vernant, jean-pierre - o universo, os deuses, os homens (redux)(paginado).pdf

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  • P G CEGOS C ONTAD OS P O'Rll nP X/PU}..A}.I'T

    MlnNFiIA

  • II'sz,':3 -, ?5

    Copyright i999 ditions du Senil

    Coleo La Librairie du xlf Sicle

    Dirigidapor Maurice Ofender

    Tttib originalL'univers, les dieux, les hommes

    [email protected] Baptistada CostaAguiar ' ? : :'sobre oferenda, mrmore, c= 65o aC., cabade Posidon(ou Zeus),bronze, c 460-50 aC tisode um templo de Apoio, mmiore, c. 420-10 aC.

    Rwiso dos temos gregosFilomenaYoshie Hirata

    Preparao

    RosemaryLima

    Rwso

    Maysa MonoAna MariaAlvares

    Cardos Alberto Iada

    !

    Sumrio

    \

    DEDALUS - Acervo - FFLCH

    @lHIHMMlll@8HI20900001 735

    Introduo 9

    i7

    i8

    20

    z3

    z6

    Dados Internacionais de Catalogao Da Publicao(cip)(Cmara Brasileira do Lido, sp, Bruil)

    Vemant, mean-Pierve

    O universo, os deusa, os homens/ mean-Pierre Vemant ;

    traduo Rosa Freira d'Aluiu. -- So Paulo : Companhia dasLevas 2000.

    Ttulo original; L'univerb les dieux, les homnes-

    SBN 85-7i64-986-3

    L Civilizao clssica 2. Mito 3. Mitlogia grega 1. Ttulo.

    coo-agz.i3o0-101}

    A origem do universo...-....................

    Nas proflindezas da Tara: o Abismo

    A castrao de Urarzo ..

    .A ferra, o espao) o cet/....''.-'''''''-''....

    Discrdia eAmor

    ndio pam catlogo sistemtico:L Mitologia grega : Religio dssla. 29zi3z. Mitos Pegas : Religio clssica 2gzl3

    Guerra dos deuses, reinado de Zeus ..

    No ven tepaterno . . . . . . .Um alimento de imoNalade . . .....

    A sobas/za de deus ......- ..... ......4s mfzcm dopada'

    Me universal e Caos ......'...'''.'''.

    Ton ou a crise do poder supremo.

    Vitria colzfra os Gigantes.. . . ..... . ...

    Os.autos e/7neros . .....'-..''''. ....' '--..

    z8

    3o

    3z

    36

    39

    4t

    44

    47

    49

    lzoos]

    Todos os direitos desta edio reservados EDITORA SCHWARCZ INDA.

    Rua Bandeira Paulista 7o% q. 3zo453z-ooz -- So Paulo -- spTelefone (n) 3707-35ooFax (u) 3707-35oiwww.companhiadasleas.com.br

  • II'sz,':3 -, ?5

    Copyright i999 ditions du Senil

    Coleo La Librairie du xlf Sicle

    Dirigidapor Maurice Ofender

    Tttib originalL'univers, les dieux, les hommes

    [email protected] Baptistada CostaAguiar ' ? : :'sobre oferenda, mrmore, c= 65o aC., cabade Posidon(ou Zeus),bronze, c 460-50 aC tisode um templo de Apoio, mmiore, c. 420-10 aC.

    Rwiso dos temos gregosFilomenaYoshie Hirata

    Preparao

    RosemaryLima

    Rwso

    Maysa MonoAna MariaAlvares

    Cardos Alberto Iada

    !

    Sumrio

    \

    DEDALUS - Acervo - FFLCH

    @lHIHMMlll@8HI20900001 735

    Introduo 9

    i7

    i8

    20

    z3

    z6

    Dados Internacionais de Catalogao Da Publicao(cip)(Cmara Brasileira do Lido, sp, Bruil)

    Vemant, mean-Pierve

    O universo, os deusa, os homens/ mean-Pierre Vemant ;

    traduo Rosa Freira d'Aluiu. -- So Paulo : Companhia dasLevas 2000.

    Ttulo original; L'univerb les dieux, les homnes-

    SBN 85-7i64-986-3

    L Civilizao clssica 2. Mito 3. Mitlogia grega 1. Ttulo.

    coo-agz.i3o0-101}

    A origem do universo...-....................

    Nas proflindezas da Tara: o Abismo

    A castrao de Urarzo ..

    .A ferra, o espao) o cet/....''.-'''''''-''....

    Discrdia eAmor

    ndio pam catlogo sistemtico:L Mitologia grega : Religio dssla. 29zi3z. Mitos Pegas : Religio clssica 2gzl3

    Guerra dos deuses, reinado de Zeus ..

    No ven tepaterno . . . . . . .Um alimento de imoNalade . . .....

    A sobas/za de deus ......- ..... ......4s mfzcm dopada'

    Me universal e Caos ......'...'''.'''.

    Ton ou a crise do poder supremo.

    Vitria colzfra os Gigantes.. . . ..... . ...

    Os.autos e/7neros . .....'-..''''. ....' '--..

    z8

    3o

    3z

    36

    39

    4t

    44

    47

    49

    lzoos]

    Todos os direitos desta edio reservados EDITORA SCHWARCZ INDA.

    Rua Bandeira Paulista 7o% q. 3zo453z-ooz -- So Paulo -- spTelefone (n) 3707-35ooFax (u) 3707-35oiwww.companhiadasleas.com.br

  • No tribunal do Olimpo ................Um ma! sem remdio ......'''''''''''..

    A idade de ouro: homens e deuses

    Dioniso em bebas.......''''.'''''.'.. ..'...--''''''-''''-'.

    Ezropa vagabzi?zda...................................

    Estrangeiro e autctones...... - .A coxa uterina..........................................

    Sacerdote {tineran te e mulheres selvagens

    " Eu o vi me vendo" .

    Recusa do outro, identidade perdida ........

    z44

    i45

    i48

    i5o

    i5z

    i56

    i6o

    4t O mundo dos humanos ......-'--'--'--Prometeu, o ardilosa .....

    Uma partida de xadrez ..............-.

    Um fogo mortal............................

    Pandora ou a itweno da mulher.

    O tempo qzepa:ssa ........................

    dipo, o inoportuno ..........-...-......Geraes 17zancas...... ." Um suposto filho" .z4zzdc sinistra ......' '''..'' '''''-.

    " Teuspais no eram teus paio" .

    O ho?neta: trs etn u7n ......'''''..

    Os$thos de dito.................-..Um meteco o$tctat ...............-...

    i6z

    i64i66

    i68

    i73

    i75

    i77

    i79

    #.A guerra de Traia.......O casamento de Peles .... . . .

    Trs deusas diante de uma ma de ouro.

    Helena, culpada ou inocente?................-

    Morferjovem, sobreviver na glria . . . . . . . ..

    Ulisses ou a aventura humana ..................

    Na terra do esquecimento...........

    O Ningum Ulisses diante do Ciclone.Idlio com Cice......' .......................Os se77z-rzo??ze, os set7z--Tosta ..... .. ..--- ...

    A ilha de Calipso......----- ---- -----.Um paraso em miniatura .................Impossvel esquecimen to ....................Nzz e tzvisveZ......................................

    Um mendigo ambguo ......''''' -'''--' ..Uma cicatriz assinada Ulisses ...

    Rtesar o arco soberano ......-''.''''.-' '.'''.

    Um segredo compartilhado .. . . . . . . .. . . . . . .

    Opresenfe reencontrado .... .. '' '' ''' ''- ''..

    98

    100

    102

    io6

    112

    n8

    n9

    122

    iz9

    i33

    l36

    i4o

    i4z

    Perdeu, a morte, a imagem ...Nascimento dePerseu . ..

    conda s Grgorzm...A beleza deAndrmeda.

    i8i

    i8i

    i83

    i89

    Glossrio i93

  • No tribunal do Olimpo ................Um ma! sem remdio ......'''''''''''..

    A idade de ouro: homens e deuses

    Dioniso em bebas.......''''.'''''.'.. ..'...--''''''-''''-'.

    Ezropa vagabzi?zda...................................

    Estrangeiro e autctones...... - .A coxa uterina..........................................

    Sacerdote {tineran te e mulheres selvagens

    " Eu o vi me vendo" .

    Recusa do outro, identidade perdida ........

    z44

    i45

    i48

    i5o

    i5z

    i56

    i6o

    4t O mundo dos humanos ......-'--'--'--Prometeu, o ardilosa .....

    Uma partida de xadrez ..............-.

    Um fogo mortal............................

    Pandora ou a itweno da mulher.

    O tempo qzepa:ssa ........................

    dipo, o inoportuno ..........-...-......Geraes 17zancas...... ." Um suposto filho" .z4zzdc sinistra ......' '''..'' '''''-.

    " Teuspais no eram teus paio" .

    O ho?neta: trs etn u7n ......'''''..

    Os$thos de dito.................-..Um meteco o$tctat ...............-...

    i6z

    i64i66

    i68

    i73

    i75

    i77

    i79

    #.A guerra de Traia.......O casamento de Peles .... . . .

    Trs deusas diante de uma ma de ouro.

    Helena, culpada ou inocente?................-

    Morferjovem, sobreviver na glria . . . . . . . ..

    Ulisses ou a aventura humana ..................

    Na terra do esquecimento...........

    O Ningum Ulisses diante do Ciclone.Idlio com Cice......' .......................Os se77z-rzo??ze, os set7z--Tosta ..... .. ..--- ...

    A ilha de Calipso......----- ---- -----.Um paraso em miniatura .................Impossvel esquecimen to ....................Nzz e tzvisveZ......................................

    Um mendigo ambguo ......''''' -'''--' ..Uma cicatriz assinada Ulisses ...

    Rtesar o arco soberano ......-''.''''.-' '.'''.

    Um segredo compartilhado .. . . . . . . .. . . . . . .

    Opresenfe reencontrado .... .. '' '' ''' ''- ''..

    98

    100

    102

    io6

    112

    n8

    n9

    122

    iz9

    i33

    l36

    i4o

    i4z

    Perdeu, a morte, a imagem ...Nascimento dePerseu . ..

    conda s Grgorzm...A beleza deAndrmeda.

    i8i

    i8i

    i83

    i89

    Glossrio i93

  • Introduo

    Era uma vez.- Esse era o ttulo que inicialmente pensei em dar

    a este livro. Afinal, preferi substitu-lo por outro mais explcito.

    Mas, no incio desta obra, no posso deixar de mencionar a recor-

    dao que o primeiro ttulo evocava e que est na origem dos tex-

    tos que se seguem.

    H um quarto de sculo, quando meu neto era criana e pas-

    sava frias com minha mulher e comigo, estabeleceu-se entre ns

    uma regra to imperiosa quanto o banho e as refeies: toda noite,

    quando chegava a hora de Julien ir para a cama, eu o ouvia me cha-

    mar de seu quarto, quase sempre com impacincia: "Jip, a hist-

    ria, a historial': Eu ia me sentar perto dele e Ihe contava uma lenda

    grega. Encontrava-a facilmente no repertrio de mitos que eu pas-

    sava meu tempo a analisar, destrinchar, comparar, interpretar, a

    fim de tentar compreend-los. Mas os transmitia de outra forma,

    de chofre, como me vinham cabea, maneira de um conto de

    fadas, sem outra preocupao alm de seguir o curso de minha nar-

    rativa do incio ao fiih, o o do relato em sua tenso dramtica: era

    9

  • Introduo

    Era uma vez.- Esse era o ttulo que inicialmente pensei em dar

    a este livro. Afinal, preferi substitu-lo por outro mais explcito.

    Mas, no incio desta obra, no posso deixar de mencionar a recor-

    dao que o primeiro ttulo evocava e que est na origem dos tex-

    tos que se seguem.

    H um quarto de sculo, quando meu neto era criana e pas-

    sava frias com minha mulher e comigo, estabeleceu-se entre ns

    uma regra to imperiosa quanto o banho e as refeies: toda noite,

    quando chegava a hora de Julien ir para a cama, eu o ouvia me cha-

    mar de seu quarto, quase sempre com impacincia: "Jip, a hist-

    ria, a historial': Eu ia me sentar perto dele e Ihe contava uma lenda

    grega. Encontrava-a facilmente no repertrio de mitos que eu pas-

    sava meu tempo a analisar, destrinchar, comparar, interpretar, a

    fim de tentar compreend-los. Mas os transmitia de outra forma,

    de chofre, como me vinham cabea, maneira de um conto de

    fadas, sem outra preocupao alm de seguir o curso de minha nar-

    rativa do incio ao fiih, o o do relato em sua tenso dramtica: era

    9

  • uma vez. - Julien parecia feliz. Eu tambm. Alegrava-me passar-he

    diretamente um pouco desse universo grego ao qual sou afeioado

    e cuja sobrevivncia em cada um de ns me parece, no mundo de

    hoje, mais que nunca necessria. Tambm me alegrava que essa

    herana chegasse at ele oralmente, na forma do que Plato chama

    de fbulas de ama-de-leite, como aquilo que se passa de uma gera-

    o a outra, fora de qualquer ensino oficial, sem transitar pelos

    livros, para formar uma bagagem de comportamentos e saberes

    "fora do texto": regras de boa conduta para falar e agir, bons costu-

    mes, tcnicas corporais, estilos de marcha, corrida, nado, bicicleta,

    escalada...

    Sem dvida, era muita ingenuidade acreditar que, emprestan-

    do toda noite minha voz para contar lendas antigas a uma criana,

    eu contribua para manter viva essa tradio. Mias, convm lembrar,

    era uma poca -- o dos anos 70 -- em que o mito ia de vento empopa. Depois de Dumzil e Lvi-Strauss, a febre dos estudos mito-

    lgicos ganhara um exrcito de helenistas que haviam se lanado

    junto comigo na explorao do mundo lendrio da Grcia antiga. medida que avanvamos e que nossas anlises progrediam, a exis-

    tncia de um pensamento mtico em geral tornava-se mais proble-

    mtica e ramos levados a nos interrogar: o que um mito? Ou,mais

    exatamente, tendo em conta nosso campo de pesquisa: o que um

    mito grego? Um relato, claro. Ainda assim, preciso saber como

    esses relatos se constituram, se estabeleceram, se transmitiram e se

    conservaram. Ora, no caso grego eles s chegaram at ns no m do

    percurso, sob a forma de textos escritos. Os mais antigos desses tex-

    tos pertencem a obras literrias de todos os tipos -- epopia, poesia,tragdia, histria, e mesmo Hosofia --, nas quais, excetuando-se aligada, a Odssa e a Zeogo/zia de Hesodo, quase sempre guramdispersos, de modo 6agmentrio, por vezes alusivo. Foi numa poca

    tardia -- s no incio de nossa era -- que os eruditos reuniram essas

    tradies mltiplas, mais ou menos divergentes, para apresenta-las

    unicadas num mesmo corpo, e guardadas, umas aps as outras,

    como nas prateleiras de uma Biblioteca, para retomar o ttulo que,

    justamente, Apolodoro deu a seu repertrio, transformado num

    dos grandes clssicos no gnero. Assim se construiu o que se con-

    vencionou chamar de mitologia grega.

    4to e mifoZoga so palavras gregas ligadas histria e a certos

    traos dessa civilizao. Deve-se, pois, concluir que fora dessa civi-

    lizao os mitos no so pertinentes, e que o mito e a mitologia s

    existem na forma e no sentido gregos? O contrrio que verdade.

    As lendas helnicas, para serem compreendidas, exigem a compara-

    o com os relatos tradicionais de outros povos, pertencentes a cul-

    turas e pocas muito diferentes, quer se trate da China, da ndia, do

    Oriente Mdio antigos, da Amrica pr-colombiana ou da .ica.

    Se a comparao se imps, foi porque essas tradies narrativas, por

    mais diferentes que fossem, apresentavam entre si e em relao ao

    caso grego sucientes pontos em comum para que umas e outras

    fossem aparentadas. Claude Lvi-Strauss poder afirmar, como que

    constatando o bvio, que um mito, de onde quer que venha, reco-

    nhecido de imediato pelo que ele , sem que se corra o risco de con-

    fundi-lo com outras formas de relato. Na verdade, bem ntida a

    distncia com o relato histrico que, na Grcia, de certa forma se

    formou corzfra o mito, na medida em que quis ser a relao exata de

    acontecimentos bastante prximos no tempo para que testemu-

    nhas dveis fossem capazes de atesta-los. Quanto ao relato literrio,

    trata-se de pura aco que se apresenta abertamente como tal, e cuja

    qualidade resulta antes de mais nada do talento e da competncia de

    quem o criou. Esses dois tipos de relato so normalmente atribu-

    dos a um autor, que assume a responsabilidade do texto e o comu-

    nica com o seu nome, por escrito, a um pblico de leitores.

    &.'10

  • uma vez. - Julien parecia feliz. Eu tambm. Alegrava-me passar-he

    diretamente um pouco desse universo grego ao qual sou afeioado

    e cuja sobrevivncia em cada um de ns me parece, no mundo de

    hoje, mais que nunca necessria. Tambm me alegrava que essa

    herana chegasse at ele oralmente, na forma do que Plato chama

    de fbulas de ama-de-leite, como aquilo que se passa de uma gera-

    o a outra, fora de qualquer ensino oficial, sem transitar pelos

    livros, para formar uma bagagem de comportamentos e saberes

    "fora do texto": regras de boa conduta para falar e agir, bons costu-

    mes, tcnicas corporais, estilos de marcha, corrida, nado, bicicleta,

    escalada...

    Sem dvida, era muita ingenuidade acreditar que, emprestan-

    do toda noite minha voz para contar lendas antigas a uma criana,

    eu contribua para manter viva essa tradio. Mias, convm lembrar,

    era uma poca -- o dos anos 70 -- em que o mito ia de vento empopa. Depois de Dumzil e Lvi-Strauss, a febre dos estudos mito-

    lgicos ganhara um exrcito de helenistas que haviam se lanado

    junto comigo na explorao do mundo lendrio da Grcia antiga. medida que avanvamos e que nossas anlises progrediam, a exis-

    tncia de um pensamento mtico em geral tornava-se mais proble-

    mtica e ramos levados a nos interrogar: o que um mito? Ou,mais

    exatamente, tendo em conta nosso campo de pesquisa: o que um

    mito grego? Um relato, claro. Ainda assim, preciso saber como

    esses relatos se constituram, se estabeleceram, se transmitiram e se

    conservaram. Ora, no caso grego eles s chegaram at ns no m do

    percurso, sob a forma de textos escritos. Os mais antigos desses tex-

    tos pertencem a obras literrias de todos os tipos -- epopia, poesia,tragdia, histria, e mesmo Hosofia --, nas quais, excetuando-se aligada, a Odssa e a Zeogo/zia de Hesodo, quase sempre guramdispersos, de modo 6agmentrio, por vezes alusivo. Foi numa poca

    tardia -- s no incio de nossa era -- que os eruditos reuniram essas

    tradies mltiplas, mais ou menos divergentes, para apresenta-las

    unicadas num mesmo corpo, e guardadas, umas aps as outras,

    como nas prateleiras de uma Biblioteca, para retomar o ttulo que,

    justamente, Apolodoro deu a seu repertrio, transformado num

    dos grandes clssicos no gnero. Assim se construiu o que se con-

    vencionou chamar de mitologia grega.

    4to e mifoZoga so palavras gregas ligadas histria e a certos

    traos dessa civilizao. Deve-se, pois, concluir que fora dessa civi-

    lizao os mitos no so pertinentes, e que o mito e a mitologia s

    existem na forma e no sentido gregos? O contrrio que verdade.

    As lendas helnicas, para serem compreendidas, exigem a compara-

    o com os relatos tradicionais de outros povos, pertencentes a cul-

    turas e pocas muito diferentes, quer se trate da China, da ndia, do

    Oriente Mdio antigos, da Amrica pr-colombiana ou da .ica.

    Se a comparao se imps, foi porque essas tradies narrativas, por

    mais diferentes que fossem, apresentavam entre si e em relao ao

    caso grego sucientes pontos em comum para que umas e outras

    fossem aparentadas. Claude Lvi-Strauss poder afirmar, como que

    constatando o bvio, que um mito, de onde quer que venha, reco-

    nhecido de imediato pelo que ele , sem que se corra o risco de con-

    fundi-lo com outras formas de relato. Na verdade, bem ntida a

    distncia com o relato histrico que, na Grcia, de certa forma se

    formou corzfra o mito, na medida em que quis ser a relao exata de

    acontecimentos bastante prximos no tempo para que testemu-

    nhas dveis fossem capazes de atesta-los. Quanto ao relato literrio,

    trata-se de pura aco que se apresenta abertamente como tal, e cuja

    qualidade resulta antes de mais nada do talento e da competncia de

    quem o criou. Esses dois tipos de relato so normalmente atribu-

    dos a um autor, que assume a responsabilidade do texto e o comu-

    nica com o seu nome, por escrito, a um pblico de leitores.

    &.'10

  • O estatuto do mito totalmente outro. Ele se apresenta como

    um relato vindo do fim dos tempos e que j existiria antes que um

    contador qualquer iniciasse sua narrao. Nesse sentido, o relato

    mtico no resulta da inveno individual nem da fantasia criado-

    ra, mas da transmisso e da memria. Esse lao nfimo e funcional

    com a memorizao aproxima o mito da poesia, que, originaria-

    mente, em suas manifestaes mais antigas, pode se confundir com

    o processo de elaborao mtica. A esse respeito, o caso da epopiahomrica exemplar. Para tecer seus relatos sobre as aventuras de

    heris lendrios, a epopia opera primeiro como poesia oral, com-

    posta e cantada diante dos ouvintes por geraes sucessivas de

    aedos inspirados pela deusa Memria(4rzemoVne). S mais tarde

    que ser objeto de uma redao, cujo objetivo estabelecer e fixaro texto ocial.

    Ainda hoje, um poema s existe se for dito; preciso conhec-

    lo de cor e, para dar-lhe vida, recita-lo para si mesmo com as pala-

    vras silenciosas da recitao interior. O mito tambm s vive se for

    contado, de gerao em gerao, na vida cotidiana. Do contrrio,

    sendo relegado ao fundo das bibliotecas, imobilizado na forma de

    textos, acaba se tornando uma referncia erudita para uma elite de

    leitores especializados em mitologia.

    Memria, oralidade, tradio: so essas as condies de exis-

    tncia e sobrevncia do mito. Elas Ihe impem certos traos carac-

    tersticos, que aparecem mais claramente se se prossegue a compa-

    rao entre atividade potica e atividade mtica. O papel que,respectivamente, a palavra desempenha em cada uma dessas ativi-

    dades evidencia uma diferena essencial entre ambas. Desde que no

    Ocidente, com os trovadores, a poesia se tornou autnoma, e que se

    separou no s dos grandes relatos mticos mas tambm da msica

    que a acompanhara at o sculo xlv, ela fomiou um campo espec-

    fico de expresso da linguagem.A partir de ento, cada poema cons-

    titui uma construo singular, muito complexa, obviamente polis-

    smica, mas to estritamente organizada, to ligada entre suas dife-

    rentes partes e em todos os seus nveis, que deve ser memorizada e

    recitada desse modo, sem nenhuma omisso ou mudana. O poema

    permanece idntico em todas as declamaes que, no espao e no

    tempo, o atualizam. A palavra que d vida ao texto potico, para um

    pblico de ouvintes ou, privadamente, para a prpria pessoa, uma

    figura nica e imutvel. Um termo modicado, um verso saltado,um ritmo deasado, e todo o edifcio do poema vem abaixo.

    O relato mtico, por sua vez, no apenas, como o texto poti-

    co, polissmico em si mesmo, por seus planos mltiplos de signifi-

    cao. No est fixado numa forma denitiva. Sempre comporta

    variantes, verses mltiplas que o narrador tem sua disposio, e

    que escolhe em funo das circunstncias, de seu pblico ou de suas

    preferncias, podendo cortar, acrescentar e modificar o que Ihe

    parecer conveniente. Enquanto uma tradio oral de lendas estiver

    viva, enquanto permanecer em contato com os m)dos de pensar e

    os costumes de um grupo, ela se modificar: o relato ficar parcial-

    mente aberto inovao. Quando o mitlogo especialista em An-

    tiguidade encontra uma lenda j fossilizada em textos literrios ou

    eruditos, como afirmei para o caso grego, se quiser decift-la corre-

    tamente ter de alargar sua pesquisa, passo a passo. Primeiro, de

    uma de suas verses a todas as outras, por menores que sejam, sbre

    o mesmo tema; depois, a outros relatos mticos prximos ou distan-

    tes, e at mesmo a outros textos que pertenam a setoes distintos da

    mesma cultura -- literrios, cientcos, polticos, filoscos; final-

    mente, a narraes mais ou menos. similares de civilizaes distan-

    tes. Na verdade, o que interessa ao historiador e ao antroplogo o

    pano de fundo intelectual evidenciado pelo fio da narrao, o qua-

    dro em que est tecido, o que s pode ser detectado pela compara-

    o dos relatos, pelo jogo entre suas diferenas e semelhanas. De

    12 i3

  • O estatuto do mito totalmente outro. Ele se apresenta como

    um relato vindo do fim dos tempos e que j existiria antes que um

    contador qualquer iniciasse sua narrao. Nesse sentido, o relato

    mtico no resulta da inveno individual nem da fantasia criado-

    ra, mas da transmisso e da memria. Esse lao nfimo e funcional

    com a memorizao aproxima o mito da poesia, que, originaria-

    mente, em suas manifestaes mais antigas, pode se confundir com

    o processo de elaborao mtica. A esse respeito, o caso da epopiahomrica exemplar. Para tecer seus relatos sobre as aventuras de

    heris lendrios, a epopia opera primeiro como poesia oral, com-

    posta e cantada diante dos ouvintes por geraes sucessivas de

    aedos inspirados pela deusa Memria(4rzemoVne). S mais tarde

    que ser objeto de uma redao, cujo objetivo estabelecer e fixaro texto ocial.

    Ainda hoje, um poema s existe se for dito; preciso conhec-

    lo de cor e, para dar-lhe vida, recita-lo para si mesmo com as pala-

    vras silenciosas da recitao interior. O mito tambm s vive se for

    contado, de gerao em gerao, na vida cotidiana. Do contrrio,

    sendo relegado ao fundo das bibliotecas, imobilizado na forma de

    textos, acaba se tornando uma referncia erudita para uma elite de

    leitores especializados em mitologia.

    Memria, oralidade, tradio: so essas as condies de exis-

    tncia e sobrevncia do mito. Elas Ihe impem certos traos carac-

    tersticos, que aparecem mais claramente se se prossegue a compa-

    rao entre atividade potica e atividade mtica. O papel que,respectivamente, a palavra desempenha em cada uma dessas ativi-

    dades evidencia uma diferena essencial entre ambas. Desde que no

    Ocidente, com os trovadores, a poesia se tornou autnoma, e que se

    separou no s dos grandes relatos mticos mas tambm da msica

    que a acompanhara at o sculo xlv, ela fomiou um campo espec-

    fico de expresso da linguagem.A partir de ento, cada poema cons-

    titui uma construo singular, muito complexa, obviamente polis-

    smica, mas to estritamente organizada, to ligada entre suas dife-

    rentes partes e em todos os seus nveis, que deve ser memorizada e

    recitada desse modo, sem nenhuma omisso ou mudana. O poema

    permanece idntico em todas as declamaes que, no espao e no

    tempo, o atualizam. A palavra que d vida ao texto potico, para um

    pblico de ouvintes ou, privadamente, para a prpria pessoa, uma

    figura nica e imutvel. Um termo modicado, um verso saltado,um ritmo deasado, e todo o edifcio do poema vem abaixo.

    O relato mtico, por sua vez, no apenas, como o texto poti-

    co, polissmico em si mesmo, por seus planos mltiplos de signifi-

    cao. No est fixado numa forma denitiva. Sempre comporta

    variantes, verses mltiplas que o narrador tem sua disposio, e

    que escolhe em funo das circunstncias, de seu pblico ou de suas

    preferncias, podendo cortar, acrescentar e modificar o que Ihe

    parecer conveniente. Enquanto uma tradio oral de lendas estiver

    viva, enquanto permanecer em contato com os m)dos de pensar e

    os costumes de um grupo, ela se modificar: o relato ficar parcial-

    mente aberto inovao. Quando o mitlogo especialista em An-

    tiguidade encontra uma lenda j fossilizada em textos literrios ou

    eruditos, como afirmei para o caso grego, se quiser decift-la corre-

    tamente ter de alargar sua pesquisa, passo a passo. Primeiro, de

    uma de suas verses a todas as outras, por menores que sejam, sbre

    o mesmo tema; depois, a outros relatos mticos prximos ou distan-

    tes, e at mesmo a outros textos que pertenam a setoes distintos da

    mesma cultura -- literrios, cientcos, polticos, filoscos; final-

    mente, a narraes mais ou menos. similares de civilizaes distan-

    tes. Na verdade, o que interessa ao historiador e ao antroplogo o

    pano de fundo intelectual evidenciado pelo fio da narrao, o qua-

    dro em que est tecido, o que s pode ser detectado pela compara-

    o dos relatos, pelo jogo entre suas diferenas e semelhanas. De

    12 i3

  • fato, aplicam-se s diversas mitologias as observaes que Jacques

    Roubaud formula de modo muito feliz sobre os poemas homricos

    e seu elemento lendrio: "Eles no so apenas relatos. Contm o

    tesouro de pensamentos, formas lingusticas, imaginaes cosmo-

    lgicas, preceitos morais etc. que constituem a herana comum dos

    gregos na poca pr-clssica':*

    Em seu trabalho de escavao para trazer tona esses "tesou-

    ros" subjacentes, essa herana comum dos gregos, o pesquisador

    tem s vezes um sentimento de frustrao, como se, durante a pes-

    quisa, tivesse perdido de vista o "prazer extremo" com que La

    Fontaine se deliciava antecipadamente "se reze de As?zo Ihe fosse

    contada't Em meu caso, eu teria enterrado, sem maiores arrependi-

    mentos, esse prazer do relato que evoquei nas primeiras linhas

    desta introduo se, a um quarto de sculo de distncia, na mesma

    linda ilha onde dividi com Julien as frias e as narraes, amigos

    no me tivessem um dia pedido para lhes contar os mitos gregos

    Contei. Ento, incitaram-me -- com bastante insistncia, a pontode me convencer -- a deixar por escrito o que lhes havia narrado.No foi fcil. Da palavra ao texto a passagem muito complicada.

    No s porque a escrita ignora o que d substncia e vida ao relato

    oral: a voz, o tom, o ritmo, o gesto. Mas tambm porque, por trs

    dessas formas de expresso, h dois estilos diferentes de pensamen -

    to. Quando se reproduz em papel uma interveno oral, tal qual oi

    dita, o texto no se sustenta. Inversamente, quando primeiro se

    redige o texto, sua leitura em voz alta no engana ningum: ele no

    6oi feito para ser ouvido pela platia; exterior oralidade. A essa

    primeira dificuldade -- escrever como se fa -- acrescentam-sevrias outras. Primeiro, preciso escolher uma verso, ou seja, dei-

    xar de lado as variantes, apaga-las, reduzi-las ao silncio. E, no pr-

    prio modo de contar a verso escolhida, o narrador intervm pes-

    soalmente e se faz intrprete justamente porque no existe um

    modelo definitivo do roteiro mtico que ele expe. Alm disso,

    como o pesquisador poderia esquecer, quando se torna contador,

    que tambm um erudito em busca da base intelectual dos mitos e

    que, em seu relato, injetar os signicados cujo peso ele avaliou emestudos anteriores?

    Eu no desconhecia esses obstculos nem esses perigos. No

    entanto, dei o passo. Tentei contar como se a tradio desses mitos

    ainda pudesse se perpetuar. Essa voz que outrora, por sculos a o,se dirigia diretamente aos ouvintes gregos, e que se calou: eu gosta-

    ria que ela fosse novamente ouvida pelos leitores de hoje, e que, em

    certas pginas deste livro, se tive xito, ela continue a ressoar comoum eco.

    '. Jacques Roubaud, Pose, mmore, Zecture, Paras-Tubingen, Eggingen, Edies

    lsele, colao Les Conrences du Divan, 1998, p. lO.

    i4 i5

  • fato, aplicam-se s diversas mitologias as observaes que Jacques

    Roubaud formula de modo muito feliz sobre os poemas homricos

    e seu elemento lendrio: "Eles no so apenas relatos. Contm o

    tesouro de pensamentos, formas lingusticas, imaginaes cosmo-

    lgicas, preceitos morais etc. que constituem a herana comum dos

    gregos na poca pr-clssica':*

    Em seu trabalho de escavao para trazer tona esses "tesou-

    ros" subjacentes, essa herana comum dos gregos, o pesquisador

    tem s vezes um sentimento de frustrao, como se, durante a pes-

    quisa, tivesse perdido de vista o "prazer extremo" com que La

    Fontaine se deliciava antecipadamente "se reze de As?zo Ihe fosse

    contada't Em meu caso, eu teria enterrado, sem maiores arrependi-

    mentos, esse prazer do relato que evoquei nas primeiras linhas

    desta introduo se, a um quarto de sculo de distncia, na mesma

    linda ilha onde dividi com Julien as frias e as narraes, amigos

    no me tivessem um dia pedido para lhes contar os mitos gregos

    Contei. Ento, incitaram-me -- com bastante insistncia, a pontode me convencer -- a deixar por escrito o que lhes havia narrado.No foi fcil. Da palavra ao texto a passagem muito complicada.

    No s porque a escrita ignora o que d substncia e vida ao relato

    oral: a voz, o tom, o ritmo, o gesto. Mas tambm porque, por trs

    dessas formas de expresso, h dois estilos diferentes de pensamen -

    to. Quando se reproduz em papel uma interveno oral, tal qual oi

    dita, o texto no se sustenta. Inversamente, quando primeiro se

    redige o texto, sua leitura em voz alta no engana ningum: ele no

    6oi feito para ser ouvido pela platia; exterior oralidade. A essa

    primeira dificuldade -- escrever como se fa -- acrescentam-sevrias outras. Primeiro, preciso escolher uma verso, ou seja, dei-

    xar de lado as variantes, apaga-las, reduzi-las ao silncio. E, no pr-

    prio modo de contar a verso escolhida, o narrador intervm pes-

    soalmente e se faz intrprete justamente porque no existe um

    modelo definitivo do roteiro mtico que ele expe. Alm disso,

    como o pesquisador poderia esquecer, quando se torna contador,

    que tambm um erudito em busca da base intelectual dos mitos e

    que, em seu relato, injetar os signicados cujo peso ele avaliou emestudos anteriores?

    Eu no desconhecia esses obstculos nem esses perigos. No

    entanto, dei o passo. Tentei contar como se a tradio desses mitos

    ainda pudesse se perpetuar. Essa voz que outrora, por sculos a o,se dirigia diretamente aos ouvintes gregos, e que se calou: eu gosta-

    ria que ela fosse novamente ouvida pelos leitores de hoje, e que, em

    certas pginas deste livro, se tive xito, ela continue a ressoar comoum eco.

    '. Jacques Roubaud, Pose, mmore, Zecture, Paras-Tubingen, Eggingen, Edies

    lsele, colao Les Conrences du Divan, 1998, p. lO.

    i4 i5

  • A origem do universo

    O que havia quando ainda no havia coisa alguma, quando

    no havia nada? A essa pergunta os gregos responderam com his-trias e mitos.

    No incio de tudo, o que primeiro existiu foi Abismo: os gre-

    gos dizem K7zos. O que o Caos? um vazio, um vazio escuro onde

    no se distingue nada. Espao de queda, vertigem e confuso, sem

    fim, sem fundo. Somos apanhados por esse Abismo como por uma

    boca imensa e aberta que tudo tragasse numa mesma noite indis-

    tinta. Portanto, na origem h apenas esse Caos, abismo cego, notur-

    no, ilimitado.

    Depois apareceu Terra. Os gregos dizem Caa, Gaba. Foi no

    prprio seio do Caos que surgiu a Terra. Portanto, nasceu depois de

    Caos e representa, em certos aspectos, seu contrrio. A Terra no

    mais esse espao de queda escuro, ilimitado, indefinido. A Terra

    possui uma forma distinta, separada, precisa. confuso e tene-brosa indistino de Caos opem-se a nitidez, a firmeza e a estabi-

    lidade de Gaia. Na Terra tudo desenhado, tudo visvel e slido.

    i7

  • A origem do universo

    O que havia quando ainda no havia coisa alguma, quando

    no havia nada? A essa pergunta os gregos responderam com his-trias e mitos.

    No incio de tudo, o que primeiro existiu foi Abismo: os gre-

    gos dizem K7zos. O que o Caos? um vazio, um vazio escuro onde

    no se distingue nada. Espao de queda, vertigem e confuso, sem

    fim, sem fundo. Somos apanhados por esse Abismo como por uma

    boca imensa e aberta que tudo tragasse numa mesma noite indis-

    tinta. Portanto, na origem h apenas esse Caos, abismo cego, notur-

    no, ilimitado.

    Depois apareceu Terra. Os gregos dizem Caa, Gaba. Foi no

    prprio seio do Caos que surgiu a Terra. Portanto, nasceu depois de

    Caos e representa, em certos aspectos, seu contrrio. A Terra no

    mais esse espao de queda escuro, ilimitado, indefinido. A Terra

    possui uma forma distinta, separada, precisa. confuso e tene-brosa indistino de Caos opem-se a nitidez, a firmeza e a estabi-

    lidade de Gaia. Na Terra tudo desenhado, tudo visvel e slido.

    i7

  • possvel de6nir Gala como o lugar onde os deuses, os homens e os

    bichos podem andar com segurana. Ela o cho do mundo.

    Itlf lna de abismo escuro, sem limites, mas que num segundo tempo

    .}l)riu-se para um cho slido: a Terra. Esta se lana para o alto,

    }lcsce s profundezas.

    Depois de Caos e Terra aparece, em terceiro lugar, o que os gre-

    lus chamam Eras, e que mais tarde chamaro "o velho Amor'l}:apresentado nas imagens com cabelos brancos: o Amor primor-

    tlial. Por que esse Eros primordial? Porque, nesses tempos longn-

    lluos, ainda no h masculino e feminino, no h seres sexuados. O

    l ;,ros primordial no aquele que surgir mais tarde, com a existn-

    tlia dos homens e das mulheres, dos machos e das Rmeas. Nesse

    n\cimento, o problema ser acasalar os sexos contrrios, o que

    itnplica necessariamente o desejo de cada um e uma forma de con-

    sentimento.

    K%os uma palavra neutra, e no masculina. Gaba, a Me-

    ' lbrra, evidentemente feminina. Mas quem ela pode amar fora de

    si mesma,j que est sozinha, ao lado de Caos? O Eras que aparecectn terceiro lugar, depois de Caos e Gala, no aquele que preside

    -tos amores sexuados. O primeiro Eros expressa um impulso nouniverso. Da mesma forma que Terra surgiu de Caos, de Terra vai

    l)lotar o que ela contm em suas profundezas. Terra vai parir sem

    precisar se unir a ningum. Ela d luz o que nela existia de formaobscura.

    Primeiro, Terra engendra um personagem muito importante,

    Ourans, Cu, e at mesmo Cu estrelado. Depois, traz ao mundo

    Pfzfos, isto , a gua, todas as guas, e mais exatamente a Onda do

    Mar, palavra que em grego masculina. Terra os concebe sem se

    unir a ningum. Pela fora ntima que tem, Terra desenvolve o que

    j estava dentro de si e que, ao sair dela, torna-se seu duplo e su

    contrrio. Por qu? Porque produz um Cu estrelado igual a si

    mesma, como uma rplica to slida, to firme quanto ela, e domesmo tamanho. Ento, Urano se deita sobre ela. Terra e Cu cons-

    NAS PROFUNDEZAS DA TERRA: O ABISMO

    Nascido do vasto Abismo, o mundo agora tem um cho. De

    um lado, esse cho se eleva bem alto, na forma de montanhas; de

    outro, desce bem baixo, na forma de subterrneo. Essa subterra se

    prolonga infinitamente, e assim, de certa forma, o que existe na

    base de Gaia, sob o solo rme e slido, sempre o Abismo, o Caos.

    A Terra, que surgiu do Abismo, liga-se a ele em suas profundezas.

    Esse Caos evoca para os gregos uma espcie de nvoa opaca onde

    todas as fronteiras perdem nitidez. No mais profundo da Terra

    encontra-se esse aspecto catico original.

    Embora a Terra seja bem visvel, tenha uma forma recortada,

    e tudo o que dela nascer tambm ter limites e onteiras distintas,

    nem por isso ela deixa de ser, em suas profundezas, semelhante ao

    Abismo. Ela a Terra negra. Os adjetivos que a denem nos relatos

    so similares aos que se referem ao Abismo. A Terra negra se esten-

    de entre o baixo e o alto; entre, de um lado, a escurido e o enraiza-

    mento no Abismo, representado em suas profundezas, e, de outro,

    as montanhas encimadas de neve que ela projeta para o cu, mon-

    tanhas luminosas cujos picos mais altos atingem a zona celeste con-tinuamente inundada de luz.

    A Terra constitui a base dessa morada que o cosmo, mas no

    tem s essa funo. Ela engendra e alimenta todas as coisas, salvo

    certas entidades das quais faremos mais adiante e que saram do

    Caos. Gaja a me universal. Florestas, montanhas, grutas subter-

    rneas, ondas do mar, vasto cu, sempre de Gaia, a Me-Terra, que

    eles nascem. Portanto, primeiro houve o Caos, imensa boca em

    i8 i9

  • possvel de6nir Gala como o lugar onde os deuses, os homens e os

    bichos podem andar com segurana. Ela o cho do mundo.

    Itlf lna de abismo escuro, sem limites, mas que num segundo tempo

    .}l)riu-se para um cho slido: a Terra. Esta se lana para o alto,

    }lcsce s profundezas.

    Depois de Caos e Terra aparece, em terceiro lugar, o que os gre-

    lus chamam Eras, e que mais tarde chamaro "o velho Amor'l}:apresentado nas imagens com cabelos brancos: o Amor primor-

    tlial. Por que esse Eros primordial? Porque, nesses tempos longn-

    lluos, ainda no h masculino e feminino, no h seres sexuados. O

    l ;,ros primordial no aquele que surgir mais tarde, com a existn-

    tlia dos homens e das mulheres, dos machos e das Rmeas. Nesse

    n\cimento, o problema ser acasalar os sexos contrrios, o que

    itnplica necessariamente o desejo de cada um e uma forma de con-

    sentimento.

    K%os uma palavra neutra, e no masculina. Gaba, a Me-

    ' lbrra, evidentemente feminina. Mas quem ela pode amar fora de

    si mesma,j que est sozinha, ao lado de Caos? O Eras que aparecectn terceiro lugar, depois de Caos e Gala, no aquele que preside

    -tos amores sexuados. O primeiro Eros expressa um impulso nouniverso. Da mesma forma que Terra surgiu de Caos, de Terra vai

    l)lotar o que ela contm em suas profundezas. Terra vai parir sem

    precisar se unir a ningum. Ela d luz o que nela existia de formaobscura.

    Primeiro, Terra engendra um personagem muito importante,

    Ourans, Cu, e at mesmo Cu estrelado. Depois, traz ao mundo

    Pfzfos, isto , a gua, todas as guas, e mais exatamente a Onda do

    Mar, palavra que em grego masculina. Terra os concebe sem se

    unir a ningum. Pela fora ntima que tem, Terra desenvolve o que

    j estava dentro de si e que, ao sair dela, torna-se seu duplo e su

    contrrio. Por qu? Porque produz um Cu estrelado igual a si

    mesma, como uma rplica to slida, to firme quanto ela, e domesmo tamanho. Ento, Urano se deita sobre ela. Terra e Cu cons-

    NAS PROFUNDEZAS DA TERRA: O ABISMO

    Nascido do vasto Abismo, o mundo agora tem um cho. De

    um lado, esse cho se eleva bem alto, na forma de montanhas; de

    outro, desce bem baixo, na forma de subterrneo. Essa subterra se

    prolonga infinitamente, e assim, de certa forma, o que existe na

    base de Gaia, sob o solo rme e slido, sempre o Abismo, o Caos.

    A Terra, que surgiu do Abismo, liga-se a ele em suas profundezas.

    Esse Caos evoca para os gregos uma espcie de nvoa opaca onde

    todas as fronteiras perdem nitidez. No mais profundo da Terra

    encontra-se esse aspecto catico original.

    Embora a Terra seja bem visvel, tenha uma forma recortada,

    e tudo o que dela nascer tambm ter limites e onteiras distintas,

    nem por isso ela deixa de ser, em suas profundezas, semelhante ao

    Abismo. Ela a Terra negra. Os adjetivos que a denem nos relatos

    so similares aos que se referem ao Abismo. A Terra negra se esten-

    de entre o baixo e o alto; entre, de um lado, a escurido e o enraiza-

    mento no Abismo, representado em suas profundezas, e, de outro,

    as montanhas encimadas de neve que ela projeta para o cu, mon-

    tanhas luminosas cujos picos mais altos atingem a zona celeste con-tinuamente inundada de luz.

    A Terra constitui a base dessa morada que o cosmo, mas no

    tem s essa funo. Ela engendra e alimenta todas as coisas, salvo

    certas entidades das quais faremos mais adiante e que saram do

    Caos. Gaja a me universal. Florestas, montanhas, grutas subter-

    rneas, ondas do mar, vasto cu, sempre de Gaia, a Me-Terra, que

    eles nascem. Portanto, primeiro houve o Caos, imensa boca em

    i8 i9

  • tituem dois planos superpostos do universo, um cho e uma ab-

    bada, um embaixo e um em cima, que se cobrem completamente.

    Quando Terra d luz Ponto, Onda do Mar, este a completa e

    se insinua dentro dela, limitando-a na forma de vastas superfcies

    lquidas. Assim como Urano, Onda do Miar representa o contrrio

    de Terra. Se a Terra slida, compacta, e se as coisas no podem se

    misturar com ela, Onda do Mar , ao contrrio, pura liquidez, flui-dez disforme e inapreensvel: suas guas se misturam, indistintas e

    conftlsas. Na superfcie, Ponto luminoso, mas em suas profunde-

    zas de uma escurido total, o que o vincula, tal como a Terra, auma parte catica.

    Assim, o mundo se constri a partir de trs entidades primor-

    diais: K7zos, Caa e Eras, e, em seguida, de duas entidades pandas

    por Terra: Ozzranse Pnfos. Elas so ao mesmo tempo foras natu-

    rais e divindades. Gaia a terra onde andamos, e ao mesmo tempo

    uma deusa. Ponto representa as ondas do mar e tambm consti-

    tui uma fora divina, qual pode se prestar um culto. A partir da,

    surgem relatos de outro tipo, histrias violentas e dramticas.

    tirano produzem sozinhos o que cada um tem dentro de si, mas da

    tttnjuno dessas duas foras nascem seres diferentes de uma e

    t)tetra.

    Urano est o tempo todo deitando-se sobre Gaia. Urano pri-

    tHordial no tem outra atividade alm da sexual. Cobrir Gala inces-

    H.lntemente, o mais possvel: ele s pensa nisso, e s6 az isso. Ento,

    essa pobre Terra acaba grvida de uma srie de filhos que no con-

    seguem sair de seu ventre e a continuam alojados, a mesmo ondeUrano os concebeu. Como Cu nunca se distancia de Terra, no h

    espao entre eles que permita aos seus filhos Tits virem luz eterem uma existncia autnoma. Estes no podem tomar a forma

    que a deles, no podem se transformar em seres individualizados,

    pois no conseguem sair do ventre de Gaia, ali onde o prprioUrano esteve antes de nascer.

    Quem so os filhos de Gala e Urano? Primeiro, h os seis Tits

    e suas seis irms, as Titnidas. O primeiro Tit chama-se Okealzs.

    esse cinturo lquido que rodeia o universo e corre em crculo, de

    ta] modo que o m de Oceano tambm seu comeo; o rio csmi-

    co corre em circuito fechado sobre si mesmo. O mais jovem Tit

    tem o nome de Krfzos, o chamado "Crono dos pensamentosmarotos't Alm dos Tits e das Titnidas, nascem dois trios de seres

    absolutamente monstruosos. O primeiro o dos Ciclopes -- Bron-tes, Estropes e Argeus --, personagens muito poderosos que tmum s olho e cujos nomes so reveladores do tipo de metalurgia a

    que se dedicam: o ronco do trovo, o fulgor do relmpago. Na ver-

    dade, eles que vo fabricar o raio que ser doado a Zeus. O segun-

    do trio formado pelos Herafo/zk/liras, ou Cem-Braos -- Coto,Briareu e Gies. So seres monstruosos de tamanho gigantesco, que

    tm cinqenta cabeas e cem braos, sendo cada brao dotado de

    uma fora terrvel.

    FI

    'l l

    A CASTRAO DE URANO

    Comecemos pelo Cu, isto , Urano, gerado por Gaja e do

    mesmo tamanho que ela. Ele est deitado, estendido sobre quem a

    gerou. O Cu cobre completamente a Terra. Cada poro de terra

    duplicada por um pedao de cu que Ihe corresponde perfeitamen-

    te. Quando Gaia, divindade poderosa, Me-Terra, produz Urano,

    que seu correspondente exato, sua duplicao, seu duplo simtri-co, nos encontramos em presena de um casal de contrrios, de um

    macho e uma fmea. Ufano o Cu, assim como Gala a Terra. Na

    presena de Urano, Amor age de outro modo. Nem Gaia nem

    2021

  • tituem dois planos superpostos do universo, um cho e uma ab-

    bada, um embaixo e um em cima, que se cobrem completamente.

    Quando Terra d luz Ponto, Onda do Mar, este a completa e

    se insinua dentro dela, limitando-a na forma de vastas superfcies

    lquidas. Assim como Urano, Onda do Miar representa o contrrio

    de Terra. Se a Terra slida, compacta, e se as coisas no podem se

    misturar com ela, Onda do Mar , ao contrrio, pura liquidez, flui-dez disforme e inapreensvel: suas guas se misturam, indistintas e

    conftlsas. Na superfcie, Ponto luminoso, mas em suas profunde-

    zas de uma escurido total, o que o vincula, tal como a Terra, auma parte catica.

    Assim, o mundo se constri a partir de trs entidades primor-

    diais: K7zos, Caa e Eras, e, em seguida, de duas entidades pandas

    por Terra: Ozzranse Pnfos. Elas so ao mesmo tempo foras natu-

    rais e divindades. Gaia a terra onde andamos, e ao mesmo tempo

    uma deusa. Ponto representa as ondas do mar e tambm consti-

    tui uma fora divina, qual pode se prestar um culto. A partir da,

    surgem relatos de outro tipo, histrias violentas e dramticas.

    tirano produzem sozinhos o que cada um tem dentro de si, mas da

    tttnjuno dessas duas foras nascem seres diferentes de uma e

    t)tetra.

    Urano est o tempo todo deitando-se sobre Gaia. Urano pri-

    tHordial no tem outra atividade alm da sexual. Cobrir Gala inces-

    H.lntemente, o mais possvel: ele s pensa nisso, e s6 az isso. Ento,

    essa pobre Terra acaba grvida de uma srie de filhos que no con-

    seguem sair de seu ventre e a continuam alojados, a mesmo ondeUrano os concebeu. Como Cu nunca se distancia de Terra, no h

    espao entre eles que permita aos seus filhos Tits virem luz eterem uma existncia autnoma. Estes no podem tomar a forma

    que a deles, no podem se transformar em seres individualizados,

    pois no conseguem sair do ventre de Gaia, ali onde o prprioUrano esteve antes de nascer.

    Quem so os filhos de Gala e Urano? Primeiro, h os seis Tits

    e suas seis irms, as Titnidas. O primeiro Tit chama-se Okealzs.

    esse cinturo lquido que rodeia o universo e corre em crculo, de

    ta] modo que o m de Oceano tambm seu comeo; o rio csmi-

    co corre em circuito fechado sobre si mesmo. O mais jovem Tit

    tem o nome de Krfzos, o chamado "Crono dos pensamentosmarotos't Alm dos Tits e das Titnidas, nascem dois trios de seres

    absolutamente monstruosos. O primeiro o dos Ciclopes -- Bron-tes, Estropes e Argeus --, personagens muito poderosos que tmum s olho e cujos nomes so reveladores do tipo de metalurgia a

    que se dedicam: o ronco do trovo, o fulgor do relmpago. Na ver-

    dade, eles que vo fabricar o raio que ser doado a Zeus. O segun-

    do trio formado pelos Herafo/zk/liras, ou Cem-Braos -- Coto,Briareu e Gies. So seres monstruosos de tamanho gigantesco, que

    tm cinqenta cabeas e cem braos, sendo cada brao dotado de

    uma fora terrvel.

    FI

    'l l

    A CASTRAO DE URANO

    Comecemos pelo Cu, isto , Urano, gerado por Gaja e do

    mesmo tamanho que ela. Ele est deitado, estendido sobre quem a

    gerou. O Cu cobre completamente a Terra. Cada poro de terra

    duplicada por um pedao de cu que Ihe corresponde perfeitamen-

    te. Quando Gaia, divindade poderosa, Me-Terra, produz Urano,

    que seu correspondente exato, sua duplicao, seu duplo simtri-co, nos encontramos em presena de um casal de contrrios, de um

    macho e uma fmea. Ufano o Cu, assim como Gala a Terra. Na

    presena de Urano, Amor age de outro modo. Nem Gaia nem

    2021

  • Ao lado dos Tits, esses primeiros deuses individualizados --ao contrrio de Gaia, Urano ou Ponto, eles no so apenas um

    nome dado a foras naturais --, os Ciclopes representam a fgu-rncia da viso. Possuem um s olho no meio da testa, mas esse

    olho fulminante, assim como a arma que vo oferecer a Zeus.

    Fora mgica do olho. Por sua vez, os Cem-Braos representam,

    com sua fora brutal, a capacidade de vencer, de triunfar pela fora

    fsica do brao. Para uns, fora de um olho fulminante; para outros,

    cora da mo que capaz de juntar, apertar, quebrar, vencer, domi-

    nar todas as criaturas no mundo. No entanto, Tits, Cem-Braos eCiclopes esto no ventre de Gaja; Urano est deitado sobre ela.

    Ainda no h propriamente luz, pois Urano, ao se deitar sobre

    Gaja, mantm uma noite contnua. Ento, Terra explode de raiva.

    Est furiosa por reter em seu seio esses filhos que, sem poderem

    sair, deixam-na inchada, comprimem-na, sufocam-na. Dirige-se a

    eles, em especial aos Tits, dizendo-lhes: "Escutai, vosso pai nos az

    injria, nos submete a violncias horrveis, isso tem de acabar.

    Deveis revoltar-vos contra vosso pai Cu': Ao ouvir essas palavras

    vigorosas, os Tits, no ventre de Gaia, ficam aterrorizados. Urano,

    que continua instalado sobre a me deles, {o grande quanto ela,

    no lhes parece fcil de ser vencido. S o caula, Crono, aceita aju-dar Gaja e en6entar o pai.

    Terra concebe um plano particularmente engenhoso- Para

    executa-lo, fabrica dentro de si mesma um instrumento, um tipo de

    foice, a /z/pe, em metal branco. Depois, coloca essa foice na mo do

    jovem Crono. Ele est no ventre da me, ali onde Urano se uniu a

    Terra, e bica espreita, em emboscada. Quando Urno se deita

    sobre Gala, ele agarra com a mo esquerda as partes sexuais do pai,segura-as (irmemente e, com o taco que brande na mo direita,

    corta-as. Depois, sem se virar, para evitar a desgraa que seu gestoteria provocado,joga por cima do ombro o membro viril de Ufano.

    l)esse membro viril, cortado e jogado para trs, caem sobre a terra

    Botas de sangue, ao passo que o prprio sexo atirado mais longe,

    nas ondas do mar. No momento em que castrado, Urano d um

    berro de dor e se afasta depressa de Gaia. V ento se instalar bemno alto do mundo, de onde no mais sair. Como Ufano tinha o

    mesmo tamanho de Gaia, no h um s lote de terra que noencontre l em cima um pedao equivalente de cu.

    A TERRA, O ESPAO, O CU

    Ao castrar Ufano, a conselho e graas astcia de sua me,

    Crono cumpre uma etapa filndamental no nascimento do cosmo.

    Separa o cu e a terra. Cria entre o cu e a terra um espao livre: tudo

    o que a terra produza. tudo o que os seres avos engendrarem, ter

    espao para respirar, para viver. Assim, o espao se desbloqueia,

    mas o tempo tambm se transforma. Enquanto Urano pesava sobre

    Gala, no havia geraes sucessivas, pois elas ficavam ocultas den-

    tro da criatura que as produzira. Quando Ufano se retira, os Tits

    podem sair do colo materno e, por sua vez, darem luz. Inicia-se

    nto uma sucesso de geraes. O espao se libera e o "cu estrela-

    do" tem agora o papel de um teta, de uma espcie de grande abba-

    da escura, estendida acima da terra. De vez em quando, esse cu

    preto vai se iluminar, pois agora o dia e a noite se alternam. Ora surge

    um cu preto tendo apenas a luz das estrelas, ora, ao contrrio, um

    cu luminoso que aparece, tendo apenas a sombra das nuvens.

    Deixemos por um instante a descendncia de Terra e encon-

    tremos a de Caos. O Abismo produz dois filhos, um se chama re-

    bos, rebo, o outro, }\Wx, Noite. Como prolongamento direto de

    Caos, rebo o negro absoluto, a fora do negro em estado puro,sem se misturar a nada. O caso de Noite diferente. Assim como

    22z3

  • Ao lado dos Tits, esses primeiros deuses individualizados --ao contrrio de Gaia, Urano ou Ponto, eles no so apenas um

    nome dado a foras naturais --, os Ciclopes representam a fgu-rncia da viso. Possuem um s olho no meio da testa, mas esse

    olho fulminante, assim como a arma que vo oferecer a Zeus.

    Fora mgica do olho. Por sua vez, os Cem-Braos representam,

    com sua fora brutal, a capacidade de vencer, de triunfar pela fora

    fsica do brao. Para uns, fora de um olho fulminante; para outros,

    cora da mo que capaz de juntar, apertar, quebrar, vencer, domi-

    nar todas as criaturas no mundo. No entanto, Tits, Cem-Braos eCiclopes esto no ventre de Gaja; Urano est deitado sobre ela.

    Ainda no h propriamente luz, pois Urano, ao se deitar sobre

    Gaja, mantm uma noite contnua. Ento, Terra explode de raiva.

    Est furiosa por reter em seu seio esses filhos que, sem poderem

    sair, deixam-na inchada, comprimem-na, sufocam-na. Dirige-se a

    eles, em especial aos Tits, dizendo-lhes: "Escutai, vosso pai nos az

    injria, nos submete a violncias horrveis, isso tem de acabar.

    Deveis revoltar-vos contra vosso pai Cu': Ao ouvir essas palavras

    vigorosas, os Tits, no ventre de Gaia, ficam aterrorizados. Urano,

    que continua instalado sobre a me deles, {o grande quanto ela,

    no lhes parece fcil de ser vencido. S o caula, Crono, aceita aju-dar Gaja e en6entar o pai.

    Terra concebe um plano particularmente engenhoso- Para

    executa-lo, fabrica dentro de si mesma um instrumento, um tipo de

    foice, a /z/pe, em metal branco. Depois, coloca essa foice na mo do

    jovem Crono. Ele est no ventre da me, ali onde Urano se uniu a

    Terra, e bica espreita, em emboscada. Quando Urno se deita

    sobre Gala, ele agarra com a mo esquerda as partes sexuais do pai,segura-as (irmemente e, com o taco que brande na mo direita,

    corta-as. Depois, sem se virar, para evitar a desgraa que seu gestoteria provocado,joga por cima do ombro o membro viril de Ufano.

    l)esse membro viril, cortado e jogado para trs, caem sobre a terra

    Botas de sangue, ao passo que o prprio sexo atirado mais longe,

    nas ondas do mar. No momento em que castrado, Urano d um

    berro de dor e se afasta depressa de Gaia. V ento se instalar bemno alto do mundo, de onde no mais sair. Como Ufano tinha o

    mesmo tamanho de Gaia, no h um s lote de terra que noencontre l em cima um pedao equivalente de cu.

    A TERRA, O ESPAO, O CU

    Ao castrar Ufano, a conselho e graas astcia de sua me,

    Crono cumpre uma etapa filndamental no nascimento do cosmo.

    Separa o cu e a terra. Cria entre o cu e a terra um espao livre: tudo

    o que a terra produza. tudo o que os seres avos engendrarem, ter

    espao para respirar, para viver. Assim, o espao se desbloqueia,

    mas o tempo tambm se transforma. Enquanto Urano pesava sobre

    Gala, no havia geraes sucessivas, pois elas ficavam ocultas den-

    tro da criatura que as produzira. Quando Ufano se retira, os Tits

    podem sair do colo materno e, por sua vez, darem luz. Inicia-se

    nto uma sucesso de geraes. O espao se libera e o "cu estrela-

    do" tem agora o papel de um teta, de uma espcie de grande abba-

    da escura, estendida acima da terra. De vez em quando, esse cu

    preto vai se iluminar, pois agora o dia e a noite se alternam. Ora surge

    um cu preto tendo apenas a luz das estrelas, ora, ao contrrio, um

    cu luminoso que aparece, tendo apenas a sombra das nuvens.

    Deixemos por um instante a descendncia de Terra e encon-

    tremos a de Caos. O Abismo produz dois filhos, um se chama re-

    bos, rebo, o outro, }\Wx, Noite. Como prolongamento direto de

    Caos, rebo o negro absoluto, a fora do negro em estado puro,sem se misturar a nada. O caso de Noite diferente. Assim como

    22z3

  • G\ia, ela tambm gera filhos sem se unir a ningum, como se os

    fizesse em seu prprio tecido noturno: trata-se de Af;zr, ter, Luz

    Etrea, e de lemre, Dia, Luz do Dia.

    rebo, Nho do Caos, representa o negro prprio dessa criatu-

    ra. Inversamente, Noite invoca o dia. No h noite sem dia. Quando

    Noite produz ter e Dia, o que faz ela? Assim como rebo era o

    escuro em estado puro, ter a luminosidade em estado puro. ter

    a contrapartida de rebo. O ter brilhante a parte do cu ondenunca h escurido, ou seja, a que pertence aos deuses do Olimpo.

    O ter uma luz extraordinariamente viva que nunca alterada

    por sombra alguma. Ao contrrio, Noite e Dia se apoiam mutua-mente, opondo-se. Desde que o espao se abriu, Noite e Dia se suce-

    dem regularmente. entrada do Trtaro encontram-se as portasda Noite que se abrem para a sua morada. ali que Noite e Dia se

    apresentam sucessivamente, se comunicam, se cruzam, sem jamais

    se juntarem nem se tocarem. Quando h noite no h dia, quando

    h dia no h noite, mas no h noite sem dia.

    Assim como rebo representa uma escurido total e de6nitiva,

    ter encarna a luminosidade absoluta. Todos os seres que vivem na

    terra so criaturas do dia e da noite; com exceo da morte, eles igno-

    ram essa escurido total que nenhum raio de sol jamais alcana e que

    a noite do rebo. Os homens, os bichos, as plantas vivem noite e dia

    nessa conjuno de opostos, ao passo que os deuses, bem no alto do

    cu, no conhecem a alternncia do dia e da noite. Vivem numa luz

    profunda e pemlanente. No alto, temos os deuses celestes no ter bri-

    lhante, embaixo, os deuses subterrneos ou os que coram derrotados

    e enfiados ao Trtaro, e que vivem numa noite constante; e depois,

    os mortais, neste mundo, quej um mundo de mistura.

    Voltemos a Urano. O que acontece quando ele se fixa no alto

    do mundo? No se une mais a Gaia, a no ser durante as grandes

    chuvas fecundantes, quando o cu se solta e a terra d luz. Essa

    tlluva benfazeja permite que nasam na terra novas criaturas,

    l\ovas plantas, cereais. Mas, fora esse perodo, est cortado o vncu-

    1(} entre o cu e a terra.

    Quando Urano se afastou de Gaja, lanou uma terrvel impre-

    cao contra seus filhos: 'lreis chamar-vos Tits", disse-lhes, azen-

    tlo um trocadilho com o verbo fitano, "porque estendestn os.bra-

    oS alto demais, ireis expiar o crime de ter levantado a mo para

    vosso pai" As gotas de sangue de seu membro viril mu:tilado quecaram no cho deram origem, algum tempo depois, s Ernias. So

    elas as foras primordiais cuja funo essencial guardar a recor-

    tlo da afronta feita por um parente a outro, e de faz-lo pagar,

    scj a qual for o tempo necessrio para isso. So as divindades da vin-

    gana pelos crimes cometidos contra os consangneos. As Ernias

    representam o dio, a recordao, a memria do erro, e a exigncia

    tle que o crime seja castigado.

    Do sangue da ferida de Urano nascem, junto com as Ernias, os

    Gigantes e as leZ ou Ninm, dessas grandes rvores que so os tei-

    xos. Os Gigantes so essencialmente guerreiros, personificam a vio-

    lncia blica: desconhecendo a infncia e a velhice, so eles, a vida

    inteira, adultos na fora da idade, dedicados luta, com gosto pelabatata mortal. Ag Ninm dos Freixos -- as Melidas -- tambm so

    gueneiras, e tambm tm vocao para o massacre, pois o bosque de

    lanas das quais se servem os guerreiros durante o combate justa-

    mente o das rvores onde elas habitam. Assim sendo, dasgotas do san-

    gue de Urano nascem trs tipos de personagens que encarnam a vio-

    lncia, o castigo, o combate, a guerra, o massacre. Um nome resume

    aos olhos dos gregos essa violncia: ris, conflitos de todos os tipos e

    de todas as formas, ou discrdia dentro de uma mesma famlia, no

    caso das Ernias.

    z4 z5

  • G\ia, ela tambm gera filhos sem se unir a ningum, como se os

    fizesse em seu prprio tecido noturno: trata-se de Af;zr, ter, Luz

    Etrea, e de lemre, Dia, Luz do Dia.

    rebo, Nho do Caos, representa o negro prprio dessa criatu-

    ra. Inversamente, Noite invoca o dia. No h noite sem dia. Quando

    Noite produz ter e Dia, o que faz ela? Assim como rebo era o

    escuro em estado puro, ter a luminosidade em estado puro. ter

    a contrapartida de rebo. O ter brilhante a parte do cu ondenunca h escurido, ou seja, a que pertence aos deuses do Olimpo.

    O ter uma luz extraordinariamente viva que nunca alterada

    por sombra alguma. Ao contrrio, Noite e Dia se apoiam mutua-mente, opondo-se. Desde que o espao se abriu, Noite e Dia se suce-

    dem regularmente. entrada do Trtaro encontram-se as portasda Noite que se abrem para a sua morada. ali que Noite e Dia se

    apresentam sucessivamente, se comunicam, se cruzam, sem jamais

    se juntarem nem se tocarem. Quando h noite no h dia, quando

    h dia no h noite, mas no h noite sem dia.

    Assim como rebo representa uma escurido total e de6nitiva,

    ter encarna a luminosidade absoluta. Todos os seres que vivem na

    terra so criaturas do dia e da noite; com exceo da morte, eles igno-

    ram essa escurido total que nenhum raio de sol jamais alcana e que

    a noite do rebo. Os homens, os bichos, as plantas vivem noite e dia

    nessa conjuno de opostos, ao passo que os deuses, bem no alto do

    cu, no conhecem a alternncia do dia e da noite. Vivem numa luz

    profunda e pemlanente. No alto, temos os deuses celestes no ter bri-

    lhante, embaixo, os deuses subterrneos ou os que coram derrotados

    e enfiados ao Trtaro, e que vivem numa noite constante; e depois,

    os mortais, neste mundo, quej um mundo de mistura.

    Voltemos a Urano. O que acontece quando ele se fixa no alto

    do mundo? No se une mais a Gaia, a no ser durante as grandes

    chuvas fecundantes, quando o cu se solta e a terra d luz. Essa

    tlluva benfazeja permite que nasam na terra novas criaturas,

    l\ovas plantas, cereais. Mas, fora esse perodo, est cortado o vncu-

    1(} entre o cu e a terra.

    Quando Urano se afastou de Gaja, lanou uma terrvel impre-

    cao contra seus filhos: 'lreis chamar-vos Tits", disse-lhes, azen-

    tlo um trocadilho com o verbo fitano, "porque estendestn os.bra-

    oS alto demais, ireis expiar o crime de ter levantado a mo para

    vosso pai" As gotas de sangue de seu membro viril mu:tilado quecaram no cho deram origem, algum tempo depois, s Ernias. So

    elas as foras primordiais cuja funo essencial guardar a recor-

    tlo da afronta feita por um parente a outro, e de faz-lo pagar,

    scj a qual for o tempo necessrio para isso. So as divindades da vin-

    gana pelos crimes cometidos contra os consangneos. As Ernias

    representam o dio, a recordao, a memria do erro, e a exigncia

    tle que o crime seja castigado.

    Do sangue da ferida de Urano nascem, junto com as Ernias, os

    Gigantes e as leZ ou Ninm, dessas grandes rvores que so os tei-

    xos. Os Gigantes so essencialmente guerreiros, personificam a vio-

    lncia blica: desconhecendo a infncia e a velhice, so eles, a vida

    inteira, adultos na fora da idade, dedicados luta, com gosto pelabatata mortal. Ag Ninm dos Freixos -- as Melidas -- tambm so

    gueneiras, e tambm tm vocao para o massacre, pois o bosque de

    lanas das quais se servem os guerreiros durante o combate justa-

    mente o das rvores onde elas habitam. Assim sendo, dasgotas do san-

    gue de Urano nascem trs tipos de personagens que encarnam a vio-

    lncia, o castigo, o combate, a guerra, o massacre. Um nome resume

    aos olhos dos gregos essa violncia: ris, conflitos de todos os tipos e

    de todas as formas, ou discrdia dentro de uma mesma famlia, no

    caso das Ernias.

    z4 z5

  • DISCRDIA E AMOR i'll)o, desbloqueou o tempo, permitiu que geraes sucessivas

    li ;t$issem no palco do mundo, agora desimpedida.

    Nessa altura, todos esses personagens divinos, com ris de uml.lo, Eras de outro, vo se enentar e combater-se. Por que vo

    l }illr? Menos para Formar o universo, cujas bases j esto assenta-

    il.}s, e mais para designar o senhor desse universo. Quem ser o

    1++1)crano? Em vez de um relato cosmognico que faz as perguntas:

    "0 que o comeo do mundo? Por que o Caos primeiro? Como foil .tl)Ficado tudo o que o universo contm?'l surgem outras pergun-

    l$ a que outros relatos, muito mais dramticos, tentam respon-

    llcr. De que modo os deuses, que foram criados e que por sua vez

    t'ngendram, vo lutar e se dilacerar? Como vo se entender? Como

    ns Tits devero expiar a fita que cometeram contra o pai Urano,

    como sero castigados? Quem vai garantir a estabilidade destetttundo construdo a partir de um nada que era tudo, de uma noite

    tla qual saiu at a luz, de um vazio do qual nascem o cheio e o sli-

    tlo? Como o mundo vai se tornar estvel, organizado, com seres

    individualizados? Ao se afastar, Urano abre caminho para uma

    srie ininterrupta de geraes. Mas, se a cada gerao os deusesl fitarem entre si, o mundo no ter nenhuma estabilidade. A guer-

    ra dos deuses deve chegar ao m para que a ordem do mundo seja

    definitivamente estabelecida. Levanta-se a cortina do palco onde

    sero travadas as lutas pela soberania divina.

    O que acontece com o membro que Crono joga no mar, isto ,

    no P?ztos? No soobra nas ondas marinhas, fica boiando, e a espu-

    ma do esperma se mistura com a espuma do mar. Dessa combina-

    o espumosa em torno do sexo, que se desloca ao sabor das ondas,

    forma-se uma fantstica criatura: Aodite, a deusa nascida do mar

    e da espuma. Ela navega por certo tempo e depois chega sua ilha,

    Chipre. Caminha pela areia e, medida que vai andando, as flores

    mais perfumadas e mais belas nascem sob seus ps. No rastro de

    A'odite, seguindo seus passos, surgem Iras e l:meros, Amor e

    Desejo. Esse Eros no o Eros primordial, mas um outro que, dora-

    vante, exige que haja o feminino e o masculino. Ocasionalmente se

    dir que ele filho de Afrodite. Assim, Eros muda de funo. No

    mais representa o papel exercido nos primrdios do cosmo, que era

    o de trazer luz o que estava contido na escurido das foras pri-

    mordiais. Agora, seu papel unir dois seres bastante individualiza-

    dos, de sexos diferentes, num jogo ertico que supe uma estrat-

    gia amorosa e tudo o que isso comporta de seduo, concordncia,

    cime. Eras une dois seres distintos para que, a partir deles, nasa

    um terceiro, que no seja idntico a um nem a outro de seus geni-

    tores, mas que prolongue a ambos. Assim, h agora uma criao

    que se diferencia da que houve na era primordial. Em outras pala-

    vras, ao cortar o sexo de seu pai, Crono instituiu duas foras que,

    para os gregos, so complementares: uma que se chama ris, aDisputa, e outra que se chama -fos, o Amor.

    ris o combate dentro de uma mesma famlia ou dentro de

    uma mesma humanidade, a briga, a discrdia no que estava

    unido. Eros, ao contrrio, a concordncia e a unio do que to

    dessemelhante quanto possa ser o feminino do masculino. ris eEros so ambos produzidos pelo mesmo ato fundador que abriu o

    z6 z7

  • DISCRDIA E AMOR i'll)o, desbloqueou o tempo, permitiu que geraes sucessivas

    li ;t$issem no palco do mundo, agora desimpedida.

    Nessa altura, todos esses personagens divinos, com ris de uml.lo, Eras de outro, vo se enentar e combater-se. Por que vo

    l }illr? Menos para Formar o universo, cujas bases j esto assenta-

    il.}s, e mais para designar o senhor desse universo. Quem ser o

    1++1)crano? Em vez de um relato cosmognico que faz as perguntas:

    "0 que o comeo do mundo? Por que o Caos primeiro? Como foil .tl)Ficado tudo o que o universo contm?'l surgem outras pergun-

    l$ a que outros relatos, muito mais dramticos, tentam respon-

    llcr. De que modo os deuses, que foram criados e que por sua vez

    t'ngendram, vo lutar e se dilacerar? Como vo se entender? Como

    ns Tits devero expiar a fita que cometeram contra o pai Urano,

    como sero castigados? Quem vai garantir a estabilidade destetttundo construdo a partir de um nada que era tudo, de uma noite

    tla qual saiu at a luz, de um vazio do qual nascem o cheio e o sli-

    tlo? Como o mundo vai se tornar estvel, organizado, com seres

    individualizados? Ao se afastar, Urano abre caminho para uma

    srie ininterrupta de geraes. Mas, se a cada gerao os deusesl fitarem entre si, o mundo no ter nenhuma estabilidade. A guer-

    ra dos deuses deve chegar ao m para que a ordem do mundo seja

    definitivamente estabelecida. Levanta-se a cortina do palco onde

    sero travadas as lutas pela soberania divina.

    O que acontece com o membro que Crono joga no mar, isto ,

    no P?ztos? No soobra nas ondas marinhas, fica boiando, e a espu-

    ma do esperma se mistura com a espuma do mar. Dessa combina-

    o espumosa em torno do sexo, que se desloca ao sabor das ondas,

    forma-se uma fantstica criatura: Aodite, a deusa nascida do mar

    e da espuma. Ela navega por certo tempo e depois chega sua ilha,

    Chipre. Caminha pela areia e, medida que vai andando, as flores

    mais perfumadas e mais belas nascem sob seus ps. No rastro de

    A'odite, seguindo seus passos, surgem Iras e l:meros, Amor e

    Desejo. Esse Eros no o Eros primordial, mas um outro que, dora-

    vante, exige que haja o feminino e o masculino. Ocasionalmente se

    dir que ele filho de Afrodite. Assim, Eros muda de funo. No

    mais representa o papel exercido nos primrdios do cosmo, que era

    o de trazer luz o que estava contido na escurido das foras pri-

    mordiais. Agora, seu papel unir dois seres bastante individualiza-

    dos, de sexos diferentes, num jogo ertico que supe uma estrat-

    gia amorosa e tudo o que isso comporta de seduo, concordncia,

    cime. Eras une dois seres distintos para que, a partir deles, nasa

    um terceiro, que no seja idntico a um nem a outro de seus geni-

    tores, mas que prolongue a ambos. Assim, h agora uma criao

    que se diferencia da que houve na era primordial. Em outras pala-

    vras, ao cortar o sexo de seu pai, Crono instituiu duas foras que,

    para os gregos, so complementares: uma que se chama ris, aDisputa, e outra que se chama -fos, o Amor.

    ris o combate dentro de uma mesma famlia ou dentro de

    uma mesma humanidade, a briga, a discrdia no que estava

    unido. Eros, ao contrrio, a concordncia e a unio do que to

    dessemelhante quanto possa ser o feminino do masculino. ris eEros so ambos produzidos pelo mesmo ato fundador que abriu o

    z6 z7

  • Guerra dos deuses,reinado de Zeus

    l)nsitivo tambm tem um aspecto sombrio, pois ao mesmo tempo

    uma falta pela qual ele ter de pagar: quando se retirou para seu

    lugar definitivo, Cu no deixou de lanar contra seus filhos, os pri-}neiros deuses individualizados, uma imprecao que se realizar e

    ficar a cargo das Ernias, nascidas da mutilao. Um dia, Crono ter

    tle pagar a dvida com as Ernias vingadoras de seu pai.Portanto, Crono, o mais moo e tambm o mais audacioso

    l:ilha de Gaia -- aquele que emprestou seu brao artimanha da

    tne para afastar Cu e separa-lo dela --, que ser o rei dos deuses do mundo. Com ele, em torno dele, esto os deuses Tits, infe-

    riores mas cmplices. Clrono os libertou, eles so seus protegidos.

    l )os abraos de Urano e Gala, tambm haviam nascido dois trios

    (le personagens que, d incio, estavam bloqueados, tal como seus

    irmos Tits, no seio de Terra: so os trs Ciclopes e os trs Cem-

    Braos. O que acontece com eles? Tudo leva a crer que Crono, essedeus ciumento e malvado, sempre espreita, os acorrentou,

    receoso de que algum estivesse tramando um golpe baixo contra

    cle. Amarra os trs Ciclopes, os trs Cem-Braos,.e relega-os ao

    mundo infernal. Por outro lado, os Tits e as Titnidas vo se unir,

    c Crono a uma delas, Rea. Esta aparece como uma espcie de

    dubl de Gaia. Rea e Gala so duas foras primordiais prximas.

    No entanto, algo as diferencia: Gaja tem um nome transparente

    para qualquer grego, pois se chama Terra e a terra; Rea, por sua

    vez, recebeu um nome pessoal, individualizado, que no encarna

    nenhum elemento natural. Rea representa um aspecto =ais an-

    tropomorfo, mais humanizado, mais especializado do que Gaia.

    Mas, no fundo, Gala e Rea so como me e filha, muito prximas,

    semelhantes.

    No teatro do mundo, o cenrio est montado. Abriu-se o espa-o, o tempo passou, geraes vo se suceder. H o mundo subterr-

    neo, h a vasta terra, as ondas, o rio Oceano que cerca tudo isso e, l

    em cima, um cu fixo. Assim como a terra um local estvel para os

    homens os bichos, tambm, no alto, o cu etreo morada segu-

    ra para as divindades. Os Tits, 61hos do Cu, e que so os primei-

    ros deuses propriamente ditos, tm, pois, o mundo sua disposi-

    o. Vo se instalar bem no alto, sobre as montanhas da terra, ali

    onde tambm se estabelecer a morada estvel das divindades

    menores, como as Niadas, Ninfas dos Bosques e Ninfas das Mon-

    tanhas. Cada um deles se instala onde pode agir.

    Bem no alto do cu encontram-se os deuses Tits, esses a que

    chamamos de Urnidas, filhos de Urano, rapazes e moas. dente

    deles est o caula, o mais jovem dos deuses, que astuto, burlo,

    cruel. Crono, que no hesitou em cortar as partes sexuais de seu

    pai. Ao ter a ousadia desse gesto, desbloqueou o universo, criou o

    espao, engendrou um mundo diferenciado, organizado. Esse gesto

    V

    [. z8 z9

  • Guerra dos deuses,reinado de Zeus

    l)nsitivo tambm tem um aspecto sombrio, pois ao mesmo tempo

    uma falta pela qual ele ter de pagar: quando se retirou para seu

    lugar definitivo, Cu no deixou de lanar contra seus filhos, os pri-}neiros deuses individualizados, uma imprecao que se realizar e

    ficar a cargo das Ernias, nascidas da mutilao. Um dia, Crono ter

    tle pagar a dvida com as Ernias vingadoras de seu pai.Portanto, Crono, o mais moo e tambm o mais audacioso

    l:ilha de Gaia -- aquele que emprestou seu brao artimanha da

    tne para afastar Cu e separa-lo dela --, que ser o rei dos deuses do mundo. Com ele, em torno dele, esto os deuses Tits, infe-

    riores mas cmplices. Clrono os libertou, eles so seus protegidos.

    l )os abraos de Urano e Gala, tambm haviam nascido dois trios

    (le personagens que, d incio, estavam bloqueados, tal como seus

    irmos Tits, no seio de Terra: so os trs Ciclopes e os trs Cem-

    Braos. O que acontece com eles? Tudo leva a crer que Crono, essedeus ciumento e malvado, sempre espreita, os acorrentou,

    receoso de que algum estivesse tramando um golpe baixo contra

    cle. Amarra os trs Ciclopes, os trs Cem-Braos,.e relega-os ao

    mundo infernal. Por outro lado, os Tits e as Titnidas vo se unir,

    c Crono a uma delas, Rea. Esta aparece como uma espcie de

    dubl de Gaia. Rea e Gala so duas foras primordiais prximas.

    No entanto, algo as diferencia: Gaja tem um nome transparente

    para qualquer grego, pois se chama Terra e a terra; Rea, por sua

    vez, recebeu um nome pessoal, individualizado, que no encarna

    nenhum elemento natural. Rea representa um aspecto =ais an-

    tropomorfo, mais humanizado, mais especializado do que Gaia.

    Mas, no fundo, Gala e Rea so como me e filha, muito prximas,

    semelhantes.

    No teatro do mundo, o cenrio est montado. Abriu-se o espa-o, o tempo passou, geraes vo se suceder. H o mundo subterr-

    neo, h a vasta terra, as ondas, o rio Oceano que cerca tudo isso e, l

    em cima, um cu fixo. Assim como a terra um local estvel para os

    homens os bichos, tambm, no alto, o cu etreo morada segu-

    ra para as divindades. Os Tits, 61hos do Cu, e que so os primei-

    ros deuses propriamente ditos, tm, pois, o mundo sua disposi-

    o. Vo se instalar bem no alto, sobre as montanhas da terra, ali

    onde tambm se estabelecer a morada estvel das divindades

    menores, como as Niadas, Ninfas dos Bosques e Ninfas das Mon-

    tanhas. Cada um deles se instala onde pode agir.

    Bem no alto do cu encontram-se os deuses Tits, esses a que

    chamamos de Urnidas, filhos de Urano, rapazes e moas. dente

    deles est o caula, o mais jovem dos deuses, que astuto, burlo,

    cruel. Crono, que no hesitou em cortar as partes sexuais de seu

    pai. Ao ter a ousadia desse gesto, desbloqueou o universo, criou o

    espao, engendrou um mundo diferenciado, organizado. Esse gesto

    V

    [. z8 z9

  • NO VENTRE PATERNO nem oua os gemidos do recm-nascido. Depois, os gritos da crian-

    a logo se tornam mais fortes, e Rea pede a divindades masculinas,

    os Curetas, que quem de'onte da gruta e se dediquem a danas

    guerreiras para que o rudo das armas e os diversos barulhos e can-

    tos abatem o som da voz do jovem Zeus. Assim, Crono no descon-

    fia de nada. Mas, como sabe que Rea estava grvida, espera ver o

    recm-nascido que ela teve e que deve Ihe apresentar. Ento, o que

    mostra Rea? Uma pedra. Uma pedra que ela escondeu entre as bal-

    das da criana. Diz a Crono: "Toma cuidado, ele frgil, pequeni-

    ninho': e pimba! Crono engole a pedra enrolada no cueiro. Toda a

    gerao dos filhos de Crono e Rea j estava no ventre de Crono; e

    agora, para completar, ele engole uma pedra.

    Enquanto isso, em Creta, Zeus cresce e bica forte. Quando

    chega plena maturidade, vem-lhe a idia de fazer com que Crono

    expe seu crime contra os prprios alhos e tambm contra Urano,

    que ele mutilou perigosamente. Quer que Crono vomite a prole

    que tem na barriga. Como fazer? Zeus est sozinho. Mais uma vez,

    graas astcia que conseguir, graas a essa astcia que os gre-

    gos chamam mfs, ou seja, essa forma de inteligncia que sabe

    combinar de antemo procedimentos de vrios tipos para enganar

    a pessoa que se tem diante de si. A astcia de Zeus consiste em fazer

    Crono tomar um p;zrmakon, ou seja, um remdio, apresentado

    como um sortilgio, mas que na verdade um vomitrio. Rea que

    Ihe oferece. Mal Crono o engole, comea a vomitar. Primeiro, a

    pedra, depois Hstia, que a primeira a aparecer, depois toda a srie

    de deuses e deusas, no sentido inverso de suas idades. No m da fila

    est o mais velho, logo depois da pedra est a mais moa. Ao p-los

    para fora, Crono reitera, a seu modo, o nascimento de todos os

    filhos que Rea ps no mundo.

    Cromo casa-se com Rea e tambm ter filhos, que, por sua vez,

    geraro outros filhos. Forma-se assim uma nova gerao de divin-

    dades, a segunda gerao de deuses individualizados, com seus

    nomes, suas relaes, seus setores de influncia. Mas Crono, des-

    confiado, ciumento e zeloso de seu poder, no confia nos filhos,

    tanto mais porque Gaia o alertou sobre esse problema. Me de

    todas as divindades primordiais, ela est nos segredos do tempo,

    capta aquilo que, dissimulado na escurido de seus desvos, vem

    luz pouco a pouco. Conhece o futuro antecipadamente. Gaja pre-

    veniu o filho de que ele tambm se arriscava a tornar-se vtima de

    um dos membros da prole. Um de seus filhos, mais forte que ele, o

    destronar. Por conseguinte, a soberania de Crono temporria, o

    que o preocupa e o leva a tomar suas precaues. Assim que tem um

    filho, engole-o, devora-o, esconde-o na barriga. Todos os filhos de

    Crono e Rea so tragados pelo ventre paterno.

    Naturalmente, Rea no est nada satisfeita com esse compor-

    tamento, assim como Gaia no estava com a conduta de Urano, que

    impedia seus filhos de virem luz. De certa forma, Ufano e Crono

    rejeitam a progenitura na vspera de seu nascimento. No querem

    que venha luz, que seja como a rvore que perfura o solo e leva sua

    vida entre o cu e a terra. A conselho de Terra, Rea resolve se defen-

    der da conduta escandalosa de Crono. Planeia uma artimanha,

    uma burla, uma 'aude, uma mentira. Ao faz-lo, ope a Crono

    aquilo mesmo que o define, pois ele um deus da astcia, um deus

    da mentira e da duplicidade. Quando Zeus, o ltimo alho, o cau-

    la -- assim como Crono era o caula de Urano --, est prestes a nas-cer, Rea vai a Creta e d luz clandestinamente. Entrega o beb

    guarda de seres divinos, as Niadas, que vo se encarregar de cri-

    lo dentro de uma gruta a fim de que Crono no descone de nada,

    3o 3i

  • NO VENTRE PATERNO nem oua os gemidos do recm-nascido. Depois, os gritos da crian-

    a logo se tornam mais fortes, e Rea pede a divindades masculinas,

    os Curetas, que quem de'onte da gruta e se dediquem a danas

    guerreiras para que o rudo das armas e os diversos barulhos e can-

    tos abatem o som da voz do jovem Zeus. Assim, Crono no descon-

    fia de nada. Mas, como sabe que Rea estava grvida, espera ver o

    recm-nascido que ela teve e que deve Ihe apresentar. Ento, o que

    mostra Rea? Uma pedra. Uma pedra que ela escondeu entre as bal-

    das da criana. Diz a Crono: "Toma cuidado, ele frgil, pequeni-

    ninho': e pimba! Crono engole a pedra enrolada no cueiro. Toda a

    gerao dos filhos de Crono e Rea j estava no ventre de Crono; e

    agora, para completar, ele engole uma pedra.

    Enquanto isso, em Creta, Zeus cresce e bica forte. Quando

    chega plena maturidade, vem-lhe a idia de fazer com que Crono

    expe seu crime contra os prprios alhos e tambm contra Urano,

    que ele mutilou perigosamente. Quer que Crono vomite a prole

    que tem na barriga. Como fazer? Zeus est sozinho. Mais uma vez,

    graas astcia que conseguir, graas a essa astcia que os gre-

    gos chamam mfs, ou seja, essa forma de inteligncia que sabe

    combinar de antemo procedimentos de vrios tipos para enganar

    a pessoa que se tem diante de si. A astcia de Zeus consiste em fazer

    Crono tomar um p;zrmakon, ou seja, um remdio, apresentado

    como um sortilgio, mas que na verdade um vomitrio. Rea que

    Ihe oferece. Mal Crono o engole, comea a vomitar. Primeiro, a

    pedra, depois Hstia, que a primeira a aparecer, depois toda a srie

    de deuses e deusas, no sentido inverso de suas idades. No m da fila

    est o mais velho, logo depois da pedra est a mais moa. Ao p-los

    para fora, Crono reitera, a seu modo, o nascimento de todos os

    filhos que Rea ps no mundo.

    Cromo casa-se com Rea e tambm ter filhos, que, por sua vez,

    geraro outros filhos. Forma-se assim uma nova gerao de divin-

    dades, a segunda gerao de deuses individualizados, com seus

    nomes, suas relaes, seus setores de influncia. Mas Crono, des-

    confiado, ciumento e zeloso de seu poder, no confia nos filhos,

    tanto mais porque Gaia o alertou sobre esse problema. Me de

    todas as divindades primordiais, ela est nos segredos do tempo,

    capta aquilo que, dissimulado na escurido de seus desvos, vem

    luz pouco a pouco. Conhece o futuro antecipadamente. Gaja pre-

    veniu o filho de que ele tambm se arriscava a tornar-se vtima de

    um dos membros da prole. Um de seus filhos, mais forte que ele, o

    destronar. Por conseguinte, a soberania de Crono temporria, o

    que o preocupa e o leva a tomar suas precaues. Assim que tem um

    filho, engole-o, devora-o, esconde-o na barriga. Todos os filhos de

    Crono e Rea so tragados pelo ventre paterno.

    Naturalmente, Rea no est nada satisfeita com esse compor-

    tamento, assim como Gaia no estava com a conduta de Urano, que

    impedia seus filhos de virem luz. De certa forma, Ufano e Crono

    rejeitam a progenitura na vspera de seu nascimento. No querem

    que venha luz, que seja como a rvore que perfura o solo e leva sua

    vida entre o cu e a terra. A conselho de Terra, Rea resolve se defen-

    der da conduta escandalosa de Crono. Planeia uma artimanha,

    uma burla, uma 'aude, uma mentira. Ao faz-lo, ope a Crono

    aquilo mesmo que o define, pois ele um deus da astcia, um deus

    da mentira e da duplicidade. Quando Zeus, o ltimo alho, o cau-

    la -- assim como Crono era o caula de Urano --, est prestes a nas-cer, Rea vai a Creta e d luz clandestinamente. Entrega o beb

    guarda de seres divinos, as Niadas, que vo se encarregar de cri-

    lo dentro de uma gruta a fim de que Crono no descone de nada,

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  • tIM ALIMENTO DE IMORTALIDADE Pois esses deuses Tits so divindades primordiais, que ainda tm

    toda a brutalidade das foras naturais, e para vencer e subjugar as

    foras da desordem preciso incorporar o poder da desordem. Se-

    res puramente racionais, puramente ordenados, no conseguiriam

    vencer. Zeus precisa contar com protagonistas que encarnem as

    coras da brutalidade violenta e da desordem apaixonada, repre-

    sentadas pelos Tits.

    Assim, Zeus liberta os Ciclopes e os Cem-Braos, que ento se

    dispem a Ihe dar uma boa ajuda. Mas nem assim o conflito acaba.

    Para que se tornem aliados fiis, Zeus precisa n s devolver-lhes

    a liberdade de movimento, depois de os ter tirado da priso notur-

    na e escura onde Crono os escondera, mas dar-lhes tambm a

    garantia de que, se combaterem ao seu lado, tero direito ao nctar

    e ambrosia, ou seja, a um alimento de imortalidade.

    Reaparece aqui esse tema do alimento que j desempenhou

    um importante papel: Crono, com um apetite feroz, engolia seus

    61hos, transformando-os em alimento; estava to preocupado com

    sua pana que, quando recebeu uma pedra guisa de beb, tambm

    a engoliu. Zeus faz dos Cem-Braos e dos Ciclopes, que so da mes-

    ma gerao dos Tits, divindades olmpicas verdadeiras, conce-

    dendo-lhes o privilgio de um alimento de imortalidade. Na verda-

    de, o que caracteriza os deuses do Olimpo que, ao contrrio dos

    animais que comem qualquer coisa, e dos homens que vo se ali-

    mentar de po,vinho e carne ritualmente sacrificada, os deuses no

    se alimentam, ou melhor, eles absorvem um alimento de imortali-

    dade, que lhes d vitalidade interior, a