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Lex Humana (Petrópolis, nº 1, 2009, p. 250) www.ucp.br

O CONTROLE DO PODER E A IDÉIA DE CONSTITUIÇÃO1*

Pedro de Oliveira Coutinho

3. Introdução

Os revolucionários franceses fizeram constar de sua Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão que uma sociedade onde não haja a separação de poderes e não se estabeleçam garantias dos direitos não tem Constituição.2 Essa visão histórica, que veio a ensejar o dogma da separação dos poderes, representava uma tomada de posição firme contra o absolutismo, por meio de uma atitude “iluminista anti-historicista” que procurava romper com a tradição.3 Foi preciso ter sob a ótica uma determinada concepção de constituição, que se pode dizer substancial.

A idéia que se defende nesse texto tem uma origem diversa dessa herança voluntarista, aproximando-se das idéias inerentes à tradição do constitucionalismo inglês e norte-americano. Sem pretender estabelecer um novo dogma, nos inspiramos nessa máxima revolucionária para estabelecer que no constitucionalismo contemporâneo a idéia de uma Constituição só tem sentido quando ela estabelece um sistema de controle do poder.

Para apresentar as bases de tal pensamento, é preciso antes fixar premissas que possam delimitar o objeto da assertiva, e assim evitar eventuais incongruências e contestações. Tais premissas referem-se ao estabelecimento do tipo de constituição de que se está a tratar, qual o poder que se pretende controlar, e, finalmente, o que vem a significar o controle desse poder. Só 1 * Trabalho apresentado no curso de Mestrado em Direito Público da Universidade do Estado do Rio de Janeiro na disciplina Teoria da Constituição, ministrada pelo professor Paulo Braga Galvão.2 Art.16. “Toda sociedade na qual não não esteja assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes não tem constituição” Apud in CAETANO, Marcelo. Direito Constitucional, vol. I. Rio de Janeiro: Forense. 1977, p.238. 3 PALOMBELLA, Gianluigi. Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes. 2005, p. 38.

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então será possível atentar para as formas com que se estabelece esse controle na Constituição, em especial na Constituição Brasileira.

2. Definindo algumas premissas

2.1 A constituição como Lei Fundamental do Estado Contemporâneo

Para estabelecer nosso conceito de Constituição é preciso afastar o termo dos vários sentidos possíveis do vocábulo, situando-o no campo do Direito4. Ainda assim, existe uma genérica compreensão jurídica do fenômeno Constituição que é empregada quando se afirma que todo Estado possui Constituição, entendido o Estado como a sociedade politicamente organizada. Assim é que o professor Charles Howard McIlwain trata do constitucionalismo antigo e moderno, examinando experiências da Antigüidade.5 Essas concepções enxergam a constituição como o “conjunto institucional do Estado, a sua forma, o seu governo, em suma, todo o complexo normativo e costumeiro referente ao poder político organizado de uma determinada nação.”6 McIlwain assim se refere à expressão grega politeia:

Significa sobre todo el estado como es en la realidad. Es un término que comprende todas las innumerables características que determinam la naturaleza peculiar de un estado, incluyendo el conjunto de su estructura económica y social, así como lo referente a las cuestiones de su gobierno,

4 Cf. SILVA, José Afonso da. 23ª ed. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Malheiros, 2004, p.37, onde constam outros sentidos da palavra constituição, como compleição do corpo humano ou o conjunto de elementos essenciais de alguma coisa; V. também MCILWAIN, Charles Howard, Constitucionalismo Antiguo y Moderno, Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1991, p.41.5 Op. cit. Existe, contudo, uma visão do constitucionalismo antigo como aquele que teria se formado desde fins da Idade Média até o século XVIII, sem incluir a Antigüidade. Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e T eoria da Constituição. 2 ed. Coimbra: Almedina. 1998. p.46.6 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Direito Constitucional: Teoria da Constituição. As Constituições do Brasil. Rio de Janeiro: Forense. 1976. p. 113.

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en el sentido moderno más estricto en que hoy las entendemos. Se trata de un término puramente descriptivo, comprensivo en su significado de las mismas cosas que incluímos en la palabra ‘constitución’, cuando hablamos en términos generales de la constitución de un hombre o de la matéria.7

Essa é a noção de constituição no sentido material, assim definida pelo professor J. H. Meirelles Teixeira:

Em sentido material, vimos que o Estado se manifesta como unidade de poder, e que este deve ser exercido por alguém, segundo certas regras ou métodos, com determinados limites, tendo em vista fins preestabelecidos. Donde todo Estado existir de um certo modo, assumir uma certa fisionomia, uma certa forma, características próprias, e a esse modo de ser de cada Estado denominamos ‘Constituição’. Nesse sentido, todo Estado terá sua Constituição.8

7 Op. cit. p.45-46. Em tradução livre: “Significa sobretudo o estado como é na realidade. É um termo que compreende todas as inumeráveis características que determinam a natureza peculiar de um estado, incluindo o conjunto de sua estrutura econômica e social, assim como o referente às questões de seu governo, no sentido moderno mais restrito em que hoje as entendemos. Se trata de um termo puramente descritivo, compreensivo em seu significado das mesmas coisas que incluímos na palavra ‘constituição’, quando falamos em termos gerais da constituição de um homem ou da matéria”. Uma outra distinção importante pode ser acrescentada: “Portanto, parece justificado afirmar que, no mundo antigo, a Constituição não tem o status formal que passa a ter nos Estados modernos. Isso não é falso na medida em que ela não é a norma superior do direito público do Estado e, como tal, fundadora e produtora de outras normas jurídicas destinadas a regular a vida política, mas o próprio ser da existência e do funcionamento da Cidade-Estado: sua substancialidade própria.” GOYARD-FABRE, Simone. O que é Democracia. Trad. Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes. 2003. p. 45.8 TEIXEIRA, J. H. Meirelles. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 42. No mesmo sentido: BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 9 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 63. Corresponde, assim, à constituição real e efetiva de que trata Ferdinand Lassale ao tratar da existência dos fatores reais do poder, cf. in A Essência da Constituição. 3 ed. (sem indicação de tradutor) Rio de Janeiro: Líber Juris, 1995. p.47. Com idêntico sentido, mas denominando esse conceito como formal e

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Lex Humana (Petrópolis, nº 1, 2009, p. 253) www.ucp.br

Definitivamente, não é dessa Constituição que nós estamos tratando quando investigamos a sentença posta no início desse trabalho. Interessa-nos o estudo da Constituição já sob o influxo do fenômeno do constitucionalismo,9 ou constitucionalismo moderno, que caracteriza o movimento surgido no século XVIII e que veio a tornar possível o conjunto de constituições do mundo ocidental contemporâneo. Pois foi justamente por meio dos ideais do liberalismo político, caracterizado pela busca de contenção do poder absoluto do soberano – não o liberalismo econômico10 -, que o fenômeno constitucional ganhou expressão na Europa e nas Américas. A Constituição não será apenas a forma de organização do Estado, mas a sua limitação em favor dos direitos do povo.11

Se é verdade, como afirma Nelson Saldanha, que na Idade Média abstrato: ENTERRÍA, Eduardo García de. La Constitucion como Norma y el Tribunal Constitucional. 3 ed. 3 reimp. Madrid: Civitas. 1994. p.43; já sob a denominação de conceito “empírico-descritivo”: CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2 ed. Coimbra: Almedina, 1998. p.1003. Apresentando versões ampla, média e restrita de constituição material, sendo a ampla aquela aqui referida: MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002. pp.214. Uma visão bem distinta é apresentada em KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 247: “A Constituição é aqui entendida num sentido material, quer dizer: com esta palavra significa-se a norma positiva ou as normas positivas através das quais é regulada a produção das normas jurídicas gerais.”9 TEIXEIRA, J. H. Meirelles. Op. cit. p. 444: “Evidentemente, e como bem acentua Valle Pascual, o que denominamos hoje ‘constitucionalismo’ é uma fase histórico-política, a fase moderna do Direito Constitucional, pois só o Estado moderno, após a Revolução Francesa e norte-americana (já, portanto, em fins do século XVIII), apresenta-se como Estado constitucional. Melhor, portanto, a seu ver, chamá-lo ‘Estado liberal’, ou ‘Estado de direito’, para caracterizá-lo como reação contra o absolutismo.” No mesmo sentido: BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 15.10 O liberalismo político está preocupado com a garantia dos direitos e liberdades fundamentais, enquanto que o econômico preocupa-se basicamente com a não intervenção do Estado na área econômica. Cf. SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Teoria constitucional e democracia deliberativa: um estudo sobre o papel do direito na garantia das condições para a cooperação na deliberação democrática. Rio de Janeiro: Renovar, p. 21.11 Entendido o termo aqui em um sentido restrito, dado que nesse período havia escravidão, as classes trabalhadoras praticamente não tinham direitos e as mulheres não gozavam de situação de igualdade.

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