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Violência nas escolas: a polêmica da revista pessoal nos alunos Murillo José Digiácomo Promotor de Justiça no Estado do Paraná O combate à violência, junto aos mais diversos segmentos da sociedade, tem sido tema recorrente na grande mídia, gerando as mais variadas propostas para redução dos índices de criminalidade, que não raro deixam de lado o racional e o razoável para dar vazão ao emocional, gerando situações de franco desrespeito aos direitos básicos do cidadão, em nome de um "interesse coletivo" de segurança que, em alguns casos acaba por servir de pretexto à arbitrariedade estatal. Sentindose acuado pela violência, um número cada vez maior de cidadãos acaba por assumir uma postura favorável a idéias como o emprego de penas de prisão perpétua e mesmo de morte, da redução da idade penal, da supressão de direitos fundamentais dos presos (inclusive daqueles que ainda aguardam julgamento), da truculência na atuação da polícia, enfim, se torna propenso a concordar ou ao menos tolerar que, "a bem da segurança pública", sejam colocadas de lado as garantias constitucionais e os direitos civis e naturais de todos nós, como se fosse este o único caminho a trilhar. Ocorre que, não obstante as respeitáveis opiniões em contrário, a segurança pública e o bem estar coletivo podem ser perfeitamente alcançados e de forma muito mais efetiva, em especial a médio e longo prazos sem que para tanto seja necessária a supressão dos direitos e garantias individuais do cidadão, sendo certo que o combate à violência através do puro e simples recrudescimento da repressão policial, da previsão (inconstitucional, por sinal), de penas de prisão perpétua e/ou de morte, ou ainda por intermédio da (também inconstitucional) redução da idade penal, de nada irá adiantar, como, aliás, não adiantou nos Países em que tais práticas foram adotadas e mesmo a experiência brasileira, através da previsão de penas mais severas para os autores de certas espécies de infrações, tem demonstrado nos últimos anos. Com efeito, um dos mais expressivos exemplos de tal assertiva pode ser encontrado na chamada "Lei dos Crimes Hediondos" (Lei nº 8.072/90 e alterações posteriores), que previu justamente um aumento significativo da quantidade de pena privativa de liberdade (dobro da até então vigente), bem como negou direito à progressão de regime (medida que vem tendo sua constitucionalidade questionada), aos autores de determinadas condutas de maior gravidade (homicídio qualificado ou praticado por grupo de extermínio, latrocínio, extorsão mediante seqüestro em sua forma qualificada etc.), cujo único efeito prático foi a superlotação de nossas cadeias e penitenciárias, comprometendo ainda mais o processo de "ressocialização" e "recuperação" dos presos. A propósito, mais do que a previsão de penas privativas de liberdade em patamar elevado, o importante é que a resposta estatal à prática de infrações penais, por quem quer que seja, ocorra de forma rápida e eficaz (o que nem sempre, vale mencionar, se dará com o encarceramento do agente), devendose levar em conta os fatores determinantes da conduta ilícita, assim como as características e necessidades específicas do agente individualmente considerado, o que por certo demandaria uma mudança de mentalidade de boa parte dos operadores do Sistema de Justiça e um adequado aparelhamento do Poder Judiciário (e do Poder Público em geral), no sentido de sua "humanização". Tal proposta não é nova, e nem está "fora da realidade brasileira", como podem argumentar alguns. É, em linhas gerais, precisamente a proposta da Lei nº 8.069/90 o Estatuto da Criança e do Adolescente para o atendimento do adolescente acusado da prática de ato infracional, cujas disposições procuram enaltecer o caráter educativo (e não meramente "punitivo") a nortear a resposta estatal, que deve ocorrer de forma célere, visando a descoberta e o combate às causas da conduta ilícita, através da aplicação de medidas que atendam as necessidades específicas do jovem e também à sua família, visando acima de tudo evitar a reincidência. Nos locais em que tal sistemática tem sido fielmente aplicada (infelizmente ainda poucos), os resultados obtidos tem sido altamente positivos, demonstrando claramente ser este o caminho a ser trilhado. Nesse contexto, e ante a constatação de que o simples recrudescimento do tratamento dispensado aos autores de infrações penais de quaisquer natureza, não se constitui numa verdadeira solução para o problema da violência, não seria lógico adotar uma estratégia diversa? E a arbitrária supressão dos direitos de cidadania expressamente relacionados na Constituição Federal e normativa infraconstitucional, a bem do fácil (e descomprometido) discurso do "interesse coletivo", não estaria contribuindo para a "espiral da violência" que assola o País, num triste e contundente exemplo do clássico ensinamento contido na 1ª Lei de Isaac Newton, segundo a qual "a cada ação corresponde uma reação igual e contrária"? Até quando, e até que ponto, iremos tolerar ou mesmo aplaudir práticas abusivas inspiradas pelo medo e não pelo bomsenso, que embora possam, num primeiro momento, e em caráter transitório, transmitir uma falsa sensação de segurança, não se constituem em soluções efetivas e muito menos duradouras para o problema da violência? Para aqueles que utilizam o argumento de que "os fins justificam os meios", vale a lembrança de que amanhã poderão ser eles próprios, seus filhos, netos e demais entes queridos, as vítimas do abuso e da arbitrariedade estatal, sendo neste sentido interessante transcrever as palavras de Martin Niemoller, Pastor Luterano alemão à época do III Reich: "Primeiramente, eles vieram pelos comunistas, mas como eu não era comunista, me omiti. Então eles vieram pelos

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Artigo do Promotor Murillo Giacommo do Estado do Paraná sobre a questão da revista de alunos nas escolas.

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16/03/2015 Violência nas escolas: a polêmica da revista pessoal nos alunos ­ Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente

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Violência nas escolas: a polêmica da revista pessoal nos alunos

Murillo José DigiácomoPromotor de Justiça no Estado do Paraná

O combate à violência, junto aos mais diversos segmentos da sociedade, tem sido tema recorrente na grande mídia,gerando as mais variadas propostas para redução dos índices de criminalidade, que não raro deixam de lado o racionale o razoável para dar vazão ao emocional, gerando situações de franco desrespeito aos direitos básicos do cidadão, emnome de um "interesse coletivo" de segurança que, em alguns casos acaba por servir de pretexto à arbitrariedadeestatal.

Sentindo­se acuado pela violência, um número cada vez maior de cidadãos acaba por assumir uma postura favorável aidéias como o emprego de penas de prisão perpétua e mesmo de morte, da redução da idade penal, da supressão dedireitos fundamentais dos presos (inclusive daqueles que ainda aguardam julgamento), da truculência na atuação dapolícia, enfim, se torna propenso a concordar ­ ou ao menos tolerar ­ que, "a bem da segurança pública", sejamcolocadas de lado as garantias constitucionais e os direitos civis e naturais de todos nós, como se fosse este o únicocaminho a trilhar.

Ocorre que, não obstante as respeitáveis opiniões em contrário, a segurança pública e o bem estar coletivo podem serperfeitamente alcançados ­ e de forma muito mais efetiva, em especial a médio e longo prazos ­ sem que para tanto sejanecessária a supressão dos direitos e garantias individuais do cidadão, sendo certo que o combate à violência atravésdo puro e simples recrudescimento da repressão policial, da previsão (inconstitucional, por sinal), de penas de prisãoperpétua e/ou de morte, ou ainda por intermédio da (também inconstitucional) redução da idade penal, de nada iráadiantar, como, aliás, não adiantou nos Países em que tais práticas foram adotadas e mesmo a experiência brasileira,através da previsão de penas mais severas para os autores de certas espécies de infrações, tem demonstrado nosúltimos anos.

Com efeito, um dos mais expressivos exemplos de tal assertiva pode ser encontrado na chamada "Lei dos CrimesHediondos" (Lei nº 8.072/90 e alterações posteriores), que previu justamente um aumento significativo da quantidade depena privativa de liberdade (dobro da até então vigente), bem como negou direito à progressão de regime (medida quevem tendo sua constitucionalidade questionada), aos autores de determinadas condutas de maior gravidade (homicídioqualificado ou praticado por grupo de extermínio, latrocínio, extorsão mediante seqüestro em sua forma qualificada etc.),cujo único efeito prático foi a superlotação de nossas cadeias e penitenciárias, comprometendo ainda mais o processode "ressocialização" e "recuperação" dos presos.

A propósito, mais do que a previsão de penas privativas de liberdade em patamar elevado, o importante é que aresposta estatal à prática de infrações penais, por quem quer que seja, ocorra de forma rápida e eficaz (o que nemsempre, vale mencionar, se dará com o encarceramento do agente), devendo­se levar em conta os fatoresdeterminantes da conduta ilícita, assim como as características e necessidades específicas do agente individualmenteconsiderado, o que por certo demandaria uma mudança de mentalidade de boa parte dos operadores do Sistema deJustiça e um adequado aparelhamento do Poder Judiciário (e do Poder Público em geral), no sentido de sua"humanização".

Tal proposta não é nova, e nem está "fora da realidade brasileira", como podem argumentar alguns.

É, em linhas gerais, precisamente a proposta da Lei nº 8.069/90 ­ o Estatuto da Criança e do Adolescente ­ para oatendimento do adolescente acusado da prática de ato infracional, cujas disposições procuram enaltecer o carátereducativo (e não meramente "punitivo") a nortear a resposta estatal, que deve ocorrer de forma célere, visando adescoberta e o combate às causas da conduta ilícita, através da aplicação de medidas que atendam as necessidadesespecíficas do jovem e também à sua família, visando acima de tudo evitar a reincidência.

Nos locais em que tal sistemática tem sido fielmente aplicada (infelizmente ainda poucos), os resultados obtidos temsido altamente positivos, demonstrando claramente ser este o caminho a ser trilhado.

Nesse contexto, e ante a constatação de que o simples recrudescimento do tratamento dispensado aos autores deinfrações penais de quaisquer natureza, não se constitui numa verdadeira solução para o problema da violência, nãoseria lógico adotar uma estratégia diversa?

E a arbitrária supressão dos direitos de cidadania expressamente relacionados na Constituição Federal e normativainfraconstitucional, a bem do fácil (e descomprometido) discurso do "interesse coletivo", não estaria contribuindo para a"espiral da violência" que assola o País, num triste e contundente exemplo do clássico ensinamento contido na 1ª Lei deIsaac Newton, segundo a qual "a cada ação corresponde uma reação igual e contrária"?

Até quando, e até que ponto, iremos tolerar ­ ou mesmo aplaudir ­ práticas abusivas inspiradas pelo medo e não pelobom­senso, que embora possam, num primeiro momento, e em caráter transitório, transmitir uma falsa sensação desegurança, não se constituem em soluções efetivas e muito menos duradouras para o problema da violência?

Para aqueles que utilizam o argumento de que "os fins justificam os meios", vale a lembrança de que amanhã poderãoser eles próprios, seus filhos, netos e demais entes queridos, as vítimas do abuso e da arbitrariedade estatal, sendoneste sentido interessante transcrever as palavras de Martin Niemoller, Pastor Luterano alemão à época do III Reich:"Primeiramente, eles vieram pelos comunistas, mas como eu não era comunista, me omiti. Então eles vieram pelos

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socialistas e pelos sindicalistas, mas como eu não era nem um nem outro, não os defendi. Então eles vieram pelosjudeus, mas não sendo judeu, não reagi. E quando eles vieram por mim, já não havia quem reclamasse por minhapessoa".

Posto isto, e usando desta mesma linha de raciocínio, uma das práticas abusivas que tem se tornado cada dia maiscorriqueira, a bem da "segurança coletiva", consiste na realização, pela Polícia Militar, Guarda Municipal e/ou servidoresda própria área da educação, de revistas pessoais coletivas e sistemáticas em alunos nas escolas, em especialnaquelas pertencentes à rede pública de ensino.

Tais revistas, realizadas quase sempre "a pedido" da direção da escola e com a "autorização" do Conselho Escolar,Associação de Pais, Mestres e Funcionários e, não raro, da própria Justiça, a pretexto de coibir o ingresso de armas oudrogas, são feitas de forma indiscriminada em todos os alunos, seja qual for sua idade, abrangendo a revista pessoal edas bolsas, pastas e mochilas transportadas, podendo ocorrer tanto quando da entrada na escola quanto de inopino, aqualquer momento, com os alunos já em sala de aula.

A situação resultante merece as seguintes observações e ponderações:

1 ­ A realização da revista pessoal, na forma da Lei Processual Penal, está condicionada à presença de certosrequisitos, a saber:

"Art.244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita deque a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ouquando a medida for determinada no curso de busca domiciliar".

Para que haja justificativa para realização de uma revista pessoal, portanto, deve haver, no mínimo, uma "fundadasuspeita" de que a pessoa a ser revistada esteja portando armas ou drogas, o que, obviamente, descarta a autorizaçãolegislativa para realização de uma revista indiscriminada em todos os alunos de uma determinada escola, que ante amera possibilidade da prática de uma conduta ilícita por um deles, não podem ser considerados "suspeitos", de formageneralizada.

2 ­ A mencionada ausência de previsão legal para realização de uma revista pessoal coletiva e indiscriminada, somadaao disposto no art.5º, incisos II, III, V e X, da Constituição Federal que, dentre outros, asseguram a inviolabilidade dosdireitos à intimidade, imagem e honra de todo e qualquer cidadão, torna arbitrária, manifestamente ilegal e, portanto,nula de pleno direito, qualquer "autorização judicial" para tanto.

3 ­ Se a revista indiscriminada, em desacordo com o permissivo da Lei Processual Penal (e Constituição Federal), jáseria arbitrária em se tratando de alunos adultos, com muito mais razão isto ocorre se aquela tiver a pretensão deatingir também a crianças e adolescentes, dadas disposições específicas contidas na Lei nº 8.069/90, que visamcolocá­los a salvo de "qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão",sendo ainda "punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais" (art.5º, docitado Diploma Legal, que reproduz, em parte, o disposto no art.227, da Constituição Federal);

3.1 ­ No mesmo diapasão, por não serem crianças e adolescentes meros "objetos" de intervenção estatal, mas sujeitosde direitos (cf. arts.3º e 4º, caput, da Lei nº 8.069/90), dentre os quais se incluem o respeito, a dignidade e a honra (cf.arts.15 a 18 e 53, inciso II, da Lei nº 8.069/90), sendo "dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente,pondo­os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor" (cf. art.18, docitado Diploma Legal), é elementar que não podem seus pais, o Conselho Escolar ou qualquer autoridade pública,autorizar ou de qualquer modo contribuir para sua violação, que pode mesmo, em tese, caracterizar o crime tipificado noart.232, da Lei nº 8.069/90:

"Art.232. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou aconstrangimento.Pena: detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos".

4 ­ A propósito, a revista pessoal, em caráter "coletivo" e indiscriminado, causa um inegável constrangimento a qualquerpessoa que a ela é submetida, pois além do desconforto decorrente da forma como é usualmente efetuada, expõe osalunos ­ muitos deles pessoas tímidas, e a imensa maioria, de boa índole e sem qualquer "histórico" infracional ­ a umasituação inusitada e absolutamente incompatível com o ambiente escolar, que deve ser um espaço livre edemocrático, onde se ensina e se pratica a cidadania, no sentido mais puro da palavra, e não um local em que todos sãoconsiderados "criminosos em potencial", até que "provem" o contrário;

4.1 ­ Ao "nivelar por baixo" todos os alunos, tratando­os indiscriminadamente como "suspeitos" de porte de armas oudrogas, em franco descumprimento ao previsto no art.244, do Código de Processo Penal e demais disposições legais econstitucionais acima referidas, a revista pessoal "coletiva", realizada no âmbito da escola, tem uma conotaçãoflagrantemente antipedagógica, que pode servir de desestímulo à freqüência escolar por parte daqueles que sesentirem constrangidos, máxime por saberem da pouca ou nenhuma eficácia de tal estratégia para o efetivo combateà violência, quer na própria escola quer (e muito menos) no seu "entorno".

De nada adianta usar de expedientes como a revista pessoal coletiva e indiscriminada nos alunos para tentar criar uma"escola de segurança máxima", ou uma espécie de "ilha de paz" num "oceano de violência" no qual se "afoga" umnúmero cada vez maior de pessoas, na sua maioria jovens.

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É necessário que a escola, contando para tanto com a participação das famílias e da comunidade, se desincumba desua elementar missão de preparar seus educandos para o exercício da cidadania (cf. art.205, da Constituição Federal), oque inclui o respeito às leis (que por óbvio pressupõe seu conhecimento) e ao próximo, lições que se forem bemministradas e assimiladas por todos, reduzirão drasticamente os índices de violência não apenas dentro, mas tambémfora do recinto escolar, beneficiando assim toda a população.

Para tanto, é necessário que a escola dê o exemplo, servindo não como mais um espaço de repressão e de violação dedireitos de cidadania, mas sim como uma instituição democrática por excelência, na qual se ensina e se pratica acidadania, desenvolvendo uma cultura de paz que, com a participação e o empenho de todos, seguramente terámelhores condições de encontrar soluções mais criativas, adequadas e acima de tudo eficazes que a singela revistapessoal coletiva dos alunos, a irresponsável exclusão daqueles considerados "maus elementos" e a transformação dasescolas em verdadeiras "fortalezas", cada vez mais distantes da sociedade que deveriam ajudar a formar e transformar.

Evidente que, com tais propostas, não se está dispensando a presença ostensiva e/ou realização de operaçõespoliciais em caráter preventivo que venham a ocorrer nas imediações das escolas, assim como, se e quandonecessário, a revista pessoal nas hipóteses previstas no art.244, do Código de Processo Penal (porém em caráterreservado, sem submeter o suspeito a uma situação constrangedora ou vexatória, perante os demais estudantes)[nota 1] e a investigação policial acerca de casos em que se suspeita ou se tem notícia da prática de infrações penaispor parte de determinados alunos (providências que, aliás, se constituem em atos/deveres de ofício dos órgãos deinvestigação e repressão policial).

O que se defende, em respeito à ordem jurídica e ao regime democrático em que vivemos, é que isto ocorra sem quepara tanto sejam violados os direitos a todos constitucionalmente assegurados, que não podem ser objeto de disposiçãoou supressão, de forma arbitrária, a bem de um "interesse coletivo" de segurança, por quem quer que seja, até porque,salvo seu aspecto "pirotécnico", expedientes como a revista pessoal coletiva e indiscriminada de alunos, consoantemencionado, não se constituem numa solução verdadeira e eficaz para a problemática da violência.

Em suma, longe de assumir a cômoda, porém inadequada postura de pura e simplesmente reprimir a violência dentrode seus muros, criando restrições cada vez maiores à liberdade ou mesmo causando constrangimento a seus alunos, demaneira indiscriminada, é imprescindível enfrentar o problema em toda sua amplitude, cabendo à escola, no estritocumprimento de sua missão constitucional, preparar seus alunos para o convívio em sociedade, respeitando­os efazendo­os respeitar as leis e o próximo, o que se dará através da mudança da mentalidade e da forma de agir acimade tudo de diretores e educadores, através da deflagração de uma verdadeira "campanha de desarmamento" dos"espíritos" de todos os integrantes da comunidade escolar.

Em suma, não será com mais violência, repressão e uma postura arbitrária junto a seus alunos, que a escola irá coibir aviolência intra ou extra­muros, mas sim adotando uma atitude diametralmente oposta, estabelecendo uma relação derespeito e confiança, assim como um ambiente sadio no qual, naturalmente, não haverá espaço para a violência. Paratanto, no estrito cumprimento do art.205, da Constituição Federal, deverá a escola contar com a obrigatória epermanente participação dos pais dos educandos e da comunidade local, de modo que todos falem a mesma língua edêem sua indispensável parcela de contribuição para o pleno êxito do citado processo educacional.

Uma vez que a escola finalmente assuma o perfil idealizado pelo legislador constitucional e ordinário, tornando­se umainstituição aberta à comunidade e voltada à formação da pessoa e do cidadão, se estará caminhando a passos largos­ e firmes ­ rumo à efetiva solução do problema da violência que assola nossa sociedade, sem que para tanto tenhamde ser sequer arranhados quaisquer dos direitos fundamentais dos educandos, que tanto têm sofrido com toda espéciede violência tanto nas escolas quanto fora delas, muitas vezes praticada justamente por aqueles que têm a missão legale constitucional de impedir sua ocorrência ­ e de educar.

Nota do texto:

1 Se tem sugerido a abertura de canais diretos de comunicação entre os pais, alunos e a direção da escola, para fins deencaminhamento (anônimo, se necessário), das "denúncias" de casos de alunos (ou mesmo professores e outrosfuncionários da escola) que pratiquem atos de violência, introduzam armas e/ou drogas no recinto escolar, devendo serestes ­ e apenas estes ­ suspeitos, os "alvos" das revistas pessoais.

Sobre o autor:Murillo José Digiácomo é Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná, integrante do Centro de ApoioOperacional das Promotorias da Criança e do Adolescente (CAOPCA/MPPR). Fone: (41) 3250­4710. PABx: (41) 3250­4000. E­mail: [email protected]

Matérias relacionadas: (link interno)» Doutrina ­ Educação

Referências: (links externos)

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» Constituição da República Federativa do Brasil de 1988» ECA ­ Estatuto da Criança e do Adolescente ­ Lei nº 8.069 (13/07/1990)» Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ­ Lei nº 9.394 (20/12/1996)

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