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Vidas e Solidariedades: Pão e Justiça para todas as pessoas Edição Especial Cadernos Cáritas

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Edição EspecialCadernos Cáritas

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Expediente

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Cáritas BrasileiraSGAN Quadra 601 Módulo F – Asa NorteCEP 70830-010 – Brasília (DF) [email protected]

DIRETORIAPresidente: Dom Flávio GiovenaleVice-Presidente: Anadete Gonçalves ReisDiretor-Secretário: Pe. Evaldo Praça FerreiraDiretor-Tesoureiro: Aguinaldo Lima

COORDENAÇÃO COLEGIADA NACIONALDiretora executiva nacional: Maria Cristina dos Anjos da ConceiçãoCoordenador: Jaime Conrado de OliveiraCoordenador: Luiz Cláudio Mandela

GT Sistematização da Campanha Mundial Elerson da Silva José Nunes da SilvaLoiva Mara de Oliveira MachadoMarcelo Antonio Lemos Márcia Maria de OliveiraNorma Maria Bentes de Sousa

Cadernos Cáritas – Edição Especial I: VIDAS E SOLIDARIEDADES: PÃO E JUSTIÇA PARA TODAS AS PESSOAS

Organização dos textos | Marcelo Antonio LemosOrganização dos mapas | Muryel Arantes Produção dos textos | José Nunes da Silva, Loiva Mara de Oliveira Machado, Marcelo Antonio Lemos e Márcia Maria de Oliveira.

Colaboração | Suelen Anjos

Revisão de Textos | Vanice Araújo l arteemmovimento.org

Projeto Gráfico l arteemmovimento.org

Tiragem | 5.000 exemplares

Tiragem:Copyright 20151ª edição

Coleção Cadernos Cáritas Caderno 1: Quem somos Caderno 2: Economia Solidária Caderno 3: O semiárido brasileiroCaderno 4: Mística e espiritualidade Caderno 5: Relações igualitárias de gênero Caderno 6: Desenvolvimento solidário e sustentávelCaderno 7: Políticas públicas: controle social e mobilização cidadãCaderno 8: Meio ambiente, gestão de riscos e emergências: dos desastres socioambientais à solidariedade

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Sumário

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ApresentaçãoIntrodução

Parte 1 | Recordar Uma Campanha Mundial Cáritas Brasileira: Envolvendo todas as Pessoas Fazer Rodas: Uma Experiência Humana para Escutar todas as Pessoas

Parte 2 | Olhar a Realidade Dados da Experiência da Escuta

Parte 3 | Os Territórios Inter-Regional Sul Inter-Regional Nordeste Inter-Regional Norte Inter-Regional Sudeste

Parte 4 | Mapas da SolidariedadeBibliografia

57

91011

12

1516

2526333845

5357

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Apresentação

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Ao ler o título escolhido para este caderno, provavelmente muitos vão se deparar com a mesma dúvida que povoou nossa reflexão no início da campanha mundial. Afinal o Brasil passou por uma geração de programas e políticas públicas de combate à fome e à pobreza, realmente uma campanha sobre o tema da fome seria capaz de mobilizar a sociedade para se envolver e se comprometer? Essa reflexão nos apontou para o sentido de que “nosso povo tem também fome de beleza”, como bem disse frei Beto no início do programa Fome Zero, em 2003. “Beleza” essa que está traduzida em direitos, acesso, trabalho e renda, cultura e lazer.

Pão e justiça para todas as pessoas foi o lema escolhido para traduzir no Brasil o esforço mundial que a Cáritas se desafiou a fazer nestes dois anos (2013/2015). Lançada em dezembro de 2013 com uma grande onda de oração e reflexão, a campanha ganhou todos os cantos do Brasil, com debates, reflexões e mobilizações em comunidades, paróquias e dioceses.

O objetivo da campanha, como já dito acima, era de mobilizar a sociedade para realizar uma reflexão global e ao mesmo tempo individual e comunitária sobre o sentido da fome e como superá-la. No Brasil, víamos a necessidade de dialogar sobre essa fome que pesquisadores dizem que acabou e sobre a pobreza e a miséria que também os institutos afirmam chegar a taxas ínfimas. Para isso, convidamos os agentes de pastorais, lideranças comunitárias, estudantes, enfim, pessoas de bom coração para realizar um grande mutirão de escutas. O processo das Rodas de Conversas foi isso, um espaço para oportunizar ao povo empobrecido, do campo e da cidade, falar sobre sua condição, contar suas histórias de vida e dizer sobre o que acham da fome, da pobreza e das desigualdades.

O caderno Vidas e Solidariedades: Pão e Justiça para todas as pessoas quer apresentar um pouco dessa caminhada de escutas e reflexões. Acreditamos que ele pode desvendar muitas dúvidas e ajudar a desconstruir algumas afirmações. Será o povo falando para o povo!

Uma boa leitura!

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Introdução

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Há dois anos, a Cáritas Internacional lançou a campanha mundial “Uma família humana, alimento para todos”. No Brasil, a Cáritas Brasileira assumiu a mesma campanha com o tema Uma família humana, pão e justiça para todas as pessoas. Várias atividades foram realizadas em todo o Brasil, mas uma delas realmente trouxe um grande impacto para toda a sociedade, as “rodas de conversa da campanha mundial”. Ouvidos atentos, corações e braços abertos, assim nos foram chegando pessoas, sua vida e suas histórias. Estamos colocando em suas mãos a primeira publicação gerada a partir dessa atividade. Trata-se de uma edição especial da série Cadernos Cáritas – “Vidas e Solidariedades: Pão e Justiça para todas as pessoas”. Ao todo, foram 1.724 famílias ouvidas em todo o país. Isso significa que foram 1.724 histórias de vida e solidariedade escutadas, acolhidas e registradas. Este caderno que está em suas mãos está repleto dessas histórias. É a vida de pessoas que enfrentaram a fome e a miséria, buscando fazer das suas histórias lições de superação. A partilha das histórias da vida dessas pessoas, foco principal deste primeiro caderno, está organizada em quatro partes. A primeira parte trata-se de recordar. Lembrar dos processos desde por que chegamos numa Campanha Mundial até como no Brasil assumimos fazer as rodas de conversa como uma das estratégias para a sensibilização, mobilização e incidência no âmbito do combate à fome e à miséria no Brasil. Na segunda parte, que chamamos Olhar a Realidade, dispomos alguns dados por região sobre algumas das questões da escuta. São gráficos que explicitam dois aspectos principais, sobre a identidade das pessoas que participaram e sobre a relação com os alimentos. Os gráficos são um olhar panorâmico dessa realidade do enfrentamento no Brasil da fome e da miséria, mas são sobre tudo, aspectos importantes a levar em conta no momento da leitura dos textos com as histórias da vida das pessoas na terceira parte deste Caderno.

Na terceira parte, apresentamos o que chamamos de territórios. Estão ali apresentadas dez histórias por região do país. As histórias são lidas dentro do seu contexto de bioma, social, econômico e político. Em cada uma delas, podem ser escutadas as muitas outras pessoas que vivem em seus territórios.

Por fim, apresentamos mapas que demonstram dois principais aspectos: o primeiro, da escuta. Aparecem nos mapas onde aconteceram as principais escutas. O segundo, da solidariedade presente pelo país. Que as histórias de vida, as imagens e os mapas nos ajudem a perceber os espaços e lacunas, bem como o chamado para irmos mais profundamente às periferias existenciais e humanas.

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Parte

Recordar

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Uma Campanha Mundial

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“Uma família humana, alimento para todos” foi uma grande campanha feita pela confederação mundial da Caritas Internationalis com o objetivo de colaborar para a erradicação da fome e da pobreza no mundo.

Todas as 164 organizações-membros da Cáritas foram convidadas a participar da campanha. Isso incluiu os membros nacionais, como a Cáritas Brasileira, e as Cáritas diocesanas e paroquiais que pertencem a essa grande rede. A coordenação mundial da campanha ficou sob responsabilidade da Caritas Internationalis.

Campanha Mundial da Cáritas Internacional - O que é?

Quem Participou?

A Rede Cáritas Internacional atua em 164 países. No entanto, a organização também concretiza o amor anunciado por Jesus Cristo em ações concretas à humanidade, mostrando que sempre existem pessoas que realizam atos de solidariedade.

Onde?

A alimentação é essencial para viver dignamente. É também algo central para a fé cristã, começando no ato da transformação do pão no corpo de Cristo, compartilhado com os fiéis durante a celebração da Eucaristia. O primeiro Objetivo do Desenvolvimento do Milênio foi eliminar a fome e a pobreza até 2015. O Brasil atingiu o cumprimento da meta dos ODM, entretanto a Cáritas compreende que, mesmo diante dessa meta da agenda política, é preciso continuar no enfrentamento e superação da extrema miséria e fome, porque ainda continuamos com muitas pessoas sem alimentação e outras milhares sem alimentação de qualidade.

Por quê?

IndividualmenteA base para qualquer mudança real vem de dentro de nós, em primeiro lugar, e da nossa capacidade de ver o rosto de Cristo naqueles que sofrem de fome. Quando começamos a olhar para dentro de nós mesmos e refletimos sobre as questões em torno da fome, tanto no nosso país quanto fora, podemos perceber que somente trabalhando como uma única família em um espírito de compaixão e de unidade é que nós podemos finalmente pôr fim a uma grave injustiça: há comida suficiente no mundo e mesmo assim milhões de pessoas ainda sofrem com a fome.

Nacionalmente A Caritas Internationalis articulou todas as suas organizações-membros para a mobilização em torno do debate em cada país. Cada Cáritas no mundo adaptou a temática da fome e da pobreza a partir das questões relacionadas com a realidade do próprio país. Por exemplo: no Brasil, questões como soberania alimentar e justiça social foram incluídas no debate por serem temas relevantes em uma sociedade que tanto sofre com as desigualdades sociais.

InternacionalmenteA Caritas Internationalis acredita que a implementação dessa campanha em vários países é um passo fundamental para eliminar a fome global. A Caritas Internationalis, nesse processo, elaborou um projeto de lei sobre o direito à alimentação que as organizações nacionais da Cáritas poderão incentivar o governo a adotar. Além disso, a entidade também defendeu esse direito na assembleia geral da ONU — Organização das Nações Unidas, numa sessão sobre o direito à alimentação, em 2015.

Como participaram as pessoas?

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“Uma família humana, alimento para todos”, foi uma grande campanha feita pela confederação mundial da Caritas Internationalis, com o objetivo de colaborar com a erradicação da fome e da pobreza no mundo.

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Cáritas Brasileira:Envolvendo todas as pessoas

No Brasil, o tema da campanha mundial “Uma família humana, alimento para todos” foi adaptado a partir do contexto e da realidade do país e ficou “Uma família humana, pão e justiça para todas as pessoas”. Isso porque a campanha no Brasil trabalhou na perspectiva dos direitos e da justiça social. A alimentação adequada e de qualidade é um direito humano e por isso deve ser garantida a todos os cidadãos e cidadãs de forma igualitária.

Não por acaso, o lançamento mundial da campanha ocorreu no dia 10 de dezembro de 2013, Dia Internacional dos Direitos Humanos. No Brasil, o lançamento foi em Brasília (DF) também no dia 10 de dezembro em consonância com os demais países.

Lançamento

A Cáritas Brasileira pretendeu com a campanha, que se encerra neste ano (2015), sensibilizar e mobilizar a Igreja e a sociedade sobre a realidade da fome, da miséria e das desigualdades no mundo e no Brasil, além de evidenciar ações promovidas pela Rede Cáritas e pela Igreja no enfrentamento dessas duras realidades. Essa intenção originária vai se mostrando efetiva nesse momento de encerramento.

O que queremos?

Como uma de suas principais estratégias, no Brasil a campanha promoveu um processo de escuta e diálogo junto aos grupos, comunidades e paróquias com o intuito de identificar como as próprias pessoas empobrecidas enxergam a questão da pobreza e da miséria em nosso país. Não queremos retratar a fome, a pobreza e a miséria apenas com números que colocam o ser humano em uma mera condição de estatística. Queremos dialogar sobre a verdadeira face dessa realidade, e quem nos contará essa história serão os próprios rostos que vivem no enfrentamento cotidiano da miséria e da fome.

Gesto concreto

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Fazer Rodas: Uma experiência humana para escutar todas as pessoas

O Jeito de Fazer

Encontrar

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Nas comunidades, na hora da reza nas casas, no festejo do padroeiro e na hora do terço, fazemos rodas para celebrar o Deus da vida. Na universidade, no colégio e na hora da pesquisa, também fazemos rodas. Temos muitos modos de expressarmos o modo de fazer rodas ou de estar em rodas. Isso é profundamente humano.

Não é de hoje que as rodas são algo bom. Nas rodas, as pessoas podem olhar umas para as outras, sorrir, cantar, esperar o tempo do outro no compasso da roda. Vamos, em roda, conversar sobre a fome e a pobreza. Vamos falar dos sonhos, dos desejos, das necessidades, de como é o lugar onde vivemos e o que falta para vivermos com dignidade e direitos satisfatórios.

Com as rodas de conversa, nos comprometemos com coisas importantes para nós. Com as rodas de conversa, vamos escutar a voz das pessoas. Queremos registrar, gravar depoimentos de como é viver onde estamos e o que já fazemos para incluir cada vez mais pessoas na roda da vida com vida em abundância para todos(as). Na roda, vamos parar para entender como a roda gira. No compasso da ciranda, nos dispomos a encontrar, caminhar, escutar e caminhar.

Em cada passo que fomos dando, construindo a Campanha no Brasil, percebemos que devíamos assumir a pedagogia da escuta, mas diferenciada das que normalmente fazem as entidades de pesquisa no Brasil. Isso, sobretudo, porque a Cáritas buscou ser fiel a uma das suas dimensões, que é a hospitalidade incondicional, isto é, ser a casa do amor. E desejava devolver a escuta também de forma diferenciada, para concretizar essa audaciosa dimensão, e assumiu, no jeito de fazer a escuta, os seguintes passos: encontrar, caminhar, escutar e caminhar.

O primeiro passo foi encontrar consigo mesmo. O sentido foi que cada pessoa pudesse encontrar a dimensão original da partilha com as pessoas, e com fidelidade solidária ir ao encontro da pessoa que está perto de nós, junto a nós, é humana como nós. Depois desse primeiro encontro consigo, era necessário abrir a tenda, a casa, o centro comunitário para o encontro da comunidade. Encontrar em comunidade para ampliar o olhar sobre o tema central da fome e a miséria no nosso território e no mundo.

No encontro, esperávamos que coletivamente as pessoas assumissem o sentido profundo de cuidar. O significado original de cuidar é responder por alguma coisa, intervir em favor de alguma coisa. A partir desses significados, surgiram dois outros. Por um lado, cuidar passou a significar preocupar-se, acompanhar, ter cuidado. Por outro, passou a significar: entregar-se a alguma coisa, habituar-se. Deixar de lado seus interesses pessoais e aceitar o desafio dos problemas e daquilo que deve ser resolvido: fome e injustiça. Nenhuma sociedade pode sobreviver sem uma atitude assim: uma atitude que estimula ativamente o cuidado com a vida. Com a vida de todas as pessoas. Para isso, é preciso encontrar. Encontrar-se consigo e em comunidade, e colocar-se a caminho. Tomar a atitude pessoal e comunitária de caminhar.

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CaminharDesde a Antiguidade, movimentar o corpo ajuda as pessoas a pensar, tomar decisões e expressar indignação. Na literatura, artistas e apaixonados são andarilhos. Usamos a caminhada para outros fins que não o de chegar a um lugar específico: o de buscar determinada coisa. Mas muito cedo o ato de caminhar adquiriu um significado psicológico, simbólico. O protesto político muitas vezes se fez, e ainda se faz, sob a forma de marchas, de caminhadas; foi o caso da Marcha dos 100 Mil (1968), um dos primeiros protestos organizados contra a Ditadura no Brasil. “Levanta-te, toma teu leito e anda”, diz o Evangelho (João, 5:8), ou seja, vá em busca de seu destino, de seus objetivos. E Santo Agostinho cunhou uma expressão famosa: solvitur ambulando, que significa caminhar resolve (os problemas, as dúvidas). Por quê?

No livro Wanderlust: a history of walking (A ânsia de vagar: uma história da caminhada), de 2000, Rebecca Solnit diz que andar permite “conhecer o mundo através do corpo”, ou, nas palavras do poeta modernista Wallace Stevens (1879-1955): “Eu sou o mundo no qual caminho”. Trata-se, pois, de uma experiência cognitiva, muito necessária nesses tempos em que as pessoas se deslocam, sobretudo utilizando carros, trens, aviões. A caminhada deveria então fazer as pessoas se deslocarem, caminhar, sair do lugar, mover-se, trilhar, olhar ao redor, tocar, cheirar, sentir a vida e as experiências humanas mais profundas de vida¹. É preciso caminhar para exercitar-se na dimensão profunda da escuta.

13

¹http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/a_arte_de_caminhar.html

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Encontrar

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Vivemos numa sociedade que fala demasiadamente e desaprendeu a sabedoria da escuta. Escutar pode ser o uso puro e simples do sentido da audição. É o verbo que evoca parar, isto é, escutar e falar na mesma sequência e frequência. Por que temos sempre que falar? Será que as pessoas com as quais lidamos no nosso dia a dia, têm mesmo a necessidade de ouvir sempre algo em resposta as suas angústias e desabafos?

Reaprender a calar e ouvir, como fazem as crianças nas primeiras fases da vida, parece ser o grande desafio pastoral e social e uma metodologia importante. Saber escutar é uma arte profunda, representa um processo ativo de interação com nosso(a) interlocutor(a). Ao escutar, temos a possibilidade de perceber e entender o que está a nossa volta. Na maioria dos casos, escutar é tão ou mais importante do que falar. Com a escuta, temos a oportunidade de fazer uma análise, um entendimento e uma interação mais específica e profunda com as outras pessoas. Nesse sentido, saber ouvir caminha ao lado de saber falar. No entanto, é algo que exige muito das pessoas. Somos convidados, a todo o momento, a não ouvir, e sim interromper o que o outro tenta nos transmitir e expressar.

Saber ouvir interfere significativamente nas relações interpessoais, pois exige que façamos opções conscientes em estar presente para o outro, de forma realmente solidária e sem preconceitos, com o intuito de buscar o entendimento. Saber ouvir leva tempo, prática, persistência, determinação e muita paciência. É, de fato, uma das formas de interação que mantêm vivo o respeito e a consideração pelo outro. Estar com disposição aberta, sincera na escuta das histórias da vidas das pessoas, suas trajetórias, buscas, medos, esperanças. Escutar foi o passo mais precioso na metodologia. Feita a experiência da escuta, é preciso continuar a caminhar.

CaminharDepois de encontrar, caminhar, escutar, é preciso continuar a caminhar. Não é de admirar, portanto, que muitos escritores tenham abordado o tema da caminhada. Foi o caso do filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), figura marcante do iluminismo francês e precursor do romantismo – os românticos, sobretudo os alemães, eram grandes andarilhos. Em suas Confissões, disse Rousseau: “Só consigo meditar quando caminho. Minha mente só trabalha junto com minhas pernas”.

Finalmente, temos um termo analisado tanto pelo poeta francês Charles Baudelaire (1821-1867) como pelo escritor alemão Walter Benjamin (1892-1940). Trata-se de flâneur, que vem do verbo flâner, vagar em português. O vagar do qual Benjamin era um exemplo. Vagava por Paris, observando o que se passava a seu redor, num claro desafio à moral burguesa então vigente, que via isso como vagabundagem. Uma vagabundagem a qual hoje as restrições da sociedade atual impedem devido à lógica estática do guardar. Guardar-se dentro de casas, muros, paredes. E resulta em não caminhar, não entender quem caminha ou as pessoas que vagam porque perderam o direito livre à terra, à casa comum, ao território. Continuar a caminhar, como diz o escritor americano contemporâneo Gary Snyder, é a grande aventura humana necessária hoje.

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Parte

Olhar aRealidade

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Dados da experiênciada escuta

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Todos os instrumentos, considerando os inter-regionais da Cáritas, chegaram aos seguintes dados:

Dados globais (quantidade de respostas por estado da federação)Total de respostas: 1.724

Ao todo, foram 1.724 famílias escutadas, por quatro grandes blocos temáticos, chamados de instrumentos: Instrumento para o mapa da fome, Instrumento para o mapa do trabalho e da renda, Instrumento para o mapa da violação dos direitos humanos e Instrumento para o mapa das alternativas. A escuta aconteceu preferencialmente em territórios onde a Cáritas atua e com pessoas que estão ou já estiverem em projetos executados pela Rede Cáritas. Outra característica da escuta foi ir ao encontro das pessoas que estão em situação de vulnerabilidade social, que não são participantes diretos num dos programas da Rede Cáritas. Em todos os blocos temáticos, houve escuta em área rural e urbana. Os dados são múltiplos em cada instrumento. Neste Caderno I, apresentaremos apenas uma visão geral dos dados, e no Caderno II apresentaremos, além dos dados, análise combinada com outras pesquisas e escutas realizadas em âmbito do estado ou organizações da sociedade civil.

É importante dizer que a presente amostra é um panorama dos dados. E que apresentamos a seguir, por inter-regional, dados que consideramos ser importantes visualizar na perspectiva da temática da campanha mundial.

SP12,12% (209)

AC3,07% (53)

AL2,32% (40)

AM3,65% (63)

BA5,22% (90)

CE12,01% (207)

ES2,32% (40)

MA5,97% (103)

MG21,93% (378)

PA13,23% (228)

PE0,06% (1)

PI2,49% (43)

PR5,80% (100)

RJ0,87% (15)

RN0,06% (1)

RO1,86% (32)

RS5,80% (100)

SC1,22% (21)

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Formado pelos estados de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. A Região Sul Tem extensão territorial de 576.409,6 km². Sua população é estimada em 27,3 milhões de habitantes. Total de respostas: 204 famílias participaram.

Inter-Regional Sul

Área de predominância:

Etnia: Quantas refeições fazem por dia as famílias:

Percentual de produção ou não de alimentos:

Sexo:

Urbana87,25% (178)

Rural12,75% (26)

Masculino10,81% (4)

Feminino89,19% (33)

355,32% (104)

27,98% (15)

434,04% (64)

52,66% (5)

Sim27,62% (50)

Não72,38% (131)

Branca59,32% (105)

Indígena2,82% (5) Negra

25,42% (45)

Outra (qual?)12,43% (22)

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18

Se a família é beneficiária de algum programa de governo:

21,17%

45,99%

100%

80%

60%

40%

20%

0%Carne Leite Feijão Arroz Farinha Batata PãoLegume

s/ TomateAçúcar Óleo ManteigaCafé

empó

91,24% 91,97%

26,28%

5,11%13,87%

18,98%27,01%

33,58% 32,12%

5,84%

Sim46,89% (83)

Não53,11% (94)

Quais os principais alimentos comprados:

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Área de predominância:

19

Formado pelos estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. A Região Nordeste área é de 1.554.257,0 km². Abriga uma população de aproximadamente 53.081.950 habitantes. Total de respostas: 475 famílias participaram.

Inter-Regional Nordeste

Etnia: Quantas refeições fazem por dia as famílias:

Percentual de produção ou não de alimentos:

Sexo:

Urbana32,00% (152)

Rural68,00% (323) Feminino

73,67% (291)

Masculino26,33% (104)

Branca21,58% (90)

Indígena3,84% (16)

Negra35,73% (149)

Outra (qual?)38,85% (162)

511,56% (52)

420,44% (92)

357,11% (257)

26,67% (30)

10,67% (3)6 ou mais

3,56% (16)

Não43,22% (188)

Sim56,78% (247)

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20

Quais os principais alimentos comprados:

Se a família é beneficiária de algum programa de governo:

13,33%

35,71%

100%

80%

60%

40%

20%

0%Carne Leite Feijão Arroz Farinha Batata PãoLegume

s/ TomateAçúcar Óleo ManteigaCafé

empó

61,67%

90,71%

25,71%

2,38%

16,19%5,00%

55,71%59,71%

45,71%

4,29%

Não24,83% (110)

Sim75,17% (333)

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Área de predominância:

21

Composto dos estados de Roraima, Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Tocantins. A Região Norte está localizada entre o maciço das Guianas, ao norte; o Planalto Central, ao sul; a cordilheira dos Andes, a oeste; e o oceano Atlântico, a noroeste. Sua extensão territorial é de 3.853.397,2 km², sendo a maior região do Brasil, corresponde a aproximadamente 42% do território nacional. Possui uma população de cerca de 15,8 milhões de habitantes. Total de respostas: 352 famílias participaram.

Inter-Regional Norte

Etnia:

Sexo:

Quantas refeições fazem por dia as famílias:

Urbana41,48% (146)

Rural58,52% (206) Feminino

62,30% (152)

Masculino37,70% (92)

53,10% (10)

49,91% (32)

335,60% (257)

243,03% (139)

14,95% (16)

6 ou mais3,41% (11)

Branca31,51% (98)

Indígena6,11% (19)

Negra14,79% (46)

Outra (qual?)47,59% (148)

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22

Quais os principais alimentos comprados: Quais os principais alimentos comprados:

Se a família é beneficiária de algum programa de governo:

Não61,80% (199)

Sim38,20% (123)

22,26%

33,92%

100%

80%

60%

40%

20%

0%Carne Leite Feijão Arroz Farinha Batata PãoLegume

s/ TomateAçúcar Óleo ManteigaCafé

empó

74,56%73,50%

60,78%

2,12% 2,47% 8,48%

65,37% 71,38%

25,80%

4,95%

Não28,31% (92)

Sim71,69% (233)

Percentual de produção ou não de alimentos:

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Área de predominância:

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Composto dos estados do Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. A Região Sudeste situa-se na parte mais elevada do Planalto Atlântico, onde estão as serras da Mantiqueira, do Mar e do Espinhaço. Sua extensão territorial é de 924.511,3 km². Abriga uma população de 80.364.410 habitantes, correspondendo a aproximadamente 40% do contingente populacional brasileiro. A densidade demográfica é de 87 habitantes por quilômetro quadrado, sendo a região mais populosa e povoada do país. Total de respostas: 642 famílias participaram.

Inter-Regional Sudeste

Etnia: Quantas refeições fazem por dia as famílias:

Sexo:

Urbana87,25% (178)

Rural12,25% (26)

Feminino89,19% (33)

Masculino10,81% (4)

Branca59,32% (105)

Indígena2,82% (5) Negra

25,42% (45)

Outra (qual?)12,43% (22)

4

52,66% (5)

34,04% (64)

355,32% (104)

217,98% (15)

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Se a família é beneficiária de algum programa de governo:

Percentual de produção ou não de alimentos:

24

19,95%27,56%

100%

80%

60%

40%

20%

0%Carne Leite Feijão Arroz Farinha Batata PãoLegume

s/ TomateAçúcar Óleo ManteigaCafé

empó

90,29% 90,55%

18,37%1,84% 13,12% 5,25%

44,88%51,97%

49,87%

3,41%

Não72,38% (131) Sim

27,62% (50)

Não53,11% (94)

Sim46,89% (83)

Quais os principais alimentos comprados:

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Parte

Os Territórios

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Inter-Regional Sul

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A Região Sul do Brasil é formada pelos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A extensão territorial é de 576.409,6 km², com população estimada em 27,3 milhões de habitantes, distribuída em 1.191 municípios, conforme pode ser observado no quadro que segue.

O rendimento nominal mensal domiciliar per capita da população, na Região Sul, descrito no Quadro 1, se refere a “razão entre o total dos rendimentos domiciliares (em termos nominais) e o total dos moradores no domicílio”. Os dados registrados em 2014 revelam um montante de renda de cada membro da família. Se esses valores fossem comuns ao conjunto da população, as formas de enfrentamento da fome e da pobreza poderiam ser diferenciadas, indo além do acesso a recursos oriundos de Programas de Transferência de Renda, a exemplo do Bolsa Família, do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil — PETI e do Bolsa Verde. Constata-se que há um contingente significativo de pessoas desempregadas ou em condições de trabalho precarizado, situações que agravam ainda mais as situações de pobreza em que se encontram.

Dados divulgados na revista Carta Capital, em agosto de 2015, revelam que no segundo trimestre deste ano, em relação ao mesmo período de 2014, “a taxa de desocupação cresceu em todas as regiões: Norte (de 7,2% para 8,5%), Nordeste (de 8,8% para 10,3%), Sudeste (de 6,9% para 8,3%), Sul (de 4,1% para 5,5%) e Centro-Oeste (de 5,6% para 7,4%)”.

“Quando estava para ter o primeiro filho, o irmão a expulsou de casa e desejou a morte dela e do filho. O marido é pedreiro e trabalha por dia, às vezes tem trabalho, às vezes não. Ele bebe (não sei se é usuário de drogas). Mostrou-nos a perna com uma grande cicatriz, disse que se machucou no trabalho e foi mandado embora. A mãe dele é separada e trabalha como prostituta. A entrevistada é muito magrinha, parece bem fraquinha, estão morando há dois anos em Criciúma. Foi difícil encontrar moradia aqui. Estão com o aluguel atrasado. Os donos da casa pediram a casa”. (Regional de Santa Catarina, História de Vida 18).

Fonte: IBGE, Estados, 2014.Disponível em: http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=pr. Dados sistematizados pela autora.

Quadro 1: Características dos estados da Região Sul do Brasil

Olhares Sobre a Imensidão do Sul: Suas Problemáticas e Alternativas

Paraná 10.444.526 8.912.692 (85,33%)

1.531.834 (14,67%)

5.130.994 (49,13%)

5.313.532 (50,87%)

399 1.245

Santa Catarina

6.248.436 5.247.913 (83,99%)

1.000.523 (16,01%)

3.100.360 (49,62%)

3.148.076 (50,38%)

295 1.210

Rio Grande do Sul

10.693.929 9.100.291 (85,10%)

1.593.638 (14,90%)

5.205.057 (48,67%)

5.488.872 (51,33%)

497 1.318

Estado Urbano Rural Homens Mulheres Municípios

RendimentoNominal MensalDomiciliar PerCapita daPopulação

População(milhões - 2014)

Em Reais (2014)

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Informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – CAGED (Lei 4.923/65), divulgadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, revelam que no mês de setembro de 2015 foram perdidos 95.602 empregos celetistas, o que corresponde à redução de 0,24% do total de assalariados com carteira assinada do mês anterior. Os dados também revelam que nos últimos 12 meses houve retração de 1.238.628 postos de trabalho, o equivalente a 2,96%, do número de empregados celetistas do país.

Esses dados põem em xeque a garantia do trabalho como processo essencial à sociabilidade e desenvolvimento do ser humano, enquanto ser-cidadão. Também expressa a violação de um direito fundamental, o que contribui para o aumento das situações de vulnerabilidade e risco social em que vivem milhares de pessoas.

O relato expressa um conjunto de vulnerabilidades que levam às situações de risco pessoal e social, em diferentes segmentos populacionais, que estão vinculados a um determinado território. Este se traduz como “lugar” de construção de saberes, experiências e conhecimentos, onde se deve “levar em conta a interdependência e a inseparabilidade entre a materialidade, que inclui a natureza, e o seu uso, que inclui a ação humana, isto é, o trabalho e a política” (SANTOS, 2001, p. 247). É no território que a vida se constrói. É o lugar onde os direitos e políticas públicas são assegurados ou negados, a depender das condições sociais, políticas e econômicas em disputa. Conforme refere Koga (2003, p. 33) “É no território que as desigualdades sociais tornam-se evidentes entre os cidadãos, as condições de vida entre moradores de uma mesma cidade mostram-se diferenciadas, a presença/ausência dos serviços públicos se faz sentir e a qualidade destes mesmos serviços apresentam-se desiguais”.

As rodas de conversa realizadas nos diferentes territórios da Região Sul do Brasil possibilitaram momentos de encontro, de troca, de escuta e de relato de trajetórias de vida, marcadas por dificuldades e por superações, por esperanças e sonhos que mobilizam o dia a dia do povo que se põe em caminhada. Participaram diretamente desse processo 204 pessoas nessa região.

Cada relato expressa gritos: por dignidade, justiça, solidariedade. Nos porões da existência humana, marcada pela ofensiva do capital, que tudo torna mercadoria, que transforma os seres humanos e o meio ambiente em “coisas” descartáveis, renasce a esperança! É no cotidiano, na vizinhança, nas relações mais próximas que a solidariedade se manifesta, com

“Tenho três filhos, cinco netos e uma bisneta. Todos são dependentes de mim. O pai dos filhos não ajuda em nada, é bêbedo e foi embora. Eu vendi a casa em Passo Fundo e fui para Erechim, mas não deu certo. Vendi a casa e voltou para Passo Fundo. Com o dinheiro da venda, comprei uma casa, mas, quando vim, era ocupação no bairro Leonardo Ilha. Fomos todos despejados e fiquei sem nada. Comecei a fazer muitos empréstimos. Sou aposentada da prefeitura, mas com os descontos só recebo R$ 400,00 por mês. A prefeitura ofereceu uma meia água para morar. Atualmente vivo da caridade das pessoas da paróquia para viver e sustentar minha família. Os filhos moram também numa casa de ocupação.” (Regional do Rio Grande do Sul, História de Vida 77).

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palavras e gestos, com auxílios materiais, em situações de extrema necessidade, mas, também, com estratégias de resistência construídas coletivamente nos espaços de participação social.

As características dos(as )participantes das rodas de conversa expressam, na particularidade desse território, os dados gerais da realidade brasileira. No que se refere à predominância do local de origem dos(as) participantes, 87,25% são do meio urbano e 12,75% do meio rural. A participação das mulheres foi massiva, com 89,19% em relação ao total de participantes.

Esses relatos, além de revelarem expressões de desigualdade social, também dão visibilidade às formas de resistência e superação a essa realidade. Ao refletir sobre a indagação: “Você tem fome de quê? Você tem sede de quê?”, é oportuno destacar que vivemos numa sociedade marcada pelo modo de produção capitalista, que tem como fundamento principal a acumulação do lucro e da riqueza produzidos socialmente. Para que isso ocorra, grande parcela da população tem um conjunto de direitos negados, o que pode ser expresso com a falta de trabalho, de alimento em quantidade e qualidade suficientes, de moradia, de acesso aos serviços de saúde e educação, de cultura e lazer, públicos e gratuitos. Trata-se de uma relação assimétrica, ou seja, a acumulação de uma minoria significa o empobrecimento da maioria. Dessa operação resulta, na realidade brasileira, um montante de 44 milhões de pessoas vivendo em situação de insegurança alimentar. Mas, além da fome de alimento, outras fomes e sedes estão presentes na vida do povo da Região Sul do Brasil. A fome pelo acesso à saúde produz gritos como o de Fabiane, formada em Técnico de Enfermagem: “Cuida de dois filhos e construiu sua casa com muito carinho. Tem muitos sonhos a realizar. O dinheiro que recebe em função do filho de 4 anos que tem síndrome de Down é utilizado somente para as despesas do menor. Fabiane está esperando há 3 anos por um profissional de fonoaudiologia para o menino, que ainda não está falando.” (Regional do Rio Grande do Sul, História de Vida 15).

Vozes: Anúncios de Superação, Esperanças e Transformações

“Sou de família pobre, comecei a trabalhar muito cedo para ajudar em casa. Conciliei os estudos do ensino médio com o trabalho em oficinas mecânicas. Após concluir o 2º ano, fui para o quartel e após o período de um ano voltei a estudar e concluí o ensino médio. Atualmente moro sozinho e trabalho como metalúrgico.” (Regional do Rio Grande do Sul, História de Vida 27).

“Um momento importante é quando está com os filhos e quando está com o grupo "Marias Bonitas." (Regional do Rio Grande do Sul, História de Vida 42).

“Vive com um filho e um neto menor. Depende da catação de recicláveis. Há 4 anos, recebe ajuda da Cáritas.” (Regional do Paraná, História de Vida 92).

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As contingências da vida também contribuem para processos de ruptura de vínculos, de desemprego, perdas e adoecimento, o que agravam as situações de pobreza. “No Paraná trabalhava na roça de milho, soja. Os pais vieram para Criciúma em 1978. Moravam na invasão Anita Garibaldi. Já iniciaram como catadores, teve um filho, ganharam uma casa, o filho trabalha de servente de pedreiro, o marido está em cadeira de rodas.” (Regional de Santa Catarina, História de Vida 7). Também questões decorrentes de desastres e emergências ambientais tendem a atingir de forma mais agressiva as populações que já estavam em situação de vulnerabilidade social: “morava na beira do rio, a casa foi invadida pela enchente, perdeu tudo, aparecem cobras e aranhas.” (Regional do Paraná, História de Vida 47).

Os diálogos também possibilitaram identificar que injustiça, desigualdade e pobreza são faces de uma mesma moeda, as quais resultam de processos que também apresentam conexões entre si: indiferença, concentração, exclusão e alienação. Assim, é possível inferir que a pobreza se constitui como “fenômeno complexo, podendo ser definido de forma genérica como a situação na qual as necessidades não são atendidas de forma adequada (ROCHA, 2006, p. 9)”, como pode ser observado no relato que segue: “Estou separada, tenho quatro filhos. Três filhos estão com um amigo. No momento, estou desempregada e estou com um filho de 1 ano e 8 meses. Não posso trabalhar, por enquanto, mas participo das atividades da comunidade, da Pastoral da Criança, do CRAS.” (Regional do Paraná, História de Vida 95).

Quando essas necessidades não são atendidas, temos a violação de direitos e todo o tipo de violação de direitos fere a dignidade humana! No Brasil, a Constituição Federal (BRASIL, 2001, Art. 1º) apresenta entre os fundamentos do Estado Democrático de Direito: “I- a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana”. Em meio às contradições presentes à materialização desses fundamentos, essa Constituição afirma, de forma integrada, a garantia de direitos civis, políticos e sociais, os quais se constituem como estratégias de enfrentamento das desigualdades sociais. Essa Carta Magna também afirma a seguridade social, como sistema de proteção, o qual: “compreende um conjunto integrado de ações, de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas à assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (BRASIL, CF. 1988, Art. 194)”.

Mas, para a efetiva materialização dos direitos assegurados em lei, é necessário políticas públicas, inscritas em três princípios fundamentais: universalização, responsabilidade pública e gestão democrática (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 144). Tais princípios estão na contramão da ofensiva capitalista que aponta para a privatização, focalização e precarização dessas políticas. Nesse contexto, é necessária a construção de estratégias de incidência junto ao Estado, para que haja efetivo investimento no campo das políticas sociais públicas. Entre essas estratégias está a gestão democrática, que assegura a participação popular nos espaços decisórios, no campo das políticas públicas.

De acordo com a Política Nacional de Assistência Social, os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) ofertam um conjunto de serviços, programas e projetos da Proteção Social Básica (PSB). Esta se destina à população que vive em situação de vulnerabilidade social, decorrente da pobreza e de situações de privação, a exemplo da ausência de renda e do precário ou inexistente acesso aos serviços públicos, como pode ser verificado no seguinte relato: “Aos 26 anos, cuidei do meu marido doente por 6 meses, hospitalizado, depois ele faleceu e fiquei com 5 crianças pequenas passando muito

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trabalho, porque uma das crianças tinha problema de peito e era muito doente e portanto passamos muito trabalho sem água, sem luz, pedindo para os vizinhos, pedimos até água para a Comunidade.” e do Paraná: “morava na casa dos pais, os pais pobres, tinham que ajudar. A mãe tem câncer de pele, não conseguiu se aposentar.” (Regional do Rio Grande do Sul, História de Vida 56). Também de situações decorrentes de fragilização de vínculos afetivos – relacionais e de pertencimento social: “Eu era muito bem de vida, mas quando vim embora para Estação eu me separei e daí começou a dar tudo errado. Procurei me empregar, trabalhei um ano e fiquei doente, entrei em depressão. Estou internada numa clínica. Minha mãe que me ajuda. Ainda não consigo trabalhar por causa dos remédios fortes que tomo.” (Regional do Rio Grande do Sul, História de Vida 93).

A Proteção Social Básica da Política de Assistência Social objetiva, portanto, a prevenção de situações de risco e deve fazer isso por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, bem como pelo fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, com vistas à superação de situações como esta que é descrita no relato: “Moramos juntos a 4 anos, bateu a "loucura", separaram, voltaram, ele procura outra mulher, fica incomodando. Depois que ela engravidou, brigam menos. Ele rejeita o filho. Dá o dinheiro que precisa, mas nada mais que isso. Não mora mais na casa, só vem escondido porque tem um mandado de prisão contra ele.” (Regional de Santa Catarina, História de Vida 15).

O trabalho desenvolvido pelas entidades e organizações da sociedade civil, que integram a rede socioassistencial, contribui para a inserção e inclusão dos segmentos populacionais vulneráveis, com vistas à garantia dos direitos socioassistenciais, conforme pode ser observado no relato: “Sempre passou dificuldade, nunca conheceu seus pais, sempre trabalhou, sofreu com várias doenças, muitas cirurgias, sempre tomando medicamento. Cuida de 4 netos pequenos.” (Regional de Santa Catarina, História de Vida 4). É no campo do assessoramento e da defesa e garantia de direitos que a Cáritas vem empenhando esforços na Política de Assistência Social, conforme pode ser observado: “Há mais ou menos 6 meses, precisou da Cáritas, pois passava por dificuldades. Além disso, o esposo bebe. Tem também a dificuldade do trabalho, sendo ele deficiente mental e também seu filho. Ela encontrou na Cáritas apoio e assim superou momentaneamente sua dificuldade.” (Regional do Paraná, História de Vida 22).

As rodas de conversa possibilitam afirmar que a pobreza e a fome são crimes contra os direitos humanos. Segundo Dallari (2004), esses direitos “correspondem a todos os direitos essenciais da pessoa humana”. Portanto, não estão voltados somente às condições necessárias à satisfação de necessidades básicas, mas também a todos os recursos, serviços e garantias necessárias à expressão de cada ser humano, como ser social, considerando-se as suas formas de pertencimento e condições de desenvolvimento social, político, econômico, cultural, ambiental. Na abordagem sobre o tema dos direitos humanos, devem ser levadas em conta as diferentes dimensões da vida e os projetos societários em disputa na sociedade capitalista. Assim, a apreensão do tema requer o reconhecimento dos processos históricos da formação sociopolítica do país e do povo brasileiro; as determinações macrossocietárias, que repercutem nos modos de produção e apropriação da riqueza, construídas socialmente; as contradições presentes na relação capital–trabalho, que se traduz num conjunto de desigualdades sociais, entre elas a fome e a pobreza.

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Compreende-se que a pobreza não é um fenômeno natural, mas sim produzido socialmente. As políticas públicas se constituem como estratégias de enfrentamento da pobreza, mas a sua efetiva eliminação requer mudanças estruturais, que mobilizem diferentes setores e segmentos da sociedade e que possibilitem avançar rumo à emancipação social e política das pessoas envolvidas, as quais são essenciais ao alcance da emancipação humana, inviável na sociedade de classes. Essas políticas devem ser viabilizadas com responsabilidade estatal, especialmente na gestão e financiamento, e com participação ativa da sociedade civil organizada quanto ao controle social democrático, por meio de espaços institucionalizados de participação, em especial as conferências e conselhos e de espaços não institucionalizados, a exemplo dos fóruns.

A Política de Segurança Alimentar e Nutricional visa à garantia do Direito Humano à Alimentação. Isso significa que o acesso ao alimento deve ser viabilizado a todas as pessoas, independente, por exemplo, de idade, de orientação sexual, de etnia, do território onde estão inseridas, das condições de acesso ao trabalho. Assim, busca-se a materialização das diretrizes previstas no Art. 3º da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, entre elas a “promoção do acesso universal à alimentação adequada e saudável”.

Nos diálogos feitos durante as rodas de conversa, foi possível identificar, além da socialização das diversas expressões de pobreza vivenciadas pela população, um conjunto de práticas que visam superar o empobrecimento. Essas práticas podem ser visualizadas por meio da acolhida, do acompanhamento e da solidariedade, diante das diferentes expressões da vida ameaçada. “Tive câncer no intestino e no útero, mas com a ajuda da Igreja e casas de acompanhamento e o trabalho voluntário consegui superar e hoje sou até coordenadora na Pastoral da Criança.” (Regional do Rio Grande do Sul, História de Vida 70). A solidariedade rompe com a solidão da fome e da pobreza, com o individualismo e indiferença, propagados pelo projeto capitalista, que coisifica, precariza e desumaniza.

O fortalecimento das redes primárias, a exemplo da família, também se traduz como lugar de vivência da solidariedade e da partilha, frente às situações que desafiam a continuidade da vida humana e do planeta: “Me chamo Tônia. O pai dos meus filhos foi embora, daí fiquei só, daí meus pais cederam um espaço para construir atrás da casa deles, daí construí uma pequena casa e, para completar, minha filha de 20 anos tem um bebê de 3 meses e estou cuidando das duas, mas mesmo assim somos felizes.” (Regional do Paraná, História de Vida 53). As vivências partilhadas também dão visibilidade à mística e espiritualidade que mobilizam as pessoas frente às dificuldades e incertezas, as quais se traduzem como momentos da vida, que deixam aprendizados, os quais devem ser superados, com garra e ousadia. “Me chamo Célia, tenho 3 filhos, moro atualmente em Cascavel, sou casada há 14 anos, não trabalho de carteira assinada, não tenho casa própria, enfrento dificuldades porque só meu marido trabalha e isso me incomoda. Então às vezes faço bicos pra fora. Queria dar tudo o que minhas filhas querem, mas não tenho condições. Tenho contas para pagar e com o pouco dinheiro que sobra compramos comida. Tenho duas filhas morando comigo, a outra é casada. Mas, com todas as dificuldades, sou feliz e agradeço a Deus por tudo isso.” (Regional do Paraná, História de Vida 58). Quando as pessoas dizem que encontraram na Cáritas o apoio para a superação de dificuldades, elas encontram, conforme relatório anual de 2014, dos regionais do Paraná,

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Santa Catarina e Rio Grande do Sul, um conjunto de serviços, programas e projetos voltados, por exemplo, à participação em conselhos e fóruns na área das políticas sociais, audiências públicas, campanhas, projetos de Economia Solidária, educação socioambiental, feiras de Economia Solidária, ações de prevenção e atendimento às situações de emergências decorrentes de fenômenos naturais, fundos solidários, mobilizações sociais, plebiscitos populares, ações voltadas à garantia de direitos humanos, entre outros, com prioridade para o trabalho com mulheres, indígenas, quilombolas, catadores e recicladores, juventude, imigrantes e refugiados.

Diante do exposto, é possível afirmar que a luta contra a fome e a pobreza, enquanto luta por direitos humanos, se traduz no combate cotidiano das desigualdades sociais, produzidas por meio das barbáries que decorrem da sociedade capitalista. Trata-se de um momento da luta de classes, que requer os pés firmes na realidade, olhar atento no horizonte e estratégias coletivas e articuladas, com vistas à globalização da solidariedade e de processos constantes de resistência e transformação.

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A realização das rodas de diálogo, no âmbito dessa campanha, como espaço de construção de reflexões e informações revelaram para a Região Nordeste um conjunto de dados, que evidenciam, por um lado, a persistência de alguns problemas sociais antigos, vivenciados na região e no Brasil. Mas, por outro lado, deixam claro a superação de muitas situações de pobreza, exclusão e opressão, quase sempre alicerçada nas resistências de mulheres e homens, organizados em diferentes lutas e movimentos, que têm se refletido, no último período da história de nosso país, no campo das políticas públicas.

O universo analisado foi de 430 questionários aplicados nos estados de Alagoas, Bahia, Ceará e Maranhão, em diferentes arquidioceses e Cáritas Regionais, sendo os organismos, as pastorais, as entidades e outros parceiros fundamentais nessa fase da campanha. Entre as(os) respondentes, ampla maioria reside no meio rural desses estados (66,98%), são mulheres (73,43%) e casadas (63,26%). 36,56% dos respondentes se autodeclaram negras(os), embora 38,17% se identifiquem como “outras etnias”, quando perguntadas(os) se são negras(os), indígenas ou brancas(os).

Diante desses dados é possível apontar a participação mais expressiva das mulheres nesses espaços de discussão/debate, bem como a problemática ainda a ser enfrentada quando tratamos da identidade étnica e racial nessa região e no país como um todo.

Um velho problema que persiste é a negação do direito à educação pública. Entre as pessoas que responderam ao questionário da campanha, 78,55% declaram ter cursado apenas o ensino fundamental (até o 9º ano). Considerando que a maioria dos respondentes são mulheres rurais, pode-se levantar uma reflexão sobre o precário acesso delas à educação, sobretudo diante das fragilidades da política de educação do campo (escolas precárias, transporte em péssimas condições ou indisponível, baixo compromisso dos governos com a valorização salarial e qualificação das(os) docentes).

Quando se trata da infraestrutura para habitação, observa-se que 81,73% das(os) entrevistadas(os) afirmam residir em moradias próprias e de alvenaria (74,26%). Complementando as condições de habitabilidade, 98,02% afirmam que residem em moradias com instalação de energia elétrica e água tratada (58,42%). Nesse sentido, torna-se notória a importância de todas as ações no sentido de universalizar o acesso a água adequada tanto ao consumo humano quanto à destinação para animais e plantas. Nesse campo, persistem ainda sérios problemas relacionados ao saneamento básico e a coleta de lixo. Apenas 18,56% das(os) entrevistadas(os) têm suas moradias conectadas a uma rede de esgotamento sanitário, 38,37% utilizam fossa séptica e 24,26% utilizam, apenas, fossas rudimentares. Além disso, apenas 38,86% afirmam ter acesso a algum tipo de coleta de lixo. Essa realidade aponta para a necessidade de articulações que possam impulsionar projetos/programas na área de saneamento básico, bem como aqueles de conscientização sobre o destino dos resíduos (sólidos e líquidos). Em diferentes localidades da Região Nordeste os coletivos de catadoras(es) vêm assumindo uma atuação protagonista no tocante a problemática da destinação do “lixo”.

No âmbito de uma campanha intitulada “Uma família humana: pão e justiça para todas as pessoas”, as informações sobre segurança e soberania alimentar das pessoas ouvidas

Formado pelos estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Sua área é de 1.554.257,0 km². Abriga uma população de aproximadamente 53.081.950 habitantes.

Inter-Regional Nordeste

Olhares Sobre a Imensidão do Nordeste: Suas Problemáticas e Alternativas

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tornam-se cruciais para nossas reflexões. 78,14% das(os) respondentes afirmam fazer entre três e quatro refeições por dia, embora 8,1% comam uma ou duas vezes por dia. 58,38% produzem algum tipo de alimento, no entanto, ainda consumem alto percentual de alimentos de origem externa a unidade familiar de produção/casa. Entre esses produtos de origem externa, 60,05% afirmam comprar feijão; 91,53% compram arroz; 55,3% compram café em pó; 58,99 compram açúcar; e 44,44% compram óleo. Apenas 1,06% compram batatas e 15,87% compram legumes diversos.

Tais informações, embora não generalizáveis, despertam preocupações sobre os hábitos alimentares desse grupo, pois se observa o consumo de produtos como açúcar e óleo, que tem implicações crescentes na elevação de ocorrências de doenças cardiovasculares, diabetes e hipertensão, muitas vezes associadas a obesidade, em suas diferentes formas, inclusive a mórbida.

Diante desse cenário, torna-se fundamental projetos/programas/campanhas que impulsionem o debate sobre a importância da produção e consumo de alimentos saudáveis. Nesse sentido, o apoio, inclusive financeiro, aos diferentes grupos de agricultoras(es) familiares e camponesas(es), bem como as diferentes estratégias de comercialização, fundamentadas nos princípios da Economia Popular e Solidária, devem estar na agenda de instituições não governamentais e distintos governos.

Por fim, nos debruçaremos sobre uma questão crucial para garantia de pão e justiça para todas(os): a renda das famílias. Numa região na qual 93,44% de nossas(os) respondentes afirmam viver com até dois salários mínimos por família, políticas sociais, como o Bolsa Família, e as ações do Brasil Sem Miséria, ainda têm um papel desafiador a cumprir. 76,06% das pessoas que ouvimos durante essa campanha recebem algum tipo de apoio governamental, seja auxílio ou bolsa. No entanto, tais sujeitos de sua própria história não cansam de lutar nem perdem a esperança, sem muitas vezes almejar muito, mesmo que dinheiro. Quando perguntadas(os) sobre o valor monetário que consideram suficiente para viver bem, 68,01% das(os) respondentes afirmaram o valor de até dois mil reais.

Essa dificuldade de monetarizar o valor de viver bem pode ser explicado por um conjunto de estratégias que essas mulheres e homens estão envolvidas(as). Tais estratégias sinalizam para outra lógica de vida, por vezes pautada na solidariedade/reciprocidade, que mesmo diante de enfrentamentos concretos e cotidianos, reinventam e se reinventam. Essa outra lógica, suas falas nos trazem com maior precisão.

Vozes: Anúncios de Superação, Esperanças e Transformações

“Sou conhecida como Tita, sou agricultora, tenho dois filhos, o Victor e o Vinícius. Cuidei deles só a vida inteira, já fiz muita faxina para arrumar o pão de cada dia para meus filhos, com ajuda de muita gente consegui construir minha casa onde estou até hoje. Agora vejo que valeu a pena todo sofrimento que passei, meus filhos são duas bênçãos na minha vida.” (Regional Nordeste 2, História de Vida 17).

“Eu sou o Aldenir, tenho orgulho de ser agricultor, e as vezes é difícil ser agricultor, porque vivemos com a mão de obra muito precária para plantar e colher nossas lavouras. Se tivéssemos força de algum órgão do governo para

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nos ajudar, a situação seria outra, pois é difícil vender a colheita por um valor que ela vale. O agricultor familiar precisa ter mais apoio da secretaria do município e até do estado. O pequeno agricultor poderia olhar para trás e ver que não iria sofrer mais, e sim ter orgulho de ser agricultor.” (Regional Nordeste 2, História de Vida 19).

“Para poder sobreviver, antigamente era mais difícil do que hoje, não tinha trabalho, emprego, todo mundo vivia da roça. Até no momento atual precisamos dar um jeitinho brasileiro. Os filhos, depois de criados, precisam sair do município para buscar serviço fora, no corte de cana ou no interior de outras cidades. Então é muito lamentável por não ter oportunidades onde moramos,” diz a agricultora Noêmia. (Regional Nordeste 3, História de Vida 20).

“Assim como a vida de todo nordestino, principalmente a vida de quem não teve oportunidade de estudar, a minha não foi diferente, já cheguei até a passar fome, trabalhava na roça cuidando dos irmãos mais novos. Fazia de tudo e, para complicar, engravidei e virei mãe solteira. Depois que casei, a vida melhorou um pouco. Depois comecei a receber o Bolsa Família, isso que me ajudou bastante. Ainda continuo passando por muitas dificuldades. Mas um dia consigo mudar de vida,” assim diz a nordestina Cristina. (Regional Nordeste 3, História de Vida 21).

“A minha infância foi muito ruim e sofrida se comparada com os dias de hoje. Não tive infância, por ser das filhas da família a mais velha, tive que ajudar a criar meus sete irmãos. Trabalhava tanto que, quando chegava à escola, estava tão cansada que não conseguia aprender quase nada, pois o ensino também não tinha muita qualidade. Casei com 16 anos de idade, com 17 tinha uma filha, e hoje graças a Deus tenho minha família construída. Não estou totalmente realizada, pois antes de tudo quero uma nova moradia, então estarei realizando um pouco dos meus sonhos.” (Regional Nordeste 3, História de Vida 23).

“Eu tive uma experiência ainda muito jovem. Eu, quando brincava na inocência de criança, não sabia das dificuldades que meus pais estavam passando. Naquele tempo, as coisas eram muito difíceis, sem muitos recursos. Meus pais tiveram que nos colocar para trabalhar, mas eram muito escassos os recursos. Nós fomos obrigados a ir para São Paulo. Lá também não foi muito fácil, mas dava para ir vivendo. Logo, eu e meus irmãos começamos a trabalhar e as coisas começaram a ficar melhores. Resumindo, hoje estou aqui contando a minha história que, apesar de muitas dificuldades, está maravilhosa.” (Regional Nordeste 3, História de Vida 25).

“Sou de família muito humilde, porém todos são muito unidos. Trabalho desde muito nova e graças a Deus consegui estudar e alcançar o nível superior. Pretendo continuar estudando para passar em um concurso e melhorar as minhas condições e também da minha família. Uma coisa mais marcante nessa minha caminhada foi um acidente que sofri, pois nele pude perceber que a cada dia que surge podemos ser pessoas melhores.” (Regional Nordeste 3, História de Vida 26).

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“Estudei até concluir o ensino médio. E pretendo fazer um curso superior que me favorecerá ocupar uma profissão digna. Atualmente moro com a minha mãe e o meu sobrinho. Moro na zona rural, onde nasci e pretendo continuar, optando por um lugar de tranquilidade e harmonia com a natureza.” (Regional Nordeste 3, História de Vida 27).

“Desde a infância, morou em comunidade rural. Veio para a cidade aos 20 anos e trabalhava como autônomo em vários tipos de trabalho. Um dia, apresentaram o trabalho da reciclagem. Saía às 4 horas da manhã para coletar no lixão do município Alto Santo, chegava às 6h da tarde. Depois de um ano, passou a coletar nas ruas de Limoeiro e Flores (distrito de Russas) (...) Hoje faz parte da associação de catadores.” (Ceará, História de Vida 39).

“Eu nasci no Amazonas, cheguei ao Ceará aos 17 anos, fui morar na ilha no ano 1974 e vim pra cidade alta devido a uma cheia, onde até hoje moro. No ano de 1998 comecei a trabalhar no lixão. Passei 12 anos lá, onde ganhei dinheiro pra comprar minha casa, dar estudo à minha filha e tirar a renda da família. Onde passei por muito sofrimento muito preconceito e meus filhos também. Mas mesmo assim, com todas as dificuldades, sou muito feliz, passei por muitos momentos bons. Mas agora estou com meus filhos todos maiores e sei que venci essa batalha.” (Ceará, História de Vida 41).

“Minha história é a história de minha família, produzindo para comer com altos e baixos, mas com fé de melhorar para dar a meus filhos aquilo que não tive.” (Maranhão, História de Vida 80).

“Eu tinha 17 anos e todos os dias, junto com minha mãe e meus três irmãos, ia pra mata colher folha de jaborandi. Em um desses dias, nós nos perdemos e no desespero o dia logo passou. Ficamos sem comida e sem água, nós chorávamos e mamãe nos confortava com palavras de coragem, e a sede e a fome doíam. Ficamos com medo dos bichos, e saber que as onças rondavam por ali aumentava o pavor. Se a fome e o medo num dia só nos fez sofrer tanto, imagina anoitecer sem saber se amanhã vai ter comida!” (Maranhão, História de Vida 81).

“Algo importante era a vontade de estudar, pois a escola era longe da nossa casa. Íamos andando. Às vezes não tinha nada para comer, mas mesmo assim íamos para a escola. Mesmo quando chovia, mesmo assim, íamos debaixo de sol e de chuva. A escola ficava no Anil. Mas íamos porque tínhamos gosto em ir para a escola. Lá encontrávamos os amigos, a professora e sempre alguém nos dava lanche.” (Maranhão, História de Vida 01).

As Histórias de Vida, reproduzidas acima, demonstram que as mulheres e homens que a campanha permitiu escutar são verdadeiras(os) lutadoras(es) e, por vezes, vencedoras(es). Suas trajetórias de vida são marcadas por uma lógica que envolve, quase sempre, quatro pilares: família, trabalho, reprodução social (com acesso à alimentação) e educação.

Caracteristicamente as novas famílias são formadas precocemente, os casamentos e as primeiras gestações iniciam-se já desde os 16-17 anos. Muitas mulheres, por diferentes motivos, tornam-se chefes de família, criam seus(uas) filhos(as) sozinhas e, muitas vezes, se autodefinem como mães solteiras.

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Se a constituição de um núcleo familiar acontece precocemente, assim também é a inserção no mundo do trabalho. Seja nas lavouras, como em muitos dos casos aqui apresentados, ou em outras ocupações, essas mulheres e homens começam a trabalhar ainda crianças ou adolescentes. Essa “opção” é, em muitos casos, a única estratégia para garantir a sobrevivência financeira da família.

Essa busca por trabalho está, em muitos contextos, vinculada à migração permanente ou temporária. Nessas situações, principalmente as(os) jovens buscam diferentes ocupações, nas cidades circunvizinhas ou mesmo noutros estados. Essa trajetória não é fácil, constitui-se num conjunto amplo de desafios, para “tentar a vida em outro lugar”.

Embora muitos relatos apontem para a produção de alimentos como parte da vida e trabalho das pessoas escutadas, infelizmente o contraditório da fome ainda persiste em algumas realidades.

Tal mazela assusta e, muitas vezes, limita a capacidade dessas mulheres e homens. Tais limitações podem aparecer inclusive na capacidade de estudo e aprendizagem. Isso se agrava em situações em que o ensino é precário, o acesso difícil, tornando a educação um fardo nada atraente.

Mas o nosso povo celebra! Destacam a importância de políticas públicas (auxílios, bolsas, apoio à agricultura familiar, emprego) para reverter as dificuldades e não desistem em semear os campos, tirando da terra seu sustento, mas também o sustento da população brasileira.

Mas nosso povo sonha! Cada vez mais tem se buscado driblar as dificuldades encontradas e seguir os “estudos.” Muitas(os) jovens já têm realizado o sonho, por vezes distante, do ingresso no ensino superior e planejado nova e melhor vida para família e comunidade. Sonha ainda com a conquista da casa própria, com uma possibilidade de se firmar num pedaço de chão, deixar de pagar o aluguel, que muitas vezes não cabe no orçamento familiar.

Nosso povo tem coragem! Muitos são os exemplos de superação de situações adversas, como aquelas vividas nos lixões, que são transformadas em projetos de vida, a partir da organização social e intervenção política.

Por isso, a garantia de pão e justiça passa pelo apoio e incentivo às muitas iniciativas de nosso povo, sejam elas no campo da produção de alimentos saudáveis; no acesso a água, para diferentes fins; no aumento da escolarização; na formação/capacitação atrelada a geração de emprego e renda e; por fim, mas não menos importante; na organização social e comunitária. Esses são desafios de nosso tempo, para transformar vidas e construir um mundo melhor.

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Olhares sobre a Região Norte: Suas Problemáticas e Alternativas

A conversa

Para começo de conversa, apresentamos de forma breve alguns fragmentos da experiência vivida na Amazônia acerca da Campanha Mundial contra a Fome e a Pobreza, as reflexões sobre a miséria e a desigualdade no Brasil e a atuação da Igreja/Cáritas diante disso.

Tendo por base os resultados das rodas de conversa, diversas questões podem ser revistas e reinterpretadas nessa realidade a partir do debate em torno da temática da fome e da pobreza.

Ao todo, 352 pessoas dos Estados do Pará (57,95%), Amazonas (17,90%) Acre (15,06%) e Rondônia (9,09%), representando toda a Amazônia, participaram diretamente das rodas de conversa e outras milhares foram envolvidas de forma indireta nas reflexões em torno dessa temática nos diversos encontros e celebrações, nas atividades pontuais que guiaram e continuam orientando a campanha.

No seu discurso do dia 3 de outubro de 2015, o Papa Francisco declarou que "a fome alcançou dimensões de um verdadeiro escândalo que ameaça a vida e a dignidade de muitas pessoas, homens, mulheres, crianças e velhos" em todo o mundo, caracterizando-se como uma das mais perversas injustiças da história da humanidade.

Na Amazônia, as rodas de conversa reafirmam que a fome é uma das mais perversas formas de violência e uma violação permanente aos direitos humanos. A sua permanência e insistência revela as contradições da moderna sociedade capitalista, que, graças aos avanços tecnológicos, produz cada vez mais alimentos, na mesma medida que permite o aumento da pobreza, resultado da concentração da riqueza. O paradoxo da sociedade capitalista consiste, por um lado, na alta produção de alimentos. De acordo com o relatório 2015 da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura — FAO, o mundo nunca produziu tanto alimento como na atualidade. Entretanto, a riqueza concentrada nas mãos de uns poucos mantém muitos na miséria, submetidos à fome e à pobreza extremas.

O paradoxo da fome na Amazônia reproduz, em menores proporções, as desigualdades da moderna sociedade capitalista, que continua investindo em grandes projetos econômicos na região, na exploração desmedida dos recursos naturais, na insistência de uma Zona Franca de Manaus que representa um dos modelos de economia com maior nível de concentração da riqueza e com enormes impactos ao meio ambiente. Por isso, é rechaçada em boa parte do mundo. Porém, por conchavos e interesses políticos, é permitida na Amazônia. O paradoxo consiste na existência e na permanência da fome em uma região tão rica em recursos naturais.

Composto pelos estados de Roraima, Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Tocantins. Está localizada entre o maciço das Guianas, ao norte; o Planalto Central, ao sul; a cordilheira dos Andes, a oeste; e o oceano Atlântico, a noroeste. Sua extensão territorial é de 3.853.397,2 km², sendo a maior região do Brasil, corresponde a aproximadamente 42% do território nacional. Possui uma população de cerca de 15,8 milhões de habitantes.

Inter-Regional Norte

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“A história de minha vida começa aos 16 anos. Morava com minha família no "lago do salsa". Época muito boa, éramos fartos na alimentação. A moradia era muito boa, não terminei os meus estudos porque fui para a cidade para tentar me empregar. Aos 19 anos, me casei e vieram as dificuldades. Não conseguia sustentar a minha família, deixava de comer para dar para os filhos. Hoje, com ajuda, consegui uma casa e consegui abrigar os meus filhos. Voltei para a escola e hoje posso dizer que passo por poucas dificuldades.” (Regional Norte 01 — Amazonas: História de Vida n° 01).

A vida

De acordo com os resultados das rodas de conversa, a existência e a permanência da fome na Amazônia estão relacionadas a diversas questões estruturais que permitem o desenvolvimento de uma sociedade marcada pelos contrastes e desigualdades sociais. Para melhor entender o paradoxo da fome nessa região, destacamos alguns fragmentos das histórias de vida contadas e registradas nas rodas de conversa. Esclarecemos, porém, que a escolha dessas histórias e memórias se deu apenas pela opção metodológica de relacionar a reflexão das temáticas com algumas das conjecturas que aparecem com maior pertinência nas conversas registradas pelos(as) relatores(as) da campanha nessa região específica. Muitas outras histórias de vida serão retomadas em outras reflexões sobre a campanha mundial contra a fome e a pobreza.

Fome e migrações na Amazônia

Nas cartas e registros do primeiro processo de colonização da Amazônia, é unânime a constatação dos viajantes e observadores das colônias espanhola e portuguesa que os povos dessa região viviam em plena fartura de bens e recursos alimentares que lhes proporcionavam uma excelente qualidade de vida. Entretanto, desde as primeiras investidas colonialistas na região, os povos começaram a ser deslocados de um canto para o outro, impactando negativamente tanto na sua dinâmica populacional quanto nas suas estratégias de existência. Nessa perspectiva, compreende-se a intensa dinâmica migratória na região como um fato histórico, gerado e intensificado a partir da intervenção permanente da colonização, que perdura até os dias atuais. Diversas memórias destacadas nos relatórios apontam a fome como fio condutor dos processos migratórios na Amazônia. Ora deslocam-se famílias e grupos inteiros para escapar às agruras da fome e da pobreza impostas pela intervenção externa nos grandes centros urbanos e nas regiões mais remotas da Amazônia, ora a fome e a pobreza afetam as pessoas deslocadas em situação de vulnerabilidade social. Constata-se que deslocamentos na maioria das vezes são realizados de maneira compulsória, ou seja, as migrações são forçadas pela pressão dos grandes projetos econômicos, pelos conflitos socioambientais, pelas catástrofes naturais, entre diversos outros fatores sociopolíticos, econômicos e culturais.

A trajetória migratória aparece em muitas histórias de vida, em memórias vivas que relatam as mudanças importantes decorrentes da migração.

Essa memória confirma a perpetuação dos deslocamentos compulsórios na Amazônia. Boa parte da migração do campo para a cidade se dá pela busca de emprego centralizado nas zonas urbanas e, particularmente, nas grandes capitais. Nossos estudos migratórios na Amazônia indicam que a mobilidade social dos migrantes nessa região é mais demorada que nas outras regiões do Brasil, onde demoram uma média de cinco anos para se estabilizarem

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“Minha história é sem muitas lembranças boas. Aos 21 anos de idade, tive que sair da casa de meus pais para trabalhar pra sobreviver. Por muitos anos, andei por vários lugares de meu estado. Aos 46 anos de idade, arrumei a esposa que é a minha companheira de luta, a mãe dos meus filhos. Mas durante todo esse tempo a dificuldade tem sido muita. Não tenho uma boa moradia, não tenho luz elétrica, não tenho água tratada. E menos ainda uma boa alimentação, a situação é crítica.” (Regional Norte 02 – Pará: História de Vida n°. 33).

“Estou separada, tenho quatro filhos, três estão com um amigo. No momento, estou desempregada e estou com um filho de um 1 ano e 8 meses e não posso trabalhar, por enquanto mais participo das atividades da comunidade, da Pastoral da Criança do CRAS. Eu estava fazendo tratamento com a psicóloga, pois estou com depressão.” (Regional Norte 01 – Amazonas: História de Vida n° 19).

financeiramente. Na Amazônia, os migrantes só conseguem certa estabilidade econômica que implica em emprego, moradia e segurança alimentar depois de uma média de dez anos. Um fator importante que reforça esse retardo na mobilidade social dos migrantes são as constantes remigrações internas.

As histórias de vida confirmam que os migrantes não conseguem estabilidade econômica na primeira mudança. Perambulam de uma cidade para outra ou de um canto para outro dentro da mesma cidade uma média de quatro a cinco vezes. Em cada mudança, novas expectativas e novos desafios que dificultam o sentimento de pertencimento, a estabilidade econômica e as relações sociais. Note-se que a descrição da fome aparece na maioria dos relatos na pós-migração, especialmente do campo para a cidade. Via de regra, a fome está relacionada com a experiência da cidade, onde tudo o que se come é comprado. A lembrança do campo, do lago, da várzea é a lembrança da fartura, da estabilidade, da felicidade e do convívio familiar e comunitário fragmentado nas trajetórias migratórias. As demais categorias migratórias formadas pelos migrantes internacionais e inter-regionais também experimentam relativa instabilidade econômica na Amazônia. Entretanto, o diferencial é a experiência da cidade. Enquanto essas últimas categorias migram de outros centros urbanos para as cidades da Amazônia, os migrantes internos se caracterizam, na sua grande maioria, pelo primeiro deslocamento do campo para as cidades. E esse pode ser considerado um fator importante para melhor compreender a estreita relação entre a fome e a migração na Amazônia.

Fome, exploração do trabalho e desemprego

Nas diversas memórias compartilhadas nas rodas de conversa, a exploração do trabalho e o desemprego são indicadores das desigualdades sociais, de maneira especial nas cidades da Amazônia. As memórias esbarram na situação de desemprego e denunciam as causas da fome.

No caso das mulheres, a relação com o emprego representa, entre outros fatores, a responsabilidade pelo sustento da família. Mesmo recebendo em média 68% da renda dos homens, elas assumem a chefia da família com todos os seus ônus. De acordo com os relatórios do Censo Demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, as mulheres representam 38,7% dos arrimos de família no Brasil. Na Amazônia, de acordo com o IBGE, 38,68% dos lares eram chefiados por mulheres em 2013. A roda de conversa, no entanto, denuncia que essa chefia encontra-se bastante vulnerável por causa das condições precárias de trabalho e renda das mulheres da Região Norte.

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Nas cidades, outras modalidades de exploração do trabalho são reinventadas e adaptadas, de maneira especial o trabalho das mulheres no serviço doméstico. No Estado de Roraima, por exemplo, é ainda recorrente a relação do trabalho servil da "filha de criação". São mulheres, na sua maioria indígenas, trazidas ainda meninas para o trabalho doméstico não remunerado. Elas convivem com os patrões como se fossem da família, mas não gozam dos mesmos direitos e realizam todo o trabalho doméstico, às vezes durante a vida inteira, nas fazendas ou nas famílias endinheiradas da cidade, sem nunca receber um tostão.

Nessa região marcada historicamente pelo sistema de aviamento, que representou boa parte da acumulação da riqueza da elite econômica da borracha à custa do endividamento do trabalhador seringueiro, ainda hoje a falta de emprego faz com que muitas pessoas submetam-se às condições de exploração do trabalho ou a condições análogas à escravidão. De acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra – CPT e do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, dos casos de trabalho escravo no Brasil, 66% são registrados na Amazônia. Boa parte do trabalho escravo está relacionada ao crime ambiental em áreas de desmatamento ou pecuária extensiva numa região onde não há emprego formal para todos. As pessoas se sujeitam a esse tipo de exploração pela falta de alternativas de emprego e por não encontrar outros meios para sustentar a família.

Urbanização e fome na Amazônia

Diversas histórias de vida enfatizam a cidade como lugar de dificuldades, e o abandono do campo como uma imposição diante da falta de recursos e de acessos aos bens e serviços.

De acordo com o IBGE em 2013, a população urbana da Amazônia chegou a 76,6%. Nas rodas de conversa, 58,52% dos participantes vivem no campo, nas comunidades camponesas, nos assentamento ou terras indígenas. Essa constatação indica sinais de resistência e insistência de permanência no campo e aponta que os camponeses, ribeirinhos e indígenas representam as maiores resistências aos processos de urbanização na Amazônia. Na atualidade, esses povos representam um modo de vida, até certo ponto, diferente daquele modo de vida capitalista das cidades modernas.

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“A minha vida não é muito fácil. Eu já passei tantas dificuldades e continuo passando, porque o meu marido não tem um trabalho fixo, um dia trabalha, aí passa dois ou mais dias sem trabalhar, porque aqui no interior não temos uma empresa que ofereça serviços. Eu sou uma mulher que já trabalhou muito, mas agora eu não dou conta de trabalhar, pois só tem serviços pesados. Então fica difícil para a gente trabalhar, então eu tenho fé em Deus que alguém lembre de nos ajudar, porque as dificuldades são tantas...” (Regional Norte 02 – Pará: História de Vida n° 25).

“Aos 12 anos da minha vida, arranjei marido tive os meus 10 filhos, mas a vida esta sendo muito dificultosa devido às condições financeiras não serem boas. Meu marido bebe muito de tristeza, sou analfabeta, morava na zona rural e depois mudei para a cidade para colocar meus filhos para estudar. Sofro muito por não poder ter uma vida digna. Quanto aos meus filhos, faço de tudo para não faltar alimento para eles.” (Regional Norte 01 – Rondônia: História de Vida n° 05).

“A vinda de Nova Olinda para Humaitá foi difícil, pois tinha dois filhos para criar e na cidade não tinha emprego.” (Regional Norte 01 – Amazonas: História de Vida n° 45).

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Para muitos, os camponeses da Amazônia podem representar o atraso do "progresso" e o emperramento do desenvolvimento econômico da região. Para outros, no entanto, representam a insistência num modo de vida baseado num sistema de partilha, de extrativismo responsável e de produção de boa parte do próprio alimento.

As histórias de vida, no entanto, nos remetem ao problema da urbanização na Amazônia num processo acelerado de crescimento das cidades sem planejamento urbano e sem a infraestrutura necessária. O crescimento desordenado das cidades submete os migrantes às áreas mais precárias e desprovidas de acessos aos bens e serviços sociais. Outro agravante refere-se ao modelo de urbanização baseado na concentração da economia regional na cidade de Manaus, que atualmente concentra 96,72% das empresas e indústrias do Estado do Amazonas, o que representa quase 50% das indústrias de toda a Amazônia. Essa centralização da economia em Manaus resulta em um déficit de investimento nos demais estados da região, o que afeta diretamente o crescimento das cidades. Esse processo de urbanização baseado nas desigualdades e nos contrastes sociais dificulta o acesso ao emprego, à educação, à saúde, à qualificação profissional e permite que muitos milhares de pessoas vivam à margem da sociedade.

Fome e violação aos Direitos Humanos

Outro destaque importante das rodas de conversa é a questão da fome relacionada com a violência, muito recorrente nas histórias de vida. Entretanto, tomaremos o tema da fome como uma violência estrutural praticada contra os direitos humanos dos povos da Amazônia.

A fome nesse contexto representa uma limitação ao exercício da cidadania e um estado de miséria que promove o cerceamento de direitos negados às crianças, aos jovens, aos idosos, privando a família do acesso ao mínimo para sobreviver com dignidade. Um verdadeiro paradoxo numa sociedade em que uma pequena elite econômica detém mais da metade de toda a riqueza produzida na região marcada pelos contrastes sociais. Nesse contexto, a fome está intimamente relacionada à falta de moradia digna, ao acesso aos bens e serviços como saúde e educação, luz, água tratada e saneamento básico. Bens essenciais negados à sociedade.

Na imensidade da Amazônia em sua beleza e exuberância, sua riqueza sociocultural e ambiental, permanecem os contrastes sociais. Entretanto, em meio a tantas injustiças e sofrimentos, surgem caminhos, pistas de superação. Como superar a fome e a pobreza nessa realidade na qual tudo parece estar tão "naturalizado"?

Vozes: Anúncios de Superação, Esperanças e Transformações

“No lugar onde eu moro a minha vida não é uma vida muito boa. Sonho com o dia em que eu possa olhar para dentro da minha casa e ver todos os dias os confortos necessários para mim, minha esposa e meus filhos. Queria sim ter uma condição melhor para no amanhecer do dia meus filhos terem acesso a um bom café, e um dia digno que todo ser humano merece. Às vezes eu olho em volta e vejo tudo fechado, e eu queria que essa situação mudasse. Porque é muito bonito olhar e ver sorriso, principalmente no rosto das crianças.” (Regional Norte 02 – Pará: História de Vida n° 32).

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O desafio consiste justamente em "desnaturalizar" as formas de dominação e manutenção da injustiça estrutural numa sociedade que pode oferecer as condições exatas para grandes transformações sociais, políticas e econômicas que representam as bases para a superação da fome e da pobreza. Entretanto, exige-se uma mudança de paradigmas já observada nas rodas de conversa. O povo sabe como intervir para mudar! E de todos os cantos da Amazônia surgem alternativas ao desenvolvimento pautado no modelo econômico. A resposta vem sendo "preservada" e protegida desde os tempos da colonização. É o sábio pescador do Alto Solimões que nos ensina a lição:

Os povos da floresta nos ensinam o segredo do bem viver que acena para um antigo preceito dos povos ameríndios antes da chegada dos colonizadores. Evocava uma inter-relação de equilíbrio e interdependência entre os seres humanos e a natureza numa permanente atitude de responsabilidade, de cuidado e proteção da sociobiodiversidade, em função de uma civilização justa, solidária e sustentável. Para esses povos a Amazônia não representa somente o lugar da exploração dos recursos, da transformação da natureza e da desmedida intervenção humana. A Amazônia representa uma "nhandereko-há", que na língua nheengatu, ou língua geral amazônica, significa identidade étnica ou "jeito de ser na nossa casa". A terra significa o lócus da organização social e política, lugar da produção e transmissão do etnoconhecimento. É o lugar do agroextrativismo e ticuna.” da agricultura familiar, da pesca, da festa, dos jogos, das danças.

Para os povos dessa região, superar a fome e a pobreza significa proteger a Amazônia dos fazendeiros e dos grandes empresários do agronegócio, da pecuária extensiva, da mineração, dos projetos meramente econômicos de grande impacto ambiental causando intensos deslocamentos dos povos que se sentem invadidos, acuados, amedrontados e expulsos da sua "nhandereko-há".

Superar a fome e a pobreza na Amazônia é garantir o retorno ao campo daqueles que outrora foram expulsos de seus territórios e desejam voltar. Salta à memória de muita gente que agora vive amontoada nas cidades da Amazônia, a lembrança de uma qualidade de vida no campo que não é encontrada na cidade, apesar das suas aparentes facilidades.

Entre as alternativas apresentadas nas rodas de conversa é importante destacar a resistência ao deslocamento ou à migração forçada. O direito de não migrar, de permanecer no campo, precisa ser assegurado como forma de superação da fome e da pobreza na Amazônia.

"Criei minha família como pescador. Além dos próprios filhos, agregaram-se muitos outros, entre eles alguns índios ticuna" (Regional Norte 01 – Amazonas: recorte da História de Vida n° 11).

“Gostava de trabalhar na roça e pescar no interior.” (Regional Norte 02 – Pará: História de Vida n° 42).

“Nasci, cresci, vivi toda a minha vida aqui. Aqui é bom, tranquilo, boa vizinhança, vivendo no meio da natureza, à beira do rio.” (Regional Norte 01 – Acre: História de Vida n° 13).

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Outros caminhos também relatados nas rodas de conversa indicam a inserção nos movimentos e organizações sociais, nas associações, grupos populares, comunidades e entidades da sociedade civil, que são autônomas ou promovidas com programas de governo para superação da fome e da pobreza. O acesso aos programas sociais revela-se de grande importância para superação da fome e da pobreza por promover maior participação e acesso às informações. Em diversos casos, parece ter contribuído para despertar as pessoas para um engajamento social. Entretanto, há de se reconhecer que os programas sociais funcionam muito melhor nos lugares onde já havia iniciativas locais de organizações sociais, muitas vezes promovidas, incentivadas e acompanhadas pela atuação da Cáritas, tais como: redes de agricultores(as), organização de pescadores(as) ou manejo de lagos, grupos de mulheres organizadas através do artesanato e de outras formas de geração de trabalho, emprego e renda; grupos de Economia Solidária; cooperativas e associações de catadores(as) de materiais recicláveis. E muitas outras iniciativas na cidade, no campo, nas florestas, rios e lagos da Amazônia tornam os sujeitos dotados de autonomia e protagonismo.

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Na escuta feita pela Cáritas, o Sudeste, um território multicultural, com inúmeras influências territoriais e culturais, sejam nacionais e internacionais, que fazem dessa região um lugar de muitos desafios e horizontes. Lugar de ir e vir. Lugar de chegar e partir. Lugar de ficar, fincar e fazer morada.

O Sudeste é o lugar favorável para o modelo de desenvolvimento vigente, devido ao seu forte potencial histórico e de expansão. Mas também é o lugar dos muitos problemas do fenômeno urbano e da garantia de direitos. Se, por um lado, o desenvolvimento urbano é caracterizado pela instalação de mecanismos de mobilidade, e os direitos privados, por outro, estamos escutando vozes que esperam mais das realidades de programas de desenvolvimento sustentável humano e integral. A Campanha surge nesse contexto.

Quando a Cáritas Brasileira assumiu a Campanha Mundial Uma família humana pão e justiça para todas as pessoas, sabia que tinha pela frente um grande desafio: mostrar vistas as realidades encobertas pelos grandes projetos do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento. Situamos a campanha no contexto do PAC porque consideramos o maior impacto estruturante entre os direitos sociais mínimos ou, se preferirmos, o impacto nos indicadores sociais mínimos. É importante dizer que os indicadores sociais mínimos tratam-se de um conjunto de indicadores sociais, que compreendem dados gerais sobre distribuição da população por sexo, idade, cor ou raça, sobre população e desenvolvimento, pobreza, emprego e desemprego, educação e condições de vida. Resultou de uma ampla consulta técnica a inúmeros países e organismos internacionais. Tem como algumas de suas principais recomendações a de se utilizar tão somente dados provenientes de fontes estatísticas regulares e confiáveis e a de desagregar os dados por gênero e outros grupos específicos observando sempre, entretanto, as peculiaridades e prioridades nacionais. E a Campanha Mundial é uma ação global que nos situa nesse conjunto de direitos sociais fundamentais.

Composto dos estados do Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Situa-se na parte mais elevada do Planalto Atlântico, onde estão as serras da Mantiqueira, do Mar e do Espinhaço. Sua extensão territorial é de 924.511,3 km². Abriga uma população de 80.364.410 habitantes, correspondendo a aproximadamente 40% do contingente populacional brasileiro. A densidade demográfica é de 87 habitantes por quilômetro quadrado, sendo a região mais populosa e povoada do país. Total de respostas: 642 famílias participaram.

Inter-Regional Sudeste

Olhares Sobre a Imensidão do Sudeste: Suas Problemáticas e Alternativas

¹Criado em 2007, no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2007-2010), o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) promoveu a retomada do planejamento e execução de grandes obras de infraestrutura social, urbana, logística e energética do país, contribuindo para o seu desenvolvimento acelerado e sustentável.Pensado como um plano estratégico de resgate do planejamento e de retomada dos investimentos em setores estruturantes do país, o PAC contribuiu de maneira decisiva para o aumento da oferta de empregos e na geração de renda, e elevou o investimento público e privado em obras fundamentais.Teve importância fundamental para o país durante a crise financeira mundial entre 2008 e 2009, garantindo emprego e renda aos brasileiros, o que por sua vez garantiu a continuidade do consumo de bens e serviços, mantendo ativa a economia e aliviando os efeitos da crise sobre as empresas nacionais.Em 2011, o PAC entrou na sua segunda fase, com o mesmo pensamento estratégico, aprimorados pelos anos de experiência da fase anterior, mais recursos e mais parcerias com estados e municípios, para a execução de obras estruturantes que possam melhorar a qualidade de vida nas cidades brasileiras.Em 2015, se destaca como um programa consolidado, com uma carteira de mais de 40 mil empreendimentos e volume de investimentos expressivo. Cf. http://www.pac.gov.br/

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Nosso olhar, portanto, para essa região do Brasil, o Sudeste brasileiro, está sendo mirada com a lupa dos direitos integrais sociais, isto é, fazemos um olhar buscando considerar entre os estruturantes impactos de toda e qualquer forma acelerada de ação para o desenvolvimento, considerar as pessoas, suas práticas e suas formas de vida nesse território. As rodas de conversas realizadas no Sudeste, predominantemente em áreas urbanas, mostram um cenário exigente para fazer vir à tona: a luta, as conquistas e transformações da realidade. Não obstante as investidas abruptas ambientais, econômicas, religiosas, e sociais no desenrolar de projetos para o crescimento é possível, olhando a realidade inspirar boas práticas.

Os dados da escuta no Sudeste revelam, pelos gráficos que podem ser conferidos neste caderno (cf. págs. 23 e 24), que são evidentes alguns elementos significativos: Da área de predominância: rural 12, 75%, enquanto a urbana é de 87,27%, quanto ao sexo: 10,81% masculina e 89,19% feminina. Da etnia, outro dado importante para o Sudeste: brancos 59,32%, indígenas 2, 82%, enquanto negros 25,42% e outros que não se definiram 12,43%. Esse perfil geral das famílias das escutas já demonstra cenários das vulnerabilidades a que estão, e a qualidade e garantia de direitos sobretudo as mulheres, vivendo nas periferias territoriais das cidades, por sua vez vivendo vulnerabilidades enormes existenciais, isto é, de viver com dignidade.

Enquanto a maioria faz até três refeições diárias 53,32% e outros, também em percentual significativo de 34,4% fazem até quatro refeições diárias, no aspecto estritamente ligado à alimentação, com vasto território ainda rural, e produtivo, apenas 27,62% dizem que produzem algum tipo de alimento, enquanto 72,38% dizem não produzir nada de alimento. E assim, na escuta da Cáritas, pode-se verificar que em todo o Sudeste, 53,11% das famílias escutadas não são beneficiadas de algum programa de governo, enquanto 46,99% ainda são beneficiadas por algum programa do estado.

Nesse contexto, o Sudeste tem, em grau maior, a problemática de implementar o desenvolvimento sustentável integral e humano. Diante desse aspecto, é importante ressaltar que a sustentabilidade passa por mecanismos de políticas públicas mais orgânicas entre si, e não apenas de estado por estado. A constituição de todos os estados da região foi fortemente marcada pela migração interna, por vezes marginalizada a própria migração, mas não o trabalho de tantos homens e mulheres que levaram a cabo a estruturação desses estados.

Por isso, a relação da escuta da Cáritas com o PAC é muito importante. Não podemos deixar de considerar que a organização dos investimentos em Infraestrutura Urbana e Social, (Mobilidade. Minha Casa, minha vida. Urbanização de Assentamentos Precários. Financiamento Habitacional. Mobilidade Urbana. Prevenção de Áreas de Risco. Saneamento. Recursos Hídricos. Equipamentos Sociais. Cidades Digitais Pavimentação. Cidades Históricas. Luz para Todos. Turística. Equipamentos de Esporte de Alto Rendimento e Casa da Mulher Brasileira), Infraestrutura Logística, (Rodovias. Ferrovias. Portos. Hidrovias. Aeroportos. Defesa e Comunicações) e Infraestrutura Energética (Geração de Energia Elétrica. Transmissão de Energia Elétrica. Petróleo e Gás Natural. Combustíveis Renováveis. Geologia e Mineração e Revitalização da Indústria Naval) têm grande parte de base de manipulação de matéria-prima e escoamento nacional e internacional no Sudeste brasileiro, a vida integral natural e humana está fortemente marcada pela exploração exaustiva da vida nesse território.

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À luz da escuta da Cáritas, na sua gênese marcada por uma escuta solidária, para também ser uma presença animadora, e no apoio às necessidades, o Sudeste tem muito a dizer sobre as alternativas desenhadas no campo da solidariedade entre as comunidades, territórios e pessoas. Na luta contra a fome e miséria extrema. Desde os grupos de mulheres na cidade e no campo, projeto para e com crianças, trabalho com a população em situação de rua, situações frágeis de cuidado com a saúde, fortalecimento da Economia Solidária como forma concreta de outra relação de produção para o consumo, produção, comercialização, isto é, existe um programa de desaceleração do crescimento pela exploração. Esse é o caminho a seguir. Nesse caminho, podem ser ouvidas as centenas de histórias de vida de vozes que anunciam superação, esperanças e transformações.

Vozes: Anúncios de Superação, Esperanças e Transformações

“Veio do Espírito Santo ainda pequena, com 12 anos, contra a vontade, com a irmã mais velha. Queria muito ficar com os pais. Viu um irmão mais velho ser morto em sua frente e ficou com trauma e não quis mais estudar. Aqui em SP, com a promessa de estudar, foi trabalhar, cuidar das crianças e começar os estudos. Já foi trabalhar em casa de família, e aprendeu a viver só e independente. Morou com amigos. Com 26 anos engravidou do namorado, que não assumiu o filho. Outro assumiu e registrou. Foram morar juntos. Depois de um ano e meio, o marido foi atrás de influências ruins, foi preso. Isso aconteceu em 2010. Nas visitas, engravidou, ficando só, com dois filhos, trabalhando muito pra sustentá-los. Adoeceu, está se tratando pelo SUS. Fez uma cirurgia errada, está aguardando uma ressonância magnética, está na fila de espera, vivendo só do INSS. O que ajuda é a creche que fica com o filho mais novo o outro fica no colégio e assim recebe todas as refeições do dia para suas necessidades. Sem isso, passariam fome, como já passaram durante a doença e o desemprego. Viveu de favor, sendo voluntária na creche. Está decepcionada e doente. Sente-se só na luta da vida.” (Regional São Paulo, História de Vida 16)

“Veio de Minas com 18 anos, viveu com irmãos mais velhos, ficou até os 23 anos, foi trabalhar em casa de família pra morar, até nascer a primeira filha, aos 25 anos. Foi morar com o pai da filha, teve mais 1 filho, aos 27 anos. Depois, aos 30 anos, teve uma gestação de "triplos". Antes mesmo de fazerem 3 anos, se separou do pai das crianças. Morava na favela, nunca passou fome, pois trabalhava em casa de família muitos anos, mas a pobreza sempre existiu, mas logo o progresso, a construção da casa, as coisas melhoraram. Hoje, todos os filhos estão criados, todos trabalham, têm sua vida particular. Hoje faz tratamento SESP, e clínica de SP, não tem o que reclamar.” (Regional São Paulo, História de Vida 21)

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“A melhor coisa que já aconteceu foi quando eu ganhei a casa e também superei a vontade de desistir de tudo. As coisas boas e tristes da vida são: as boas é você querer ter e conseguir as coisas, e as coisas tristes é querer e não conseguir quando seus filhos precisam de coisas e você não consegue dar, quando tem algo a dizer e não tem coragem de falar. Mesmo entre as dificuldades e o sofrimento tem um motivo para sorrir, e superei. Tudo melhorou na última gravidez, quando fiz parte do projeto Cáritas e a psicóloga me orientou sobre várias situações.” (Regional São Paulo, História de Vida 29)

“A minha história de vida começa há muitos anos, envolvendo vários fatos e pessoas muito importantes na minha vida. Mas a principal foi a perda da minha querida mamãe há quase dois anos. Estava grávida e foi muito rápido a passagem. Eu me vi como um ser estranho, tive que assumir um papel de gente bem grande perante as outras pessoas envolvidas: filhos, irmão e pai. Fui uma espécie de guia turística, não chorei, não senti dor, estava anestesiada de remédio. Hoje me vejo mais madura para encarar a vida, cuido de 9 pessoas, só eu para fazer tudo para eles, não reclamar, porque sei que a vida é muito curta. Não tenho tempo para ficar tentando uma resposta para tudo isso que aconteceu. Só sei que tenho 6 filhos para cuidar. Eu peço todos os dias para o meu pai celestial cuidar de mim também.” (Regional São Paulo, História de Vida 36)

“Veio embora por causa do desemprego do marido e problemas de família. Ao chegar na cidade de Jundiaí, foi encaminhada para a SOS, mas apareceu um anjo (da Cáritas) que acabou ajudando essa família. A Pastoral da Criança foi acionada para poder acompanhar as crianças que estranharam o clima da cidade, mas graças a Deus tudo foi se resolvendo com o tempo, conseguiram realizar o sonho de casar na igreja com o casamento comunitário. Hoje não pensa mais voltar para sua cidade de origem, pois aqui está conseguindo melhorar sua vida.” (Regional São Paulo, História de Vida 633)

“Meus pais são separados, e ele se casou com uma mulher católica que me batia muito. Ela falou que não tinha responsabilidade pela outra família e me expulsou de casa. Minhas irmãs têm casa, e a outra se formou com a ajuda dele. Eu sou gay, já fui humilhado no trabalho, já sofri assédio sexual, fui violentado em uma clinica, e nunca encontrei o amor verdadeiro.” (Regional São Paulo, História de Vida 220)

“Não gosto de falar sobre minha vida.” (Regional São Paulo, História de Vida 125)

“Moro no Ideal há 42 anos. Fui mãe de 16 filhos com o mesmo marido, mas só 7 estão vivos. O restante nasceu e morreu ou não vingaram, porque meu marido matou com chutes na minha barriga. Criei também um monte de crianças de mães que não queriam os bebês, foram mais de 20. Tem 15 anos que estou doente, eu tenho ajuda dos filhos, só um que não liga pra mim.” (Espírito Santo, História de Vida 128)

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“Nasci em Carapicuíba (SP) e com 12 anos fui para Rondônia. Moro em São Mateus há 3 anos. Meu marido veio primeiro para trabalhar e depois de 3 meses eu vim, comecei a trabalhar em casa de família. Adoeci do dia para a noite e fiquei internada por 2 meses, com diagnóstico de derrame pleural. No mesmo dia, meu marido adoeceu com problema na coluna. Perdi casa, perdi tudo, devo muito à Igreja Católica. Os amigos ajudaram muito, graças a Deus.” (Regional Espírito Santo, História de Vida 132)

“Sempre quis ser feliz. Durante um tempo, fui mãe solteira do Felipe. Depois conheci o pai da Raissa, com quem vivi por 3 anos. Tive uma gestação tranquila, fiz pré-natal no postinho, mas achei estranho o ultrassom. Questionei a médica e ela me tranqüilizou dizendo que estava tudo normal. Minha filha nasceu com deficiência (microcefálica). O pai dela sumiu para Aracruz (ES) e me deixou com 2 filhos para criar. Minha mãe me acolheu e vivo em uma casa cedida pelo meu irmão. Meu filho fica o dia inteiro na escola, não sei o que vou fazer no ano que vem, quando ele tiver que mudar de escola. Minha vida é cuidar da Raissa, dando comida a cada 3 horas.” (Regional Espírito Santo, História de Vida 147)

“Eu morei com minha mãe e meus irmãos na casa da minha tia, eu tive filhos, a situação ficou muito difícil, somente minha mãe trabalhava, eu fazia reciclagem, mas comecei usar drogas, saía todos os dias pra usar, morei no cemitério, mas hoje sei que tenho que me curar dessa doença que é o crack, as minhas filhas precisam de mim.” (Regional Espírito Santo, História de Vida 206)

“Já fui casado e fui muito feliz, tive uma esposa maravilhosa. Mas vieram as brigas, comecei a beber e encontrei nas drogas uma saída... usei maconha, cocaína, estava me acabando. Morei na rua por três anos e conheci esta casa que está me ajudando muito”. (Regional Espírito Santo, História de Vida 210)

“O episódio mas importante da vida de D. Rosana Cabral foi quando sua filha Rafaela Cabral ligou e disse que estava trabalhando. Foi uma grande alegria, pois a mãe tem muito orgulho dessa filha e deposita esperança de que essa menina vai alcança seus objetivos.” (Regional Minas Gerais, História de Vida 245)

“Sou casada, tenho 3 filhos e uma neta. Moro no bairro São Judas em casa própria, tem água tratada, esgoto, luz elétrica. Temos uma boa alimentação, creio eu, temos um café da manhã, almoço, jantar de qualidade, graças a Deus.” (Regional Minas Gerais, História de Vida 281)

“Nasci em Montes Claros. Tenho 30 anos. Meus pais são separados. Tenho 3 irmãs e 1 irmão. Sou casada. Tenho 3 filhos. Sou cristã. Moro no bairro Maracanã, numa casa no terreno do meu sogro. Minha casa tem 1 cômodo e 1 banheiro. Meu marido está desempregado, trabalhando por conta própria. Estou em dificuldade financeira e preciso de ajuda.” (Regional Minas Gerais, História de Vida 376)

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“Sou Reinaldo. Moro aqui desde quando nasci. Amo este lugar. Sou amasiado já há 14 anos. Tenho 2 filhos. Um tem 14 anos e outro 7 anos. Sou comerciante e vou levando minha vida conforme Deus quer. Convivo com o povo e caminho junto.” (Regional Minas Gerais, História de Vida 378)

“Solteira, mãe de 5 filhos, cria todos sozinha, trabalha e deixa as filhas em casa o dia todo, inclusive uma neta. Não vivo com ninguém, mas sou feliz.” (Regional Minas Gerais, História de Vida 379)

“A gravidez foi muito triste porque não tinha o que comer. Não tinham emprego. A irmã está grávida. Gostaria de trabalhar, mas precisa de vaga na creche e não encontra. A casa própria é do pai, e mora separada nos fundos. É evangélica como toda a família.” (Regional Minas Gerais, História de Vida 449)

“Encontra-se numa situação complicada, marido está encostado recebendo-auxílio doença, alimentação precária, pois o dinheiro é para comprar os remédios. Saúde precária, mora em residência cedida, falta o básico.” (Regional Minas Gerais, História de Vida 536)

“As coisas estão muito difíceis, está passando necessidade de alimentos. Falta segurança, a saúde está péssima, não consegue fazer os exames. Em relação às drogas, virou uma epidemia que está matando todos os jovens.” (Regional Minas Gerais, História de Vida 537)

“Veio da roça, bairro próximo. É evangélica. Para ajudar nas despesas da família, faz reparos em roupas. O bairro onde morou hoje é uma represa. O Bolsa Família também ajuda no sustento da casa.” (Regional Minas Gerais, História de Vida 597)

“Comecei a trabalhar na casa de uma família aos 9 anos de idade. Saí do meu estado de origem aos 16 anos. Apesar de todas as dificuldades, hoje sou mais que vencedora.” (Articulação Regional Rio de Janeiro, História de Vida 4) “Morava no Nordeste, foi adotada e trabalha como doméstica sem receber salário. Foi trazida por um tia para morar no Rio de Janeiro, onde conheceu seu marido. Depois casou-se e teve três filhos.” (Articulação Regional Rio de Janeiro, História de Vida 2)

As histórias revelam dramas que não estão desvinculados da organização dos investimentos públicos. Basta considerar como na sua grande maioria relacionam com ciclos geracionais, sem corte das violências, forma de trabalho, modo de conviver com o lugar, sujeitas às coisas que aparecem no intercurso das linhas vitais das pessoas. Dizer da linha vital de alguém é valorar as condições geradas e favoráveis, que podem fazer com que as pessoas vivam com dignidade. O que em toda história de vida se pode notar é o desejo de bem viver das pessoas. Pode não parecer muito sistêmico, mas, outro aspecto a considerar é a dimensão subjetiva da afetividade engendrada nas histórias de vida. Falar dessa subjetividade singular, de cada pessoa que partilhou sua história, é chamar atenção, de como está para a dimensão da felicidade cada ação realizada para a vida natural e humana, ser melhor. É para ser melhor que o que fazemos pode mudar a realidade.

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Na escuta da Cáritas, todas as pessoas de quem os agentes Cáritas se aproximaram devolveram generosamente casos significantes de sua vida. Em meio a essas histórias, duas a seguir nos fazem pensar como uma casa pode ser de todos e todas.

A Região Sudeste está explicitando, deixando aparente, um fenômeno particular, mas que sempre aconteceu: a imigração. Em circunstâncias diversas, mas sobretudo em casos de refugiados. Nesse campo, vêm assumindo o protagonismo as organizações da sociedade civil. É da natureza das organizações sociais cuidarem. Em menores ou maiores condições, buscam-se maneiras de contribuir para que as pessoas possam viver de forma mais plena, livre e acolhida. No segundo caderno de publicação da Campanha Mundial, poderemos melhor destacar o empenho da Cáritas nos seus anos de atuação no Sudeste e no Brasil.

Que as histórias de vida possam gerar novas sensibilidades e desejo de colaborar para que outras pessoas, nos seus biomas, com direitos mais efetivamente garantidos, possam ter boas histórias de vida para partilhar.

Casa para todos e todas

“Quando pensamos em vir para o Brasil, a primeira coisa que pensei foi na minha família, em meus filhos. Foi difícil morar em um lugar estranho de culturas diferentes, onde não éramos bem recebidos. Quando a equipe da igreja foi na minha casa e ajudou-me a colocar meus filhos na creche, fiquei muito feliz. Graças a Deus e a pessoas humanas, meus filhos estão bem, já falam o português, eu estou me adaptando ainda, mas ainda sofro muito.” (Regional São Paulo, História de Vida 232)

“Cheguei no Brasil há 5 anos atrás, no começo foi muito ruim nos acostumar ao estilo de vida diferente, ao que a gente tava acostumado, o idioma e o medo de uma cidade tão grande. Mas graças a Deus tudo melhorou e a gente se acostumou já. Minhas filhas vão na creche e na escola, nós trabalhamos, mas o serviço não é muito; mas também não falta. A gente tem pra cobrir os gastos das meninas e da casa.” (Regional São Paulo, História de Vida 242)

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Parte

Mapas daSolidariedade

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156

184

40°W

40°W

50°W

50°W

60°W

60°W

70°W

70°W

0° 0°

10°S

10°S

20°S

20°S

30°S

30°S

Mapa da Solidariedade - Campanha Uma Família Humana Pão e Justiça para Todas as Pessoas

±

1.600 0800 km

1:22.500.000Sistema de coordenadas e Datum SAD 69

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE Cáritas Brasileira

Organização: Muryel Arantes

LegendaMunicípios

Amarante do Maranhão

Anchieta

Banzaê

Barra de São Francisco

Barreiras

Barueri

Bela Cruz

Belo Horizonte

Belém

Botucatu

Breves

Cacequi

Caetité

Campinas do Sul

Carapicuíba

Caravelas

Carazinho

Carlos Chagas

Cascavel

Caxias

Codajás

Coronel Fabriciano

Crateús

Criciúma

Cruzeiro do Sul

Cuiabá

Delmiro Gouveia

Ecoporanga

Erechim

Estação

Feira de Santana

Fortaleza

Fortaleza dos Valos

Foz do Iguaçu

Getúlio Vargas

Guajará-Mirim

Guararema

Guarulhos

Humaitá

Independência

Itabira

Itanhém

Itupeva

Ji-Paraná

Jundiaí

Jurema

Lago da Pedra

Lauro Muller

Leopoldina

Limoeiro do Norte

Linhares

Loreto

Louveira

Maceió

Manaus

Marajá do Sena

Massapê

Melgaço

Minador do Negrão

Montes Claros

Mucurici

Mundo Novo

Nova Erechim

Nova Olinda

Nova Palma

Nova Russas

Nova Venécia

Nova Viçosa

Palmeira dos Índios

Passo Fundo

Pastos Bons

Pelotas

Pinheiros

Piúma

Porto Alegre

Porto Velho

Potiretama

Quiterianópolis

Quixelô

Riacho de Santana

Rio Branco

Rio de Janeiro

Rodrigues Alves

Russas

Salitre

Salto

Salvador

Santa Maria

Sertão

Sobral

São Gabriel da Palha

São Luís

São Mateus

São Paulo

São Sepé

Tabatinga

Tamboril

Tanque Novo

Tauá

Tocantins

Ubá

Urandi

Visconde do Rio Branco

Vitória

Vitória da Conquista

Água Doce do Norte

– ,

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PARANÁ

RIO GRANDE DO SUL

SANTA CATARINA

50°W

50°W

30°S

30°S

Mapa da Solidariedade - Campanha Uma Família Humana Pão e Justiça para Todas as Pessoas (Sul)

Legenda

Município - Territórios da Escuta

Cacequi, 6

Campinas Do Sul, 1

Carazinho, 2

Cascavel, 84

Criciúma, 15

Erechim, 6

Estação, 7

Fortaleza Dos Valos, 5

Foz Do Iguaçu, 23

Getúlio Vargas, 1

Lauro Muller, 4

Nova Erechim, 1

Nova Palma, 9

Passo Fundo, 1

Pelotas, 20

Porto Alegre, 1

Santa Maria, 32

Sertão, 1

São Sepé, 6

Limite Municipal

Limite Político Administrativo

±

510 0255 km

1:6.800.000Sistema de coordenadas e Datum SAD 69 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE

Cáritas Brasileira Organização: Muryel Arantes

PIAUÍ

MARANHÃO

CEARÁ

PERNAMBUCO

PARAÍBA

ALAGOAS

SERGIPE

RIO GRANDE DO NORTE

40°W

40°W

10°S

10°S

Mapa da Solidariedade - Campanha Uma Família Humana Pão e Justiça para Todas as Pessoas (Nordeste)LegendaMunicípio - Territórios da Escuta

Amarante do Maranhão, 10

Bela Cruz, 28

Caxias, 51

Crateús, 31

Delmiro Gouveia, 6

Fortaleza, 21

Independência, 5

Jurema, 1

Lago Da Pedra, 15

Limoeiro do norte, 32

Loreto, 7

Maceió, 13

Marajá Do Sena, 12

Massapê, 1

Minador Do Negrão, 14

Nova Olinda, 1

Nova Russas, 13

Palmeira Dos Índios, 8

Pastos Bons, 2

Potiretama, 4

Quiterianópolis, 4

Quixelô, 1

Russas, 10

Salitre, 35

Sobral, 13

São Luís, 6

Tamboril, 5

Tauá, 2

Limite Municipal

Limite Político Administrativo

±

500 0250 km1:6.700.000

Sistema de coordenadas e Datum SAD 69 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE

Cáritas Brasileira Organização: Muryel Arantes

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PARÁAMAZONAS

ACRE

TOCANTINS

RORAIMA

RONDÔNIA

AMAPÁ

50°W

50°W

60°W

60°W

70°W

70°W

0° 0°

10°S

10°S

Mapa da Solidariedade - Campanha Uma Família Humana Pão e Justiça para Todas as Pessoas (Norte)

LegendaMunicípio - Territórios da Escuta

Belém, 18

Breves, 198

Codajás, 19

Cruzeiro Do Sul, 29

Guajará-Mirim, 14

Humaitá, 17

Ji-Paraná, 1

Manaus, 2

Melgaço, 8

Porto Velho, 7

Rio Branco, 22

Rodrigues Alves, 2

Tabatinga, 22

Limite Municipal

Limite Político-Administrativo

±

1.000 0500 km

1:13.700.000Sistema de coordenadas e Datum SAD 69 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE

Cáritas Brasileira Organização: Muryel Arantes

MINAS GERAIS

SÃO PAULORIO DE JANEIRO

ESPÍRITO SANTO

40°W

40°W

50°W

50°W

20°S

20°S

Mapa da Solidariedade - Campanha Uma Família Humana Pão e Justiça para Todas as Pessoas (Sudeste)

Legenda

Município - Territórios da EscutaAnchieta, 1

Barra De São Francisco, 8

Barueri, 20

Belo Horizonte, 2

Botucatu, 12

Carapicuíba, 1

Carlos Chagas, 1

Coronel Fabriciano, 1

Ecoporanga, 3

Guararema, 2

Guarulhos, 26

Itabira, 184

Itupeva, 5

Jundiaí, 12

Leopoldina, 11

Linhares, 1

Louveira, 5

Montes Claros, 156

Mucurici, 1

Nova Venécia, 1

Pinheiros, 1

Piúma, 1

Rio De Janeiro, 14

Salto, 2

São Gabriel Da Palha, 1

São Mateus, 14

São Paulo, 126

Tocantins, 8

Ubá, 2

Visconde Do Rio Branco, 13

Vitória, 7

Água Doce do Norte, 1

Limite Municipal

Limite Político Administrativo

±

525 0262,5 km

1:7.000.000Sistema de coordenadas e Datum SAD 69 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE

Cáritas Brasileira Organização: Muryel Arantes

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Bibliografia

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