viagem ao alto de um ramo - alexandre honrado ao alto de... · lá no alto muda tudo. ... mas não...

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nas bochechas da maçã. Boceja, pede desculpa, pergunta se é de manhã. — Não é tal, já veio a tarde. Já o sol se sossegou. E a lua (podes ver) também já se levantou. Sai a lagarta da maçã, vem um besouro a passar: — Isto são horas de acordar? — Estava-se tão bem ali. Parece que consegui achar sítio para morar. Trepa, trepa, e vai ouvindo, ouve tudo o que se diz. E está próximo do cimo, afinal como ele quis. Lá no alto muda tudo. Há um penedo para ver, um mundo para conhecer. Uma casa acolá, para lá um girassol… E digam que não é boa a vida de um caracol… Alexandre Honrado Viagem ao Alto de um Ramo Porto, AMBAR, 2002 VIAGEM AO ALTO DE UM RAMO VIAGEM AO ALTO DE UM RAMO VIAGEM AO ALTO DE UM RAMO VIAGEM AO ALTO DE UM RAMO Trepa devagar, a arrastar o corpo inteiro. Trepa o raminho, mais parece um arranha-céus, mais parece um arco-íris, lá em baixo um formigueiro. Quem é pequenino, do tamanho de um botão, do tamanho de um segredo pequenino, parece perdido no mundo, num mundo de gigantes. Cá de baixo, as folhas lembram barrigas de elefantes. As flores que abrem são chapéus-de-chuva preguiçosos... Trepa e vai contente, assim feliz por trepar, que no cimo do raminho há muita coisa para ver, muito mais para contar. Mil coisas para olhos curiosos.

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Page 1: Viagem ao alto de um ramo - Alexandre Honrado ao alto de... · Lá no alto muda tudo. ... Mas não se vê de lá o mar ... Tem uma folha que é preciso contornar. Trepar, assim devagar,

nas bochechas da maçã. Boceja, pede

desculpa, pergunta se é de manhã.

— Não é tal, já veio a tarde. Já o sol se

sossegou. E a lua (podes ver)

também já se levantou.

Sai a lagarta da maçã,

vem um besouro a passar:

— Isto são horas de acordar?

— Estava-se tão bem ali.

Parece que consegui

achar sítio para morar.

Trepa, trepa, e vai ouvindo,

ouve tudo o que se diz. E está

próximo do cimo, afinal como ele quis.

Lá no alto muda tudo. Há um penedo para ver,

um mundo para conhecer.

Uma casa acolá, para lá um girassol…

E digam que não é boa a vida de um caracol…

Alexandre Honrado

Viagem ao Alto de um Ramo

Porto, AMBAR, 2002

VIAGEM AO ALTO DE UM RAMOVIAGEM AO ALTO DE UM RAMOVIAGEM AO ALTO DE UM RAMOVIAGEM AO ALTO DE UM RAMO

Trepa devagar, a arrastar o corpo

inteiro. Trepa o raminho, mais

parece um arranha-céus, mais

parece um arco-íris, lá em

baixo um formigueiro.

Quem é pequenino, do tamanho de um

botão, do tamanho de um segredo

pequenino, parece perdido no

mundo, num mundo de gigantes.

Cá de baixo, as folhas lembram

barrigas de elefantes.

As flores que abrem são

chapéus-de-chuva preguiçosos...

Trepa e vai contente, assim feliz

por trepar, que no cimo do raminho

há muita coisa para ver,

muito mais para contar.

Mil coisas para olhos curiosos.

Page 2: Viagem ao alto de um ramo - Alexandre Honrado ao alto de... · Lá no alto muda tudo. ... Mas não se vê de lá o mar ... Tem uma folha que é preciso contornar. Trepar, assim devagar,

Lá no fundo corre um rio,

corre apressado direito ao mar.

Para se ver o rio

é preciso trepar mesmo ao alto do raminho.

Mas não se vê de lá o mar…

Agora há um problema porque o ramo

Tem uma folha que é preciso contornar.

Trepar, assim devagar, é mesmo muito difícil,

difícil até cansar. Vem o vento, abana o ramo.

Credo, que aflição! Quem é mesmo

pequenino vive sempre em desalinho.

Voa o pássaro e observa, espreita com atenção:

— Para onde sobes, amigo?

— Vou ver o céu e o rio e o que mais se pode ver.

Vai o pássaro para o ninho fica o ramo a meio caminho.

Vai devagar, é claro, e já se sente cansado.

Trepar, trepar, trepar.

E o vento, endiabrado, que não pára de soprar.

Chega o ouriço pelo chão, levantando o nariz e diz:

— Boa vista aí do alto?

— Por enquanto é só trepar.

Quando lá chegar ao cimo,

mais terei para te contar.

Trepar, trepar, devagar. Bate-lhe o sol na cabeça.

O tronco, só por desfeita, tem outra folha travessa.

E o vento, turbulento, que não deixa de soprar.

— Queres ajuda, queres que assopre?

— Obrigado, meu amigo.

Mas eu penso que consigo

chegar lá sem a tua ajuda.

A borboleta dá pinotes,

mostra as cores todas que tem.

Se usasse laçarotes, talvez lhe ficassem bem…

— Boa viagem, boa subida.

Queres uma asa emprestada? —

diz a borboleta colorida

descarada, ladina e muito atrevida.

— Cá vou na subida, não preciso da

tua asa. E o mais que me faltar

tenho eu aqui em casa.

Trepa, faz mais um esforço.

Evita as folhas do caminho.

Passear devagarinho

Também tem as suas grandezas.

Vem a joaninha, janota, faz chacota da subida.

Mostra as pintas, tão negrinhas,

parece a noite às bolinhas:

— Trepa, trepa. Se calhar, um dia hás-de chegar.

— Trepo, trepo. Se calhar, hoje mesmo vou chegar.

Já se vê uma maçã, aqui mesmo

deste lado. Subir, assim, sossegado,

deixa ver muitas belezas. Vem uma lagarta,