e

    consequentemente a fome, doenas

    diversas, animais perigosos, enfim,

    os perigos da selva amaznica, alm

    da dificuldade de recrutamento,

    insubordinaes por parte de seus

    soldados, uma vez que muitos

    temiam aquele lugar extico,

    considerado um inferno verde,

    cheio de perigos.

    A respeito dos perigos

    encontrados na floresta amaznica

    pela Comisso, Edilberto Coutinho

    nos elucida:

  • 10

    2 5 jul/dez 2014

    Morte e perigo rondaram os

    expedicionrios, [...] piranhas

    hemfagas, crocodilos, sucuris, onas.

    Na linha de conta dos perigos maiores

    do serto, Rondon enumerava: os

    mosquitos e as febres que

    ocasionavam, as formigas venenosas,

    a disenteria, a fome [...] Flechadas

    dos ndios (nas primeiras marchas

    [...] (COUTINHO, 1975: 14).

    Entretanto, vale ressaltarmos

    aqui que os ndios reagiam dessa

    forma, pois suas terras estavam

    sendo invadidas, o seu espao estava

    sendo violado por desconhecidos e

    intrusos. Contudo, a Comisso

    Rondon teve importante ajuda dos

    ndios na abertura da mata para a

    implementao dos fios telegrficos,

    como destaca Coutinho:

    Depois dos Bororos, Rondon utilizou

    os Parecis em trabalhos da Comisso.

    Encarregaram-se da conservao da

    linha, de Saueruin ao Juruena, numa

    extenso de 232 quilmetros. Alguns

    Parecis lhe serviram, tambm, como

    guias na Amaznia [...] (COUTINHO,

    1975: 81).

    Esse fato deveu-se

    habilidade de Rondon em ser um

    pacificador, evitando confrontos

    com as tribos no meio de sua

    marcha, onde estabeleceu um lema

    que, segundo Coutinho, nortearia

    toda a sua obra indigenista e que

    seria palavra de ordem para seus

    oficiais e soldados: Morrer, se

    necessrio for; matar, nunca

    (COUTINHO, 1975: 59). Alm disso,

    outras medidas eram tomadas por

    Rondon, como respeito aos sinais

    deixados pelas tribos indgenas, e ao

    mesmo tempo, os presenteava como

    forma de amizade e confiana,

    Os ndios [...] s atacavam quando a

    expedio penetrava em suas terras e

    assim mesmo davam sinais de perigo,

    com os galhos amarrados e presos ao

    cho por setas. O que significa: Fora,

    voltem. Rondon exigia respeito a tais

    sinais, que cedo aprendeu reconhecer.

    No podemos avanar, sem que

    consintam. No covardia correr dos

    ndios. [...] os expedicionrios

    deixavam, junto aos sinais de perigo,

    presentes de facas, machados e

    ferramentas para os homens, e panos

    vistosos para as mulheres. Assim,

    foram transformando a boa vontade

    natural dos ndios em confiana

    absoluta [...] (COUTINHO, 1975: 80-

    81).

    Outra dificuldade que Rondon

    enfrentou para consagrar o seu ideal

    foram as frequentes deseres e

    insubordinaes dos seus

    comandados, tais atos se deviam a

    alguns motivos particulares, como: a

    origem das pessoas que iam servir

    na Comisso, o medo de enfrentar

    aquelas terras desconhecidas e

    repletas de perigos, e tambm sua

    mo de ferro, ou seja, sua rigidez

    no comando, o que inclua castigos

    corporais. Na tese de doutorado do

    professor Francisco Bento da Silva,

    Acre: A Ptria dos Proscritos:

    Prises e Desterros para as regies

    do Acre em 1904 e 1910,

    observamos alguns dos tipos das

    pessoas (desterrados2), que eram

    enviadas para o trabalho nas linhas

    telegrficas entre 1910 e 1911:

    No feriado de natal de 25 de

    dezembro, partiu do Rio de Janeiro o

    navio Satllite com 436 prisioneiros

    [...] De acordo com o jornalista

    Edmar Morel, entre eles estavam 293

    prisioneiros retirados da Casa de

    Deteno, que seriam modestos

    operrios e servidores pblicos,

    presos por serem considerados

    apenas simpticos revolta. Existiam

    outros 66 marinheiros recolhidos no

    Quartel do Exrcito, que tambm

    foram desterrados. Do quartel do 01

    Regimento de Infantaria saram mais

    2 Pessoas obrigadas

    pelas autoridades

    polticas a deixar o lugar

    onde moravam, ou seja,

    pessoas exiladas.

  • 11

    2 5 jul/dez 2014

    31 marinheiros. E por fim,

    embarcaram ainda 44 mulheres

    retiradas tambm da Casa de

    Deteno. [...] Nesse navio tambm

    embarcaram muitos civis recolhidos

    nas ruas e prises da cidade, pelos

    simples fato de carregarem a fama de

    vagabundos e criminosos inveterados.

    No importava se essa m fama

    correspondia de fato ou era apenas

    algo construdo pelas autoridades

    para justificar tais medidas [...].

    (BENTO, 2010: 120-121)

    O autor salienta ainda o local

    de desembarque dos desterrados,

    As localidades indicadas como destino

    final so: Manaus (01 pessoa),

    Humait (18 pessoas), Santo Antnio

    do Madeira (129 pessoas), Linhas

    Telegrficas (141 pessoas) e sem

    indicao de onde ficaram, aparecem

    quatro nomes. Na vila de Santo

    Antnio, os desterrados seriam

    destinados aos trabalhos da Estrada

    de Ferro Madeira-Mamor e da

    Comisso de Linhas Telegrficas

    Estratgicas de Mato Grosso ao

    Amazonas - CLTEMA. Sobre as

    observaes apensadas ao lado de

    alguns nomes, estas trazem

    expresses como: ladro perigoso,

    para Adriano Lopes ou Abraho Lopes,

    Arlindo Escossia da Paixo e Armando

    Adriano Mendes; desordeiro e ladro

    perigoso, para Gasto Ribeiro dos

    Santos (vulgo Capenga) e Janurio

    Seabra de Souza; desordeiro

    perigoso tambm o termo imputado

    a Jos Ribeiro da Silva; [...] Com

    estes, [...] noventa e quatro (ex-

    marinheiros), aparecem como

    designados para os trabalhos da

    CLTEMA [...] (SILVA, 2010: 177-178).

    No que se refere s mulheres

    desterradas que tinham como

    endereo inicial o territrio do Acre,

    segundo Bento (2010) muitas

    tambm tiveram destino igual,

    trabalhar na Comisso de Linhas

    Telegrficas de Mato Grosso ao

    Amazonas, consta que as 44

    desterradas foram recolhidas na Casa

    de Deteno no Rio de Janeiro e

    destinadas s seguintes localidades:

    dezenove para Santo Antnio, vinte

    e uma para as linhas telegrficas

    (grifo nosso), e quatro teriam ficado

    em Manaus. (BENTO, 2010: 179)

    No foi toa que Rondon

    enfrentou diversas dificuldades no

    que se refere s deseres, dado que

    muitos destes trabalhadores eram

    civis, no tinham experincia alguma

    no servio militar, e dos soldados,

    que de fato havia (militares e

    marinheiros), estes no estavam

    devidamente preparados para

    enfrentar os obstculos que a selva

    lhes reservaria, tais como animais

    ferozes, doenas, ataque de ndios, o

    manejo com ferramentas que eram

    usadas para abrir caminhos na selva,

    assim como nos elucida Diacon a

    respeito desses acidentes e da vida

    dura dos soldados de Rondon em

    comparao aos demais soldados

    brasileiros:

    O Dr. Joaquim Augusto Tanajura

    como mdico oficial da Comisso

    Rondon, viajava incessantemente por

    toda a rea de construo das linhas

    telegrficas para tratar de doentes e

    feridos, praas e civis que se

    cortavam s vezes gravemente ao

    abrirem picadas na mata [...]

    Ferimentos desses tipos foram

    frequentes que quase se tornaram

    rotina durante a construo das linhas

    telegrficas. A vida dos soldados

    brasileiros no comeo do sculo XX

    no era fcil em nenhuma parte do

    pas. Mas a vida do soldado que servia

    na Comisso Rondon eram mais difcil

    e perigosa. [...] (DIANCON, 2006: 65-

    66).

    Somando-se a isso, a alta

    rigidez com que o tenente-coronel

    Rondon, depois coronel nomeado em

    1912, comandava seus soldados,

    submetendo-os, quando necessrio,

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    a castigos corporais por atos de

    indisciplina. Porm, em suas prprias

    palavras, Rondon mostrava-se

    amargurado por tais atitudes e

    tambm magoado, se assim posso

    dizer, por receber pessoas

    despreparadas no que diz respeito

    disciplina militar:

    [...] Voltei ao navio, muito

    amargurado. Doa-me profundamente

    ter sido forado a empregar o

    processo do Conde Lipe3. Entreguei-

    me a amargas reflexes sobre o fato

    de serem enviados para servir

    homens indisciplinados, na fase ainda

    da obedincia forada [...]

    (COUTINHO, 1975: 58).

    Alm disso, outro ponto a

    respeito das insubordinaes que

    merece destaque aqui so as

    constantes rebelies e fugas feitas

    pela grande insatisfao dos soldados

    da Comisso. E um desses episdios

    nos esclarecido na obra: Rondon, o

    civilizador da ltima fronteira, de

    Edilberto Coutinho. O autor revela

    que Rondon enfrentou outro

    problema, na volta do Rio, onde

    revoltosos queriam tirar sua vida:

    [...] Entre os soldados da leva mais

    recente, estavam cem revoltosos da

    fortaleza de Santa Cruz. Resolveram

    elimin-lo. Na hora do pagamento,

    tomariam conta do acampamento,

    liquidariam todos os oficiais e o

    comandante daquela misso a que

    vieram servir como castigo [...]

    (COUTINHO, 1975: 59).

    O desfecho desse episdio

    inclui o acovardamento de alguns

    envolvidos na revolta e nas suas

    fugas do acampamento, com um

    desertor contando o plano dos

    revoltosos e a apreenso dos

    fugitivos e as surras ou castigos

    corporais aplicados nos

    insubordinados.

    Assim, entre trancos e

    barrancos, superando diversos

    obstculos, onde muitas vidas j

    haviam sido ceifadas nesse longo

    trajeto de sua marcha monumental

    rumo defesa e integrao do

    territrio, a Comisso Rondon

    continuava o curso da idealizao

    efetivao das linhas telegrficas da

    capital Rio de Janeiro ao territrio

    amaznico. Alm, claro, de

    disseminar e ampliar o campo da

    comunicao amaznica.

    2.1- Comisso Rondon chegou ao

    Acre?

    No Acre, pe-se em discusso

    se as linhas telegrficas de Rondon

    realmente se efetivaram ou

    chegaram nesse Territrio, j que

    encontramos certas divergncias

    entre estudiosos nessa rea.

    Segundo a autora Laura Antunes

    Maciel, Rondon teria atingido sua

    misso: chegar ao Territrio acreano,

    conforme ela mesma afirma em seu

    artigo, [...] Rondon, comandante de

    expedies militares que construram

    milhares de quilmetros de linhas

    telegrficas nos Estados de Mato

    Grosso, Acre e a Amazonas nos

    primeiros anos do sculo XX [...]

    (MACIEL, 2001: 138).

    J Coutinho afirma que

    Rondon chegou apenas at o vale

    do Jamari, territrio do atual Estado

    de Rondnia, concluindo assim sua

    misso:

    Volta Roosevelt aos Estados Unidos e

    Rondon ao seu acampamento na

    selva amaznica. Faltava completar a

    ligao do vale do Ji-Paran ao do

    Jamari, [...] Terminando esse

    trabalho, em 1915, apresenta-se ao

    3 Em 1762, Marqus de Pombal nomeou Schaumburg-Lippe, tambm conhecido como Conde de Lippe, ao posto de Marechal General dos Exrcitos de Portugal, dando-lhe

    o cargo de governo das armas de todas as tropas de infantaria, cavalaria, drages e artilharia, alm de diretor geral de todas elas. Durante esse tempo Conde de Lippe escreveu os Regulamentos para Infantaria, Cavalaria e os chamados Artigos de Guerra, os quais foram aplicados em Portugal e no Brasil at a entrada em vigor dos Cdigos afetos rea criminal militar. O regimento de Lippe regulava vrias reas da atividade militar, alm da questo disciplinar. Todavia, pela severidade das penas impostas que Conde de Lippe lembrado. Era comum alm das prises os castigos corporais com aoites, chicotadas, pranchadas, e at mesmo a pena de morte. Disponvel em:

    www.jurisway.org.br/v2

    /dhall.asp?id_dh=5732.

    Acesso em 19 de

    setembro de 2012.

    http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=5732http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=5732

  • 13

    2 5 jul/dez 2014

    ministro da Viao: Entrego

    concluda, a Linha Telegrfica

    (COUTINHO, 1975: 87).

    Porm, acreditamos que o

    material levantado nas pesquisas

    realizadas nos jornais da poca,

    entre 1909 e 1912, possa nos

    elucidar tal questo como veremos

    mais adiante.

    No ano de 1910, no

    Departamento do Alto Juru, com

    sede em Cruzeiro do Sul, via-se

    ainda o desejo incessante da

    populao da instalao do telgrafo

    no Departamento, o qual modificar

    radicalmente a vida acreana, dando

    um rumo seguro ao progresso

    rejional (Jornal CRUZEIRO DO SUL,

    1910: 1). A esse incessante desejo o

    peridico Cruzeiro do Sul acrescenta

    a notcia em sua manchete:

    Melhoramentos no Acre, o

    estabelecimento do telgrafo na

    regio acreana o melhoramento

    maximo e o mais urgente a realizar-

    se no Territorio, como providencia

    indispensavel ao desenvolvimento

    das foras economicas desta zona

    magnifica (Jornal CRUZEIRO DO

    SUL, 1910: 1).

    Em junho de 1911, a esse

    desejo aliava-se agora a euforia com

    a iminncia desse servio em

    Territrio acreano, conforme noticiou

    o jornal Cruzeiro do Sul,

    Nova Era e Novos Horizontes: Trata-

    se da instalao, no Territorio do

    Acre, do telegrapho sem fio, para a

    rapida communicao das sdes dos

    Departamentos entre si, e de todos

    elles com a capital Federal e com

    outras cidades importantes (Jornal

    CRUZEIRO DO SUL, 1911: 2).

    E o jornal continuava, no ano

    seguinte, a noticiar a porvir

    instalao da Estao

    Radiotelegrfica. Temos fundadas

    esperanas de communicarmo-nos

    com o mundo, radiographicamente,

    at o dia 25 do corrente (Jornal

    CRUZEIRO DO SUL, 1912: 2). O que

    foi realizado somente no dia 5 de

    maro de 1912, conforme a matria

    do jornal:

    Estao Telegraphica: As duas horas

    da tarde precisamente, tera feira, 5

    do corrente, o sr. dr. Paulo Mller,

    engenheiro encarregado do servio de

    installao da Estao do Monte

    Fleury, acompanhado do sr. Max

    Ehlk, telegraphista contractado e

    competente interprete, fez entregar,

    ao Exm. Sr. Capito Francisco

    Siqueira [...] dois primeiros

    radiogrammas [...] Esse auspicioso

    momento offereceu ensejo ao operoso

    republico, que chefe do executivo

    departamental, de, fazendo servir aos

    dois dignos membros da Commisso

    da Empreza Telefunquem e pessoas

    presentes, um profundo copo de

    cerveja, [...] (Jornal CRUZEIRO DO

    SUL, 1912: 1).

    A propagao deste servio

    no iria tardar, j havendo notcias

    de mais Estaes Radiotelegrficas a

    serem instaladas no territrio, J

    est a caminho o material para a

    Estao Radiographica, que, em

    curto espao de tempo, dever ser

    inaugurada, em Villa Seabra, no

    Tarauac (Jornal CRUZEIRO DO

    SUL, 1912: 1).

    Apesar das divergncias entre

    alguns estudiosos no assunto, no

    Acre os telgrafos s chegaram por

    volta do segundo semestre de 1911 e

    do primeiro semestre de 1912,

    conforme confirma a manchete do

    jornal Folha do Acre do dia 23 de

    fevereiro do ano de 1913, Pedimos

    gentileza intervir junto honrado

    ministro Viao, fim conseguir

    regularisao servio radiographico

  • 14

    2 5 jul/dez 2014

    Acre, cujas estaes inauguradas

    mais de um anno, no funcionam

    [...] (Jornal FOLHA DO ACRE,

    1913:1). E estes no eram a linhas e

    sim sem fios, por isso,

    Radiotelegrficos, o que credita que

    as Linhas telegrficas da Comisso

    Rondon realmente no chegaram a

    este territrio. Entretanto, esse fato

    no tira o mrito inegvel de sua alta

    contribuio para a ampliao dos

    meios de comunicao modernos

    no Acre.

    Estao Radiotelegrfica no Acre (Figura 1).

    Observamos na figura 1 uma

    das primeiras estaes

    Radiotelegrficas do Territrio

    acreano. No conseguimos dat-la,

    entretanto fazemos tal afirmao, de

    ser uma das primeiras estaes do

    nosso territrio, por causa da sua

    estrutura arquitetnica, onde

    notamos que essa Estao

    construda toda em madeira e

    rodeada por uma grande varanda,

    muito parecida com a sede da

    prefeitura e da polcia de Rio Branco

    antes dos anos 1920, j que as

    construes em alvenaria s seriam

    aplicadas com mais nfase no Acre,

    se assim podemos definir, a partir do

    governo Hugo Carneiro, de 1927 a

    1930, que construiu o Mercado

    Municipal, o quartel da Polcia Militar

    e iniciou a obra do Palcio do

    Governo, todos com uma arquitetura

    moderna nos moldes europeus e em

    alvenaria.

    No Acre, o servio de

    telegrfico veio a se juntar h outras

    vias de comunicao, como as cartas,

    os jornais ou peridicos de circulao

    da poca e a agncia dos Correios.

    Esta ltima instalada no dia 11 de

    agosto de 1910, de acordo com a

    Enciclopdia dos Municpios

  • 15

    2 5 jul/dez 2014

    Brasileiros (1957), como j afirmava

    antecipadamente o Jornal O Alto

    Purus em sua manchete: Correio do

    Territorio onde informava a criao

    oficial da Administrao dos Correios

    de 4 classe no territrio do Acre:

    O presidente da Republica dos

    Estados Unidos do Brasil, usando da

    autorisao que lhe confere o n

    XXXVI do art. 16, da lei n 2050, de

    31 de setembro de 1908, decreta: Art

    I Fica creada uma administrao de

    correios de 4 classe, no Territorio do

    Acre, devendo ser os vencimentos do

    respectivo pessoal duplos dos fixados

    para as administraes daquella

    categoria [...] Art. 2 As primeiras

    nomeaes sero de competencia do

    Governo e do director geral dos

    Correios. [...] A vista do exposto,

    tenho a honra de submetter

    assignatura de V. Ex. Projeto de

    decreto declarando creada

    administrao postal de 4 Classe do

    Territorio do Acre e abrindo o credito

    necessario sua instalao. Rio de

    Janeiro, 23 de setembro de 1909 -

    Francisco S (Jornal O ALTO PURUS,

    1909: 2).

    Agncia dos Correios e Telgrafos (D.C.T.). Data: Dcada de 1940 (Figura 2).

    Observamos na fotografia

    acima as instalaes do D.C.T., j

    mais moderna, em alvenaria. O D.C.T

    foi instalado no Territrio acreano no

    dia 7 de maio de 1913, hoje, o D.C.T

    conhecido como Agncia dos

    Correios do Brasil. Vale ressaltarmos

    que tal informao um achado para

    levantarmos a histria da Agncia

    dos Correios no Acre, porquanto o

    rgo no possui fontes histricas

    sobre sua prpria histria no Acre.

    Enfim, a chegada do telgrafo

    em nosso territrio significou muito

    mais que um simples veculo rpido

    e silencioso das ordens dos governos

    e das medidas tticas dos exrcitos e

    marinhas (MOREIRA, 1924: 5), mas

    sim um relevante instrumento que

    permitiu a integrao com o restante

    do pas, por meio das comunicaes,

    e o reconhecimento de um espao

    antes desconhecido por parte dos

    brasileiros, ajudando na efetivao

    da comunicao em nossa regio que

  • 16

    2 5 jul/dez 2014

    seria continuada com a construo

    das estradas de rodagem terrestres

    que consistiriam em novas vias de

    comunicao conectando o Acre ao

    restante da nao e do mundo.

    3- Construo das estradas de

    rodagem no Acre

    Outro meio importante, assim

    como o rio, que viria permitir que as

    notcias chegassem e sassem que a

    comunicao transitasse e se

    desenvolvesse no Territrio acreano,

    foi a estrada de rodagem.

    A construo de estradas de

    rodagem no Acre era considerada por

    seus administradores, os prefeitos

    dos Departamentos, uma idealizao

    que traria uma maior integrao com

    o pas, e o caminho que levaria ao

    to sonhado progresso para essas

    terras. J para os chefes polticos do

    pas, uma oportunidade de maiores

    lucros com os produtos acreanos,

    como a borracha, a castanha e

    outros, j que se teria maior

    facilidade de escoamento de tais

    produtos exportao. E esse desejo

    j era visto nos primeiros anos do

    sculo XX.

    Em 1907 j se viam planos

    de governo para a abertura de

    estradas de rodagens no Acre para

    auxiliar as estradas fluviais, encurtar

    caminhos, enfim, facilitar o

    transporte, a comunicao do

    Territrio acreano e os interesses

    econmicos dos grandes proprietrios

    de terras, empresrios e dos

    governantes do pas. E veramos isso,

    nitidamente, anos mais tarde, com a

    chegada da pecuria no estado do

    Acre.

    No ano corrente criada uma

    comisso de obras federais no

    territrio do Acre, sob decreto federal

    de N 6.406, de oito de maro do

    ano de 1907. E isso observado nos

    relatrios dos anos de 1907 e 1908

    do Ministrio da Justia e

    Negociaes Interiores:

    O Presidente da Republica dos

    Estados Unidos do Brazil, para dar

    execuo ao disposto no art. 8, letra

    C, da lei n. 1617, de 30 de dezembro

    de 1906, decreta: Art. 1 Fica creada

    no Territorio do Acre uma commisso

    de obras com jurisdico nos tres

    departamentos do mesmo Territorio e

    immediatamente subordinada ao

    Ministerio da Justia e Negocios

    Interiores. [...] Art. 7 Compete

    commisso promover a realizao das

    seguintes obras:1, abertura de

    estradas; 2 desobstruco de rios;

    [...] (BRASIL, 1908: 4-5).

    O incessante desejo de

    interligar o Territrio acreano s suas

    demais localidades, ou seja, interlig-

    lo entre seus departamentos e zonas

    de escoamento de produtos (alguns

    pontos de navegao),

    intraterritorialmente, era a meta do

    governo do pas, j que o Territrio

    acreano era apenas alcanado pelas

    vias fluviais, e tambm para encurtar

    distncias, ou melhor, para no

    desperdiar o longo tempo que se

    consumia nas viagens fluviais e no

    ficar refm dos perodos de

    enchentes ou secas dos rios.

    Passo agora a relatar o esforo da

    commisso de obras no Acre, desde

    sua chegada a Cruzeiro do Sul at

    esta data, para executal-o. Estradas

    das tres Prefeituras- O trabalho de

    maior relevancia contido no vasto

    programma de melhoramentos no

    Acre o da ligao entre as tres

    Prefeituras por uma estrada de

    rodagem que, continuada em direco

    Leste-Oeste, abre-lhe tambem

    escoadouro em ponto perenne

    navegao no Purs ou no Madeira.

    [...] O opulento e fertilissimo

  • 17

    2 5 jul/dez 2014

    Territorio do Acre acha-se

    actualmente ligado ao Brazil apenas

    por duas vias de comunicao fluvial-

    o Juru e o Purs. Durante os mezes

    de junho a outubro as aguas destes

    rios baixam tanto que s permittem

    navegao de canoas e pequenas

    lanchas de exiguo calado, um ou dous

    ps no maximo.[...] Durante a baixa

    do rio os habitantes do Alto Acre, Alto

    Purs e Alto Juru, separados do

    mundo, raramente recebendo noticias

    de seu paiz [...] A constancia das

    communicaes, a frequencia das

    noticias e a facilidade das viagens,

    pela construco da estrada Leste-

    Oeste e de seus accessorios

    telegraphicos. Vir sanar tantos males

    e melhorar as condies sociaes da

    populao nesta zona residente [...]

    (BRASIL, 1908: 12-13).

    Como j observado, as

    estradas terrestres ou de rodagem

    entram em cena na primeira dcada

    do sculo XX no Territrio acreano, j

    com o intuito de dar mais

    possibilidades, de efetivar o sonho do

    progresso, a rapidez nos

    transportes e na comunicao,

    possibilitando a maior circulao das

    notcias, auxiliando a efetivao e

    desenvolvimento dos meios de

    comunicao no Territrio. Alm da

    integrao das terras acreanas que

    agora faziam parte do territrio

    brasileiro, e, claro, os interesses

    econmicos vigentes.

    Isso ser bem enfatizado na

    matria intitulada Histria de uma

    Estrada no peridico O Acre, de

    1950. A abertura de estradas ligando

    os municpios acreanos tem sido a

    constante preocupao dos governos

    desde a instituio do Territrio,

    porque a consideram, e de fato o

    problema fundamental, a base de seu

    progresso (Jornal O ACRE, 1950: 1).

    Ento, a partir dos anos de

    1907 e 1908 comearam as

    aberturas de estradas de rodagem,

    valendo ressaltar que o que

    realmente almejavam eram as to

    sonhadas estradas de rodagem.

    Contudo as primeiras estradas

    terrestres eram somente trafegadas

    por pessoas, comboios3 de animais e

    carroas.

    Como plano geral impe-se primeira

    vista: 1- Estradas de rodagem

    ligando entre si as tres sdes de

    administrao, atravessando sempre

    Territorio Federal. E pelos estudos e

    informaes colhidas, o terreno

    presta-se, em geral, sem difficuldade

    de alta monta, e at esse servio j

    foi atacado em varios trechos embora

    de modo rudimentar. No Territorio do

    Alto Juru, partindo de Cruzeiro do

    Sul existe j aberto um picado de

    190 kilometros, do qual 110 tm sido

    percorrido a cavalo; os outros 80

    kilometros prolongados no mesmo

    rumo geral alcanam Cocamera na

    margem do Tarauac (BRASIL, 1908:

    46-47).

    Tal estrada ligava Tarauac a

    Cruzeiro do Sul, como elucida

    Tocantins: existiu, por volta de

    1908, uma picada4 de um metro de

    largura e com extenso de 300

    quilmetros, unindo Cruzeiro do Sul

    ao seringal Cocamera, nas margens

    do Tarauac, pouco acima da cidade

    deste nome (TOCANTINS, 1983:

    114). Tal estrada ficaria conhecida

    como estrada do Juru ou estrada

    Bueno, nome dado em homenagem

    ao engenheiro chefe Bueno de

    Andrade, o qual foi enviado pela

    Comisso de Obras Federais ao

    Territrio acreano.

    Porm essa estrada no

    vingou, ou devido s dificuldades

    naturais (solo inapropriado e o

    inverno amaznico) ou/e falta de

    recursos, que resultaram no

    abandono da obra, que o que

    3 Tropilha de animais, geralmente burros e cavalos, que conduzem mercadorias.

    4 Atalho estreito, aberto

    no mato a golpes de faco.

  • 18

    2 5 jul/dez 2014

    acontece a todas as estradas ou

    simples varadouros quando no

    recebem os cuidados da

    conservao (Jornal O ACRE, 1950:

    1).

    Ainda segundo a matria

    Histria de uma Estrada, de 1950,

    houve a construo de outra estrada

    de rodagem no Acre, sendo uma das

    primeiras no territrio, a Estrada

    Iaco-Acre ou estrada Lobo como

    ficou conhecida em homenagem ao

    engenheiro Gasto Lobo, a quem foi

    incumbido o servio pelo Governo

    Federal. Tal estrada ligaria a cidade

    de Sena Madureira a Rio Branco,

    porm, assim como a estrada do

    Juru, esta no teve xito devido

    aos mesmos problemas.

    Entre 1915 e 1917, houve

    outro esforo da reabertura da

    estrada Lobo, porm sem xito. O

    prefeito do Departamento do Alto

    Purus, saudoso Coronel Avelino de

    Medeiros Chaves [...] mandou reabrir

    as estradas carroveis, [...] mas

    no pde levar adiante o seu

    propsito, devido exigidade de

    recursos (Jornal O ACRE, 1950: 1).

    No governo Hugo Carneiro

    (1927 a 1930), houve outra tentativa

    de reabertura da estrada Lobo,

    porm mais uma vez infrutfera. Essa

    passagem relatada por ele, em seu

    relatrio de Governo, onde fala do

    motivo pelo qual no houve sucesso

    e ainda comenta sobre a construo

    de estradas de rodagem no Acre:

    Logo que assumi o Governo tentei a

    reabertura da Estrada Lobo, que liga

    a capital do Territorio cidade de

    Senna Madureira, no municpio do

    Purus. Cheguei a reconstruir dois

    Kilometros, [...] Mas, verificando que

    custava o Kilometro, dezoito contos

    em trechos favoraveis ao servio, [...]

    abandonei a ida e, hoje, por

    observao feita in loco, descreio das

    vantagens da estrada de rodagem no

    Acre, ainda pouco povoado. E em

    grande parte da rea do Territrio

    dominada por igaps, varadas de rios

    e igaraps, assentando sobre terrenos

    de alluvio, que tambem difficutam,

    sino impedem, a construco das

    estradas de rodagem [...] (Relatrio

    HUGO CARNEIRO, 1930: 87-88).

    Entretanto, no ano de 1947

    houve a abertura do primeiro trecho

    que ia de Rio Branco a Plcido de

    Castro, como afirma Tocantins:

    A praticvel poltica rodoviria foi

    iniciada em 1947, com a abertura do

    primeiro trecho da Transacreana, de

    Rio Branco a Plcido de Castro, vila s

    margens do Abun. A estrada mede

    105 quilmetros e por ela j se

    cruzam caminhes, transportando

    borracha e castanha do vale daquele

    rio para o do Acre, e fazendo o giro de

    mercadorias (TOCANTINS, 1983:

    113).

  • 19

    2 5 jul/dez 2014

    Estrada Rio BrancoAbun no perodo de inverno (figura 3).

    Observamos na figura 3 o

    estado da estrada Rio Branco-Abun

    no perodo de chuvas da regio. A

    qual se tornava intrafegvel para

    veculos motorizados e difceis at

    mesmo para comboios de animais.

    J em outubro de 1952,

    noticiava o jornal O Acre a

    inaugurao da estrada de Plcido de

    Castro a Rio Branco:

    Foi escolhido o dia 24 de outubro

    corrente, para a inaugurao de

    importante obra que a rodovia

    ligando a Capital vila de Plcido de

    Castro no Abun, [...] A estrada

    receber a denominao de Rodovia

    Plcido de Castro, em homenagem

    ao grande caudilho da Revulao

    Acreana, e a sua inaugurao

    constituir o marco inicial da era

    rodoviria no Acre [...] (Jornal O

    ACRE, 1952: 1).

    Estrada Rio Branco Abun (Figura 4). Fonte: Documentrio Fotogrfico - Dr. Valrio

    Magalhes - 1957 a junho de 1958.

  • 20

    2 5 jul/dez 2014

    Nesta figura 4, nos so

    elucidados o estado e as condies

    das primeiras estradas de rodagem

    do Acre, nesse caso, a estrada do

    Abun, que ligava o Territrio

    Acreano intraterritorialmente, que no

    perodo chuvoso tornava-se quase

    certa a sua intrafegabilidade.

    Observamos um veculo motorizado,

    conhecido como Rural, que foi

    vencida pelos atoleiros da estrada.

    Foi ento a partir do final da

    dcada de 1940 e incio da dcada de

    1950, que se volta a sonhar com a

    idealizao das estradas de rodagens

    em Territrio acreano. Logo, entrava

    em cena a poltica rodoviria.

    Por volta da dcada de 1950,

    houve a abertura da BR- 317, que

    ligava o municpio de Boca do Acre

    (Amazonas) ao municpio de Rio

    Branco, capital do Acre, financiada

    por verbas federais. Depois a BR

    incorpora a rodovia Plcido de

    Castro, ligando Rio Branco ao

    municpio de Xapuri, e, dcadas

    depois, interligando aos municpios

    de Brasilia e Assis Brasil, sendo

    hoje, tambm, conhecida como

    Estrada do Pacfico, fronteira com o

    Peru.

    No ano de 1958, o presidente

    da Repblica Juscelino Kubitschek

    estabelece decreto para a construo

    de uma nova rodovia, a BR- 364. No

    mesmo ano comea a abertura da

    rodovia no trecho Porto Velho - Rio

    Branco. J na dcada de 1960, a

    obra continua nesse trecho e

    tambm entre Cruzeiro do Sul e Rio

    Branco.

    Nesse momento destacam-se

    nessa empreitada o 5 BEC, o DNER,

    anos depois, o 7 Batalho de

    Engenharia de Construo (7 BEC)

    criado no municpio de Cruzeiro do

    Sul, no ano de 1969, filho do 5

    BEC, j que o 7 BEC foi criado por

    soldados oriundos do 5 Batalho, e

    o DERACRE- Departamento de

    Estradas de Rodagem do Acre, criado

    um pouco antes, no ano de 1963.

    As construes dessas

    rodovias tambm trazem relatos

    engraados, como no relato do

    Amorim, servidor civil do 7 BEC, ele

    nos conta que:

    Com a zoada do moto- serra, o seu

    Chico Piris que morava l na

    Alagoinha, quando ouviu a zoada

    disse: O mundo vem se acabando e

    deixou a casa dele abandonada. E nos

    cheguemo l (risos) tava a casa

    abandonada e nos tomemo conta para

    ele, no outro dia o seu Chico Piris

    apareceu [...] (Filme do 7 BEC,

    2009).

    Porm as construes dessas

    rodovias foram lentas e difceis, j

    que o solo era totalmente argiloso

    (tabatinga), alm dos perigos

    encontrados na selva amaznica,

    que, assim como a construo das

    linhas telegrficas, lhes impuseram

    vrios desafios e/ou obstculos, tais

    como doenas, animais perigosos,

    barreiras naturais, dentre outros. O

    maior desafio que essas equipes de

    trabalho enfrentaram, alm das

    adversidades da prpria misso,

    eram as doenas tropicais, como a

    malria, leishmaniose, doena de

    chagas e outras (Revista BATALHO

    BEC, 2003: 24).

    O General Tarciso, ex-

    combatente do 7 BEC, em seu relato

    revista A Imagem de uma Vida,

    feita em comemorao aos 40 anos

    desse batalho, relata uma das

    dificuldades frequentes na

    implementao da rodovia BR- 364 e

    exalta a sua obra; segundo ele:

  • 21

    2 5 jul/dez 2014

    Na implantao ficavam os topgrafos

    l no trecho, e muitas vezes eles

    ficavam completamente ilhados e a

    sobrevivncia deles dependia muito

    da pontaria dos tripulantes dos avies

    da FAB que jogavam mantimentos de

    para-quedas. uma histria

    magnfica [...] (Filme do 7 BEC,

    2009).

    Tal fato se atribua pelas

    matas fechadas, pssimas condies

    climticas e do solo, j que os

    alimentos e outros mantimentos

    chegavam atravs dos avies que

    sobrevoavam a rea.

    Logo, nos primeiros anos de

    construo e estabelecimento dessas

    rodovias o trfego era difcil,

    principalmente no inverno, quando se

    tornava intrafegvel, interrompendo

    as comunicaes e transportes nesse

    perodo, alm de suas limitaes

    quanto a sua ligao com toda a

    regio acreana, ou seja, ligaes no

    seu interior, ligando um municpio ao

    outro e ligao com o restante do

    Brasil. Tais rodovias s iriam ser

    concludas totalmente (asfaltadas) no

    final da dcada de 1990 e na

    primeira dcada do ano de 2000. At

    essas datas as condies das

    rodovias eram precrias, como j

    salientado anteriormente, a

    trafegabilidade se tornava

    praticamente impossvel, e,

    consequentemente, a comunicao

    na regio era afetada, pois atravs

    das estradas e dos meios de

    transporte que por ela trafegavam

    que as cartas, jornais, notcias,

    livros, enfim, a comunicao chegava

    mais rpido na regio.

    Trecho da BR- 364 na dcada de 1990 (Figura 5). Fonte: DERACRE

    Nesta figura 5, observamos as

    condies das estradas na dcada de

    1990, no caso, a BR- 364,

    responsvel pela ligao do Acre ao

  • 22

    2 5 jul/dez 2014

    Estado de Rondnia. Mais uma vez,

    vemos o drama das estradas

    acreanas, onde o Homem sucumbia

    as suas pssimas condies de

    trafegabilidade. Notamos diversos

    caminhes que transportavam

    mantimentos, pessoas e outros

    produtos para a regio. Alm dos

    esforos dos homens para

    desatolarem os veculos e

    permitissem a continuidade da

    viagem.

    Vale ressaltar que caberia

    aqui um olhar maior e mais

    contemplativo da histria da

    construo dessas vias de

    comunicao, pois dessa histria

    participaram inmeras vidas,

    desbravadores, homens que

    perderam suas vidas nessa

    empreitada de integrao do

    territrio brasileiro, de mulheres que

    mais uma vez foram ocultadas ou

    silenciadas na histria dessa grande

    construo, de conflitos, expulses e

    violncia contra os ndios que

    moravam na floresta, a qual

    precisava ser derrubada para a

    construo da rodovia.

    Entretanto, como bem

    observamos no dizer de Aijaz Ahmad,

    onde toda tomada de posio poltica

    implica fechar a porta para outras

    possibilidades, continuamos aqui o

    nosso olhar superficial para to

    somente a insero das vias de

    comunicao no Acre nas primeiras

    dcadas do sculo XX. De como elas

    foram elas se desenvolvendo e se

    estabelecendo ao longo do tempo,

    desde o rio, passando pelas estradas

    de terra, pela telegrafia at a

    chegada dos meios de comunicao

    modernos e suas mdias, neste

    caso, a Rdio Difusora Acreana.

    FONTES E REFERENCIAIS BIBLIOGRFICOS:

    Documentos oficiais e jurdicos:

    BRASIL, Ministrio da Justia. Relatrio do ministro Eusbio de Queiroz Mattoso,

    ministro e secretrio do Estado, apresentado em 1850.

    BRASIL, Ministrio da Justia. Relatrio do ministro Augusto Tavares de Lyra,

    apresentado ao Presidente dos Estados Unidos do Brazil em maro de 1908.

    IBGE: Enciclopdia dos municpios brasileiros, 1957, v. XIV, pp. 53 a 87.

    Relatrio de Governo. Relatrio apresentado ao Ministro da Justia e Negcios

    Interiores pelo Dr. Hugo Carneiro, 1930, pp. 87-88.

    Publicaes peridicas:

    Artigos e/ou matria de peridicos:

    Revista Batalho BEC, 34 anos de Histria, 2003, p.24.

    Artigos e/ou matrias de jornais: Jornais

    Jornal Cruzeiro do Sul, 10 de abril de 1910, ano V, n 118, p.1.

    ______. 25 de junho de 1911, ano VI, n 164, p. 2.

    ______. 7 de janeiro de 1912, ano VII, n 190, p. 2.

    ______. 10 de maro de 1912, ano VII, n 199, p.1.

    ______. 4 de fevereiro de 1912, ano VII, n 194, p. 1.

  • 23

    2 5 jul/dez 2014

    Jornal Folha do Acre, 23 de fevereiro de 1913, ano 3, n 106, p.1.

    Jornal O Alto Purus, 12 de agosto de 1909, ano II, n 77, p. 2.

    ______. 26 de dezembro de 1909, ano II, n 98, p.2.

    Jornal O Acre, 10 de maio de 1936, ano 8, n 328, pp. 6-7.

    ______. 13 de Agosto de 1944, ano XIV, n 759, p. 1.

    ______. 18 de junho de 1950, ano XX, n 979, p.1.

    ______. 24/09/1952, ano XXII, n 1091, p. 1.

    Filmes:

    A imagem de uma Vida, coletnea em comemorao aos 40 anos do 7 BEC,

    2009.

    Livros

    ALENCAR, M. S. de. Histria, tecnologia e legislao de telecomunicaes. Recife:

    2011.

    VARGAS, Milton (org). Histria da tcnica e da tecnologia no Brasil. So Paulo: Ed.

    UNESP, 1994, p. 315.

    COUTINHO, Edilberto. Rondon e a integrao Amaznica. So Paulo: Aquimedes,

    1968.

    ____________. Rondon, o salto para o desconhecido. So Paulo: Editora

    Nacional, 1987.

    ____________. Rondon, o civilizador da ltima fronteira. Rio de Janeiro:

    Civilizao Brasileira.

    DIACON, T. A. Rondon, o marechal da floresta. So Paulo: Companhia das Letras,

    2006.

    MACIEL, Laura Antunes. Cultura e tecnologia: a constituio do servio telegrfico

    no Brasil. Revista Brasileira de Histria, So Paulo, v. 21, n. 41, 2001, p. 130.

    MOREIRA, Livio G. Telegraphia- noes prticas. Curityba: Joo Haupt & Cia.,

    1924.

    SILVA, Francisco Bento da. Acre a ptria dos proscritos: prises e desterros

    para as regies do Acre em 1904 e 1910. 363 f. Tese (doutorado). Universidade

    Federal do Paran, 2010.

    TOCANTINS, Leandro. Estado do Acre: geografia, histria e sociedade. Rio

    Branco: Tribunal de Justia, 2003.

    ______. O rio comanda a vida: uma interpretao da Amaznia. Rio de Janeiro: J.

    Olympio, 1983.

    VARGAS, Milton (org). Histria da tcnica e da tecnologia no Brasil. So Paulo: Ed.

    UNESP, 1994.

  • 24

    2 5 jul/dez 2014

    LUTA PELA POSSE DA TERRA EM

    UMA REGIO DE

    FRONTEIRA:TOLEDO/PR

    Nilton Marques de Oliveira1

    Leandro de Arajo Crestani2

    Rosngela Maria Pontili3

    Moacir Piffer4

    Resumo

    A microrregio de Toledo, situada no

    Oeste do Paran, tida como uma regio

    de fronteira, detentora de grande rea

    rural, cujas terras so reconhecidas como

    estando entre as melhores do mundo, em

    termos de fertilidade e produtividade. Em

    vista disso, a presente pesquisa objetivou

    analisar os conflitos agrrios da referida

    regio, tendo como referncia o perodo

    de 1960 a 1970. Foram analisados os

    Autos Criminais da Comarca de Toledo

    (1960-1970) e os registros do Ncleo de

    Documentao e Pesquisa (NDP) da

    Unioeste/Campus Toledo, comprovando-

    se a ocorrncia de diversos conflitos pela

    posse de terra, os quais evidenciaram a

    existncia de uma disputa entre os donos

    do poder contra: colonos, posseiros e

    grileiros. Concluiu-se, assim, que parte

    do sofrimento do campons no foi

    retratada na histria oficial de Toledo, na

    qual ficou em destaque somente os

    grandes homens, ou aqueles que

    tinham condio de manipular a justia a

    seu favor.

    PALAVRAS-CHAVE: regio de fronteira,

    conflitos agrrios, proprietrios de terra

    Abstract

    The micro-Toledo, located in the West of

    Paran, is regarded as a frontier region,

    holds large rural area, whose lands are

    recognized as being among the best in

    the world in terms of fertility and

    productivity. In view of this, the present

    study aimed to analyze the agrarian

    conflicts in that region, with reference to

    the period 1960-1970. We analyzed the

    Crime Criminal Records of the District of

    Toledo (1960-1970) and the records of

    the Ncleo de Documentao e Pesquisa

    (NDP) of the Unioeste/Campus Toledo,

    confirming the occurrence of many

    conflicts over land, which showed the

    existence of a dispute between the

    owners of power against: settlers,

    squatters and land grabbers. It was

    concluded therefore that of the suffering

    of the peasant was not portrayed in the

    official history of Toledo, which was

    highlighted in only the "great men", or

    those who had conditions to manipulate

    justice in your favor.

    KEYWORDS: border region, land

    disputes, land owners

    1. INTRODUO

    Este trabalho objetiva analisar

    o conflito agrrio na Microrregio de

    Toledo- PR, entre 1960 e 1970. A

    escolha desse perodo deve-se ao

    fato de que a colonizao do Oeste

    do Paran iniciou-se nas dcadas de

    1940 e 1950 e, entre 1960 e 1970,

    deu-se grande parte dos conflitos de

    terra nessa regio. Tal fato merece

    ateno por parte da academia, dada

    a importncia de estudar e entender

    como se deu o processo de ocupao

    em uma regio de fronteira, onde a

    terra tida como uma das melhores

    do mundo, em termos de fertilidade e

    produtividade. Nesse sentido, o

    artigo uma reflexo acerca da

    especulao, concentrao e

    apropriao das terras devolutas que

    geraram, posteriormente, os

    confrontos e conflitos contra os

    colonos e posseiros na regio de

    Toledo-PR, enquanto forma de

    entendimento utilizado para se

    compreender aquela realidade, suas

    disputas, conflitos e hegemonia de

    grupos locais e regionais.

    1 Doutorando em Desenvolvimento Regional e Agronegcio / Unioeste Professor da Universidade Federal do Tocantins / UFT [email protected] 2 Doutorando em Histria Contempornea na Universidade de vora. Professor da Faculdade Sul/FASUL [email protected] 3 Doutoranda em Desenvolvimento Regional e Agronegcio/Unioeste Professora Assistente da Universidade Estadual do Oeste do Paran Campus Cascavel; [email protected] 4 Professor do Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Regional e Agronegcio [email protected]

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]

  • 25

    2 5 jul/dez 2014

    No processo de investigao

    sobre a temtica, pode-se constatar

    que muitas pesquisas realizadas

    sobre o Oeste do Paran

    preocuparam-se em conhecer o

    processo de colonizao. A maioria

    das publicaes existentes est em

    consonncia com a retrica produzida

    pela colonizadora (MARIP), ou seja,

    observa-se uma certa fidelidade ao

    que a empresa escreveu sobre si

    mesma, a partir da aceitao de um

    vasto complexo narrativo que faz

    dela o centro irradiador da histria do

    Oeste paranaense (SCHNIEDER,

    2001:4).

    Diante do vazio na escrita

    sobre os conflitos agrrios na

    Microrregio de Toledo, a

    problemtica que persiste nessa

    pesquisa o estudo de disputas

    territoriais na regio Oeste do

    Paran. Uma questo de disputa das

    fronteiras agrcolas entre a donos do

    poder contra colonos, posseiros e

    grileiros.

    Delimita-se como marco

    temporal de referncia o ano de 1960

    at o ano de 1970. Dessa forma, o

    estudo pretende compreender a

    dinmica da formao das fronteiras

    internas desse processo, a qual

    moldou a forma institucional desse

    mercado de terras. Contudo, o

    estudo da formao do mercado de

    terras no Oeste do Paran o ponto

    chave para o entendimento das

    fronteiras internas.

    A questo agrria no Oeste o

    Paran tem sua origem no prprio

    processo de ocupao das terras

    devolutas na faixa de Fronteira. Ao

    longo dos anos, a estrutura agrria

    do Oeste decorreu da explorao e

    expropriao de famlias que viviam

    na zona rural e que possuam

    unicamente ou pouca coisa alm de

    sua fora de trabalho.

    Assim, investigam-se os

    conflitos agrrios na Microrregio de

    Toledo, a partir, principalmente dos

    Autos Criminais da Comarca de

    Toledo (1960-1970) do Ncleo de

    Documentao e Pesquisa (NDP) da

    Unioeste/Campus Toledo, referentes

    aos municpios de Toledo, Marechal

    Cndido Rondon, Quatro Pontes,

    Nova Santa Rosa, Marip, So Luiz

    do Oeste, So Pedro do Iguau e

    Ouro Verde do Oeste. Foram

    estudados aspectos como a

    composio do patrimnio produtivo

    e das fortunas das terras do Oeste,

    bem como a evoluo do preo dos

    bens de produo ao longo do tempo.

    Entre todos os bens, a terra teve

    papel privilegiado na anlise, tendo

    em vista a importncia que o

    processo de mercantilizao do

    campo adquiriu, neste momento,

    enquanto varivel a influenciar as

    transformaes das estruturas

    agrria e fundiria do Oeste

    Paranaense.

    A metodologia foi entendida

    como caminho ou procedimento de

    reflexo e anlise necessria para a

    articulao do corpo conceitual (ou

    teoria) com a realidade de

    investigao. No estudo de caso da

    Microrregio de Toledo - PR busca-se

    a abordagem analtico-comparativa

    na compreenso das disputas

    territoriais do Oeste paranaense.

    Isto posto, este artigo est

    divido em trs partes, alm desta

    introduo, a seguir apresenta-se

    uma breve discusso sobre o

    conceito de fronteira, territrio e

    espao, com o intuito de embasar

    teoricamente os conflitos agrrios

    que ocorreram numa regio de

  • 26

    2 5 jul/dez 2014

    fronteira, no caso na Microrregio de

    Toledo-PR. Na terceira parte, feita

    a anlise dos conflitos agrrios na

    microrregio de Toledo. Por fim, as

    consideraes finais sumarizam este

    estudo.

    2. FRONTEIRA, TERRITRIO E A

    VALORIZAO DO ESPAO

    Nesta seo ser apresentada

    uma breve discusso sobre fronteira,

    territrio e espao, entendo-se que

    se faz necessria essa discusso para

    compreender a problemtica da

    ocupao e dos conflitos agrrios que

    aconteceram na Microrregio de

    Toledo-PR. Primeiro apresenta-se a

    discusso sobre fronteira depois

    territrio e, por fim, sobre espao.

    Martins (2009) analisa os

    aspectos da multiplicidade da

    fronteira. O elemento unificador dos

    estudos o desencontro entre

    diferentes grupos sociais que juntam

    e se separam entre a esperana por

    um pedao de cho, ou o destino

    trgico, a morte. assim que

    posseiros, indgenas, missionrios,

    colonos e capitalistas tramam seus

    destinos pela luta da posse de terra

    compondo as mscaras que se

    esfacelam na tragdia da fronteira. O

    autor tece sem retoques um espao

    social marcado pelos caminhos e

    pelos descaminhos.

    Os estudos de Martins (2009)

    contradizem a lgica dominante

    sobre a ocupao das fronteiras dos

    estados brasileiros, pois na lgica

    tradicional na formao das

    fronteiras internas destacam-se as

    figuras proeminentes ou grupos

    sociais, que, desbravando um

    territrio selvagem e despovoado,

    teriam construdo a civilizao no

    espao recm-conquistado. Mas na

    verdade isso no acontece dessa

    forma idlica.

    Para a compreenso de

    fronteira Martins (2009) analisa a

    frente pioneira e a frente de

    expanso. A frente pioneira (p.186)

    se define economicamente pela

    presena do capital na produo, e a

    frente de expanso, como uma

    concepo que percebe a ocupao

    do espao sem a mediao do

    capital, tomando como referncia

    primeira as atividades dos indgenas.

    Nas palavras de Martins (2009:163):

    fronteira tem dois lados e no um

    lado s, o suposto lado da civilizao;

    se entendermos que ela tem o lado

    de c e o lado de l, fica mais fcil e

    mais abrangente estudar a fronteira

    como concepo de fronteira do

    humano.

    Ao estudar a frente de

    expanso brasileira, o autor

    desvenda os segredos da situao de

    fronteira, reconstroi analiticamente

    mediante a insero social, os nexos

    da conflitualidade na fronteira, lugar

    que, na ausncia expressa de

    instituies pauta grande parte das

    relaes pela dominao

    personalizada, mediante a ao de

    foras repressivas do privado. Na

    anlise sobre a reproduo do capital

    na frente pioneira, analisa-se a

    escravido por dvida ou peonagem,

    expresses do cativeiro no

    capitalismo da fronteira do Brasil,

    demostrando-se que essa forma de

    explorao constitui um dos

    elementos da acumulao primitiva

    no interior da reproduo ampliada

    do capital, a presena

    contempornea de relaes sociais

    do passo reatualizadas enquanto

    produtos do capital (MARTINS,

    2009).

  • 27

    2 5 jul/dez 2014

    Na perspectiva de Pujals

    (2008) as fronteiras tradicionais, que

    se conhece, esto se apagando, e as

    culturas entram em contato medida

    que os mercados se intercomunicam

    e as informaes vo e vem de um

    lado a outro do mundo em tempo

    real. As fronteiras da atualidade no

    so as fronteiras tradicionais, nem as

    histricas. No so as fronteiras

    poltico-administrativas. Tampouco as

    fronteiras lingusticas. Nem to

    somente as fronteiras que vm

    marcadas pela renda per capita ou

    pelo nvel de bem-estar social. As

    novas fronteiras so as da

    mentalidade, do pensamento e do

    imaginrio coletivo. Mud-las ou no,

    expandi-las ou no, algo que s

    depende de ns.

    A seguir discute brevemente o

    conceito de territrio. Entre as

    muitas conceituaes possveis,

    pode-se entender o territrio como o

    espao de interaes dos

    subsistemas natural, construdo e

    social, os quais compem o meio

    ambiente nacional, regional e local. O

    territrio no se entende apenas

    como entorno fsico onde se

    desenrola a vida humana, animal e

    vegetal e onde esto contidos os

    recursos materiais, mas compreende

    tambm a atividade do homem que

    modifica esse espao. o cho mais

    a populao, ou seja, uma

    identidade, o fato de pertencer quilo

    que nos pertence (SOARES, 2009).

    Na viso de Pires et al. (2011)

    o termo territrio exprime uma

    relao melhor entre um grupo que

    exerce domnio sobre certa poro do

    espao, geralmente remete a

    relaes de poder ou controle sobre

    uma rea. Esse controle pode ser

    fsico, com ocupao de uma rea, ou

    pode ser poltico e econmico de

    forma simblica, como uma marca de

    produtos que domina certa poro do

    mercado em determinado local. A

    discusso sobre territrio vem de

    muito tempo, iniciando por conceitos

    voltados para a natureza,

    principalmente relacionados aos

    animais, ou as reas geogrficas,

    onde os processos de ocupao se

    desencadearam.

    Segundo Albagli

    o territrio no se reduz ento sua

    dimenso material ou concreta; ele ,

    tambm, um campo de foras, uma

    teia ou rede de relaes sociais que

    se projetam no espao. construdo

    historicamente, remetendo a

    diferentes contextos e escalas: a

    casa, o escritrio, o bairro, a cidade, a

    regio, a nao, o planeta. Da que o

    territrio seja objeto de anlise sob

    diferentes perspectivas geogrfica,

    antropolgico- cultural, sociolgica,

    econmica, jurdico-poltica e

    bioecolgica (ALBAGLI, 2004, 23).

    Este conceito est ligado ao

    espao de atuao das pessoas,

    deixando o territrio restrito s reas

    onde o seu controle pode atingir, de

    forma direta. Sack (1983) destaca a

    territorialidade como um conceito

    amplo, abrangendo uma escala

    infinita, exemplificando os limites que

    so dados a uma criana ao adentrar

    ao escritrio, impondo onde ela pode

    ou no mexer ou ir, restringindo o

    seu territrio. Desta forma Claval

    (1999) tambm coloca que a ideia de

    territrio se aplica a todas as escalas,

    desde uma pea em um escritrio at

    a de um Estado, e assim pode-se ver

    que h uma srie de dimenses que

    influenciam a gnese, a dinmica e a

    diferenciao dos territrios, das

    quais Albagli (2004) descreveu

    algumas: a dimenso fsica, a

  • 28

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    econmica, a simblica e a

    sociopoltica.

    Assim sendo para colocar em

    discusso um territrio ser

    necessrio levar em considerao as

    questes fsicas, sociais, culturais,

    afetivas, simblicas, polticas e

    econmicas e focar na escala que se

    deseja abranger, logicamente sem

    deixar de lado a sua abrangncia. A

    escala a ser estudada aqui est

    voltada s questes que envolvem o

    ser humano, o rural, o urbano e o

    desenvolvimento de seu territrio.

    Haesbaert (2012: 37) aborda

    a amplitude do conceito de territrio

    e territorialidade, por dizerem

    respeito espacialidade humana5,

    tm uma certa tradio tambm em

    outras reas, cada uma com enfoque

    centrado em um determinada

    perspectiva. Enquanto o gegrafo

    tende a enfatizar a materialidade do

    territrio, em suas mltiplas

    dimenses, a Cincia Poltica enfatiza

    sua construo a partir de relaes

    de poder, ligada concepo de

    Estado; a Economia, que prefere a

    noo de espao de territrio,

    percebe-o muitas vezes como um

    fator locacional ou como uma das

    bases da produo (capital-trabalho);

    a Antropologia destaca sua dimenso

    simblica, no estudo das sociedades

    ditas tradicionais; a Sociologia o

    enfoca a partir de sua interveno

    nas relaes sociais, em sentido

    amplo, e a Psicologia, finalmente

    incorpora-o no debate sobre a

    construo da subjetividade ou da

    identidade pessoal, ampliando-o at

    a escala do indivduo.

    Haesbaert (1995; 1997); bem

    como Haesbaert e Limonad (1999)

    sintetizam as noes de territrio em

    trs vertentes bsicas: i) poltica: a

    mais difundida, onde o territrio

    visto como um espao delimitado e

    controlado, atravs do qual se exerce

    um determinado poder, na maioria

    das vezes, no exclusivamente,

    relacionado ao poder poltico do

    Estado; ii) cultural: prioriza a

    dimenso simblica e mais subjetiva,

    em que o territrio visto,

    sobretudo, como produto da

    apropriao/valorizao simblica de

    um grupo em relao ao seu espao

    vivido; iii) econmica: menos

    difundida, enfatiza a dimenso

    espacial das relaes econmicas, o

    territrio como fonte de recursos

    e/ou incorporado no embate entre

    classes sociais e na relao capital-

    trabalho, como produto da diviso

    territorial do trabalho.

    J para Moraes (2005: 53) o

    territrio um resultado histrico do

    relacionamento da sociedade com o

    espao, o qual s pode ser

    desvendado por meio do estudo de

    sua gnese edesenvolvimento. Com

    outra abordagem Sposito (2004: 17)

    destaca que o territrio deve ser

    analisado levando em considerao

    quatro concepes: a primeira a

    naturalista, a segunda mais voltada

    para o indivduo, a terceira quando

    se identifica outra abordagem de

    territrio, em que este confundido

    com espao e a quarta aquela

    definida pelas transformaes que a

    sociedade impe natureza.

    Desta forma, pode-se verificar

    que territrio est envolto na

    conquista dos indivduos (quer seja

    pessoa fsica, jurdica ou o estado),

    conquista esta de um espao onde

    possam viver conviver e ter os seus

    relacionamentos. Assim, o territrio

    representaria de forma identitria e

    afetiva o local que lhe pertence.

    5 Alguns autores distinguem espao como categoria geral de anlise e territrio como conceito. Segundo Moraes (2000: 17), por exemplo, do ponto de vista epistemolgico, transita-se da vaguidade da categoria espao ao preciso conceito de territrio.

  • 29

    2 5 jul/dez 2014

    Com isso, surge o

    questionamento: porque o territrio,

    em determinados casos deixado de

    lado, abandonado, trocado por outro?

    Ou simplesmente isto pode significar

    algo temporrio, mesmo sem a

    posse, os sentimentos e as

    lembranas permanecero e o

    indivduo vai sempre se sentir

    daquele lugar. Assim pode-se dizer

    que est ocorrendo a

    desterritorializao ou o que na

    verdade poder estar acontecendo

    a multiterritorialidade?

    Na abordagem de Neto (2006)

    o territrio visto sob a tica da sua

    especialidade e da sua personalidade.

    A personalidade do territrio o

    modo como o territrio funciona

    como se relacionam entre si os

    agentes econmicos e institucionais

    territorialmente presentes, as

    caractersticas especficas da sua

    especializao econmica territorial,

    o nvel de sofisticao dos modelos

    de interao e colaborao entre os

    agentes/atores territorialmente mais

    relevantes, os modelos de

    aprendizagem coletiva e inovao

    que o caracterizam e a menor cultura

    participativa dos seus cidados.

    Continuando, a personalidade

    do territrio, em grande medida,

    tambm a sua capacidade de

    reencontrar novas formas de

    combinao de recursos e fatores e

    de se adaptar e reagir s decises de

    deslocalizao das empresas e

    perda de competitividade de setores

    econmicos neles dominantes. A

    personalidade do territrio e o

    conjunto de recursos materiais e

    imateriais de que dispe constituem

    a sua identidade (NETO, 2006: 15).

    Para Moraes e Costa (1999) a

    valorizao do espao entendida

    como um intercmbio material entre

    a sociedade com suas necessidades

    de trabalho e formas de organizao

    para a produo e, de outro o

    espao, como seu substrato material

    mais imediato, expresso nos recursos

    naturais e na natureza em geral.

    Numa viso marxista, o homem

    transforma a natureza para sua

    subsistncia e, ao transform-la ele

    prprio se humaniza. O homem

    visto, assim, como o sujeito da

    natureza e esta como o seu corpo

    inorgnico. O homem trabalha,

    modifica a natureza, pois o trabalho

    implica pr-ideao, conscincia em

    ao.

    A ocupao de terras na

    regio de Fronteira, no caso da

    Microrregio de Toledo-PR, deu-se

    com a apropriao de territrios

    anteriormente ocupados por tribos

    indgenas6, podendo-se qualificar

    esse processo como sendo o de

    apropriar para valorizar o espao,

    transformando-o em capital, meio de

    produo e reproduo do lucro.

    Benko (2002) e Castells

    (1999) verificam a emergncia de

    uma nova perspectiva de processo

    produtivo que, na busca da

    restaurao do lucro, gera o

    aprofundamento das relaes

    capitalistas, conduzindo o capital,

    cada vez mais, a associar-se em rede

    mundial e reestruturando o espao

    local. Na busca da restaurao do

    lucro, fez-se mister um processo de

    produo em que o mercado fosse

    atendido com mais velocidade,

    menos rigidez e com maior

    produtividade e lucratividade.

    Dentro de uma perspectiva

    ideolgica, Santos (2003) verifica

    que a partir da valorizao do

    espao, do ordenamento atravs das

    6 Para maiores detalhes ver SCHALLENBERGER, Erneldo. Autoridade e Conflito no Guair (2011)

  • 30

    2 5 jul/dez 2014

    formas, seguindo um processo

    ideolgico, os grandes grupos

    econmicos consolidam a seu poder

    sobre o territrio, ampliando o lao

    de dependncia das economias

    perifricas. O espao segundo Santos

    (1997: 18) se define como um

    conjunto indissocivel de sistemas de

    objetos e de sistemas de aes.

    Pode-se tambm consider-lo um

    conjunto de elementos fixos e fluxos.

    Os elementos fixos, fixados em cada

    lugar, permitem aes que modificam

    o prprio lugar, fluxos novos ou

    renovados que recriam as condies

    ambientais e as condies sociais, e

    redefinem cada lugar. J os fluxos

    so um resultado direto ou indireto

    das aes e atravessam ou se

    instalam nos fixos, modificando a sua

    significao e seu valor, ao mesmo

    tempo em que, tambm, se

    modificam (op.cit.: 50).

    Dessa forma, o espao um

    sistema de objetos cada vez mais

    artificiais, povoado por um sistema

    de aes igualmente imbudas de

    artificialidades e cada vez mais

    tendentes a fins estranhos a seus

    habitantes. Os objetos no existem

    sem os vermos separados do sistema

    de aes. Os sistemas de aes no

    se do sem os sistemas de objetos

    (SOARES, 2009). Milton Santos

    (2003), parafraseando Whitehead,

    diz que fora do espao no h

    realizao.

    As sociedades humanas, para

    reproduzirem as condies de sua

    existncia, estabelecem como visto

    relaes vitais com o seu espao. Nas

    palavras de Santos (1999: 23):

    produzir produzir espao. Nessa

    relao vital de produo o trabalho

    aparece como fonte do valor, ou

    seja, um processo de valorizao. A

    valorizao do espao, segundo

    Moraes e Costa (1999), no se

    confunde imediatamente com outras

    manifestaes da vida social, pois

    possui movimento prprio, elementos

    especficos que a caracterizam, pois a

    contradio capital-trabalho explica a

    organizao do espao no modo de

    produo capitalista.

    Na tica da valorizao, a

    produo do espao e seu resultado

    so apenas um momento no

    processo de formao do territrio, o

    que d origem a essa parcela

    especfica do valor do espao, aquela

    criada pelo trabalho. Os resultados

    que desempenham determinados

    papis no processo social em geral

    so o movimento interno na

    produo do espao. Milton Santos

    (1999) expe a essncia desse

    processo de produo do espao.

    Para ele, os modos de produo

    criam formas espaciais que duram

    mais que os processos que as

    engendraram. Denomina a essas

    formas de rugosidades, e aponta a

    sua inrcia dinmica sobre os

    processos sociais. Por inrcia

    dinmica, entende uma

    sobredeterminao do espao na vida

    econmica. As contradies antigas

    tornam-se qualidades do lugar.

    A seguir discute-se a

    ocupao e o conflito agrrio travado

    na Microrregio de Toledo-PR como

    forma de reproduo e ampliao do

    capital e, consequentemente pela

    luta do poder das oligarquias locais.

    3. ANLISE DOS CONFLITOS

    AGRRIOS NA MICRORREGIO

    DE TOLEDO

    A configurao da posse das

    terras na regio oeste do Paran,

    especificamente na microrregio de

  • 31

    2 5 jul/dez 2014

    Toledo, aconteceu com base na

    invaso das propriedades j

    escrituradas pelo Estado do Paran.

    Esta era u