violencia, justiça e direitos humanos cadernos pagu 2015

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  • 7/24/2019 Violencia, Justia e Direitos Humanos Cadernos Pagu 2015

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    cadernos pagu(45),julho-dezembro de2015:261-295.ISSN 1809-4449

    ARTIGO

    http://dx.doi.org/10.1590/18094449201500450261

    Violncia, Justia e Direitos Humanos:reflexes sobre a judicializao das relaes sociais

    no campo da violncia de gnero*

    Theophilos Rifiotis**

    Resumo

    A constante ampliao da pauta de reivindicaes sociais pordireitos, lidos especialmente na chave dos direitos humanos, suatraduo em termos morais e a judicializao das relaes sociaisso as questes centrais deste texto. Proponho aqui uma anlisedos modos de produo da justia nos casos de violncia degnero em dois momentos: um primeiro, anterior Lei11340/2006, a partir de uma releitura de trabalhos etnogrficos, nombito da Delegacia da Mulher de Joo Pessoa, focandoespecialmente o que pode ser chamado de mediao policial;

    num segundo momento, apresento uma reflexo de prticas deproduo de justia no mbito da aplicao da Lei 11340observadas entre 2008 e 2009 em Florianpolis, destacando aadoo do perdo judicial nas chamadas audincias deratificao. Finalmente, proponho uma reflexo sobre asdimenses moral e poltica das lutas por direitos, e sobre o tipoespecfico de judicializao que se estabelece em tal processo daslutas por direitos no campo da violncia de gnero.

    Palavras-chave:Violncia de Gnero, Justia, Lei 11340/2006, LeiMaria da Penha.

    * Recebido para publicao em 04 de novembro de 2014, aceito em 04 desetembro de 2015.

    ** Professor do Departamento de Antropologia, Universidade Federal de Santa

    Catarina, Florianpolis, [email protected]

    mailto:[email protected]:[email protected]
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    Violence, Justice and Human Rights: Reflections on the Judicialization ofSocial Relations in the Field of Gender Violence.

    Abstract

    The constant expansion of the agenda of social demands forrights, especially in the human rights key, its translation in moralterms and the judicialization of social relations are the centralissues of this text. I propose, here, an analysis of modes of justiceproduction in cases of gender violence in two moments: a first,before the Law 11340/2006, from a rereading of the ethnographicwork at the women's police station of Joao Pessoa, especiallyfocusing on what can be called police mediation; subsequently, Ipresent a reflection on the justice practicess application of Law

    11340 observed between 2008 and 2009 in Florianopolis,highlighting the adoption of judicial pardon in ratificationhearings. Finally, I propose a reflection on the moral and politicdimensions of struggles for rights, and on the specific type of

    judicialization that is established in this process of struggle for rightsin the field of gender violence.

    Key Words: Gender violence, Justice, Law 11340/2006, LawMaria da Penha.

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    Consideraes preliminares1

    As situaes que acontecem no mundo, fora dos autos, soespessas e ambguas, possuem mais de um significado edelas se permitem vrias interpretaes. (...) No processo produzida uma mediao que achata a espessura inicial dosacontecimentos e despolitiza as relaes entre as pessoas nomundo, ao ignorar o seu contexto bsico, as suas condiesde vida, despojando essas relaes de suas determinaesfundamentais e encaixando-as dentro dos limites dopermitido, ou do esperado (ou ambos). Os fatos sofremassim, nas palavras de Barthes, a perda da lembrana desua produo (M.Corra, 1983).

    Em Morte em Famlia (1983), obra seminal para os estudosda antropologia do direito no Brasil, Mariza Corra analisa aproduo da justia nos casos de homicdios e tentativa dehomicdios entre casais. Trata-se de uma crtica contundente dotratamento assimtrico entre homens e mulheres e dos limites da

    traduo jurdica das experincias sociais no mbito das relaesde gnero. Como citado em epgrafe, h uma obliterao, umaperda da lembrana, um achatamento dos fatos na sua traduoem autos. Porm, a obra de Mariza Corra no se resume a essaperda, que altamente significativa para a prtica e asexpectativas de justias. Ela vai muito alm colocando emevidncia a gramtica da produo da justia. Inspirado pelo seutrabalho, tenho procurado analisar as prticas de produo dejustia ligadas s relaes intrafamiliares (Rifiotis, 2011)e conjugais(2004; 2008).

    A questo geral que vem orientando os meus argumentoscoloca em perspectiva as lutas por direitos, a sua traduo

    1 Este trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional deDesenvolvimento Cientfico e Tecnolgico. Uma primeira verso deste texto foidebatida no Grupo de Trabalho Sociologia e Antropologia da Moral no 36Encontro Anual da ANPOCS, o que trouxe importantes contribuies para a sua

    reviso.

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    normativa e as suas implicaes na produo da justia, as quais

    no devem ser apenas objeto de crticas pelos limites impostospela traduo jurdica da violncia de gnero.2De fato, comosabemos, so recorrentes na literatura debates em torno do hiatoentre as experincias dos sujeitos e sua tipificao penal, asfronteiras que separam a causa do caso, a obliterao dadimenso vivencial da violncia.3Porm, na diferena entrelei e direito e justia, tal como problematizada por Jacques Derrida(2007)e na relao entre normatividade e sujeito, como discutidapor Judith Butler (2009), ambos seguindo a crtica sobre a noode violncia lanada por Walter Benjamin (1978), queencontramos as questes que atualmente tm acompanhado odesenvolvimento das nossas pesquisas.

    Procuro aqui, mais do que denunciar uma falta nas prticasjurdicas no campo da violncia de gnero, apontar um,digamos,resto da produo da justia que parece persistir paraalm dos quadros normativos especficos. Um resto em que semisturam, em graus distintos, justia, direito, poltica e moral, e

    que procurarei caracterizar ao longo deste texto. Quando me refiroa um resto, penso no apenas naquilo que foi obliterado peloprocesso de traduo, a chamada reduo a termo, masprincipalmente na gramtica das prticas de produo da justia e

    2 O campo conceitual da violncia foi objeto de trabalhos anteriores (Rifiotis,1997; 1999; 2006; 2008a; 2008b), mas continua sendo uma questo polmica epor essa razo importante lembrar que: Pode-se considerar, por exemplo, quea expresso violncia conjugal tem na sua composio uma categoria descritivo-qualificadora; violncia, um substantivo que tem uma funo qualificadora eque passa nessa expresso por uma operao lingustica deixando de ser umaqualificao, para tornar-se no mesmo movimento uma realidade substantiva.(...) Tal processo pode ser estendido a um vasto conjunto de expresses em cursoque operam justamente a substantivao da violncia (Rifiotis, 2008a:226-227). Assim, por coerncia, manteremos o uso do termo violncia sempre entreaspas, e preferiremos violncia de gnero pela sua amplitude em relao aviolncia conjugal, por exemplo.3 Considero emblemtico dessa discusso o trabalho de Lus Roberto Cardoso

    de Oliveira intitulado Existe violncia sem agresso moral? (2008).

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    como estas trabalham atualmente a impossibilidade de operar

    com o vivencial ou dar conta dos seus mltiplos atravessamentos.Na perspectiva que tenho adotado na anlise do camponormativo nas lutas sociais, enfatizo que, por um lado, acentralidade do campo jurdico um vetor de acesso justia, devisibilidade social, de reconhecimento e de promoo daequidade, por outro ela afirma uma forma de politizao da justiabaseada nos direitos dos sujeitos.4

    Sabemos que no sistema de justia penal, a judicializaoimplica numa leitura criminalizante e estigmatizada contida napolaridade vtima-agressor, introduzindo uma srie deobstculos para a compreenso e interveno (no penal). Afinal,a interveno penal nem sempre corresponde s expectativas dossujeitos atendidos em instituies como as delegacias da mulher etampouco aos servios nelas realizados, como veremosdetalhadamente no prximo item. Esse ponto relevante,sobretudo na perspectiva da abordagem relacional da violnciade gnero, j amplamente desenvolvida (Gregori, 1993; Grossi,

    1994, 1998), a qual temos procurado incorporar nas nossaspesquisas, e que central, no nosso entendimento, para aproblematizao da judicializao das relaes sociais.

    De um modo geral, a judicializao das relaes sociais esua centralidade no cenrio poltico atual devem ser entendidasno como um simples contexto para a ao em que se configuramformas especficas de atores, eventos e prticas sociais, mas, antes,como uma matriz de inteligibilidade em e para outros contextos.5

    4 Trata-se de dar continuidade anlise daquela inverso fundamental que vemsendo operada nos ltimos anos atravs da passagem do foco nos sujeitos dosdireitos para os direitos do sujeito, sobretudo no plano das polticas pblicas quepassam a priorizar os direitos violados com importantes consequncias para osmovimentos sociais e a agenda de luta poltica (Rifiotis, 2007, 2008a, 2010,2011, 2012).5 Refiro-me aqui ao prprio projeto de antropologia sintetizado na ideia deteoria etnogrfica, tal como defendido por Mrcio Goldman em Alteridade e

    Experincia: Antropologia e Teoria Etnogrfica(2006).

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    Assim, gostaria de sublinhar uma vez mais a necessidade de

    aprofundar em pesquisas empricas a questo da judicializao,no apenas pela sua complexidade, mas porque ela contingentee coloca em dilogo mltiplas perspectivas. Considero que aspesquisas sobre a judicializao das relaes sociais podem:

    (...) contribuir para uma viso mais crtica e autoconsciente,com implicaes sobre o protagonismo dos atores sociais esobre a construo de uma sociedade democrtica esolidria. Preparados para pensar criticamente os Direitos

    Humanos e os riscos de transferir responsabilidade para oEstado, de engessar processos, e a necessidade permanentede um olhar crtico sobre as nossas prprias (Rifiotis e Matos,2010:281).

    Apesar do meu interesse de pesquisa ter se concentrado nosprocessos de judicializao das relaes sociais e na prevalnciados direitos do sujeito em relao aos sujeitos de direito (2007;2012), identifico a necessidade de um maior desenvolvimento do

    campo. Afinal, a noo de judicializao vem sendo difundida nascincias sociais e ocupando uma posio central na anlise social.Como bem apontam Dbora Alves Maciel e Andrei Koerner(2002), ela tem sido utilizada para indicar efeitos da expanso doPoder Judicirio no processo decisrio das democracias,definindo-se mais tipicamente como judicializao da poltica.6

    Tenho utilizado mais especificamente a noo dejudicializao das relaes sociais (Rifiotis, 2008; 2011) para

    designar os processos que se visibilizam atravs da ampliao daao do Estado em reas de problemas sociais comomecanismo de garantia e promoo de direitos. Procuroacompanhar, em linhas gerais, a abordagem de Luiz Werneck

    6 O que desenha um quadro particularmente complexo ensejando conexesentre elementos polticos, tericos e ticos que merece particular ateno dos

    cientistas sociais.

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    Vianna, que seguindo as pistas de Antoine Garapon, caracteriza a

    noo nos seguintes termos:(...)mulheres vitimizadas, aos pobres e ao meio ambiente,passando pelas crianas e pelos adolescentes em situaode risco, pelos dependentes de drogas e pelosconsumidores inadvertidos , os novos objetos sobre osquais se debrua o Poder Judicirio, levando a que associedades contemporneas se vejam, cada vez mais,enredadas na semntica da justia. , enfim, a essa

    crescente invaso do direito na organizao da vida socialque se convencionou chamar de judicializao das relaessociais (Werneck, 1999:149).

    Evidentemente, nas sociedades democrticas a forma delegitimidade hegemnica, ainda que no exclusiva, reside nacrena na legalidade (Weber, 1995:73). Porm, o movimentoobservado, pelo menos desde a dcada de 80, nos pasesdemocrticos no de uma simples judicializao crescente, mas

    um movimento muito mais complexo e ambguo que umaexpanso do judicirio ou de uma substituio de normas sociaisde conduta por uma regulao legal. O quadro envolvesignificativas contradies, pois possvel identificar neletendncias ligadas aos movimentos alternativos do direito,digamos, tradicional (desregulao, desjudicializao, como nosmecanismos de mediao), fazendo face tambm s dificuldadesoperacionais do campo jurdico (excesso de formalismo, altos

    custos, morosidade, etc.). Sem poder avanar aqui na questo,cabe ao menos registrar que h outras correntes no campo jurdicocuja atuao de ampliao da criminalizao dos problemassociais. Esse cenrio com suas ambiguidades e disputas temimplicaes no negligenciveis no sentido de fortalecer umaexpanso do campo penal, ou tendncias, digamos alternativas,como as da mediao.

    Concretamente, neste texto, apresento parte de umaetnografia realizada na Delegacia da Mulher de Joo Pessoa, cujasprticas, na ocasio, eram preponderantemente regidas pelos

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    termos da Lei 9099/1995, e observaes mais recentes com a

    aplicao da Lei 11340/2006, relativas ao Juizado de ViolnciaFamiliar e Domstica contra a Mulher em Florianpolis, noperodo de 2008 a 2009. Procuro mostrar como ambas as leisproduzem um resto no processamento da violncia de gnero,que aponta para os limites e dilemas da prtica jurdica e suarelao com experincias morais. O argumento que pretendodesenvolver a partir das consideraes aqui debatidas envolveuma pesquisa sobre as instncias jurdicas como dispositivos, nosentido foucaultiano, criados para o enfrentamento da violnciade gnero. 7 Tratarei, portanto, da criao de mecanismos deinterveno jurdica que visam ampliar o acesso ao sistema dejustia a causas antes consideradas de ordem privada, visandoreduzir o quadro de impunidade e assimetria nos procedimentosjurdicos.8

    I.Situando um cenrio normativo e poltico: entre a Lei9099/1995 e a Lei 11340/2006

    Para situar o cenrio em que se desenvolvem as prticas dejustia, lembremos que, no Brasil, a luta contra a impunidade noscasos de violncia contra as mulheres tomou a formaemblemtica da delegacia de proteo da mulher, sob aresponsabilidade da Polcia Civil de cada Estado, comcompetncias judicirias. Concretamente, trata-se de instituiescriadas como instncias formais de acolha e tratamentoespecializado nos casos de violncia contra as mulheres. Elasdeveriam ampliar o espectro de acolha, produo de investigaopolicial e instalao de inquritos policiais nos respectivos casos.

    7 O dispositivo no uma simples mquina repressiva ou coercitiva, mastambm aquilo que produz sujeitos, que deve fazer gerir as ressonncias econtradies criadas nas suas prticas.8 Cabe especial destaque para a publicao da coletnea organizada porCarmen Hein de Campos intitulada Lei Maria da Penha: comentada em uma

    perspectiva jurdico-feminina (2011).

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    De modo sinttico, diremos que as lutas feministas produziram,

    nos ltimos dez anos, importantes mudanas institucionais enormativas no Brasil, das quais podemos destacar pelo menos trsmomentos. Um primeiro, com a criao da Delegacia da Mulher,que teve lugar em pleno processo de redemocratizao. Osegundo, sem dvida alguma, foi a promulgao da Lei Maria daPenha. Entre os dois, tivemos a Lei 9099 de 1995.9

    Os procedimentos e as prticas nas delegacias de proteoda mulher sofreram significativas mudanas com a Lei 9099 de 26de setembro 1995, que promove a figura do termocircunstanciado, um procedimento orientado pela oralidade,simplicidade, carter informal, economia processual, procurando,cada vez que possvel, a conciliao ou a transao.10A Lei 9099introduz alteraes no tratamento judicirio da violncia degnero especialmente visvel nas prticas dos juizados especiaiscriminais. A principal mudana foi a generalizao das prticas deconciliao, como veremos na sequncia. Tais prticas sero,desde o incio, colocadas em questo pelos movimentos feministas

    at a promulgao da Lei Maria da Penha, a qual faz um retornoem direo ao tratamento penal, ainda que no se reduza a ele.11 reconhecido que a grande maioria dos casos atendidos pelasdelegacias da mulher corresponderia definio de menorpotencial ofensivo o que se confirmou tanto nas pesquisas que

    9 Uma pista a ser desenvolvida aponta para uma possvel oscilao no modo deproduo de justia nos casos de violncia de gnero entre prticas que seaproximam da conciliao e outras da penalizao, sobretudo quando

    colocarmos em cena, mais adiante, as prticas observadas na aplicao inicial daLei Maria da Penha e a presena de uma nova figura emblemtica que operdo judicirio.10Cf. .11A Lei 9099 tem como objetivo estimular a economia processual e acelerar osprocessos judicirios, estimula os processos de mediao para os casosconsiderados de menor potencial ofensivo, ou seja as (...) infraes penais demenor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenes penais e oscrimes a que a lei comine pena mxima no superior a 2 (dois) anos, cumulada

    ou no com multa (Lei 11.313, de 2006).

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htmhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm
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    realizamos na cidade de Joo Pessoa quanto em Florianpolis

    (Rifiotis, 2004; Rifiotis e Santos, 2005; Santos e Rifiotis, 2007), assimcomo em numerosas outras cidades brasileiras como indicamDebert e Oliveira (2007:312).

    Em linhas gerais, a Lei 9099 formalizou procedimentos j emprtica nas delegacias da mulher, tais como as modalidadesinformais de acordos entre as partes. Porm, a aplicaosistemtica do termo circunstanciado, interrompendo o fluxodos inquritos e dos processos para o processamento penal,apontava tambm para um padro de impunidade. A sadaencontrada com a aplicao da Lei 9099, envolvendo, de um lado,o princpio da economia processual, na perspectiva dolegislador, desafogando o trabalho dos juzes, implicou, por outrolado, apenas numa formalizao de acordos, uma prticacorrente anteriormente nas delegacias da mulher. Para simplificar,direi que a Lei 9099 implica num processamento que pode serconsiderado mais favorvel para os acusados, o que vaievidentemente de encontro s expectativas do movimento

    feminista e da luta contra a violncia de gnero.No meu entendimento, h uma atualidade em tal debate

    com se pode constatar nos argumentos em defesa da Lei Maria daPenha, a qual entendida como uma politizao da justia notratamento da violncia de gnero.12Na minha perspectiva, htambm uma segunda, digamos, continuidade de prticas deproduo de justia que no implica em penalizao quandoconsideramos as prticas observadas na aplicao da Lei Maria da

    Penha como explicitado a seguir. De fato, persistiram, mesmoaps a promulgao da Lei Maria da Penha, as lutas econtrovrsias. No caberia aqui relatar os detalhes das disputasque envolveram os cinco primeiros anos da Lei Maria da Penha,

    12A adoo da Lei 9099 implicaria num movimento de reprivatizao daviolncia de gnero nos Juizados Especiais Criminais (Debert; Oliveira, 2007).Assim, frente a tal contexto, a Lei 11340 foi criada para reverter tal processo(Debert; Gregori, 2008:172) e reafirmar o ponto de vista das lutas feministas e

    sua conhecida bandeira poltica o privado pblico.

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    mas lembremos que elas tiveram lugar nos tribunais, no

    Legislativo, e mesmo em toda a sociedade brasileira. Logo deincio, houve uma disputa sobre a constitucionalidade da Lei, portratar diferenciadamente homens e mulheres. Depois se seguiramos debates sobre o carter de ao penal condicionada ouincondicionada nos casos de violncia de gnero. Em 2010, oSupremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade da Lei11340/2006. E, em 2012, encerram-se os debates a partir dadeciso do Supremo Tribunal Federal de que a Lei 11340/2006 uma ao penal pblica incondicionada.

    Vejamos, ento, atravs de duas experincias etnogrficasrealizadas no mbito do LEVIS (Laboratrio de Estudos dasViolncias), como chegamos formulao da judicializao dasrelaes sociais, trazendo elementos empricos para a anlise dosmodos de produo de justia no campo da violncia degnero.

    II.

    Revisitando a Delegacia da Mulher: a mediao policial

    A retomada da pesquisa de campo realizada na Delegaciada Mulher de Joo Pessoa, no final dos anos 90, nos exige oresgate de alguns aspectos gerais dessa instituio, que comeousuas atividades em 1987, tendo tido forte apoio do movimentofeminista local. 13 A delegacia funcionava, poca da pesquisa,num edifcio prximo Estao Rodoviria da cidade, no perododas 8h s 18h apenas nos dias teis, juntamente com outrasinstncias da Polcia Civil da Paraba. Durante o perodo dapesquisa, que foi realizada entre janeiro e abril de 1999, eramatendidos, em mdia, 25 casos por dia. Frente ao intensomovimento de pessoas que observei durante todo o trabalho decampo, surpreendia o baixo nmero de inquritos policiais

    13Retomo aqui partes publicadas na Revista Estado e Sociedade(Rifiotis, 2004).Vale destacar que os argumentos aqui avanados encontram apoio tambm naspesquisas que realizamos na Delegacia da Mulher em Florianpolis (Rifiotis;

    Santos, 2005; Santos; Rifiotis, 2007).

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    instaurados no perodo. Os dados levantados mostraram um

    quadro problemtico, tanto que organizaes locais ligadas aomovimento feminista tinham uma avaliao negativa do trabalhodesenvolvido naquela delegacia e tomavam tais nmeros comoprova da sua ineficincia.

    Ao contrrio do que se poderia esperar, tal avaliaoparecia ir ao encontro daquela feita pelas prprias policiais edelegadas que consideravam sua atividade como trabalhomorto, um verdadeiro enxuga gelo expresses repetidamenteevocadas por elas. Ineficcia, para uma perspectiva, impotnciapara outra. Porm, as atividades que observei mostravamprodutividade e eficcia; no aquelas esperadas pelo movimentofeminista, nem pela instituio policial, mas que me pareceramsintetizadas na ideia de uma, digamos provisoriamente,mediao policial.

    Iniciei o trabalho de campo observando as atividades daspoliciais. Notei que poucos registros em boletim de ocorrnciaeram transformados em inquritos policiais. Uma anlise

    documental mostrou que isso ocorria em menos de 4%, o quecorrespondia aplicao cada vez mais sistemtica do termocircunstanciado (Rifiotis, 2004). No dia a dia da Delegacia, pudeconstatar que o baixo percentual de inquritos instaurados, o qual,desde um olhar exterior (seja ele tcnico ou militante) apareciacomo ineficincia ou pelo menos uma discrepncia, implicava narealizao intensiva de outras atividades igualmente relevantes,que eram invisibilizadas no cmputo do trabalho formal da

    instituio. O intenso fluxo de pessoas, sem correspondnciadireta com o nmero e os registros dos boletins de ocorrncias,estava relacionado ao grande nmero de casos atendidos, osquais no eram tipificados como queixa-crime. O que tambmimplica que os registros em boletim de ocorrncia nem semprecorrespondem aos casos que so efetivamente tratados naDelegacia da Mulher. Mesmo aqueles tipificados como crimeraramente eram objeto de investigao, fosse pela falta de pessoale meios de investigao, ou pela urgncia do atendimentocotidiano em detrimento do papel investigativo da Polcia Civil.

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    Somente a partir do acompanhamento dirio das prticas

    policiais foi possvel estabelecer uma relao significativa entre osnmeros oficiais (boletim de ocorrncia e inquritos) e o grandefluxo de pessoas observado em campo. Acompanhando asatividades quotidianas da Delegacia, foi possvel identificar que apea chave do seu funcionamento era a intimao. Podemosafirmar que a intimao, pelo menos antes da Lei 11340, era omecanismo central das prticas policiais na Delegacia da Mulher.Para compreendermos o seu significado interessante recordar osprincipais momentos. Tudo comeava com o registro do nome damulher que procurava a delegacia e do relato do seu caso narecepo. Em seguida, elas aguardavam a chamada para oregistro da queixa no boletim de ocorrncias.

    O registro de cada ocorrncia no se resumia a um ritoformal de oitiva de relatos lineares de fatos, mas eram autnticoseventos, nos quais a escriv avaliava, a partir de narrativasdetalhadas de acontecimentos, sofrimentos, indignao, queixas,denncias, etc., a pertinncia e a correspondente tipificao penal,

    a qual era posteriormente ratificada ou no pela delegada. Feito oregistro no Boletim de Ocorrncias, passava-se a uma segundaetapa que era a intimao: chamar para esclarecimentos oacusado e as testemunhas.

    A observao de campo e as cifras levantadas auxiliam nacompreenso da insatisfao das policiais com o seu prpriotrabalho e das crticas de organizaes no-governamentais etambm mostram que a prtica do princpio de judicializao

    estrita no era prioritrio nas Delegacias da Mulher.14

    Todavia o

    14Importante observar que o prprio boletim de ocorrncia no pode serconsiderado equivalente de ocorrncias, mas antes de relatos ou notcias decrimes a serem investigados. O registro no boletim de ocorrncia era elaboradocom base nos relatos feitos pelas mulheres, mas, como observamos de modorecorrente, a sua forma final do registro dependia, em certa medida, de umaavaliao da policial sobre o caso. De tal modo que os boletins de ocorrnciaso uma fonte que precisa ser devidamente problematizada no estudo de tipos de

    casos, por exemplo, atendidos na Delegacia da Mulher.

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    significado das prticas de justia da Delegacia da Mulher apenas

    pode ser apreendido no registro dos dirios de campo de umconjunto de casos atendidos na Delegacia da Mulher de JooPessoa (anteriormente Lei 11340/2006).

    Atravs de material etnogrfico coletado no trabalho decampo, entre janeiro e abril de 1999, procuro descrever os serviosrealizados na Delegacia de Mulher, especialmente pelas delegadas,e assim caracterizar o atendimento tpico dessa instituio quechamamos de mediao policial.15Durante todo o trabalho decampo, estive diariamente observando os atendimentosrealizados, entrevistando clientes, como as policiais se referiaminformalmente s mulheres que procuravam a delegacia, mas meconcentrei especificamente na observao do trabalho daspoliciais, escrivs e delegadas. Assisti a vrias centenas deatendimentos envolvendo aproximadamente mil pessoas e queredundaram em cerca de trezentos boletins de ocorrncia e menosde dez inquritos. Ouvimos relatos de casos muito diversos e nemsempre redutveis categoria violncia de gnero, com toda a

    homogeneizao que tal categoria possa implicar. Foram casos deagresses fsicas, ameaa de morte, estupros, agresses aprofissionais do sexo, esposas proibidas de falar com vizinhos emesmo de atender ao telefone, mas tambm discusses sobrepromessas de casamento no cumpridas, de brigas entre vizinhos,de emprstimos de dinheiro, discusses sobre herana, etc. Amaioria dos casos cruzava questes afetivas e familiares. A listados casos seria longa e variada e teria como fio condutor o

    reconhecimento pelas mulheres de que a delegacia pode trazeralgo de positivo para a situao de queixa. A variedade de tiposde casos certamente no representa uma especificidade daDelegacia da Mulher em relao s delegacias noespecializadas.

    15Lembro que esse tipo de atendimento foi identificado tambm em meutrabalho na Delegacia da Mulher de Florianpolis, tambm num quadro anterior

    Lei 11340 (Rifiotis; Santos, 2005; Santos; Rifiotis, 2007).

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    Porm, o que parece ser o diferencial a recepo concreta de

    acolhimento dessas demandas.16

    De fato, o acolhimento e a escuta so os elementosfundamentais das prticas na Delegacia da Mulher. Essa escutaque, s vezes, pode ser uma revitimizao, pela repetio denarrativas de sofrimentos e dor, tambm abre espao para acriao de um cenrio de mise en perspectiveda situao vividapela sua publicizao ritualizada no ambiente formal da delegacia.Afinal, so as mulheres vitimizadas que procuram a delegacia, e arecepo de suas queixas abre importantes portas para o acesso

    justia, e, sobretudo, de-singularizao das suas experincias deviolncia de gnero. Um fato aparentemente banal, mas querevela um aspecto importante para a compreenso das prticas dejustia que ali sero produzidas. Na grande maioria dos casosatendidos, era a mulher que decidia e procurava a delegacia.Trata-se de uma opo construda e realizada, geralmente, com aparticipao de uma vizinha, amiga ou parente. Porm, noraramente essas mulheres procuravam sozinhas os servios de

    polcia e, por vezes, traziam consigo seus filhos. Elas chegavam ese apresentavam a uma atendente, que verificava se o caso erapertinente e se a mulher era maior de idade e residente nomunicpio de Joo Pessoa. Na sequncia, o nome dela eraanotado e ela orientada a esperar na sala de recepo junto comas outras mulheres que aguardavam para serem recebidas peladelegada. Ficavam, ento, na sala de espera, ondeepisodicamente compartilhavam suas queixas e falavam

    informalmente com outras agentes policiais, relatando seus casos epedindo orientao.A partir da observao do cotidiano da delegacia e tambm

    das entrevistas com as agentes policiais e tambm com a psiclogae as assistentes sociais, foi possvel perceber a forma como eramconduzidas as rotinas de trabalho, em especial os deslocamentos

    16Isso extremamente positivo do ponto de vista da qualidade do servio

    policial, um dos seus mais importantes produtos (Rifiotis, 2000).

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    produzidos pelo fato de a maioria dos casos no ser considerada

    como ocorrncias policiais a serem investigadas. Percebi, emconversas informais com agentes policiais, que muitos casospareciam ser entendidos como relatos de cenas de brigas econflitos intraconjugais que as partes no tinham resolvido entre siou com prximos e por isso faziam apelo polcia. A etapaseguinte do atendimento era a audincia com a delegada,momento mais ritualizado e esperado dos atendimentos naDelegacia da Mulher.

    Porm, as audincias eram sesses curtas, realizadas numasequncia rpida, sumria, mas muito envolvente, e muitosignificativa para os envolvidos. A rpida sucesso de casos e ainterveno sumria da delegada deixavam mais evidente que opapel que a ela cabia naquelas audincias no se restringia aotratamento jurdico dos casos, tampouco se tratava de dar espaopara as narrativas dos sujeitos, nas quais pudessem colocar, comoobservamos que muitas vezes pretendiam fazer, as suas queixasnarradas em cenas que traduzissem a complexidade das suas

    experincias. A atuao da delegada seria ento mais prxima deuma forma de regulao de litgios por meio da distribuio dasfalas e da busca de coerncia e conciliao entre as partespresentes na audincia. Porm, a ltima palavra cabia sempre delegada, muitas vezes fazendo, desse modo, o papel deconselheira, de rbitro, conforme o seu entendimento do caso.Poderamos pensar numa espcie de sensibilidade jurdica,estendendo a ideia de Geertz (1998), que a delegada afirmava ser

    fruto da sua experincia com os prprios casos que atendia. Umaespcie de sentido prtico, com suporte jurdico.

    *

    O cenrio apresentado acima reproduz momentos de umajornada tpica de trabalho na Delegacia da Mulher de JooPessoa, anteriormente Lei 11340. Consideramos que h nele umsentido para o conjunto das experincias de campo, ou melhor,uma lgica, uma sensibilidade jurdica para a produo dejustia naquele contexto.

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    ela de novo! uma expresso recorrente que se ouve

    quando uma mulher retorna Delegacia da Mulher. Aimpacincia que denota essa frase no necessariamenteexplicitada durante o atendimento, mas deixa entrever uma visonegativa sobre a vtima. Cada caso um caso, ningum secansa de repetir na delegacia. Mas a recorrncia dos relatos faz asua semelhana e todos parecem uma mesma histria inscritanuma srie tragicamente previsvel. As agentes policiais daDelegacia da Mulher acreditam que previsvel a combinao queestar na base dos casos atendidos s segundas-feiras: final desemana, lcool, pobreza e agresso. Uma equao crua, simplistae, sobretudo, preconceituosa, mas que em graus variados plenamente verificada no cotidiano nessas delegacias.

    O cenrio das prticas policiais o da srie, da reincidncia.Raros foram os casos observados em que a mulher no relata umasequncia de agresses. Na grande maioria dos casos, a Delegaciada Mulher procurada aps vrias agresses, que geralmente

    voltam a reproduzir-se, numa srie que parece no ter fim. Por

    isso as policiais consideravam que estavam enxugando gelo,que faziam um trabalho morto, perdido. O que mais asincomodava era a sua impotncia diante dos casos de violnciade gnero. Esse fenmeno comeava e se desenvolvia de modoinvisvel para elas, e mesmo quando ganhava uma dimensocriminalizvel, ainda assim no estava completamente ao alcancedessas agentes. Sobretudo porque a vtima podia retirar aqueixa, nos casos previstos pela lei, e transformar todo um

    trabalho de investigao, quando efetivamente existia, e detomada de depoimentos em trabalho morto.17Essa frustrao marcante para a caracterizao da autoavaliao das delegadas emostra a diferena entre a identidade institucional (polcia

    17A questo da necessidade de representao, a partir da Lei 11340, tambmesteve em questo, como nos referimos anteriormente. Na poca da pesquisa decampo, era plenamente possvel, e mesmo recorrente, a prtica da chamada

    retirada da queixa.

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    judiciria) e a identidade atribuda pela clientela. Porm, esse

    cenrio se completava quando, na prtica cotidiana, a delegadaatuava para alm dos limites estritamente tcnicos possibilitando acriao de contextos nos quais operavam a retratao, aconciliao, os esclarecimentos, as cobranas, as discusses, etc. o que representava um modo especial de tratamento dos casosque pode ser sintetizado na criao de um espao de controvrsia,mediado ou arbitrado pela delegada.

    O espao de controvrsia tinha lugar principalmente nosmomentos de acareao entre as partes na presena da delegada,mas tambm pelas conversas informais com as agentes policiais epelos depoimentos no atendimento psicolgico e com a assistentesocial. Mas a acareao, na audincia com a delegada, restavacomo o rito central da rotina da Delegacia da Mulher. para elaque convergiam as demais rotinas de trabalho. Por essa razo, aintimao tinha um lugar to importante, porque era ela omecanismo de produo do espao de controvrsia.

    O cenrio era o seguinte: aps denunciar, por exemplo,

    uma agresso, a reclamante pedia delegada que chamasse o seumarido/companheiro para conversar, para que ela lhe desse umconselho, um susto. No limite, a atividade de polcia judiciriaera constantemente substituda por uma demanda de ordemprivada. Do ponto de vista policial, haveria uma espcie demanipulao secundria da delegacia por parte da reclamante,que procurava valer-se da autoridade policial para obrigar o seuagressor a admitir o erro e a renegociar a relao entre eles. A

    intimao era resignificada como intimidao. E a delegadacolocava-se e era colocada em posio de rbitra, cujosjulgamentos mostravam sua leitura pessoal e circunstancial dosatos e dos sujeitos envolvidos.

    Apesar das dificuldades e arranjos improvisados de ao, otrabalho de recepo e tratamento das questes levadas para aDelegacia da Mulher era bastante valorizado. De modo geral,pode-se afirmar que para a clientela a delegacia era reconhecidacomo espao pblico de controvrsia, no qual podiam contar coma participao de uma autoridade, cujo papel era central para as

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    clientes, pois atuando como conselheira ou fazendo o que

    venho chamando de mediao policial, a delegada tornava-se oeixo em torno do qual todas as atividades eram realizadas.18Nesse contexto, assim como bem evidenciou Jacqueline

    Muniz (1996), entrar na justia visto de modo negativo e nocomo equivalente a fazer justia. Trata-se de uma questo damaior importncia, pois a Delegacia da Mulher instituio dapolcia judiciria, criada para atuar como mecanismo de controlesocial, mas que vinha sendo reorientada para atender demandasdiversas, tornando-se recurso social tipicamente de controvrsia eregulao informal de conflitos interpessoais, pelo menos at apromulgao da Lei 11340, ou o que se previa que ela fosse capazde produzir em contraposio s prticas de negociao realizadasnem Delegacias da Mulher.

    III.

    Uma primeira incurso aplicao da Lei 11340/2006: o

    perdo judicial

    Atualmente o cenrio de luta no campo da violncia degnero concentra-se na aplicao da Lei Federal 11.340,nomeada Lei Maria da Penha em justa homenagem Maria daPenha Maia Fernandes, que ficou paraplgica aps uma tentativade homicdio pelo seu marido poca, e que com muita corageme determinao transformou a sua situao de vtima em uma lutasocial de defesa das mulheres e garantia de acesso justia noBrasil. Sua luta no enfrentamento das falhas no tratamentojurdico do seu caso foi apoiada por diversas organizaesfeministas brasileiras, redundando num processo internacional. Defato, o Centro pela Justia e Direito Internacional (CEJIL) e o

    18Observo que a delegada procurava atuar, s vezes, como um mediador, umterceiro neutro que auxilia as partes a encontrarem suas prprias solues paratransformar suas relaes interpessoais; outras vezes, ela atuava como rbitro.Sobre a temtica da mediao policial na violncia intrafamiliar nos valemosda exposio de ric Plaisant, publicada no peridico Les Cahiers de la Scurit

    Intrieur, n 28, 1997.

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    Comit Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos

    da Mulher (CLADEM) apresentaram o caso para a ComissoInteramericana de Direitos Humanos da Organizao dos EstadosAmericanos. Seguiram-se intensos debates polticos e acadmicossobre a violncia contras as mulheres, os quais possibilitaram aaprovao da Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006.. 19 Aps suapromulgao pelo governo federal, o poder judicirio teve deconfrontar-se com dificuldades para a sua aplicao,principalmente a criao dos Juizados Especiais. 20Entretanto, oprocesso de implantao da lei teve de enfrentar debates edisputas polticas, legislativas, jurdicas e at mesmo sobre a suaconstitucionalidade.21

    A homologao da Lei 11340 foi um processo que mostradisputas entre as distintas vises sobre a produo de justia notratamento jurdico da violncia de gnero, evidenciando aexistncia de embates polticos e incertezas operacionais. Apesarde ser entendida como uma reao aplicao da Lei 9099, asprticas jurdicas relativas Lei 11340, pelo menos nos seus

    primeiros anos de aplicao no contexto estudado, no secaracterizaram como uma ruptura. A aplicao da Lei 11340, nocontexto desta pesquisa, mostrou aspectos de mudana, mas,igualmente, de continuidade. o que resulta da anlise dasprticas no Juizado Especial, criado pelo poder judicirio paraadaptar-se s exigncias da Lei Maria da Penha, em SantaCatarina. Trata-se de um trabalho realizado entre 2008 e 2009, apartir de pesquisa de campo na 3a Vara Criminal e Juizado de

    19Cf.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm20 Em Santa Catarina, logo aps a promulgao da Lei 11340, participei deencontro organizado pelo Tribunal de Justia, com amplos setores da sociedadepara discutir as estratgias institucionais para a aplicao da Lei, tendo sido umdos primeiros Estados federativos a criar Juizados Especiais para a aplicao dalei.21Cf. http://www.observe.ufba.br/,sitedo Observatrio para Implementao daLei Maria da Penha, cujo objetivo acompanhar o processo de efetivao da Lei

    Maria da Penha.

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htmhttp://www.observe.ufba.br/http://www.observe.ufba.br/http://www.observe.ufba.br/http://www.observe.ufba.br/http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
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    Violncia Domstica e Familiar de Florianpolis.22Nossa ateno

    focou-se, sobretudo, na presena do perdo judicirio (artigos107, IX, e 120 do Cdigo Penal) nas audincias dos casos atinentes Lei Maria da Penha observados entre 2008e 2009 (Bragagnolo;Lago; Rifiotis, 2011).

    O perdo judicirio um procedimento jurdico no qual facultado ao juiz deixar de aplicar uma pena e implica na extinodo processo. Esse procedimento, recorrente no tempo daobservao de campo, parece apontar para uma prtica contrrias expectativas feministas que embasaram a formulao e aimplantao da Lei Maria da Penha. Para dar uma ideia maisclara sobre a questo, cito uma breve narrativa de uma audinciaque me parece significativa para mostrar o emprego do perdojudicirio:

    Juiz:A senhora solicitou medida protetiva para ele no seaproximar de voc, no ?(Ela no responde e comea a chorar).

    Juiz:Por que a senhora est chorando?(Ela no fala, continua a chorar cabisbaixa.)Juiz:A audincia de hoje muito simples. Basta a senhoradizer se quer ou no continuar. S depende da senhora.(Ela continua a chorar, sem nada dizer.)Advogado do acusado: Ele pode se retratar para voc(olhando para o Juiz).Juiz:Se voc no der continuidade ao processo, no perdedireito nenhum. Queres dar uma chance a ele? Quer

    continuar com o processo ou dar um perdo judicial?Advogado do acusado: Eu assumo o compromisso que eleno vai fazer isso novamente. Ele est no andar abaixo,posso cham-lo para que pea desculpas e paramos poraqui, para voc no se incomodar mais?

    22Trata-se da pesquisa de campo realizada por Regina Bragagnolo no quadro doseu doutoramento no Programa Ps-graduao em Psicologia da Universidade

    Federal de Santa Catarina (Bragagnolo, 2012).

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    A questo posta pelo juiz para a mulher na audincia de

    ratificao do Juizado Especial a renncia continuidade doprocesso penal pela via do perdo jurdico. Trata-se de uminstituto no previsto no texto da Lei Maria da Penha, mas noCdigo Penal Brasileiro (CPB). Sabemos que nos termos doCdigo Penal, a figura do perdo judicial implica no uso de uminstrumento facultado ao magistrado, com o qual ele pode deixarde aplicar a pena; o uso de uma discricionariedade, mas queprecisa do aval da vtima. A ao penal pblica seria, ento,tratada, poca da pesquisa, como condicionada, no sentido deum acordo, uma concesso da vtima no processo.23O perdojudicial atua como um elemento do afunilamento, da excluso deprocessos, uma forma de regular o litgio, extinguindo a aopenal, permitindo refletir sobre a moralidade dos juzes que se fazdecisiva nos encaminhamentos dos processos. por essa razoque as mudanas no processamento da violncia de gneroprecisam ser equacionadas de modo articulado com outrasmudanas no sistema criminal, pois a Lei Maria da Penha aplica-

    se coordenada com o CPB, no qual est tambm prevista, no seuArtigo 107, a extino da punibilidade.

    Trata-se tambm de refletirmos sobre aquilo quepoderamos chamar de cultura tcnico-poltica-institucional eseus atravessamentos morais. Na realidade, fomos confrontadosno estudo do cenrio de implantao da Lei 11340 emFlorianpolis cultura jurdica e sua significativa participao naproduo da justia, como vem demonstrando os trabalhos de

    Roberto Kant de Lima (2011). Pois, como a pesquisa mostrou, huma interpretao da lei, o desenvolvimento de estilos de julgar,alguns mais pedaggicos, outros mediadores, que atuam naavaliao e julgamentos que ocorrem nas audincias,discriminando os casos em funo de desempenho de papissexuais (conjugais e familiares) das partes envolvidas no processo,

    23O que representa bem o fato de que a aprovao de texto normativo apenas

    um momento da luta poltica e no seu firmamento.

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    e mesmo de explcita defesa da instituio familiar. So prticas

    que, apesar de situadas em quadros normativos oriundos deconquistas feministas, reafirmam modelos hegemnicos de gneroe confirmam o acesso diferencial de gnero justia. Porm, nose deve inferir que haja um modo consensual de interpretar alei. Observamos durante a pesquisa a atuao de quatromagistrados, homens e mulheres, do Juizado de ViolnciaDomstica e Familiar, sendo que cada qual atuava de modoespecfico na conduo das audincias, mostrando diferenassignificativas e mesmo estilos de julgar.

    nesse sentido que entendemos a pertinncia da noo dejudicializao das relaes sociais. Ou seja, como um dispositivoque, ao mesmo tempo, leva ao reconhecimento e legitimidadeda violncia de gnero e postula um tratamento jurdicodiferenciado, visando ampliar o acesso justia, o que se d nombito de uma cultura tcnica-poltica-institucional atravessadapor regimes morais contra os quais a lei objetiva atua. por essarazo que a judicializao no redutvel a uma expanso do

    campo jurdico, mas tambm uma busca pelo jurdico e resultanum espao onde se prolonga a luta social, deslocada e capturadana semntica e na gramtica jurdica, e, como temos afirmadodesde o incio, sem nunca a ela se reduzir.

    Assim, a presena do perdo judicial tal como observadanas audincias, em um juizado criado a partir da Lei Maria daPenha, surpreende e interroga. Ela nos faz refletir sobre o hiatoentre lei, direito e justia, como discute Derrida (2007), e tambm

    sobre o impacto dessa figura jurdica e suas repercusses nosmodos de interpretar a causa pelos operadores do direito e pelaspartes envolvidas. Qual justia assim produzida? Como avaliaressa situao? Podemos afirmar que ela repercute em um novoprocedimento de formalizao de acordos conciliatrios? Aspesquisas sobre as prticas jurdicas e os sujeitos implicados nessasaes certamente trar respostas para essas indagaes. A prpriaconstatao da presena desse tipo de interveno jurdica apontapara a necessidade de pensarmos, para alm das formasinstitucionais e as normatividades, na ao dos sujeitos e os seus

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    modos de reconstruo do prprio objeto da judicializao. H

    algo aqui que resiste s mudanas de processamento e de quadronormativo? Parece-me que exatamente esse algo que precisaser mais concretamente identificado e caracterizado. Temos aquiuma pista importante para pensarmos o resto da produo dejustia no campo da violncia de gnero que estamos aquiproblematizando. Dito de outra maneira, o que estou procurandoconstruir uma reflexo ampliada sobre o carter de ddivaambivalente, no sentido dado por Butler (2003), e queempregamos para nos referirmos a um outro contexto que o daviolncia de gnero, pela via da judicializao e mesmo dacriminalizao (Rifiotis, 2008).

    De um modo mais amplo e aprofundado, mas que foge aoescopo deste artigo, as reflexes que estou apresentando apontampara a complexa relao entre normatividade, condutas e sujeito.Tomo como base para iniciar tal discusso a importantecontribuio de Foucault na sua anlise da moral e prticas de si(1984). Mais recentemente, Butler traz uma contribuio

    fundamental para o estudo daquela relao que mereceria umdesenvolvimento especfico no campo da violncia de gnero:

    La norma no produce al sujeto como su efecto necesario, yel sujeto tampoco tiene plena libertad para ignorar la normaque instaura su reflexividad; uno lucha invariablemente concondiciones de su propia vida que podra no haber elegido.Si en esta lucha hay algn acto de agencia o, incluso, delibertad, se da en el contexto de un campo facilitador y

    limitante de coacciones. La agencia tica nunca est deltodo determinada ni es radicalmente libre (Butler, 2009:33).

    A reviso apresentada aqui, ainda que breve, permiteafirmar que as expectativas depositadas nas mudanas normativascriam dispositivos que atuam no princpio da caixa-preta, ouseja, que eles precisam ser abertos para revelar seus modosconcretos de operao e as prticas dos sujeitos. Meu objetivo

    aqui no o de apontar um movimento na contramo dasexpectativas sociais depositadas na mudana legislativa, mas

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    destacar que os juizados especiais devem ser encarados como

    uma incgnita. As questes levantadas precisam ser aprofundadasem pesquisas voltadas s prticas de produo de justia com foconos sujeitos. Nesse sentido, os trabalhos de campo so uminstrumento privilegiado para entrarmos em contato com adimenso vivencial da produo da justia. Afinal, trata-se depensar como operam os atores, como se d a traduo danormatividade em contextos especficos e como dispositivos legais(institucionais) limitam e, ao mesmo tempo, oferecem um quadrono qual emergem sujeitos em ao.24

    IV.Consideraes finais

    Pelo que foi exposto, diremos que, antes da Lei 11340, nombito da Delegacia da Mulher, a polcia no poderia serconsiderada como uma simples correia de transmisso entre osconflitos interpessoais e o campo jurdico. As demandas levadasquelas delegacias e as prticas policiais que delas decorriam

    apontam para a possibilidade e, mesmo, a necessidade de umapluralidade de atendimentos e a sustentao de formas demediao, irredutveis na sua complexidade ao campo jurdico.Na poca da pesquisa, em resumo, a ao policial se apresentavacomo uma mediao social no interior de relaes sociais tidascomo privadas. A etnografia realizada (Rifiotis, 2004)mostrou quese tratava, em muitos casos, de demandas extrajudiciais em que seprocedia conforme uma etiqueta e regras talhadas nainformalidade e no bom-senso, por vezes, independentemente,de o caso ser de crime de ao pblica (Muniz, 1996:135). Mastambm uma demanda que colocava a necessidade de umterceiro ator no conflito interpessoal, afinal a questo da assimetria

    24 Importante lembrar que quando falo em sujeitos em ao, no pretendovoltar ao indivduo autnomo, autoconsciente, mas sim dar um passo em direo

    ao sujeito da ao em sua relao com a normatividade.

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    das relaes de poder entre os gneros subsiste como um

    elemento estruturante, a mediao policial (Rifiotis, 2004:103).Os modos de produo de justia produzidos na Delegaciada Mulher modificaram-se com a figura do termocircunstanciado, um procedimento orientado pela oralidade,simplicidade e carter informal e a celeridade processual,procurando, quando possvel, a conciliao ou a transao penal.Essa mudana permitiu uma formalizao de acordos realizadosanteriormente na Delegacia da Mulher e a abertura dapossibilidade de procedimentos de regulao que chamei demediao policial.

    De modo geral, os procedimentos observados na Delegaciada Mulher operam mostrando o carter aparente da fronteira queorganizaria a distino entre questes pblicas e privadas. Pode-seafirmar que a Delegacia da Mulher atua descortinando o carterpblico das relaes de gnero, mostrando publicamente a vidapregressa do acusado e da vtima, e instituindo um lugar para ainterveno de um terceiro na figura da delegada. Se por um lado,

    o rompimento de uma imaginada fronteira pblico-privado podeabrir caminho para a afirmao do carter poltico das relaes degnero, por outro, especificamente no campo do processamentojurdico, ela pode significar uma forma de interveno e/oucontrole sobre a qual cabe tambm uma reflexo crtica.Concretamente, decodifica-se, atravs de uma avaliao dos atosdos envolvidos, o desempenho e o ajustamento ao desempenhode papis sociais (bom pai ou bom filho, por exemplo),

    extraindo-se deles as razes que condenam ou absolvem. Assim,os dilemas entre a moralidade pblica e a moralidade privada soexplorados na produo da justia.25

    25Entendo que aqui se impe um paralelo com o trabalho inaugural de MarizaCorra em Morte em famlia (1983), e remeto o debate para o carter ambguoe flutuante da separao entre pblico e privado e a possibilidade da suaperpetuao atravs do controle social sobre a violncia de gneroinstrumentos pblicos de interveno, especialmente os jurdicos, que acabam

    por confirmar a prpria fronteira entre eles em situaes em que est em jogo o

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    Se havia crticas em relao aplicao da Lei 9099 no

    campo da violncia de gnero e se elas reforaram a luta pelaaprovao da Lei 11340, pelo menos nos primeiros anos da suaaplicao no foram marcados por uma virada significativa, masantes por processos de negociao, nas esferas jurdicasenvolvendo decises do STF, mas tambm por uma certaindeterminao na definio dos modos de interpret-lalocalmente, como mostrou a pesquisa realizada em Florianpolisentre 2008 e 2009, qual me referi anteriormente. Atualmenteestou realizando uma pesquisa que permitir discutir se estvamosnum quadro de transio, num cenrio de implantao da Lei11340, ou se h algo para alm de ajustes e que ultrapassa a ideiada aplicao da lei e nos remete aos problemas da diferenciaoentre lei-direito-justia, e produo de um resto, como estouprocurando problematizar.26

    Aqui cabe uma referncia aos trabalhos desenvolvidos porRoberto Kant de Lima (2011) que esto presentes nas minhasreflexes, mas cujo escopo ultrapassa os limites deste texto. Trata-

    se de problematizar o dizer a lei e as distintas maneiras comojuzes e juzas vm desenvolvendo os trabalhos nos Juizados deViolncia Domstica e Familiar contra a Mulher, como observadosnas nossas pesquisas atuais. O trabalho de doutorado de ReginaLcia Teixeira Mendes da Fonseca (2008), orientado por RobertoKant de Lima, tratando das representaes de juzes brasileirossobre o princpio do livre convencimento motivado, traz uma

    modelo moral das relaes de gnero. As fronteiras certamente flutuam, parausar uma expresso de Susana Moller Okin (2008), e a interveno normativapode contribuir para redirecion-lo, mas estas pesquisas parecem mostrar quenem sempre ela atua nesse sentido.26 H um conjunto significativo de trabalhos realizados sobre os Juizados deViolncia Domstica e Familiar contra a Mulher que trazem importantescontribuies para pensar a questo da transio e das possibilidades abertaspela Lei 11340 (Menghel et al, 2013; Campos, 2011; Maciel, 2011; Abadala et

    al, 2011; Pougy, 2010; Pasinato, 2010).

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    afirmao que coloca com particular clareza o problema que

    estava entrevendo na pesquisa de campo:A liberdade na formao de convico concedida aosjulgadores pela lei outorga-lhes [juzes], entretanto, ahegemonia de dizer o direito, o que lhes assegura galgarposio de absoluta supremacia quanto ao poder de, defato, dizer o direto em suas decises, o que contribui paraofuscar o prestgio do doutrinador (Fonseca, 2008:26).

    E a autora continua concluindo que:Tal situao colabora para fragilizar os consensos sobre asnormas jurdicas, que, assim debilitadas, j que objeto devrias interpretaes, no alcanam entendimento unvocointernamente no campo, nem mesmo se apresentam emcondies de serem internalizadas nos cidados, ou seja, deserem normalizadas na sociedade () (Fonseca, 2008:26-27).

    A tenso entre a formao de consensus entre os juzes e oseu livre convencimento fundamental para a anlise do modo deproduo de justia no Brasil. Porm, considerando asindeterminaes, incertezas e o carter contingente das prticasobservadas antes da Lei 11340nas delegacias da mulher de JooPessoa e Florianpolis comparadas com o que observamos aps aLei 11340no Juizado da Violncia Domstica e Familiar contra aMulher de Florianpolis, a anlise do modo de produo dejustia parece ganhar um novo sentido. O que refora a tese queaqui defendo de que no se trata simplesmente de um momentode transio ou de resistncias dos operadores, mas de umresto na produo da justia. Lembrando que resto no apenas o que sobrou do processamento judicirio, mas algo queno est previsto pela mquina com potencial contnuo deproduo de sujeitos, no est previsto na lei. Na abordagem queestou desenhando, a via do estudo de como a norma

    internalizada, ou melhor, como ela se inscreve na produo de

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    sujeitos um caminho promissor para a reflexo no campo da

    justia que tenho tentado explorar a partir da perspectiva analticade Butler (2009).Outro aspecto relevante a ser lembrado que os modos de

    produo de justia no se restringem ao campo das prticasjurdicas, estando sempre atravessados pela dimenso polticaprpria do campo das lutas sociais por direitos. De fato, comobem pontua Dbora Alves Maciel (2011) no seu artigo sobre amobilizao social realizada para a que Lei Maria da Penha fosseaprovada, acerca de uma politizao importante da sociedadebrasileira e o reconhecimento da violncia de gnero como umaquesto da agenda social brasileira contempornea. A perspectivada politizao da justia, j defendida por Guita Grin Debert eMaria Filomena Gregori (2008), uma dimenso chave doprocesso e no deve ser negligenciada em hiptese alguma,evitando-se assim uma naturalizao dos processos sociais emcurso e a negao da agncia dos atores sociais no processo deproduo da vida social. Maciel, no mesmo artigo, nos prope um

    balano muito oportuno e adequado desse campo de estudos:

    A produo acadmica sobre a Lei Maria da Penha, porsua vez, tem se mantido circunscrita ao debate sobre aJustia Criminal. Os estudos problematizam seja a eficciada criminalizao de conflitos domsticos e familiares dianteda peculiaridade dessas relaes sociais (Izumino, 2003,2007; Debert, 2006; Debert e Gregori, 2008;), seja a adequaode solues penalizadoras em face da tendncia de

    informalizao e despenalizao da Justia Criminal(Azevedo e Celmer, 2007; Azevedo, 2001; Amorim, 2003). Nessesentido, a dimenso instrumental do direito para amudana social tem sido privilegiada em detrimento da suadimenso estratgica e simblica para a ao coletiva.Questes analticas e empricas sobre os processos demudana legal, impulsionados por grupos e movimentossociais, permanecem pouco investigadas: quando, por quee como ativistas tomam normas jurdicas e tribunais como

    recurso e estratgia de mobilizao? Quais condies as

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    tornam bem ou malsucedidas do ponto de vista dosobjetivos polticos dos movimentos? (Maciel, 2011:98)

    Sem dvida, h uma concentrao de estudos no campo daJustia Criminal e na dimenso instrumental do direito, e, por essamesma razo, me parece amplamente justificado e oportuno otrabalho de Maciel de resgate da ao coletiva envolvida nacampanha da Lei Maria da Penha e em lutas por reconhecimentode direitos. Porm, os estudos sobre as prticas de justia no soalheios ao campo poltico, mesmo aqueles que, como este, no

    focam diretamente nas dinmicas das lutas sociais e de seusatores. Eles se inscrevem, explicita ou implicitamente, como vozesque repercutem as lutas sociais na sua dimenso estratgica esimblica. Afinal, as mudanas normativas so um veculofundamental de mudanas sociais, e os resultados de taisnormatividades tm consequncias simblicas, sobretudo quandoobservadas nas prticas correntes dos seus atores quecotidianamente e, em aes concretas, do vida s instituies e

    normas. Alis, o prprio processo de debates para a construonormativa e sua aplicao, bem como os debates internos dopoder judicirio tm valor instrumental incontestvel tambm nosentido de dar visibilidade questo de gnero.

    No meu entendimento, a anlise do processo dejudicializao no Brasil no pode prescindir da compreenso deque a violncia de gnero uma categoria que traduz umaquesto central das sociedades contemporneas, especialmente noque concerne a equidade de gnero e acesso justia. Ela podeser considerada um cone das lutas feministas desde os anos 80 dosculo passado (Rifiotis, 2008:227). uma questo ao mesmotempo local e global, internacionalizada pelo movimentofeminista, que toma formas locais, as quais, na maior parte dasvezes, tm um estreito vnculo com o campo jurdico.27

    27 O que distingue a experincia brasileira , sem dvida, o formato de uma

    delegacia especialmente dedicada ao atendimento de mulheres, em vez de

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    nesse sentido que entendo os estudos de produo da

    justia, sem que eles sejam exclusivamente uma questo delegisladores, textos normativos, instituies e operadores dodireito. 28 Portanto, o estudo dos modos de produo de justiapossibilita um retorno importante sobre a efetividade eadequao de mecanismos jurdicos disponveis, contribuindoassim com os prprios movimentos sociais na avaliao dosmecanismos criados, suas limitaes, dilemas, etc. Mas tambmnos informa sobre os modos de apropriao das leis e dasinstituies feitas pelos atores sociais. A efetividade depende emgrande parte de uma previso de recursos oramentrios o quetemos observado que na prtica poltica brasileira compe umaespcie de segundo campo de luta para os movimentos sociaisalcanarem os objetivos pretendidos com mudanas normativas ,de sua institucionalizao e, no limite, da sua aplicao pelosprprios operadores jurdicos e pelos sujeitos envolvidos como umtodo. De tal modo que os prprios estudos contribuem tambmpara a releitura das estratgias e da pauta da agenda poltica. O

    que representa a entrada na cena poltica das pesquisas comointerveno social, e da agenda poltica na pesquisa.29

    Avaliar as continuidades e descontinuidades que a Lei Mariada Penha pode vir a produzir uma questo central e da maior

    diretivas especficas. Na realidade, esse tipo de instituio existe em vrios outrospases da Amrica Latina.28Entendo a importncia da questo levantada e quando a reafirmo estoudestacando a necessria complementaridade entre os diversos tipos de estudo.Afinal, como mostram J.Roberts e A.Pires (1992), num artigo sobre as mudanasdo cdigo penal canadense em 1983 no campo das agresses sexuais, com umaumento das penas e a eliminao das categorias estupro e atentado aopudor e seus vieses sexistas, ela produz uma ambiguidade simblica,constatada a partir da diminuio das penas aplicadas nos tribunais sob a gideda mudana no cdigo penal.29 Considerando a importncia social da temtica e seu carter internacional,estou trabalhando, em cooperao com Sonia Gauthier e Lyse Montminy daUniversidade de Montreal, num projeto comparativo Brasil e Canad sobre as

    prticas sociojudicirias no campo da violncia de gnero.

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    atualidade no Brasil. Tirar lies da experincia nas delegacias da

    mulher uma questo de memria social das formas de produode justia. Se h mrito em voltar, nesse momento, s prticas dejustia da Delegacia da Mulher justamente o de sublinhar que apluralidade de formas e instncias fundamental no campo dainterveno social na luta contra a violncia contra as mulheres. E,frente a tal cenrio, devo trabalhar intensivamente na pesquisa decampo nos Juizados da Lei Maria da Penha e as prticas atuais daDelegacia da Mulher, e, talvez, reavaliar a prpria noo deefetividade da lei.

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