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labor.pt | quinta-feira, 29 outubro 2009 03 destaque Vieira Araújo fez 90 anos A Vieira Araújo S.A. completou, no passado dia 20 de Outubro, 90 anos de existência, sendo provavelmente a mais antiga empresa industrial de S. João da Madeira. Nascida no fundo de uma casa com dois operários, só nos anos 40, com o crescimento das fábricas de lápis, sapatos e camisas é que passa a ter um estatuto de relevo. Hoje, a Vieira Araújo nada tem a ver com o seu passado, garante o administrador, José António de Araújo Pais Vieira Como nasceu a Vieira Araújo? Em 1919, com 32 anos, Manoel Vieira Araújo, meu avô, após um desentendimento entre os sócios na firma Soares Silva & Araújo, onde era sócio minoritário, foi forçado a sair e ficou numa situação muito difícil. Era o único sustento de uma família já com cinco filhos e tinha acabado de comprar, a crédito, uma casa que havia que pagar. Estava-se no pós I Grande Guerra Mundial e as dificuldades eram enormes. Havia uma escassez de tudo, incluindo os bens alimentares. Meu avô não se atemorizou e re- solveu estabelecer-se com indústria de chapéus, que conhecia como a ponta dos seus dedos. Chamou o cunhado Alfredo Bastos, a quem deu uma pequena quota, e com a ajuda dos fornecedores e amigos que lhe deram crédito, lançou mãos à obra. A fábrica, se assim lhe podíamos chamar, nasceu com dois operários nos fundos da casa. Foi fácil o crescimento? Foi muito complicado, porque a épo- ca era muito dura e, logo a seguir à I Grande Guerra o chapéu começou a cair em desuso. No entanto, Ma- noel Vieira Araújo era um homem excepcional e, com muito trabalho, dedicação e inteligência, conseguiu vencer todas as adversidades, in- cluindo uma tuberculose. Quando é que se tornou uma em- presa de referência? Como indústria de chapéus, a em- presa teve um crescimento rápido, tornando-se numa das maiores do país ao fim de uma dezena de anos. No entanto, só na década de 40, quando cresce com a fábrica de lápis, a fábrica de sapatos e a fábrica de camisas, e mais de trezentos ope- rários, é que passa a ter um estatuto de relevo, tornando-se numa das maiores de S. João da Madeira. Quando aparece a fábrica de plás- ticos ? No início dos anos 60 aparecem no mercado as primeiras esferográficas, o que vem pôr em causa o mercado dos lápis e das já desaparecidas ca- netas de madeira com aparo. Manoel Vieira Araújo de imediato comprou um alvará de plásticos e mandou Rui Soares da Silva para a Suíça para estudar o processo de fabrico. Regressado a Portugal, põe em prá- tica os conhecimentos aprendidos e assim nasceu mais uma indústria na Vieira Araújo. Como se dá a divisão entre a Vieira Araújo e a Viarco? Em 1991, já com a terceira geração dentro da empresa, havia diversos modos de pensar e ver o futuro da sociedade, que tinha o capital muito disperso. Então os sócios resolveram separar-se. Alguns venderam as quo- tas e eu adquiri 1/3 do capital social da Vieira Araújo & Cª Lda. Como passou a gerente da Vieira Araújo? Com 1/3 da sociedade, eu era indivi- dualmente o sócio com mais capital e, com a confiança dos meus sócios, passei a ser o principal gerente e a imprimir uma nova vida à empresa. Pouco depois, vendemos a fábrica de camisas, que só dava prejuízo, e tratei de começar a desenvolver a pequena fábrica de plásticos que só facturava 200 mil euros por ano. Introduzi novos produtos, adquiri máquinas modernas e virei-me para o mercado das embalagens de água feitas em PET (polimero termoplástico). Actualmente, ainda tem sócios? Não, no início do ano 2000 os meus sócios venderam-me as quotas e fiquei sozinho na empresa. É mais fácil trabalhar assim? Eu prefiro, porque, por vezes, a um sócio que está fora da empresa, é difí- cil fazer compreender que é necessá- rio trazer de casa mais dinheiro para os negócios avançarem. É certo que duas cabeças normalmente pensam melhor que uma só mas, em questões de liderança, isso pode também ser um empecilho. Como foi a vida da Vieira Araújo a partir daí? Apliquei-me a 100 por cento, trouxe para a empresa todo o capital que havia ganho em outros negócios, corri grandes riscos com fortes endividamentos e consegui atingir os objectivos. Em 2004, fiz novas e modernas instalações, em 2005 implementámos normas de certifi- cação de qualidade, em 2007 deu-se a transformação em Sociedade Anó- nima e hoje, depois de um forte e acelerado crescimento, já facturamos mais de cinco milhões de euros. Qual é o vosso core business? Desde final de 1994, começámos a fabricar tampas e asas para os gar- rafões de água, azeite e outros óleos alimentares. Fomos um pouco pio- neiros, desenvolvemos muitas peças, registámos patentes e também vários registos de modelos comunitários. Somos, no nosso ramo, o principal produtor do mercado da Europa Ocidental, com um fabrico anual de 330 milhões de peças. Então exportam? Sim. A exportação representa dois terços da nossa facturação. Além de Espanha, que é o nosso principal mercado, vendemos também para França, Itália, Canadá, Argélia, Cuba e sabemos que alguns dos nossos clientes revendem as peças para toda a África e muitos países da América Latina. É com muito prazer que hoje entramos em qualquer supermercado de Portugal ou Espanha e vemos sempre peças fabricadas na Vieira Araújo S. A. Sente-se um herdeiro de Manoel Vieira Araújo? Sim e não. Sim nos valores morais, porque foi ele, juntamente com meu pai, a minha fonte de inspiração nos negócios, que me fez ter sempre força para vencer as maiores ad- versidades. Não, porque tudo o que é hoje a Vieira Araújo nada tem a ver com o passado. Além disso, não herdei nada, comprei as quotas aos meus ex-sócios. Qual o segredo do sucesso? Muito trabalho, dedicação perma- nente, capacidade de correr riscos e saber rodear-se de bons e leais colaboradores. E como vai ser o futuro? Não sei. Mas gostaria de ver a Vieira Araújo continuar a crescer e voltar a ser uma das empresas de referência da nossa terra. José António Pais Vieira é, desde 2000, o único administrador da empresa Rótulo antigo com a imagem das instalações iniciais da empresa DR

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Page 1: Vieira Araújo fez 90 anos · a sair e † cou numa situação muito difícil. Era o único sustento de uma ... um alvará de plásticos e mandou Rui Soares da Silva para a Suíça

labor.pt | quinta-feira, 29 outubro 2009 03destaque

Vieira Araújo fez 90 anos A Vieira Araújo S.A. completou, no passado dia 20 de Outubro, 90 anos de existência, sendo provavelmente a mais antiga empresa industrial

de S. João da Madeira. Nascida no fundo de uma casa com dois operários, só nos anos 40, com o crescimento das fábricas de lápis, sapatos e camisas é que passa a ter um estatuto de relevo. Hoje, a Vieira Araújo nada tem a ver com o seu passado, garante o administrador, José

António de Araújo Pais Vieira

Como nasceu a Vieira Araújo?Em 1919, com 32 anos, Manoel Vieira Araújo, meu avô, após um desentendimento entre os sócios na � rma Soares Silva & Araújo, onde era sócio minoritário, foi forçado a sair e � cou numa situação muito difícil. Era o único sustento de uma família já com cinco � lhos e tinha acabado de comprar, a crédito, uma casa que havia que pagar.Estava-se no pós I Grande Guerra Mundial e as dificuldades eram enormes. Havia uma escassez de tudo, incluindo os bens alimentares. Meu avô não se atemorizou e re-solveu estabelecer-se com indústria de chapéus, que conhecia como a ponta dos seus dedos. Chamou o cunhado Alfredo Bastos, a quem deu uma pequena quota, e com a ajuda dos fornecedores e amigos que lhe deram crédito, lançou mãos à obra. A fábrica, se assim lhe podíamos chamar, nasceu com dois operários nos fundos da casa.

Foi fácil o crescimento?Foi muito complicado, porque a épo-ca era muito dura e, logo a seguir à I Grande Guerra o chapéu começou a cair em desuso. No entanto, Ma-noel Vieira Araújo era um homem excepcional e, com muito trabalho, dedicação e inteligência, conseguiu vencer todas as adversidades, in-cluindo uma tuberculose.

Quando é que se tornou uma em-presa de referência?Como indústria de chapéus, a em-presa teve um crescimento rápido, tornando-se numa das maiores do país ao � m de uma dezena de anos. No entanto, só na década de 40, quando cresce com a fábrica de lápis, a fábrica de sapatos e a fábrica de camisas, e mais de trezentos ope-rários, é que passa a ter um estatuto de relevo, tornando-se numa das maiores de S. João da Madeira.

Quando aparece a fábrica de plás-ticos ?No início dos anos 60 aparecem no mercado as primeiras esferográ� cas, o que vem pôr em causa o mercado dos lápis e das já desaparecidas ca-netas de madeira com aparo. Manoel Vieira Araújo de imediato comprou um alvará de plásticos e mandou Rui Soares da Silva para a Suíça para estudar o processo de fabrico.

Regressado a Portugal, põe em prá-tica os conhecimentos aprendidos e assim nasceu mais uma indústria na Vieira Araújo.

Como se dá a divisão entre a Vieira Araújo e a Viarco?Em 1991, já com a terceira geração dentro da empresa, havia diversos modos de pensar e ver o futuro da sociedade, que tinha o capital muito disperso. Então os sócios resolveram separar-se. Alguns venderam as quo-tas e eu adquiri 1/3 do capital social da Vieira Araújo & Cª Lda.

Como passou a gerente da Vieira Araújo?

Com 1/3 da sociedade, eu era indivi-dualmente o sócio com mais capital e, com a con� ança dos meus sócios, passei a ser o principal gerente e a imprimir uma nova vida à empresa. Pouco depois, vendemos a fábrica de camisas, que só dava prejuízo, e tratei de começar a desenvolver a pequena fábrica de plásticos que só facturava 200 mil euros por ano. Introduzi novos produtos, adquiri máquinas modernas e virei-me para o mercado das embalagens de água feitas em PET (polimero termoplástico).

Actualmente, ainda tem sócios?Não, no início do ano 2000 os meus sócios venderam-me as quotas e

� quei sozinho na empresa.

É mais fácil trabalhar assim?Eu pre� ro, porque, por vezes, a um sócio que está fora da empresa, é difí-cil fazer compreender que é necessá-rio trazer de casa mais dinheiro para os negócios avançarem. É certo que duas cabeças normalmente pensam melhor que uma só mas, em questões de liderança, isso pode também ser um empecilho.

Como foi a vida da Vieira Araújo a partir daí?Apliquei-me a 100 por cento, trouxe para a empresa todo o capital que havia ganho em outros negócios,

corri grandes riscos com fortes endividamentos e consegui atingir os objectivos. Em 2004, � z novas e modernas instalações, em 2005 implementámos normas de certi� -cação de qualidade, em 2007 deu-se a transformação em Sociedade Anó-nima e hoje, depois de um forte e acelerado crescimento, já facturamos mais de cinco milhões de euros.

Qual é o vosso core business?Desde � nal de 1994, começámos a fabricar tampas e asas para os gar-rafões de água, azeite e outros óleos alimentares. Fomos um pouco pio-neiros, desenvolvemos muitas peças, registámos patentes e também vários registos de modelos comunitários. Somos, no nosso ramo, o principal produtor do mercado da Europa Ocidental, com um fabrico anual de 330 milhões de peças.

Então exportam?Sim. A exportação representa dois terços da nossa facturação. Além de Espanha, que é o nosso principal mercado, vendemos também para França, Itália, Canadá, Argélia, Cuba e sabemos que alguns dos nossos clientes revendem as peças para toda a África e muitos países da América Latina. É com muito prazer que hoje entramos em qualquer supermercado de Portugal ou Espanha e vemos sempre peças fabricadas na Vieira Araújo S. A.

Sente-se um herdeiro de Manoel Vieira Araújo?Sim e não. Sim nos valores morais, porque foi ele, juntamente com meu pai, a minha fonte de inspiração nos negócios, que me fez ter sempre força para vencer as maiores ad-versidades. Não, porque tudo o que é hoje a Vieira Araújo nada tem a ver com o passado. Além disso, não herdei nada, comprei as quotas aos meus ex-sócios.

Qual o segredo do sucesso?Muito trabalho, dedicação perma-nente, capacidade de correr riscos e saber rodear-se de bons e leais colaboradores.

E como vai ser o futuro?Não sei. Mas gostaria de ver a Vieira Araújo continuar a crescer e voltar a ser uma das empresas de referência da nossa terra.

José António Pais Vieira é, desde 2000, o único administrador da empresa

Rótulo antigo com a imagem das instalações iniciais da empresa

DR