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Verificação da Segurança Estrutural e Avaliação do Comportamento de uma Torre Medieval H. Varum* ,1 H. Rodrigues* ,2 Resumo Neste artigo descrevem-se as análises numéricas de avaliação da segurança estrutural da Torre Medieval de Vilharigues, em Vouzela. Com as análises realizadas pretendeu-se interpretar as patologias estruturais, estudar o efeito da inclinação das paredes e analisar a viabilidade de apoio de uma nova estrutura. Para a análise estrutural foram utilizadas ferramentas de elementos finitos, com a elaboração de vários modelos que traduzem o comportamento da estrutura. Foi dada atenção especial à vulnerabilidade sísmica, considerando vários níveis de intensidade sísmica. Neste artigo são apresentados os resultados obtidos, interpretados os danos estruturais, verificada a estabilidade global, e avaliada a viabilidade de apoio da nova estrutura. Palavras-chave: Método dos Elementos Finitos; Avaliação; Reabilitação; Construções Históricas toda a informação existente possível, nomeadamente a utilização inicial e alterações ao longo da sua vida, de forma a compreender o seu comportamento, as causas dos danos existentes, e criar uma base de conhecimento de suporte a futuras intervenções de reparação, reforço e reabilitação. 2.1 Breve descrição histórica No o concelho de Vouzela podem encontrar-se três torres medievais. No entanto, os registos históricos levam a crer que existiram outras [2, 4], o que as torna património histórico muito importante para o concelho, representando a sua cultura e origens. A importância destas obras motiva o seu restauro e recuperação. A torre de Vilharigues, situada na povoação do Paço de Vilharigues, no concelho de Vouzela, foi construída nos finais do século XIII, ou início do século XIV, e é um marco histórico do concelho, estando classificada como Imóvel de Interesse Público [2]. 2.2 Descrição da torre A torre apresenta uma tipologia típica da sua época militar, com uma geometria original em planta aproximadamente quadrada. No entanto, devido ao * Departamento de Engenharia Civil, Universidade Aveiro, Campus Universitário de Santiago, 3810-193 Aveiro 1 e-mail: [email protected] 2 e-mail: [email protected] 1 Introdução Este artigo apresenta o estudo de avaliação da segurança estrutural da torre medieval de Vilharigues [1], em Vouzela, interpreta as patologias estruturais encontradas, assim como, a viabilidade de apoio de uma nova estrutura a ser realizada na recuperação da torre. Para a realização deste estudo foram utilizadas ferramentas avançadas de elementos finitos, recorrendo a vários modelos de forma a caracterizar com o máximo rigor o comportamento da estrutura, sujeita às acções em causa, e com condições fronteira que reproduzem da melhor forma as condições reais do seu funcionamento. 2 Descrição Geral da Torre Para avaliar a segurança estrutural e interpretar os danos estruturais e suas causas, deve compreender-se bem o seu comportamento. Quando se tratam de edificações históricas esta tarefa é mais complexa, devido aos processos construtivos e materiais utilizados na época, o que torna mais difícil a sua correcta caracterização. Assim, para estudar a estabilidade estrutural de qualquer edificação histórica é necessário recolher

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Verificação da Segurança Estrutural e Avaliação do Comportamentode uma Torre Medieval

H. Varum*,1

H. Rodrigues*,2

Resumo

Neste artigo descrevem-se as análises numéricas de avaliação da segurança estrutural daTorre Medieval de Vilharigues, em Vouzela. Com as análises realizadas pretendeu-se interpretar aspatologias estruturais, estudar o efeito da inclinação das paredes e analisar a viabilidade de apoiode uma nova estrutura.

Para a análise estrutural foram utilizadas ferramentas de elementos finitos, com a elaboração devários modelos que traduzem o comportamento da estrutura. Foi dada atenção especial àvulnerabilidade sísmica, considerando vários níveis de intensidade sísmica.

Neste artigo são apresentados os resultados obtidos, interpretados os danos estruturais,verificada a estabilidade global, e avaliada a viabilidade de apoio da nova estrutura.

Palavras-chave: Método dos Elementos Finitos; Avaliação; Reabilitação; Construções Históricas

toda a informação existente possível, nomeadamentea utilização inicial e alterações ao longo da sua vida,de forma a compreender o seu comportamento, ascausas dos danos existentes, e criar uma base deconhecimento de suporte a futuras intervenções dereparação, reforço e reabilitação.

2.1 Breve descrição histórica

No o concelho de Vouzela podem encontrar-setrês torres medievais. No entanto, os registos históricoslevam a crer que existiram outras [2, 4], o que as tornapatrimónio histórico muito importante para o concelho,representando a sua cultura e origens. A importânciadestas obras motiva o seu restauro e recuperação.

A torre de Vilharigues, situada na povoação doPaço de Vilharigues, no concelho de Vouzela, foiconstruída nos finais do século XIII, ou início do séculoXIV, e é um marco histórico do concelho, estandoclassificada como Imóvel de Interesse Público [2].

2.2 Descrição da torre

A torre apresenta uma tipologia típica da suaépoca militar, com uma geometria original em plantaaproximadamente quadrada. No entanto, devido ao

* Departamento de Engenharia Civil, Universidade Aveiro, Campus Universitário de Santiago, 3810-193 Aveiro1 e-mail: [email protected] e-mail: [email protected]

1 Introdução

Este artigo apresenta o estudo de avaliação dasegurança estrutural da torre medieval de Vilharigues[1], em Vouzela, interpreta as patologias estruturaisencontradas, assim como, a viabilidade de apoio de umanova estrutura a ser realizada na recuperação da torre.

Para a realização deste estudo foram utilizadasferramentas avançadas de elementos finitos, recorrendoa vários modelos de forma a caracterizar com o máximorigor o comportamento da estrutura, sujeita às acçõesem causa, e com condições fronteira que reproduzem damelhor forma as condições reais do seu funcionamento.

2 Descrição Geral da Torre

Para avaliar a segurança estrutural e interpretar osdanos estruturais e suas causas, deve compreender-sebem o seu comportamento. Quando se tratam deedificações históricas esta tarefa é mais complexa, devidoaos processos construtivos e materiais utilizados na época,o que torna mais difícil a sua correcta caracterização.

Assim, para estudar a estabilidade estrutural dequalquer edificação histórica é necessário recolher

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desgaste e infortúnios do tempo, apenas existem doispanos de parede completos, com altura máximaaproximada de 10 m.

A estrutura da torre existente é constituída porduas paredes robustas de pedra, de pano duplo, sendopossível identificar os apoios de três pisos pré-existentesem madeira. No topo de cada parede podem ainda ver-se o que resta de um balcão de sacada (varanda), assentesobre quatro cachorros. Na fachada norte pode ver-seuma janela de duplo arco quebrado, dividido por mainele na fachada oeste duas frestas muito estreitas [3].

Figura 1 - Torre medieval de Vilharigues [3].

2.3 Obras de reparação anteriores

Após algumas pesquisas em arquivos da CâmaraMunicipal de Vouzela e da Direcção Geral deMonumentos e Edifícios Nacionais, foram encontradosapenas alguns registos pouco explícitos sobre obrasde reparação da torre.

O primeiro registo, datado de 5 de Julho de 1938,trata-se de um documento dirigido à Direcção dosMonumentos Nacionais, referindo-se a uma estimativade custo das obras no "Castelo de Vilharigues -Vouzela", o qual refere já a existência de apenas duasparedes passíveis de restauro e que os outros doispanos devem apenas ser conservados como ruínas [3].

O segundo registo, datado de 17 de Junho de1971, trata-se de um relatório realizado no âmbito davisita às obras no Castelo de Vilharigues, onde selavram alguns comentários referentes ao andamentodas obras. Neste documento é referida uma recons-trução parcial do embasamento da torre por forma adefinir melhor a configuração da torre, o apeamentodo cunhal e o restauro de uma das varandas [3].

2.4 Patologias estruturais

Durante as visitas efectuadas à torre foramdetectadas vários danos estruturais que revelam

algumas deficiências do comportamento estrutural damesma. Foi encontrado um largo número de fendasnas paredes de alvenaria, quer no pano interior, querno pano exterior, como se mostra nas Figuras 2 a 8.

Figura 2 - Fenda na face interior da fachada oeste.

Figura 3 - Fenda na face exterior da fachada oeste.

Figura 4 - Fissuras na face interior dafachada oeste.

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Figura 5 - Fissuras na fachada oeste juntoao cunhal.

Figura 6 - Fissuras na face interior da fachadanorte.

Figura 7 - Fenda na fachada oeste

Como se pode verificar na Figura 8, é nítido oempeno da parede oeste. A explicação mais plausívelestá directamente r elacionada com o processoconstrutivo adoptados na construção das paredes.Estas deveriam ser construídas com uma ligeirainclinação para o interior, de forma a compensarparcialmente a excentricidade provocada pelo peso das

varandas e, por outro lado, para produzir uma estruturamelhor confinada. Após a derrocada da paredeadjacente, a excentricidade poderá ter provocado emefei to desfavorável das cargas permanentes, econsequentemente o empeno da parede oeste.

Figura 8 - Empeno da parede oeste.

Figura 9 - Fissuras nas padieiras.

A maioria das padieiras existentes nas duasparedes encontram-se fissuradas. Na Figura 9, a títulode exemplo, representam-se os danos nas padieirasdas aberturas na face interior da fachada oeste. Devesalientar-se que as aberturas do lado interior temmaiores dimensões que do lado exterior das paredes.

3 Modelo Estrutural

Foi desenvolvido um modelo numérico tridi-mensional da estrutura no programa de cálculo ROBOT[9], pelo método dos elementos finitos, a partir dolevantamento das características geométricas daestrutura existente.

Para a caracter ização das propriedadesmecânicas dos materiais, e devido à impossibilidade

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de realização de ensaios in situ para caracterização darigidez, da capacidade resistente e do comportamentodinâmico, foi realizada uma pesquisa bibliográfica dascaracterísticas mecânicas de alvenarias de pedraanálogas à alvenaria da estrutura em estudo.

3.1 Método dos elementos finitos

Para a definição do modelo estrutural foi carac-terizada a geometria da estrutura, as propriedades dosmateriais, as condições fronteira e as solicitações.

Das análises numéricas obtiveram-se resultadosem termos de campos de deslocamentos e tensões,para cada caso de carga e combinação de acções defi-nidas, que permitiram compreender e interpretar ocomportamento da estrutura.

Foram utilizados elementos finitos de cascarectangulares de oito nós, e foi adoptado um modelode comportamento elástico-linear e isotrópico.

3.2 Geometria da estrutura e malha de elementosfinitos

A geometria da torre foi obtida através dosdesenhos e fotografias fornecidas pela CâmaraMunicipal de Vouzela [3], complementada com visitastécnicas à obra.

O modelo global da estrutura (Figura 10) foirepresentado por uma malha de elementos finitos com3253 nós e 985 elementos, resultando um sistema deequações de equilíbrio com 19338 graus de liberdade.

Figura 10 - Vista tridimensional da malha.

A espessura da parede varia desde 1,35 m nabase e 0,95 m no topo. No modelo estrutural foiassumida uma variação linear desta espessura.

O empeno das paredes da torre, induz excen-tricidades nas cargas. Além disso, a variação deespessura das paredes ao longo da altura não ésimétrica, resultando que o plano médio destas nãoseja vertical e assim surgem outras excentricidadesassociadas. Estas excentricidades associadas aodesaprumo das paredes alteram a distribuição dosesforços na estrutura, podendo afectar a sua própriaestabilidade. Para contemplar este fenómeno nomodelo numérico, foi medido no local o desaprumodas paredes em alguns pontos relevantes.

No modelo numérico elaborado, o desaprumo doplano médio das paredes não foi contemplado como umacaracterística geométrica, mas como uma acção fictícia.Por simplificação, considerou-se um empeno médio de 3cm na parede oeste e de 10 cm na parede norte, ambos nosentido do interior para o exterior da torre.

3.3 Apoios

Foram consideradas como condições fronteiraas que melhor representam o real comportamento daestrutura. Assim, e porque o solo de fundação aparentaser de muito boa qualidade, foram adoptados apoiosrígidos em todos os pontos da base das paredes,impedindo os deslocamentos nas três direcções e asrotações destes pontos em torno de um eixo horizontalsegundo o desenvolvimento de cada parede.

3.4 Propriedades dos materiais

O conhecimento das características físicas emecânicas dos materiais é fundamental na avaliaçãodo comportamento de qualquer tipo de estruturaquando submetida a solicitações de carácter estáticoe dinâmico. Esta preocupação deve ser maispronunciada quando se trata de um edifício de interessehistórico. Contudo, na maioria dos casos, existemmuitas incertezas associadas às propriedades destesmateriais, devido à idade avançada e conseqüentedegradação destas construções, às técnicas deconstrução e materiais utilizados, muito diferentes dosutilizados actualmente, à falta de documentação eestudos nestas áreas.

Para uma melhor aproximação do modeloestrutural na modelação do comportamento real daestrutura, torna-se necessário efectuar um determinadonúmero de procedimentos com vista à recolha de dados.Neste estudo, os valores adoptados para as carac-terísticas dos materiais são baseados em dados bibliográ-ficos para materiais e estruturas do tipo da estudada.

Da pesquisa bibliográfica realizada foramadoptados para as propriedades mais relevantes dosmateriais em causa os valores resumidos na Tabela 1.

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No modelo estrutural foram considerados doismateriais-tipo, designando por granito para oselementos das varandas e alvenaria para o resto daestrutura, admitindo-se para ambos um comportamentoelástico, linear e isotrópico.

3.5 Acções

Nestas análises foram consideradas uma sériede acções internas e externas por forma a interpretar ocomportamento da estrutura existente, verificar asegurança estrutural, e estudar a possibilidade deapoio de uma nova estrutura a construir sobre asparedes existentes.

As acções internas consideradas foram:a) peso próprio das paredes e varandas;b) efeitos de segunda ordem devido ao empe-

no das paredes (acção fictícia);As acções externas introduzidas no modelo

foram:a) acção do vento (W);b) acção sísmica (E);c) acções resultantes da estrutura a construir

(peso próprio da estrutura e sobrecarga, deacordo com o programa fornecido doprojecto de reabilitação da torre [3]).

3.5.1 Peso próprio das paredes e varandasA experiência demonstra que em algumas

estruturas deste tipo, ou pelo menos em alguns elementosconstrutivos, algumas das patologias encontradas sãodevidas ao elevado nível de tensões instaladas naestrutura para a acção do seu próprio peso. No entanto,para certas combinações de acções, este poderá ter umaimportante contribuição na estabilidade da estrutura.

Por simplificação, as varandas foram simuladassem os elementos horizontais que as constituem. Opeso próprio destes elementos foi simulado com cargasconcentradas equivalentes.

3.5.2 Efeitos de segunda ordem devido aoempeno das paredes

O modelo estrutural assume que o plano médiode cada parede que compõe a estrutura é perfeitamente

vertical. Os efeitos da não verticalidade das faces decada parede e do empeno das mesmas, medido na obra,foram simulados através de uma carga equivalentedistribuída ao longo da altura da parede proporcionalao seu empeno.

3.5.3 Acção do ventoA acção do vento (W) foi considerada de acordo

com o estipulado na regulamentação portuguesa emvigor (RSA [8]).

Uma vez que a situação mais desfavorável paraa estabilidade das paredes corresponde ao vento aactuar na direcção perpendicular a cada parede (Figura11) foi considerado o vento para cada direcção dedesenvolvimento das paredes e com alternância dosentido de actuação.

Figura 11 - Acção do vento sobre a fachada

3.5.4 Acção sísmicaApesar do concelho de Vouzela estar situado

numa zona de baixa/moderada sismicidade (zonasísmica C, de acordo com a regulamentação portuguesaRSA, [8]), e de não haver registos de sismos intensosnos últimos séculos nesta região, os efeitos de acçõesprovenientes de sismos afastados podem causar danosrelevantes neste tipo de estruturas.

Tabela 1 - Propriedades dos materiais adoptadas no modelo numérico.

Material Mód. elasticidade Coef. de Peso Tensão resistenteE (MPa) Poisson volúmico (MPa)

ν (kN/m3) tracção compressãoGranito [4] 20000 0,15 26,5 -- --

Alvenaria [6, 7, 11] 2000 0,15 22,0 0,05 1,00

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Para a interpretação dos danos verificados naestrutura, e por forma a investigar a possibilidade dealguns dos danos terem sido causados por um eventualsismo, foi considerada uma acção sísmica de intensidadecrescente (1,0G ± αE). Uma vez que a situação maisdesfavorável para a estabilidade das paredes cor-responde ao sismo a actuar na direcção perpendicular acada parede, foi considerado o sismo para cada direcçãode desenvolvimento das paredes e com alternância dosentido de actuação. Esta acção foi então simuladaconsiderando forças mássicas, mobilizando a massa dasparedes e varandas, em duas direcções horizontaisindependentes. Foram aplicadas forças correspondentesa 5%, 10%, 15% e 20% da massa total da estrutura, emambas as direcções e sentidos.

Para a verificação da segurança estrutural foicalculado o coeficiente sísmico regulamentar de acordocom o RSA [8], considerando: i) o primeiro modo devibração da estrutura (primeira frequência calculadade 3,60 Hz - ver Tabela 2); ii) um amortecimento globalde 10%; iii) a localização da estrutura (zona sísmica C,coeficiente de sismicidade igual a 0,5); e, iv) terrenotipo I (rochas e solos coerentes rijos). Dos cálculosrealizados resultou uma acção sísmica a considerar paraa verificação da segurança correspondente a 0,15g(acção sísmica tipo I condicionante).

3.5.5 Acções resultantes da estrutura a construirPara além de se estudar o comportamento e

verificar a segurança das paredes existentes da torretal como se encontram neste momento, foi aindainvestigado o efeito que a estrutura que se pretendeconstruir [3] terá sobre o comportamento da torre.

Assim, foi est imado o peso próprio dospavimentos, e a sobrecarga regulamentar para autilização prevista. Foi considerado que os pavimentosa construir serão apoiados nos quatro bordos. Foramconsideradas cargas distribuídas nas paredes, à cotaprevista para cada pavimento, correspondentes àsforças descarregadas pelos pavimentos.

3.6 Cálculo das frequências e modos de vibração

Considerando as características de rigidez, ascondições fronteira e a distribuição de massa foramdeterminados os seis primeiros modos de vibração eas frequências próprias associadas (Tabela 2 e Figura12 ), por forma a caracterizar o comportamento dinâmicoda torre.

O primeiro modo de vibração é um modo quemobiliza a torção global da estrutura. No segundo éevidente a flexão das paredes para fora do seu plano.Nos modos superiores aparecem combinados estescomportamentos.

Tabela 2 - Frequências próprias calculadas

Modo nº Frequência (Hz)1 3,602 4,533 6,774 8,645 10,556 12,88

Primeiro modo

Segundo modo

Terceiro modo

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Quarto modo

Quinto modo

Sexto modo

Figura 12 - Modos de Vibração.

4 Análise e Interpretação dosResultados da Análise Estrutural

Nesta secção são apresentados e discutidos osresultados das análises numéricas realizadas sobre a torre

em estudo, em termos de esforços máximos e tensõesmáximas (de membrana e de flexão) , bem como deformações.

4.1 Interpretação dos danos

Para a interpretação das causas dos danosexistentes na estrutura procedeu se à comparação dosresultados obtidos com o modelo numérico, em termos detensões principais máximas positivas com os danosobservados. Nas Figuras 13 e 14 são representadas astensões principais máximas σ1 para as acções permanentes(peso próprio das paredes e varandas e o empeno dasparedes). Na Figura 14 são representadas estas tensões σ1apenas para as zonas onde é excedido o limite de resistênciaem tracção σt (apresentado na Tabela 1).

Figura 13 - Tensões principais σ1.

Figura 14 -Tensões principais σ1 superiores a σt.

Nas Figuras 15 e 16 são confrontados os danosobservados em cada parede com os resultados da análisenumérica, em termos de tensões principais máximas σ1positivas. Como se pode observar, o efeito do peso próprioda estrutura faz aparecer tracções em zonas específicasque ultrapassam o limite de resistência do material e,portanto, justificam o aparecimento de fissuras observadas.

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Figura 15 - Comparação entre danos observados e resultados numéricos - fachada oeste.

Figura 16 - Comparação entre danos observados e resultados numéricos - fachada norte.

De facto, só com o peso próprio consegue-sejustificar grande parte das fissuras identificadas. Asanálises numéricas confirmam a já observada maiordistribuição de danos na parede oeste. Foram aindacontrolados os momentos principais provocados pelascargas permanentes nas paredes. Como era de esperar,estes assumem valores r eduzidos para estassolicitações.

Apesar das cargas permanentes justificarempraticamente todos os danos observados, foi aindarealizada uma análise de vulnerabilidade sísmica daconstrução existente. Foram então aplicadas acçõessísmicas de intensidade crescente (0,05g a 0,20g) sobrea estrutura, nas duas direcções. Nas Figuras 17 e 18apresentam-se os resultados destas análises em termosde tensões principais máximas σ1 positivas. Os

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resultados permitem visualizar a evolução do dano naestrutura para sismos de intensidade crescente.

Da análise sísmica efectuada pode concluir-se quesismos ocorridos, mesmo de baixa intensidade, podem

ter agravado os danos causados pelo peso próprio. Umsismo com a intensidade regulamentar (~0,15g) produziriauma distribuição de dano generalizada, e até o provávelcolapso da estrutura existente.

Intensidadesísmica Tensões principais σ1 Tensões principais σ1

0,05g

0,10g

0,.15g

0,20g

sentido positivo sentido negativo

Figura 17 - Sismo segundo a direcção xx.

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Intensidadesísmica Tensões principais σ1 Tensões principais σ1

0,05g

0,10g

0,15g

0,20g

sentido positivo sentido negativo

Figura 18 - Sismo segundo a direcção yy.

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4.2 Influência do empeno das paredes na suaestabilidade

Como já foi referido, os empenos das paredesforam simulados através de cargas horizontais equi-valentes. Na Figura 19 é representada, a título ilustrativo,a deformada (em perspectiva e em planta) devido à acçãoequivalente ao empeno da parede oeste.

Figura 19 - Deformada da estrutura devido aoempeno da parede oeste.

Para quantificar a influencia do empeno dasparedes na distribuição das tensões na estrutura, foianalisado o estado de tensão para a estrutura sujeitaapenas às acções permanentes, com e sem o efeito doempeno das paredes. Na Figuras 20 a 23 sãorepresentadas as distribuições das tensões principaisσ1 e σ2 para ambas as situações.

Figura 20 - Tensões principais σ1 positivassem empeno.

Figura 21 - Tensões principais σ1 positivascom empeno.

Para a solicitação permanente constituídaapenas pelo peso próprio das paredes, portanto semconsiderar o efeito do empeno das paredes, a tensãoprincipal máxima σ1 positiva é estimada em 0,144 MPa.Considerando este efeito o valor de σ1 máximo passa aser de 0,148 MPa, correspondendo a um aumento deapenas de 3%, que não é considerado relevante. Noentanto, comparando as distribuições de tensões σ1,verifica-se uma ligeira dispersão das zonas sujeitas atracções, sendo esta mais relevante no topo da zonade intercepção das duas paredes, o que pode explicaro colapso deste canto.

Figura 22 - Tensões principais σ2sem empeno.

Figura 23 - Tensões principais σ2com empeno.

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Quanto às tensões principais σ2, verificou-seum acréscimo do valor máximo em toda a estrutura decerca 7%, tendo sido estimadas tensões principaismáximas de 0,29 MPa e de 0,31 MPa para a situaçãosem e com empeno, respectivamente. Este acréscimotambém não é considerado significativo. É de salientarque estes valores de tensão são bastante inferioresaos valores de referência apontados neste estudo paraa resistência à compressão (cerca de 1 MPa, Tabela 1).

Os momentos flectores também tiveram alte-rações não significativas com o efeito do empeno.

4.3 Verificação da segurança face às acçõesregulamentares

Para a verificação da segurança da estrutura,para as combinações de acções consideradas sãoanalisados os valores máximos dos esforços envol-ventes em termos de tensões principais σ1 e σ2, emomentos principais M1 e M2, bem como o local ondeestes ocorrem.

Na Figura 24 são representadas as envolventesdas tensões principais σ1 e σ2, considerando apenasos esforços de membrana.

σ1 positivas

σ2 negativas

Figura 24 - Envolvente das tensões principais.

O valor máximo observado para a tensãoprincipal máximas σ1 é de 0,198 MPa, valor muitosuperior à resistência do material à tracção, σt. Portanto,mesmo sem considerar os momentos flectores, já sepode afirmar que a estrutura não verifica a segurançaface às acções regulamentares.

Analisando a envolvente das tensões principaismínimas σ2, podemos verificar que as compressõesmáximas dão-se na base das paredes e tomam o valorde 0,66 MPa, valor inferior ao limite de referênciaadoptado (Tabela 1). No entanto, na verificação desegurança para os esforços máximos deve-se entrarem conta com os momentos flectores.

Na Figura 25 são representadas as distribuiçõesdas envolventes de momentos principais para ascombinações de acções consideradas na verificaçãoda segurança da torre. O valor máximo absoluto paraos momentos principais máximos M1 é de 612,53 kN m/m, registado na parte superior da parede oeste, e paraos momentos principais mínimos M2 é de 194,35 kN m/m, registado na parte superior da estrutura em ambasas paredes.

M1

M2

Figura 25 - Envolvente dos momentos principais.

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4.4 Viabilidade de apoio parcial da nova estruturasobre as paredes existentes

Para além da verificação da segurança das paredesda torre, tal como se encontram neste momento, erapretendido avaliar a viabilidade de apoiar parcialmenteuma nova estrutura que se pretende construir.

Para melhor compreender as alterações deesforços nas paredes existentes da torre, na hipótesede apoio da nova estrutura sobre estas, são aquicomparadas duas situações, considerando apenas ascargas permanentes e sobrecarga, nomeadamente: aestrutura existente e a estrutura existente mais ascargas que derivam da nova estrutura.

Em termos de cargas permanentes sobre asparedes existentes foi considerado o peso próprio dasparedes e varandas e o empeno das paredes. Foramestimadas as cargas permanentes e sobrecarga que anova estrutura gera, e incluídas numa combinação deacções. Para esta análise comparativa não sãomajoradas as acções.

Nas Figuras 26 e 27 são representadas asdistribuições de tensões principais máximas σ1 emínimas σ2 para as duas hipóteses de carregamentoaqui estudadas, nomeadamente, carregamento cons-tituído apenas pela estrutura original, e carregamentoconstituído pela estrutura original mais a novaestrutura.

Na hipótese de apoio da nova estrutura sobre asparedes existentes, a distribuição de tensões principaismáximas σ1 na estrutura praticamente não é alterada,obtendo-se os mesmos valores máximos já apresentadospara a estrutura original nas secções 4.1 e 4.2.

Relativamente às tensões principais mínimas σ2verifica-se um acréscimo de 6% do valor máximo (0,31MPa para a estrutura original e 0,33 MPa com a novaconstrução), que ocorre na base das paredes. Esteacréscimo, se executado de forma a transmitir as cargascentradas nas paredes, até poderá ser favorável à suaestabilidade.

estrutura original

estrutura original + nova estrutura

Figura 26 - Tensões principais σ1 positivas.

estrutura original

estrutura original + nova estrutura

Figura 27- Tensões principais σ2.

5 Conclusões e Comentários Finais

É reconhecido mundialmente que o patrimóniocultural edificado continua a deteriorar-se, ficando estepor vezes com danos irreparáveis. Salienta-se a

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Verificação da Segurança Estrutural e Avaliação do Comportamento de uma Torre Medieval

87Engenharia Estudo e Pesquisa. Rio de Janeiro, v. 7 - n. 2 - p. 74-87, jul./dez. 2004

imensurável perda cultural que provoca o eventualcolapso de uma construção histórica, como a torre deVilharigues [1].

Dos estudos e análises numéricas realizadaspodem-se tirar as seguintes que a seguir se apresentam:

• Os modelos estruturais elaborados permitiramreproduzir o comportamento da torre, avaliaras causas dos danos observados e analisar asua resposta face às acções regulamentares.

• A maior parte dos danos estruturais observa-dos nas paredes são já justificados com ascargas permanentes, devido à falta deconfinamento que era garantido com a pre-sença das paredes em falta. Um eventual sismo,mesmo de pequena intensidade, poderá terintensificado estes danos. Salienta-se a ele-vada vulnerabilidade da construção como estáactualmente face à acção dos sismos.

• O empeno das paredes actualmente verifi-cado não altera significativamente o estadode tensão global da estrutura.

• Da análise de verificação da segurança das pa-redes para as acções regulamentares concluiu-se que a estrutura não verifica a segurança.

• O hipotético apoio de uma nova estrutura so-bre as paredes existentes não altera significati-vamente a distribuição de esforços nas pare-des. No entanto, as paredes existentes não ve-rificam a segurança face às acções regulamen-tares, pelo que devem ser tomadas medidas nosentido do seu reforço ou estabilização.

Agradecimentos

Os autores desejam expressar os seus agrade-cimentos à Câmara Municipal de Vouzela, pela informaçãoe apoio facultado para a realização deste estudo.

Referências Bibliográficas

[1] H. Varum, A. Velosa, H. Rodrigues: Avaliação docomportamento estrutural da Torre Medieval deVilharigues - Vouzela, Universidade de Aveiro, 2004.[2] As torres medievais no concelho de Vouzela -Câmara Municipal de Vouzela.[3] Memória descritiva do projecto de recuperação evalorização da Torre Medieval de Vilharigues - CâmaraMunicipal de Vouzela, 2004.[4] Memória descritiva e justificativa do projecto derecuperação da torre de Alcofra - Câmara Municipal deVouzela, 2001.[5] Rochas ornamentais de Portugal, CEVALOR, Ed.Marpresse, 1995.[6] Historical constructions: Possibilities of numericaland experimental techniques, Proceedings of the 3rdInternational Seminar, Universidade do Minho,Guimarães, 2001.[7] S. Hernández, L.E. Romera, A. Sánchez, J. Casales,I. Valcarce, P. Loscos, J.M. Reinosa: Evaluación delcomportamiento estructural de la Basílica del Pilarmediante modelos de elementos finitos, Universidadeda Coruña, Escuela Técnica Superior de Ingenieros deCaminos, Canales y Puertos, 2004.[8] RSA, Regulamento de segurança e acções paraestruturas de edifícios e pontes, Decreto-Lei N.º 235/83, Imprensa Nacional, Casa da Moeda, Lisboa,Portugal, 1983.[9] RoboBAT, Robot Millennium v.16.5, RoboBAT,2003.[10] Finite element procedures, K.J.Bathe, Prentice Hall,1996.[11] J. Heyman: The stone skeleton: Structuralengineering of masonry architecture, CambridgeUniversity Press, 1997.