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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
VIOLÊNCIA CONTRA A TERCEIRA IDADE
Por: Elaine Cristina Silva de Souza.
Orientador
Prof. Nilson Guedes de Freitas.
Rio de Janeiro
2004
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
VIOLÊNCIA CONTRA A TERCEIRA IDADE
Apresentação de monografia à Universidade Candido
Mendes como condição prévia para a conclusão do Curso
de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Terapia de Família.
Por: Elaine Cristina Silva de Souza.
Rio de Janeiro
2004
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a Deus e a minha família, que
tanto fez por mim e continua fazendo até hoje...
RESUMO Maus-tratos aos idosos no Brasil e no mundo, sua definição e tipos de violência, indicadores da violência e providências a serem tomadas. Estas são as questões centrais deste estudo que tem por objetivo fazer um levantamento bibliográfico sobre este tema, sugerindo para a resolução do problema a prevenção do seu surgimento e a capacitação dos agentes de saúde no sentido de identificar estes casos. Para tal estudo foram eleitos, dentre outros, os seguintes e principais autores: Hilton Shweder Lynch, Cantera e Domingo e Sengstock & O’Brien. Em caráter complementar, no sentido de enriquecer o trabalho, falou-se da Terceira Idade nos dias atuais, ou melhor dizendo, do aumento da expectativa de vida. Falou-se também do Estatuto do Idoso, dos cuidados e necessidades da família e do Mal de Alzheimer, uma doença que interfere diretamente na dinâmica familiar. O procedimento metodológico foi constituído basicamente de pesquisa bibliográfica, observação do objeto de estudo através de prestação de serviço voluntário no Abrigo Cristo Redentor e visita a Delegacia do Idoso, onde funciona o Ligue-Idoso. Palavras-chaves: Maus-tratos a idosos. Terceira idade no Brasil. Idoso dependente.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 01
1. A Terceira Idade no Brasil .......................................................................... 03
2. O Idoso Dependente no Contexto Familiar ................................................ 14
3. Violência Contra a Terceira Idade .............................................................. 23
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 37
ANEXOS.................................................................................................................... 39
BIBLIOGRAFIA .........................................................................................................40
ÍNDICE ...................................................................................................................... 41
FOLHA DE AVALIAÇÃO ....................................................................................... 43
INTRODUÇÃO
Esta monografia, que tem como objetivo geral fazer um levantamento
bibliográfico acerca da violência contra a terceira idade, vem tratar desta questão
entendendo esta violência como qualquer tipo de negligência, discriminação, crueldade
ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão.
Ao longo das duas últimas décadas, cerca de quatro em cada cem idosos
brasileiros faleceram em decorrência de causas externas - relativas a agressões,
acidentes, traumas e lesões. Esse dado é apresentado em artigo da edição de Junho/2003
dos Cadernos de Saúde Pública, revista publicada pela Escola Nacional de Saúde
Pública (Ensp) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). "Seis unidades da Federação
destacam-se como as mais violentas para idosos: Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do
Sul, Rondônia, Roraima e Rio de Janeiro, com taxas que variam de 133,7 a 249,5 óbitos
por 100 mil habitantes", afirma Maria Cecília de Souza Minayo, da Ensp, no artigo. No
Rio, por exemplo, segundo levantamento das denúncias recebidas pelo Ligue-Idoso, de
1999 até 2002 foram registradas 3.897 queixas de violência contra idosos, incluindo
maus-tratos (a maioria dos casos), desrespeito e desaparecimento.
Faz-se necessário que a família e a sociedade entendam a pessoa idosa em seu
processo de vida, de transformação, conhecendo suas fragilidades e limites. Essa
conscientização seguida da aplicação de penalidades severas para quem violar os
direitos dos idosos poderá vir a ser uma solução para este problema.
O procedimento metodológico foi constituído de ampla pesquisa bibliográfica,
além de prestação de serviço voluntário no Abrigo Cristo Redentor e visita à Delegacia
do Idoso. Neste último, apesar de ter obtido dados relevantes sobre o tema, não foi
permitida a revelação dos dados estatísticos referentes às denúncias de maus-tratos.
Demograficamente, o envelhecimento populacional é uma linha contínua
ascendente e acelerada. O primeiro capítulo vem situar o lugar do idoso na sociedade
brasileira, explicando o aumento da expectativa de vida, recentemente constatado por
meio de pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
O Estatuto do Idoso, há pouco aprovado, vem assumir um papel importante neste
contexto mas, será este Estatuto uma garantia da efetivação dos direitos dos idosos ou
será apenas mais uma Lei? O que é necessário para que esta Lei se torne uma realidade
em todo o nosso País?
Num segundo momento o estudo vem falar do impacto que um idoso dependente
gera na dinâmica, na economia familiar e na saúde dos membros da família que se
ocupam dos cuidados. As transições nas famílias de idosos ocorrem no momento em
que papéis e responsabilidades começam a se transferir entre as gerações, quando os
filhos percebem que os pais recorrem a eles para apoio emocional e outras formas de
ajuda. O Mal de Alzheimer, que gera uma situação de dependência, torna o paciente
confuso e muitas vezes agressivo, o que ocasiona um desgaste emocional em toda a
família. Nestes casos de dependência, o Estado dispõe de alguma política que ofereça
suporte emocional e psicológico a essa família? Que medidas poderiam ser adotadas
para uma melhoria na qualidade de vida, tanto para os idosos quanto para esta família?
O terceiro e último capítulo aborda a questão principal deste estudo, ou seja, os
maus-tratos aos idosos, que se classificam, de modo geral, em quatro tipos: físico,
psicológico, negligência e financeiro. O estudo menciona a definição desta violência, os
meios para identificá-la e as providências a serem tomadas. Os estudos de Lynch
(1997) foram de grande importância para a realização deste trabalho, tamanha a
grandiosidade de suas obras. Ele cita que, por ano, mais de dois milhões de idosos são
vítimas de violência nos Estados Unidos. Neste capítulo veremos como se caracteriza
esta violência aqui no Brasil e quais as suas dimensões.
Esta pesquisa representa um estímulo para a elaboração de novos estudos sobre e
tema, além do fato de estar levando ao conhecimento da sociedade um assunto de
extrema relevância.
1. A TERCEIRA IDADE NO BRASIL
O Brasil está envelhecendo. E o mundo, focado no clichê “precisamos nos
preocupar com o futuro dos jovens”, acabou se “esquecendo” de que também é preciso,
sim, preocupar-se com aqueles que chegam à “idade de ouro”, que tanto já contribuíram
para o desenvolvimento e o crescimento do nosso país.
Embora importante, a aprovação pelo Congresso Nacional do Estatuto do Idoso
mostra que infelizmente no Brasil, em pleno século 21, ainda precisamos de leis para
garantir direitos básicos, como respeito e cidadania. Os idosos não querem esmola, nem
filantropia; querem respeito, querem poder viver com dignidade, como qualquer ser
humano. E esse respeito deve ir além das garantias legais, deve ser um legado moral de
toda a sociedade para aqueles que ajudaram, de uma forma ou de outra, a construir esta
nação.
1.1 – A Terceira Idade Hoje
Estamos no terceiro milênio, e o mundo caminha para um
envelhecimento acelerado. Mundialmente a proporção de idosos está aumentando.
Hoje, a população mundial é de aproximadamente seis bilhões de pessoas, das
quais, cerca de 580 milhões (9,8%) tem mais de sessenta anos. Até o ano de 2025,
perto de 14% da população será considerada idosa, e a proporção de pessoas
muito idosas (75 anos ou mais) representará um grupo em crescimento (apud in
IBGE, 2003, Relatório Anual).
Este envelhecimento populacional ocorre devido a dois fatores principais
que são: o declínio da mortalidade, principalmente a infantil, e a queda da
natalidade. Com o avanço da medicina, maior acesso a serviços de educação e
saúde, antibióticos, vacinas, nutrição adequada e saneamento, a expectativa de
vida do ser humano tem aumentado.
O fenômeno do envelhecimento populacional se originou em países do
primeiro mundo, tendo como exemplo a França e a Inglaterra.
A proporção de idosos cresce mais rápido nos países ricos, podemos dizer
que este crescimento se deve ao desenvolvimento, pois a partir da Revolução
Industrial a população destes países passaram a viver melhor, com boas condições
ambientais e nutricionais, diminuindo assim a mortalidade prematura. Com o
aumento do nível educacional, a taxa de natalidade também diminuiu.
Nos países em desenvolvimento, o aumento da população idosa resulta mais
das tecnologias de saúde do que do próprio desenvolvimento. Com o avanço da
medicina, as vacinas e os antibióticos tornaram possível o tratamento de doenças
que dizimavam populações nas primeiras décadas deste século. Hoje, mesmo as
pessoas que vivem em situações precárias, têm condições de atingir a idade da
velhice.
Geralmente associamos os problemas do processo de envelhecimento aos
países desenvolvidos, pois o deslocamento geográfico ocorreu em grande parte no
século passado, e já vem merecendo atenção nos últimos vinte anos. Porém um
fato novo, e que não tem recebido a atenção devida é em relação aos países de
terceiro mundo, mais da metade de todas as pessoas que atingem a idade de 60
anos, vive em países do terceiro mundo. Até 2025, a estimativa é que três quartos
da população idosa do mundo estarão vivendo em países menos desenvolvidos.
É importante que os países que estão se tornando velhos aprendam com o
processo já ocorrido nos países desenvolvidos, e tentam se adaptar a este novo
fenômeno de pessoas vivendo mais.
Diferenças significativas têm sido identificadas entre regiões muito
desenvolvidas e regiões pouco desenvolvidas. Ao mesmo tempo em que um, entre
cinco europeus tem hoje, sessenta anos ou mais de idade, na África apenas um de
cada vinte africanos pertence à mesma faixa etária.
Os contrastes apresentados na população idosa que faz parte do Terceiro
Mundo, são muito preocupantes, e estes são associados à miséria, à discriminação.
Se não houver transformações sócio-econômicas visando uma melhor qualidade
de vida aos idosos e aqueles que se encontram em processo de envelhecimento, o
impacto dos problemas causados pelo grau de crescimento etário será sem dúvida
alarmante num futuro próximo.
O Brasil, há quatro décadas atrás, não se preocupava com o envelhecimento
da sua população, pois apresentava uma estabilidade em sua estrutura etária. É a
partir da década de 60 que esta estrutura começa a se alterar, estreitando
progressivamente a base da pirâmide populacional.
Na década de 30, as doenças infecciosas e parasitárias eram responsáveis
por quase metade das causas de óbitos nas capitais brasileiras, doenças como
sarampo, tuberculose, eram responsáveis por grande números de óbitos entre a
população. O processo de declínio rápido da mortalidade iniciou-se a partir de
1940 com o advento dos antibióticos, juntamente com saneamento básico e
medidas de higiene, que levaram a população a se preocupar e a prevenir estas
doenças. Este declínio se prolongou até a década de 70, em dez anos a taxa de
mortalidade caiu 13%, com isto a esperanças de vida aumentou 4 anos para os
homens e 6,8 anos para as mulheres.
Outro fenômeno que podemos perceber hoje, em relação a redução do
número de jovens, são as novas categorias, várias doenças foram erradicadas com
o avanço da medicina, mas o progresso histórico trouxe junto com ele novas
doenças como a AIDS e o consumo de drogas que assumiram dimensões
assustadoras em nossa sociedade. A droga, além dos malefícios diretos que
causam ao organismo, ainda é responsável também pela violência urbana, que tem
aumentado a cada dia, tirando a vida de um grande número de jovens brasileiros.
A proporção de jovens diminuiu, houve a redução nas taxas de natalidade, e
a redução da mortalidade aumentou a longevidade. Estes fatores determinaram o
envelhecimento da população, causando uma mudança na pirâmide etária da
população brasileira entre 1940 e 1991.
O Brasil não é mais um país de jovens. O Brasil é um país com muitos
jovens, mas que envelhece rápido e drasticamente, causando grandes impactos.
Em 1970, o país tinha 4,7 milhões de pessoas com mais de sessenta anos (o que
representava 5,05% da população total); em 1980, já eram 7,2% milhões (6,06%);
em 1991 a população de idosos cresceu para 10,7 milhões (7,30%). A projeção
para o ano 2020 é de 27,2 milhões de idosos (13,57%), (apud in IBGE, 2003,
Relatório Anual).
Estes dados colocam o Brasil entre os dez países com maior população de
idosos do mundo, estima-se que em 2025 terá chegado ao sexto lugar, com a
assombrosa quantidade de 31,8 milhões de idosos.
Frente a esta situação, podemos concluir que o Brasil está diante de um
desafio, pois a população economicamente ativa, cresce menos do que a
população de idosos. Portanto torna-se urgente à realização e eficácia na
elaboração das políticas, planos, programas e projetos pertinentes à terceira idade,
levando em consideração as características estruturais da pessoa idosa,assim como
as diferenças regionais, contrastes e desigualdades econômicas e sociais presentes
em nossa sociedade.
Diante desse processo de envelhecimento populacional que se observa no
Brasil, resta-nos saber o que o governo e a sociedade têm feito para atender este
novo fenômeno, como ficará a situação destes idosos que estão vivendo mais?
Com que qualidade de vida estes anos a mais serão vividos?
Não podemos dizer que no Brasil existe um verdadeiro programa de ação
destinado à população idosa. Só a partir dos anos 70 é que a sociedade parece
tomar consciência do seu próprio envelhecimento. Até então os idosos eram uma
população inexpressiva e “muda”, pois não era representada por nenhuma
organização sindical e ocultada pela ideologia de um país jovem.
Desde o agravamento da questão social, a problemática da velhice vem se
constituindo e também a sua marginalização. Carentes de programas assistenciais,
a população idosa só podia contar com a família e os com os asilos, estes
geralmente eram instituições de caridade dirigidos por religiosos ou por leigos.
Muitos idosos eram deixados e esquecidos em asilos, que eram vistos por muitos
como “depósito de velhos”, que não buscava nenhum meio de integração com a
sociedade, eram deixados lá para morrer. Hoje se tenta mudar esta concepção de
asilo, ele tem deixado de ser a única solução para os problemas do
envelhecimento. Vem pouco a pouco se organizando sob a influência de
profissionais, priorizando o atendimento domiciliar e o convívio com a família.
O número de idosos brasileiros era reduzido, em razão da baixa expectativa
de vida no país, tendo em vista a própria condição de subsistência. Só a partir de
1973, que o Ministério da Previdência Social realiza um Estudo Exploratório,
onde comprova o aumento da população idosa, e este crescimento requer medidas
urgentes da Política social.
A partir de 1974, o Governo Federal começou a se preocupar de fato com o
problema do envelhecimento, criando leis, programas e projetos voltados para a
terceira idade, como Por exemplo alguns que relacionaremos abaixo:
- Renda Mensal vitalícia
- PAI (Programa de Assistência Ao Idoso)
- LBA ( Legião Brasileira de Assistência)
- PAPI (Projetos de Apoio À Pessoa Idosa)
- SESC ( Serviço Social do Comércio)
- SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia)
- MOPI (Movimento Pró-Idoso)
- ACEPI (Associação Cearense Pró-Idoso)
- NETI ( Núcleo de Estudos da Terceira Idade)
Como podemos perceber, muitos projetos, programas e leis foram criados,
tanto em nível governamental, como em instituições privadas. Muitos programas
bons, e outros medíocres, muitos projetos sem execução, e muitos sem
continuação, o causa decepção e frustração para o idoso que não tem o retorno
esperado.
Só a partir da constituição Federal de 1988, é que o segmento da terceira
idade passa a conquistar alguns direitos específicos. Conhecida como Constituição
Cidadã, a Constituição de 1988 inova em vários aspectos sociais, principalmente
no que diz respeito à descentralização político-administrativa, distribuindo
melhor competência entre o Poder Central (União) e os poderes regionais
(Estados) e locais (Municípios).
O crescimento populacional representado pelos idosos, constatados nas
últimas décadas, levou os órgãos competentes a uma preocupação em relação à
legislação. Foi a partir desta constatação e da conscientização e organização dos
próprios idosos, que no período pré-constituinte foram realizados vários encontros
e jornadas para discutir a problemática do idoso no Brasil. A participação ativa
deste contingente populacional trouxe inúmeros ganhos na elaboração da Carta
Magna de 1988. Este foi sem dúvida o primeiro passo para o reconhecimento dos
idosos brasileiros, pois durante quase todo o século XX, este segmento da
sociedade vem sofrendo um processo de exclusão enquanto sujeito econômico,
político e social, só a partir desta Constituição é que este passa a ser reconhecido
como um segmento portador de direitos.
A legislação expressa este reconhecimento através de duas Leis criadas
recentemente que são: Lei Orgânica de Assistência Social (Lei nº 8742, de 7 de
Dezembro de 1993), e a Política Nacional do Idoso (Lei nº 8842, de 4 de janeiro
1994) e sua regulamentação (Decreto nº 1948, de 3 de julho de 1996)
Estas duas Leis são o que de fato os idosos conquistaram legalmente, mas
que ainda deixam muito a desejar, pois se formos analisarmos cada uma delas,
veremos que no caso da LOAS, o que deveria ser um grande avanço para a
população idosa como cobertura de direitos e proteção social, acabou
estabelecendo critérios que restringe visivelmente o acesso do benefício aos
idosos, pois o processo seletivo para obter o benefício mais exclui o beneficiado
do que inclui.
A Política Nacional do Idoso teoricamente parece um plano quase perfeito,
mas um dos fatores que dificulta a implantação da PNI, é em relação ao
orçamento, pois na sua elaboração não foi definida uma verba própria para a sua
operacionalização. Se esta política for implementada na sua totalidade, com
certeza será um grande avanço para os idosos.
Outras duas conquistas de importante significado foram o projeto de Lei nº
3.511/97, que instituiu o 1º de Outubro como o Dia Nacional do Idoso e o Estatuto
do Idoso, que será abordado no capítulo seguinte, recentemente sancionado pelo
Presidente Luís Inácio Lula da Silva.
Muita coisa foi feita em relação à terceira idade no Brasil, mas devido ao
número de idosos cada vez maior, estas ações se tornam quase insignificantes, por
isso a necessidade do próprio idoso conhecer a sua situação enquanto indivíduo
integrante desta sociedade para então poder fazer valer os seus direitos já
conquistados e conquistar muitos outros.
1.2 – Estatuto do Idoso – Uma Nova Conquista?
Após sete anos de tramitação no Congresso, finalmente o Estatuto do Idoso, de
autoria do senador Paulo Paim, do Rio Grande do Sul, foi aprovado em setembro de
2003, sancionado pelo presidente da República Luis Inácio Lula da Silva no mês
seguinte e entrou em vigor no primeiro dia do ano de 2004, garantindo a cidadania e
resguardando os direitos dos que possuem mais de 60 anos de idade. Mais abrangente
que a Política Nacional do Idoso, lei de 1994 que dava garantias à terceira idade, o
estatuto institui penas severas para quem desrespeitar ou abandonar cidadãos da terceira
idade. Abaixo, os principais pontos do Estatuto:
1.2.1. - Saúde
• O idoso tem atendimento preferencial no Sistema Único de Saúde (SUS).
• A distribuição de remédios aos idosos, principalmente os de uso continuado
(hipertensão, diabetes etc.), deve ser gratuita, assim como a de próteses e
órteses.
• Os planos de saúde não podem reajustar as mensalidades de acordo com o
critério da idade.
• O idoso internado ou em observação em qualquer unidade de saúde tem direito a
acompanhante, pelo tempo determinado pelo profissional de saúde que o atende.
1.2.2 - Transportes Coletivos
• Os maiores de 65 anos têm direito ao transporte coletivo público gratuito. Antes
do estatuto, apenas algumas cidades garantiam esse benefício aos idosos. A
carteira de identidade é o comprovante exigido.
• Nos veículos de transporte coletivo é obrigatória a reserva de 10% dos assentos
para os idosos, com aviso legível.
• Nos transportes coletivos interestaduais, o estatuto garante a reserva de duas
vagas gratuitas em cada veículo para idosos com renda igual ou inferior a dois
salários mínimos. Se o número de idosos exceder o previsto, eles devem ter 50%
de desconto no valor da passagem, considerando-se sua renda.
1.2.3 - Violência e Abandono
• Nenhum idoso poderá ser objeto de negligência, discriminação, violência,
crueldade ou opressão.
• Quem discriminar o idoso, impedindo ou dificultando seu acesso a operações
bancárias, aos meios de transporte ou a qualquer outro meio de exercer sua
cidadania pode ser condenado e a pena varia de seis meses a um ano de reclusão,
além de multa.
• Famílias que abandonem o idoso em hospitais e casas de saúde, sem dar
respaldo para suas necessidades básicas, podem ser condenadas a penas de seis
meses a três anos de detenção e multa.
• Para os casos de idosos submetidos a condições desumanas, privados da
alimentação e de cuidados indispensáveis, a pena para os responsáveis é de dois
meses a um ano de prisão, além de multa. Se houver a morte do idoso, a punição
será de 4 a 12 anos de reclusão.
• Qualquer pessoa que se aproprie ou desvie bens, cartão magnético (de conta
bancária ou de crédito), pensão ou qualquer rendimento do idoso é passível de
condenação, com pena que varia de um a quatro anos de prisão, além de multa.
1.2.4. - Entidades de Atendimento ao Idoso
• O dirigente de instituição de atendimento ao idoso responde civil e
criminalmente pelos atos praticados contra o idoso.
• A fiscalização dessas instituições fica a cargo do Conselho Municipal do Idoso
de cada cidade, da Vigilância Sanitária e do Ministério Público.
• A punição em caso de mau atendimento aos idosos vai de advertência e multa
até a interdição da unidade e a proibição do atendimento aos idosos.
1.2.5 - Lazer, Cultura e Esporte
• Todo idoso tem direito a 50% de desconto em atividades de cultura, esporte e
lazer.
1.2.6 - Trabalho
• É proibida a discriminação por idade e a fixação de limite máximo de idade na
contratação de empregados, sendo passível de punição quem o fizer.
• O primeiro critério de desempate em concurso público é o da idade, com
preferência para os concorrentes com idade mais avançada.
1.2.7 - Habitação
• É obrigatória a reserva de 3% das unidades residenciais para os idosos nos
programas habitacionais públicos ou subsidiados por recursos públicos.
1.2.8 - Benefício de Prestação Continuada
• O estatuto determina a redução de 67 para 65 anos do limite de idade para que
uma pessoa carente tenha direito ao benefício de um salário mínimo estipulado
pela Lei Orgânica da Assistência Social.
O Estatuto do Idoso não deixa de ser uma conquista importante da população idosa,
mas longe de ser aplicado plenamente, tamanha a falta de informação por parte da
maioria dos idosos. Não está sendo aplicado, pois muitos idosos não sabem dos seus
novos direitos. Não sabem por exemplo, que possuem prioridade na Justiça e em
qualquer fila, até da padaria. Como o idoso não tem conhecimento, muitos
estabelecimentos onde se formam filas ‘fingem que não estão nem aí´’ e tudo continua
na mesma, como se o estatuto não servisse para nada.
O que está acontecendo também é que alguns pontos do estatuto ficaram confusos e
precisam ser regulamentados pelos governos federal, estadual e municipal. Enquanto
isso não acontece, direitos dos idosos estão sendo desrespeitados. Pelo estatuto, por
exemplo, idosos com mais de 60 anos possuem direito a pagar meia-entrada em
atividades e promoções culturais, de lazer e esportivas. Só que, o idoso chega no cinema
e alegam para ele, que a lei ainda não foi regulamentada e portanto ele ainda não tem
direito a esse benefício.
Outro ponto se refere ao transporte interestadual. O estatuto prevê que as empresas
têm de reservar gratuitamente pelo menos dois lugares para idosos que comprovem ser
carentes. Caso o idoso chegue na empresa e os dois locais já estejam preenchidos, ele
possui direito de comprar a passagem pela metade do preço. Só que o estatuto não diz
como o idoso deve comprovar idade e carência para obter transporte interestadual de
graça. Então, as empresas não cumprem o que determina o estatuto.
O Governo, pelo estatuto, tem de distribuir remédios, principalmente os chamados
continuados, de graça aos idosos. Só que o idoso chega no posto de atendimento e o
remédio não existe, está em falta. O que fazer?
Para que o Estatuto do Idoso funcione em sua íntegra é necessário haver informação.
A sociedade tem de estar informada, começando pelas escolas, que reúnem os idosos de
amanhã. E ao Ministério Público, por sua vez, cabe fiscalizar e exigir o cumprimento da
lei.
2. O IDOSO DEPENDENTE NO CONTEXTO FAMILIAR
A dependência de um familiar idoso gera impacto na dinâmica, na economia
familiar e na saúde dos membros da família que se ocupam dos cuidados. Por outro
lado, é necessário pensar nos idosos que não têm uma família para assumir os cuidados
necessários em situações de dependência.
2.1 – Cuidados e Necessidades da Família
A família predomina como alternativa no sistema de suporte informal aos
idosos. Entretanto, é preciso destacar que, embora o cuidado familiar seja um aspecto
importante, ele não se aplica a todos os idosos. Existem idosos que não têm família. Há
outros cujas famílias são muito pobres ou seus familiares precisam trabalhar e não
podem deixar o mercado de trabalho para cuidar deles.
O fato de morar só, para o idoso, tem sido associado a um decréscimo na
qualidade de vida, agravamento da morbidade e, até mesmo, indicador de risco de
mortalidade. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição (1990), mais de
10% da população idosa brasileira morava sozinha, com a maior proporção recaindo
sobre as mulheres, em especial as de 80 anos e mais que residiam na zona rural (23%).
Portanto, diferentemente dos países norte-americanos e europeus, a maioria dos idosos
brasileiros mora com a família. Ainda baseada na pesquisa, Anderson (1997) destaca,
em seu estudo sobre saúde e condições de vida do idoso no Brasil, que grande parte da
população, principalmente nos grandes centros urbanos, reside em domicílios com um
número restrito de cômodos que, cada vez mais, diminuem de tamanho,
comprometendo as condições de conforto e privacidade do idoso. Mais de 85% dos
idosos no Brasil vivem em domicílios onde existe a presença de parentes e somente uma
pequena parte desses idosos (11,6%) vive sozinha ou com pessoas sem nenhum laço de
parentesco.
Estudos sobre transferências intergeracionais têm mostrado que, entre as
famílias mais pobres, os idosos contribuem com o seu rendimento da aposentadoria para
o orçamento domiciliar. Essa contribuição tem papel importante nas estratégias de
sobrevivência do grupo doméstico. No entanto, embora o idoso brasileiro nos estratos
mais pobres da população contribua com sua renda para o sustento da família, nem
sempre ele recebe o respaldo de que necessita, tanto por ser insuficiente o recurso
quanto pelas dificuldades que a família encontra para dele cuidar. Um cuidado que se
apresenta de forma inadequada, ineficiente ou mesmo inexistente, é observado em
situações nas quais os membros da família não estão disponíveis, estão despreparados
ou estão sobrecarregados por essa responsabilidade. Nesse contexto, existe a
possibilidade concreta de serem perpetrados abusos e maus-tratos. Portanto, é
necessário lembrar que, embora a legislação e as políticas públicas afirmem e a própria
sociedade acredite que os idosos devam ser cuidados pela família (por questões morais,
econômicas ou éticas), não se pode garantir que a família prestará um cuidado
humanizado.
Para acompanhar o fluxo de tais mudanças são imprescindíveis programas e
serviços para idosos. Essas ações são urgentes e necessárias, pois muitos idosos
isolados, dependentes e abandonados necessitam de alternativas à assistência familiar de
que não dispõem.
A família apresenta necessidades que vão desde os aspectos materiais até os
emocionais, passando pela necessidade de informações. O aspecto material inclui
recursos financeiros, questões de moradia, transporte e acesso a serviços de saúde. Por
outro lado, essa família-cuidadora necessita de informação sobre como realizar os
cuidados, incluindo a adaptação do ambiente ao idoso. Além disso, são importantes o
suporte emocional, uma rede de cuidados que ligue a família aos serviços de apoio e
meios que garantam qualidade de vida aos cuidadores principais.
Medeiros (1998) aborda um aspecto de grande relevância para a questão do
financiamento da assistência ao idoso dependente. Trata-se da transferência do papel da
seguridade social para as famílias. Os benefícios previdenciários constituem o
substitutivo da renda do trabalho humano, quando este não pode mais ser exercido
diante do surgimento de um risco social ou profissional. Essa proteção social no Brasil
está assegurada pela Previdência Social. Medeiros ainda define Previdência Social
como "...um agente de equilíbrio social que tem o objetivo de assegurar recursos para a
manutenção do indivíduo e seus familiares nos casos de riscos ou contingências sociais,
determinados por morte, incapacidade, velhice, invalidez, desemprego ou reclusão". A
autora prossegue afirmando que a garantia dessa proteção está em questão porque, em
conseqüência da transição demográfica, houve um aumento da expectativa de vida e,
conseqüentemente, uma ampliação do número de pessoas que recebem benefícios, sem
que tenha aumentado, na mesma proporção, o número de contribuintes. Hoje, a
proporção é preocupante: para cada 2,3 contribuintes existe uma pessoa recebendo
benefício mensalmente.
Percebe-se então que a seguridade social, que objetiva garantir a saúde, a
previdência e a assistência social (Constituição Federal Brasil, 1988), não tem
conseguido cumprir seu papel, transferindo-o para os cidadãos e fazendo recair sobre a
família a cobertura de suas falhas. Por sua vez, a família desse paciente idoso
dependente, que recebe os baixos benefícios previdenciários do paciente (aposentadoria,
pensão ou benefício de auxílio-doença), não consegue arcar com os custos do cuidado.
Ainda que se considere a dificuldade de financiamento da assistência ao idoso
dependente na comunidade, é possível estabelecer políticas públicas que envolvam
mecanismos de apoio institucional e comunitário às famílias que cuidam e aos idosos
que não possuem uma família que assuma os cuidados. Com base nos dados da pesquisa
desenvolvida em sua tese de doutorado, Caldas (2000) concluiu que, quando contam
com uma estrutura de apoio institucional, estratégico, material e emocional, os
cuidadores têm a possibilidade de exercer o cuidado e permanecer inseridos socialmente
sem imobilizar-se pela sobrecarga determinada pela difícil e estafante atenção ao doente
dependente.
O fato de um membro da família desencadear um processo de dependência altera
a dinâmica familiar. À medida que a pessoa vai desenvolvendo a doença, há uma
mudança de papéis nos membros da família. Mendes (1995) aponta que, em geral, a
decisão de assumir os cuidados é consciente, e os estudos revelam que, embora a
designação do cuidador seja informal e decorrente de uma dinâmica, o processo parece
obedecer a certas regras refletidas em quatro fatores: parentesco, com freqüência maior
para os cônjuges, antecedendo sempre a presença de algum filho; gênero, com
predominância da mulher; proximidade física, considerando quem vive com a pessoa
que requer cuidados; e proximidade afetiva, destacando a relação conjugal e a relação
entre pais e filhos.
Em geral, são as mulheres que assumem o cuidado, e esse papel é visto como
natural, pois está inscrito socialmente no papel de mãe. Cuidar dos familiares idosos,
portanto, é mais um dos papéis que a mulher assume na esfera doméstica. Nesse
contexto, surge outra variável significativa: a faixa etária dos cuidadores que pertencem,
freqüentemente, à mesma geração dos doentes. São "idosos jovens independentes"
cuidando de "idosos dependentes".
A sobrecarga física, emocional e sócio-econômica do cuidado de um familiar é
imensa. E não se deve esperar que os cuidados sejam entendidos e executados
corretamente sem que os responsáveis pelo paciente sejam orientados. Seria
fundamental que profissionais de saúde treinassem o cuidador e supervisionassem a
execução das atividades assistenciais necessárias ao cotidiano do idoso até que a família
se sentisse segura para assumi-las. A família deve ser preparada também para lidar com
os sentimentos de culpa, frustração, raiva, depressão e outros sentimentos que
acompanham essa responsabilidade. Muitas vezes, os familiares nem sequer recebem
orientação sobre onde conseguir o tratamento necessário. Além do que, quando obtêm o
recurso, falta-lhes transporte adequado para as limitações do paciente, uma vez que
muitos têm dificuldades de locomoção. Estabelece-se, então, um círculo vicioso:
doença, falta de tratamento, agravamento da doença e, como conseqüência, aumento dos
gastos com a doença.
Enfim, citando Karsch, no atual quadro precário e insuficiente dos serviços do
sistema brasileiro de saúde, constata-se que os velhos dependentes sobrevivem com
poucos recursos pessoais e sociais. Longe do atendimento institucional, entretanto,
encontram-se familiares, amigos e grupos religiosos, ou seja, formas de ajuda não
visíveis de imediato, mas presentes nas dificuldades cotidianas, cumprindo o difícil
papel de tecer a rede de cuidados, muitas vezes improvisados, que fornece algum
suporte àqueles cuja gravidade de dependência exige que estejam sob a
responsabilidade de outra pessoa.
2.2 – O Idoso com Mal de Alzheimer
A doença de Alzheimer é uma doença progressiva, de causa e tratamentos ainda
desconhecidos que acomete preferencialmente as pessoas idosas. Sua causa ainda não é
conhecida, mas existem várias teorias que afirmam ser uma doença geneticamente
determinada, não necessariamente hereditária. Foi descrita pela primeira vez pelo
médico Alois Alzheimer em 1907. Essa doença é erroneamente conhecida pela
população como "esclerose" ou caduquice. É uma forma de demência cuja causa não se
relaciona com a circulação ou com a aterosclerose. É devida a morte das células
cerebrais que leva a uma atrofia do cérebro.
No começo são os pequenos esquecimentos, normalmente aceitos pelos
familiares como parte do processo normal de envelhecimento, que vão agravando
gradualmente. Os pacientes tornam-se confusos e por vezes agressivos, passam a
apresentar alteração da personalidade, com distúrbios de conduta e terminam por não
reconhecer os próprios familiares e até a si mesmos quando colocados frente a um
espelho. À medida que a doença evolui, tornam-se cada vez mais dependentes de
terceiros, iniciam-se as dificuldades de locomoção, a comunicação se inviabiliza e
passam a necessitar de cuidados e supervisão integral, até mesmo para as atividades do
cotidiano como alimentação, higiene, vestir etc..
Não há um teste específico que identifique a doença de Alzheimer.
O diagnóstico certo da doença de Alzheimer só pode ser feito por exame do tecido
cerebral obtido por biópsia ou necropsia. Deste modo, o diagnostico de provável doença
de Alzheimer é feito excluindo outras causas de demência pela história (depressão,
perda de memória associada a idade), exames de sangue (hipotireoidismo, deficiência
de vitamina b), tomografia ou ressonância (múltiplos infartos, hidrocefalia) e outros
exames.
O tratamento da doença de Alzheimer tem dois aspectos: um inespecífico, por
exemplo, de alterações de comportamento como agitação e agressividade, do humor
como depressão, que não deve ser feito apenas com medicação mas também com
orientação por diferentes profissionais da saúde. O tratamento específico é feito com
drogas que podem corrigir o desequilíbrio químico no cérebro como a Tacrina,
Donepezil, Rivastiigmina, Metrifonato e a Galantamina. Este tratamento funciona
melhor na fase inicial da doença e o efeito é temporário, pois a doença de Alzheimer
continua progredindo.
As dúvidas e incertezas com o futuro, a grande responsabilidade, a inversão de
papéis onde os filhos passam a se encarregar dos cuidados de seus pais, além da enorme
carga de trabalho e sobrecarga emocional acabam por gerar no meio familiar intenso
conflito e angústia. A sensação de estar só, isolado, desamparado e a inevitável pergunta
"por que isso está acontecendo comigo?" submete os cuidadores a enorme pressão
psicológica que se acompanha de depressão, estresse, queda da resistência física,
problemas de ordem conjugal etc.
A grande arma no enfrentamento dessa doença é a informação associada à
solidariedade. À medida que os familiares conhecem melhor a doença e sua provável
evolução, vários recursos e estratégias podem ser utilizados com sucesso.
Ë fundamental que os familiares saibam que sempre há algo a fazer, sempre é possível
melhorar a qualidade de vida dos pacientes e de seus familiares. Existem doenças
incuráveis, porém não existem pacientes "intratáveis".
Talvez o impacto que atinge a família do portador da Doença de Alzheimer
(DA), não venha do diagnóstico propriamente dito, mas sim das dificuldades que esta
família encontra em lidar com as inúmeras mudanças que gradativamente vão se
instalando na pessoa que está doente, deixando-os perplexos e impotentes na resolução
de problemas – muitas vezes de fácil solução – e com os quais esta família não
consegue lidar. Chama-se a atenção para as alterações de humor e comportamento, para
as dificuldades que o paciente encontra na execução das atividades da vida diária, como
o banho e vestuário e para a desorientação no tempo e no espaço, esta última,
implicando diretamente na segurança do paciente e exigindo cuidados especiais
oriundos de pequenas orientações e possíveis adaptações em seu ambiente com o
propósito de garantir sua segurança pessoal.
Antes mesmo de abordar o assunto – segurança pessoal – é preciso que a família
entenda que após o diagnóstico médico, ela necessitará de orientações acerca de como
manter o equilíbrio – na medida do possível – não apenas dos déficits neurológicos
apresentados pelo paciente, mas também de todo o sistema. Assim, os aconselhamentos
de como alimentar, vestir, exercitar, oferecer atividades de lazer e, sobretudo prevenir
intercorrências negativas nos sistemas cardiovascular, digestivo, locomotor etc.
precisam chegar até esta família por profissionais especializados e familiarizados com
este tipo de doença.
Em se tratando de DA, o ambiente é um dos fatores que mais influenciam no
bom ou mau comportamento destes pacientes em casa. É preciso que haja uma análise
profunda do ambiente físico, no sentido de propiciar segurança, como também da
dinâmica de cada família para que as orientações possam ser bem aproveitadas. Dessa
maneira, em muitos casos, existe a necessidade de se adaptar o ambiente físico na
tentativa de se propiciar maior conforto e segurança para todos aqueles envolvidos com
os cuidados diretos ao paciente.
Sabemos que o ambiente doméstico oferece inúmeros perigos ao portador de
DA. Entre eles pode-se citar, os eletrodomésticos na cozinha, o gás, o piso escorregadio
no banheiro, os tapetes soltos espalhados pela casa, móveis com cantos pontiagudos
dispostos no trânsito do paciente, janelas altas sem telas de proteção, portas que dão
acesso direto à rua, entre outros. Assim sendo, podemos concluir que adotar medidas
preventivas ainda é a maneira mais eficaz de se promover a segurança do paciente
portador da doença de Alzheimer.
2.3 – Potencial Assistencial Familiar
A família provê 80% a 90% do cuidado de seus membros idosos, o que inclui
cuidado médico e de enfermagem, serviços pessoais como transporte e ajuda nas tarefas
domésticas e compras, e responde também às emergências, ao cuidado agudo e crônico,
além de iniciar e manter vínculos com o sistema de cuidado formal quando necessário,
segundo Richards (1996). A mesma autora afirma que, embora existam evidências de
que quanto mais frágil o membro idoso se torna, mais responsabilidade pelo cuidado a
família assume, ainda existe um certo mito entre os profissionais de saúde de que os
membros da família, especialmente os filhos, não cuidam do familiar idoso como ele
necessita, recorrendo a serviços formais, como casas de repouso.
Seguindo esta mesma linha de pensamento, Relvas (1996) indica alguns mitos
associados ao envelhecimento e sua conseqüente influência nas relações familiares: a
fraqueza, a debilidade, a doença e a incapacidade, além da imagem do abandono
familiar sempre presente na fase da velhice. Para estes mitos, a autora apresenta dados
que apontam para algumas conclusões diferentes da idéia corrente: os idosos não são tão
abandonados pelas famílias como se supõe; a dependência dos idosos é de difícil
definição e extremamente variável, não só com a idade mas também com outros fatores
(doenças, condições econômicas); há capacidades que diminuem e outras que se
renovam com o aumento da idade; o envelhecimento é uma importante questão familiar,
independentemente da vivência conjunta ou separadamente (em termos físicos) das
gerações; há uma especificidade do relacionamento nesta etapa do ciclo vital.
O ciclo de vida na família de idosos apresenta alguns eventos significativos que
compõem uma transição e que de certo modo determinam as relações familiares e o
potencial assistencial familiar. Os quatro principais eventos que demandam um
processo de mudança não só na estrutura como no funcionamento da família são,
segundo Brubaker (1983), o ninho vazio (independência dos filhos), a aposentadoria, a
doença incapacitante que comprometa a independência ou demande institucionalização
e a morte.
As transições nas famílias de idosos ocorrem no momento em que papéis e
responsabilidades começam a se transferir entre as gerações, quando os filhos percebem
que os pais recorrem a eles para apoio emocional e outras formas de ajuda. A relevância
das transições para toda a dinâmica familiar reside não apenas na aprendizagem mas
sobretudo na aceitação de novos papéis, tanto por parte do idoso como pelos demais
membros da família. Este processo é geralmente vivido como uma verdadeira crise,
pelas transformações materiais que determina e, principalmente pelas transformações
nas maneiras de definir todos os elementos presentes na experiência familiar.
Assim, a observação de quem cuida de que numa família tem relação com a
compreensão da história da família, de cada família em particular: quem é a família,
quem está presente junto do idoso, quem está realinhando seus papéis para acomodar
novas funções, como a família vive suas transições. A história da família tem um
princípio e um fim que não se podem prever, mas que certamente está na família,
orientando todo o curso da vida familiar.
3. VIOLÊNCIA CONTRA A TERCEIRA IDADE
A violência contra a terceira idade é algo que sempre ocorreu, mas somente
agora, com a recente aprovação do Estatuto do Idoso, tem merecido a devida atenção
das autoridades e da sociedade em geral. A violência contra idosos, porém, é muito
mais abrangente e disseminada no país, evidenciando-se em abusos físicos,
psicológicos, sexuais e financeiros e em negligências que não chegam aos serviços de
saúde: ficam 'naturalizadas', sobretudo, no cotidiano das relações familiares e nas
formas de negligência social e das políticas públicas.
3.1 – Os Maus-Tratos no Brasil e no Mundo
Nas últimas décadas podemos observar um aumento progressivo dos fenômenos
violentos, em diversas estruturas da sociedade, especialmente contra os grupos mais
vulneráveis a agressões, como crianças, mulheres e idosos, provocando-lhes seqüelas
irreversíveis e, até, exterminação de vidas. Apenas há duas décadas nos países
desenvolvidos e atualmente no Brasil, tiveram início discussões e estudos sobre essa
problemática em decorrência do aumento do número de idosos frágeis e,
conseqüentemente, pelas suas crescentes necessidades sociais.
Em nossa e em outras sociedades, a violência experimentada pelos idosos é
expressa na forma de maus-tratos sofridos no seio da própria família, de abandono em
asilos, de perda de direitos próprios ao exercício de sua cidadania, de preconceito e, em
última instância, de ostracismo e de exclusão social.
Queiroz (1997) menciona que a primeira pesquisa abordando esse problema foi
realizada nos Estados Unidos (Rathbone-Mc Cuan, 1978-1980), por meio de estudo de
casos detectados em serviços sociais, em hospitais e em prontos-socorros. Esse
primeiro trabalho foi apresentado apenas em publicações técnicas e, por se tratar de
tema absolutamente novo, despertou o interesse de especialistas e pesquisadores da área
gerontológica, estimulando a realização de outros estudos, sobre o mesmo assunto.
Recentemente, numa revisão de literatura realizada por Lachs & Pillemer, nos
Estados Unidos, encontraram-se, em cinco anos de literatura, vinte e seis artigos sobre
maus-tratos ao idoso, dos quais apenas quatro continham dados originais. Nesse mesmo
período, foram publicados duzentos e quarenta e oito artigos sobre maus-tratos a
crianças (Leme e Silva, 1996).
Quanto à incidência de maus-tratos na população idosa, verifica-se que apenas
os países desenvolvidos, especialmente os que vivenciam há mais tempo o
envelhecimento de sua população, apresentam estimativas referentes ao percentual de
idosos, vítimas desse problema, pois trata-se de uma situação difícil de ser identificada
em toda a sua extensão, por fatores inerentes à vítima, ao agressor e ao ambiente, local
da violência (mais comum no contexto familiar e nas instituições de cuidado ao idoso, a
longo prazo). Os maus-tratos ocorrem, a despeito dos significativos avanços na
proteção social e legal ao geronte oferecidos pelos governantes desses países.
Lynch (1997), menciona que mais de 2 milhões de idosos, por ano, são
maltratados nos Estados Unidos, principalmente no contexto familiar. Segundo
informações registradas no relatório da Comissão Especial de Velhice do Congresso
Americano, divulgado em 1981, no âmbito dos Estados Unidos, 10% da população
idosa já foi vítima de violência. Esse relatório expõe, ainda, que o problema é de larga
escala e, em nível nacional, acontece com uma freqüência que poucos ousariam
imaginar. De fato, os maus-tratos contra idosos pelos seus próprios familiares ou
cuidadores, é apenas ligeiramente menor do que aqueles cometidos contra crianças. No
Canadá, Wolf (1994) e Krueger, Patterson (1997) declararam que, aproximadamente
quatro, em cada cem idosos, sofrem alguma forma de violência. Na realidade brasileira,
somente os casos extremos de violência contra idosos chegam ao conhecimento geral
pelos meios de comunicação. A grande maioria fica oculta no seio das famílias ou das
instituições de abrigo (Queiroz, 1997). O despreparo dos profissionais e a carência de
recursos e serviços de amparo ao idoso são fatores importantes para uma insuficiente
investigação dessa questão entre nós.
As preocupações com as causas sociais e humanitárias da pessoa idosa e com o
seu cuidado, tornaram oportuno o presente trabalho, enfocando os maus-tratos ao idoso,
dada a deficiência de estudos sobre essa temática no nosso contexto. Os aspectos nele
abordados, poderão fornecer subsídios para todos os que lidam com os problemas dos
indivíduos da terceira idade, no tocante ao entendimento, à identificação e ao manejo
desse tipo de violência dirigida aos idosos.
3.2 – Definição e Tipos de Violência
Um dos entraves para uma adequada análise desse problema foi a sua definição.
Mesmo os mais importantes estudos realizados nos Estados Unidos, de 1978 a 1980,
não foram uniformes ao definirem maus-tratos ao idoso, o que levou os 50 Estados
desse país a adotarem um conceito próprio pra essa forma de violência, condição que
ainda é observada na literatura pertinente ao assunto.
Wolf (1994), citando Hudson (1991), define maus-tratos ao idoso como uma
ação destrutiva a ele dirigida, que ocorre no contexto de uma relação de confiança, com
suficiente intensidade e freqüência para produzir efeitos nocivos, de caracteres físico,
psicológico, social e/ou financeiro, além de sofrimento desnecessário, lesão, dor, perda
ou violação de direitos humanos e diminuição da qualidade de vida da pessoa idosa.
Vieira (1996) aborda maus-tratos como “uma postura de negligência, falta de
cuidado, descaso, agressões e tudo o que compromete a integridade física e emocional
do indivíduo”.
Fernandes (1997), considerando o código penal brasileiro, art. 136, afirma que
“entra no rol dos maus-tratos permitir que alguém fique exposto a perigo de vida ou
saúde quando estiver sob custódia, tratamento ou vigilância de outrem, privando essa
pessoa de alimentação ou cuidados indispensáveis”.
Krueger, Patterson (1997), em estudo sobre os desafios na detecção e no manejo
de maus-tratos ao idoso, definem esse problema como qualquer ação ou falta de ação de
uma pessoa em posição de confiança – amigo, membro da família, vizinho, o cuidador
remunerado – , que causa dano (físico, psicológico, financeiro, ou por negligência) a
uma pessoa idosa.
Conforme foi observado, nas definições ora apresentadas, os maus-tratos não
possuem características unânimes. Espino (1997), ressalta que a maior área de consenso
reconhece que os maus-tratos a idosos são caracterizados por abusos físicos,
psicológicos, financeiros e negligência (por outros ou pelo próprio). Nesse sentido,
serão esses os tipos de abuso que irão ser abordados a seguir.
3.2.1 – Maus-Tratos Físicos
Representam as formas brutais e agressivas, capazes de acarretar problemas
físicos ou danos, como conseqüência de espancamentos, tapas e maneiras de prender
alguém ao leito e à cadeira de rodas, impedindo sua mobilidade e fazendo-lhe com que
fira ao tentar escapar desses suplícios (Fernandes, 1997). As agressões físicas podem
ser expressas nas formas de queimaduras, fraturas ósseas, hematomas, equimoses,
marcas de cordas, entre outras.
3.2.2 – Maus-Tratos Psicológicos
Os maus-tratos psicológicos incluem privação ambiental, violência verbal e
negação de direitos. Fernandes (1997) afirma que esse tipo de abuso significa:
“provocar angústia mental, situação que pode acontecer ao tratar alguém idoso como se
fosse criança, humilhando-o, assustando-o e utilizando palavras ou expressões que o
insultem, ofendam ou machuquem”. Pode ocorrer de forma isolada, porém,
comumente, esse tipo de mau-trato está associado ao abuso físico, tornando-o mais
difícil de ser identificado.
Segundo Cantera e Domingo (1998), constituem atos realizados com a intenção
de provocar dano mental ou emocional. Exemplos comuns incluem agressões verbais
em formas de ameaças (de internação, de abandono), insultos, humilhação,
ridicularização, infantilização. Tais constrangimentos induzem o idoso a aceitar
passivamente o papel de pessoa dependente (decidem por ele até o que deve vestir, por
exemplo).
Para Lynch (1997), avaliar se um idoso é vítima de maus-tratos psicológicos é
um desafio, pois, algumas vezes, tais fatos ocorrem de maneira sutil. Além do mais,
essa forma de violência poderá estar inserida numa situação de desequilíbrio emocional
tanto do idoso (alterações de conduta) como da família (estresse do cuidador).
Ressaltando esta questão, Sengstock e O’brien (2001) afirmam que nem todos os
maus-tratos dirigidos aos idosos, no contexto familiar, são ações tomadas
deliberadamente para causar-lhe danos, pois a família enfrenta, com freqüência, sérios
conflitos ao cuidar de um membro idoso com dependência física, cognitiva e/ou
distúrbio de comportamento, particularmente, quando esse cuidado é prolongado.
Para Smeltzer e Bare (2002), com a saúde deficiente dos pais idosos, a qualidade
da relação pai/filho pode ficar comprometida, tornando-se tensa e, conseqüentemente,
resultar em maus-tratos contra o idoso.
3.2.3 – Maus-Tratos Financeiros ou Exploração Econômica
Ross e Shua-Haim (1998) abordam uma forma bastante sutil de maus-tratos
financeiros contra idosos, exercida legalmente por organizações de plano de saúde para
obterem maior lucro dos seus associados. Essa forma inclui: estratégias de
recrutamento que conseguem privilegiar idosos mais saudáveis; negação de informação
sobre a variedade de tratamentos para um dado problema de saúde; alta hospitalar
precoce; política de prescrição baseada no menor custo do medicamento e adiamento de
autorizações para testes e atendimentos especializados.
Segundo Fernandes (1997) é a apropriação de aposentadoria, pensão ou uso
ilegal de fundos, propriedades e outros ativos que pertençam ao idoso (rendas de
investimentos, juros e etc.). Apesar desse tipo de violência não oferecer os riscos
imediatos da agressão física, poderá ser devastador para o idoso, se ocorrer a longo
prazo, quando os filhos resolvem limitar os gastos do pai (com fragilidade física e
mental) referentes a medicamentos, a exames ou à alimentação especial, para proteger a
herança. A vítima deste tipo de mau-trato pode não estar ciente do que está ocorrendo,
no entanto, mesmo estando consciente não é fácil a intervenção de profissionais de
saúde, conforme explicita o caso seguinte descrito por Lynch (1997):
“Após Emily de 82 anos de idade ter sofrido um AVC,
seu filho a colocou num asilo para idosos. Três meses
depois ele conseguiu trazê-la para sua própria casa, com
a promessa de supervisionar seu cuidado e de administrar
seus recursos econômicos para ela não se preocupar com
o pagamento de contas. Para isto, o filho da Sra. Emily
precisaria ter acesso a sua conta bancária. Ela
concordou, e enquanto assinava os formulários do banco
passando o controle de sua conta para seu filho, ele, sem
que ela soubesse, a fez assinar a transferência da sua casa
e da sua poupança para ele.
Posteriormente, uma enfermeira de cuidado a
domicílio visitou a Sra. Emily, e observou que ela não
tinha nenhuma comida e nenhum material de cuidado
pessoal em casa. Quando a enfermeira perguntou se ela
precisava de assistência em relação a compras, a Sra.
Emily começou a chorar e falou que não podia fazer
compras, pois não tinha nenhum dinheiro. Explicou que
seu filho controlava as suas finanças e a visitava apenas
uma vez por semana, trazendo uma pequena sacola de
mantimentos. A enfermeira a ouviu descrever o seu
dilema. Em seguida, se propôs a fazer uma denúncia legal
contra seu filho no órgão competente para proteção da
pessoa idosa, porém ela não foi favorável. A ligação
emocional da Sra. Emily com seu filho fez com que ela
relutasse em tomar essa decisão.
Este é apenas um caso, dentre tantos outros com essa mesma característica. Na
maioria dos casos, o idoso não admite denunciar o próprio filho ou neto, com receio de
que alguma punição venha ocorrer, e certamente ocorrerá.
3.2.4 – Negligência
Segundo Sengstock e O’brien (2001), a negligência ocorre quando há falhas no
atendimento das necessidades básicas de um idoso dependente, tais como: alimentação,
higiene, vestimenta, remédios, ambiente seguro e outras. Para Cantera e Domingo
(1998), a negligência pode ser passiva, quando é conseqüência de um desconhecimento
ou incapacidade por parte do cuidador, e ativa, quando é realizada intencionalmente. A
negligência também pode ser auto-infligida, por exemplo, nos casos em que o idoso
recusa a alimentação, a medicação, ou faz uso excessivo de tranqüilizantes e outros.
Conforme especificam Sengstock e O’brien (2001) e Berger (1995), os indícios
de negligência incluem:
• Vestimentas inadequadas.
• Sinais de higiene pessoal precária.
• Abuso, falta ou administração irregular dos medicamentos prescritos.
• Escaras de decúbito.
• Desidratação e/ou desnutrição sem causa patológica.
• O idoso dependente que é deixado em casa sem vigilância e sem ajuda.
Lynch (1997) ressalta que o termo negligência refere-se às omissões do próprio
idoso (autonegligência) ou do seu cuidador, no tocante ao atendimento de suas
necessidades básicas e ao cuidado com o seu ambiente. Ela também pode ocorrer pela
retenção de medicamentos ou da assistência requerida, pois se configura como uma
deliberada negação de serviços relacionados com a saúde.
3.3 – Fatores Relacionados com Maus-Tratos a Idosos
Os maus-tratos aos idosos podem ser óbvios ou sutis e, na maioria das vezes,
ocorrem na família ou em instituições de cuidado, a longo prazo, onde o agressor
comumente é o cuidador, e o idoso é, no geral, dependente físico e cognitivamente
ainda incapaz de relatar a situação. Espino (1997) refere que, freqüentemente, o
agressor do idoso é um parente da vítima (filho ou cônjuge) responsável pelos seus
cuidados durante vários anos, em severa situação de desgaste físico ou emocional, que o
predispõe a reações violentas. Porém, esses maus-tratos podem ser cometidos por
pessoas que não vivem com o idoso.
Segundo Vieira (1996), geralmente, quem hoje maltrata o idoso, foi vítima de
abusos quando criança. Portanto, a psicopatologia do agressor, a violência
transgeracional e a dependência entre eles devem ser levadas em conta quando se trata
dessa questão.
Nesse sentido, os fatores de risco para maus-tratos a idosos, como para outras
formas de violência, são de natureza variada e, indiscutivelmente, inter-relacionados,
conforme evidenciam as informações apresentadas na tabela abaixo:
FATORES DE RISCO PARA MAUS-TRATOS EM IDOSOS
FATOR MECANISMO
I. Do Idoso
Doença e diminuição da capacidade
funcional
Menor chance de se defender
Alteração cognitiva do idoso Agressividade do paciente gerando revide
II. Do Cuidador
Toxicodependência ou psicopatia Piora de comportamento normalmente
agressivo
Dependência material da vítima Tentativa de forçar a obtenção de recursos
III. Do Ambiente
Moradia em conjunto Aumento da oportunidade e chance de
conflito
Fatores externos Perdas materiais diminuem a resistência
Isolamento social Diminuição da chance de que venha a ser
percebido
História de violência Ambientes violentos tendem a agredir
Além desses possíveis fatores implicados na etiologia da problemática ora
analisada, Quinn e Tomita (1996) enfocam um aspecto que pode ser considerado um
quarto fator: “os efeitos de uma sociedade que não atribui aos idosos um papel social,
pela existência de preconceitos em relação aos deficientes e fisicamente não atraentes”.
3.4 – Indicadores da Violência
A identificação de maus-tratos ao idoso, ocorridos no âmbito familiar, é bastante
complexa e envolve uma atuação interdisciplinar. Porém, os profissionais de saúde,
especialmente os enfermeiros que trabalham em serviços de emergência, possuem uma
condição privilegiada para identificar esse problema, pois é para essas unidades que a
maioria dos casos de abusos físicos graves são encaminhados. Uma vez presente a
agressão física, outras formas de maus-tratos podem estar a ela associadas.
Conforme Espino (1997) para identificar os maus-tratos a idosos, recomenda-se
um alto índice de suspeita para os seguintes achados: dados físicos incompatíveis com a
história clínica; pessoas responsáveis pelos cuidados com ausência de comportamento
irado, hostil ou agressivo, por parte da pessoa que cuida; e observação de um cuidador
obcecado pelo controle, mostrando preocupação excessiva, ou queixando-se
repetidamente da carga de cuidar do idoso.
Lynch (1997) aponta alguns caminhos para conduzir a entrevista e a observação
de um paciente idoso com suspeita de ser vítima de abuso:
• Entrevistar o paciente sozinho, sem a presença de familiares;
• Certificar-se da precisão do instrumento utilizado para guiar a
investigação; manter perguntas simples, diretas, sem ameaça e sem
julgamento, para não gerar confronto;
• Evitar responder a perguntas que surgiram determinadas respostas que se
quer obter;
• Na medida do possível, registrar as palavras exatas expressas pelo idoso,
ou por membro da sua família, que denotem que as coisas não estão bem
em casa ou que estão preocupados com alguém. Referências de que o
idoso está “insuportável” pode ser um indício de abuso a ele dirigido, ou
da necessidade de apoio e de auxílio para o cuidador;
• Ficar atento quanto à existência de contradições entre as falas do idoso e
a dos familiares.
A possibilidade de abuso deve ser investigada sempre que uma pessoa idosa
apresentar múltiplas lesões, em vários estágios de evolução, inexplicáveis ou com
explicação não correspondente à apresentação clínica. A negligência pode estar
ocorrendo sempre que um idoso dependente, com recursos adequados e com uma
pessoa designada como responsável, apresentar evidências de desatenção quanto à
higiene, à nutrição, ao seguimento de prescrições médicas ou à falta às consultas com os
profissionais de saúde (Smeltzer e Bare, 1998).
No intuito de auxiliar os profissionais de saúde, especificamente os enfermeiros,
na condução de um levantamento seguro de dados, na busca de possíveis sinais de
violência contra idosos, a referida autora (ibid. p.1742) propõe a realização dos
seguintes questionamentos:
• Observei que você tem algumas contusões. Você pode me contar como
aconteceram?
• Você parece assustado. Alguém na sua casa o tem machucado?
• Às vezes os pacientes me contam que são machucados por alguém na
família. Isso poderia acontecer com você?
• Você tem medo de alguém de casa? Ou você tem medo de alguém com
quem tem contato?
• Alguém deixou de lhe prestar ajuda no sentido de cuidar de você quando
precisou?
• Alguém já o proibiu de ver amigos ou outras pessoas que você gostaria
de encontrar?
• Você assinou algum documento que não entendeu bem?
• Alguém o obrigou a assinar documentos contra sua vontade?
3.5 – Tomando Providências
Na realidade, a melhor intervenção em relação a esse contexto é prevenir o
surgimento da violência, algo quase utópico na nossa sociedade que oferece poucos
serviços assistenciais à pessoa idosa e a suas famílias, muitas das quais, em pedaços,
frente às mudanças sociais e culturais que vêm vivenciando na contemporaneidade,
geradoras de violência explícita ou simbólica contra os idosos.
Segundo Espino (1997), atitudes desfavoráveis da sociedade em relação a
pessoas idosas; negação cultural da existência de maus-tratos; ausência de definições
uniformes para o problema e inexistência ou insuficiência de serviços de proteção legal
ao idoso, vítima de violência, assim como para o denunciante, são circunstâncias que
reduzem os esforços para a prevenção do problema, por parte de vários profissionais
envolvidos na assistência à pessoa idosa.
Quanto às ações pertinentes a um cuidado holístico ao idoso, vítima de maus-
tratos, Vieira (1996) discorre que a complexidade do problema exige o envolvimento de
toda a sociedade e dos serviços sociais públicos e privados, dos profissionais de saúde,
dos formuladores de políticas e pesquisadores, para traçarem juntos estratégias de
intervenção, que impliquem, necessariamente, a produção de conhecimentos, o resgate
da cidadania e a qualificação dos serviços.
Nos países desenvolvidos, alguns estudiosos sobre o assunto têm proposto vários
modelos teóricos para desenvolverem estratégias eficazes de intervenção, como o
Modelo Conjuntural e o Intercâmbio Social, que têm como pressuposto intervir sobre
um dos elementos considerado, por eles, como o fator de risco mais significativo para
maus-tratos a idosos, que é o estresse do cuidador. Dessa forma, a proposta desses
modelos é oferecer serviços de apoio que facilitem às famílias cuidarem de seus idosos,
o que, conseqüentemente, reduzirá a possibilidade da violência intrafamiliar. Visando a
um melhor entendimento das intervenções sugeridas por esses modelos, serão feitas
algumas considerações baseadas nas informações apresentadas por Wolf (1994).
No Modelo Conjuntural, o tratamento consiste em ajudar a família por meio de:
assistência de enfermagem qualificada; assistência nas tarefas domésticas; comidas em
domicílio; cuidadores diurnos para o idoso, terapias e ensino de habilidades para o
cuidador, objetivando a melhora do seu desgaste em relação à situação de cuidar do
idoso.
O modelo de Intercâmbio Social possibilita a orientação vocacional para
cuidadores informais; a procura de trabalho para pessoas envolvidas no cuidado ao
idoso que não demonstram afinidade com o desempenho de tal atividade; o tratamento
para cuidadores que fazem uso de álcool e de drogas; os serviços de saúde mental e
apoio financeiro para o idoso, vítima de maus-tratos, objetivando livrá-lo dos
sentimentos de vergonha, culpa e temor; e resgatar sua independência financeira e
emocional.
Os Estados Unidos contam com leis contra os maus-tratos do idoso e com
serviços de proteção que autorizam o estado a proteger e prestar serviços a idosos
vulneráveis e incapacitados. Wolf (1994) explica, sumariamente, como alguns estados
desse país buscam solucionar as situações em que ocorrem abuso ao idoso: “... as
denúncias são feitas em linhas telefônicas especiais (que em alguns estados funcionam
24hs por dia) que são examinadas para determinar sua possível gravidade. Se há
suspeita de mau-trato, realiza-se uma investigação, que no geral, completa-se em uma
ou duas semanas; se o caso for considerado de emergência, a investigação deve
completar-se em algumas horas. Com base na avaliação integral, desenvolve-se um
plano de atenção que pode incluir um refúgio de emergência para a vítima, internar a
vítima num hospital, gerenciar a atenção domiciliária, chamar a polícia ou referir o caso
ao procurador do Estado”.
Na realidade brasileira, o trato dessa questão ainda é incipiente. Verifica-se o
surgimento de algumas delegacias especializadas de proteção ao idoso, que vêm
enfrentando inúmeras dificuldades no desenvolvimento do seu trabalho, por falta de
recursos, de profissionais preparados e do empenho da sociedade civil e dos
governantes.
Por ocasião do X Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia, em 1994,
pela primeira vez, uma mesa redonda, com especialistas da área, abordou o problema.
Dado o interesse despertado pelo tema, no Congresso Pan-Americano de Geriatria e
Gerontologia, realizado em 1995, o assunto foi discutido mais amplamente e foi criada a
comissão latino-americana de abuso, negligência e maus-tratos em idosos, em todos os
eventos de Gerontologia, no intuito de realizar estudos preliminares para conhecer como
os idosos percebem a violência, em países da América Latina (Queiroz, 1997).
Apesar de não possuirmos uma assistência efetiva ao idoso, visando a protegê-
lo, nossa legislação já avançou com algumas conquistas que devem ser observadas. A
mais recente delas, o Estatuto do Idoso, prevê punições a quem maltratar ou desrespeitar
os idosos.
Considerando que esse extrato populacional vem crescendo, em ritmo acelerado,
com um aumento significativo de gerontes fragilizados e dependentes, em sua maioria,
vítimas potenciais de maus-tratos, urge a operacionalização de medidas com impacto
mais positivo no cotidiano do idoso, no sentido de proporcionar-lhe segurança plena e
melhora na sua qualidade de vida.
CONCLUSÃO
O mundo caminha para um envelhecimento acelerado e estima-se que, no ano de
2025, o Brasil seja o sexto país em número de idosos, segundo pesquisa feita pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, no ano de 2003. O declínio da
mortalidade e a queda da natalidade explicam tal fenômeno. O avanço da medicina, por
sua vez, também contribui para o aumento da expectativa de vida, embora tenham
surgido novas doenças, como a AIDS, por exemplo. É notório que o Brasil está diante
de um desafio, tornando-se urgente a elaboração de políticas e projetos pertinentes à
terceira idade, principalmente no que diz respeito à exclusão social.
Em janeiro de 2004 entrou em vigor o Estatuto do Idoso, garantindo a cidadania
e resguardando os direitos dos que possuem mais de sessenta anos. Dentre as inúmeras
garantias, podemos destacar a punição para quem abandonar, maltratar ou desrespeitar o
idoso; a não fixação de limite máximo de idade na contratação de empregados e, ainda,
a redução de 67 para 65 anos de limite de idade para o idoso ter direito ao benefício de
prestação continuada. Embora este Estatuto seja uma grande conquista, está longe
funcionar plenamente, pois falta informação, tanto por parte dos idosos, quanto por
parte da sociedade como um todo, e sem informação, não será possível alcançar seu
objetivo.
Um fator também relevante que esta pesquisa abordou foi a questão do idoso
dependente, seja por doença ou por situação financeira. A família é uma alternativa no
suporte informal aos idosos, mas um cuidado que se apresente de forma inadequada,
pode ser um fator facilitador de abusos e maus-tratos. É preciso que esta família esteja
preparada para cuidar deste idoso. Neste sentido o Estado tem o dever de criar políticas
públicas que ofereçam suporte a esta família, que apresenta necessidades que vão desde
os aspectos materiais até os emocionais, passando pela necessidade de informação. Já o
caso do idoso dependente com Mal de Alzheimer, gera intensa angústia e conflito na
família à medida que esta encontra grandes dificuldades em lidar com as inúmeras
mudanças que ocorrem no comportamento deste idoso, devido à doença. O idoso
portador da Doença de Alzheimer tem dificuldades em executar as atividades da vida
diária, necessitando também de cuidados especiais, quanto ao ambiente físico da casa,
que possibilitem sua segurança pessoal. O cuidador geralmente sofre enorme pressão
psicológica, acompanhada de depressão, estresse, problemas de ordem conjugal e outros
problemas. Uma terapia pode ajudar e muito este cuidador e/ou sua família.
O assunto principal abordado aqui, ou seja, a violência contra os idosos, foi de
grande importância no sentido de esclarecer o leitor sobre esta problemática. Apenas há
duas décadas nos países desenvolvidos e, recentemente no Brasil, tiveram início
discussões e estudos sobre esta questão em decorrência do aumento do número de
idosos frágeis e, conseqüentemente, pelas suas crescentes necessidades especiais. No
Brasil, infelizmente, somente os casos mais extremos chegam ao conhecimento geral.
Os problemas vividos no interior da família, como a violência, parecem ser vistos como
algo natural e de propriedade da família. Em conseqüência disso, o ciclo da violência
familiar permanece fechado e transmitido de geração para geração. Ante essa realidade,
é preciso que as ações sociais direcionadas ao idoso, particularmente ao dependente e
sua família, sejam mais amplas e efetivas, tanto no âmbito público como no privado.
Caso contrário, essa forma de violência, pouco conhecida, continuará a existir com uma
intensidade cada vez maior.
Os profissionais da área de saúde são os que estão mais próximos de detectar
esta violência, uma vez que atendem esses idosos vítimas desta violência. Este trabalho
apontou caminhos que devem ser percorridos por estes profissionais para identificar
evidências sutis de violência doméstica contra idosos. Mas vale ressaltar que a reversão
dessa realidade depende também daqueles que se preocupam com as causas
humanitárias e sociais da pessoa idosa.
Faz-se importante abordar, num outro momento, a vida dos idosos em abrigos,
que quase sempre é muito solitária, gerando depressão no idoso; os maus-tratos aos
idosos institucionalizados, que vivem em condições precárias, sem nenhum conforto,
sem nenhum lazer, tendo seus direitos de desrespeitados, no seu mais amplo sentido; e,
por último, o tema da responsabilidade da família. Os temas citados poderão vir a
complementar o trabalho aqui apresentado, constituindo mais um veículo de
informação.
BIBLIOGRAFIA
BERGER, Laurent. Evitar os perigos. In: BERGER, MAILLOUX-POIRIER, D.
Pessoas idosas: uma abordagem global. Lisboa: Lusodidacta, 1995.
BOTH, Agostinho. Gerontologia: educação e longevidade. Passo Fundo: Imperial,
2001.
CALDAS, Silvio Mota. O idoso na família. Curitiba: Asta, 1996.
CANTERA, Richard.; DOMINGO, Paul. Geriatria. Trad. Maria Teresa Ramalhal. Rio
de Janeiro: McGraw-Hill, 1998.
FERNANDES, Flávio Soares. As pessoas idosas na legislação brasileira: direito e
gerontologia. São Paulo: LTR, 1997.
IBGE - Anuário estatístico do Brasil: 2003. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. v. 71.
LYNCH, Shweder Hilton. H. Elder abuse to look for, how to intervene. Trad. Jorge
Ferreira Souza. São Paulo, 1997.
MEDEIROS, Milton de. O idoso e a família cuidadora. São Paulo: Sudeste, 2000.
PATTERSON, Antonio. Gerontologia básica. São Paulo: Lemos Editorial, 1997.
QUEIROZ, Maria. Enfermagem para idosos. São Paulo: Organização Andrei,1991.
SENGSTOCK, M.; O’OBRIEN, J. G. O tratamento inadequado aplicado aos idosos. In: GALLO, J. J. et al. Reichel assistência ao idoso: aspectos clínicos do envelhecimento. Rio de Janeiro: Guanabara, 2001.
ÍNDICE
INTRODUÇÃO......................................................................................................... 01
CAPÍTULO 1
A TERCEIRA IDADE NO BRASIL
1.1 – A Terceira Idade Hoje...................................................................................... 03
1.3 – Estatuto do Idoso: Uma Nova Conquista?...................................................... 09
CAPÍTULO 2
O IDOSO DEPENDENTE NO CONTEXTO FAMILIAR
2.1 – Cuidados e Necessidades da Família............................................................... 14
2.2 – O Idoso com Mal de Alzheimer...................................................................... 18
2.3 – Potencial Assistencial Familiar........................................................................ 20
CAPÍTULO 3
VIOLÊNCIA CONTRA A TERCEIRA IDADE
3.1 – Os Maus-Tratos no Brasil e no Mundo.......................................................... 23
3.2 – Definição e Tipos de Violência...................................................................... 25
3.2.1 – Maus-Tratos Físicos........................................................................ 26
3.2.2 – Maus-Tratos Psicológicos............................................................... 26
3.2.3 – Maus-Tratos Financeiros ou Exploração Econômica...................... 27
3.2.4 – Negligência..................................................................................... 29
3.3 – Fatores Relacionados com Maus-Tratos a Idosos................................................29
3.4 – Indicadores da Violência..................................................................................... 31
3.5 – Tomando Providências........................................................................................ 33
CONCLUSÃO............................................................................................................. 37
ANEXOS..................................................................................................................... 39
BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................... 40
ÍNDICE......................................................................................................................... 41
FOLHA DE AVALIAÇÃO.......................................................................................... 43