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VILAS BOAS, Sergio. O estilo magazine: o texto em revista. São Paulo: Summus, 1996. 129 p. O ESTILO MAGAZINE O TEXTO EM REVISTA SÉRGIO VILAS BOAS SUMÁRIO Apresentação página 7 Introdução página 9 I- Em revista ao texto página 11 Projeto página 13 Desenvolvimento página 17 Revisão página 25 Toque final página 29 Estilo página 33 II- O estilo jornalístico página 37 Expressão de consenso página 39 Soltando as amarras página 43 Variações do “olhar página 51 Planos de tempo página 55 No rastro da literatura página 59 Semelhança aos domingos página 67 III-O estilo magazine página 69 Gramática própria página 71 O diagnóstico página 77 Sensacionalismo sem data página 81 Tendências diversas página 85 contemporaneidade em foco página 87 Segunda Seção página .95 Considerações gerais página 101 Anexo I página 109 Anexo II página119 Bibliografia página 127 APRESENTAÇÃO

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VILAS BOAS, Sergio. O estilo magazine: o texto em revista. São Paulo: Summus, 1996. 129 p.

O ESTILO MAGAZINEO TEXTO EM REVISTASÉRGIO VILAS BOAS

SUMÁRIO

Apresentação página 7Introdução página 9I- Em revista ao texto página 11 Projeto página 13 Desenvolvimento página 17 Revisão página 25 Toque final página 29 Estilo página 33

II- O estilo jornalístico página 37 Expressão de consenso página 39 Soltando as amarras página 43Variações do “olhar página 51 Planos de tempo página 55No rastro da literatura página 59Semelhança aos domingos página 67

III-O estilo magazine página 69 Gramática própria página 71 O diagnóstico página 77 Sensacionalismo sem data página 81 Tendências diversas página 85 contemporaneidade em foco página 87 Segunda Seção página .95 Considerações gerais página 101

Anexo I página 109Anexo II página119Bibliografia página 127

APRESENTAÇÃO

O texto jornalístico carrega em si especificidades. Por esta razão, torna-se necessário estabelecer técnicas que vão determinar um estilo próprio, uma coerência, uma ou várias características que, ao primeiro contato, darão ao leitor o entendimento de que à sua frente está um texto jornalístico.No entanto, no decorrer dos anos 80 e 90, percebe-se uma padronização do estilo que, se por um lado determina a predominância da técnica, por outro mostra a necessidade de

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retomada de um gênero há tempos esquecido ou propositalmente colocado em segundo plano: a reportagem.Mesmo não pertencendo a um veículo específico, o gênero reportagem, ao passo que perdia espaço nos jornais, redescobria o seu caminho nas revistas. Surgem daí, nesses mesmos anos 80 e 90, bons momentos em revistas como Veja e Isto É.

Redescoberto o veículo, aparece um novo questionamento: estará de fato a revista encontrando o seu espaço como texto de estilo próprio? Uma análise rápida nos mostra certa tendência à padronização, o que, de certa forma, aponta muito mais para aquilo que a princípio chamamos de técnica. No entanto, se dermos maior atenção à nossa análise, perceberemos que ganha-se em técnica (padrão), mas perde-se em estilo (autoria).Pensando nestas duas questões, técnica e estilo, somados à necessidade de um trabalho acadêmico de fundo didático, Sergio Vilas Boas escreveu O Estilo Magazine. O texto em revista, livro que se impõe como referência obrigatória para alunos de comunicação social, jornalistas e demais estudiosos e profissionais da palavra escrita.

Com a facilidade de quem está familiarizado com o ato de escrever, o autor transmite sua “mensagem didático-acadêmica” com extrema aces-

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sibilidade, como se fosse mesmo um texto de revista, O processo de transmissão do “recado” flui de múltiplas formas: às vezes técnica e objetiva; noutras, criativa e recheada de saudável subjetividade.

E é exatamente nesta condição de harmonia entre técnica e criatividade que este livro ganha expressão. Pouco se escreveu, até o momento, a respeito do texto de revista. Ou que, na melhor das hipóteses, abordasse exclusivamente a “maneira de ser” das revistas, fosse no conteúdo ou na forma.

As faculdades de comunicação, em especial, podem agora apreciar com detalhes as amplas perspectivas de um jornalismo “criativo-literário” — possível, mesmo nos jornais diários — conforme nos propõe o autor.

Este livro dá ainda uma nova dimensão ao trabalho acadêmico.Na conversa com o leitor está toda a ginga, todo o desprendimento

característico do estilo magazine. Trata-se de uma viagem, educativa e saborosa ao mesmo tempo, como deve ser todo o processo de aprendizagem.

Joao Henrique M. de Fariapágina 8

INTRODUÇÃO

A revista semanal preenche os vazios informativos deixados pelas coberturas dos jornais, rádio e televisão. Além de visualmente mais sofisticada, outro fator a diferencia sobremaneira do jornal: o texto. Com mais tempo para extrapolações analíticas do fato, as revistas podem produzir textos mais criativos, utilizando recursos estilísticos geralmente incompatíveis com a velocidade do jornalismo diário. A reportagem interpretativa é o forte.

As revistas exigem de seus profissionais textos elegantes e sedutores. Considerados os valores ideológicos do veículo, não há regras muito rígidas. Há isto sim, uma conciliação entre as técnicas jornalística e literária. Não fazem exatamente literatura, porque jornalismo não se expressa por supra-realidades. Ao contrário, tratam

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de uma realidade comum a todos. Mas a técnica literária é perfeitamente compatível com o estilo jornalístico. O estilo magazine, por sua vez, também guarda suas especificidades na medida em que pratica um jornalismo de maior profundidade. Mais interpretativo e documental do que o jornal, o rádio e a TV; e não tão avançado e histórico quanto o livro-reportagem.

A periodicidade semanal é preponderante. As revistas fazem jornalismo daquilo que ainda está em evidência nos noticiários, somando a estes pesquisa, documentação e riqueza textual. Isso possibilita a elaboração/produção de um texto prazeroso de ler, rompendo as amarras da padronização cotidiana. Da abertura à sentença final da matéria, a produção do texto da revista semanal de informação é um “exercício de raciocínio”, que detona o talento potencial do jornalista/autor. Quem ganha com isso, direta ou indiretamente, são os leitores, porque a criatividade jornalística, mais cedo ou mais tarde, terá de se impor sobre o avanço tecnológico das nets, sejam elas reais ou virtuais.

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I Em revista ao texto

PROJETO

A dificuldade em se produzir um bom texto, seja de que natureza for, é comum a todos os que se propõem a escrever. Em jornalismo de revista semanal de informações, talvez um pouco mais. Para os estudantes de Jornalismo, a hora de escrever para uma revista, mesmo não sendo a primeira vez, pode significar o início de uma perigosa aventura. No entanto, é possível fazer a volta nas armadilhas.

Felizmente, nem sempre o texto desorganizado, pouco fluente, sem unidade, pode significar, por exemplo, que a apuração de dados para a matéria deixou a desejar. Às vezes, nem se trata mesmo do desconhecimento de regras gramaticais ou de sintaxe. Nem por isso estes fatores devem ser postos em último plano. Um bom começo é pensar. Pensar, porque escrever é fazer funcionar de modo organizado a lógica do pensamento. Sem isso, dificilmente um texto mais longo alcançaria seu objetivo maior: prender a atenção do leitor do início ao fim.

Suponhamos que o estudante possua também um vocabulário razoável. Seu texto estará sujeito ao desengano se as idéias, fatos, declarações, análises não estiverem devidamente encadeadas. Ter um vasto vocabulário também não é suficiente. Palavras não criam idéias, a menos que dentro da estruturação de uma frase a palavra esteja adequadamente colocada, buscando sempre a compreensão daquele que lê. A primeira conseqüência de um bom texto é seduzir o leitor. Humberto Werneck, redator-chefe de Playboy, acha que o texto prazeroso anda sumido da imprensa brasileira:

Obs: citação direta no próximo parágrafo.

Por isso, vale a pena investir na busca da elegância, do ritmo harmonioso, da graça, da leveza, do bom humor. Tudo isso andou meio fora de moda quando baixou na imprensa brasileira a onda da pasteurização, que levou a excessos, sobretudo em Veja e Folha de S. Paulo. Mas já há sinais de retorno

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a um texto que, sendo mais pessoal, mais autoral, abre espaço para que se trabalhe também no sentido da beleza (Carta do Editor, 1993, p.2).

Tonalidade — Tente não se preocupar com a palavra antes de começar a escrever. Haverá o momento de procurá-la e, se algumas etapas forem vencidas, você a encontrará. Para começar a escrever um texto para revista, agrupe idéias de um mesmo assunto e sentido. Então estabeleça, desde o início, uma seqüência de raciocínio por meio de “ganchos”. E, por fim, escolha o tom. Ou seja, a linguagem mais apropriada para a matéria que vai escrever. Humberto Werneck chama atenção para as “quebras do texto”:Para matérias mais longas, acho indispensável fazer um roteiro, uma espécie de plano de vôo. Organizar as informações, o pensamento. Para o jornalista de revista — e isso deveria ser uma preocupação, também, de quem trabalha em jornal —, há sempre uma batalha difícil, que é o encadeamento do texto. As chamadas passagens. É preciso que o texto, mesmo sinuoso, escorra sem descontinuar. Porque quando você deixa uma fissura o leitor pode escapulir (Carta do Editor, 1993, p. 3).Ao procurar o tom, por exemplo, não pense em humor se sua reportagem for sobre um crime que abalou a opinião pública. Seria suicídio. Ou, quem sabe, um “texticídio”. Utilize ao máximo o tempo de que dispuser para pensar sua matéria. Agora, evite confundir: apesar de algumas similaridades, tom não é o mesmo que angulação. Grosso modo, qualquer texto jornalístico possui uma angulação, um rumo.

Isto é mais marcante numa revista semanal do que num jornal diário. A tonalidade, no entanto, é um ponto que diferencia a revista do jornal, dois estilos jornalísticos. Na revista, o tom é uma escolha prévia de linguagem (humor, tragédia, drama, tensão etc.). O tom da maioria dos textos de um jornal passa por uma suposta objetividade e isenção.

Além de preparar um roteiro (elaborando as idéias com cuidado) e achar o tom, é preciso conhecer a angulação. O texto de cinco ou seis páginas de uma revista semanal não é neutro.. Neutralidade.é uma “pretensão” objetiva, comum no jornalismo diário. Imagine como a Folha de S. Paulo, por exemplo, escreveria sobre o assassinato de um conhecido traficante de drogas. Pelo menos em tese, a rapidez, a padronização e a busca de uma suposta neutralidade dariam o tom do texto.A morte do “Robin Hood” — Já o texto de revista se propõe mais abertamente a interpretar o fato. Depois de “assentada a poeira”, vem a reflexão, a visão detalhada do contexto, a narrativa instigante e atraente, que faça o leitor mergulhar na “história”. Ou que, em outras pala-

página 14vras, o faça ver imagens em forma de texto.De certo modo, a revista tende a preencher a lacuna deixada pelo telejornalismo, também veloz e dinâmico, sem tempo para extrapolações de ordem analítica.

A revista não apenas “revê” ou desdobra o que foi lido na semana. Procura também “rever” o que já foi visto na semana. Nas revistas de informação-geral, o melhor caminho para redigir não é aquele recomendado pelo manual de um grande jornal diário A escrita também não pode ser aleatória, sem uma análise do fato e suas conseqüências.

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Se escrever bem é, antes de tudo, pensar ordenadamente, avalie então o peso que o assassinato de um traficante “Robin Hood” tem no contexto do crime organizado, da miséria nos morros, da impunidade etc. Feito isso, escolha a linguagem (tom) de maior impacto, que possa de alguma forma balançar o leitor. Assim será dada ao leitor uma idéia exata de angulação da narrativa, ou seja, o “rumo” do seu texto. Voltando ao traficante, você pode se perguntar, por exemplo: Os moradores dos morros têm ou não razão de chorar a morte do “Robin Hood”? De preferência, não deixe dúvidas.

Um bom tempero — A matéria que você vai redigir, certamente, está situada em tempo e espaço determinados pela angulação. O seu projeto de texto deve levar em conta os fatores agregados ao fato ou à notícia que originou a matéria. A queda do Muro de Berlim seria menos atraente numa revista que não considerasse o porquê do muro, quando, como e para quê dividir a Alemanha em duas. Que não considerasse as conseqüências da abertura política na ex-URSS ou a crise do socialismo em todo o leste europeu.

A análise e a interpretação do fato não podem prescindir do tempo e do espaço. Não os disspense de seu projeto, esteja sempre bem-informado. Não tenha apenas informações puras e simples. Depure e compreenda o fato. A narrativa de um texto de revista é também um documento histórico.

É claro que um grande passo terá sido dado. A informação pesquisada em arquivo e a apuração são seus principais ingredientes, que, como na receita de um prato requintado, vão carecer de um bom tempero. O desenvolvimento do seu texto exigirá recursos estilísticos de toda natureza. Sem eles, o tempo fica adormecido e o espaço, sem vida.

Significa que seu texto estará frio, desfalecido, não haverá pulsação para sustentar a gula do leitor de revista. Um leitor fiel e exigente, sempre na expectativa de uma boa história. De tudo que já se falou até hoje sobre técnica de reportagem, não desperdice nada. A reportagem é a própria alma da revista e o seu texto deve ser uma grande história, um grande documentário. Construa-o com a mesma fome do leitor que o lerá.

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DESENVOLVIMENTO

Para desenvolver qualquer texto há diversos processos que variam conforme a natureza do assunto e a finalidade da exposição. O mais importante é construí-lo de forma clara e organizada, encadeando as peças determinadas no projeto inicial. Como vimos até aqui, isto nada mais é do que um imprescindível roteiro. Na revista, terá uma boa história, bem analisada e interpretada, o texto que não desprezar certos recursos costumeiros e nem por isso menos relevantes.

O menor componente da frase é a palavra. Por meio de uma palavra podemos expressar uma gama de significados. Caso os dicionários não levem em consideração alguns deles, você certamente terá de levar. Neologismos, coloquialismos, gírias são algumas formas abomináveis em textos de jornais impressos. Na revista semanal de informações, tais recursos não são um mal em si, que precisa ser extirpado. Exemplo:

Dos onze irmãos de dom Luiz, a maioria trabalha, ainda que, muitas vezes, seja batente de príncipe (Veja 03/02/93).

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‘Esses recursos devem ser evitados, mas não rejeitados. Há casos em que serão de grande valia. Pense que a língua falada está sempre anos- luz à frente das gramáticas. O texto escrito é o próprio tempo no qual se insere. Não há por que dispensar uma determinada forma de significação da palavra. Existe um momento de usá-la e o tema, a angulação, o tom e a história vão acolhê-la da melhor maneira possível dentro do seu texto. Exemplos:

As pesquisas de opinião recomendam que não se aposte um par de pantufas no futuro da monarquia, mas, ainda assim, candidatos a rei estão

em circulação (Veja, 02/03/93).

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A simples menção do nome da Rainha do Axé Music faz tilintar as caixas registradoras (IstoÉ, 17/02/93).

Contexto — Os abusos de qualquer natureza, estes sim, devem ser abominados. O importante é escolher a palavra que melhor expresse o pensamento, de modo claro, fiel e conciso. Quase sempre, a palavra está em sintonia com o tema da matéria. Se você possui um vasto vocabulário, seu conhecimento deve ser usado sem pedantismos nem vaidades. Saber o significado de palavras difíceis não significa que deva usá-las. É uma questão de bom senso e respeito pelo projeto.

O texto para uma revista também segue os padrões jornalísticos, mas isto não impede que palavras, frases e períodos tenham um “rebolado” diferente. O ritmo e a sonoridade das palavras também são muito importantes. Ler o texto em voz alta é uma boa medida para perceber se as palavras estão acompanhando a orquestração das idéias e se as frases estão no tamanho certo.Fique atento também às diferentes entonações que você pode obter com travessões, vírgulas, pontos, espaços e dois-pontos. Extraia deles o máximo efeito. Experimente usar a pontuação e o ritmo das palavras para transmitir sentido, substituindo dois-pontos por ponto-e-vírgula ou uma vírgula por um ponto, por exemplo. Então, observe a diferença que isso faz. Pontue do modo que lhe parecer mais lógico, efetivo e econômico.

As bisbilhotices bizarras são atributos históricos dos agentes de informação, mas o acervo do Dops Fluminense, o maior do país, não pode ser resumido

a um anedotário vulgar (Veja, 23/09/92).

A cidade tem um tom sépia que vem do amarelado de seus antigos casarões e das águas barrentas do Rio Igaraçu, principal braço do Parnaíba (Veja,30/12/92).

Na revista as palavras podem ser usadas não apenas com o sentido que lhes atribuem os dicionários. Às vezes, é até bastante indicado lançar mão de uma palavra que não está diretamente ligada ao objeto ou ser ao qual dá nome. No texto diário de jornal, o valor conotativo só é aceito em situações muito especiais, pois o jornalismo diário precisa da padronização e da velocidade para sobreviver. Além disso, o jornal diário de leitura rápida, ao contrário da revista.

Apesar disso, é bom estar atento ao contexto no qual a palavra será inserida. Abstrações fora de hora podem comprometer a clareza das idéias ou trazer conceitos

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vagos e imprecisos. Se a situação a ser narrada exige precisão, denominação concreta, denotativa, não pense duas vezes. Evi-

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te que o “vago” ocupe um “espaço”. A metáfora é um recurso que deve ser usado com moderação, domínio e gosto. Exemplos:

É como acender um palito dentro de uma caixa de fósforos. Em segundos, todos os palitos pegam fogo. Foi isso que ocorreu no sábado. A caixa de fósforos foi um botequim da cidade. O estopim, um homem que se aproximou de um grupo de moradores para dar a notícia: a balconista Maria Aparecida havia sido estuprada (IstoE, 04/11/92).

Os sulistas — isto é, todo mundo que mora da Bahia para baixo — andaram se divertindo nas últimas semanas com a guerra civil envolvendo os dois quartéis-generais carnavalescos do país, situados no Rio de Janeiro e em Salvador (Veja, 24/02/93).

A escada que pode levar o ministro Paulo Haddad ao patíbulo tem trinta degraus, e ele já galgou 29,47 deles, segundo o índice de inflação que o governo usa para reajustar impostos, a Ufir (Veja, 03/02/93).

O caminho das Índias — De acordo com a angulação, a linguagem e os ingredientes determinados em seu projeto, você deverá servir-se de outros fatores para desenvolver o texto de uma reportagem para revista. Enumerar, descrever detalhes, comparar, fazer analogias, criar contrastes, exemplificar, lembrar, ilustrar, dar testemunhalidade são apenas algumas trilhas da “rota para as Índias”.

Confrontar as idéias, por exemplo, é muito comum e eficaz no texto de revista, dependendo, obviamente, do contexto. Se quiser expor o pensamento de dois parlamentares de peso sobre uma questão polêmica, torne bem marcantes as posições políticas de cada um deles. Isso pode ser conseguido com frases de efeito ou entrecortadas por palavras de fundo irônico, explícito ou não.. Exemplos:

Hoje, o exercício do cargo fez com que a ex-militante do PC do B deixasse a mortalha de lado para envergar tailleurs e colarzinhos de pérola: vestuário mais condizente com o bem comportado PSDB, para o qual se mudou (Isto É, 17/02/93).

Na tarde de domingo, Collor encenou o ar de vitória fácil ao receber 100 manifestantes nos portões babilônicos da Dinda (Veja 30/09/92).

Personagem, ser humano — Neste ponto, valorize os verbos dicendi, chamados geralmente de verbos de apoio. Eles podem dar muito bem o clima do conflito de idéias entre as declarações. Caso dois parlamentares se agridam sutilmente, o leitor deve sabê-lo. Como? Talvez com um alfinete, por que não? Uma espetada de um deles não pode vir seguida página 19

de um “afirmou” ou “disse” . Um exemplo: “A alegria do povo é a principal atração do carnaval Baiano. O nosso carnaval não é para inglês ver”, alfineta.

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Temos, nesse caso, um tipo de analogia, em que não há comparação com algo desconhecido do leitor, muito comum num texto de revista. Alfinetar, por analogia, sugere um confronto que está por vir, no texto da matéria de IstoÉ, em 17/02/93, sobre o carnaval daquele ano. A escolha dos verbos é fundamental. Na revista, é plenamente possível fugir da cansativa forma do “diz” e do “afirma”.

Como seres humanos, os personagens podem reclamar (ou chorar), vociferar, implorar, exaltar, esbravejar ou espernear. Tudo depende do tom em que ele ou ela dizem alguma coisa. São muitos os verbos que, além de darem um toque de beleza ao texto, transmitem informações interessantes sobre o personagem.

A analogia, muitas vezes, pode ser confundida com o recurso da comparação. Mas há uma diferença básica: na analogia, as semelhanças são apenas imaginárias. É explicar o desconhecido pelo conhecido; o estranho pelo familiar. Na comparação, ao contrário, as semelhanças são reais, em que entram normalmente os conectivos de comparação (tão, tanto, como, do que, tal qual). Na revista, é também possível substituir tais conectivos por certos verbos, como “parecer” e “lembrar”, no sentido de “dar uma idéia”. Exemplos do uso de conectivos:

Modismo ou não, os ataques de vandalismo estão se multiplicando mais que

promessa de político em época de eleições (Veja Minas Gerais, 10/02/93).

A notícia da abertura de tão promissoras oportunidades no além-mar alastrou-se como azeite na bacalhoada (Veja 10/02/93).

Dom Luiz e Dom Bertram carregam a sina de ativistas da TFP e são autores de discursos tão sombrios quanto seus ternos (Isto E, 17/03/93).

A hora do adeus — É iniciativa valiosa dar clima ao texto. Dar uma idéia exata de situações humanas e abstratas é mais estímulo para o leitor prosseguir a leitura. Da mesma forma, indicações de causa e efeito são calibradores do clima. Dão consistência às afirmações que, embora tenham sido apuradas pelo repórter, ficaram implícitas nas declarações dos personagens da matéria.

Os atos ou atitudes praticados pelo ser humano têm razões, motivos ou explicações que à primeira vista podem parecer redundantes ou suprimíveis. Decida se deve ou não suprimi-los depois de obtida a unidade do seu texto. Márcia Neder, diretora de redação da revista Nova,

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acha que, se o texto for visualizado como algo circular, fica mais fácil encontrar o fecho:

É espantoso que não se dê ao fecho a mesma importância que se dá à abertura ou ao lead. A matéria é circular, com o fecho remetendo ao início, e não uma coisa vertical (Carta do Editor, 1993, p3).

Por acaso, você já conversou com uma pessoa que nunca termina a conversa? Pessoas que simplesmente não sabem dizer até logo, bye-bye, tchau, deixa eu ir andando... Quem escreve não pode encher lingüiça o resto da vida. É preciso saber exatamente a

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hora de dizer adeus. Quando terminar de dar ao leitor um novo material, construa um final compatível ou resuma o que já foi dito. Feito isto, pare.Mesmo que as passagens (ganchos) estejam desembaraçadas e com toda suavidade necessária, você não precisa ter medo de ser abrupto, às vezes. Imagine um black-out repentino numa peça de teatro. Pois é. Você pode “pegar o leitor” pela surpresa. O leitor não esperava o final naquele determinado momento, mas está feito. Faça-o acreditar que o seu “final” é inegavelmente o mais apropriado. E adeus.

Ponto de vista — Toda reportagem de revista traz no texto, implícito ou não, uma espécie de ponto de vista, que aqui não deve ser confundido com qualquer tipo de opinião. Sobre esta falaremos mais adiante. Devemos entender o ponto de vista como primordial ao desenvolvimento do texto. Quando escrevemos, o pensamento se encarrega de transferir noções (lidas ou vividas) analisadas, transformadas e redistribuídas no discurso escrito.

Há uma pequena diferença entre angulação e ponto de vista: o ponto de vista admite interpretação. Dentre outras coisas, este livro procura discutir a diferença entre o jornalismo diário e o das revistas semanais. Uma das especificidades de cada estilo é o tom, como já vimos. A angulação é o “rumo”, a escolha de uma — ou várias — “nuances” do fato.

Qualquer assunto ou tema demanda uma angulação, pois envolve um número significativo de “nuances” (desdobramentos). Portanto, a angulação vale para os dois estilos jornalísticos — revista e jornal. Já o ponto de vista é um propósito, não necessariamente explícito — de se chegar a algum lugar, de propor alguma coisa para o leitor. Como? Por meio da interpretação dos “desdobramentos” do fato. Daí outra razão para elaborar ou fazer um roteiro do que será produzido. O ponto de vista é mais ou menos a “moral da história”.

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Ordem — A ordem do relato pode ser definida no projeto de texto. Rompidas as amarras dos diversos tipos de lead conhecidos, uma reportagem de revista pode começar pelo final. Dependendo do caso, é um propósito original, além de despertar mais o interesse do leitor e dar mais ênfase a certos incidentes e pormenores. De modo geral, a ordem evidencia as características intemporais do texto de revista. É jornalismo do que passou, mas não exatamente do que se passou ontem. A revista, normalmente, mistura fatos do passado com fatos ainda em evidência no jornalismo diário.

Por isso, além de tudo, é preciso muita pesquisa e documentação para realizar determinado tipo de matéria. A angulação precisa ser imaginativa. Com relação ao assunto da sua matéria, se você já leu alguma coisa do mesmo ângulo, o leitor também leu. O risco não é pequeno. Então, arranje outra angulação. Uma boa angulação facilita a escolha do tom e a verificação do ponto de vista com relação ao fato, explícito ou não. Detalharemos isso um pouco mais, na terceira parte do livro.

Unidade — Lembre-se de que a coerência de idéias, estruturadas e organizadas, é um passo para a unidade do texto, razão maior da busca incansável da clareza e perfeição. Isoladamente, unidade e coerência têm características próprias, mas quase sempre a falta de uma resulta da ausência da outra.

Num texto qualquer, a unidade pode ser obtida logo no início do parágrafo pelo uso de frase (s) carregada (s) de sentido essencial, os chamados tópicos frasais. Frases que enunciam o conteúdo dos parágrafos. Já a coerência depende do uso de partículas de transição (conjunções, advérbios, locuções adverbiais, certas palavras denotativas e pronomes).

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O abalo da imagem de Voltaire vem das livrarias. Dois livros recém-lançados, um na França e outro na Itália, põem sob suspeita, a partir de cartas escritas de próprio punho por Voltaire, a sua reputação (Isto E, 04/11/92).

O campo grande, no centro da cidade, de onde saem os blocos de trio elétrico, ficou para a Brahma por U$ 200 mil. A Praça Castro Alves, aquela que é do povo como á céu é do avião, foi abocanhada pela Antarctica por 100 mil dólares (Isto E, 17/02/93).

Porém, no texto da revista informativa semanal, tais partículas devem ser evitadas, na medida do possível. O texto muito entrecortado de frases labirínticas corre o risco de não chegar a lugar algum. Ao contrário, as frases devem ser, de preferência, curtas e encadeadas pelo sentido, não pela partícula. Os pronomes adversativos tornam a vida do leitor adversa. A unidade do texto não depende, de forma alguma, desses

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conectivos. A correta colocação das palavras constitui o processo mais eficaz para dar relevos idéias.

Em geral, a seqüência dos termos numa oração está condicionada ao rumo do raciocínio, à clareza e à ênfase. Isto não significa que no texto de revista não seja permitida uma inversão da ordem direta, se sua intenção for dar à frase mais vigor e energia. É o mesmo que dizer: dar mais ênfase, realce ou relevo. Márcia Neder acredita que os textos de talento são feitos com todos os sentidos:

O texto são todos os sentidos da gente, e temos que exercitá-los para escrever bem. Um texto também tem cor, tem cheiro, tem forma. (...) Quando o repórter está apurando uma matéria e sente o cheiro daquele lugar, esse cheiro tem que entrar na matéria. Além do fato seco, há sempre um em- torno que você percebe com os outros sentidos e tem de levar para a matéria. Os textos de talento têm todos os sentidos envolvidos (Carta do Editor, 1993, p. 3).

Dentre outros aspectos, este é um que faz o jornalismo de revista se apropriar de algumas técnicas literárias. Mas jornalismo tem estilo próprio, não pode permitir abusos de natureza lingüística, como veremos mais adiante, na segunda parte.

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REVISÃO

Quem se propõe a escrever um texto jornalístico, seja para revista semanal ou para jornal diário, não pode ter preguiça ou receio de revisar. Sempre que possível, ainda que você tenha levado em conta todas as sugestões apresentadas até aqui, desconfie do seu texto. Nunca acredite no seu primeiro “rascunho”. Você certamente não deve ter feito o melhor que pode. A revisão é também uma ferramenta. E o segredo estará em revisar quantas vezes forem necessárias, até que seus objetivos tenham sido alcançados.“Vozes contraditórias” — Escrever para jornalismo também é uma arte. Mas ser tolerante para reescrever é a própria essência do ofício. Misture arte e ofício e um grande passo será dado. Ao escrever, você pode ter a impressão de que a figura do editor ocupa o lado esquerdo do seu cérebro. O lado direito seria, então, o seu lado

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essencial, o lado da criatividade. Provavelmente, haverá uma espécie de duelo entre estas, digamos, “duas cabeças”, representadas pelo “editor interno” e pela “criatividade individual”.Se o tal duelo acontecer logo na hora de começar a organizar o pensamento (idéia), nem comece a escrever, O perigo é comprimir o fluxo criativo e cair em frustração, pensando assim: “Hoje não é o meu dia!”; ou, então: “Ah, eu não sou mesmo uma pessoa criativa...!” Lembre-se de que qualquer erro ou engano é passível de correção. A revisão existe exatamente para isso. Ao batalhar pelo acabamento final do texto, você estará não só aperfeiçoando o “ofício” como também facilitando a vida do leitor. É um processo de conquista também do “editor real”, não do tal “censor imaginário” que mora do lado esquerdo do seu cérebro.

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Leia o texto tão logo você termine de escrevê-lo. Certamente, vai detectar uma série de mudanças necessárias. Mas procure não editá-lo ainda. É absolutamente necessário ser tolerante com seus próprios erros. Anote rapidamente nas margens as alterações que você gostaria de fazer. Cuidado com a sobrenatural e egocêntrica voz meiga que costuma tentar convencê-lo de que o seu texto merece o Prêmio Esso de Reportagem. Por outro lado, desconsidere a impiedosa voz da autocrítica: “Isto é uma porcaria, melhor jogar no lixo”. Outra coisa: não permita que as duas “vozes” lhe soem no ouvido ao mesmo tempo. Seria uma confusão geral.

Em vez de ler criticamente, avalie se o “plano de vôo” que você fez antes de começar a escrever foi colocado em prática. As palavras têm que traduzir o seu envolvimento com o assunto. Senão, o leitor não vai se envolver. Sendo possível, deixe o texto de molho e retome a revisão algum tempo depois. A revisão será mais eficiente e dará uma trégua às tais vozes contraditórias.

Óleo, água, pneus — Voltando à releitura do texto, seja em que momento for, faça perguntas abrangentes sobre conteúdo e estilo. Genericamente, haverá duas razões para alguém ler o seu texto: para se informar ou por lazer. Melhor ainda se for pelas duas razões. Por isso, confira se o texto flui ponto por ponto. O material precisa estar devidamente organizado. A informação deve vir na medida exata, inclusive se antecipando a possíveis indagações do leitor. Informações irrelevantes podem destruir o ponto de vista e a unidade do texto.

Você precisa suprir os leitores com ilustrações e exemplos para cada generalidade, para ajudá-los a entender e para encorajá-los a acreditar. O específico torna o texto mais intenso, memorável e verossímil (Cook, 1990, p121).

Os exemplos tornam o texto mais vivo, além de ajudar o leitor a compreendê-lo. Mas onde buscar os exemplos? Primeiro, nos entrevistados. Quando estiver conversando com um expert, uma pessoa de relações públicas, uma vítima ou um artista, procure descrições “apetitosas”, fatos “reais”, histórias “curiosas” e analogias que animem o texto. Segundo, os recursos para os exemplos podem ser buscados em livros, outras revistas, jornais, programas de rádio e televisão, informações públicas e até house-organs. Obviamente, o texto de revista precisa de personagem. Portanto, os entrevistados são as fontes de exemplos mais recomendáveis

Pode ser que você nunca tenha oportunidade de entrevistar um escritor. Se tiver, observe como os escritores, de modo geral, utilizam exem-

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página 26plos constantemente ao longo das entrevistas. São analogias do tipo, “o maior amigo do escritor é a lata do lixo”, referindo-se ao inevitável — e longo — processo de aperfeiçoamento do texto e muitas outras. Um exemplo funciona mais ou menos como uma piada bem contada. As palavras de um mestre na arte de contar piadas criam expectativa e ênfase, especialmente numa piada curta. No entanto, sempre pergunte a si mesmo se o exemplo a ser usado é mesmo imprescindível. Por outro, talvez haja também um modo mais simples de fazer o leitor entender um determinado ponto, sem necessidade de exemplos.

Mas, caso seja mesmo necessário o exemplo, confira se não gastou muitas palavras para aplicá-lo. Para fazer o leitor pegar a idéia por meio de seu exemplo, o por exemplo, não é a única forma existente. Dependendo do caso, introduza-o após dois-pontos. “Assim:”. A qualidade final é o que conta. Dê o texto por acabado somente quando estiver seguro disso. Portanto, cheque gramática, ortografia, fatos, citações e declarações. Não tenha medo de usar um dicionário tantas vezes quantas forem necessárias. Não pegue a estrada sem conferir o nível do óleo, da água, e a pressão dos pneus. Assegure-se de que o veículo terá condições de transportar idéias e informações através das palavras que você escolheu.

Olhe, escute, pare — Ninguém pode dizer o que as palavras significam para você. Porém, o significado delas, para outras pessoas, pode lhe dar um ótimo feedback. Mostre o texto para outras pessoas. Mas somente quando o texto — e você — estiverem prontos. Lembre-se: um trabalho já bem lapidado não desperdiça tempo, nem seu nem da pessoa que dará o parecer. Além disso, é preciso estar pronto para ouvir críticas. Não é justo pedir a alguém que avalie o texto se a única expectativa for por elogios.

A última sugestão sobre revisão é a seguinte: saiba a hora de parar e a hora de começar de novo. Terminou o texto, ótimo. Acha que está realmente pronto? Melhor ainda. Deixe o resto para o editor. Então, é ocupar-se com outro texto, outra matéria. Aprender a gostar de reescrever, sim. Permanecer obsessivamente debruçado sobre o texto, não.

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TOQUE FINAL

Toque final significa polimento, brilho e pintura. É como se o texto fosse uma escultura à qual você foi dando forma, pouco a pouco, e agora precisa de acabamento. Como? Após o “parto”, arregace as mangas e mande o texto para um SPA. É hora de cortar as famosas gordurinhas. No início, falamos da importância de fazer um “plano de vôo”, O toque final é a fase na qual você busca leveza e permite que leitor e texto “decolem” juntos. Afinal, este é o objetivo do “plano de vôo”.

O toque de leveza transforma frases explícitas em sutilezas que surpreendem e impelem o leitor a continuar. Significa aparar as pontas de palavras enfadonhas e frases vazias, de observações desnecessárias e descrições muito longas. Dar um toque de leveza significa saber à hora de evitar um adjetivo desnecessário e quando eliminar um advérbio cujo sentido já está implícito no verbo da frase.

É saber também o momento de oferecer ao leitor informação integral, sem intervenções explicativas. Chega o momento em que o próprio leitor deverá compreender, por si mesmo, a trajetória do texto. Manter o leitor ligado no texto é saudável, também para quem escreve. Consciente de que precisa mantê-lo assim, você

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evita repetições e remissões. Do lado do leitor, tudo que ele/ela vão precisar é de um mínimo de interesse pelo assunto da matéria.

Trechos econômicos —No texto de revista, o comedimento, a leveza e o domínio do jornalista/escritor sobre a narrativa são também para permitir que o leitor use um pouco a cabeça. Por isso, às vezes é preciso mostrar, mais do que simplesmente contar; sugerir, mais do que explicar; e dizer mais do que parece ter sido dito. O texto leve é mais legível, proveitoso e intrigante.

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De modo geral, por que é mais difícil fazer um texto sem gorduras, logo de primeira? Porque temos medo, O processo não é “detonado” de imediato. Ocorrem primeiras a prisão e a reticência. São múltiplas as causas disso e não podem ser consideradas genericamente. O medo pode vir da pressão do tempo, do editor, da ansiedade etc. Acontece também tornarmos as idéias “super-explícitas”, por medo de que o leitor não nos entenda. Isto pode ser entendido como segunda versão do “encher lingüiça”. Aquelas perigosas frases-extras, que diminuem o ritmo e tornam o texto monótono.

Freqüentemente, são necessárias três ou quatro versões para aliviar o texto e deixá-lo respirar. Se você escreve, na primeira versão: “Naquele mês, aconteceram 23 arrombamentos de casas numa cidade que não passa de três quarteirões alinhados. Os esforços da polícia eram inúteis, e os moradores idosos morriam de medo de sair à noite. JPA, cabelos escuros, uma ativa voluntária da comunidade e da igreja católica, mãe de três adolescentes, era tímida feito uma criança. Mas ela estava já cansada de se sentir vítima”.

Alguns dos detalhes do trecho acima podem ser relevantes. Não é o caso de discutir isso. O importante é saber se não deveriam ser melhor distribuídos ou se valeria a pena usá-los noutro ponto do texto. O toque de leveza, é bom frisar, não vive só de cortes. Significa também reescrever, redistribuir palavras, frases, idéias e — por que não? — parágrafos inteiros. É reorganizar.

De uma forma ou de outra, o trecho poderia ficar mais enxuto: “JPA morava numa rua onde o crime havia se tornado comum, e os moradores mais idosos morriam de medo de sair à noite. Vinte e três casas foram roubadas num único mês. Mas JPA cansou de se sentir vítima”.

Limpo e conciso, o parágrafo acima causa impacto e não dispersa o leitor para detalhes que serão valiosos em outras passagens do texto. A retirada dos detalhes faz com que sobressaia a idéia principal, impelindo o leitor a prosseguir do todo para as partes. Os trechos econômicos têm a característica de fazer o leitor pensar, indagar e, às vezes, até sentir.

Doses homeopáticas — E vem a pergunta: Onde é a linha divisória entre informação concisa e muita informação? Difícil resposta. Envolve bom-senso, domínio do material apurado e quase um controle homeopático das doses de informação que você vai liberar para o papel — ou tela do computador. O importante é que ao longo do texto você conduza as informações para o fechamento, tão importante quanto a abertura. Lembre-se: há sempre uma chance de o leitor não “captar a mensagem”.

Aquele que escreve com o objetivo oculto de “ouvir o texto” está, na verdade, se esforçando para obter uma harmoniosa melodia. O ritmo

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entra em compasso com a tônica. Ao ler um texto em voz alta, os sons da linguagem (tônica) nos dão o alerta. Então, é corrigir as distorções e torná-lo texto mais sutil. Enfim, por que tagarelar se o trecho puder ser resumido numa única palavra?

É preciso perceber o momento de terminar uma frase que ainda vai se prolongar. Saber a hora de preferir uma determinada palavra em nome, por exemplo, do peso emocional. Desenvolva sua sensibilidade à linguagem. Leia o trabalho em voz alta, prestando máxima atenção às “batidas” da linguagem. Note como o ritmo das construções paralelas adiciona impacto e formalidade; como as frases longas podem também soar calmas e leves; e o quanto as curtas soam mais abruptas.

Background — Esqueça a chance de o leitor não “captar a mensagem”. Isto não é motivo de terror. Muitas sugestões dadas até aqui poderiam ser obtidas com treino intensivo e interesse individual. Valioso é nunca desistir de encontrar um estilo próprio (pessoal) de escrever. Tudo isso leva tempo e exige dedicação. Indo mais além: não existe receita pronta. Portanto, desista de procurar uma, caso ainda acredite que um bom texto pode ser feito do mesmo modo que uma lasanha ou uma moqueca.

Muitas técnicas podem ser assimiladas via livros, obviamente. Inclusive, as técnicas — e os “toques” — são extremamente úteis para encurtar sua trajetória por caminhos naturalmente tortuosos. No entanto, a arte no sentido de criatividade é potencial. E o desejo profundo de expressar uma visão do que nos cerca. O texto é melhor quanto mais ampla for esta visão. Aquele que enxerga “grande-angular” e tem disposição (interesse) de aperfeiçoar o texto terá um aproveitamento excelente.

Por esta “visão de mundo” entenda-se leitura, conhecimento objetivo, senso de observação, capacidade de interpretar, de associar idéias e muita estrada. Muita bagagem. Sem esses componentes, restará a técnica. Sem dúvida um elemento valioso. Porém, depois de um certo ponto o alicerce, a base sólida, começam a fazer falta. A técnica é apenas uma ferramenta de trabalho. Saiba distinguir técnica de background. E admita que são duas coisas igualmente importantes.

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ESTILO

O estilo é uma forma pessoal de expressão. Mas não necessariamente individual no sentido de indivíduo. Sabemos que jornalismo é um estilo de comunicação e que a revista semanal é um estilo jornalístico.

O estilo é tudo que individualiza uma obra criada pelo homem, como resultado de um esforço mental, de uma elaboração de espírito, traduzido em imagens, idéias ou formas concretas. A rigor, a natureza não tem estilo; mas tem-no o quadro em que o pintor a retrata, ou a página em que o escritor a descreve (Garcia, 1973, p. 85).

Ainda seguindo esse raciocínio, Veja tem um estilo diferente de Isto É, o que não impede que ambas tenham estilo próprio ou representem o estilo jornalístico. No fim da linha, podemos sugerir, com muito cuidado, que o profissional de revista, repórter ou redator, também possa ter um texto “estilizado”. Um estilo que possa combinar a objetividade com a narrativa literária.

O que geralmente caracteriza um estilo é a decisão de escolher um elemento em vez de inúmeros outros disponíveis. A língua dispõe de um conjunto finito de regras que

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geram um número infinito de frases. Desse modo, a escolha se efetua em dois níveis: na seleção e na combinação. A primeira implica a exclusão de outras formas; na segunda, a construção de uma frase, com um determinado arranjo, pode não ser original, mas é característica de um determinado autor (Monteiro, 1991, pp. 47-8).

O estilo está vinculado ao tempo, ao espaço, à interpretação que o autor dá às suas experiências, leituras e a toda sua relação com o que o cerca. Na medida do tempo, os textos também sofrem variações. O discurso barroco, por exemplo, é assimétrico. Os enunciados se dispõem num esquema de contraste. Já o clássico prima pelo senso de proporção.

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Na época atual, há uma tendência à frase curta e fragmentária, própria de uma existência mais tensa.

Liberdade — Numa revista, os critérios de clareza, ritmo, realce, ênfase é que determinarão, como já foi dito, a escolha que deve ser feita num contexto determinado. Como qualquer outro texto, o de revista se caracteriza pela correção gramatical. Mas tem também o sentido de informação e, por que não dizer, de entretenimento. Um lazer que mistura sedução, necessidade de haver personagens, “espetáculos” etc. Além dessas, há uma outra característica que devemos discutir em separado: a liberdade.

Genericamente, o texto de revista é considerado de maior liberdade, em termos de estilo. Sem dúvida que há certas rupturas com o jornalismo diário, muito mais preocupado com a velocidade e com a padronização do que com uma interpretativa resposta aos porquês. Mas é preciso não levar isso muito em conta. Pelo menos não essencialmente. A suposta liberdade do texto semanal de uma revista informativa é um labirinto no qual não é suficiente apenas um novelo de lã para marcar o caminho.

Ao dispor de um tempo maior para informar, analisar e interpretar o fato, a revista semanal de informações não busca extremos de imparcialidade. Além do mais, a imparcialidade é um mito da imprensa diária. Um mesmo texto pode conter informação, análise, interpretação e ponto de vista. Outra característica da revista semanal de informações é assumir mais declaradamente o papel de formadora de opinião. O texto é decorrência disso. Para tirar da informação uma conclusão implícita ou explícita é preciso raciocinar. E isto é pessoal. Assinar um texto é como assinar um cheque: a matéria também tem que ter fundo.

Por tudo isso, é preciso pensar em termos de uma relativa liberdade de texto. Dentro da linha editorial/ideológica de uma revista, certas angulações são proibidas. Mas o texto acaba indicando sempre uma tendência geral, que não raro também depende da cabeça de quem escreve. Nesse sentido, a revista semanal de informações se apropria de técnicas literárias, aproximando-se mais da literatura do que qualquer outro meio jornalístico impresso.Ambigüidade, sim; confusão, não — Em meados da década de 70, iniciou-se em Veja uma tendência à padronização, consolidada anos mais tarde. Era como se a revista tivesse sido feita, do princípio ao fim, pela mesma pessoa. Nesse período não havia o espaço que há hoje para o texto mais autoral. Ao contrário do que se pensa, no passado existiu uma espécie de camisa-de-força. Para concorrer com o modelo padro-

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nizado de Veja, a revista IstoÉ investiu na personalização dos textos, trazendo em suas páginas um grande número de matérias assinadas. Um estilo que até hoje a diferencia de Veja, embora esta já venha dando mais espaço para o texto assinado.

A palavra, no jornalismo de revista, deve dizer algo com beleza, sem necessariamente suprimir a ambigüidade. Muitas vezes, a dualidade da palavra se traduz em trocadilhos em perfeita harmonia com a angulação da matéria e a posição ideológica da revista. Se, na TV, o texto completa a imagem, na revista semanal de informações, a imagem completa o texto assinado.

O importante é passar a informação de um modo sedutor e, principalmente, não confundir. É descobrir a melhor forma de apresentar a matéria que o jornal e a TV já deram. Este é um grande desafio. Como na literatura, é preciso inspiração para escrever em revista, sem perder de vista, é claro, o estilo jornalístico, nosso passo seguinte.

II O estilo jornalístico

EXPRESSÃO DE CONSENSO

Em jornalismo, estilo é o homem, e também o veículo. O estilo jornalístico pode, presumivelmente, ser o ângulo em que o jornalista ou o veículo se coloca, levando em conta o leitor ao qual se dirige. “O estilo é a maneira de escrever e também a maneira de ser do veículo” (Bahia, 1990, p. 81). Os principais aspectos do estilo jornalístico são ritmo, jeito, equilíbrio, linguagem, apresentação, símbolos, ética e personalidade. Ter estilo em jornalismo é assumir uma forma peculiar de linguagem.

O caso das revistas informativas, e até mesmo das ilustradas e especializadas, não é diferente. Cada uma tem seu estilo, seu modo de ser, sua linguagem. Não raro, esta linguagem é definida pelo tipo de leitor que se quer atingir. (A linguagem das revistas semanais de informação geral, muitas vezes, é definida pelo modo de “angular” a matéria, de redigir o texto e pelo ponto de vista predeterminado)

Na redação do texto, a arte influi como suporte do estilo; a técnica, como base para “vulgarizar” a compreensão. O jornalismo busca uma expressão de consenso, comum e ao mesmo tempo personalizada. Uma espécie de linguagem ideal, para ser assimilada por todos os níveis culturais da sociedade.

Toda revista segue o mesmo preceito dos jornais diários. O fundamental é fazer com que a linguagem seja de fácil assimilação pelo leitor. Quase sempre, as revistas tentam conciliar o domínio da técnica jornalística com a improvisação/O estilo jornalístico consiste exatamente em transformar a informação bruta em notícia legível e compreensível. Se não fosse assim, o jornal diário — principalmente — estaria reservado apenas a uma elite cultural privilegiada. Por não ser esse o objetivo do jornalismo, a linguagem adotada é a que atingem o maior número possível de pessoas, tirando uma média entre o leitor de instrução primária e o que tem diploma universitário. O jor-

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nalismo desenvolveu um estilo característico, uma forma de expressão. Não fere a sensibilidade estética dos mais cultos e, ao mesmo tempo, pode ser lido pelo conjunto da sociedade. O público consumidor de notícias se caracteriza pela heterogeneidade cultural (Beltrão, 1969, p.37). Tal heterogeneidade cultural é menos marcante entre os leitores de uma revista semanal. Basta comparar o preço em banca de um jornal com o de uma revista.

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Todas as maneiras de ser — O estilo jornalístico se traduz em duas idéias fundamentais: padronizar e racionalizar. Nesse caso, o estilo deixa de ser uma qualidade do jornalismo para se transformar em necessidade. O jornalista é o homem de ponta dessa padronização e racionalização da notícia. Geralmente, é ele quem apura e redige as notícias, seguindo a maneira de ser do veículo onde trabalha e o seu próprio estilo. No entanto, não basta ser jornalista para ter estilo. Mas é preciso o inverso: ter estilo para ser jornalista.Em termos de texto, o estilo jornalístico está esteticamente ligado à literatura. Jornalismo não é um estilo próprio, em termos de originalidade, mas sim por ter a linguagem adequada para a prática diária de noticiar. As revistas já têm um outro feeling, uma outra maneira de ser. Seguem outros padrões, que seriam incompatíveis com a velocidade, dinamismo e padronização do jornalismo diário. Sendo assim, se cada veículo impresso tem seu estilo próprio, o estilo jornalístico é, por analogia, a reunião das linguagens e maneiras de ser de todos os meios de comunicação, inclusive o rádio e a TV.Entrelinhas — Racionalizar e padronizar são formas de tornar criterioso o processo de informação. Sem critérios, a prática de informar se tornaria confusa, redundante e discutível. A imprensa busca unidade, legibilidade e identidade do texto. Daí as normas de redação, muitas vezes compiladas em manuais de estilo e de linguagem, que orientam repórteres, redatores, revisores, diagramadores, arte-finalistas etc. As revistas de informação geral elegem o estilo como caminho para a unidade do texto, elaboração da linguagem e qualificação da notícia. O editorial, por exemplo, seja no jornal ou na revista, pode também fazer o estilo do veículo.(o conceito de liberdade, em revista semanal de informações, como já vimos, é um terreno minado. Depende das peculiaridades da matéria, dos elementos pitorescos, sentimentais ou inesperados/E, principalmente, do ponto de vista do veículo. Podemos falar em termos de liberdade de estilo, mas não no sentido de posição ideológica. O ponto de vista pode sugerir — de modo ambíguo e sutil — um posicionamento da revista em

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relação ao assunto tratado no texto. Isto porque o estilo revista se permite mais do que a liberdade, no uso da palavra.

Dentro do assunto tratado, a reportagem de revista repercute um ponto de vista genérico, que poderíamos chamar de tendência. Mas de forma velada. Exemplo: um texto que apresente um diagnóstico das estatais brasileiras pode conter, nas entrelinhas, um posicionamento (tendência) favorável à privatização. Não quer dizer, necessariamente, que a revista está opinando sobre o factual da reportagem. Significa que o texto pode suscitar — ou mesmo induzir a pensar — que o melhor caminho seria vender as “paquidérmicas” estatais.

A defesa da privatização, antes de ser uma tendência da opinião pública, é uma proposição implícita (ponto de vista) do veículo. É como se, ao final, o leitor chegasse à seguinte “moral da história”: A solução é mesmo vender. Que outro jeito? Se a privatização é ou não um processo inevitável, não nos cabe discutir aqui. Trata-se apenas de um assunto que já ocupou várias páginas de Veja e IstoÉ e foi tomado como exemplo. A “proposição” pode, inclusive, expressar um consenso do público-leitor da revista sobre um tema amplamente polêmico, ou não, no conjunto da sociedade.

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Já a redação de uma notícia, no jornalismo diário, leva em conta uma certa hierarquia de importância e de atualidade. E o formato do texto é bastante racional. Todo jornalista de jornal já ouviu ou leu que os parágrafos devem ser curtos; que devem ser evitadas palavras desnecessárias, qualificativos tendenciosos, preciosismos ou frases feitas; não começar períodos sucessivos com a mesma palavra; não empregar repetidamente a mesma estrutura de frase; as frases diretas facilitam a compreensão: eliminar os termos abstratos. complicados; e quanto mais se usar palavras no seu significado exato, melhor.

Não é possível fazer um jornal, pela pressão do tempo, com um texto tão refinado quanto o de uma boa revista, mas não é preciso ser necessariamente tão tosco como é hoje. E preciso escrever com elegância e simplicidade (Vieira, 1990, p.l6).

Mesmo o texto de revista, com as peculiaridades que vimos no capítulo anterior, não está imune a certas fórmulas. Só que o texto de uma revista semanal é mais investigativo e interpretativo, menos objetivo e mais criativo. Quanto à criatividade, aproxima-se muito do estilo literário. Grosso modo, a fórmula mais comum da revista semanal de informações é a narrativa, privilegiando a prática da reportagem na maioria das seções.

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SOLTANDO AS AMARRAS

O jornal diário solta um pouco as “rédeas” no momento da grande reportagem. Um gênero jornalístico que fez grandes nomes, tanto no jornal como na revista, O Cruzeiro, na década de 50, conseguiu a extraordinária associação do refinamento intelectual com a prática da reportagem viva e instigante, que muitas vezes conseguiu paralisar o país. Aliás, na sua época áurea, O Cruzeiro chegou a tirar 720 mil exemplares, quando o Brasil tinha pouco mais de 50 milhões de habitantes.

A reportagem ocupa e sempre ocupou o primeiro lugar na cobertura jornalística. Toda reportagem é notícia, mas nem toda notícia é reportagem. A notícia muda de caráter quando demanda uma reportagem. A reportagem mostra como e por que uma determinada notícia entrou para a história. Desdobra-se, pormenoriza e dá amplo relato aos fatos principais e também aos fatos subjacentes da notícia. Quando a notícia salta de uma simples nota para uma reportagem, é preciso ir além, detalhar, questionar causas e efeitos, interpretar, causar impacto.

A reportagem é uma notícia, mas não uma notícia qualquer. É uma notícia avançada, na medida em que sua importância é projetada em múltiplas versões, ângulos e indagações. Ao valorizar a notícia, a reportagem revitaliza o estilo jornalístico, soltando um pouco as amarras da padronização. Uma boa reportagem não deve abrir mão da pesquisa, sob pena de alterar o espírito de investigação, curiosidade, desafio e surpresa, que estão acima de tudo.

A ordenação dos fatos — Seguindo os preceitos do estilo jornalístico, a reportagem encurta a distância entre o leitor e o acontecimento. A forma predominante é a narração, que precisa de personagens, ação e ambiente. Sem um “quem” ou um “o quê”, não se pode narrar ou produzir interesse. Narrar é contar os fatos nos quais intervêm os seres huma-

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nos. Dentro da narrativa jornalística de uma reportagem há algumas características que, segundo Muniz Sodré, garantem a verossimilhança dos fatos: a humanização do relato, o texto de natureza impressionista e a objetividade dos fatos narrados (Sodré & Ferrari, 1986, p.15). Conforme o assunto ou o objeto da reportagem, algumas destas características podem aparecer com maior destaque. A narrativa, no entanto, será sempre necessária. Ou não será reportagem.

Quanto à forma de redação de uma reportagem, é a ordenação dos fatos que determinará o tipo narrativo. Se são narrados em sucessão, por ordem de importância, temos uma “reportagem de fatos”, que, em outras palavras, obedece à forma da pirâmide invertida.

Na “reportagem de ação”, o relato começa pelo fato mais atraente, e o ue importa é o desenrolar dos acontecimentos, é envolver o leitor com a visualização das cenas. Por isso, pode ser chamada também de descrição cinematográfica, porque as cenas estão em movimento diante dos olhos do leitor.Já a “reportagem documental” se aproxima mais da pesquisa. Os elementos são ordenados de maneira objetiva e expositiva. O que complementa e esclarece o assunto tratado são as citações, que lhe conferem fundamentação (Sodré & Ferrari, 1986, p.64).

Ainda sob o ponto de vista da produção da reportagem, Nilson Lage nos apresenta outra divisão. Para ele, há três tipos a considerar: investigação, interpretação e práxis. Os dois primeiros nos interessam mais diretamente, considerando que Lage conceitua práxis como uma espécie de revelação de tudo o que envolve a atitude humana. Sendo assim, o conceito de reportagem da “práxis humana” — se aceito — seria para nós uma espécie de “subtipo permutável”, comum a todos os demais admitidos até aqui.

Portanto, vamos aos dois outros, conforme a definição do autor: na investigação, “parte-se de um fato para revelar outros, mais ou menos ocultados, e, por meio deles, o perfil de uma situação de interesse jornalístico”. No tipo interpretação, “o conjunto de fatos é observado da perspectiva metodológica de uma dada ciência (as interpretações mais freqüentes são sociológicas e econômicas)” (Lage, 1982, p83).

Neste trabalho, consideraremos a interpretação como a base do texto de uma revista semanal de informações. Para evitar confusão, a “investigação” será tratada na acepção da palavra. Admitiremos o caráter investigativo como inerente a qualquer tipo de reportagem, pois a interpretação exige, também, investigação. Seria difícil admitir como interpretativa uma reportagem que não traçasse “o perfil de uma situação de interesse jornalístico”. Além do mais, a revelação de fatos mais ou menos ocultos, resultado da investigação de uma denúncia de

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corrupção, por exemplo, é uma excelente oportunidade para interpretar, especialmente numa revista. O jornalismo interpretativo será detalhado mais adiante.Abertura envolvente — Voltemos novamente aos aspectos textuais. O que conquista a atenção do leitor para a leitura de uma reportagem são as aberturas. Na revista, por exemplo, quase sempre se escolhe a abertura menos convencional ou puramente informativa. Isto não impede que o jornal diário traga em suas páginas de domingo uma abertura mais literária, como alternativa para despertar o interesse do leitor. A revista não precisa de um lead, qualquer que seja o tipo. A revista precisa de uma abertura envolvente.

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Uma história contada sem o lead deve ter começo, meio e fim. E se puder ser cortada é porque está mal escrita, O lead, ao contrário, existe para que a matéria resista a um corte no pé, sem prejuízo do texto. Nesse aspecto, o texto da revista informativa geral requer planejamento e talento. Uma espécie de conciliação entre arte e técnica. De cara, você precisa pegar o leitor, conduzi-lo ao longo da narrativa e oferecer-lhe uma sensação satisfatória. O leitor precisa, no mínimo, terminar de ler o texto com uma suave sensação de que chegou a algum lugar.O modo mais eficiente de apresentar a “história” para o leitor pode não ser pelo uso dos principais fatos da “rede” de acontecimentos que você irá esmiuçar. Obviamente, não há “o lead” certo, nem uma fórmula que possa garantir o sucesso de sua narrativa. Em termos de interesse, a abertura segue a mesma proposição do lead. Porém, não segue as mesmas normas.Tenha sempre em mente que a abertura — e por que não dizer, o lead precisa exercer um poder de atração sobre seu leitor. As informações principais, assim como o fato que originou a matéria, não têm, necessariamente, de vir nas primeiras linhas. O interesse do leitor tem de ser “capturado”. Ele não pode abandonar a leitura até tomar conhecimento do que foi anunciado na matéria (MacKinney, 1990, p.l48). A abertura pode ser descritiva ou começar por uma declaração-citação; pode realçar a imaginação do leitor ou contar uma história pessoal; ou ainda, se for o caso, abrir com frases-feitas, clichês, fazer trocadilhos, paradoxos, anedotas etc. Vejamos alguns exemplos de aberturas bem- estruturadas:

— Como pode um filho matar os próprios pais... comentou o investigador Odair Zim numa delegacia de polícia na noite de sábado, 06 de fevereiro.O senhor tem filhos? — perguntou Constantino Cheretis, que estava ao lado de Zim.— Tenho — respondeu o investigador.Então trate-os como amigo — advertiu Cheretis.

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Constantino Cheretis, 20 anos, é extremamente nervoso. Sempre que os pais, gregos da ilha de Lesbos, o contrariavam, erguia os braços e enraivecia-se até que as veias saltassem nas têmporas. Na noite do sábado, diante de investigadores e do delegado Luiz Roberto Hellmeister, chefe da equipe A do Departamento de Homicídios de São Paulo, ele mostrava-se, no entanto, dócil e relatava com precisão e calma a forma como matara a facadas naquela tarde sua mãe, Metaxia, e o pai, Emanoel Constantin Cheretis. O estudante contou que se sentia pressionado em casa e descreveu sua vida doméstica como um cenário de repressão e insensibilidade em que apanhava do pai apenas por chegar tarde nos finais de semana. “Ganhei um soco na boca de presente de Natal. Meu pai nunca foi meu amigo”, disse ele, já preso no 5º Distrito Policial (ÍstoÉ, 17/02/93).Foi o tipo de façanha que, nos tempos da Guerra Fria, valeria aos Estados Unidos valiosos pontos na batalha política da propaganda. Num mundo sem o muro de Berlim, e sem uma superpotência comunista a ampará-lo, o feito do piloto cubano Orestes Lorenzo foi uma vitória da persistência e da ousadia pessoais. Em qualquer uma das circunstâncias, sua história daria e certamente vai dar — um bom filme de aventura. Resumo do roteiro: com o coração aos pulos e a boca seca de tensão, Lorenzo decolou às 5 horas da tarde de sábado, dia 19 de dezembro, do aeroporto de Marathon, na Flórida, a bordo de um Cessna 310, um pequeno bimotor de seis lugares. Major condecorado da Força Aérea Cubana, ele já tinha fugido espetacularmente da ilha de Fidel Castro, em março de 1991. Pilotando um MIG de fabricação soviética, escapuliu

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para Miami, deixando para trás um Fidel furioso. Desta vez, fazia o caminho inverso. De Marathon, Lorenzo partiu de volta para Cuba, onde é considerado um traidor da pátria e foi condenado à morte. Seu objetivo era buscar a mulher, Victória, os dois filhos, Reyniel e Alejandro, e voltar para os Estados Unidos, sem ser detectado pelos radares cubanos (Veja 30/12/92).

Caminhando contra o vento, sem lenço sem documento, uma garotada alegre ocupou as ruas das duas maiores cidades brasileiras na semana passada. Alto astral, altas transas, lindas canções deram o tom às passeatas que atingiram em cheio o coração do Rio de Janeiro e de São Paulo. Foram momentos poéticos, nos quais se confundiram ficção e realidade, passado e presente, a minissérie “Anos Rebeldes” e a CPI do PC. Alegria, alegria: a rebeldia juvenil está de volta, juntando mauricinhos e militantes, skatistas e esquentados. Em Brasília a disputa política encalacrou num intrincado jogo de interesses, com senhores engravatados trocando favores sórdidos, ressuscitando a velharia do é-dando-que-se-recebe, e engavetando os valores fundamentais da justiça, da ética e da moralidade. Enquanto isso, no Rio e em São Paulo, uma garotada bonita e bem-humorada, habituada a freqüentar shopping centers e a curtir praia, entendeu muito bem o que está se passando nas altas esferas do poder. Em São Paulo, na terça-feira, eles gritavam: “Rosane, que coisa feia, vai com o Collor pra cadeia”. No Rio, os colegiais berravam:“PC, PC, vai pra cadeia e leva o Collor com você” (Veja,19/08/92).

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Para manter viva a atenção do leitor na página, você precisa também de detalhes da aparência, modos, trejeitos, a forma como o personagem fala ou se move. São aqueles pequenos toques humanos, que até podem não ser fundamentais para impulsionar a narrativa, mas fazem os personagens parecerem reais.

Após a abertura, tão logo você volte ao início e relate os acontecimentos do modo como eles se desdobraram, é preciso ter em mente que mesmo a narrativa mais excitante não prenderá o leitor a menos que os personagens sejam humanos e verossímeis, pessoas com as quais o leitor vai se identificar e se preocupar (MacKinney, 1990, p.15l).

Simples sofisticação — Assim como não há “o lead” certo, não há regras para “o fechamento”. Mas o fecho do texto tem de propiciar pelo menos uma leve satisfação, acirramento de ânimos, movimento etc. Não tente resumir a narrativa ou repetir pontos marcantes da matéria. Ao contrário, descubra, por exemplo, “imagens”, citações ou anedotas relacionadas com o assunto da matéria e amarre-as à idéia central.Nunca pense que uma boa “história” pode ser contada por si mesma. Consulte, ouça, converse com várias pessoas a respeito do tema e discuta o ângulo. É valioso para compreender os ingredientes essenciais da narrativa e descrevê-los de modo simples, honesto e claro. Narrativas que envolvem o elemento humano, por exemplo, são trabalhosas de escrever. Contar numa revista a história de pessoas que tiveram experiências dolorosas ou vivem dramas que podem ser comuns a todos nós não é tarefa simples. Por outro lado, são narrativas bastante envolventes do ponto de vista jornalístico.

É preciso relembrar que seu texto deve ter unidade. Por isso, o fecho mais original deve coincidir com a escolha da forma de abertura do texto de sua reportagem. Aliás, a escolha da melhor forma de abrir a matéria integra seu projeto de texto, sem o

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qual dificilmente a unidade será obtida. E como tudo que deve ser levado em conta num roteiro de texto, a linguagem de abertura segue a angulação, o tom, o ponto de vista, a natureza do assunto etc.No entanto, mesmo se o assunto pedir sofisticação, a técnica de sua reportagem-matéria-texto deve ser a do estilo jornalístico: simplicidade. Não confundir rebuscamento com sofisticação. Se seu texto exige construções arrojadas, não meça palavras. Mas evite ser prolixo e antipático. O leitor não merece e não quer isso. Ele quer o simples, mas com elegância e criatividade.Arregaçar as mangas — Não basta ser um repórter que saiba apurar bem e escrever um texto que não deixa a desejar. Escrever para uma

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revista semanal requer habilidade com as palavras. O estudante que não tem essa habilidade pode ser apenas alguém inseguro, que não desenvolveu uma capacidade latente ou por falta de leitura. No primeiro caso, aprende-se. É possível desenvolver o interesse por meio do treino. Mas falta de leitura pode ser fatal. Além do mais, as duas coisas — ler e escrever — são indissociáveis.

Há quem diga que é possível aprender a escrever certo, mas não a escrever bem, com estilo próprio. De certa forma, o tecnicismo do ensino e a padronização podem mesmo “ensinar” a escrever certo. Mas a dedicação, o gosto e a leitura precisam ser motivados no aluno. Se você quer, você pode. Desde que tenha vontade de arregaçar as mangas. Pode parecer um clichê, mas o hábito de escrever e ler faz o jornalista, assim como dizem — faz o monge. Além do mais, há algo de escritor que se insinua no jornalista com bom texto. “Talento é potencial. Desenvolva-o e você conseguirá alguma coisa. Permita que ele se atrofie e você o desperdiçará. Talento não é habilidade” (Spikol, 1990, p.lO).

Spikol acredita que qualquer um pode ser escritor ou jornalista de revista, mesmo não tendo talento. Sem desejo, porém, cada palavra escrita será pesada como chumbo. E o autor se torna perene. Spikol prefere chamar de “inclinação do pensamento”. Muitos gostariam de escrever para revistas ou mesmo escrever livros um dia. Mas não muitos tornam a idéia uma realidade.

A maioria não considera a trajetória de amadurecimento pessoal e profissional envolvida no ato de escrever. E há os que pensam somente nos fins, sem ao menos fazer uma idéia do quanto custa chegar lá. Dentre os que gostariam de ser escritores ou jornalistas, poucos “realmente” querem escrever. Entusiasmo e desejo de realização são atributos gêmeos, que sempre devem andar juntos. Escrever é um trabalho enorme (Spikol, 1990, p.l2).

É também comum confundirmos talento com criatividade. O indivíduo “talentoso” não é necessariamente criativo. RolIo May, psicanalista norte-americano, distingue talento de criatividade. Segundo ele, o indivíduo pode ter talento, mesmo que não o utilize. A criatividade, no entanto, é prática (1975, p.42). No caso de escritores e jornalistas, só acontece no momento em que uma idéia se transforma em texto, prazeroso de ler.É o que May chama de “ato criativo” ou “momento de encontro”. Isto vale para artistas de qualquer área (pintura, escultura, poesia, fotografia etc.), assim como para os cientistas. De qualquer forma, este “momento” carece de intensidade para se completar. O estado individual no ato de criar exige absorção, arrebatamento e envolvimento durante o “ato criativo”.

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Se fôssemos puristas, não diríamos a “pessoa criativa”, mas o ato criativo. Em certos casos, como o de Picasso, existe grande talento e criatividade falha, como segundo alguns, é o caso de Scott Fitzgerald. Há também pessoas com grande capacidade criativa e pouco talento. Já se disse isso a respeito de Thomas Wolfe, uma das grandes figuras criativas do cenário norte-americano, que era “um gênio sem talento”. Conseguia ser criativo porque se entregava completamente ao material que tinha em mãos e ao desafio de transformá-lo em palavras — foi grande pela intensidade do seu encontro (May, 1975, p. 42).

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VARIAÇÕES DO “OLHAR”

Oswaldo Coimbra, baseado no livro A articulação do texto, de Elisa Guimarães (São Paulo, Ática, 1990), admite a existência de “três matrizes” do gênero reportagem — dissertação, descrição e narração — que podem se confrontar num mesmo texto (Coimbra, 1993, p.ll). Dissertação e argumentação são termos aceitos por ele como sinônimos. O discurso argumentativo, então, é baseado na consistência do raciocínio e na evidência das provas apresentadas. Neste ponto, é importante separar fato de indício. Fato é aquilo que pode ser verificado, observado. Sem verificação e observação, o fato não serve de prova. Já o indício é uma possibilidade, podendo ser circunstancialmente provável ou não

Tradicionalmente, o texto descritivo se relaciona com a narração e a dissertação. Mas nem por isso a descrição deixa de comportar categorias. A primeira delas, “um tema-chave que enuncia a seqüência descritiva”. A segunda é uma “série de subtemas”. A terceira categoria atribui “qualidades e ações” aos subtemas. Coimbra conclui, de acordo com as considerações da autora, que no texto descritivo há modos e recursos de articulação. Quando usado dentro do texto narrativo, por exemplo, a descrição “serve para retardar o relato de determinado acontecimento”. No que se refere à descrição de pessoas, Coimbra insere conceitos de estudos da comunicação não-verbal:

É, sobretudo, através da comunicação face a face, possibilitada pelas entrevistas, que o jornalista observa as pessoas que se tornarão personagens de seus textos. Há, portanto, uma dualidade — pessoa/personagem — diante da qual está permanentemente o jornalista, e com a qual é obrigado a conviver sempre, correspondente à dupla dimensão do seu trabalho — a de repórter, captador de informações do mundo real, e a de redator, estruturador de textos (Coimbra, 1993, p. 20).

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categorias, segundo definição aceita por Oswaldo Coimbra: exposição, complicação e resolução. E lembra ele que o “esquema” pode ser complementado ainda com uma avaliação e uma moral, O texto narrativo se caracteriza pela referência a ações de pessoas, descrições de circunstâncias e de objetos. Os fatos são organizados de modo a mostrar “mudanças progressivas” nas pessoas e nas coisas. O texto de uma reportagem

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narrativa mostra as mudanças ocorrendo. É como se a realidade fosse recriada aos olhos dos leitores. Um eterno acontecer.

O olhar — O texto narrativo possui um foco, ou seja, um olhar. Poderíamos muito propriamente denominar foco narrativo como ponto de vista. No entanto, para evitar confusões com o conceito elaborado na primeira parte deste livro, válido para revistas, vamos manter o termo “foco” com o objetivo de compreendermos quais os possíveis olhares da narração. Em outras palavras, quem conta a história. Coimbra organiza quatro focos narrativos: o narrador-testemunha e o narrador-protagonista (ambos em 1º pessoa); narrador-onisciente e o “modo dramático” (ambos em 3 pessoa).O narrador-testemunha é personagem secundário da reportagem. Apenas testemunha os fatos. O ângulo de visão é limitado porque o narrador- testemunha utiliza informações que colhe e aquilo que viu ou ouviu. Este “olhar narrativo” não tem como saber o que se passa na cabeça das pessoas entrevistadas ou envolvidas na matéria. Pode apenas tecer hipóteses ou fazer uso de documentos, cartas ou quaisquer outras informações que tenha obtido. Em geral, o narrador-testemunha participa da matéria. Contudo, não exerce papel específico que altere os fatos.Já a reportagem narrada por um narrador-protagonista está limitada às percepções, pensamentos e sentimentos deste narrador. Este tipo de narrativa ocorre nos textos de longos depoimentos. É como se o texto tivesse sido escrito pelo(s) entrevistado(s). O papel do jornalista fica restrito à tarefa de ouvir, transcrever e editar. Ou então, o narrador-protagonista pode ser o próprio repórter (centro do acontecimento). Exemplo: o repórter experimenta pilotar um avião de combate e se torna a melhor fonte de informação. Da aventura, o repórter-narrador-personagem transmite (em 1a pessoa) as impressões sobre o vôo e a aeronave, sobre o ato de pilotar e sobre possíveis sensações, por exemplo, de medo, ansiedade, prazer, perigo etc.Já o narrador-onisciente conhece os acontecimentos e até os pensamentos dos demais envolvidos na reportagem. Este tipo de “foco narrativo” talvez seja o que mais aproxime a reportagem jornalística da narrativa literária. O narrador onisciente pode permanecer neutro em rela-

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ção aos fatos ou pode se intrometer. Neste último caso, o “intruso” faz comentários da vida e do comportamento dos personagens. Os comentários, então, podem não estar sintonizados com a história narrada. Não se trata de um tipo comum de jornalismo, ao contrário da narrativa pretensamente “neutra”.O narrador-onisciente, que não intervém nos acontecimentos narrados, busca situações reveladoras das pessoas envolvidas, atento ao cenário da reportagem, à atmosfera, às reações, dramas e conflitos. É como se o repórter escrevesse o texto utilizando o olhar do personagem principal. Daí a “onisciência” do narrador, que pode, inclusive, revelar os pensamentos dos envolvidos. O repórter não só entrevista o personagem sobre o assunto da matéria como também entrevista os pensamentos e as emoções do personagem.*

Já no “modo dramático”, conforme o conceito de Oswaldo Coimbra, autor escolhido como base para este subcapítulo, o narrador se limita a informar o que as personagens fazem ou falam. Segundo ele, é o modo narrativo mais utilizado em jornalismo.

* Oswaldo Coimbra, na nota 7, do segundo capítulo, lembra que a existência de dois tipos diferentes de narrador onisciente (o intruso e o neutro) é uma consideração de

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Ligia Leite em O foco narrativo (São Paulo, Ática, 1987); a nota 8, do mesmo capítulo, traz um depoimento de Gay Talese sobre como um jornalista pode saber o que se passa no íntimo das personagens de seus textos, extraído do prefácio do livro Aos olhos da multidão (Rio de Janeiro, Expressão e Cultura, 1973). Ainda na nota 8, Coimbra transcreve um trecho do artigo de Tom Wolfe publicado na revista Esquire, em dezembro de 1972, que também aborda o tema.

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PLANOS DE TEMPO

Plano é o segmento de tempo enfocado no texto. Significa que o assunto pode ir e vir, passear no tempo, afastar-se em direção ao passado ou ao futuro. O ponto de referência é o presente. Não necessariamente um presente imediato (agora) ou próximo (na semana passada). O que se considera “tempo presente” no texto pode ser um assunto de meses, anos, décadas, séculos atrás. Exemplo: você escreve hoje sobre o dia em que Hitler invadiu a Polônia.

Sendo assim, o “tempo presente” é setembro de 1939. No entanto, a narrativa pode ir e vir. Você pode elaborar “segmentos” dentro de vários planos. Digamos: o texto remete para uma análise das perdas alemãs na Primeira Guerra. O plano de tempo, então, se desloca algumas décadas antes e, dentro do plano de tempo passado, você elabora os segmentos.

Esses segmentos podem ser, por exemplo, a situação da Alemanha à época que antecedeu a Primeira Guerra, as principais batalhas, as baixas, a assinatura de tratados de paz etc. Nada impede também que o plano se desloque para o futuro, com a divisão das duas Alemanhas, a prisão de criminosos de guerra, a reconstrução da economia alemã do pós-guerra e tudo o mais que se encaixar no assunto.

Os planos de tempo são introduzidos, em geral, pelo que Oswaldo Coimbra aceita como “demarcadores”. São tempos verbais (faz, fazia, aconteceu, andava etc); adjuntos adverbiais (em setembro de 1939, na Era JK, às vésperas de 31 de março etc); estações climáticas (no último verão, a primavera parisiense de 68, o próximo outono etc.). Quando aproximamos fatos do passado, narrando-os como se estivessem acontecendo no presente, temos um tempo verbal chamado “presente histórico” (Coimbra, 1993, p49).

Página 55 Quando o presente é um marco temporal instalado no texto, deve-se atentar

também para o seguinte: é em relação a ele e não ao momento da produção do texto — que se definem os planos de tempo do passado (“Um mês antes...”) e do futuro (“Dez anos depois...”) de outros segmentos (Coimbra, 1993, p49).

Transportando o leitor O autor identifica um quadro de classificação das “modalidades de expressão do tempo narrativo”, oferecido no livro O tempo na narrativa, de Benedito Nunes (Coimbra, 1993, p51). As quatro modalidades serão imediatamente importantes para aprofundarmos o estudo da reportagem narrativa em magazines semanais de informação. A primeira modalidade de expressão é o tempo psicológico, que representa estados internos, individuais. Passado e presente, então, se fundem.

A segunda modalidade é o tempo físico, representado pela natureza. Os demarcadores do tempo físico podem ser a noite, o sol nascente ou poente, a manhã, a

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tarde de muito vento, o dia claro, a tarde de céu cinzento, a noite chuvosa, o frio da madrugada, o momento do eclipse, as cheias, a seca, a geada, a nevasca etc. Caso esta modalidade de expressão não seja precedida ou sucedida por uma referência mais clara de tempo, o texto poderá perder em precisão.

A terceira é o tempo cronológico, o dos calendários. Trata-se de um marco socialmente convencionado. Acontecimentos importantes da história também servem para demarcar a cronologia. Exemplos: o Golpe Militar, o Impeachment de Collor, a votação das Diretas-Já, a morte de Tancredo Neves, a Revolução Francesa, a Independência do Brasil, a Revolta dos Tenentes, a Guerra Civil Norte-Americana, o assassinato de John Kennedy etc. É importante lembrar que há outros calendários no mundo, que podem variar de acordo com a religião ou com a cultura.

O tempo lingüístico é a quarta — e última — modalidade considerada por Oswaldo Coimbra. Já vimos anteriormente que o plano de tempo do texto não é necessariamente o momento em que foi escrito. O tempo lingüístico, então, é o ponto que determina passado, presente — e também o futuro — numa reportagem narrativa. Significa você escrever hoje sobre o que aconteceu há cinco anos, situando a narrativa no plano de tempo do acontecimento. É um recurso usado, dentre outras coisas, para transportar o leitor ao passado ou ao futuro. E explorar as possibilidades de uma angulação inusitada.

Pegando o bonde da história — Essas “modalidades de expressão do tempo narrativo” são freqüentemente utilizadas com o objetivo de calibrar a tensão do texto. Na reportagem narrativa, o recurso de retardar o clímax pode funcionar como bomba injetora de tensão. Você retarda a chegada do desenlace, seja pela evocação de momentos anteriores

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ou pela antecipação de momentos posteriores ao plano de tempo do acontecimento.A “retardação” pode ser usada ainda por meio de referências ao interior dos

personagens: às lembranças, temores, percepções, desejos, digressões etc. A digressão, aliás, é uma forma de o próprio jornalista desviar o texto da seqüência de ações proposta. As digressões do narrador, segundo Oswaldo Coimbra, aparecem sob a forma de diálogos com o leitor, de reflexões, avaliações, opiniões, considerações filosóficas e comentários (1993, p. 57).

Ao se interromper a seqüência temporal dos acontecimentos, conforme o caso, você pode obter mais suspense. Por essas e outras, é preciso ficar atento aos exageros e não ficar à beira de um ataque de nervos ou de tédio. Até porque a retardação não é o único caminho para obter o efeito desejado. Pelo caminho inverso, é possível acelerar a narrativa? Sem dúvida. Primeiramente, através do diálogo.

O que os personagens falam também faz com que a história siga adiante. Considere que a fala do personagem pode estar carregada de sotaques (região onde vive), de vocabulário de grupos (conforme a profissão que exerce), classe social etc. Um diálogo curto, bem construído, vale por parágrafos e mais parágrafos descritivos ou argumentativos. Não quer dizer, contudo, que a fala do personagem, inserida entre aspas no texto, diretamente, não seja um recurso de aceleração.

Uma fala entre aspas é capaz de sintetizar toda uma idéia que, no discurso livre do repórter, poderia custar longos períodos, às vezes até inviabilizando o texto. A escolha minuciosa dos verbos de apoio (dicendi)

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— antes, no meio ou ao final da fala do personagem — valoriza ainda mais o conteúdo. Lembre-se: o verbo de apoio sintetiza a forma de o personagem se expressar e o conteúdo da coisa falada. E, acima de tudo, deve insinuar.

Linhas do tempo — Voltando ao fator tempo na reportagem narrativa: Qual a proporção entre o número de linhas de texto ocupadas com a narração do acontecimento e a duração do acontecimento? Suponha que o fato a ser narrado teve um prolongamento de dez dias e que estes dez dias foram narrados em vinte linhas. Por que não trinta ou quarenta linhas? Coimbra afirma que, necessariamente, não há uma correspondência entre a duração de um fato e a extensão de espaço que ele ocupa na narrativa (1993, p. 61). E acrescenta, logo a seguir, uma síntese da definição do Dicionário de teoria da narrativa:

Para compreendermos isto, precisamos distinguir dois termos da teoria da narrativa: história e discurso. A história é a sucessão de acontecimentos,

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personagens e cenários evocados pelo texto narrativo. É o conteúdo da narrativa. Discurso é o modo como o narrador dá a conhecer a história aos leitores, logo, é o próprio texto narrativo em que a história é plasmada. A unidade de medida da duração da história é temporal: o segundo, o minuto, a hora, o dia etc. A unidade de medida da duração do discurso é espacial: a linha ou a página (Lopes & Reis, 1988, p. 49).

A duração da história, então, de acordo com o pensamento dos autores acima, é determinada por “figuras de duração”. O “sumário” é a primeira delas, e faz com que o tempo da história ocupe pequeno espaço dentro da narrativa, O “sumário” serve de recurso para ligar episódios, resumir acontecimentos de menor importância e preparar a história para ações mais importantes. No sentido oposto ao “sumário”, temos o “alongamento”. Nele, o tempo da história ocupa na narrativa um espaço menor do que deveria. Neste caso, a história tem um curso vagaroso, geralmente rico em detalhes e descrições.

A “cena” é outra figura de duração. Este recurso tem semelhança com o texto de teatro, por exemplo. Nele, a duração do acontecimento e o espaço ocupado se aproximam. Isto porque a fala dos personagens — e a ordem das falas — é reproduzida na íntegra. Há, portanto, um diálogo e, por conseqüência, um drama. Apesar de não intervir nas falas ou na ordem delas, o narrador pode fornecer as informações sobre o que ocorre no “cenário” (no espaço físico e nas ações/reações dos personagens).

Já a “pausa” é uma figura de duração utilizada para interromper a seqüência narrativa. Enquanto o tempo da história pára, o narrador comenta, descreve ou faz digressões. O “corte”, ao contrário, interrompe o fluxo do texto, enquanto o tempo da história segue em frente. Você pode explicitar o corte ao anunciar os saltos de tempo. Para isto, há expressões do tipo “horas depois”, “vinte anos antes”, “minutos mais tarde” etc.

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NO RASTRO DA LITERATURA

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Segundo Muniz Sodré, o estilo de um bom profissional de revista poderá ser definido como a técnica da isenção e do encantamento. “Um estilo que fica a meio caminho entre o discurso denotativo e a literatura, combinando, às vezes, os dois sistemas” (1975 p44). No passado, muitas revistas, como Life e Realidade, lançaram mão, com freqüência, da estrutura do conto em suas reportagens. Não quer dizer que faziam literatura, exatamente. Do ponto de vista do profissional da palavra, há diferenças de perfil entre o escritor e o redator.

Para o redator, a linguagem é puro instrumento do pensamento, um meio de transmitir realidades. Para o escritor, ao contrário, a linguagem é um lugar dialético, em que as coisas se fazem e desfazem. Ou seja, o discurso literário está fundado na possibilidade de traduzir diferentes matizes do real. Sendo assim, a liberdade é total, inclusive para reinventar a própria linguagem. O jornalismo não. A base do discurso jornalístico é a simplicidade, a clara determinação do que tem correspondência com o real comum a todos, conforme nos diz Sodré (1975, p.45), citando Roland Barthes.

Não é a supra-realidade literária que interessa ao jornalismo. O que interessa é a precisão, pois tudo que se escreve em jornalismo deve ser verificável, comprovado na realidade imediata. A realidade do jornalismo se aproxima, então, de uma literatura não exatamente ficcional. Mas isto não impede o contrário: que a literatura de ficção, no conceito clássico, se utilize da realidade imediata e comprovável.

De certa forma, os meios de comunicação impressos acabaram tomando o lugar do livro, principalmente no Brasil, onde o jornal serve como livro de texto. É um resumo dos conhecimentos humanos e acontecimentos do momento. Como categoria estética literária, a linguagem jornalística se caracteriza pela correção, clareza, precisão, harmonia e

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diz alguma coisa em literatura, às vezes, é mais importante do que o próprio conteúdo do que se diz.

No entanto, em termos de conteúdo, não há nada que seja exclusividade do texto literário. Qualquer conteúdo pode ser englobado. Já o texto jornalístico tem por objetivo básico informar. Em revista, especialmente, documentar e interpretar, como veremos mais adiante. Informar, acima de tudo, é um compromisso do jornalismo. Compromisso que a literatura não tem. A literatura pode ser a palavra pela palavra. O texto literário reinventa também os conteúdos (filosóficos, psicológicos, sociológicos etc.). Isto porque o escritor (autor) os organiza como bem entende.

Em uma reportagem narrativa, é possível suscitar que sua matéria não se encerra depois de narrados os acontecimentos. E, dentro de um “imponderável limite”, você deve ser sensível, não ter medo de ser literário e expressivo jornalisticamente. É “imponderável” simplesmente porque é difícil demarcar uma divisória entre narrativa literária e jornalística. Então, ser expressivo significa, dentre outras coisas, que sua reportagem narrativa tem a obrigação de informar sempre do modo mais transparente. Por outro lado, ser literário significa, grosso modo, narrar, com efeito, com beleza e imaginação. Sem perder de vista os fatos.

Literatura sob pressão — A reportagem narrativa é um dos gêneros mais importantes em jornalismo e, provavelmente, o que mais aproxima o jornalismo da literatura. Mas jornalismo é mesmo um gênero literário? É literatura menor, maior, útil? Definir os laços que unem os dois estilos é tão difícil quanto demarcar as divisórias. Assim como alguns valorizam a condição literária do jornalismo, reconhecendo-o como

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uma espécie de literatura sob pressão, há os que rejeitam esta hipótese e até acusam o jornalismo de obstruir a criação literária.

Podemos dizer que jornalismo é uma das categorias da literatura. Em outras palavras, é literatura de massa. Segundo Alceu Amoroso Lima, jornalismo é um gênero literário, com seu próprio estilo, as suas regras, o seu jargão (1960 p.2l). Este é um conceito valioso, na medida em que concilia duas contradições principais: uma a de que o jornalismo, em si mesmo, não é literatura; e a outra, de que o jornalismo é literatura sob pressão.

Como gênero literário, Alceu Amoroso Lima situa o jornalismo como prosa de apreciação, ao lado da crítica e da biografia. Em prosa, Alceu divide a literatura em romance, conto, novela, teatro, prosa de apreciação e de comunicação. Assim, na crítica aprecia-se uma obra; na biografia, as pessoas; e o jornalismo aprecia os acontecimentos.página 60

O ideal sem fim — Neste sentido, nada impede que o jornalismo seja também uma literatura sob pressão. Para escrever, seja literatura ou jornalismo, é preciso inspiração, que nada mais é do que um exercício de criatividade. Em jornalismo, as pressões do tempo, do espaço e das circunstâncias podem tornar o ato de escrever uma verdadeira transpiração, mas nem por isso menos inventivo. É preciso escrever em pouco tempo, num espaço limitado de papel e sob a pressão do “tem de sair”. Porém, esta pressão não impede que o jornalista produza uma obra-de-arte, como ocorre na literatura. Em literatura, é verdade que há mais folga. Muitas vezes, tempo, espaço e conteúdo, por exemplo, dependem muito mais da cabeça do autor.

Mas as circunstâncias que levam jornalista e escritor a espalhar palavras sobre o papel podem ser as mesmas. Para fugir da mediocridade, ambos devem tomar o ato de escrever como um momento de livrar o corpo e o espírito de urna coceira, que apenas sossega quando o texto está pronto. Diz-se, muito oportunamente, que escrever é uma obsessão, uma praga. A busca do texto ideal não tem fim, porque se renova a cada reportagem escrita. Pode haver, inclusive, urna certa ansiedade do jornalista na hora de começar a escrever a matéria.

O desejo, o gosto e a necessidade de escrever são ingredientes importantes. Muita gente trabalha com o que não gosta. Mesmo assim, a maioria consegue desempenhar bem o trabalho indesejado. Por outro lado, por que você deveria se preocupar em escrever se você gosta do que faz? Por que um ótimo bancário ou corretor precisa pensar em se tornar um grande jornalista ou escritor?

Se você conhece ou admira um jornalista de revista, você poderá facilmente conhecer ou admirar um bom pintor, um ótimo dançarino, uma cozinheira genial ou uma arquiteta de vanguarda. São profissões. E é aí que mora a pergunta — caso você esteja certo de que escrever é mesmo o caminho para a sua satisfação pessoal: Afinal, que tensão é essa, que me gela a espinha e me apavora? Humberto Werneck, redator-chefe de Playboy, acha que a cada matéria o jornalista é tomado de uma espécie de aflição:

João Cabral de Meio Neto tem um verso assim: Escrever nunca é sabido. Quer dizer, ter feito um poema não te ajuda a fazer o seguinte, porque cada poema é um poema. (...) Isso não evita o frio na barriga diante de cada matéria a escrever. E uma espécie de virgindade renovada, e o sufoco é o preço que você paga para não escrever uma coisa burocrática (Carta do Editor, 1993, p4).

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Antiliterário — Mas há quem diga que jornalismo e literatura são independentes um do outro. Considerando, inclusive, que o jornalismo

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é a morte da palavra. Sem dúvida que Machado de Assis e Euclides da Cunha se consideravam mais livres quando podiam fazer exclusivamente literatura. Até os primeiros anos deste século, muitos jornais abriram espaço para a arte literária, produzindo folhetins e suplementos literários. Era o veículo jornalístico que se transformava numa espécie de indústria da literatura na época. Os escritores, então, se viram atraídos pela possibilidade de divulgar seus trabalhos.

À medida que os meios impressos passavam à condição de indústria, a elaboração jornalística sofria gradualmente as modificações que ainda são a base do jornalismo de hoje O folhetim e substituído pelo colunismo e mais adiante pela reportagem O artigo político da lugar as entrevistas E a informação predominando sobre a doutrinação Temas antes tratados como secundários, como esporte e polícia, por exemplo ganham destaque Do escritor habituado a assinar textos sobre assuntos de interesse específico, passam a exigir reportagens, entrevistas e noticias objetivas Edvaldo Pereira Lima comenta assim as interações da literatura contemporânea com a imprensa moderna:

O jornalismo absorve assim elementos do fazer literário, mas, camaleão, transforma-os, dá-lhes um aproveitamento direcionado a outro fim. A literatura está, até então, basicamente interessada na escrita. Mesmo quando representa o real, através da ficção, a factualidade concreta, efetiva — de acontecimentos, personagens e ambientes perfeitamente existentes e nominados, no espaço social verdadeiro — não é, na maioria dos casos, o item primordial. As exceções estariam com

os livros de memórias, com as autobiografias, com os relatos de viagens. Mas, grosso modo, não há na literatura contemporânea aos primórdios da imprensa moderna atual a necessidade do reportar, completamente factual. E é esta tarefa, a de sair do real para coletar dados e retratá-los, a missão que o jornalismo exige das formas de expressão que passa a importar da literatura, adaptando-as, transformando-as (Lima, 1993, p138).

Por outro lado, o jornalismo possui uma técnica específica de explorar a realidade. A literatura influenciou o jornalismo, mas o contrário também ocorreu, principalmente durante a década de 60, no movimento norte-americano conhecido como New Journalism, sobre o qual falaremos adiante. Esta influência pode ser comprovada na revista O Cruzeiro, dos anos 50, nas assinaturas de Jorge Amado, Erico Veríssimo e Graciliano Ramos, que em seus livros abordaram muito bem o realismo social brasileiro. Muitos jornalistas — escritores, inclusive — acham que o dia-a-dia do jornalismo ajuda a “depurar” o texto, no sentido de ser mais “direto” e mais “conciso”. “Verossimilhança, é isso que aprenderam os ficcionistas com o jornalismo, um recurso para lhes dar força ao texto do imaginário” (Lima, 1993, p.l83).

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Literatura se alimenta de enfoques contemporâneos ampliados. Além disso, é arte. Mas nada impede que a reportagem, a interpretação, a análise, o editorial se convertam em expressões de arte. Porém, o que o jornalismo expressa tem estilo e

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conduta próprios. Por isso, ele está pronto para sacrificar as virtudes da linguagem em nome da clareza, surpresa, síntese, consenso, impacto, novidade, efeitos etc. São características inerentes à notícia, que é a expressão básica do jornalismo e tem seu próprio território. Não é uma contradição afirmar que o jornalismo é um gênero literário. Apesar disso, o jornalismo, expresso pela técnica de “noticiar”, é também Antiliterário. Isto por uma razão muito simples: não pode alterar os fatos ou ser prolixo, sob pena de distorcê-los ou descaracterizá-los.

O termo “verdade”, quando usado com referência-a-obras de arte ou de ficção, tem significado diverso. Designa com freqüência qualquer coisa como a genuinidade, sinceridade ou autenticidade (termos que em geral visam à atitude subjetiva do autor); ou a verossimilhança, isto é, na expressão de Aristóteles, não a adequação àquilo que aconteceu, mas àquilo que poderia ter acontecido; ou a coerência interna no que tange ao mundo imaginário das pessoas e situações miméticas; ou mesmo a visão profunda de ordem filosófica, psicológica ou sociológica

— da realidade (Rosenfeld, 1987, p.l8).

Anatol Rosenfeld afirma que o “surgir” de um ser humano (personagem) declara o caráter fictício — ou não — de um texto. Em jornalismo, grosso modo, a existência concreta de um ou vários personagens, por si só, não torna o texto menos ou mais literário. Neste ponto, é bom termos o cuidado de não restringir o entendimento de “texto literário” apenas como “texto ficcional”. O que Rosenfeld sustenta é que o aparecimento de personagem (ns) possibilita a construção de orações “categorialmente diversas de qualquer enunciado em situações reais ou em textos fictícios”. E exemplifica com um trecho do livro Os noivos de Babette Bomberling, de Alice Berend: “Bem cedo ela começava a enfeitar a árvore. Amanhã era Natal”.

Numa obra histórica pode constar que Napoleão acreditava poder conquistar á Rússia; mas não que, naquele momento, cogitava dessa possibilidade. (...) É altamente improvável que um historiador recorra jamais a tais orações. (...) Em nenhuma situação real o amanhã poderia ser ligado ao era; e o historiador teria de dizer no dia seguinte, já que não pode identificar-se com a perspectiva de uma pessoa, sob pena de transformá-la em personagem (Rosenfeld, 1987, pp.24- 5).

Em literatura, a língua pode servir para fins teóricos ou estéticos. Em jornalismo, não. O jornalista não pode acrescentar aos personagens de

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são fato. Na ficção, o autor interpreta a “pessoa viva” na pele de uma outra pessoa — “o personagem de ficção”. O autor elabora esta interpretação “com a sua capacidade de clarividência e com a onisciência de criador, soberanamente exercida”, conforme nos diz Antonio Cândido (1987 p65).

Leitura pluridimensional — Uma coisa podemos dizer com certeza: qualquer personagem — em literatura ou em jornalismo impresso — só existe se existir a palavra escrita. Oswaldo Coimbra, fazendo referência a Beth Brait, em A Personagem (1987, p11), argumenta que “se quisermos saber alguma coisa a respeito de personagens teremos de encarar frente a frente a construção do texto, a maneira que o autor

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encontrou para dar forma às suas criaturas e aí pinçar a ‘vida’ desses seres” (Coimbra, 1993, p.7l).

Qualquer personagem possui traços característicos. Meredith & Fitzgerald (1993, p.l07) afirmam que um romancista emprega traços gerais,físicos, pessoais e emocionais. Segundo os dois autores, o ambiente e a hereditariedade formam os traços gerais; os traços físicos são aqueles expressos na criação física da pessoa; os traços encontrados nos aspectos éticos e sociais do indivíduo são os pessoais; os descobertos nos moldes mentais e psicológicos do indivíduo são traços emocionais.

Os traços gerais são comuns (universais) a todos os seres humanos. Entretanto, os demais traços dependem de uma série de fatores, de acordo com a proposta de Meredith & Fitzgerald. A cultura, a geografia, a história e a psicologia contribuem para o romancista formar o personagem. Do todo para as partes, os dois autores lembram que personagens de uma região específica podem exibir traços regionais; assim como os traços associados a grupos divididos por profissão, vocação, hobby, religião etc. (1993 pp.l06-8). Neste ponto, é preciso tomar cuidado com os estereótipos.O jornalista não faz ficção, não cria seus personagens. Os meios de comunicação podem mitificar um personagem já existente, mas não inventar um, dando-lhe um corpo, um nome, um lugar ou uma personalidade. Sem dúvida que sensacionalismo, pressa, equívocos de interpretação e parcialidade são fatores que colaboram para transformar o ser existente em algo que não é, ou no que poderia ser. Tudo depende, como sabemos da audiência, pois qualquer coisa ou ser que passa pelos meios de comunicação pode virar produto (marketing).

Os traços característicos, no entanto, não podem escapar aos olhos do jornalista. Se a leitura do personagem for unidimensional, a captação da informação também será. E, conseqüentemente, afeta a redação do

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texto. Isso ocorre com muita freqüência em matérias de perfil. A valorização de um único objetivo — enaltecer a intelectualidade, por exemplo — impede que venha à superfície a “dimensão” cotidiana do cidadão comum. Por mais rígido, um personagem nunca é linear. Os atos e os sentimentos dos seres humanos são contraditórios. Por isso, quanto mais autêntica e pluridimensional for a descrição do personagem, melhor para o leitor. E para o jornalismo.

Cuidado com o recheio — É verdade que literatura e jornalismo sempre tiveram ótimas relações. São vários os exemplos em que o grande escritor e o grande jornalista habitam uma só pessoa. Como Euclides da Cunha, Bernard Shaw, Ernest Hemingway, T.S.Eliot, Otto Lara Resende, Mário Quintana etc. Se escritor e jornalista diferem entre si quanto ao discurso, o mesmo nem sempre ocorre com o conto e a reportagem, por exemplo.

As duas formas em muito se assemelham. O conto é a forma mais curta da narrativa literária. A reportagem é a forma mais longa em jornalismo. Com certo cuidado, podemos afirmar que a reportagem está para o jornalismo como o conto está para a literatura. Em literatura, o conto, geralmente, já se inicia próximo do momento de maior tensão, do clímax.

Mas nada impede que a narrativa seja também um “crescendo”, ou seja, que os elementos (personagem, ação, espaço, tema etc.) estejam organizados de modo a deixar para o final o conteúdo de maior impacto. Como já vimos tudo depende da escolha que será feita previamente. ‘Seja no conto ou na reportagem, uma coisa é certa: há sempre

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— do ponto de vista do leitor-alvo — linguagem, forma e angulação mais adequada para a narrativa. É preciso pensar nisso.

Tanto o conto como a reportagem carecem, essencialmente, de força, clareza, condensação e novidade. A estes elementos deve-se acrescentar uma dosagem de suspense em relação ao tamanho do conto. A construção da reportagem, igualmente, não pode prescindir desses elementos. Sem força, seu texto será incapaz de arrebatar o leitor, de fazer com que ele chegue ao final da narrativa. Já dissemos isso aqui várias vezes. Seu texto precisa “pegar” o leitor, seja pela emoção ou pela razão. Humberto Werneck, redator-chefe de Playboy, alerta para um risco ao qual ninguém está imune:

A matéria tem que estar à altura do acontecimento. O jornalista tem que ser sensível à coisa sobre a qual está escrevendo. Tem que ir junto. E isto não é fácil, significa andar no fio da navalha entre a pieguice e a assepsia (Carta do Editor, 1993, p5).

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Além disso, especialmente no jornalismo, a clareza é indispensável, como já dissemos. É a objetividade da narrativa levando a compreensão imediata. Detalhes em excesso podem obscurecer a história em vez de enriquecê-la. A clareza é vital para seu texto não perder a força. No conto, é às vezes fundamental eliminar todas as idéias e/ou situações intermediárias, todos os recheios e fases de transição que o romance permite. Intensidade, em reportagem, significa criar uma aproximação entre os elementos essenciais e suprimir aspectos intermediários supérfluos.

O lado surpreendente — Quando os elementos narrativos ou descritivos de sua reportagem estiverem dispostos em seqüência, conduzindo a um clímax dentro da história, haverá suspense, necessário para manter a “curiosidade” do leitor. Alguns textos podem variar os pontos climáticos da história, alternando ou dosando os momentos de maior tensão. Agora, todas essas características essenciais, comuns ao conto e à reportagem, devem ser novas, inéditas, conter uma observação diferente do que já foi dito sobre aquele determinado fato, pessoa ou tema. No início, falamos um pouco sobre a importância do projeto de texto. É valioso escolher a melhor angulação, a que for mais insuspeita. “A novidade diz respeito ao caráter de imprevisibilidade que um texto possa conter, tanto ao nível do conteúdo quanto da forma” (Sodré & Ferrari, 1986, p76).Por isso, seja sempre original. Evite as formas que você já conhece. Procure uma angulação nova e ajuste o tom da narrativa ao assunto ou tema. E, em se tratando de revista, seja surpreendente. Lembre-se: tensão, condensação e novidade são fundamentais para se obter força. Já a clareza é fundamental até num texto fraco.

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SEMELHANÇA AOS DOMINGOS

Como gênero jornalístico, vimos que a reportagem é prima-irmã do conto. Já dissemos também que a reportagem é a matéria-prima da revista semanal de informação geral. Mas não é só em revista que isso pode ser verificado. Os grandes jornais diários elegem o domingo como o dia em que as notícias da semana são desdobradas em reportagens, aproximando-se muito do estilo magazine. “O jornal dominical, como é

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conhecido hoje, tem o peso de um livro e no seu conteúdo associa o jornal propriamente dito e a revista” (Bahia, 1990, p.234).

Em jornalismo, todas as semanas também têm sete dias, que variam muito entre si. De segunda a sábado, por mais diferentes que possam ser estes seis dias, a cobertura é diferente da que se faz no domingo. No domingo, o espaço para as notícias é ocupado de outra forma, assim como os espaços para a publicidade. Os cadernos culturais, por exemplo, têm assumido formas estéticas semelhantes às de uma revista semanal. Em alguns jornais, os cadernos culturais já se assemelham a uma revista, inclusive nos outros dias da semana. Mas é no domingo que se acentuam as semelhanças.

O jornal-revista dominical tem o que publicam o jornal diário, o jornal radiofônico e o telejornal, ou seja, notícias de interesse geral. Além disso, tem o que publicam as revistas semanais de notícias: um grande assunto ou assunto de capa, com profundidade, originalidade e exatidão. “A edição dominical, aliás, prenuncia uma nova etapa do jornal diário, que é a sua inclinação para revista” (Bahia, 1990, p.236). Isto pode ser percebido no modo como o jornal apresenta a notícia. O usual é fazer uma análise em profundidade. Neste sentido, todo jornal precisa de um bom caderno cultural. É onde se faz experiências mais ousadas, que revigoram o jornal. Trataremos disso mais adiante.

Página 67Na raiz dos problemas- O jornal é o centro dos interesses do leitor, mas é nos

suplementos que encontramos mais acentuadamente o estilo revista, com um conjunto de assuntos especiais, concentrando variedades de leitura ao gosto do leitor dominical, O que importa a uma edição de domingo é dar vigor à sua função informativa, sem comprometer a atualidade. Em linhas gerais, o jornal diário (de segunda a sábado) não concorre com a revista semanal, porque tem características circunstancialmente distintas.

No entanto, o que se vai ler no domingo é preparado desde o começo da semana e fechado a partir de sexta-feira cedo ou mesmo antes. Com mais tempo que o jornal diário para elaborar as matérias, alguns cadernos podem enquadrar com mais apuro os acontecimentos. Aos domingos, o jornal amplia seu enfoque e seu aspecto, e é mais consistente. Na edição de domingo, como na revista informativa geral, a reportagem é a base do êxito. Do mesmo modo, a periodicidade de uma revista é fator determinante para o estilo de texto. O modelo de jornalismo comum de segunda a sábado é o factual, menos adaptável ao domingo por ser menos interpretativo.

Assim, há espaço para uma visão descritiva, para matérias de interesse humano, em que o perfil e a personalidade tenham realce; matérias de debates, que reproduzam diálogos, exponham intervenções, entrevistas, controvérsias e pontos de vista sobre assuntos específicos; matérias polêmicas ou documentais. No domingo é possível ir à raiz dos problemas por diferentes ângulos, O texto de alguns cadernos de domingo e dos cadernos culturais de todos os dias se identifica muito com o estilo magazine, sobre o qual falaremos a seguir.

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IIIO estilo magazine

GRAMÁTICA PRÓPRIA

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Anteriormente, vimos que cada veículo tem sua maneira de ser, seu estilo Sem perder de vista certas regras básicas do estilo jornalístico, a revista-magazine compreende uma grande variedade de estilos. Sem dúvida que é uma prática jornalística diferenciada. Numa revista encontramos a fotografia, o design e o texto. Em termos de atualidade, apesar de permanecerem mais tempo nas bancas, as revistas são produtos mais duráveis que os jornais. É preciso lembrar novamente que a revista é mais literária que o jornal no que se refere ao tratamento dado ao texto. Admite usos estéticos da palavra e recursos gráficos de modo bem mais flagrante que os jornais. Além disso, a revista é mais artística quanto aos aspectos de programação visual.

As revistas podem ser divididas em três grupos estilísticos: as ilustradas, as especializadas e as de informação-geral. As informativas-gerais são as que mais nos interessam, de acordo com o propósito deste trabalho. De certa forma, qualquer revista é especializada, já que pretende um público determinado. As informativas-gerais possuem também algumas características bastante semelhantes àquelas do grupo das ilustradas. A especialização de uma revista pode ser temática ou segundo a segmentação dos leitores. Roberto Civita, presidente do grupo Abril, acha que para uma revista sobreviver é preciso saber definir bem o seu público. “Na Abril, fomos evoluindo e acabamos adotando a estratégia de segmentação, porque é o que os leitores querem” (Markun, 1988, p.29)

Quanto mais amplo e mais de massa for o público pretendido por uma revista, mais o repertório lingüístico usará formas tradicionais, confirmadas socialmente. O estilo gráfico e a linguagem tendem para uma gramática própria do gênero revista. Na escolha dos significados, além do habitual estilo formal-coloquial do jornalismo, a revista toma ex-página 71

pressões da literatura e as transpõe para o uso corrente. Da mesma forma o faz com expressões populares (jargões, neologismos, coloquialismos etc.). Daí pode-se obter uma outra forma de expressão, ao mesmo tempo criativa e erudita.

A receita de O Cruzeiro, por exemplo, nascida em 1928, era aparentemente simples: Resenha do noticiário nacional e internacional da semana, com farto material fotográfico; textos literários; reportagens sobre as ainda pouco conhecidas fauna e flora brasileiras e uma série de colunas que abarcava um leque variado de assuntos (Neto, 1990, pp. 52-61).

Por essas e outras razões, a principal causa do sucesso de O Cruzeiro talvez tenha sido abrir as janelas da modernidade para a imprensa brasileira, utilizando-se de um jornalismo ágil e, sobretudo, investigativo e polêmico. O Cruzeiro perdeu o fôlego por não saber reciclar sua fórmula, que se esgotou. Houve problemas com os Diários Associados, império editorial erguido por Assis Chateaubriand, ao qual pertencia a revista. Além disso, ocorreram pesadas batalhas com a versão espanhola (O Cruzeiro Internacional), que tenta obter uma fatia do mercado hispano- americano. Mas Life international, concorrente direta, vence a briga.

Frases criativas — Enquanto o jornal diário usa em seu proveito a tradição, as revistas preocupam-se com sua contemporaneidade e atualidade. Necessariamente, a revista não se obriga a registrar ocorrências que não se enquadrem em seu apelo e seu leitor-alvo. O planejamento editorial de uma revista envolve ritmo gráfico, visual e de sentido das palavras.

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Além do mais, há o empenho de sustentar o interesse do leitor. Daí se produzir uma capa com os atrativos de uma embalagem, e não apenas um julgamento de importância jornalística. “O acontecimento em si mesmo é tratado com aparência, isto é, como significante de um significado essencial, político, econômico, cul5ural, apontado por um futuro imediato ou remoto” (Lage, 1982, p. 95).Sendo assim, não vemos numa revista fórmulas de redação muito rígidas, como no texto de um jornal diário. Nos magazines de informação-geral, o texto é organizado em tópicos frasais e documentações. Trata-se de abordar o assunto, não o fato. Este fica por conta dos jornais, do rádio e da televisão. .

A abertura das matérias é quase sempre uma narrativa climática seguida do primeiro tópico frasal. Geralmente, é uma estrutura baseada em antíteses: o fato e sua causa surpreendente, a aberrante aproximação de dois casos; do fato e sua circunstância, do fato e sua conseqüência. Criado o clima de tensão e angústia, que é a própria motivação para a leitura, logo depois vem a explicação da antítese. Exemplos:

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O mundo já tem data para acabar: 14 de agosto de 2126. O apocalipse viria na forma de um cometa de 9,6 quilômetros de diâmetro, que cruza o espaço numa velocidade de 220 mil quilômetros por hora. Se essas previsões se confirmarem, ao se chocar com a Terra, ele provocará uma explosão equivalente a 20 milhões de megatons, poder de destruição 1,6 milhão de vezes maior do que o da bomba atômica que arrasou a cidade japonesa de Hiroshima, em 1945 (Isto É, 04/11/92).

Milhões de europeus foram sacudidos semana passada por um furacão monetário que os fez reavaliar, com nova suspeita, o projeto de uma Europa sem fronteiras. De uma ponta a outra do rico e normalmente estável continente, pessoas que costumam bocejar ao ouvir expressões como “paridade cambial” ou “taxa de redesconto” entraram em transe, interessadíssimas em acompanhar pregões de câmbio e reuniões de gabinete. Ameaçados de pagar mais caro pela feira semanal e de ver seu patrimônio e suas poupanças corroídos pela desvalorização da moeda, os europeus ficaram atentíssimos ao furacão, o pior dos que chacoalharam a colcha monetária do continente nos últimos trinta anos. O vendaval estraçalhou meia dúzia de moedas e, no correr da semana, ficou clara a ameaça que colocava para o plebiscito no qual, neste domingo, dia 20, os franceses iriam dizer sim ou não ao acordo de união política e monetária da Europa, o polêmico tratado de Maastricht (Veja, 23/09/92).

Favela Ilha da Lagoa Dourada, Fortaleza, quarta-feira 10, 9h30. Como faz todas as manhãs, a dona de casa Maria Rivanda Câmara, 38 anos, chamou a mais velha de seus sete filhos, Ivana, 12 anos. Com quatro baldes vazios nas mãos, elas saíram do barraco coberto de tiras de plástico preto — um único cômodo sem camas nem fogão, às margens de uma lagoa escura e poluída, que se chama Lagoa Dourada. Após caminhar pouco mais de 200 metros, as duas chegaram a uma outra lagoa, formada pela água recolhida no esgoto de um conjunto habitacional vizinho à favela. Indiferentes à recomendação recebida minutos antes do prefeito Antônio Cambraia (PMDB) e de um grupo de políticos, Maria Rivanda e Ivana debruçaram-se sobre a cacimba e recolheram a água para o consumo diário da família: beber, cozinhar e lavar roupa. “Eles dizem que não podemos tomar esta água porque vamos ficar com cólera, O que podemos fazer se esta é a única água que temos?”, conforma-se Maria Rivanda (IstoÉ, 17/03/93).

A guerra civil devastou a Somália até apagar qualquer vestígio de lei, ordem ou civilização. Nas ruínas daquilo que um dia foi um país, bandos rivais travam uma luta feroz, enquanto a fome toma conta de cidades e campos, ceifando 200 vidas por dia. A

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calamidade é uma das piores do nosso século, mais mortífera do que a seca na Etiópia que, em 1984, galvanizou o mundo numa ofensiva de solidariedade movida a concertos de música pop. Ao contrário do que ocorreu com a Etiópia, ninguém parece se importar com a tragédia somaliana (Veja 19/08/92).

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Desde que o paredão comunista do Leste Europeu começou a estalar suas estruturas em 1989, os “skinheads”, a tropa de choque da extrema direita alemã, começaram a lubrificar suas armas e a ensaiar uma coreografia de golpes e marchas marciais. A excitação se tornaria maior no ano seguinte, quando ruiu fragorosamente o muro de Berlim e as duas alemanhas se tornaram uma só. Na última semana, a Europa, traumatizada com os acontecimentos na ex-Iugoslávia, assistiria a outro espetáculo lamentável que reviveria os áureos tempos do hitlerismo (IstoE, 02/09/92).

A frase criativa substitui o lead. Mas a forma antitética não é a única existente. Há outras, como, por exemplo, a construção declaradamente interpretativa. Primeiro dá-se o nome ao fato, para depois quantificá-lo.

Dar pistas — A forma de abertura é talvez um dos principais diferenciadores do texto do jornal diário e da revista semanal. Fora da ordem tradicional, a abertura é um inteligente exercício de raciocínio, O fato é pretexto para uma análise mais aprofundada do tema ao qual se refere. Por isso, o lead do jornalismo diário é incompatível com a proposta de texto de uma revista semanal de informações. Nas primeiras edições de Veja, o então editor Mina Carta escreveu na seção Carta ao Leitor:

O fato tem sempre que representar uma situação maior do que ele — e, então, tentaremos explicar suas razões e antecipar seus desenvolvimentos. Não é preciso, necessariamente, partir dos acontecimentos para alcançar

verdades cósmicas. Basta chegar às verdades do momento em que vivemos (Souza, 1988, p. 91).

Nessa mesma época, entre janeiro e fevereiro de 1969, Mino discorreu sobre a objetividade no jornalismo, na mesma seção. Segundo ele, Veja não buscava a objetividade, pois esta só poderia ser alcançada na medida em que repórteres e redatores fossem frios, “impassíveis feito máquinas”. Só assim seriam capazes de registrar e transmitir os fatos sem o mais leve sinal de emoção ou participação. O motivo de tais análises na seção Carta ao Leitor era tentar explicar a linha editorial da revista, que estava em suas primeiras publicações.

Em tese, uma revista tem obrigação de acompanhar o fato e ir além dele. Tem de municiar o leitor com informações sobre o que tal fato está indicando, que tipo de mudanças e o que ele realmente significa. Não pode, por isso, ter a pretensão de dar a palavra final. Deve dar pistas ou até mesmo mais uma interpretação dos acontecimentos. E preciso fugir da cobertura a reboque, que o jornal e a TV têm que fazer. Mesmo que acrescentem um dado analítico ou opinativo à pura notícia do fato, o jornal e a TV o fazem num espaço muito curto de tempo.

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A primeira obrigação do jornal diário e do telejornalismo é dizer o que está acontecendo. Os jornais tendem a particularizar o fato, tratando-o com imediatismo e pulverizando suas conseqüências. O jornal diário tem de noticiar as exceções, ou seja,

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tudo aquilo que escapa à normalidade. Já a revista semanal de informações deve tratar o conceito de notícia de um modo mais amplo, restabelecendo um contexto maior.

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O DIAGNÓSTICO

A interpretação é outra das características básicas do jornalismo de revista. O fato em si pode conter a força de uma série de acontecimentos. “O suceder dos fatos tem sua acentuação tônica, seu ponto alto, sua essência, que o artista (jornalista) identifica, seleciona, para fixar depois, em palavras” (Beltrão, 1976, p.47). Em jornalismo, submeter os dados recolhidos a uma seleção crítica e depois transformá-los em matéria significa interpretar. Jornalismo interpretativo é o esforço de determinar o sentido de um fato, por meio da rede de forças que atuam nele. Quando, inversamente, existe uma atitude de valorizar o fato ou seu sentido, já não é mais jornalismo interpretativo, e sim opinativo.

Segundo Luiz Beltrão, no que se refere à interpretação, há jornalismo extensivo e intensivo. O primeiro é predominantemente informativo, sem preocupação com a análise, produzido sob a pressão do tempo e do espaço e, muitas vezes, influenciado pelas emoções do momento. Já o jornalismo intensivo é exercido à base de reflexão. Os temas e as matérias são selecionados e as informações, transmitidas do modo mais completo possível, em profundidade. O jornalismo extensivo, na década de 50, era o dos noticiosos radiofônicos, enquanto que o jornalismo intensivo aparecia com maior freqüência exatamente nas revistas.

No jornalismo interpretativo está inserida a reportagem individual e investigativa. Para se fazer um jornalismo mais analítico não é preciso, necessariamente, haver um trabalho em equipe. Interpretar é dar a informação sem opinar, expondo ao leitor o quadro completo de uma situação atual. De modo geral, o jornalismo interpretativo deve ser um trabalho coordenado. O produto (ou a notícia) que será publicado é a informação em toda sua integridade. Captada, analisada e selecionada pelo jornalista. A ele cabe o diagnóstico.

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No entanto, o texto interpretativo permitir que o leitor o interprete. No Brasil, pouco a pouco, o gênero investigativo foi sendo abandonado. Os grandes jornais preferiram adotar uma linha empresarial, que consiste basicamente em informar sem comprometer-se (Beltrão, 1976, p.54).

Critérios de valor — boa reportagem é aquela que consegue apresentar a notícia em profundidade, com objetividade e padrão ético. Em revista informativo-geral, o importante é puxar o cordão dos fatos, desamarrarem o fio dos eventos, oferecerem diferentes ângulos de visão da situação, complementando com históricos, depoimentos, dados estatísticos, documentário fotográfico, enquadramentos ideológicos e prognósticos.) Para realizar um jornalismo interpretativo nesses moldes é preciso que um comando editorial identifique o objeto de maior importância e interesse para seu público. E então trabalhá-lo exaustivamente.

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Veja e IstoÉ publicam exaustivas análises dos fatos da semana. Sem a correria dos prazos de fechamento do jornal diário e sem o compromisso de atualidade mais urgente. Também por este motivo, a revista chega às bancas numa “embalagem” bem mais atraente. Pode, inclusive, tornar-se artigo de coleção, bem próxima do livro. As matérias de uma revista semanal de informações devem oferecer ao leitor discussão e conhecimento, por meio de um texto ágil e bem redigido.

E preciso escolher os assuntos que, por sua permanência no noticiário ou importância histórica, não perderão atualidade até que a revista chegue às bancas ou às mãos de seus assinantes. É valioso discutir o melhor ângulo de condução de cada matéria, as melhores fotos e algo mais que se possa oferecer. Pensa-se na matéria de modo a aproximá-la o máximo possível da última palavra dita sobre o assunto.

Segundo Luiz Beltrão, no jornalismo interpretativo, os critérios de valoração específicos, que levam a identificar o objeto de maior importância, podem ser adotados com base numa escala de valores. Primeiramente, o valor absoluto, aquele que a notícia tem por si mesma. Em segundo lugar, o valor intrinsecamente relativo é obtido por um detalhe, um matiz que dá um relevo inesperado à notícia. Por último, o valor extrinsecamente relativo. Este depende das circunstâncias para se obter um número maior ou menor de leitores para os quais a notícia é fundamental.

Vazios informativos — De acordo com essa orientação, ao jornalismo interpretativo cabe identificar, em primeiro lugar, as notícias de valor absoluto, que despertam interesse e importam a todos os leitores; em seguida, deve identificar as demais, que, segundo Luiz Beltrão, se-

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guem algumas “circunstâncias” básicas: proximidade no tempo e no espaço, número e qualidade das pessoas envolvidas e valor material e/ou ideológico.

Proximidade no tempo quando o fato é “quente”, atuante, capaz de afetar a vida, os hábitos, os projetos e as decisões do leitor; proximidade espacial porque, por exemplo, o que acontece no Brasil tem mais repercussão do que o mesmo incidente ocorrido na Argentina (país vizinho), em Portugal (mesma língua), nos EUA (ligação político-econômica), na França (intercâmbio cultural) ou na Indonésia. O número e a qualidade das pessoas envolvidas são termômetros para a ação interpretativa.

Os participantes de um fato estejam eles envolvidos por sucesso individual ou por um flagelo, podem impor urgente interpretação. Ocorre o mesmo quando um fato representa valor material e/ou ideológico e afeta o equilíbrio das vendas em banca. Notícias como oscilações na bolsa, resultado de eleições, início de conflitos armados, reformas sociais, crenças, doutrinas religiosas ou filosóficas que possam se estender para outros países são irrecusáveis objetos de informação exaustiva.

Depois da identificação de tais objetos, ou seja, selecionadas as ocorrências dentro da escala de valores proposta anteriormente, trata-se de aprofundar a realidade. Nesse ponto, quem vai investigar a notícia e transformá-la em grande reportagem deve meter-se de cabeça nela. Os fenômenos históricos não são conseqüências gratuitas e espontâneas. Por isso, é fundamental estar informado sobre a mais profunda verdade das coisas. “Sobre o que se esconde por detrás de páginas e páginas de notícias que procuram camuflar a realidade” (Beltrão, 1976, p.76).

O jornalismo informativo está limitado à narrativa horizontal do acontecimento. Nesse caso, “dar uma olhada” é mais importante e necessário que “ter uma visão”. Por isso, há uma enorme diminuição no corpo da informação. Como destaca Beltrão, em

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lugar de um jornalismo “axiológico”, faz-se um jornalismo “coisificado” e, portanto, medíocre e pouco duradouro.

Certamente, não haverá informação completa, total, se dela forem excluídos seus valores. O tratamento investigativo dos valores que integram um acontecimento ou que a ele estão incorporados, não é levado em conta pelo jornalismo informativo do jornal diário. Geralmente, quanto maior o interesse pelo fato, maiores são os vazios informativos da notícia. Há que se preencher esses vazios informativos na notícia — e isto é documentar — com o fim de mostrar a dimensão exata do que é noticiado.

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SENSACIONALISMO SEM DATA

Quem vai produzir uma informação interpretativa de atualidade tem o mesmo problema que o leitor ao qual esta informação será dirigida. Ambos identificam o fato, inteiram-se dele, mas tem consciência de vazios que não o farão se sentir realmente informado. Recebendo a informação puramente episódica, seca e objetiva de um jornal diário provavelmente o leitor buscará uma complementação na revista informativa-geral.

O produtor da informação, ou seja, todo o corpo de redação e edição de uma revista,, certamente vai procurar preencher essas lacunas através da documentação. assim, investigando valores e aspectos essenciais para a estrutura da informação, o texto da revista se antecipará à expectativa do leitor, na maioria das vezes perplexo diante de um fato, idéia ou situação surpreendente. O leitor sente e vive a “explosão” dos fatos, mas suas razões e consequências implícitas ou obscuras lhe escapam.

A revista deve arredondar a informação, fazer uma prospecção para a semana seguinte. A revista tem de responder aos porquês do fato; é por aí que se mede sua consciência. Os jornais diários, extremamente objetivos, a menor ambigüidade possível. Na revista, ao contrário, o texto precisa ter ecos e ressonâncias. Por isso, a construção das frases é mais complexa. Isso pode fazer com que cada frase se torne um território minado, sujeito até mesmo a “duplas interpretações”. Os modelos de textos das brasileiras Veja e Isto É foram obtidos segundo os padrões das principais revistas do mundo, como Time, Newsweek, Stem, Paris Match e outras.

Veja procura responder aos porquês de acordo com sua proposta de ter, no mercado editorial acima de tudo, um produto agradável e ao mesmo tempo requintados. Em Veja encontramos, de modo mais marcante, o que Muniz Sodré considera a chave para o entendimento dos padrões editoriais do jornalismo de revista: sensação, sucesso e relaxamento. “Tais padrões

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visam atingir o leitor em seus tempos mortos com relação ao trabalho, proporcionando-lhe horas de entretenimento evasivo” (1975, pp.44-5).

Os assuntos considerados de interesse, segundo Sodré, são abordados por ângulos espetaculares, sensacionais. No jornal diário, o sensacionalismo é quase sempre datado, refere-se a um fato coincidente ou próximo da data de elaboração do mesmo. Nas revistas, o sensacionalismo, freqüentemente, é sem data. A data de elaboração da notícia pode estar distante do fato que a gerou.

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Critérios de atualidade — O sensacionalismo é uma forma de sedução do texto da revista semanal de informações, assim como a que Muniz Sodré chamou de “sucesso”. O sucesso de um indivíduo, um grupo, uma instituição são alguns dos fatores que garantem um clima de satisfação e prazer estabelecidos pela ordem social. Luxo, alta posição social, feitos extraordinários, beleza física e outros fatores enquadram-se no padrão Veja de valorização do sucesso. Dentro de sua proposta, Veja se mantém fiel ao seu leitor, à medida que busca sofisticação visual na escolha dos personagens de uma determinada notícia. Em outras palavras, Veja tem uma espécie de “filosofia do agradável”.O relaxamento, terceira característica do padrão editorial das revistas, segundo Sodré, é o convite ao entretenimento. Procura-se liberar os sentidos do leitor. O jornal diário, muitas vezes, é lido por necessidade ou para alimentar um desejo de informação tão imediato quanto o próprio texto da notícia que está sendo veiculada nele. Ler revistas como Veja e IstoÉ, ao contrário, pode ser um programa.

Talvez o maior prazer na leitura de uma revista se deva exatamente a esta “ruptura” com o imediatismo do jornal. Alcança-se uma certa estabilidade emocional em relação ao fato, pois é possível o leitor programar a hora de leitura ou simplesmente deixar que surja um horário vago para fazê-lo, independentemente do quando. Daí a importância de se valorizar as notícias de uma revista segundo critérios de atualidade.

Além disso, o aspecto gráfico, presente em qualquer dos padrões editoriais de revista, desempenha também um importante papel provocador. No caso de Veja, contudo, o arrebatamento da imagem fotográfica, a paginação bem-cuidada, não chegam a limitar a percepção do leitor em relação ao conteúdo do texto, conforme se vê mais acentuadamente nas revistas que privilegiam a imagem. Genericamente, a revista é um produto de mercado. O interesse do editor, obviamente, é de que ela venda.

Por isso, além de irrigar a opinião pública, a revista é feita para o entretenimento. De quem redige para uma revista, seja ilustrada, informativa-geral ou especializada, são exigidos textos brilhantes e leves. Como vimos no capítulo anterior, mesmo o jornalismo diário não escá

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pa aos padrões editoriais do jornalismo de revista, principalmente aos domingos. A tendência do jornalismo diário é também de reservar um maior número de páginas para assuntos tradicionalmente específicos de revistas, embora mantenham sua função de informar e relatar a fração diária da história.

Caminhão andando — A adaptação dos profissionais oriundos da imprensa diária não foi fácil. Veja, por exemplo, que começou a circular em 1968, contratou jornalistas experientes e os primeiros textos não tiveram bons resultados dentro do que propunha o projeto inicial da revista. Os debates entre os principais editores e diretores de redação começaram em torno do que seria o texto - Veja. Inicialmente, nem sabiam o nome da revista. Mas sabiam que seria uma revista nacional, baseada em texto, que deveria interessar tanto ao leitor de São Paulo ou Rio como ao do mais remoto ponto do interior do país.

Antes do primeiro número, foram projetadas algumas grandes reportagens. O objetivo era ter produção suficiente para depurar o material, até chegar ao texto-padrão de Veja. (...) A primeira experiência foi trágica. O que os editores tiveram

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nas mãos era apenas uma grande matéria, digna de ser publicada no Jornal da Tarde, mas nunca numa revista semanal de informações (Souza, 1988, p. 83).

Um ano antes, em 1967, havia saído nos principais jornais e revistas brasileiros um anúncio com o seguinte título: “Você quer ser jornalista?” O texto do anúncio dizia que a editora Abril estava procurando pessoas com curso superior e idade inferior a 30 anos para trabalhar como redatores de uma “revista semanal a ser publicada em breve”. Na época, a profissão ainda não havia sido regulamentada, o que facilitou a execução da idéia. Das 1,8 mil pessoas que responderam ao anúncio, 250 foram classificadas. Durante seis meses fizeram um curso teórico-prático.

No corte final, 50 foram aproveitados por Veja e, dentre estes, alguns foram enviados para sucursais em outros estados. Ninguém tinha experiência em revista. O grupo de jornalistas, em sua maioria vindos de jornal diário — principalmente do Jornal da Tarde —, tentara se enquadrar no esquema do “produto Veja”, mas no começo não se adaptaram.

O produto Veja, de início, não vende. Além de falhas no organograma, Roberto Civita e Mino Carta concordam que a revista era complicada demais, tinha texto demais e era um texto difícil de ler. (...) Então tínhamos que aprender a fazê-la, aprender a torná-la mais atraente. Não mudar-lhe o propósito, mas executá-la melhor. Era como construir uma carroceria com o caminhão andando (Souza, 1988, p. 93).

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TENDÊNCIAS DIVERSAS

Nas duas grandes guerras, as revistas desempenharam um papel abrangente. Além do mais, eram as únicas que podiam oferecer aos seus leitores imagens nítidas dos acontecimentos relatados diariamente pelos jornais. Mas, a partir dos anos 50, uma avalanche de novas tecnologias se abateu sobre o universo da informação. Assim, as revistas tiveram de descobrir outras rotas para resistir à televisão, por exemplo, a arquiinimiga.

Em 1957, começou, a se usar a cor em O Cruzeiro e Manchete, uma espécie de ação preventiva contra o preto-e-branco da TV. Em termos econômicos, no entanto, as revistas semanais se tornaram inviáveis, O fenômeno ocorreu em outras partes do mundo, onde também revistas fotográficas mensais e quinzenais não puderam fazer frente aos altos custos. Apesar de tudo, as revistas acabaram criando um lugar para a complementação do noticiário diário: “A revista interpretativa. Entre o novo jornal e a velha revista fortificaram-se as revistas noticiosas, gênero imaginado por Henry Luce na década de 20, quando criou Time, em 1922” (Dines, 1974, p. 67).

O glamour de revistas como Manchete, Look, Life, Realidade e O Cruzeiro foi inviabilizado pela explosão dos meios televisivos. Quando a americana Life fechou as portas, vendia ainda de seis a sete milhões de exemplares por semana. Mas nada de anúncios. Assim, o preço necessário para vender a revista e de circulação era muito alto, impossibilitando o equilíbrio das vendas. Era preciso um enorme volume de publicidade semanal, que não se conseguia mais. Atualmente, grande parte das tiragens das revistas, inclusive Veja e Isto É, é comercializada por meio de assinaturas. A disputa não é só por anunciantes, mas também por “assinantes”.

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Versões variadas — Em 1976, Mino Carta deixou a Veja e participou do lançamento de Isto É, então uma revista mensal, que no ano seguinte passou a ser semanal e concorrer diretamente com Veja. Mino Carta explicou a diferença básica entre as duas revistas no primeiro número semanal de lsto É. Segundo ele, Isto É suscitaria debates, não havendo exigência em termos de “opiniões convergentes”: “Por isso, é freqüente o leitor encontrar determinado enfoque numa página, e outro, bem diverso, nas páginas subseqüentes” (Souza, 1988, p. 100).

De certa forma, esta preocupação com a linha editorial de lstoÉ ainda resiste: personalização do estilo e da opinião dos repórteres. Já o modelo de “texto pasteurizado”, obtido por Veja durante longo tempo, não existe mais. No entanto, trata-se também de um estilo, é bom lembrar. Um estilo (modelo) adotado, inclusive, pelos magazines norte-americanos. Veja ainda adota uma estrutura redacional bastante hierarquizada, com redatores específicos e várias graduações no corpo do comando editorial. Em Isto É, cabe ao repórter apurar, redigir e, na maioria das vezes, assinar o texto. Contudo, esta diferenciação tende a reduzir-se.

A personalização elimina, pelo menos em parte, a preocupação com a uniformidade tanto da linha editorial quanto das angulações específicas de cada matéria. A maneira de ser de Isto É lhe confere um estilo de jornalismo mais ousado. Um bom exemplo do caráter investigativo da revista foi a cobertura do impeachment do ex-presidente Fernando Collor. Durante todo o processo Isto É mostrou disposição de ir fundo na verdade dos fatos e de preencher os vazios deixados pelo jornal diário e pela TV, às vezes até antecipando-se a eles. Mas, como qualquer revista, Isto É se sustenta em grande parte pelo número de assinantes. Sendo assim, sabe o que seus leitores querem.

Lembre-se de que, no conjunto, o texto de qualquer revista — não importando o estilo — esconde uma tendência. A tendência de uma revista é a inclinação de seus leitores. Então, é adaptar-se a eles. Os diagnósticos apresentados na interpretação de um fato também não estão imunes às tendências. A imparcialidade, por excelência, também não existe nas revistas semanais de informação. Talvez por isso Isto É adote em seus textos construções estilísticas menos ousadas do ponto de vista da linguagem, mas de conteúdo fundamentado nos vários testemunhos do fato.

Enquanto o indício expressa uma probabilidade, o testemunho muitas vezes aponta para uma evidência. De qualquer forma, a presença de dez pessoas no instante do acontecimento pode gerar versões variadas. Mas o testemunho nem sempre é prova inegável. Para valer como “evidência”, o testemunho deve ser fidedigno e autorizado. Já os dados estatísticos como nos dizem Othon Garcia, são valiosos se incontestáveis. Mas podem servir tanto para provar quanto para refutar a mesma tese (1969, p.3&3).

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CONTEMPORANEIDADEEM FOCO

Um outro gênero jornalístico merece destaque: o livro-reportagem. Anteriormente, vimos que a revista semanal de informação geral preenche certas lacunas deixadas pelo jornalismo diário padronizado. Atualidade e periodicidade são duas características fundamentais no campo da atividade jornalística. No entanto, tais características limitam o trabalho do profissional, que é forçado a esclarecer a realidade imediata sem ao menos provocar a compreensão do leitor.

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Muitos fatos ascendem à condição de notícia, podendo ou não atingir o patamar de reportagem. Isso depende, dentre outras coisas, de critérios de valor. Obviamente, nem toda notícia atingirá o degrau superior. Mas caso valha uma reportagem, o critério de atualidade é uma das exigências. Edvaldo Pereira Lima, professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), se dedica ao estudo do livro-reportagem como prático de jornalismo avançado e literário. Duas proposições que nos interessam diretamente. O autor introduz ainda novos conceitos e relações concernentes ao texto criativo. Por isso o livro de Edvaldo servirá de base a este subcapítulo.

O livro-reportagem cumpre um relevante papel, preenchendo os vazios informativos deixados pelo jornal, pela revista, pelas emissoras de rádio, pelos noticiários de televisão. Mais do que isso, avança para o aprofundamento do conhecimento do nosso tempo, eliminando, parcialmente que seja, o aspecto efêmero da mensagem da atualidade praticada pelos canais cotidianos da informação jornalística (Lima, 1993, p. 16).

Mesmo praticando jornalismo interpretativo, as revistas semanais de informação apresentam falhas na seqüência da elaboração, impostas também pela periodicidade. As revistas buscam conectar os acontecimentos e oferecer uma visão mais aprofundada da realidade. O importante é o

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esclarecimento fundamentado, obtido nos bastidores do fato. Há assuntos (acontecimentos), porém, que transcendem o espaço de dez ou quinze páginas de revista, O critério da atualidade pode se mostrar insuficiente. Em revista, considera-se atual o acontecimento que resiste um pouco mais ao tempo, na medida em que as causas e conseqüências vão sendo desdobradas ao longo da semana. O fato elevado à condição de notícia não é o foco central da cobertura, e sim o contexto.

Para compreender o presente, o livro-reportagem leva em conta o tempo histórico. Não significa que o jornalista (autor) realiza um trabalho de historiador. Primeiro porque não tem que se vincular ao passado. A narrativa pode ir e vir no tempo, fazendo, inclusive, um prognóstico futuro pelo desdobramento do presente. Já o passado é fonte de conhecimento para a compreensão da atualidade, seus conflitos e repercussões. O desdobramento dos acontecimentos subjacentes é atemporal, porque não se vincula apenas à data (época) do fato originador da notícia, da reportagem, da grande-reportagem e, por último, do livro.

Por isso, prefiro sugerir que o conceito de atualidade, no caso do livro- reportagem, seja substituído pelo de contemporaneidade. Aparentemente, é apenas um sinônimo, mas sua força conotativa, quero crer, faz alusão à plasticidade e à elasticidade que o tempo presente ganha no livro-reportagem (Lima, 1993, p40).

O livro-reportagem pode receber o tratamento de um romance (histórico, epopéia ou viagem), à medida que não só conta uma história como também discute e insinua reflexões sobre o sentido do tema abordado. Basicamente, o romance possui personagens que habitam um lugar, num determinado tempo. Os personagens interagem e podem entrar em conflito com o lugar, cm valores de época ou mesmo entre si. Mas, por trás da estória (enredo), há uma série de outros temas subjacentes, e aí reside seu

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caráter geral, universal. São esses temas subjacentes que o romance discute e tenta interpretar ou questionar.

Tais características, bastante sintetizadas até aqui, podem ser verificadas também no conto ou na novela. Mas, nestes dois gêneros, a abordagem não tem a amplitude do romance. O que leva o romance à condição de “gênero-mestre da nova literatura”, conforme propõe Edvaldo Pereira Lima, citando o teórico russo Mikhail Bakhtin, é “sua estilística, que é plurilíngüe, e a utilização da contemporaneidade como novo ponto de partida da orientação literária” (1993, p.l89). O autor defende a idéia de que o livro-reportagem “de um nível superior” apresenta características intrínsecas do romance, em termos de complexidade temática e estilística.

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Ambos visam ao conhecimento da realidade humana, são antropocêntricos. Ambos devem construir uma fórmula estética que torne ao leitor aprazível a leitura. Ambos podem romper estruturas estabelecidas ou confrontar-se com elas para cumprir, com o máximo de eficiência, a transmissão de uma mensagem dotada de fluidez. Em certos casos específicos, ambos combinam a sólida documentação factual para garantir a veracidade do real que representam com a

estilística, para atingir grandes massas de consumidores de informações, realizando um importante papel de divulgação cultural que — para certas camadas da população — é educativo. E ambos tanto relatam uma trama — fictícia no primeiro caso, real no segundo — quanto simultaneamente realizam, através desse enredo, uma reflexão direta ou sugerida de um tema representativo de valores duradouros (1993, p.l97).

A literatura latino-americana ganhou novos contornos com o romance e a novela históricos. Desde Os sertões, de Euclides da Cunha, até A guerra do fim do mundo, de Mário Vargas Llosa e O reino deste mundo, de Alejo Carpentier. Romances que trouxeram uma explicação intuitiva do mundo. No romance histórico, o passado é reconstruído para que se descubra um significado no presente. Os autores buscam uma âncora contemporânea, que ligue o passado aos dias de hoje. O livro-reportagem-histórico ocupa também a lacuna deixada pela historiografia convencional. Já o livro-reportagem-viagem delimita uma região, um território, um país, um continente, e os explora, resgatando informações e desdobrando perspectivas.

New Journalism — A contemporaneidade é uma espécie de “âncora histórica”, por meio da qual podemos descobrir a persistência (repetição) do passado na essência do acontecimento do presente. O caráter de entretenimento, valorizado nas revistas por diagramações exclusivamente elaboradas, títulos sensacionais, cortes fotográficos e apelos de linguagem, pode conduzir a abordagens apenas pitorescas. No livro-reportagem, o jornalista/autor é quem define a pauta. Em comparação com o jornalismo diário — e mesmo com o semanal —, a pauta do livro propicia uma série de liberdades, que Edvaldo Pereira Lima topifica em liberdade “temática, de angulação, de fontes, de tempo, do eixo de abordagem e de propósito” (1993, pp.69-72).

A liberdade temática, primeiramente, acaba com a imposição do sensacionalismo. Tal liberdade dificilmente se verificará no cotidiano das redações de jornais e revistas. Por mais “especial” que seja o repórter, por mais autônomo em relação às suas pautas, a publicação dependerá de um crivo superior. A escolha temática

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livre, no entanto, não garante a aceitação editorial do livro. O julgamento do valor da obra não é apenas jornalístico, apesar de seu vínculo com o “acontecimento contemporâ

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neo”. A liberdade de angulação vem a seguir, marcando a “expressão” do autor.Quanto às entrevistas, o livro-reportagem escapa das fontes repetitivas, que,

volta e meia, são chamadas a prestar depoimento sobre um determinado assunto.Ao contrário, no livro, as declarações vêm de uma grande variedade de segmentos sociais envolvidos com o tema e a angulação. No plano da elaboração/realização temporal, o livro não sofre pressões que possam limitar o caráter autônomo do autor, assim como não impõe uma linha datada e atual ao tempo do acontecimento.

Como já vimos, a contemporaneidade deve preponderar. O tempo, neste caso, tem uma relação de causa e efeito. Por eixo de abordagem entenda-se: “enfoque contextualizador, dinâmico, integral”. O autor traça o roteiro que o levará (ou não) a atingir o propósito, ou seja, o alvo. A liberdade de propósito no livro-reportagem é também individualizada, pois o jornalista/autor determina onde quer chegar.

Segundo Edvaldo Pereira Lima, o livro-reportagem pode ser compreendido como fruto da inquietude do jornalista que tem algo a dizer e “não consegue fazê-lo no seu âmbito regular de trabalho, na imprensa cotidiana”. Ele chama a atenção ainda para um segundo tipo de inquietude: a possibilidade de realizar um trabalho que permita utilizar todo o potencial de “construtor de narrativas da realidade”. Confirmando nossa linha de raciocínio, o autor nos lembra que o profissional de talento e fôlego bem explorados se aproveita das possibilidades que o jornalismo oferece, em termos de tratamento “sensível e inteligente” do texto. Sendo assim, pode enriquecê-lo com recursos não só do jornalismo como também da literatura e “até do cinema” (Lima, 1993, p.33).

No sentido da abordagem em profundidade, o New Journalism, movimento iniciado na década de 60 nos Estados Unidos, inaugurou a prática da observação participante. O New Journalism aderiu, na época, às mudanças na forma de “perceber, sentir e pensar” o mundo, na plena efervescência dos movimentos da contracultura. Os jornalistas tentavam então “viver” o ambiente de seus personagens. Foi quando começou a versão moderna da observação participante, conforme nos conta Edvaldo Pereira Lima (1993, p96), citando o livro The New Journalism, de Tom Wolfe. Esta observação participante, de acordo com o autor, atingiu o ápice no livro-reportagem. “O New Journalism resgataria, para esta última metade do século, a tradição do jornalismo literário e conduzi-lo-ia a uma cirurgia plástica renovadora sem precedentes” (1993, p.l46).

As reportagens do New Journalism, além dos fatores socioculturais, nasceram da própria divisão interna das redações norte-americanas. De um lado, os jornalistas que cobriam o dia-a-dia, produzindo matérias

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factuais, de interesse imediato. De outro, os repórteres do feature, que se dedicavam às chamadas matérias de interesse humano, vulgarmente conhecidas como “matérias frias”. Enquanto os jornalistas de matérias factuais competiam entre si pelo ineditismo (furo), os jornalistas de feature gozavam de certa liberdade para experimentações de natureza literária.

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Havia ainda um terceiro pólo: os escritores de ficção e a própria literatura em si. Na década de 60, no calor das transformações sociais, comportamentais e culturais da contracultura — e até mesmo dos movimentos de cultura negra —‘ a literatura norte-americana não soube absorver o momento. Romancistas não se aproveitaram das potencialidades da época para fazer literatura, o que nos parece, inclusive, um paradoxo, considerando que uma das características da literatura é exatamente a incorporação dos valores de um tempo determinado, seja ele transmutado ou não. Ao contrário, os jornalistas souberam “narrar e documentar” aquele período histórico com ritmos inovadores.

O Novo Jornalismo traz à luz dos holofotes o mesmo timbre comum de sensualidade, de mergulho completo, corpo e mente, na realidade, como acontecia em todas as formas de expressão da contracultura. Fosse a experiência de Leary, a rotina do policial que patrulha a Broadway ou o dia-a-dia dos faxineiros das pontes de Nova lorque, o New Journalism os focalizava com calor, vivamente. À objetividade da captação linear, lógica, somava-se a subjetividade impregnada de impressões do repórter, imerso dos pés à cabeça no real (Coimbra, 1993, p. 149).

O livro-reportagem é que iria, de fato, atrair os escritores. Dentro do jornalismo, não havia unanimidade em torno do movimento do New Journalism. A contribuição ao pouco de reconhecimento obtido viria por meio de um ficcionista (literato), Truman Capote, com o lançamento do livro A sangue frio. Romancistas e redatores de revistas fizeram proezas de reportagem utilizando-se de dois recursos narrativos básicos: a construção cena-a-cena e o diálogo. As cenas da vida das pessoas podiam ser efetivamente testemunhadas enquanto aconteciam. Da mesma forma, nada melhor do que o diálogo realista, que sabidamente envolve o leitor muito mais do que os demais recursos.O New Journalism trabalhava com arte e emoção, apostando na dualidade entre os aspectos objetivos e subjetivos da realidade. A percepção/impressão do real, transmitida pelo jornalista, propiciava uma autêntica reprodução da realidade (por meio do imaginário ou do factual). O Novo Jornalismo dos anos 60 procurava provocar o leitor, instigando- o no plano emocional e intelectual. Este foi, inclusive, um dos motivos de tantos combates contra o movimento, que levou a extremos a possibi-

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lidade de reprodução da realidade. A princípio, acreditava-se que os diálogos reproduzidos não eram verdadeiros, porque tal precisão só poderia ser obtida com recursos ficcionais. Muitos editores negavam o monólogo interior e o uso de narrativa em primeira pessoa. Os novos jornalistas eram acusados de compor cenas e personagens.

Nas reportagens, tanto de revista quanto de jornais, a narrativa em primeira pessoa é raramente encontrada. As exceções se concentram em cadernos de turismo e cultura, nos quais o jornalista costuma narrar suas experiências e fornecer ao leitor o in loco de viagens e percepções captadas em cinemas, teatros, shows, literatura de ficção etc. O jornalista transcende o papel de narrador e se transforma também em personagem. Em muitos casos, é a própria notícia.

Menos raramente, verificamos esse tipo de atuação, perceptiva e participativa, do jornalista nas produções televisivas. Repórteres voando de asa-delta, pilotando jatos de combate ou experimentando iguanas em restaurantes. Quando pouco, transmitem ao

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telespectador uma impressão/sensação. O New Journalism se esvaziou no final da década de 70, mas deixou raízes profundas para a reelaboração do chamado “jornalismo literário”. Em outras palavras, a grande-reportagem por excelência. A que combina a fidelidade ao mundo real e a melhor técnica literária. Edvaldo Pereira Lima faz uma avaliação sistêmica do legado do New Journalism:

Enquanto subsistema em formação do sistema jornalismo recebe, em princípio, a resposta tenaz deste e do seu sistema primo — quanto à função mutuamente próxima da expressão impressa —, a literatura. Mas o vigor e a perduração do New Journalism eram por demais marcantes, até que a pressão fez com que o sistema percebesse que nem a resposta tenaz nem a elástica trariam qualquer resultado na linha favorável a uma atitude de simples resistência. O ideal mesmo, viu-se, era adotar a resposta auto-determinativa, aproveitar o que fosse possível da experiência. E por isso que o sacrossanto mito da objetividade tacitamente ferido pelo Novo

Jornalismo, hoje, é encarado tranqüilamente pelo mundo acadêmico, com outros olhos (1993, p159).

Resposta revolucionária — No Brasil, a prova mais original da influência do New Journalism foi a revista Realidade, lançada em abril de 1966, primeira experiência da Editora Abril com revistas de informação geral. Vários fatores contribuíram para o sucesso de Realidade que, num crescendo, dobrou a tiragem em apenas um ano (de 251.250 para 505.300 exemplares). A cobertura era ampla e ambiciosa. A revista traçava uma espécie de mapa da realidade contemporânea, sem resistência a esta ou aquela pauta. O mundo — e o Brasil, em especial — eram desvendados de modo multifacetado. Realidade dava ao acontecimento um caráter de

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permanência. A preocupação era com o contexto e a situação em torno do acontecimento.

As matérias científicas traduziam para o leitor, em linguagem acessível, temas complexos. Enquetes e pesquisas de opinião observavam as tendências do comportamento da época. Por ser mensal, o tempo de apuração, fundamentação e documentação livrava os profissionais da revista do círculo vicioso e imediatista dos jornais. O repórter mergulhava no assunto que tinha de cobrir, por vezes até confundindo-se com o novo universo de abordagem. A captação da essência do assunto/tema não era apenas “intelectual” (razão), mas também emocional. Um pouco da sensação/impressão iniciada com o New Journalism. Além disso, o texto de Realidade era solto, fora das fórmulas tradicionais do jornalismo diário.

“De novo, aqui como na América do Norte, a busca da cor, do cheiro, do choro, do gozo, do ritmo, da dor, da esperança, da ternura, do tato, do gosto” (Lima, 1993, p.l’72). Neste sentido, os textos eram personalizados e permitiam o uso variado de técnicas literárias, de acordo com o efeito desejado. Antes de revelar, Realidade particularizava. Primeiro centrava o interesse num microcosmo específico — o dos salineiros do Rio Grande do Norte, por exemplo —, depois traçava uma perspectiva do mundo externo àquele microcosmo. Isto faz com que o leitor primeiramente descubra o novo “cosmo” e então compreenda-o sob uma interpretação mais abrangente.

Leitura média — Voltando ao texto da grande-reportagem impressa, a narrativa de revista preenche várias lacunas do jornalismo diário. Mas o livro-reportagem possui maior gama de possibilidades e amplitudes. O recurso de “documentar” pode ser usado

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e abusado. Não há por que tratar o fato ou acontecimento gerador da “pauta” em primeiro plano. Ocorre, isto sim, um desdobramento da “situação” e da “questão” envolvidas.

Assim, a matéria ganha em fundamentação e sustentação, pois trata-se de uma coleta de dados ainda mais criteriosa. O suporte para as revelações, análises, interpretações e comprovações da matéria é obtido não apenas mediante entrevistas, como na maioria da produção diária de jornais e mesmo de revistas. Quanto ao texto, o livro-reportagem apresenta narrativa longa. Por isso, o livro tem que ser “convidativo”, tal qual propomos que seja o texto das revistas semanais de informação geral.

Quer dizer, o texto deve fluir com naturalidade, transitar suavemente de uma passagem a outra. Deve ter ritmo, cadência, um pulsar característico, que se altera de vez em quando exatamente para combater o ruído da disper

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são. A redundância — através da inserção do mesmo dado, mas de modo diferente a cada vez, ao longo do texto , a colocação inesperada de dados novos ou a reordenação criativa de dados conhecidos são recursos de que se pode utilizar para construir a narrativa fluente. Em outras palavras, há uma necessidade de alternância no emprego dos instrumentos disponíveis tanto à elaboração do texto em si quanto à estruturação, montagem das partes que o compõem. Sem o

emprego bem dosado de elementos extraídos dessa bateria de recursos, dificilmente a fluidez existirá no livro-reportagem. Sem ela, perde-se o trabalho, vencido a meio caminho pelo inimigo fatal da dispersão não convertida em presença (Lima, 1993, p. 111).

Repete-se aqui um ponto que já discutimos no início deste livro, oportunamente traduzido agora na expressão “fator de dispersão”. Quanto mais longa a narrativa, mais o texto fica sujeito a falhas dessa natureza. É o chamado “ponto de desequilíbrio”, uma espécie de leitura média, mas, neste caso, sem qualquer sentido de “compreensão intermediária”. O jornalista deve oferecer ao leitor iscas de permanência e de compreensão. Em outras palavras, significa ler do início ao fim e, acima de tudo, compreender o que leu. Isto é básico.

Para além, o texto deve provocar um mínimo de tensão intelectual, que o leve a pensar no que leu. Em ficção, não há prazer na leitura quando é exigido do leitor uma extrema dedicação e atenção ao texto. A apreensão tanto simples quanto complexa de determinado conto ou romance depende do leitor. Há obras de difícil entendimento. Outras, nem tanto. Estes dois níveis de assimilação por diferentes grupos podem ser encontrados, inclusive, numa mesma obra.

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A SEGUNDA SEÇÃO

Os cadernos de cultura dos jornais, assim como os suplementos, aproximam-se mais do estilo magazine. Cinema, música, artes plásticas, vídeo, livros, ensaios e TV são assuntos que, normalmente, têm leitores cativos. Apesar disso, na escala de valores já proposta, esses assuntos são menos importantes no cotidiano do que, por exemplo, política e economia.

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Nos cadernos de cultura, os jornais são mais ensaísticos e opinativos. A regra da padronização não é a bíblia desses cadernos. O texto é mais solto, com tendência a absorver coloquialismos e neologismos de todo tipo. O texto de um caderno de cultura tem estilo e público muito bem definido.

A revista semanal de informações já trata com a mesma desenvoltura estilística tanto a matéria de cultura quanto a de política. Como nem sempre pode cobrir diariamente o que se passou nos dez dias de um festival de música, por exemplo, a revista prefere angulações omitidas ou não desdobradas pelos jornais.

No festival Hollywood Rock, em janeiro de 1993, Veja publicou na seção Música uma matéria sobre as bandas de rock da cidade norte-americana de Seattle, encabeçadas pelo Nirvana, que desembarcaram no Brasil com fama de injetarem novas idéias no rock dos anos 90. Todo o público já tinha informações suficientes sobre o festival; quem se apresentou bem; quem não empolgou; quem foi vaiado; as fofocas, namoros e peripécias dos integrantes das bandas de rock nos hotéis, bares, praiase casas noturnas do Rio e de São Paulo.

Construções comuns — No entanto, o texto de “O grunge virou jeca” provou que, mesmo nas seções de cultura, a interpretação é a marca registrada das revistas semanais de notícias Veja se preocupou em fazer

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uma reflexão sobre o estilo das bandas de rock de Seattle, chamando-os de pop-jecas da atualidade.

O som “grunge” — palavra que não significa nada e designa o rock de Seattle — veio como uma reação à estética dos megashows que grassava a música pop (Veja, 27/01/93).

Os executivos das grandes gravadoras que os contrataram tiveram o cuidado de não enchê-los de lamê e transformá-los em novos Guns N’Roses. Mantiveram, em seus discos, a estética do desleixo, que possibilitava vendê-los como os “baluartes da nova autenticidade no rock” — ou seja, amadores e jecas assumidos (Veja, 27/01/93).

Os grunges lançam discos por grandes companhias, cortejam o mesmo público de Madonna e Michael Jackson, e têm produtores e empresários que dão palpites que vão desde o desalinho de seus cabelos ao número de buracos em seus tênis (Veja, 27/01/93).

Construções como estas também são comuns nas páginas de “Ilustrada”, caderno da Folha de S. Paulo. Há uma linguagem própria de cada seção, assunto ou tema. O Free Jazz Festival, realizado em setembro de 1992, é um bom exemplo da semelhança entre os textos dos cadernos culturais e os de uma revista informativa geral.

Mercer Ellington, herdeiro do mestre Duke Ellington (1899-1974) não estava contando prosa quando se declarou guardião da chama do pai (Folha de S. Paulo, 19/09/92).

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O único problema do show foi a bizarra aparição da vocalista japonesa Naoma Ohara, convidada para a turnê depois de ter gravado um disco com a orquestra. Com seu visual de boneca de louça, ela quase destruiu números como “Satin Doil” e “Day Dream”, além de um dantesco “Mais que Nada”(de Jorge Benjor) (Folha de S. Paulo, 19/09/92).

O comentário antes do show era o seguinte: ou vai ser muito bacana ou muito chato. Não foi nem uma coisa nem outra, mas apenas um morno encontro musical do gaitista belga Toots Thielemans com uma respeitável turma de brasileiros no Free Jazz (Folha de S. Paulo, 22/09/92).

Vocabulário de grupos — No jornal diário, quanto mais específico o assunto, maior a aproximação com o estilo e a linguagem das revistas semanais. Além disso, há uma tendência dos jornais para criar vocabulários rapidamente adotados por grupos específicos. Os “cinéfilos”, leitores de Veja ou Folha, abocanham neologismos e, às vezes, até se arriscam a propagar por aí certos “pedantismos estilísticos” que, mesmo nãoPágina 96

dizendo muito, se encaixam perfeitamente no gosto do leitor fiel. Por exemplo: sabem muito bem o que é uma “direção felliniana” (filme dirigido no estilo do cineasta italiano Federico Fellini).

Cativo, o leitor de um caderno cultural é uma espécie de discípulo da linguagem utilizada pelo jornal para determinado assunto que envolva arte, lazer e comportamento. Trata-se de uma apropriação criadora de gosto e opinião, que guarda certa diferença em relação a editorias como política, economia, esporte e polícia, ainda que estas também possuam o seu jargão. Enquanto estilo, os cadernos de cultura ou as chamadas segundas-seções costumam conciliar a técnica jornalística com a crítica, analisando ao mesmo tempo a obra e o fato ou acontecimento gerado por ela. As revistas, para se distinguirem, acrescentam ao texto noticioso um conteúdo complementar ou uma angulação ainda mais específica.

Pedras rolando — Em janeiro de 1995, a cobertura da primeira turnê dos Rolling Stones no Brasil foi um bom exemplo de como as linguagens de jornal e revistas de informação se equivalem. A confirmação dos cinco dias de Voodoo Lounge (disco que deu nome ao show) — três em São Paulo e dois no Rio- agitou a imprensa, que se preparou para uma ampla cobertura, logo na semana que antecedeu à primeira das apresentações. Veja editou entrevistas pinp-pong com Mick Jagger, Keith Richards, Charlie Watts e Ron Wood, os quatro membros “cinqüentões” da banda. Isto É também foi ao México, último país que assistiu a Voodoo Lounge antes das apresentações do Brasil, e contou o que viu. A Folha de S. Paulo lançou caderno especial com ampla cobertura de informação e serviço. Os Stones foram capa das duas revistas na edição de 25/01/95.

Na capa de Veja estava: “Rolling Stones Exclusivo. A caminho do Brasil, os ícones do rock falam a Veja”. Logo no início do texto principal da matéria “Ícones Sem Idade” (p92) cria-se um clima de proximidade entre ídolo e leitor, por meio de uma excelente narração/descrição do camarim e dos rituais nos minutos que antecedem a entrada dos Stones no palco. A abertura enxuta (não mais que 23 linhas), situa o local da narrativa, informa nomes e números e o final do primeiro parágrafo estabelece o gancho: “Ali (no camarim) não penetra mais nada, nem ronco de multidão”. Então veio o seguinte detalhamento:

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O ritual de pouca fala e muita intensidade começa numa saleta anexa ao camarim. Numa das paredes, um minialtar entulhado de badulaques e patuás de macumba. No chão, dois tapetes com sóis em dourado e negro. Keith ou Ronnie, quem chegar primeiro, acende as velas e o incenso. Na quinta-feira, foi Ronnie.

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Está no seu segundo copo de vodca (pouca) com groselha (muita) e começa a dedilhar Midnight Rambier para descomprimir os músculos. O baterista Charlie, que dá a impressão de já ter nascido com os cabelos impecavelmente penteados, não precisa se arrumar. Já está a caráter, sentado no sofá: tênis branco, calça e camiseta brancas, jaqueta de moletom cinza — o máximo de cor que se permite. Tocaria de terno e gravata, se os movimentos de baterista permitissem.

Keith, nu da cintura para cima, vai fazendo sua seleção nos cabides do camarim: um colete justíssimo de estilo jeans, uma camisa de seda azul-petróleo, uma minijaqueta preta com apliques prateados. Antes de empilhar cada peça sobre seu torso esguio, retira da virilha o mascote que lhe faz companhia, sempre — uma faca-canivete da pesada, que em nada lembra as versões moderninhas da marca Swiss Army. “Sem ela me sinto nu”, explica. Não a tira nunca? “Só quando empunho minha guitarra. Uma coisa substitui a outra.” Entra em cena Josephine, mulher de Ronnie, que há anos acompanha o guitarrista, mas desta vez tem contrato fixo com a Turnê. Ela verifica tudo como se estivesse preparando um colegial para a escola. Endireita as pulseiras do marido, apruma-lhe o colete, passa-lhe o spray para arrepiar a cabeleira que o fará parecer mais alto em cena, lembra-o de tomar as pílulas herbais da China, nutre-o de afeto até o último instante. “Está frio lá fora, não é melhor você escolher uma jaqueta mais quente?”

O saxofonista Bob Keys, responsável por um dos solos mais arrepiantes da noite, passa para dar o último alô silencioso. Faltam menos de sete minutos para todos se transformarem nos Rolling Stones. Keith e Ronnie se movem para uma mesa de sinuca e começam a jogar, em silêncio. Ouve-se apenas o clicar macio das bolas. Está tudo pronto. E Mick? Mick é Mick, é coisa à parte. Seu ritual é individual, em camarim à parte, também por ser o único que precisa treinar a voz e fazer aquecimento físico para encarar duas horas e sete minutos de energia ininterrupta. Sua assistente Brenda vai fazendo a contagem regressiva: hora de vestir, hora de se

maquilar, hora dos quinze minutos de aquecimento leve, hora dos três minutos de aquecimento das cordas vocais, hora de subir. “Todos nos tornamos pessoas diferentes quando vestimos as roupas do show”, diz Keith. “Você se torna um roqueiro de responsabilidade maníaca, que precisa fazer um show de primeira.”

Menos intimista, a matéria “Satisfação Inesgotável” (IstoÉ, p. 98) é aberta com informação, comparações, críticas e descrições gerais, que dão uma idéia do tamanho do evento. Ao contrário de Veja, o texto de IstoÉ começa do todo para as partes, sem valorizar os aspectos humanos e intimistas, como no trecho de Veja, transcrito acima. O efeito é outro, provavelmente intencionado desde o apelo da capa, que trazia sob o título “Majestades do Rock” a seguinte chamada: “lstoÉ viu e mostra como será Voodoo Lounge”. Também por isso, a posição da câmera (olhos do narrador) é de quem está na platéia, e não nos bastidores:

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O circo do rock é sempre surpreendente. Quando se pensa que até os mais famosos decanos do ritmos dariam sinais de cansaço, eles surgem com o

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melhor disco da sua carreira em quase 20 anos e partem em viagem pelo mundo na mais Rolling Stones — que se apresenta dias 27, 28 e 30, em São Paulo, e 2 e 4 no Rio de Janeiro há antecedido por glórias e recepcionado por um baixo astral que quase deixa São Paulo, a mais importante cidade da América Latina, fora da rota da maior banda de rock do planeta. Um imbróglio com as condições de segurança do estádio do Morumbi obrigou a transferência dos espetáculos para o estádio do Pacaembu e provocou uma confusão digna de Terceiro Mundo (leia box à página 101).

Na escala anterior ao Brasil a situação foi bem diferente. Semana passada, diante de platéias incandescentes, calculadas na média de 50 mil pessoas em cada um dos quatro concertos realizados na Cidade do México, os Stones celebrizaram um encontro dionisíaco com seu público. Há muito não se presenciava momentos tão prazerosos num espetáculo conduzido por efeitos especiais multimilionários e pelo profissionalismo que só a maturidade musical proporciona. Sob a amena temperatura de 18 graus centígrados e o palco em semipenumbra, Mick Jagger (vocal), Keith Richards (guitarra), Ron Wood (guitarra), Charlie Watts (bateria) e o

convidado especial Darryi Jones (baixo) entraram em cena fazendo o chão do autódromo Hermanos Rodriguez literalmente estremecer. Aos primeiros acordes da antiga Not Fade Away, de Bo Diddley, o vocalista dos Stones soltou sua voz de barítono pop potencializada por 3,8 milhões de watts, massa sonora equivalente a dez mil micros systems ligada ao mesmo tempo, ou a 200 orquestras sinfônicas em atividade conjunta.

Situados em seu santuário — um palco futurista de 72 metros de largura e 26 de profundidade, em prata e negro —‘ os Stones foram iluminados por

1.500 refletores e 12 canhões de luz controlados por computador. Uma onda de calor invadiu as primeiras fileiras diante do palco. Não eram só as luzes laterais e do fundo. Acima das cabeças coroadas do rock, projetando-se sobre o público, a 32 metros de altura, uma estrutura de aço semelhante a uma cobra naja cuspia fogo, enquanto dois enormes holofotes vermelhos, como se fossem olhos ameaçadores, se destacavam no circuito de mais de mil lâmpadas coloridas. De capa rubra, sua majestade satânica, Mick Jagger, saudou seus súditos de idades múltiplas. “Bien-

venidos a Voodoo Lounge”, murmurou ele ao microfone, com a voz de um príncipe das trevas, antes de cantar You got me rocking acompanhado de um solo anfetamínico de Ron Wood.

Favorecida pela cobertura diária da turnê, a Folha de S. Paulo pôde diversificar a pauta. Mesmo contra o relógio, os textos das várias retrancas do Caderno Especial souberam aproveitar a oportunidade de jogar com as palavras, informando sem as amarras de uma escrita puramente referencial. O caderno Rolling Stones, então, convocou OS profissionais ao depoimento testemunhal e à análise, como bem cabe aos temas culturais. O primeiro caderno saiu encartado no jornal no dia 24/01/95, três dias antes da primeira apresentação da banda, e prima pela prospectiva.

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Na página 3, Luiz Antônio Giron, sob o título (Voodoo Lounge é um show de vídeo), abre assim o texto de nove parágrafos:

O novo Deus do Rock tem dimensões sobre-humanas, como convém às divindades. É o telão jumbotron de alta definição, instalado no centro do palco gigantesco do show “Voodoo Lounge”, dos Rolling Stones, verbete do pop.

Jumbotron, último berro tecnológico. Ele domina o altar do rock construído para adoração da banda-mãe. Perto dele, o cantor Mick Jagger, os guitarristas Keith Richards e Ron Wood e o baterista Charlie Watts viram ácaros. Eles só ganham existência quando Jumbotron os projeta.

Eis a primeira impressão. Os shows de Madonna e Michael Jackson no último ano são festinhas “pocket” se comparados aos Stones.

Os músicos estão ali meio não estando. Única realidade é a virtual, emitida pelo telão. Revezando-se nele imagens reais e geradas por computador e vídeo. A língua da banda surge antiséptica, envolta por uma camisinha. O logotipo de “Voodoo Lounge” — uma “demoiselle d’Avignon” com máscara afro — dança ao lado de Jagger, supera-o na irrealidade dos movimentos.

Ainda assim, os Stones conseguem se impor. Afinal aqueles quartetos de falsos vermes desenrolam em palco um repertório de 27 músicas, entre clássicos que fizeram a história da banda e faixas do seu 22° disco de estúdio (sem contar os 14 restantes, entre trabalhos ao vivo e coletâneas), lançado em abril de 1994.

Finalizando este capítulo sobre a Segunda Seção, Bia Abramo, em 30/01/95, à página 3 do mesmo caderno da Folha, compara os três últimos “megaeventos” realizados no Brasil. Eis um pequeno trecho de Stones batem Madonna e Michael Jackson:

Em comum entre Madonna, Michael e Stones, a obrigatoriedade do prefixo mega antes das palavras show e turnê, a parafernália de alta tecnologia nos palcos e os.fogos de artifício depois de cada apresentação. De diferenças, o fato de que Madonna e Michael são produtos da indústria pop e os Stones, uma das bandas que transformou o rock em indústria.

No caso de Madonna e Michael Jackson, nada de se espantar. Os megashows foram feitos para eles. Ambos são produto do videoclipe e do show virtual — aquele em que a presença do artista é apenas uma referência distante e minúscula num palco gigantesco e cheio de efeitos especiais. CONSIDERAÇÕES GERAIS

Revista e jornal são, além de tudo, circunstancialmente diferentes. A periodicidade é fator determinante do estilo de texto de uma revista. As revistas de informação geral chegam às bancas do mesmo modo que um sabonete ao supermercado. Por isso precisam de atrativos que as diferenciem do jornalismo dinâmico e veloz de todos os dias. O texto das revistas de notícias é um desses atrativos. Utiliza recursos que, nos limites do posicionamento político-empresarial, são a conciliação da prática de noticiar com a de narrar.

A reportagem narrativa se desenvolve com ritmo, beleza, refinamento e liberdade. E preciso, no entanto, entender liberdade como improvisação. Significa improvisar dentro de certos limites ideológicos, obviamente. A revista se apropria de algumas formas literárias e assim faz um jornalismo que diagnostica, investiga e interpreta.

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O tempo é preponderante nessa abertura de portas para a criatividade e a elegância do texto. Nos jornais, isto não chega a ser impossível. Tanto que, aos domingos ou nos cadernos de cultura, o texto do jornal tem grande semelhança com o estilo magazine. Ao tentar imitar a velocidade da televisão, os jornais perderam na beleza, no gosto pela palavra. A objetividade levou o jornal a extremos de racionalização do processo de noticiar. Da mesma forma, as revistas semanais, ainda que mais refinadas, acabaram também descobrindo padrões de texto, que as diferenciam entre si.

Para escrever em revista é preciso técnica, mas também inspiração e criatividade. Por isso não há fórmulas rigorosamente definidas. Mas existem balizadores que podem formar os profissionais de revista. Possíveis regras não podem, entretanto, ser tomadas como tábuas da lei. Servem isto sim, para que os textos não percam em ritmo, clareza e concisão, três características básicas do estilo jornalístico. Atualmente,

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a tendência é de haver mais espaço para a personalização dos textos, seja no jornal ou na revista. Ao fazer uma prospecção para a semana seguinte, as revistas se pronunciam. Além disso, estão sempre em busca de uma angulação surpreendente. Fazem jornalismo interpretativo, mas não suprimem a ambigüidade, porque se permitem dupla interpretação.

A revista desenrola o novelo dos fatos, busca testemunhos e solta a palavra. Narra e reporta. Por essa razão, costuma deixar algo “no ar” ou nas entrelinhas. Isto não significa que as revistas sejam infiéis ao fato reportado. E sim que, ao soltar as amarras da padronização, pode haver o risco de conduzir o leitor a um certo “juízo-de-valor”. Portanto, é importante separar do jornalismo interpretativo qualquer forma de visão localizada, absolutamente pessoal.

O jornalismo interpretativo deve permitir que o leitor faça por si mesmo a digestão do tema que lhe é exposto. Neste sentido, o leitor deve “digerir” por si mesmo, e não deixar-se “confundir” pelo texto. A criatividade esbarra, então, nos limites do raciocínio. Você raciocina para elaborar bem, escrever honesta e claramente, dar o toque de refinamento necessário e ainda agradar o editor e o público da revista. Público que, aliás, a direção das revistas conhece bem. Mesmo assim, não são raros os momentos em que uma angulação impensada põe em risco a credibilidade da revista perante seus leitores.

Experiência plural — Outro ponto de nosso interesse: o namoro do jornalismo com a literatura não é assim tão às escondidas. Em jornalismo — de revista, especialmente — o bom gosto na escolha da palavra não serve a fins puramente estéticos. Um texto jornalístico deve se confortar nos limites do verificável. A supra-realidade não interessa ao jornalismo. Os fundamentos do texto jornalístico são correção, precisão, clareza, harmonia e unidade, sejam qual for o meio.

Acontece que a revista informativa permite acrescentar alguns acessórios “subjetivos”: beleza, elegância, sofisticação, sensibilidade etc. Subjetivos porque não possuem uma referência-padrão. Depende de quem lê e de como lê. Dizer que um texto é mais sofisticado do que outro é também uma questão de opinião. O que o jornalista não pode é esquecer-se da bússola que o orienta no sentido do texto bonito, sedutor, prazeroso de ler.

A busca do estilo é um ideal sem fim. O jornalista tem também um compromisso (finalidade), que não cessa de um texto para outro. O “ato” de escrever se renova a cada matéria. A prática constante, contudo, acumula experiência. O exercício de escrever

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uma determinada matéria é singular, porque acaba num ponto final. Mas a experiência acumulada é plural, porque forma o estilo do homem e do veículo.

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No texto de revista é possível realizar uma espécie de literatura não ficcional, à medida que algumas técnicas literárias são incorporadas ao “fazer semanal”. Em literatura, muitas vezes o modo como se diz alguma coisa é mais valorizado do que o conteúdo do que se diz. Servir a fins puramente estéticos significa a palavra pela palavra, como neste trecho do poema “No jornalário”, do livro Galáxias, de Haroldo de Campos:

O jornalário, o horário, o diário, o semanário, o mensário, o anuário, o jornalário. Moscas pousam. Moscas iguais e foscas, feito moscas iguais e foscas, feitas foscas iguais e moscas. O jornalário todo dia entope como um esgoto, e desentope como ex-goto, e renova, mas não é outro. E todo dia, todo diário, ostra. Crescendo dentro da ostra. Crosta fechando dentro da crosta. Ovo gorando dentro do ovo.*

O texto literário engloba qualquer conteúdo, sem o compromisso de informar. O caráter informativo é mais acentuadamente típico do texto jornalístico. Nada impede, contudo, que a literatura informe. O livro- reportagem, como vimos, é uma prova disso. Mas a finalidade básica da literatura não é informar. Numa revista semanal de informações, é perfeitamente possível o jornalista ser literário. Não como um fim em si, mas como forma de ser jornalisticamente mais expressivo, do ponto de vista da beleza e da criatividade.

O gênero de reportagem que mais se aproxima da literatura é o “narrativo”, no qual algumas técnicas literárias podem ser apropriadas de modo mais marcante. Trata-se de um texto informativo e, ao mesmo tempo, recheado de “figuras”. São palavras, frases, passagens que às vezes extrapolam o sentido literal atribuído pelos dicionários. Neste sentido, os recursos literários são uma conveniência, e orientam o estilo.

Um texto literário não é necessariamente ficcional. O que caracteriza o texto ficcional é a presença de personagens nos quais o autor “sopra” vida. O personagem de ficção é uma entidade interpretada pelo autor, com base num “ser real”. Já os personagens da reportagem narrativa são reais, mesmo não servindo como testemunhos do fato ou acontecimento. O jornalismo pode mitificar um ser existente, mudando-lhe o conteúdo, o sentido, o aspecto e a personalidade. É um personagem fictício

* Este trecho foi extraído do CD Isto não é um livro de viagem, lançado pela Editora 34, em 1992, e que contém 16 fragmentos do livro Galáxias. No Jornalário é a faixa 4 do CD, e os versos acima encontram-se na forma (aproximada) da entonação da leitura de Haroldo de Campos na gravação. Do mesmo modo, a métrica dos versos, a ortografia, os pontos e as vírgulas não seguem o esquema do livro, e sim a seqüência contínua da leitura. É como se ouve não como se lê. Cabe acrescentar ainda que o trecho foi reproduzido apenas a título de ilustração “didática”, e os comentários não se referem ao poema ou mesmo ao livro de Haroldo de Campos.

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em grau menor, porque o leitor-telespectador-ouvinte não chega a perder deliberadamente a referência ao “personagem real”. Em jornalismo, personagem também é fato, acontecimento.

Existência, exigência — O livro-reportagem entra neste nosso trabalho como um estudo complementar, que nos ajuda a ampliar o escopo da reportagem de uma revista semanal de informação geral. Do mesmo modo que a revista ocupa os vazios informativos dos veículos cotidianos de comunicação, o livro-reportagem preenche, inclusive, as lacunas das publicações mensais. A “grande-reportagem”, ampliada à condição de livro, é um gênero em ascensão. No Brasil dos últimos anos, vários livros abordaram temas contemporâneos, como Rota 66, de Caco Barcelos; Meninas da noite e A guerra dos meninos, de Gilberto Dimenstein; Olga, de Fernando Morais; 1968: O ano que não terminou e Cidade partida, de Zuenir Ventura, e muitos outros.

As revistas elaboram matérias de acordo com certos critérios de valor (interesse público nacional) e atualidade. Mas a atualidade às vezes se mostra insuficiente. Apesar da semelhança conceitual, Edvaldo Pereira Lima propõe que o “atual” seja substituído pelo “contemporâneo”. Contemporaneidade entendida como “âncora histórica”, que permite ao autor/jornalista viajar no tempo. Faz-se um prognóstico futuro para o desdobramento do presente. Neste sentido, a verificação do passado é fundamental. Por meio desta “âncora histórica”, que, em outras palavras, também significa documentação minuciosa, o passado serve de suporte para explicar o presente. O autor/jornalista confere a continuidade do passado, que se converte em presente, repetindo-se de modo cíclico.

Fato, acontecimento, ocorrência, são meros pretextos para uma análise profunda e referencial, um indício de que por trás da “existência” do fato há uma “exigência” de investigação. Uma demanda pelo que é subjacente à notícia objetiva do jornalismo do dia-a-dia. O que importa é o contexto, a situação. (O jornalista, então, mergulha na realidade contemporânea, mapeia os contornos, desfia passado e presente, associa, interpreta e fundamenta) O resultado quase sempre é um retrato de seu tempo, desnudado em termos universais, pois pode interessar tanto ao leitor daqui quanto ao de uma bucólica província de qualquer continente. Isto porque o livro-reportagem é um documento histórico.

Pragmatismo em rede — Não menos que o conteúdo, a forma final — texto — é envolvente. O jornalista/autor goza de algumas liberdades imprescindíveis a qualquer propósito de elaboração/realização minuciosa. A escolha do tema, por exemplo, começa da inquietude do profissional, do seu desejo de, digamos, desvendar o mistério, compreen

Página 104der a ocorrência pela raiz. Além disso, fora dos ditames dos veículos, o jornalista escolhe a angulação, as fontes e a linha de raciocínio que o levará ao alvo (propósito), à comprovação do objeto gerador da inquietude. Toda essa liberdade, no entanto, não desvia o profissional das balizas técnicas e éticas do jornalismo, que não perde a função básica de informar. Mas é uma informação com ecos e ressonâncias. Um jornalismo ampliado (no conteúdo) e literário (na forma), cuja prática — a princípio no jornalismo cotidiano — teve início nos Estados Unidos e ficou conhecida como New Journalism.

Em plena ebulição das transformações promovidas pelo movimento da contracultura, o Novo Jornalismo mudou o modo de “pensar, de perceber e de sentir o mundo”. Na formatação, introduziu técnicas literárias de diálogo realista e narração

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cena-a-cena, em primeira pessoa, inclusive. No jornalismo tradicional, principalmente em TV, apenas matérias de turismo e cultura costumam admitir a narrativa em primeira pessoa. Ainda assim, é uma incursão desaconselhada, porque o jornalista acaba se transformando em personagem da matéria. São os casos dos roteiros turísticos e culturais, nos quais o jornalista descreve experiências próprias, que vão de um testemunho sobre as belezas de uma praia grega à opinião sobre uma refeição excêntrica num restaurante do Marrocos.

Sem nunca ter sido unânime, o New Journalism definhou no final da década de 70. Mas as influências de seu apelo intelectual/emocional se espalharam pelo mundo. No Brasil, a revista Realidade, lançada em 1966, foi o principal exemplo. Realidade traçava um autêntico mapa contemporâneo, sem index de resistência a esta ou àquela pauta. Em termos de elaboração, a revista particularizava um microcosmo e depois o inseria no cosmo maior, se dedicando a compreender os conflitos envolvidos. Praticava-se um jornalismo inteligente; sensível às múltiplas versões dos acontecimentos. As reportagens eram enriquecidas com recursos literários e cinematográficos.

Em setembro de 1967 (edição número 18), Realidade traçou o perfil da juventude brasileira da época sob ópticas diversas: o jovem operário e o do interior; do campo e do meio universitário. Esta série de reportagens é um bom exemplo para ilustrar os recursos de que a revista se utilizava. Para desvendar o mundo do “jovem universitário”, Realidade convidou Alberto Libânio, de 22 anos, para viver um mês com os estudantes. A pauta e o motivo da matéria foram explicitados na página anterior à do início da reportagem de Alberto Libânio: “Ele tinha que ir viver um mês com os estudantes e descobrir se eles são realmente subversivos como os pintam, quais suas preocupações, o que pensam sobre política, religião, sexo, moral. Descobrir como eles se divertem, o que

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fazem fora das universidades, o que conversam em volta de uma mesa de chope, o que acham de seus pais e de suas atitudes, o que pensam de suas namoradas” (p. 81).Libânio — hoje conhecido como Frei Betto — aceitou o trabalho e a reportagem foi feita fora de São Paulo, porque lá estava sendo preparado o XXIX Congresso da UNE — União Nacional dos Estudantes. Por isso, Libânio alegou que os estudantes não estariam vivendo um “ritmo de vida normal”, tamanha a excitação que tais eventos causavam no meio universitário da época. Belo Horizonte foi, então, a cidade escolhida. Durante um mês, o jovem Frei Betto colheu material em sala de aula, festinhas, reuniões de centros e diretórios acadêmicos. Participou também de reuniões sobre política estudantil e problemas do ensino brasileiro. “Com todo esse material, Libânio voltou a São Paulo. Ficou três dias trancado em seu apartamento e somente saiu de lá com a reportagem pronta”, encerrava o breve texto de “O jovem universitário”, na página 81, daquela edição de setembro de 1967. O resultado foi uma “reportagem perceptiva”, na qual Libânio extraiu, com simplicidade, a essência de uma época “inquieta”, em franca transformação (ver texto no Anexo 1).Atualmente, as principais revistas semanais de informação — refiro- me àquelas baseadas em texto — ousam menos e não têm o mesmo brilho. Além disso, a consolidação da TV como meio de comunicação de massa influenciou a fórmula das revistas atuais, diferentes da Realidade dos anos 60. Não que o mundo de agora esteja em menos efervescência do que na época da revolução contracultural. Mas as transformações são de outra natureza. A década de 90 assiste à globalização, por meio da formação de blocos econômicos como a Nafta, o MERCOSUL e a União Européia.

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As guerras imperialistas dão lugar aos conflitos étnicos, que não têm, em geral, ambições territoriais. A queda do Muro de Berlim marcou a derrocada do socialismo ortodoxo e trocou a competição político-militar pela competição tecnológica. Via computador, a Internet interliga o mundo inteiro (ver texto no Anexo II).

Tudo isso reflete na produção jornalística. E não é propósito nosso discutir aqui se para o bem ou para o mal. No entanto, é inegável que a utopia de transformação do mundo e de suas influências inter-relativas já não existe. Cada vez mais, propaga-se a divisão pragmática. Não mais se idealiza o bem-estar coletivo sob a ideologia revolucionária dos anos 60. Contudo, as comunidades globais, mais democráticas, continuam exigindo reformas de base. Os meios de comunicação já assimilaram as tendências deste fim de milênio. No entanto, ainda carecem de dinamismo. Para interpretar de forma “aguda” a “crônica” de sua época, o jornalismo não pode se curvar ao imediatismo do tempo.

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As revistas semanais, independentemente das embalagens, também entenderão que a competição tecnológica (e plástica) exigirá qualidade em todos os sentidos: gráfica, técnica, artística, visual e de textos. O jornalismo não pode simplesmente devorar tecnologias em nome da qualidade do produto final. Para continuar sobrevivendo no século seguinte, ao contrário do que se pensa, o domínio tecnológico será insuficiente. A informatização não garante a qualidade da informação. Para não robotizar o homem e o veículo, é preciso criatividade. Não apenas na forma, mas também, e principalmente, no conteúdo. No caso das revistas, a qualidade do texto é diferencial, porque é conseqüência de um conteúdo bem-elaborado e criterioso.

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ANEXO I

Eu vivi numa república de estudantes

Realidade, Ano II, n.18, set/67, por Alberto Libânio

Segunda-feira

Belo Horizonte. Avenida Afonso Pena, 759. Sede do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais. Aqui, desde ontem, uma centena de estudantes prepara faixas, cartazes, panfletos e manifestos. Ao mesmo tempo, outros grupos de estudantes estão percorrendo as faculdades, falando de sala em sala.

São 9:25h da manhã. Assisto à aula de Economia, no curso de Ciências Sociais do Instituto Central de Ciências Humanas. De repente, uma moça entra na sala e pede licença ao professor para dar um aviso:

— Pessoal, a manifestação vai começar às onze. Dividam-se em grupos de cinco e ocupem o quarteirão da Praça Sete à rua Carijós.

O professor não teve tempo de levantar um dedo. Rapidamente, assim como tinha aparecido, a jovem desapareceu.

Quase à mesma hora, numa confortável sala da Secretaria de Segurança Pública, o secretário Joaquim Ferreira Gonçalves recebe para uma reunião o diretor do DOPS — Departamento de Ordem Política e Social —, os representantes da Polícia Militar, o

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diretor do Depósito de Presos e o chefe da Guarda Civil. São os encarregados de manter o esquema policial para

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impedir a manifestação estudantil. O secretário fala aos presentes sobre uma nota oficial que assinou no dia anterior:

— Os universitários enganam- se pensando que farão qualquer coisa sem autorização legal. Impediremos a manifestação que fere frontalmente a Lei de Segurança Nacional. Os infratores serão presos, autuados em flagrante e encaminhados à Quarta Auditoria Militar, em Juiz de Fora. Depois vão ser processados, como manda a lei.

A reunião vai terminar quando já está estabelecida a mobilização de 1.600 homens, prontos para quaisquer eventualidades.

De outro canto da cidade, na Reitoria da UFMG, na Pampulha, o reitor Gérson Bóson está telefonando ao universitário Jorge Batista, presidente do DCE:

— É verdade que vocês estão programando uma manifestação para hoje?— Nós, não; a UNE. E é para o Brasil inteiro. Vai ser na rua para que o povo

tome conhecimento do protesto estudantil.— E será pacífica?— Sairemos tranqüila e pacificamente com faixas e cartazes. Se houver guerra,

será conseqüência da repressão policial.Onze horas da manhã. Um forte corpo policial guarda a Faculdade de Direito, o

velho ponto de partida das manifestações estudantis.Na avenida Afonso Pena, estudantes em fila de ônibus, engraxando sapatos,

dentro das lojas, sentados nas casas de lanche. Tudo tranqüilo. Enquanto isso, uns vinte rapazes deixam o prédio do DCE e caminham até o centro da avenida, dispersos. Juntam-se de repente, em frente ao Hotel Financial, e desenrolam faixas, abrem cartazes, ao mesmo tempo em que, surgindo não se sabe de onde, uma muralha humana de outros jovens os cerca impedindo a aproximação da polícia. Começou a passeata; o medo está em cada um daqueles rostos, de olhos bem abertos e atentos. Os manifestantes empregam a tática de caminhar na contramão para congestionar o trânsito e dificultar a ação da polícia. Um dos cartazes conta em letras vermelhas:“Dia Nacional de Repúdio ao Acordo MEC-USAID”.

De metralhadoras em punho, a polícia avança com cassetetes, bombas de efeito moral, de gás lacrimogêneo, mangueiras de incêndio. Na correria, alguns populares juntam-se aos estudantes enquanto do alto dos edifícios desabam sacos plásticos cheios d’água. As lojas baixam as portas; a confusão só vai acabar às seis da tarde. Saldo: 33 estudantes presos, um jornaleiro fichado no 10° distrito policial, quatro jornalistas espancados, dois policiais feridos e outras tantas pessoas atendidas no hospital do Pronto Socorro.

Aluísio e eu tínhamos entrado num táxi para escapar do quebra- quebra. Perguntei-lhe o que é o acordo MEC-USAID:

— Não sei bem. Acho que são os americanos que querem tomar conta do ensino.

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Terça-feira

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Estou morando com oito estudantes na “República dos Aimorés”, também conhecida como “República dos Mal-amados”. A maioria dos estudantes vindos do interior mora em “repúblicas”. A nossa, um apartamento de três quartos no centro da cidade, custa 46 cruzeiros de cada um por mês, sem incluir os 50 centavos, preço de uma refeição. Em geral, eles comem no restaurante da Faculdade, pagando 80 centavos por uma bandeja com arroz, feijão, bife, salada de alface, um pedaço de doce e cafezinho.

Hoje acordei às 6:30h para ir à aula na Faculdade de Filosofia, no alto da rua Carangola, onde funciona o Instituto Central de Ciências Humanas. Na UFMG, o calouro não entra imediatamente na Faculdade a que se candidatou; durante dois anos ele vai cursar no Instituto Central todas as matérias básicas à sua formação, passando depois à faculdade onde terá o preparo profissional ou tecnológico. Assim, um candidato à escola de Engenharia cursa por determinado período o Instituto Central de Física, Química e Matemática, podendo depois optar por uma dessas matérias, pela própria Engenharia ou ainda pela Farmácia ou Bioquímica.

Quando saí da cama, o “presidente” — cargo que cada um ocupa durante dois meses obedecendo a um rodízio — já tinha ido à feira. A “presidência da república” não é um cargo cobiçado aqui. Ela cuida de tudo: cobranças, pagamentos, consertos, compras. O bom humor, porém, é permanente. Na porta do banheiro há uma placa onde se lê: “Curso de Pedagogia”.

No intervalo da aula fiquei no bar da escola conversando com um grupo de estudantes. Acho que tomamos uns 20 cafezinhos. Maurício dizia que todos deviam participar mais ativamente da política estudantil. Falava sobre a necessidade de o estudante ter consciência de que daqui a alguns anos ocupará a liderança do país. Será um homem de empresa ou um político, um cientista ou um técnico disputado pela indústria nacional. Eu sentia que essa preocupação com o futuro mostra principalmente uma juventude universitária em busca de si mesma, num país onde há muita coisa por fazer. Sandra, uma mocinha de gestos rápidos e carinha redonda, discordavam de Maurício, ironizando sua opinião:

— Vocês se consideram os salvadores da pátria. Depois de formados, qualquer salário que lhes dê um certo conforto acaba logo com essa consciência revolucionária.

Percebi que alguns estudantes estão convencidos de que hão de mudar as estruturas sociais do Brasil; recorrem sempre aos livros para defender suas opiniões; citam Celso Furtado, Caio Prado. Outros, porém, só se preocupam com a pró-

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pria especialização profissional comprovada por um diploma de curso superior. Não relacionam sua atividade tecno-científica com participação política.

Quarta-feira

Ao chegar na Faculdade, encontro Maria Lúcia. Ela está de minissaia; é comum também as garotas irem à aula de calça comprida. Maria Lúcia puxa conversa sobre o que ela chama de “TFM” — Tradicional Família Mineira. Diz que é uma “situação em falência”.

— E aceitam sua minissaia?— Claro que não. Aqui a gente ainda não pode sair como quer. As pessoas me

olham como se eu estivesse nua.

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Pela roupa, os estudantes revelam pertencer, em sua grande maioria, à classe média. Lembro das estatísticas: apenas 5,8% dos universitários brasileiros são filhos de operários.

O professor de Antropologia inicia a aula propondo um debate sobre “preconceitos e tabus”. O tema é a virgindade feminina pré- nupcial coisa que os estudantes discutem com freqüência. Eustáquio abre o debate, situando a questão em Belo Horizonte:

— É uma cidade de 70 anos e um milhão de habitantes cercados pelas montanhas. Nossos pais vieram do interior e nós assistimos aqui, em vinte anos, a um ritmo de progresso que em São Paulo levou duzentos.

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O contraste então é o de uma juventude voltada para o futuro mas educada como se ainda vivesse numa cidade do interior.Todos parecem concordar. Suzana entra diretamente no assunto: não entende por que fazem do sexo um tabu. Acha uma coisa tão natural como se alimentar. Maria José acrescenta que o único problema são “os condicionamentos sociais que servem de redoma de vidro à virgindade feminina”. Berenice intervém:

— E por que não romper com esses condicionamentos? Acho válido uma garota ter relações sexuais antes do casamento, quebrando esses condicionamentos que criam uma moral ambígua, com diferentes conotações para o homem e para a mulher. Tenho uma amiga que abortou por pressão social, para manter o “bom nome da família”.Há um silêncio na sala. Para quebrá-lo Alenquer sugere:

— Acho que esse negócio de virgindade feminina é um problema essencialmente masculino. É um critério que o homem impõe à emancipação da mulher. Talvez não saibamos bem o que seja amar.

Mais tarde eu ainda estava nessa última frase de Alenquer. Achei que ele não tinha razão. Achei que os universitários sabem o que é amar, porque amam. Em geral o namoro firme nasce no banco da escola, e embora sejam quase todos favoráveis às relações sexuais antes do casamento e ao divórcio,

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nem sempre levam à prática suas opiniões.Fiquei até surpreendido com a facilidade com que os universitários pregam as

mais avançadas idéias, chegando mesmo a afirmar que é preciso fazer uma revolução social e reconstruir tudo de novo. Todos os calouros sofrem o mesmo impacto ao primeiro contato com o meio universitário, que abriga uma infinidade de “istas”. Só nesta Faculdade existem: comunistas, pacifistas, progressistas, tradicionalistas, behavioristas, existencialistas, fidelistas, arrivistas, maoístas e — dizem como piada— turistas. Na verdade, são todos jovens em busca de uma especialização profissional, para um mercado de trabalho que não é dos maiores, especialmente no ramo das ciências humanas. Me vêm à cabeça as palavras de um professor: “Enquanto o Brasil necessita de técnicos e cientistas, 50% dos universitários fazem cursos de Direito, Ciências Sociais, Filosofia e Letras. As poucas unidades técnicas da Universidade brasileira carecem de equipamentos modernos e o governo custa a fornecer verbas para o incentivo da pesquisa; em conseqüência, nos últimos quinze anos, 261 pesquisadores brasileiros foram trabalhar no exterior.

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Quinta-feira

À saída da aula desço com um grupo de colegas para o centro da cidade. Maria Teresa tem nas mãos “O Estrangeiro”, de Albert Camus. Mesmo sem entender nada de fenomenologia, ela lê Sartre, Herman Hesse, Joyce, Guimarães Rosa, Jorge Amado e Erico Veríssimo. Como seus colegas, gosta das peças de Brecht, prefere as poesias de Fernando Pessoa, Drummond, Manuel Bandeira e admira Marx e Teilhard de Chardin. Vamos almoçar no restaurante da Faculdade de Direito. Eustáquio escolhe uma mesa onde está sentado um estudante negro. É o Adão Ventura. Fico sabendo que é um poeta consagrado, já ganhou três prêmios. Aproveito a ocasião para uma conversa sobre preconceito de cor.— Entre os estudantes — diz Adão — não chega a existir preconceito. Mas quando sou apresentado a alguém meu nome vem sempre precedido pelos termos “universitário”, “poeta”, “inteligente”, que servem para me fazer aceito pelos outros. Sei bem o que é ter uma pele escura: já fui barrado na porta do Cruzeiro Esporte Clube. E na minha terra, Serro, em Minas mesmo, preto não pode entrar no quadro social do clube; enquanto que à noite, no “footing”, as moças brancas não se misturam com as de cor.

Quando nos despedimos, Adão me entrega o que escreveu num guardanapo de papel, durante a conversa: “Deus quando criou o mundo / mandou que a luz existisse / mas a minha pele continua negra. / NEGRA, como o embrião

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da noite, / NEGRA, como a incompreensão dos homens”.Noto que na Faculdade de Direito há um número maior de velhos. A explicação

que me dão é de que muitos fazem três ou quatro vestibulares até conseguir entrar na escola. Que em 1965 houve, no Brasil, 131 mil candidatos aos vestibulares, tendo sido aprovados apenas 47 mil. E mais: existem atualmente 155 mil estudantes no curso superior, ocupando as 40 universidades existentes: 23 federais, 3 estaduais e 14 particulares. Para terminar, que de cada 1000 crianças que entram para o primeiro ano do curso primário, apenas 10 atingem o curso superior.

À tarde estive com Alfredo, na Escola de Engenharia. Um estudante interrompeu nossa conversa para oferecer o jornal “Catolicismo”. O artigo principal do jornal era uma denúncia contra o presidente Frei, do Chile.

E o estudante Fiúza, de 26 anos, membro da sociedade da Tradição, Família e Propriedade, reforçava a crítica:

— O governo comunistarista de Frei está levando o Chile ao comunismo.Aproveito para perguntar sobre os objetivos da Sociedade a que pertence Fiúza.

Sua resposta é taxativa:— Lutamos em defesa dos alicerces da civilização católica ocidental: a tradição,

a família e a propriedade, principalmente a propriedade imobiliária. Por isso somos contra toda espécie de progressismo, que é o germe do comunismo.

Alfredo aproveita para provocarFiúza:

— Mas vocês não acham que a miséria e a desigualdade de classes podem também favorecer o comunismo?

— Não, pois assim como o corpo humano é dividido em diferentes partes, cabeça, tronco e membros, é natural que a sociedade seja também dividida em diferentes classes.

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Fiquei sabendo depois que a TFP congrega em Belo Horizonte, 300 universitários divididos em 13 “repúblicas”, fora alguns que moram em casa com a família. Soube também que a TFP e o CCC (Comando de Caça aos Comunistas) são os únicos grupos organizados de oposição à UNE.

Sexta-feira

Faculdade de Medicina; Henrique trouxe-me para assistir à aula prática do 1° ano: Anatomia Humana. Sobre as mesas, num amplo salão, vários cadáveres cheirando a formol. Observo os estudantes fazendo dissecação e exame de partes isoladas do corpo humano. Trabalham com certa frieza, como se lidassem com bonecos de gesso. À saída, pergunto a Henrique se aquele trabalho não lhe traz repugnância.

— Durante três meses fomos psicologicamente preparados para

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isto. Nos primeiros dias ficamos chocados, sentimos mal-estar, ânsia e vômito; deixamos até de comer carne e alguns chegam a sentir repugnância pelo próprio corpo. Em geral, quem mais se impressiona são as moças: algumas pensam abandonar o curso. Mas depois a gente se habitua.Percebi que, ao contrário dos alunos da Filosofia, o pessoal da medicina pouco se interessa pela política estudantil ou pela política em geral. Ao mesmo tempo, há uma generalizada indiferença religiosa. Os universitários brasileiros são, quase todos, o que os teólogos costumam chamar de “cristãos atávicos” — têm a fé como herança da família. A entrada para a Universidade e o contato direto com a ciência criam neles um certo ceticismo. Muitos já não vão ao culto ou à missa. Jorge, dos 30 anos, me dizia:A perda da fé, na Universidade, é conseqüência do próprio objetivismo da ciência. Ela nos leva a querer comprovar as coisas laboratorialmente.

Alguns grupos universitários, porém, se preocupam com uma visão melhor do Cristianismo. A Juventude Universitária Católica que já formou uma geração de líderes universitários — e a Associação Cristã Acadêmica, protestante, buscam uma conciliação entre a fé e o engajamento político do universitário.

Prates convidou-me para jantar em sua casa. Seu pai, velho udenista do interior de Minas, veio para a capital no governo Magalhães Pinto. Diz sempre que o problema brasileiro “se reduz à falta de exemplos morais e cívicos como Arthur Bernardes”. Mas o filho discorda e prefere apoiar a UNE.

Este também é subversivo como você? — perguntou o velho quando fui apresentado. Mas antes que o filho respondesse, foi falando:

Vocês pensam que eu sou reacionário e não entendo mais de política dos estudantes. Ora, eu fui um dos que vi a UNE nascer em agosto de 1937 na Casa do Estudante do Brasil. Acho até que foi no dia 13. Isto mesmo: treze de agosto. Lembro-me que em 1942 ela obrigou o governo do Estado Novo a romper com as potências do Eixo.Tomou fôlego, encaminhou-nos à mesa do jantar e continuou:

— Os nazistas tinham torpedeado navios brasileiros na costa de Sergipe. Antes que o governo se declarasse, os estudantes repudiaram o hitlerismo apoderando-se de um prédio na praia do Flamengo; era a sede do Clube Germânia, que acabou virando sede oficial da UNE. Depois, em 1945, ela se aliou à UDN para redemocratizar o país. Enquanto Eduardo Gomes discursava no Recife, a polícia dissolvia um comício à bala,

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matando o estudante Demócrito de Souza Filho. Isto foi em março. Em outubro, Getúlio caiu. Mas hoje...O velho olhou sério para mim e para o filho:

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—... está tudo mudado. Os estudantes só querem saber de bagunça de rua e nem pegam nos livros. Vivo dizendo pra este menino que ele vai acabar preso.Prates quase não fala. Tinha me dito antes que acha impossível o diálogo com o pai. Está trabalhando para ter independência financeira da família.

Sábado

A aula de hoje foi substituída por uma conferência do Diretório Acadêmico sobre o acordo MECUSAID. O conferencista é um jovem moreno, de 22 anos, que me dizem ser o presidente da União Estadual dos Estudantes e chamar- se Waldo. Cecília, uma moreninha de olhos azuis, faz questão de sussurrar no meu ouvido quando ele começa a falar: “Esse cara já foi preso três vezes”. Presto atenção. Ele começa a explicar que o primeiro convênio MEC-USAID foi feito em 23 de julho de 1965 e posteriormente substituído pelo Convênio de Assessoria ao Planejamento do Ensino Superior. Este acordo teve origem na Política Nacional de Educação, baseado nos compromissos assumidos na Carta de Punta Del Este pelo Brasil, como um dos membros da Aliança para o progresso. Em seguida, lê alguns trechos do relatório Atcon um estudo sobre a Universidade Latino-Americana no qual se baseia o Acordo - e conclui afirmando que com isto a USAID passa a ter amplo controle do aparelho de ensino brasileiro. “isto nós não permitimos” — grita ao final da conferência. Os estudantes o aplaudem de pé. Parecia até que dali sairia uma nova passeata.

Passo pela Livraria do Estudante após o almoço. Compro a revista “Estória” e o jornal “Texto”, onde a nova geração de estudantes literatos tem publicado suas criações.

À noite fui levado ao “Porão”, um restaurante muito freqüentado pelos estudantes. Mas alguém propõe o “Chez Bastião”, dizendo ser o “único bar que a TFM permite que suas filhas freqüentem desacompanhadas”. Em meio ao chope fala-se sobre aulas, professores, Faculdade. A mesa de chope sempre foi um lugar importante na vida do estudante. Em volta dela ganham-se congressos, escolhem- se candidatos, discutem-se problemas nacionais e internacionais, comemoram-se as boas notas e toma-se um porre para esquecer o fracasso nos exames ou o amor fracassado.

Domingo

Em minhas anotações registro a dificuldade de caracterizar, no presente, um jovem como o universitário que, estudando ou fazendo política, está sempre voltado para o futuro. Ele sabe que esse futuro lhe pertence. Mas Paulo, da Arquitetura, me disse ontem que tem

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medo do futuro. Não soube explicar por quê...A tarde, fui apresentado a Roberto. Ele é um dos líderes universitários. Havia

sido preso recentemente numa passeata e o fato deu o que falar na cidade. Eu quis saber como tinha sido a coisa.

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— Quando a polícia entrou com a borracha, tentei refugiar-me no cine Metrópole. Na porta, fui derrubado por um guarda. Senti na queda que minha mão esquerda ficara ferida. Ninguém mais junto de mim, senão cinco guardas furiosos. Permaneci deitado no chão esperando que me batessem. Talvez por falta de jeito não o fizeram. Mandaram que eu me levantasse. Estava preso. Como se eu fosse um ladrão, me enfiaram na Rádio-Patrulha.

A essa altura já havia mais uns três estudantes em volta:— Meu ferimento sangrava muito e doía. Tive medo de tétano, pois a mão

estava suja e esfolada. Um companheiro, dentro da Rádio-Patrulha, emprestou-me um lenço. O cubículo no interior do carro era escuro e estávamos em sete estudantes amontoados. Fomos levados ao som das sirenes.

Um rapazola sardento que tinha encostado no grupo comentou: “que bacana”. Roberto continuou:

— Descemos em fila indiana:Departamento de Vigilância Social. -Havia um aparato policial a nos cercar. Fizeram a triagem:“Seu nome? Vocês estavam fazendo arruaça?” Era o delegado.“Não estávamos...”; “Não interessa. São todos uns comunistas, uns vagabundos”. Éramos tudo, menos estudantes universitários.Encheram nossa ficha e pediram os objetos que carregávamos. Fazia frio e a única roupa que nos restava eram as calças. Após o interrogatório, fui levado à cela, num porão. Conheci então a famosa “escada rolante” — do primeiro degrau o preso é empurrado, descendo numa queda ou aos trancos e barrancos.

— Você ficou sozinho na cela? Perguntou o mesmo garoto sardento.— Não, havia mais 18 estudantes. Houve uma certa alegria no encontro. No

início não consegui pensar em nada; ninguém tinha cigarro. O cubículo que nos servia de prisão tinha 11 por 19 “pés”.Roberto tem 23 anos, mas parece mais jovem ainda. Fala com segurança e vivacidade:

— Tínhamos sido presos no início da tarde e às 23 horas vieram tirar um por um da cela. Quem saía não voltava mais. Imaginamos coisas: pau-de-arara, choque elétrico, toda espécie de tortura. Felizmente não houve nada disso. Apenas nos trocavam de cela para fazer guerra psicológica. Eram três da madrugada quando começamos a depor: “Seu nome?” era novamente o delegado, que adiantou: “você está sendo acusado de provocar incêndio, ameaçar os alicerces da República e perturbar a ordem pública”.

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Roberto sorriu quando lembrou a frase e prosseguiu:— Ao voltarmos à cela encontramos um bêbado vociferando contra o governo.

Falava muito e pedia nossa opinião. Não abrimos a boca. O cansaço nos dominava. Soubemos depois que era um agente da própria polícia. Pela manhã, bem cedo, outro delegado veio nos acordar aos berros. Mandou que ficássemos encostados à parede. Parecia que íamos ser fuzilados. Disse que estávamos “perdidos”,. pois era possível a nossa remoção para a Quarta Auditoria Militar, em Juiz de Fora — “a boca do inferno”. Os dias passavam e eu não entendia por que ficar preso tanto tempo. Em geral estudante não fica preso mais que dois dias. Dia 19 foi marcado o julgamento. Às 18 horas desse dia ficamos sabendo que o Superior Tribunal Militar nos concedia a liberdade por doze votos a zero. Ficamos eufóricos. À saída, fotógrafos e cinegrafistas pediam que demonstrássemos abatimento. Ao contrário, sorríamos muito. Havíamos vencido.

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Quando Roberto terminou sua história, o grupinho em volta de nós dois tinha aumentado bastante. Todos universitários, menos o tal garoto de sardas. Ele repetiu, antes de sumir:

— Que bacana!Eu anotei a frase em meu diário de trabalho. Tinha terminado a reportagem.

Tinha conhecido o mundo do universitário, suas dúvidas, suas certezas, seus problemas, seus dramas, sua confiança no futuro. Era um mundo bem jovem, atraente, contagiante. O garoto sardento tem razão.

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ANEXO II

A rede que abraça todo o planeta

A Internet’ inaugura a aldeia global na maior aventura tecnológica da História da humanidade

Veja, 01/03/95, por Eurípedes Alcântara

O americano Nicholas Negro- ponte costumava ser ouvido como um profeta. Diretor do Laboratório de Mídia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, MIT, ele é um desses conferencistas que fascinam as platéias quando falam sobre o futuro. Entre os ouvintes de suas palestras já estiveram diversos presidentes americanos, líderes europeus e cientistas ganhadores do Prêmio Nobel. De uns tempos para cá, Negroponte deixou de ser um anunciador do amanhã. Fala do presente. A razão, segundo ele, é simples. O futuro chegou.Vamos ouvi-lo brevemente sobre o avanço dos computadores e das redes de telecomunicação:

“Há uma brincadeira com números que faz muito sucesso entre as crianças. Começa com uma pergunta: vale a pena trabalhar por um centavo ao dia durante um mês, dobrando o salário a cada dia? Se começássemos esse maravilhoso sistema salarial do Ano-Novo, estaremos ganhando mais de 10 milhões de dólares por dia no fim de janeiro. Essa é a brincadeira. Usando o mesmo esquema estaríamos ganhando apenas 2,6 milhões

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de dólares, no total, se janeiro tivesse três dias a menos. Mas como o mês tem 31 dias, o salário mensal vai para mais de 21 milhões de dólares. Por ser a velocidade de crescimento exponencial, aqueles últimos três dias fazem uma enorme diferença! Pois estamos nos aproximando daqueles três dias no processo de expansão dos computadores e das telecomunicações digitais. É nessa velocidade que os computadores estão entrando nas nossas vidas”.

Esses “três dias” são magníficos e assustadores. O “efeito Negroponte”, magistralmente descrito no seu novo livro, A Vida Digital, pode ser sentido na multiplicação do número de computadores interligados à rede mundial Internet, a mãe de todas as redes. Mudanças radicais no cotidiano, mesmo em áreas mais visíveis como a moda e a arquitetura, nunca chocam porque no começo aparecem aos poucos e depois

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as pessoas se acostumam e não reagem mais. Com a Internet será difícil acostumar-se. Se você ainda não notou, tenha a certeza de que muito em breve vai ser obrigado a perceber. O susto, acredite, será muito grande.

Hoje, o computador pode comunicar-se com outros computadores através de uma linha telefônica. Basta que. a pessoa instale no seu micro um pequeno aparelho chamado modem, que transforma os códigos digitais para o tráfego no fio, e está tudo pronto para a maior viagem que a tecnologia já ofereceu ao ser humano.O Brasil tem 50 000 pioneiros plugados na Internet e ainda está tropeçando na porta de entrada dessa aventura, mas a malha planetária de computadores que forma o sistema Internet está explodindo por todos os países, inclusive na vizinha Argentina, onde o número de inscritos cresceu mais de 8000% no ano passado. A onda chegou também até Chiapas, a região mais pobre do México, onde os rebeldes zapatistas chefiados pelo subcomandante Marcos usam a Internet para transmitir seus comunicados. Criada pelo governo americano nos tempos incertos da Guerra Fria, com uma arquitetura tal que continuasse a funcionar como sistema de comunicação independente, mesmo que Washington fosse riscada do mapa por um ataque nuclear, a Internet nasceu sem um centro de comando. Não tem dono, nem governamental nem empresarial, cresce espontaneamente como capim e qualquer corporação venderiam a alma para tê-la a seu serviço.

Como não está submetida a um núcleo de comando, nem sequer se sabe quantos membros tem exatamente no mundo. Estima-se. Seria certamente o maior negócio do planeta se alguém pudesse dominá-lo ozinho. “E mais fácil explicar o que a Internet não é da que õ que ela é”, diz a americana Elle Broidy, uma pesquisadora interessada em temas feministas. “A Internet não

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é uma entidade, não é uma instituição.” Até a semana passada, a rede interligava mais de 40 milhões de pessoas em mais de 100 países, do Uruguai aos Estados Unidos, da Lituânia à Inglaterra. O mais espetacular nem é o tamanho. É o ritmo de propagação dessa onda. A Internet vem crescendo mais de 10% ao mês desde meados do ano passado e terá provavelmente 400 milhões de usuários até o final deste ano. Além desse horizonte ninguém se arriscaria a prever. A explosão se deu em decorrência de avanços tecnológicos formidáveis nos processos de busca de informação na rede. Seu uso tornou-se tão simples quanto tirar dinheiro num caixa 24 horas.

VALE FALAR PALAVRÃO — A cada dia, 130 000 novos usuários pulam para dentro da rede. A cada hora, 5 416 novos terráqueos são interligados. Recebem seu email, ou endereço eletrônico, uma espécie de CEP através do qual seu computador pode ser encontrado, e passam a receber mensagens vindas de qualquer parte do mundo. “Dentro de três anos, o tráfego da Internet nas redes telefônicas vai exceder todo o movimento atual de dados convencionais e de conversa das empresas”, afirma Tony Rutkowski, diretor executivo da Internet Society, uma das muitas associações que se formaram em tomo da rede. Diz Rutkowski: “Nenhuma outra forma de comunicação na história da humanidade cresceu tão rápido. Estamos traçando as linhas de uma nova fronteira. Não importa quanto você se sinta distante agora da Internet. Brevemente você fará parte dela.”

Mas, afinal, para que serve a Internet? Serve para que milhões de pessoas separadas por milhares de quilômetros conversem horas a fio teclando suas frases nos computadores e pagando o preço de uma ligação telefônica local. Serve para consultar

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um livro ou um documento em 2 000 bibliotecas que podem ser acessadas a distância, 24 horas por dia. É melhor ler Guerra e Paz, o romance épico de Tolstoi, num livro convencional. Mas que tal quando se trata de levantar informações sobre o próprio Tolstoi ou sobre religiões hindus? Uma consulta dessas não demora mais do que meia hora. Centenas de bibliotecas ao redor do mundo podem ser rastreadas automaticamente em busca da informação desejada. A Internet serve também para que as pessoas com interesses comuns, como os ecologistas, os gays, os médicos ou os fanáticos por esportes, conversem com suas almas gêmeas espalhadas pelo mundo. Serve para que cientistas separados no tempo e no espaço possam trabalhar em projetos comuns, compartilhando uma mesma tela, mas usando teclados diferentes, um deles em Paris e o outro em Nova York. Adeus telefonemas internacionais a preço de caviar. Adeus falta de informação só porque se vive numa cidade provin-

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ciana. Adeus, conversa com o vizinho maçante quando se tem um mundo inteiro para bater papo. Também dá para flertar verbalmente pela Internet. Faz-se muito esse esporte. Briga-se também. E vale soltar palavrão, procedimento comuníssimo na rede.

ROLLS-RQYCE — No ano passado, o top quark, a intangível partícula atômica, uma das últimas peças da matéria que faltavam ser desvendadas no quebra-cabeça teórico da estrutura do átomo, foi encontrado num trabalho feito a muitas mãos via Internet. Ah, a rede pode servir para dar uma olhada gulosa em centenas de imagens de alta qualidade da pinacoteca do Vaticano e da Instituição Smithsoniana, em Washington. Ou para montar a mais fabulosa coleção de imagens pornográficas cujas reproduções digitais trafegam pela rede sem censura. Recentemente, num escândalo cibernético, milhares de fotos eróticas foram encontradas ocupando espaço na memória de dois supercomputadores de laboratórios militares americanos. Um deles, o venerando Laboratório Lawrence Livermore, o berço da bomba de hidrogênio. A partir deste ano, a Internet será também um gigantesco shopping Center. Funcionará para mostrar produtos e fechar negócios através do computador, uma novidade que vem atraindo 2000 empresas por mês para a rede.Na semana passada, dois anúncios nos Estados Unidos mostraram como está a velocidade das mudanças no espaço cibernético. O cartão de crédito Visa anunciou ter desenvolvido um programa de cobranças que permite lançar valores mínimos de até 31 centavos de dólar — o que abre espaço para venda de selos, chocolates e outras bugigangas que não tinham peso econômico para virar ofertas numa rede de computador. “Trinta e um centavos parece uma gota no oceano, mas, quando se imagina que a rede terá brevemente 100 milhões de usuários, essa gota pode vir a ser o próprio oceano”, diz David Melancon, diretor do cartão Visa. Ele poderia falar em quatro vezes mais o número previsto para o fim deste ano. No outro extremo, Gary Whitaker, revendedor dos automóveis Rolls-Royce em Beverly Hilis, na Califórnia, comunicou na segunda-feira que passará a anunciar na Internet, onde já estão nomes como a Pizza Hut e a General Motors.

Não é apenas por ostentar números grandiosos que a Internet é um fenômeno. Tampouco por permitir o acesso a textos de bibliotecas e a reproduções de quadros famosos dos grandes museus, como o Louvre, de Paris. Nem pelos avanços tecnológicos criados com a operação da rede. Mais que tudo isso, a Internet é uma experiência humana rara, é a concretização da profecia da aldeia global. Está acontecendo agora, diante

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desta geração. “A sensação é tão fantástica que me sinto um astronauta em órbita. Não porque mereça, mas por mero acaso, por pertencer a uma geração que teve acesso à comunicação global sem limites”, diz o ator Robert Redford, um veterano membro da rede.

BOEING E CARROÇA — Em cada época, surge um grupo de inovações que toma conta da indústria e marca o ritmo de toda a sociedade. No século passado, foram as ferrovias e as máquinas a vapor. No pós-guerra, a manufatura. Nos anos 80, a prestação de serviços puxou o crescimento da economia. Os anos 90 estão entregues à alta tecnologia, à indústria da informação e de transformação digital. Ela se define pelo poder de empacotar todas as manifestações culturais na forma de bits, a unidade menor da linguagem dos computadores. “Nossa época está sendo marcada pela transformação dos átomos em bits”, diz Nicholas Negroponte, do MIT. “Essa transformação já está tendo um impacto sem precedentes nas leis de propriedade intelectual, na educação, sem falar nos meios de comunicação e na indústria da diversão.”

Exatamente porque os átomos estão sendo transformados em bits, no sentido de que ganham a nova forma nas entranhas do computador, é que a Internet é uma estrutura impressionante, maior do que ela mesma, fisicamente falando. A melhor imagem para descrevê-la é a de uma infovia, uma estrada digital por onde trafegam riquezas devidamente transformadas em bits. Transformar átomos em bits significa digitalizar, reescrever a informação contida na voz, na cor, nas luzes, nas letras, nos filmes e nas formas, colocando tudo isso para viajar de uma tela para outra. O membro da Internet é o radioamador dos anos 90, falando com o mundo todo de um escritório no fundo de casa, só que seu instrumento de comunicação está para o transmissor assim como o Boeing está para a carroça. Viaja-se em ambos, claro. Canções podem ser digitalizadas — como já são nos CDs musicais —, e assim passeiam pela Internet. Jornais inteiros são igualmente transformados em bits e postos à disposição de assinantes. Dinheiro pode também trafegar como mensagem cibernética, na forma de números de cartão de crédito. Os bits são a maior riqueza deste fim de século, ou sua mais completa tradução.A Internet carrega essa riqueza com muita eficiência. A rede tem basicamente três tipos de computadores interligados. Os do primeiro tipo são computadores “servidores”, grandes fornecedores de informações e programas. Em geral, pertencem a uma universidade ou instituição de pesquisa, ou então a uma grande empresa que estoca nele uma descrição de seus produtos. Os do segundo tipo são os nódulos, grandes máquinas que agem

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como os servidores, fornecendo informações, mas também ajudam a escoar o tráfego de informações na rede. Acontece que as mensagens passam por redes de uso científico e militar superdimensionados que estariam funcionando do mesmo jeito, mesmo que nós, os usuários de fora, não existíssemos. Os computadores do terceiro tipo, mais numerosos, são os dos usuários, nós, que estamos na rede para receber e não para dar. É claro que os receptores estão longe de ser passivos. Passam mensagens, entram em discussões, cravam pontos de vista sobre isso ou aquilo. As possibilidades de se exibir são infinitas. De repente, qualquer um pode ser um best selier mundial. Uma página de texto colocada por qualquer membro da Internet pode ser lida por milhões de pessoas.

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TV NO COMPUTADOR — O tráfego mais pesado de informações passeia por cabos ópticos, apelidados de T3, que compõem a coluna dorsal da rede, interligando os nódulos de maior movimento. Com a espessura de um fio encapado de eletricidade, esses cabos podem suportar um tráfego de 45 milhões de bits por segundo. Isso significa que um cabo pode transportar o equivalente a todas as palavras que todos os grandes jornais brasileiros publicam por dia — em apenas meio segundo. Para agüentar um tráfego equivalente em automóveis e caminhões, a via Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, teria de ter a largura de 800 000 quilômetros, o dobro da distância da Terra à Lua. Há cabos mais limitados que funcionam como estradas de uma pista só e, finalmente, existe o equivalente às estradas vicinais — que chegam a um grupo de usuários depois de ser construídas por empresas interessadas em vender o acesso à Internet a um determinado número de clientes.A tecnologia de transmissão de dados evolui tão depressa que a velocidade das transmissões se multiplicará a cada ano, a cada mês. Há várias implicações. Uma delas: qual a diferença que haverá em breve entre televisão e jornal? Já está ocorrendo agora que ambos, o jornal e a televisão, viajem até o usuário da rede por cabo telefônico, para serem vistos na tela do computador. Para embaralhar ainda mais a questão, tanto o jornal quanto a televisão serão mostrados na forma de vídeos, fotos coloridas, textos e áreas interativas — em que o espectador-leitor-ouvinte pode mandar suas opiniões, encomendar um jornal só com notícias de esporte ou comentários sobre finanças. A rede de televisão CNN anunciou em novembro passado que estará transmitindo a Olimpíada de Atlanta, no ano que vem, pelo computador de uma rede comercial que já tem dois milhões de membros nos Estados Unidos, o CompuServe.

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Em contrapartida, o jornal The New York Times mantém numa rede comercial concorrente, a America On-line (1,8 milhão de assinantes), seu serviço de transmissão on line que manda pelo computador fotos e textos do jornal. Quase todas as grandes revistas americanas, como Fortune, Forbes, People, Business Week, estão oferecendo suas edições nas grandes redes. A revista Time mantém na rede America Online um animado serviço para a criançada e os adolescentes, o Time for Kids. O jornal O Estado de S. Paulo estreou entre as publicações brasileiras na Internet, na semana passada, via Worldnews, uma empresa de Washington que colocou na rede também o primeiro comercial brasileiro, do Unibanco.

As redes comerciais oferecem serviços mais caros e diferenciados. Ao contrário da Internet, que não tem dono, os serviços comerciais custaram uma fortuna para ser montados, colocam ações na bolsa e disputam clientes entre si. Basicamente, eles são mais organizados do que a Internet. É mais fácil se conectar com eles por telefone, e graficamente as seções ficam mais organizadas na tela. Ninguém pode dizer até quando, pois alguns programas de busca na Internet, como o Mosaic e o Nétscape, são graficamente tão bonitos quanto os menus das redes comerciais.O que está ocorrendo é que as redes comerciais estão numa cor-rida desenfreada para ver quem oferece mais serviços da Internet. Uma delas, a Prodigy, uma iniciativa da IBM com a Sears que custou 1 bilhão de dólares, saiu na frente para surpresa de muita gente. A Prodigy foi a primeira a oferecer conexão com a WWW, a área multimídia da Internet. A América On-line promete uma versão para daqui a dois meses. O CompuServe, que já tem alguns milhares de usuários no Brasil, não tem previsão de quando oferecerá esse cobiçado canal.

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A imensa avalanche de novidades que a Internet está lançando na praça é resultado sobretudo dos avanços na área dos computadores. As máquinas portáteis de hoje fazem mais tarefas do que os gigantescos computadores empresariais do passado. E custam quase nada. Os modelos Maclntosh são vendidos hoje por um terço do que valiam há apenas 20 meses. Em maio começam a ser oferecidos os primeiros clones, cópias autorizadas, dos Maclntosh. Seu preço ficará abaixo dos mil dólares. Aliás, está-se firmando uma meta não declarada da indústria de que mil dólares é o preço máximo que se pode pagar por um computador de uso doméstico. Isso é a conseqüência natural do fato de que o computador se está transformando num eletrodoméstico.BANDEIRA ATUAL — Em breve, a maioria dos computadores estará plugada na Internet, cujo

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potencial é tamanho que a rede mundial hoje parece muito mais uma solução à procura de um problema. Para os países pobres, onde o que não falta são problemas, a Internet pode oferecer inúmeras soluções. Sua aplicação na educação parece mais do que óbvia. Nos países ricos, onde há recursos de multimídia de sobra nas escolas, a rede mundial ainda não colou como ferramenta didática. O mais recente levantamento do Centro para a Criança e a Tecnologia dos Estados Unidos descobriu que apenas 4% das escolas utilizam a Internet em salas de aula e apenas 22% dos professores se dizem familiarizados com a rede— embora 73% concordem que a Internet é potencialmente útil para o ensino.

Um computador ligado à Internet em cada sala de aula de escola pública brasileira. Eis uma bandeira de luta adequada aos tempos atuais. Quem achar utópico que dê um desconto. Um computador em cada sala dos professores. Custaria uma fração do orçamento do Ministério da Educação e muito menos do que se gasta, por exemplo, com avaliações do método Paulo Freire, que só dá certo em países que dão errado como Moçambique e Cuba. Professor não come bits nem a Internet é a solução para todos os problemas, mas a rede mundial representa uma das raras janelas que a tecnologia moderna abriu e que se descortina com a mesma amplitude para os países ricos e pobres.