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1

Vera Maria Vidal Peroni

Paula Valim de Lima (Orgs.)

ANAIS DO 1º SEMINÁRIO NACIONAL REDEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS

ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO: Implicações para a democratização da

educação

1ª Edição

UFRGS

Porto Alegre

2017

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1º Seminário Nacional Redefinições das fronteiras entre o público e o privado:

Implicações para a democratização da educação

Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre/RS

05 a 08 de dezembro de 2017

Comissão Organizadora do evento:

Adriano Pires

Albert Sansano

Alexandre José Rossi

Carolina Rosa Kader

Cristina Maria Bezerra de Oliveira

Daniela de Oliveira Pires

Fabíola Borowsky

Jaqueline Villafuerte Bittencourt

Juliana Selau Lumertz

Liane Maria Bernardi

Lucia Camini

Lucia Hugo Uczak

Luciani Paz Comerlatto

Maria Otília K. Susin

Maria Raquel Caetano

Monique Robain Montano

Paula Valim de Lima

Romir de Oliveira Rodrigues

Scheiler Fagundes Carvalho

Vera Maria Vidal Peroni

Comitê Científico:

Albert Sansano

Alexandre José Rossi

Cristina Maria Bezerra de Oliveira

Daniela de Oliveira Pires

Elisete Enir Bernardi Garcia

Elma Julia Goncalves de Carvalho

Juca Gil

Jaqueline Villafuerte Bittencourt

Juliana Selau Lumertz

Liane Maria Bernardi

Lucia Hugo Uczak

Luciani Paz Comerlatto

Maria Augusta Peixoto Mundim

Maria de Fátima Cossio

Maria Dilneia Espindola Fernandes

Maria Goreti Farias Machado

Maria José Ferreira Ruiz

Maria Luiza Rodrigues Flores

Maria Otília K. Susin

Maria Raquel Caetano

Mariângela Silveira Bairros

Monique Robain Montano

Nalu Farenzena

Patrícia Marchand

Romir de Oliveira Rodrigues

Scheiler Fagundes Carvalho

Teise Garcia

Vera Maria Vidal Peroni

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3

Organização dos Anais:

Vera Maria Vidal Peroni

Paula Valim de Lima

Financiamento:

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

PPGEdu – Programa de Pós-Graduação em Educação (UFRGS)

Contato:

[email protected]

www.plone.ufrgs.br/gprppe

Editora dos Anais:

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

ISBN: 978-85-9489-087-0

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SUMÁRIO

EIXO 1: EDUCAÇÃO BÁSICA – ETAPAS.................................................................8

A CONTRARREFORMA DO ENSINO MÉDIO BRASILEIRO....................................9

Maria Dilnéia Espíndola Fernandes, Andressa Gomes de Rezende Alves

A EDUCAÇÃO FOI AO MERCADO: O MERCADO COMO ORIENTADOR DA

POLÍTICA DE ENSINO MÉDIO NO BRASIL.............................................................13

Maria Raquel Caetano

A OFERTA DA EDUCAÇÃO INFANTIL E OS INDÍCIOS DE CONVENIAMENTO

PÚBLICO-PRIVADO NO MUNICÍPIO DE ALVORADA/RS....................................19

Cátia Soares Bonneau, Mariane Vieira Gonçalves, Teresinha Gomes Fraga

A OFERTA DE EDUCAÇÃO INFANTIL EM PORTO ALEGRE: IMPLICAÇÕES

PARA O DIREITO EDUCACIONAL NO CONTEXTO DAS PARCERIAS

PÚBLICO-PRIVADAS...................................................................................................24

Maria Luiza Rodrigues Flores, Camila Daniel

A QUALIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A ATUAÇÃO DO BANCO

INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO NA REDE MUNICIPAL DE

EDUCAÇÃO INFANTIL DE FLORIANÓPOLIS E AS PARCERIAS PÚBLICO-

PRIVADAS.....................................................................................................................29

Ângela Maria Scalabrin Coutinho, Marlise Oestreich

A RELAÇÃO PÚBLICO-PRIVADO NA OFERTA DE VAGAS NA EDUCAÇÃO

INFANTIL ..................................................................................................................... .34

Rosânia Campos, Janaína Silveira Soares Madeira, Melissa Daiane Hans Sasson

O “NOVO ENSINO MÉDIO” E AS POLÍTICAS DE ESTADO: RUMO AO

PÚBLICO-PRIVADO .................................................................................................... 40

Cristiane Bartz de Ávila, Álvaro Moreira Hypolito

O CONVENIAMENTO DAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO INFANTIL SEM

FINS LUCRATIVOS EM PORTO ALEGRE: REFLEXÕES SOBRE O TRABALHO

DOCENTE...................................................................................................................... 45

Simone Souza Prunier, Simone Valdete dos Santos, Fernanda dos Santos Paulo

REFORMA DO ENSINO MÉDIO: OPACIDADE ENTRE O PÚBLICO E O

PRIVADO.......................................................................................................................50

Débora Avendano de Vasconcellos Sinoti

EIXO 2: EDUCAÇÃO BÁSICA – MODALIDADES................................................54

EDUCAÇÃO DO CAMPO E AGRONEGÓCIO: A RELAÇÃO PÚBLICO-PRIVADO

NAS ESCOLAS DO CAMPO ....................................................................................... 55

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Magda Gisela Cruz dos Santos, Conceição Paludo

MEDIOTEC E AS LÓGICAS PRIVADAS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL ....... 60

Mário Augusto Correia San Segundo

O AGRONEGÓCIO E A PERDA DE POLÍTICAS SOCIAIS VOLTADAS A

EDUCAÇÃO DO CAMPO.............................................................................................66

Vanessa Gonçalves Dias, Guilherme Franco Miranda

EIXO 3: FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO........................................................72

A CONCEPÇÃO DE CIDADANIA COOPERATIVA DO PROGRAMA DE

EDUCAÇÃO “A UNIÃO FAZ A VIDA” DA FUNDAÇÃO SICREDI ....................... 73

Felipe José Schmidt

FIES – PREÂMBULO, SITUAÇÃO ATUAL E POSSÍVEIS PREVISÕES ................ 79

Rodrigo Meleu das Neves

FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: ESTUDO

COMPARADO DO INVESTIMENTO ESTATAL ENTRE O SETOR PÚBLICO E O

PRIVADO ...................................................................................................................... 85

Ana Julia Bonzanini Bernardi, Natasha Pergher

PÓS-GRADUAÇÃO NO BRASIL: PARA QUEM, ONDE E COMO? ....................... 90

Felipe Lemos Fernandes

EIXO 4: GESTÃO DA EDUCAÇÃO..........................................................................97

A CRESCENTE INFLUÊNCIA DO EMPRESARIADO NA ELABORAÇÃO E NA

EXECUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA

BRASILEIRA ................................................................................................................. 98

Elma Júlia Gonçalves de Carvalho

A FILANTROPIA E O SILENCIOSO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO DA

EDUCAÇÃO BÁSICA ................................................................................................ 104

Márcia Luzia dos Santos, Mariléia Maria da Silva

A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA NA REGIÃO CENTRO-OESTE COMO

ESTRATÉGIA PARA SOLUÇÃO DE PROBLEMAS EDUCACIONAIS ................ 109

Fernanda Ferreira Belo

A REFORMA DO ESTADO DA DÉCADA DE 90 E AS POLÍTICAS DE

PRIVATIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR .............................................................. 115

Suzanete Aparecida de Freitas Vaz, Isaura Monica de Souza Zanardini

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GERENCIALISMO ESTATAL E A RELAÇÃO PÚBLICO-PRIVADO:

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PARCERIA DO INSTITUTO DE CO-

RESPONSABILIDADE DA EDUCAÇÃO (ICE) EM GOIÁS................................... 120

Maria Augusta Peixoto Mundim, Luelí Nogueira Duarte e Silva

GESTÃO DEMOCRÁTICA: IMPEDITIVOS COLOCADOS PELA RELAÇÃO

PÚBLICO - PRIVADO NA EDUCAÇÃO .................................................................. 127

Gilson Lopes Soares

IMPLICAÇÕES DO PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS NA

DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO DA EDUCAÇÃO: HIBRIDISMO E DISPUTA

...................................................................................................................................... 132

Liane Maria Bernardi

LÓGICAS DA PRIVATIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO EM MINAS GERAIS ............. 137

Liege Coutinho Goulart Dornellas

NEOLIBERALISMO, GERENCIALISMO E AS IMPLICAÇÕES NA EDUCAÇÃO

...................................................................................................................................... 141

Jaqueline G. Santos, Valquíria R. Souza, Charles Evandre V. Ferreira

OS DESDOBRAMENTOS DA PARCERIA PÚBLICO/PRIVADO ENTRE O

INSTITUTO AYRTON SENNA E A SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO

DE RONDÔNIA 2013-2019: IMPLICAÇÕES PARA A FORMAÇÃO

DOCENTE.....................................................................................................................149

Márcia Ângela Patrícia

PARCERIAS SEDUC-TOCANTINS E INICIATIVA PRIVADA E POSSÍVEIS

RELAÇÕES COM A EXECUÇÃO DO PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO .... 155

Leonardo Victor dos Santos, Meire Lúcia Andrade da Silva, Rosilene Lagares

REGIME DE COLABORAÇÃO E SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO: O

INTERESSE DE AGENTES PRIVADOS NA DEFINIÇÃO DESSAS

POLÍTICAS...................................................................................................................160

Rodrigo F. Rodrigues, Rosenery P. do Nascimento, Gilda C. de Araujo

EIXO 5: OUTROS TEMAS RELACIONADOS.....................................................166

A DELIMITAÇÃO DO OBJETO NA PESQUISA EM POLÍTICAS

EDUCACIONAIS: A PREVALÊNCIA DAS ANÁLISES SOBRE O SETOR

PÚBLICO NA PRODUÇÃO ACADÊMICA (2000-2010) ......................................... 167

Valdelaine Mendes, Cileda S. Sant’Anna Perrella, Rosana Evangelista da Cruz

A PROMOÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O ENSINO SUPERIOR NO

BRASIL: PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA E O PROGRAMA UNIVERSIDADE

PARA TODOS..............................................................................................................172

Carolina da Rosa Kader

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A REDE LATINO-AMERICANA DE ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL

PARA A EDUCAÇÃO - REDUCA - E SUAS INTENÇÕES PARA A EDUCAÇÃO

PÚBLICA ..................................................................................................................... 178

Márcia Cossetin, Simone Sandri

APUNTES SOBRE LA MERCANTILIZACIÓN DE LA EDUCACION EN ESPAÑA

...................................................................................................................................... 183

Albert Sansano

ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO: REFLEXÃO DIALÓGICA SOBRE AS

CARACTERÍSTICAS DA UNIVERSIDADE ............................................................ 187

Shirlei Alexandra Fetter, Raquel Karpinski Lemes, Daniela Domingos Dias

GOVERNANÇA CORPORATIVA NA POLÍTICA EDUCACIONAL: REFLEXÕES

INICIAIS ...................................................................................................................... 192

Rodrigo da Silva Pereira

IMPLICAÇÕES DO ESCOLA SEM PARTIDO PARA A EDUCAÇÃO

PÚBLICA......................................................................................................................198

Paula Valim de Lima

IMPLICAÇÕES DO PROCESSO DE AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL DAS

INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA: O QUE DIZ O

SINAES ........................................................................................................................ 204

Rafael Martins Sais

LAS ALIANZAS ENTRE ESTADO Y EMPRESAS PARA LA MEJORA DE LA

EDUCACIÓN EN ARGENTINA A PRINCIPIOS DEL SIGLO XXI: DE LA

FILANTROPÍA A LA INCIDENCIA SOBRE LA POLÍTICA EDUCACIONAL .... 210

Laura Roberta Rodríguez

ORGANIZACIONES SOCIALES, FUNDACIONES PRIVADAS Y EMPRESAS EN

LA EDUCACIÓN PÚBLICA ACTUAL DE URUGUAY .......................................... 214

Cecilia Pereda

OS DESDOBRAMENTOS DA PRIVATIZAÇÃO NO TRABALHO DOCENTE:

CONTEXTUALIZAÇÕES, OBSTÁCULOS E RESISTÊNCIA ................................ 217

Kelly Marques dos Santos

REDES POLÍTICAS E AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NO ESTADO DO

RS ................................................................................................................................. 222

Maria de Fátima Cóssio, Susana Schneid Scherer, Robinson Francino da Costa

REDES POLÍTICAS, NOVA FILANTROPIA E AS FUNDAÇÕES NO CAMPO DA

MÍDIA IMPRESSA EM EDUCAÇÃO ....................................................................... 228

Quênia Renee Strasburg, Berenice Corsetti

TODOS PELA EDUCAÇÃO: UMA OSCIP INFLUENTE NO ATUAL CENÁRIO DE

GOVERNANÇA .......................................................................................................... 233

Daniela Oliveira Lopes, Leila Duarte Reis, Vanessa Silva da Silva

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EIXO 1: Educação Básica – Etapas

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A CONTRARREFORMA DO ENSINO MÉDIO BRASILEIRO

Maria Dilnéia Espíndola Fernandes1

Andressa Gomes de Rezende Alves2

O trabalho intenta discutir as recentes mudanças introduzidas no ensino médio no

contexto da contrarreforma operada pelo golpe de Estado parlamentar de 2016 no Brasil

e suas implicações e consequências para a oferta e garantia do direito à educação para a

população dos 15 aos 17 anos de idade. Objetiva assim analisar a contrarreforma do

ensino médio aprovada pela Lei n. 13.415 de 16 de fevereiro de 2017 (BRASIL, 2017),

que prevê alterações na jornada escolar, no currículo, na profissão docente e a

privatização por meio de parcerias público/privadas. A contrarreforma modificou a Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. 9.394/1996 e representa um

verdadeiro retrocesso educacional (BRASIL, 1996). Diante disso, o trabalho situa o

ensino médio no contexto dos anos de 1990 até o momento atual quando está se operando

a contrarreforma do ensino médio. Trabalhou-se com a legislação educacional e com a

literatura pertinente. As categorias de análise que embasam o trabalho são as da

historicidade, totalidade e singularidade para se trabalhar os conceitos de política

educacional e relações público/privado na educação.

Com efeito, o ensino médio, última etapa da educação básica brasileira, com o

objetivo e finalidades de exercício de cidadania e preparação para o mundo do trabalho

(BRASIL, 1996), historicamente tem se deparado com a contradição de ser ofertado para

uma juventude que, dado a desigualdade social brasileira produzida na base material de

produção, encontra esse jovem dividido entre dois projetos de mundos, a saber, o mundo

do trabalho e o mundo da escolarização.

Diante disso, parcelas imensas da juventude brasileira, ou enfrentam a

escolarização depois de uma jornada intensa de trabalho diário no ensino noturno, ou

desistem dela pela incompatibilidade de projetos de vida. E há ainda aqueles jovens que

não chegam a esta etapa da educação básica por falta de oportunidades de escolarização

diante de suas condições materiais de existência.

1 Doutora em Educação. Professora Titular da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, credenciada

no Programa de Pós-Graduação em Educação. Email: [email protected] 2 Doutoranda em Educação do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso do

Sul. Email: [email protected]

A pesquisa tem o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

(CAPES).

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10

Equacionar tal contradição tem sido um dos desafios postos para a política

educacional do país que depende direta e proporcionalmente da concepção de Estado em

curso, em dado momento histórico.

De fato, a aprovação da Constituição Federal de 1988, que expressou complexa

correlação de forças sociais, engendrou a concepção de Estado social de direito

democrático (VIEIRA, 2015) e, por isso mesmo, dispôs como dever do Estado a

“progressiva universalização do Ensino Médio gratuito” (BRASIL, 1988). A legislação

infraconstitucional aprovada na sequência, contudo, se deu em contexto de concepção de

Estado neoliberal. Isso colocou para essa etapa da educação básica brasileira, o seu

retorno a dualidade de formação entre o ensino propedêutico e o ensino técnico e ainda,

retirou-se sua progressiva universalização gratuita. Tal diretriz foi retomada em 2009 com

a aprovação da Emenda Constitucional n. 59, que a recolocou em conjunto com sua

obrigatoriedade, em contexto de concepção de Estado neodesenvolvimentista. Ainda que

o Estado neodesenvolvimentista tenha sido um projeto inconcluso e inacabado

(POCHMANN, 2011), e que não tenha rompido com os pressupostos da macroeconomia,

procurou trabalhar o custo social do ajuste neoliberal do período anterior, por meio da

ampliação das políticas sociais. Entre estas políticas, a educacional. Nesse sentido, o

ensino médio que já vinha se ampliando em termos de oferta desde o início dos anos 1990,

ganhou maior densidade com a aprovação da Emenda Constitucional n. 53, que foi

regulamentada pela Lei n. 11.494/2007, que instituiu o Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação

(Fundeb) (BRASIL, 2007). Ainda assim, de acordo com Krawczyk (2011), a expansão

da última etapa da educação básica não pode ser considerada como um processo de

universalização e democratização, em função do número de jovens fora das escolas, bem

como as altas taxas de evasão e repetência que ainda prevalecem. Com efeito, se em

termos de financiamento da política educacional o ensino médio reencontrou seu lugar na

esfera pública por meio do Fundeb, o mesmo não se deu quanto aos processos de gestão,

currículo e identidade.

Cabe pontuar que o ensino médio no regime federativo brasileiro, é

reponsabilidade e competência dos estados, e mesmo que os estados façam uso de sua

autonomia relativa para a concepção e execução de políticas educacionais para esta etapa

de ensino, estas se encontram fortemente alicerçadas pela interseção com aquelas

emanadas pelo governo federal. Por isso mesmo, o período que se estendeu de 2003 a

2016, foi um período de intensas redefinições jurídico-legais com vistas a reformar o

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ensino médio induzido pela União. Esse período se encerrou com o impeachment da

presidenta Dilma Rousseff, e o ensino médio persiste sem identidade, com segregação

educacional, com exclusão de parcelas da população, com currículo obtuso e sua gestão,

ainda que sob domínio dos estados da federação, sendo delegada às parcerias público-

privada.

Com a efetivação do golpe de Estado parlamentar em 2016, as políticas sociais,

entre elas a política educacional, encontram-se sob o contingenciamento de recursos por

meio da Emenda Constitucional n. 95/2016 (BRASIL, 2016) que congelou o orçamento

para o setor por 20 anos. Mas não só: no que tange ao ensino médio, a aprovação da Lei

n. 13.415/2017, representa exatamente sua contrarreforma, pois, toma como imperativo

a desresponsabilização do Estado e a privatização da educação pública a partir da

flexibilização dessa etapa da educação básica, quando reforça a fragmentação e a

hierarquia do conhecimento escolar com as alterações no currículo com vistas a

empobrecer a formação para reduzir custos e precarizar o trabalho docente por meio do

chamado notório saber, além de eliminar a relação entre o conhecimento tratado na escola

e sua relação com a sociedade que o produz. Com efeito, adentra-se a um estágio que,

como a reforma dos anos de 1990, propõe “[...] um intenso processo de mudanças da

racionalidade organizacional do ensino médio, que afeta profundamente a lógica de

gestão do sistema e o trabalho na escola pública” (KRAWCZYK, 2017, p. 9). Esse

processo abre caminhos para a mercantilização e, consequentemente para a desigualdade

por meio da educação. Logo, essas medidas significam um verdadeiro retrocesso ao

ensino médio ao propor um ensino meramente instrumental com a diminuição da

formação geral e antecipação da profissionalização. Certamente, são ações que atingem

de forma geral a classe trabalhadora, impede que os estudantes acessem diferentes tipos

de conhecimento, além de conduzi-los a uma formação técnica implantada através de

parcerias com o setor privado.

Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,

DF: Senado Federal, 1988.

_____. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da

educação nacional. Brasília, 1996. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 15 fev. 2017.

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12

_____. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 53, de 19 de dezembro de 2006.

Dá nova redação aos arts. 7º, 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e ao art.

60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Brasília, 2006. Disponível em:

< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc53.htm >. Acesso

em: 08 out. 2017.

_____. Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007. Regulamenta o Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação -

FUNDEB, de que trata o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;

altera a Lei no 10.195, de 14 de fevereiro de 2001; revoga dispositivos das Leis nos 9.424,

de 24 de dezembro de 1996, 10.880, de 9 de junho de 2004, e 10.845, de 5 de março de

2004; e dá outras providências. Brasília, 2007. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11494.htm >. Acesso em:

08 out. 2017.

_____. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009a.

Dá nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de forma a prever a obrigatoriedade do

ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares

para todas as etapas da educação básica, e dá nova redação ao § 4º do art. 211 e ao § 3º

do art. 212 e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo de inciso VI. Brasília,

2009. Disponível em: <http://www.

planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc59.htm>. Acesso em: 20 abr.

de 2017.

_____. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016.

Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime

Fiscal, e dá outras providências. Brasília, 2016. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm >. Acesso

em: 08 out. 2017.

______. Lei n. 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Altera as Leis nos 9.394, de 20 de

dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494,

de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da

Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das

Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e

o Decreto-Lei no 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei no 11.161, de 5 de agosto

de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio

em Tempo Integral. Brasília, 2017. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20152018/2017/lei/L13415.htm>. 07 mai.

2017.

KRAWCZYK, Nora. Reflexão sobre alguns desafios do ensino médio no Brasil hoje.

Cadernos de Pesquisa, v. 41, n.144, p. 752-769, set./dez., 2011.

______. O Ensino Médio flexibilizado: Uma reforma entre a fantasia da propaganda e o

pesadelo da realidade. Revista APASE, Ano XVI, nº 18, 2017.

POCHMANN, Marcio. O trabalho no Brasil pós-neoliberal. Brasília: Liber, 2011.

VIEIRA, Evaldo. A República Brasileira 1951-2010 – de Getúlio a Lula. São Paulo:

Cortez, 2015.

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13

A EDUCAÇÃO FOI AO MERCADO: O MERCADO COMO ORIENTADOR DA

POLÍTICA DE ENSINO MÉDIO NO BRASIL

Maria Raquel Caetano1

Introdução

A educação é parte de um projeto de nação, pelo qual é disputada por visões

antagônicas, e é cada vez mais crescente a disputa pela direção e conteúdo da educação

pública (PERONI, 2015).

No Brasil, essa disputa fica ainda mais clara quando examinamos o período pós-

golpe que visa radicalizar a reforma do Estado iniciada em 1990. O objetivo é “privatizar

tudo o que for possível”, tanto na infraestrutura econômica quanto na infraestrutura social

(FAGNANI, 2017, p.11) para diminuir o tamanho do Estado que segundo os neoliberais

gastou demais com políticas sociais.

Sob o projeto neoliberal, as reformas educacionais estão sendo aprovadas sem

discussão com as bases, mas sob resistência de professores, estudantes, sindicatos e

membros da sociedade. É o caso da Reforma do Ensino Médio, que vêm demonstrando a

disputa por projetos distintos e que tem no centro “a direção e o conteúdo da educação

pública brasileira” (grifos do autor). Em pesquisas anteriores constatamos que a

introdução de parcerias com o Terceiro Setor mercantil na execução das políticas sociais,

em especial na educação, vem trazendo consequências que alteram as estruturas e a lógica

da educação e da gestão educacional.

A medida que o Estado se redefine (PERONI, 2015), redefine também as formas

de compreender a gestão da educação e da escola introduzindo novos elementos, como

as parcerias, a gestão por resultados, o voluntariado, a terceirização, o que chamamos de

privatização, trazendo implicações à educação e a escola.

A privatização envolve uma variedade de processos e, podem ser chamados de

guarda-chuva perfeito

pois enquanto o propósito subjacente e as lógicas de gestão da educação

são garantidos de acordo com a lógica de mercado, dada a presença do

setor privado como responsável pela oferta, o Estado assegura o

ambiente político favorável e, o mais importante, o seu financiamento

(ROBERTSON; VERGER, 2012, p.1143).

1 Doutora em Educação. Professora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-

riograndense, Campus Charqueadas.

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14

Se as diferentes formas de privatização implicam de certa forma, no afastamento

do Estado da oferta direta de educação, por outro lado ele atua na regulação e avaliação

dos serviços educacionais (ROBERTSON, 2012, p. 292). As implicações para a educação

ocorrem na redução da participação e autonomia na elaboração das propostas

educacionais como abordaremos a seguir trazendo como exemplo o novo ensino médio e

os sujeitos que vem atuando para dar a direção as políticas educacionais no atual momento

histórico, político e social. Esse artigo tem como objetivo apresentar como o setor privado

passa a exercer influência e direção sobre a agenda educacional das reformas no Ensino

Médio no Brasil a partir da oferta de soluções privadas para sistemas públicos.

O mercado das políticas educacionais

O avanço das relações entre o Estado e o mercado de soluções educativas têm

contribuído para a redefinição da natureza do próprio Estado (BALL, 2014). Para o

neoliberalismo, o Estado ao mesmo tempo que reduz as políticas sociais, é um importante

criador de mercados oportunizando novos negócios, e as reformas educacionais, passam

a ter um papel importante nesse mercado. O mercado cresce, partindo das reformas e das

novas demandas criadas por elas. As soluções para problemas públicos foi compreendida

pelas empresas privadas originando um mercado de serviços e produtos educativos

privilegiando soluções privadas.

Surgem os empreendedores de políticas, conforme observa Ball (2014), que

incluem capacidade intelectual, conhecimentos de políticas, liderança e habilidade de

formação de equipes, contatos e habilidades estratégicas (idem, p.41) tudo isso

organizado rapidamente para enfrentar grandes desafios. Junto a isso, os novos

filantropos (BALL, 2014) que buscam impactos e resultados dos seus investimentos

através de resultados mensuráveis e o retorno dos seus investimentos. Nesse contexto, o

mercado passa a ser o parâmetro de qualidade para os problemas sociais.

Uma das questões fundamentais é a divulgação do pensamento hegemônico de

modelos baseados em empresas e das ideias de uma determinada classe que esses sujeitos

representam, alterando o conteúdo da educação.

As políticas educacionais são objetos de disputa entre redes globais,

instituições nacionais, organismos e empresas internacionais, ONG, think tanks,

consultores e especialistas, empreendedores sociais, filantropos onde “diversos

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discursos fluem e ganham legitimidade e credibilidade” (BALL, 2014, p. 34), ou atuam

através de consensos entre elas num mesmo projeto, numa mesma rede.

A privatização da política envolve empresas de conhecimento e consultores de

quem o governo compra o conhecimento de política para ser desenvolvido nos sistemas

e escolas públicas com o discurso de inovação e modernização. As políticas tornaram-se

um negócio, uma mercadoria, que pode ser comprado pelos sistemas educacionais do

Estado, além do que, passam a exercer influência e direção sobre a agenda educacional

das reformas.

Reforma do Ensino Médio e a relação com o setor privado

A Reforma do Ensino Médio que iniciou com o Projeto de Lei 6.840/2013

tramitou no Congresso desde 2013.O projeto propunha alterações na Lei 9.394/1996, a

Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional (LDB) e a alteração principal é a de

organização dos currículos do ensino médio por áreas do conhecimento, utilizando-se de

itinerários formativos, conforme texto de justificativa da proposta. O governo de Michel

Temer aprovou rapidamente a Medida Provisória 746/2016, sem consulta a comunidade

escolar e acadêmica e especialmente não levando em consideração a produção cientifica

já realizada na área até o momento, ou seja, foi imposta. Essa MP que anunciava parcerias

com o setor privado e com o terceiro setor, se converteu na Lei Nº 13.415 de 16 de

fevereiro de 2017.

Porque a reforma do ensino médio foi imposta? Em nossas pesquisas temos

desenvolvido a tese que as reformas em curso no país, estão sob o interesse de grandes

grupos empresariais privados. Esses grupos se organizam através de seminários,

congressos, fóruns e comissões especiais na Câmara dos Deputados com o objetivo de

indicar a direção das políticas educacionais, através dos sujeitos envolvidos e influenciar

no conteúdo da proposta de educação com formas pouco democráticas, sem a ampla

participação das entidades, professores, alunos e comunidade escolar, porque essa forma

de fazer política e seu conteúdo não seria aceita pelos educadores.

Destaca-se nesse cenário várias instituições que buscam dar a orientação e

direção a política educacional brasileira. São várias organizações empresariais e do

terceiro-setor empresarial que vem atuando como think thanks na reforma educacional do

ensino médio. Podemos destacar como por exemplo, na atuação de pesquisas a Fundação

Carlos Chagas que a pedido da Fundação Victor Civita, apoiada pelo Instituto Unibanco,

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Fundação Itaú Social, Itaú BBA e Instituto Península” analisou as “políticas curriculares

de Ensino Médio dos 27 estados brasileiros”, apontando que a sua reformulação, para

“permitir que os jovens escolham, a partir de um leque de opções, o percurso que mais se

adeque às suas características pessoais, vocações e projetos de vida”(Unibanco 2015,

p.3). Outra pesquisa foi feita pelo Instituto Unibanco, “Ensino Médio no Brasil:

Distribuição dos Tempos por Áreas e Componentes Curriculares” com apoio do Conselho

Nacional de Secretários de Educação (Consed) e do Movimento pela Base Nacional

Comum-MBNC. O Movimento pela Base tem como protagonista a Fundação Lehman e

grupo de empresários que formula a BNCC2.

Na Educação Integral, a Fundação Itaú Social e o Cenpec (Centro de Estudos e

Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), trabalham com “assessoria e apoio

técnico para a implantação de políticas públicas de educação integral, com foco na

formação de profissionais”. Os dois grupos também assessoram a articulação de “redes

de educação integral” entre as secretarias e as organizações da sociedade civil, para que

atuem de forma conjunta na implementação dessas escolas. Essa frente também é

explorada pela parceria entre o Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação (ICE) e

o Instituto Natura, que implementou o modelo em Sobral, no Ceará, e Bezerros, em

Pernambuco.

Essa ambiência privada já estava sendo consolidada por diferentes instituições em

diversos estados como Pernambuco, Pará, Espirito Santo, Rio Grande do Norte, entre

outros. No seminário “Desafios Curriculares do Ensino Médio promovido pelo Instituto

Unibanco” nos dias 21 e 22 de 2017, o presidente do CONSED e Secretário Estadual de

Educação de Santa Catarina e o Secretário Estadual do Espirito Santo apresentaram a

projeção para o Novo Ensino Médio nos estados e as respectivas parcerias como mostra

o quadro abaixo:

Quadro 1 – Parcerias Ensino Médio Santa Catarina

Projeção Santa Catarina Parceiros

ENSINO MÉDIO REGULAR FLEXÍVEL Instituto Ayrton Senna, Instituto Natura e Itaú BBA

ENSINO MÉDIO INTEGRADO À

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

(CONECTE)

Itaú BBA, SENAI e Banco Interamericano

Desenvolvimento – bordado – maior integração entre

disciplinas

ENSINO MÉDIO INTEGRAL EM

TEMPO INTEGRAL

Instituto Ayrton Senna, Instituto Natura –foco em

projetos – competências socioemocionais

2 Ver Peroni e Caetano (2015).

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Fonte: DESCHAMPS. Eduardo. Seminário Desafios Curriculares do Ensino Médio, junho 2017.

Quadro 2 – Parcerias Ensino Médio Espírito Santo

Programas Foco de atuação

Edulab 21

Assistência técnica do Instituto Ayrton Senna e EduLab21

para elaboração do Currículo, Socioemocional do ES,

metodologias, plano de formação de professores e

monitoramento do comportamento dos alunos.

Jovem de Futuro Instituto

Unibanco

Foco na Gestão para Melhoria de Resultados

Metas para as escolas, Regionais e Secretaria;

Circuito de Gestão (PDCA adaptado para educação);

Formação de gestores escolares e técnicos; Materiais de

apoio (formação, protocolos, metodologias de

aprendizagem).

Instituto de Co-

Responsabilidade pela

Educação (ICE)

Escola Viva - Escola de Tempo Integral

Plano de Formação da Rede

Documento Norteador da Política de Formação da

Rede/Plano de Formação (Consultoria Fundação Carlos

Chagas)

Fonte: ROCHA. Haroldo C. Seminário Desafios Curriculares do Ensino Médio, junho 2017.

Nos dois quadros percebemos que o setor privado atua como protagonista sob e

sobre a educação pública através de soluções/programas a serem implantados nos

sistemas estaduais de ensino, direcionando o que deve ser feito e como deve ser feito. É

o setor privado que dá a direção da política do ensino médio em bases gerencialistas, com

programas prontos, padronizados, cujo conteúdo entre outros, é o controle das ações da

educação e da escola na busca de resultados para as avaliações em larga escala e

ideologicamente o conteúdo da educação pública através do currículo do Ensino Médio.

Considerações

Os problemas educacionais têm sido considerados como resultado da má gestão e

desperdício do Estado, como falta de produtividade, qualidade e falta de esforço da escola

que ainda utiliza métodos, currículos e formas antiquadas de educar. Justifica-se assim, a

adoção dos conceitos empresariais de produtividade, eficiência, eficácia e

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competitividade para solucionar os problemas enfrentados pela educação. Surgem

diferentes formas de privatizar a educação através da direção da política e do seu

conteúdo. Uma das formas atuais é a orientação e direção das políticas educacionais

voltadas ao Ensino Médio por instituições privadas através de empreendedores de

políticas e filantropos que transformaram as políticas educacionais num mercado de

compra e venda através do Estado.

A reforma do ensino médio tornou-se uma oportunidade de negócio para as

empresas de serviços educacionais. Soluções políticas estão à venda como podemos ver

no quadro 1 e 2 e estão sendo implantadas nas redes estaduais de ensino. Essas instituições

se articulam para orientar a direção da política através de soluções privadas.

Os empreendedores de políticas e os filantropos no Brasil já vinham utilizando os

sistemas públicos como laboratórios para seus projetos, mas precisavam de um ambiente

que os legitimasse. Nesse sentido, o período pós-golpe neoliberal, foi o momento

oportuno para que pudessem através do Estado implantar seu projeto hegemônico, de

classe, para a educação, tendo como pretexto os resultados, a modernização e a inovação.

Referências

BALL. Stephen. Educação Global S.A. Novas redes políticas e o imaginário neoliberal.

Ponta Grossa, UEPG, 2014.

FAGNANI. Eduardo. O fim do breve ciclo da cidadania social no Brasil (1988-2015).

Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 308, jun. 2017.

UNIBANCO. Instituto. Seminário Currículo. Materiais. Disponível em

<http://www.seminariocurriculo.org.br/site/2017/#inicio>. Acesso em 2 set. 2017

PERONI, Vera Maria Vidal. Implicações da relação público-privada para a

democratização da educação no Brasil. In: PERONI, Vera Maria Vidal (Org.). Diálogos

sobre as redefinições do papel do Estado e sobre as fronteiras entre o público e o

privado. São Leopoldo: Oikos, 2015. p. 15-34.

PERONI V. M; CAETANO, M. R. O público e o privado na educação Projetos em

disputa? Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 9, n. 17, p. 337-352, jul./dez. 2015.

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A OFERTA DA EDUCAÇÃO INFANTIL E OS INDÍCIOS DE

CONVENIAMENTO PÚBLICO-PRIVADO NO MUNICÍPIO DE

ALVORADA/RS

Cátia Soares Bonneau1

Mariane Vieira Gonçalves2

Teresinha Gomes Fraga3

Resumo

O presente trabalho analisou a oferta da educação infantil, no Município de Alvorada/RS

no período 2005-2015, na perspectiva da obrigatoriedade da matrícula na pré-escola e o

direito a Educação Infantil pública de qualidade. Os dados evidenciaram a baixa oferta

de educação infantil pela esfera municipal, e a predominância das matrículas na rede

privada de ensino evidenciando a existência de conveniamento para oferta de Educação

Infantil, sugerindo um aprofundamento futuro nessa análise.

Introdução

Sendo a Educação Infantil um direito expresso na Constituição Federal (CF) 1988,

reconhecida como primeira etapa da educação básica na Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional em 1996 (LDBEN/96), tornada matrícula obrigatória a partir da

Emenda Constitucional de nº 59/2009 (EC59/09), reafirmada no Plano Nacional de

Educação de 2014 (PNE 2014-2024), com metas de universalização da oferta de pré-

escola até o ano de 2016, considera-se relevante essa análise na perspectiva da efetivação

do direito a Educação Infantil pública de qualidade conforme reza os ditames das Leis

vigentes.

Para este estudo, privilegiou-se a análise da oferta das matrículas de Educação

Infantil (EI) no município de Alvorada-RS, no decênio 2005-2015, utilizando os dados

do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).

Situada no estado do Rio Grande do Sul (RS), a cidade de Alvorada/RS apresentou

o índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,699, segundo dados do Instituto

1 Mestra em educação pelo Unilasalle (2016), professora de educação infantil na rede municipal de

Canoas/Rs. [email protected]. 2 Especialista em Inclusão Escolar e Docência na Educação Infantil (UFRGS); Professora da Pré-escola na

rede Municipal de Alvorada/RS; [email protected]. 3 MBA em Gestão e Políticas Públicas Municipais; Assistente Social na Prefeitura Municipal de Alvorada;

[email protected].

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Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), aonde, neste mesmo ano, a população

registrada foi de 195.673 habitantes e para o ano de 2017, a população estimada foi de

208.177.

A seguir apresenta-se brevemente a composição da rede educacional do Município

de Alvorada-RS e posteriormente, os dados das matrículas da EI, na série histórica 2005-

2015.

Num estudo realizado sobre a oferta de EI, Gonçalves (2016), apresentou essa

composição de oferta da educação básica em Alvorada/RS, nas dependências

administrativas: Municipal, Estadual e Privada.

Quadro 1 – Oferta educacional em Alvorada (2015) Dep. Administrativa

Escolas

Quantidade de

Escolas

Total

Municipal Escolas Ensino Fundamental 19

27 Escolas com Ensino Fundamental e EJA 8

Estadual Escolas com Ensino Fundamental 5

17 Escolas com Ensino Médio 7

Escolas com Ensino Politécnico 3

Escolas com Ensino Politécnico e EJA 2

Privada

Escolas Ensino Fundamental 2

32 Escolas Ensino Médio 4

Creches Comunitárias4 26

76

Fonte: Plano Municipal de Alvorada (2015); Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul

(2016). Sistematização: GONÇALVES (2016).

Conforme o quadro 1, pode-se verificar que não há registros de escolas municipais

de EI neste município, porém a Rede Privada (RP) registrou 26 creches comunitárias.

Estes dados apontam para o não cumprimento da incumbência do município em ofertar a

EI em sua rede própria.

Conforme apontamentos do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul (TCE-RS),

na Radiografia da EI referente ao ano de 2015, Alvorada apresentou uma taxa de

atendimento de 9,64%, na faixa etária de zero a cinco anos. O município recebeu valores

do FUNDEB por alunos na EI, neste foram sinalizadas a Rede Municipal (RM) e a Rede

Conveniada (RC). Na RM foi apontado o recebimento por 351 alunos, já na RC o número

representou três vezes mais, apontando o recebimento do FUNDEB por 1.132 alunos.

Em seu livro: Brasil em Contra Reforma (BEHRING, 2003) menciona que o

neoliberalismo, para as políticas sociais nos anos 1990, consistiu em privatização,

focalização e descentralização por meio do programa de publicização, compreendido

4 Termo utilizado no Plano Municipal de Educação de Alvorada/RS (2015) para especificar o atendimento

a EI em creches comunitárias.

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21

como mero repasse das responsabilidades para entes da federação ou para instituições

privadas e novas modalidades jurídicas que configuram o setor público não estatal,

caracterizando uma desestruturação do Estado e perda de direitos. Assim, com os dados

apontados pelo TCE-RS, e o crescente número de matrículas na RP podemos pressupor

os indícios do conveniamento na oferta de Educação Infantil no município de

Alvorada/RS. Conforme sinalizaram as autoras (SUSIN E PERONI, 2011; SUSIN E

FLORES, 2013), há possibilidades de retrocessos na garantia da qualidade em

conveniamento entre o poder público e instituições privadas, sejam elas com fins

lucrativos ou não, mas casos em que as mesmas, segundo as autoras, não atendem aos

parâmetros nacionais vigentes e às normas existentes.

Quadro 2 - Dados censitários do Município de Alvorada – INEP (2005-2015)5

Analisando a série histórica 2005-2015, sobre a oferta de EI, pode-se verificar que

na subetapa creche, Alvorada/RS não registrou matrículas nas dependências

administrativas: federal, estadual nem municipal, sendo essas registradas exclusivamente

pela RP. Em 2005, os números de matrículas na RP eram de 828 e encerrou a série com

apenas 422 matrículas, sinalizando uma tendência a queda desta oferta.

A etapa Pré-escola, conforme o quadro 2, não evidenciou matrículas na

dependência administrativa federal, porém, as três dependências administrativas

Estadual, Municipal e Privada apontaram matrículas no período analisado. A esfera

Estadual apresentou uma redução gradativa das matrículas, até finalizar essa oferta no

ano de 2011, possivelmente, devido à municipalização dessa etapa educacional. A

dependência administrativa Municipal iniciou o período histórico com 645 matrículas,

deixou de ofertar no período 2007-2011 e retomou a oferta em 2012, com 322 matrículas,

5 Os dados apresentados neste artigo estão vinculados à pesquisa em andamento e encontram-se no

Relatório Parcial indicado nas Referências deste artigo (FLORES, 2017).

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finalizando a série histórica com 411. A dependência administrativa Privada iniciou com

1.170 matrículas e apresentou uma queda oscilante até finalizar a série histórica com 804.

Apesar da queda nos registros, a dependência administrativa privada foi a que registrou

maior oferta de matrículas, sobrepondo a oferta da RM.

Adrião e Peroni (2009) apontaram como umas das fragilidades entre o setor

público e o setor privado, a democratização da educação. O Município de Alvorada-RS

criou com a Lei Municipal nº 1.004 de 02/08/1999, o Programa Municipal de Educação

Infantil (PMEI), tratando do conveniamento. Conforme o Art. 2º “O programa Municipal

de Educação Infantil - PMEI será implantado e mantido pela Secretaria Municipal de

Educação, através de convênios com creches comunitárias, com recursos oriundos do

poder público Municipal, da União e do Estado”. (ART. 2, LEI MUNICIPAL Nº

1.004/99). Aqui entendemos como frágil o processo de democratização, haja vista a

desassistência do Estado na oferta da educação pública neste município, tornando instável

também a implementação das políticas públicas educacionais.

Algumas considerações

Tendo o presente trabalho como objetivo, analisar a oferta da educação infantil,

no Município de Alvorada/RS na série histórica 2005-2015, na perspectiva da

obrigatoriedade da matrícula na pré-escola e o direito a Educação Infantil pública de

qualidade, observou-se, com base nas matrículas registradas, que a subetapa creche foi

ofertada somente pela RP.

Na etapa pré-escola, observou-se a oferta pela Rede Estadual (RE) em 2005, que

paulatinamente deixou de apresentar matrículas a partir do ano de 2010, possivelmente,

devido à municipalização dessa etapa escolar, bem como a lacuna da RP que inicia o

atendimento em 2005, mas em seguida, passou cinco anos sem registrar matrículas,

retomando a oferta em 2012, porém com números não expressivos. A RP aponta

matrículas nos dez anos analisados, e mesmo com a oscilação do número de matrículas

ao longo do período, foi à rede que mais ofertou EI em Alvorada/RS no decênio.

Cabe ressaltar que para este estudo obtivemos grande dificuldade na localização

dos dados referentes à Educação Infantil no site da prefeitura Municipal de Alvorada.

Portanto, este breve estudo denota a necessidade de aprofundamento futuro sobre o

conveniamento para oferta de Educação Infantil no município analisado.

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23

Referências

ADRIÃO, T.; PERONI, V. M. V. A educação pública e sua relação com o setor

privado: implicações para a democracia educacional. Retratos da Escola, Brasília, v.

3, n. 4, p. 107-116, jan./jun. 2009. Disponível em:

<http://www.esforce.org.br/index.php/semestral/article/view/105/294>. Acesso em: 15

mar. 2016.

ALVORADA. Lei Municipal Nº 2897, de 24 de junho de 2015. Cria o Plano Municipal

de Educação e dá outras providencias.

________. Lei Municipal Nº 1.004/99. Cria o Programa Municipal de Educação Infantil.

BEHRING, Elaine Rossetti. BRASIL EM CONTRA REFORMA. Desestruturação do

Estado e Perda de Direitos. Ed. Cortez, SP, 2003.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 9.394, de 20 de dez. de 1996 (LDBEN). Estabelece

as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm> Acesso em: 02 mai. 2016.

_______. Congresso Nacional. Emenda Constitucional n. 59, de 11 de novembro de

2009. Acrescenta § 3º ao art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

para reduzir, anualmente, a partir do exercício de 2009c. Diário Oficial da União,

Brasília, DF, 12 nov. 2009. Seção 1, p. 8. Acesso em: 10 nov. 2015.

______. Congresso Nacional. Plano Nacional de Educação. Lei n. 13.005, de 25 de junho

de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial

da União, Brasília, DF, 25 jun. 2014. Seção 1, p. 8. Acesso em: 20 jan. 2015.

FLORES, Maria Luiza Rodrigues. Monitoramento de Políticas Públicas para a Educação

Infantil no Rio Grande do Sul: estudo sobre a implementação da Emenda Constitucional

59/09 – obrigatoriedade de matrícula na pré-escola. (Relatório Parcial). Porto Alegre:

UFRGS, 2017. 122 p.

GONÇALVES, Mariane Vieira. A oferta de Educação Infantil no Município de

Alvorada/RS. Porto Alegre: UFRGS, 2016. 77 f. Trabalho de Conclusão do Curso de

Especialização em Docência na Educação Infantil MEC/UFRGS, Porto Alegre, 2016.

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO

TEIXEIRA. Sistema de Consulta a Matrícula do Senso Escolar 1997-2015. Disponível

em: <http://portal.inep.gov.br/basica-censo-escolar-matricula>. Acesso em: 05 mar. 2015

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.IBGE Cidades. 2015.

Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/xtras/home.php >. Acesso em: 1 out. 2017.

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http://www1.tce.rs.gov.br/docs/radiografia_educacao_infantil_2015/4300604.pdf>

Acesso em: 19 set. 2017.

SUSIN, M. O. K; PERONI, V. M. V. A parceria entre o poder público municipal e as

creches comunitárias: a educação infantil em Porto Alegre. Revista brasileira de política

e administração da educação. V. 27, n. 2, maio/ago. 2011.

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A OFERTA DE EDUCAÇÃO INFANTIL EM PORTO ALEGRE:

IMPLICAÇÕES PARA O DIREITO EDUCACIONAL NO CONTEXTO DAS

PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS

Maria Luiza Rodrigues Flores1

Camila Daniel2

Apresentação e contextualização do tema

O trabalho aborda a expansão da oferta de Educação Infantil no Município de

Porto Alegre (POA), Estado do Rio Grande do Sul (RS), objetivando analisar as parcerias

público-privadas na evolução da cobertura de atendimento, cuja relação iniciou em 1993,

com o fechamento da Legião Brasileira de Assistência (LBA)3.

Desde a Constituição Federal de 1988, as crianças bem pequenas passaram a ter o

direito social à educação reconhecido e firmado como dever do Estado. O constante

desenvolvimento de estudos na área (BARBOSA, 2014) corroborou para o

reconhecimento desta etapa como integrante da educação básica, a partir da atual Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9394/96). Na perspectiva da criança

como sujeito de direitos como reza o ordenamento legal vigente, o estudo destaca para

análise a dependência administrativa das vagas ofertadas em POA no período 2009-2013.

A metodologia utilizada envolveu abordagem quali-quantitativa, com compilação

de dados do Plano Municipal de Educação de POA - PME (Lei n. 11.858/15) embasados

no Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira - INEP

do período 2009-2013. A análise documental incluiu a revisão da legislação educacional

pertinente à etapa, o Projeto de Lei do PME e o novo Marco Regulatório das Organizações

da Sociedade Civil (MROSC), Lei Nº 13.019/14.

A revisão da literatura sobre as parcerias público-privadas na oferta educacional

contempla estudos de Peroni (2015) e Borghi e Bertagna (2016). Segundo, Peroni (2015)

as parcerias público-privadas podem ocorrer via execução e/ou direção da política,

conforme o nível de repasse de responsabilidades do Estado para a sociedade. Em relação

aos conveniamentos para a ampliação da cobertura de atendimento e as implicações desta

1 Doutora em Educação – Universidade Federal do Rio Grande do Sul 2 Bacharela em Comunicação Social e Graduanda em Pedagogia - Universidade Federal do Rio Grande do

Sul 3 Este trabalho apresenta dados parciais da Pesquisa “Monitoramento de Políticas Públicas de Educação

Infantil no RS: estudo sobre a implementação da Emenda Constitucional 59/09 – obrigatoriedade de

matrícula na pré-escola”, desenvolvida na Faculdade de Educação da UFRGS, sob a coordenação da Profª.

Drª. Maria Luiza Rodrigues Flores.

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25

política em POA, foram considerados estudos de Susin (2008; 2009), Flores (2007),

Flores e Soares (2014) e Rocha e Pessanha (2016).

Oferta de Educação Infantil em Porto Alegre no contexto das parcerias

As parcerias entre o poder público e o setor privado para a oferta de Educação

Infantil em POA, envolvendo vagas destinadas a crianças das classes populares,

relacionam-se às lutas dos Movimentos Populares pelo direito à creche, iniciando com

algumas instituições de caráter comunitário que dependiam dos recursos da LBA,

expandindo-se de maneira regular, sobretudo, nas áreas mais empobrecidas da cidade4.

Em 1993, o convênio inicial com 40 instituições, abrangia em torno de 2.000 crianças.

Em 2005, as vagas de convênio já atingiam 9.270, contra 5.825 matrículas na rede própria

(FLORES, 2007).

Apesar da determinação constitucional quanto à responsabilidade prioritária do

município em relação à oferta de Educação Infantil, neste município, a rede própria

apresentou ampliação pouco significativa no período 2009-2013, mantendo-se em torno

de 5.500 matrículas. Analisando as matrículas da dependência privada, foi observado o

avanço crescente: de 17.541, em 2009, para 21.845, em 2013. Trajetória semelhante

ocorreu com as matrículas conveniadas, iniciando com 12.884, em 2009, e alcançando

16.408 em 2015, sendo essas duas dependências as principais responsáveis pela oferta. A

partir dos dados obtidos, identificou-se que, em 2013, as matrículas conveniadas

representavam 35% da oferta de Educação Infantil em POA (PMPA/POA, PL do PME

2015).

Em 2017, a Prefeitura informa manter convênio com 226 instituições, enquanto a

rede própria inclui 43 Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEI) e algumas turmas

em Escolas Municipais de Ensino Fundamental (SMED/POA, 2017). De acordo com

dados da SMED/POA (2017), o total de atendimento pela rede conveniada, em 2016,

atingiu cerca de 19 mil matrículas com previsão de ampliação para 20 mil em 2018.

Borghi e Bertagna (2016) discutem dados referentes ao atendimento via setor

privado na primeira etapa da educação básica, analisando matrículas por regiões

brasileiras e questionando se, nesse contexto de expansão de conveniamento, a Educação

Infantil pode, ainda, ser considerada pública. Os dados apresentados pelas autoras

4 Sobre esse contexto histórico no município ver: Flores (2007) e Paulo e Zitkoski (2011).

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mostram que a Região Sul possui maior número de matrículas, evidenciando uma

consolidação da política de conveniamentos via repasse de recursos públicos ao setor

privado.

Para Susin (2008; 2009), as relações público-privadas em POA acontecem com

deslocamento da execução da política da Educação Infantil para a sociedade civil

organizada, a partir de um repasse de um montante de recursos públicos, definido a partir

de um per capita por criança atendida, configurando um dos modelos identificados por

Peroni e Adrião (2008). De acordo com Paulo e Zitkoski (2011), essas parcerias são

oriundas de um diálogo com os movimentos populares que, num dado momento da

história da etapa neste município, foi importante e necessário. Contudo, a materialização

das políticas educacionais via conveniamento aponta para formas diversas de

precarização do direito educacional com qualidade, destacando-se neste aspecto:

educadoras sem a formação exigida em lei; contratação de profissionais com magistério,

mas com cargos distintos e com remuneração incompatível com o trabalho docente;

materiais e equipamentos insuficientes; espaços físicos que não atendem a padrões de

infraestrutura vigentes (FLORES, 2007; SUSIN, 2009). Resultante de um processo de

acompanhamento realizado pelo TCE-RS, Rocha e Pessanha (2016) apresentaram dados

explicitando diferenças significativas entre a oferta na rede própria e aquela nas

instituições conveniadas visitadas, em termos de investimento de recursos e qualidade da

oferta. A própria Prefeitura reconhece a necessidade de um aumento de, pelo menos, 45%

do valor investido por aluno nos convênios (SMED, 2017).

A despeito do diagnóstico sobre a precarização do atendimento conveniado, a

SMED/POA indicou a continuidade da política de conveniamento, divulgando, em

setembro de 2017, o primeiro edital de chamamento público para as instituições já

conveniadas com a Prefeitura, a fim de se adequarem ao MROSC e se candidatarem ao

processo de parceria para oferta de Educação Infantil. Em seguida, uma vez que parte

destas instituições não atendeu aos novos critérios, outro edital foi divulgado, aberto à

candidatura de outras instituições para a oferta de um total de 6.271 vagas remanscentes.

Considerações finais

Os dados apontam para a prioridade dada pelo município de POA à política de

conveniamento para a expansão de matrículas nesta etapa, no período analisado, ao

mesmo tempo em que evidenciam discrepâncias em relação à qualidade do atendimento

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na rede conveniada quando comparada com a rede própria. Estudos futuros devem

monitorar esta oferta que se dá com uso de recursos públicos.

Referências

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entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua

cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante

a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho

inseridos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação;

define diretrizes para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com

organizações da sociedade civil; e altera as Leis nos 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790,

de 23 de março de 1999. Congresso Nacional. Diário Oficial da União, Brasília. 2014.

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FLORES, Maria Luiza Rodrigues. Monitoramento de Políticas Públicas para a

Educação Infantil no Rio Grande do Sul: estudo sobre a implementação da Emenda

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A QUALIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A ATUAÇÃO DO BANCO

INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO NA REDE MUNICIPAL DE

EDUCAÇÃO INFANTIL DE FLORIANÓPOLIS E AS PARCERIAS PÚBLICO-

PRIVADAS

Ângela Maria Scalabrin Coutinho1

Marlise Oestreich2

Introdução

A comunicação toma por base uma pesquisa em desenvolvimento sobre a

qualidade na Educação Infantil (EI) e a atuação do Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID) na rede municipal de ensino de Educação Infantil (RME/EI) de

Florianópolis. Objetiva problematizar a atuação do BID e suas implicações nas parcerias

público-privadas (PPPs). Partimos de duas pesquisas – 2006 e 2009 – realizadas no Brasil,

com destaque à última, que aponta Florianópolis como o município com a EI de melhor

qualidade, o que desencadeia o empréstimo de 58 milhões de dólares junto ao BID,

através do “Programa de expansión y mejoramiento de la educación infantil y la

enseñanza fundamental en el Municipio de Florianópolis”.

Buscamos apreender as ações propostas pelo Programa, que apresenta quatro

componentes: 1. ampliação da cobertura e melhoria da infraestrutura educacional; 2.

melhoraria da qualidade da educação; 3. gestão, acompanhamento e avaliação; e 4.

administração do Programa.

Nesse sentido, levantamos a hipótese de que essas ações contribuirão, dentre

outras questões, para o aumento das PPPs na RME/EI, fundamentadas no discurso da

melhoria da qualidade, considerando-a como um dos slogans das políticas educacionais,

pois [...] é um discurso que pode ser utilizado por quem tem poder para dispor e difundir

o slogan como forma de legitimar seu ponto de vista sem discuti-lo. Porque tem poder

para repeti-lo várias vezes sem esclarecer nada. [...] (CONTRERAS, 2002, p. 23-24).

A partir de alguns documentos preliminares que encontramos à disposição na

internet, elegemos as proposições de Fairclough (2001, p. 22), buscando perceber

1 Doutora em Estudos da Criança, professora no curso de Pedagogia e no Programa de Pós-graduação em

Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), na linha Educação: diversidade, diferenças e

desigualdade social. E-mail: [email protected]. 2 Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Educação, da Universidade Federal de Santa Catarina

(UFSC), na linha Educação e Infância. E-mail: [email protected].

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elementos através da Análise de Discurso Textualmente Orientada (ADTO), para a qual

“[…] diferentes discursos constituem entidades-chave de diferentes modos e posicionam

as pessoas de diversas maneiras como sujeitos sociais, e são esses efeitos sociais do

discurso que são focalizados na análise de discurso”.

Como arcabouço teórico, utilizamos o conceito de Agenda Globalmente

Estruturada para a Educação (AGEE), de Dale (2004, p. 436), como “[...] um conjunto de

dispositivos políticos econômicos para a organização da economia global, conduzido pela

necessidade de manter o sistema capitalista mais do que qualquer outro conjunto de

valores”. Nesse sentido, agregamos a questão da hegemonia, pois [...] ela pressupõe que

se leve em conta os interesses dos grupos sobre os quais a hegemonia será exercida, que

estabeleça uma relação de compromisso e que faça sacrifícios de ordem econômico-

corporativa (GRAMSCI, 1978b, p. 33). Portanto, como resultado preliminar

compreendemos que há uma íntima relação do projeto do BID alinhado à conservação da

hegemonia, através de um aparato educacional. Afinal, de acordo com Gramsci (1978a,

p. 52), “[...] a realização de um aparato hegemônico, enquanto cria um novo terreno

ideológico, determina uma reforma das consciências e dos métodos de conhecimento, é

um fato de conhecimento, um fato filosófico”. Dentre essas implicações, as PPPs tornam-

se importantes estratégias de legitimação.

As pesquisas sobre qualidade na Educação Infantil e o BID

Após a promulgação do direito da criança de zero a seis anos,3 iniciaram-se

também as discussões sobre qualidade. Nesse aspecto, foram realizadas duas grandes

pesquisas - 2006 e 2009. Nesta última, Florianópolis obteve os melhores resultados,

culminando na assinatura de um contrato com o BID em 2012 que previu o empréstimo

de 58 milhões de dólares.4 Como consequência, adentra no município o Programa, que se

propõe a “[...] aumentar a cobertura e melhorar a qualidade da educação da Educação

Infantil e Ensino Fundamental no sistema municipal”,5 sendo composto de quatro

componentes, que são descritos na sequência.

O componente 1 diz respeito à cobertura e à melhoria da infraestrutura, prevendo

[...] (i) a construção de 23 unidades de educação infantil, a ampliação

ou renovação de 15, atingindo 100% de cobertura na pré-escola e pelo

menos 60% das crianças de 0 a 3 anos, tudo em tempo integral, (ii) a

construção de três escolas de ensino fundamental, a expansão ou

3 Constituição Federal de 1988. 4 Lei Complementar n. 433, de 25 de maio de 2012. 5 BID, 2014.

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renovação de 11 unidades, atingindo 32% de cobertura em tempo

integral, bem como a construção de dois centros de inovação da

educação básica para atividades pedagógicas no contraturno, e (iii) a

aquisição de bens e materiais duráveis para equipar as unidades

educacionais. (BID, 2014, tradução nossa).

Portanto, com a construção, a ampliação e a reforma, há uma previsão da cobertura

de 100% na pré-escola e uma média de 60% das crianças de zero a três anos, em tempo

integral.

Em relação ao segundo componente, este se propõe a

[...] apoiar (i) o processo de licitação para a seleção de novos

professores, (ii) a formação e qualificação de professores e cursos de

formação de educação integral, de conteúdo específico e competências

pedagógicas necessárias para cada nível, assim como a implementação

de um sistema de "treinamento" para professores, (iii) o

desenvolvimento de matrizes para o currículo do ensino básico, a

articulação e a facilitação da transição de uma educação para o próximo

nível, (iv) o desenvolvimento da matemática, de ensino inovador, do

português e da ciência, e da tecnologia da informação na sala de aula

para reforçar o desempenho e a retenção no sistema escolar, e (v) a

formação de materiais para todos os estabelecimentos na rede. (BID,

2014, tradução nossa).

Diante disso, este componente aponta para possíveis mudanças na seleção

de novos professores, nas atividades de formação e na qualificação, prevendo a

implantação de um sistema de “treinamento”.

O componente três remete à gestão, ao acompanhamento e à avaliação:

[...] (i) a gestão da escola e da rede, tais como a seleção e a formação

de gestores escolares, redesenhando os processos e a implementação de

um sistema de gerenciamento de rede e escolas que atenda aos desafios

da extensão da oferta de tempo integral, (ii) a implementação de novos

processos de seleção, colocação, apoio e avaliação de professores, (iii)

a melhoria da Prova Floripa em design, processamento, utilizando os

professores e os diretores e seus resultados, (iv) o desenvolvimento e a

implementação de pontos de qualidade no sistema de monitoramento

de Educação Infantil, e (v) a realização de pesquisas para identificar a

demanda reprimida, e o desenho e a implementação de avaliações do

processo e dos impactos gerados pelo programa. (BID, 2014, tradução

nossa).

Verificamos aspectos que dizem respeito à gestão,6 fazendo menção à seleção e

formação dos gestores das unidades educativas, a um sistema de gerenciamento da rede,

com vistas à oferta em tempo integral. No que diz respeito aos professores, constam

novosprocessos de seleção, colocação, apoio e avaliação. Menciona a Prova Floripa,7 bem

6 Em Florianópolis a eleição de diretores acontece desde 1986 no ensino fundamental e 1994 na EI. 7 Trata-se de um instrumento avaliativo externo que iniciou em 2007 na rede municipal de Florianópolis

para conseguir informações, fornecendo indicadores de desempenho da aprendizagem. Mais informações

em: <http://www.provafloripa.caedufjf.net/o-programa/o-prova-floripa/>.

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como a qualidade na Educação Infantil, remetendo a avaliações desse processo e seus

impactos.

E, por fim, o componente quatro trata da administração do Programa: “[...] (i) a

criação da unidade de gestão do projeto, (ii) a aquisição de bens para o seu funcionamento,

e (iii) a prestação de apoio à gestão de serviços e Auditoria externa” (BID, 2014, tradução

nossa). Desse modo, estão previstas a criação de uma unidade de gerenciamento, a

aquisição de bens para o seu funcionamento e a previsão de apoio à gestão e à auditoria

externa.

Resumidamente, percebemos ações que culminam num sistema de

gerenciamento, na implantação de novos processos de seleção, colocação, apoio e

avaliação de professores, além do desenvolvimento e da implementação de pontos de

qualidade no sistema de monitoramento de EI.

Algumas considerações

A partir de Dale (2004), compreendemos que as políticas, os conteúdos e o

processo educacional se encontram enquadrados por uma regulação mais ampla, visando

à hegemonia, pois “[…] é justamente a criação de um bloco ideológico que permite à

classe dirigente manter o monopólio intelectual, através da atração das demais camadas

de intelectuais” (PORTELLI, 1977, p. 69).

Nas pesquisas citadas sobre a qualidade na EI, o BID foi um ator presente. Neste

sentido qual será a concepção de qualidade que está sendo tomada como referência para

o seu monitoramento?

O fato de o BID investir no município de melhor resultado – afinal, foi “[…]

escolhida para receber os recursos financeiros, em detrimento das outras capitais com

maiores carências de recursos e infraestrutura para os padrões do BID”

(EVANGELISTA; PEREIRA, 2016, p. 215) – não seria uma estratégia visando à

hegemonia dos países centrais? Em outro sentido, como se justifica esse investimento no

município considerando que nas ações prioritárias do BID consta “reducir la pobreza y la

desigualdad social”?

Com base no discurso da qualidade, não estaria visando avançar na privatização

da educação, através das PPPs, haja vista que consta nas prioridades do BID “promover

el desarrollo a través del sector privado”?

Nessa lógica acreditamos que essa parceria com o BID reforça “[…] as mudanças

no papel do Estado e redefinem as fronteiras entre o público e o privado principalmente

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entre o público não-estatal e da gestão gerencial proposta pelas parcerias” (ADRIÃO;

PERONI, 2009, p. 10), elemento a ser aprofundando na continuidade do estudo.

Referências

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A RELAÇÃO PÚBLICO-PRIVADO NA OFERTA DE VAGAS NA EDUCAÇÃO

INFANTIL

Rosânia Campos1

Janaína Silveira Soares Madeira2

Melissa Daiane Hans Sasson3

Resumo

Esse texto compõe um recorte de uma pesquisa4 desenvolvida no Grupo de Pesquisa em

Políticas e Práticas para Educação e Infância – GPEI / PPGE/ UNIVILLE, que teve como

objetivo investigar quais as estratégias que as maiores cidades de Santa Catarina adotaram

para cumprir a Lei 12.796/2013, que definiu a obrigatoriedade da matrícula aos quatros

anos de idade. É uma pesquisa documental, que buscou os dados em diferentes sites, como

INEP, FNDE, sites das Secretarias Municipais de Educação. Os dados foram

sistematizados e analisados, resultando na indicação de algumas estratégias privilegiadas

para ampliação das matrículas, entre essas, ampliar as matrículas via conveniamento, foco

desse trabalho.

A educação infantil no Brasil possui uma trajetória marcada por um movimento

pendular entre avanços e recuos no seu reconhecimento como direito de todas as crianças

e famílias. Assim, teve início como umapolítica focal na lógica de assistir famílias pobres,

associada ao processo civilizatório, que tomou por base as necessidades individuais e não

coletivas. Isto é, a educação infantil foi sendo constituída muito mais como um favor para

as famílias do queum direito social. Nesse sentido, a concepção da educação infantil como

estratégia civilizatória e assistencialista5 retirou-a da universalidade inclusiva e acabou

1 Professora Doutora no Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado da Universidade da Região

de Joinville/UNIVLLE. [email protected]. Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Políticas

Públicas e Práticas Educativas - GPEI. 2 Mestranda em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado na Universidade da

Região de Joinville. UNIVLLE. [email protected]. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em

Políticas Públicas e Práticas Educativas - GPEI. Bolsista FAP. 3 Mestranda em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado na Universidade da

Região de Joinville. UNIVLLE. [email protected]. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em

Políticas Públicas e Práticas Educativas - GPEI. Bolsista: CAPES. 4 Pesquisa financiada via edital: MCTI/CNPQ/MEC/CA PES Nº 22/2014 - CIÊNCIAS HUMANAS,

SOCIAIS E SOCIAIS A PLICADAS. Processo N° 472187/2014-7. 5 Consideramos importante destacar que, por vezes, os termos “assistencialismo” e “assistência social”

foram apropriados, inclusive pelos profissionais da Educação, como sinônimos, sem perceber que esse

último se refere a um direito garantido na Constituição Federal a todos osbrasileiros. Nesse sentido, é

importante lembrar que, quando pensamos em“assistencialismos”, estamos nos referindo à ideia de

beneficiário, ou seja,aquele que recebe um benefício, a qual está atrelada ao sentido de ajuda ecaridade. A

partir dessas considerações compreendemos que a educação infantil compõeo rol de políticas de assistência

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por conferir-lhe um papel de compensar carências, o que acabou sendo uma forma de agir

sobre os efeitos da pobreza, mas não sobre as causas da pobreza. Essa concepção de

educação infantil é ratificada por políticas sociais e estratégias governamentais ao longo

do século XX, resultando na dotação, das instituições de educação infantil, de um caráter

de provisoriedade, emergencial, ou ainda como substitutas temporárias da figura materna

(CAMPOS et al, 2015). Nesse sentido, destaca-se que uma das marcas históricas dessa

etapa é a opção dos governos em ampliar esse direito via modelos de baixo custo.

Ainda que seja importante considerarmos os avanços, de modo especial, os

progressos legais nessa etapa, como o reconhecimento como direito na Constituição da

República Federativa de 1988, o reconhecimento como primeira etapa da educação básica

via Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e a sua inclusão no Fundo Nacional

para Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), entre outros, a área ainda é

marcada fortemente por uma política focal (municípios possuem critérios para matricular

as crianças), bem como sua execução é dividida historicamente com diferentes autores:

instituições filantrópicas, comunitárias, e recentemente com Organizações da Sociedade

Civil de Interesse Público (OSIP’s), Organizações não governamentais (ONG’s) e

iniciativa privada, com baixo investimento governamental.

A partir das discussões acima foi desenvolvida uma pesquisa junto as oito maiores

cidades de Santa Catarina, objetivando conhecer como estavam operando para efetivar a

lei da obrigatoriedade de matrícula aos quatros anos de idade, Lei nº 12.796. Nesse

trabalho procuramos discutir uma das estratégias observadas, de modo privilegiado, nos

três maiores municípios do citado estado. Essa estratégia é a prática de conveniamento,

antiga conhecida da educação infantil, mas que no contexto atual, sob nossas análises

indicam que, diferentemente de outras décadas, no cenário atual, há uma

responsabilização pela execução, e também pela direção das políticas sociais6, transferida

para sociedade civil. Há um esvaziamento do papel do Estado, conforme já indicou em

seus estudos Peroni (2011).

As cidades em estudo e o processo de investigação

social, mas em alguns momentos foi e é marcada pela lógica assistencialista. Para maior discussão desse

aspecto indicamos Ludvig (2017). 6Tendo em vista os limites de páginas desse texto, bem como seu objetivo, não temos como discutir essa

hipótese que nossos estudos estão indicando. No entanto, a título de informação, podemos observar por

exemplo o papel da Rede Nacional Primeira Infância (RNPI) e de algumas fundações, como a Fundação

Maria Cecília Souto Vidigal.

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A presente pesquisa investigou as oito maiores cidades do estado de Santa

Catarina, os quais abrangem 34,01% da população total e de 32,68% das crianças de 0 a

5 anos do Estado (conforme foi observado nos índices doIBGE); além disso,

representoucinco dentre as seis mesorregiões catarinenses, bem como, contou com as três

maiores cidades do estado.

Em relação a educação infantil, Santa Catariana, atinge o percentual de 26,7%7

(INEP, 2015) quando consideramos as matrículas brutas, índice abaixo do nacional que

figura com 28% de atendimento. Quando desdobramos esses números, Santa Catarina

apresenta taxa de 34,8% de atendimento na faixa etária de 0 a 3 anos; e 81,4% na faixa

etária de 4 e 5 anos, seguindo desse modo a tendência histórica e nacional, isto é, a

discrepância entre os níveis de atendimento. Com relação as oito cidades pesquisadas

temos o seguinte panorama:

Tabela 1 – Dados das oito cidades catarinenses em estudo

Município

Mesorregião

População

IDHM

Número de

Instituições

públicas (0 a 5

anos)

Número de

Instituições

conveniadas

(0 a 5 anos)

Joinville Nordeste 515.288 0,809 65 25

Florianópolis Grande Florianópolis 421.240 0,859 90 17

Blumenau Vale do Itajaí 309.011 0,806 78 07

São José Grande Florianópolis 209.804 0,809 34 11

Criciúma Sul Catarinense 192.308 0,788 65 31

Itajaí Vale do Itajaí 183.373 0,795 64 02

Lages Serrana 156.727 0,770 75 05

Palhoça Grande Florianópolis 137.334 0,757 34 14

Fonte: IBGE (2010); Secretarias Municipais de Educação (2015); FNDE (2015).

Ao observamos o número de instituições públicas e o número de

instituições conveniadas, conforme tabela 1, é possível observar que as cidades de

Joinville e Criciúma se destacam no investimento de instituições conveniadas.

Diferentemente de Itajaí, Lages e Blumenau que evidenciam um investimento maior do

poder público nas instituições públicas. Necessário ainda observar que Joinville e

7 Atualmente estamos trabalhando na atualização desses dados, posto que, com a parcialização compulsória

das turmas de 4 e 5 anos, muitas cidades ampliaram o número de matrículas, sobretudo na pré-escola, o que

repercutiu nesse percentual.

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Criciúma apresentam percentuais elevados configurando que, quase metade dos

atendimentos da cidade é executado por instituições conveniadas. Esses dados parecem

indicar que, as cidades de Joinville, Criciúma, São José e Florianópolis a estratégia do

conveniamento parece ser privilegiada8.

Ao analisarmos o número de matrículas, considerando o tipo de instituição, a etapa

educativa e o tempo de permanência na instituição temos o seguinte cenário:

Quadro 1: Número de matrículas, por período de atendimento e tipo de instituição -

2015

Município Creche Pré – escola

Municipal Conveniada Municipal Conveniada

Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial Integral Parcial

Joinville 2.800 2.964 1.603 542 753 6.305 549 416

Florianópolis 4364 1188 601* 03* 4.808 1.517 438* 15*

Blumenau 5.312 0 331 0 2.637 2.705 425 0

São José 2.214 42 932 32 2.825 52 784 107

Criciúma 1.343 28 1.500 2.552 556 0 0

Itajaí 4.214 0 90 0 3.657 1.446 197 0

Lages 3.610 30 0 0 575 2403 0 0

Palhoça** 1.580 736 1.646 1.119

Fonte: Secretarias Municipais de Educação, 2015.

* Esses dados correspondem a 2014, pois não foi possível na época obter a última atualização dessa cidade.

** Não conseguimos os dados específicos.

Os dados demonstram que Joinville é a cidade que apresenta maior número de

matrículas conveniadas, sendo que Criciúma apresenta um cenário singular, uma vez que

não apresenta matrículas via conveniamento na pré-escola, mas apresenta alto índices na

creche, sendo essas todas em regime integral de atendimento. Interessante ainda ressaltar

que, as matrículas conveniadas são em geral de tempo integral. Outro aspecto que é

possível destacar é que a pré-escola, tanto em instituições públicas, quanto nas

conveniadas possuem grande número de matrículas em regime parcial. Essa situação se

tornou ainda mais marcante a partir de 2016, quando as cidades de Joinville, Blumenau e

Florianópolis parcializaram as matrículas na pré-escola. Para tanto, Blumenau definiu que

esse processo iria ocorrer nas turmas de 5 anos; Florianópolis definiu que seriam as novas

matrículas na pré-escola e Joinville, radicalizou e transformou todas as matrículas de pré-

escola em regime parcial.

8Importante destacar que, no processo de investigação observamos uma não correspondência entre o

número de matrículas conveniadas que constavam no site do Fundo Nacional de Desenvolvimento da

Educação (FNDE), e as matrículas contabilizadas nas secretarias municipais. Esse fato resultou em nova

pesquisa que se encontra em desenvolvimento.

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O conveniamento como a “saída” das cidades para cumprirem a lei da

obrigatoriedade

A estratégia de conveniamento não é algo novo na área de educação infantil, que

já teve esse tipo de iniciativa ao longo da história de sua constituição. Dito de outro modo,

a constante ausência do Estado fez com que a própria sociedade assumisse essa

responsabilidade, quadro que teve alterações após o reconhecimento constitucional, mas

mesmo com a definição de compor a educação básica e, posteriormente também ser

incluída no FUNDEB, essas alterações ainda estão muito aquém das demandas.

Importante ainda considerar que essa estratégia no contexto nacional, após a

década de 1990, ganha novos contornos, pois após a reforma do Estado (EC 19) executado

por Bresser Pereira, que estabelecia claras restrições ao crescimento do aparelho do

Estado, introduziu, entre outros aspectos, o conceito “público não-estatal”. Seguindo a

reforma os governos ficam subordinados a “Lei da Responsabilidade Fiscal (LRF)” que

limitou os gastos do Estado, em especial na área social, o que fortaleceu o crescimento de

organizações da sociedade civil. Assim, em um país em que direitos sociais começavam

a ser implementados, essa lei gerou grandes restrições ao Estado. A repercussão dessas

ações foi a terceirização nos serviços públicos. Entendemos que esse também pode ser

um fator impulsionador do conveniamento (ARELARO, 2008).

Além desse aspecto, para alguns autores, essa opção de alguns governos é apenas

uma reedição, mais humanizada, da antiga agenda de privatização da educação. De acordo

com Robertson e Verger (2012), sob égide da “parceria público – privado - PPP”, no

âmbito da educação pública, se observa uma crescente expansão do setor privado, no

entanto, segundo os autores, “governar a educação por meio da PPP é mais que uma

questão de coordenar os serviços de educação, envolvendo agentes públicos e privados”

(p.1135).

Assim, nos parece que as estratégias das gestões públicas evidenciam que as

políticas para educação infantil continuam ainda sendo pensadas de modo emergencial e

descontinuado; ao mesmo tempo que indicam também uma apropriação por parte das

gestões municipais, de indicações dos organismos internacionais em relação à função e

ao investimento da educação infantil.

Referências

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ARELARO, Lisete Regina Gomes. A não-transparência nas relações público-privadas: o

caso das creches conveniadas. In: ADRIÃO, Theresa.; PERONI, VeraMaria Vidal (Org.).

Público e privado na educação: novos elementos para o debate. São Paulo: Xamã, 2008.

CAMPOS, Rosânia. As políticas de expansão da Educação Infantil a partir da Lei Nº

12.796/13: análise dos dez maiores municípios do Estado de Santa Catarina. Relatório de

Pesquisa. CNPQ, 2016.

LUDVIG, Daiana. Currículo para a educação infantil: uma análise a partir dos

documentos curriculares de municípios catarinenses. 2017. 152 f. Dissertação

(Mestrado em Educação) – Universidade da Região de Joinville. Joinville, SC:

UNIVILLE, 2017.

PERONI, Vera Maria Vidal. Mudanças no papel do Estado e políticas Públicas

deeducação: notas sobre a relação público/privado. In PERONI, Vera Maria Vidal e

ROSSI, Alexandre José. Políticas educacionais em tempos de redefinições no papel do

Estado. Porto Alegre: Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS. Gráfica e

Editora UFPEL, 2011.

ROBERTSON, Susan; VERGER, Antoni. A origem das parcerias público-provado

nagovernança global da educação. In. Educ.Soc. Campinas, v.33, n.121, out. – dez.2012.

Disponível em: <http:// www.cedes.unicamp.br>.

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O “NOVO ENSINO MÉDIO” E AS POLÍTICAS DE ESTADO: RUMO AO

PÚBLICO-PRIVADO

Cristiane Bartz de Ávila1

Álvaro Moreira Hypolito2

A presente reflexão insere-se num conjunto de trabalhos que vem sendo elaborado

nos últimos anos, cuja temática assenta-se em discussões acerca do “Novo Ensino

Médio”3 e sua relação com as políticas de Estado. Nesta proposta, partindo de estudos

relevantes nessa área, nosso objetivo é refletir sobre o risco das políticas públicas, no

contexto brasileiro, consideradas como avanço em direção aos direitos sociais, caírem

num discurso vazio tendo em vista o avanço de estratégias denominadas de terceiro setor.

Precisamente, nosso foco está nas políticas educacionais, face ao avanço de

modelos de discursos que pregam a ineficiência docente e a abertura de espaços de

trabalho às instituições privadas para realizarem o que consideram que o serviço público

não conseguiu atingir, a qualidade da educação escolar no Brasil. Nesse sentido, este

trabalho justifica-se pela importância de estudos que versam sobre a referida temática, na

medida em que precisamos refletir sobre as redefinições das fronteiras entre o público e

o privado e suas implicações para a democratização da educação brasileira.

Para tanto, como metodologia do estudo, buscamos respaldo nas questões teóricas

desenvolvidas por Ball (2004) e Ravitch (2011), sobre o diagnóstico neoliberal

incorporado pela Terceira Via, as políticas públicas em educação e o trabalho docente,

para traçarmos um diálogo com as considerações do Ministério da Educação (MEC) sobre

o “Novo Ensino Médio”, levando em conta o método de análise crítica do discurso de

Flaircough (2001). Assim, nosso objeto de análise refere-se ao discurso oficial que

preconiza o “Novo Ensino Médio” como uma forma mais democrática do discente

agir/pensar sobre o seu futuro na escola.

A respeito da atuação do Estado sobre a educação, podemo-nos utilizar da

concepção de Peroni (2003) quando salienta que “o Estado mínimo proposto é mínimo

apenas para as políticas sociais e máximo para o capital” (p. 04). Se bem entendemos a

1 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pelotas

(PPGE/UFPEL), e bolsista CAPES. E-mail: [email protected]. 2 Professor Doutor no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pelotas

(PPGE/UFPEL), e pesquisador CNPq. E-mail: [email protected]. 3 Esta definição é utilizada pelo Ministério da Educação para reportar-se à reforma do Ensino Médio que

ainda aguarda aprovação da Base Nacional Comum Curricular.

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citação da autora, os Governos, para justificar a inserção do privado no público, utilizam

um discurso de que o Estado deve ser mínimo e que, por uma pressuposta ineficiência, as

políticas sociais, como a saúde e a educação, devem ser administradas com menor custo,

com base no argumento do Governo de que os órgãos públicos gastam demais com tais

demandas.

A nosso ver, essa ideia aplica-se estrategicamente aos setores que são justamente

aqueles considerados “despesas sem retorno [direto ou imediato] ao capital”, pois não

coincidem com outros setores da economia, que dão lucro ao sistema capitalista. Nesse

ínterim, a tática favorece o próprio Estado para que possa intervir no público a fim de

inserir o privatismo, que visa proporcionar lucrar nesses setores.

Nesse contexto, discutimos a educação, no que se refere ao “Novo Ensino Médio”

divulgado recentemente pelo Governo. Ao analisarmos a página oficial do MEC4,

observamos que existe uma preocupação em explicar as mudanças que devem ocorrer no

ensino médio, a partir de ideias contidas na formulação desse novo modelo. Vejamos o

proposto no site:

A nova estrutura terá uma parte que será comum e obrigatória a todas

as escolas (Base Nacional Comum Curricular) e outra parte flexível.

Com isso, o ensino médio aproximará ainda mais a escola da realidade

dos estudantes à luz das novas demandas profissionais do mercado de

trabalho. E, sobretudo, permitirá que cada um siga o caminho de suas

vocações e sonhos, seja para seguir os estudos no nível superior, seja

para entrar no mundo do trabalho (MEC, s.d.).

Nesta formulação, podemos verificar um discurso que prima pela autonomia do

discente que poderá escolher o caminho de sua vocação, e assim, uma aproximação da

escola com a realidade de cada aluno. Porém, o que não aparece nas entrelinhas das

informações contidas na página oficial do referido órgão governamental, em nossa

análise, seguindo o pressuposto de Flaircough (2001), são as questões estruturais das

escolas5. Nas palavras utilizadas pelo MEC não vislumbramos algo sobre as condições

precárias das escolas de nosso país. Aparentemente, tudo leva a crer que as instituições

terão meios de proporcionar aos discentes a escolha por uma ou outra área do saber, desde

que respeitada a Nova Base Comum Curricular, o que aparentemente poderia ser um fator

positivo, já que todos teriam um conteúdo mínimo que capacitaria a todos ingressarem

4 Para outras informações, acessar ao endereço eletrônico:

<http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=40361>. Acesso em: 25/08/2017. 5 Dentre elas, podemos citar a falta de profissionais para as disciplinas básicas do currículo escolar, a

infraestrutura precária, a violência, a baixa remuneração, os discentes que precisam trabalhar desde cedo e

o descrédito do sistema por parte de docentes e discentes.

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no mercado de trabalho. Entretanto, se pensarmos no quadro real de nossas escolas, como

ocorreriam tais modificações?

No nosso entendimento, a proposta travestida como se uma inovação fosse, está

implicada em políticas que visam à penetração da iniciativa privada nas instituições

escolares, à medida em que preconiza que uma educação de qualidade que não pode ser

obtida pelo setor público, e tenta fazer com que a sociedade assimile que parcerias

público-privadas assumam tais prerrogativas, diminuindo as fronteiras entre privatismo e

educação pública.

Com o olhar direcionado às escolas situadas em zonas de periferia ou em zonas

rurais, pensando nos discentes que precisam estudar perto de suas residências e em

escolas superlotadas que precisam atender a comunidade, nos questionamos: como

trabalharmos em turno integral? Reconhecendo a precariedade das instituições, como

atendermos a parte específica do currículo, se o discurso do MEC trata de interesses

diferenciados?

Evidenciando ambos os questionamentos, trazemos o previsto pelo MEC:

A formação técnica e profissional será mais uma alternativa para o

aluno. Hoje, se o jovem quiser cursar uma formação técnica de nível

médio, ele precisa cursar 2400 horas do ensino médio regular e mais

1200 horas do técnico. O novo ensino médio permitirá que o jovem opte

por uma formação técnica profissional dentro da carga horária do

ensino médio regular desde que ele continue cursando Português e

Matemática até o final. E, ao final dos três anos, ele terá um diploma do

ensino médio e um certificado do ensino técnico (MEC, s.d.).

Problematizando esta proposição, acreditamos que a diminuição da carga horária

de um ensino médio integrado com o técnico, pode trazer prejuízos aos discentes com

relação à sua formação cidadã, pois a ênfase recai nas disciplinas de português e

matemática. Estas, provavelmente, foram selecionadas porque são as disciplinas

utilizadas nos testes6 que medem o desempenho dos estudantes, o que pode contribuir

para um discurso satisfatório de tal mudança, visto que serão reforçadas tais áreas do

saber.

Retomando a propaganda da ineficiência, a alternativa sugerida pelos órgãos

governamentais e publicitários refere-se ao auxílio de instituições privadas no sentido de

gerenciar propostas que tem como intenção colaborar para uma melhor administração das

6 Estes testes são questionáveis quanto à sua real utilidade para o Governo. Ravitch (2011), sobre os testes

padronizados, escreve que no sistema educacional americano, o ensino focado em leitura e em matemática

para atender aos testes padronizados, levou os alunos a não conseguir responder questões simples sobre o

seu cotidiano, pois eles foram treinados somente para marcar as respostas corretas nos testes.

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escolas num sentido de dar eficiência às mesmas. Essas instituições requisitam

profissionais preparados e qualificados no contexto atual para o mercado, entretanto, tais

ações, em nosso entendimento, parecem romper com os princípios de gestão democrática

das escolas, tendo em vista a difusão das ideias de competitividade capitalista. Como

aponta Ball (2004):

A educação é, em vários sentidos, uma oportunidade de negócios.

Podemos pensar que essa oportunidade será maior ou menor, que virá

mais cedo ou mais tarde, que está sujeita a inflexões e mediações, mas

não que ela seja diferente ou excepcional... Cada vez mais, as políticas

sociais e educacionais estão sendo articuladas e legitimadas explícita,

direta e, muitas vezes, exclusivamente em função do seu papel em

aumentar a competitividade econômica por meio do desenvolvimento

das habilidades, capacidades e disposições exigidas pelas novas formas

econômicas da alta modernidade (BALL, 2004, p. 05).

Assim, ao mesmo tempo em que o Governo tem uma atuação diferenciada, numa

perspectiva de abrir caminho para que a iniciativa privada possa se inserir em setores

anteriormente considerados estratégicos para garantir o Estado de Bem-estar-social, tais

como a saúde e a educação; ainda tem a responsabilidade de preparar uma mão de obra

capacitada para atender as demandas do mercado capitalista em tempos globalizado,

conforme exposto.

Dessa forma, podemos apontar que o “Novo Ensino Médio”, na formulação

desenhada e propagandeada pelo site do MEC, tem uma conotação destinada a cumprir

determinadas demandas uma vez que os discentes terão obrigatoriedade somente nas

disciplinas de matemática e português. Com isso, os currículos terão de ser (re)pensados

de acordo com as necessidades da comunidade, com a inserção de matérias técnicas de

formação que sejam consideradas próximas a realidade de cada discente, o que em tese

pode parecer adequado e desejável, todavia na forma como está proposto, dadas as

desigualdades das comunidades e das escolas, tais políticas podem reforçar as

desigualdades, com um currículo empobrecido para as comunidades em condições

sociais, econômicas e culturais desfavoráveis.

Nesse viés, cabe uma indagação que não quer calar: em bairros carentes, o que

seria considerado necessário ou importante aos discentes? Seriam cursos que enfatizam

conhecimentos para profissões ligadas ao trabalho manual e braçal? Ou seriam cursos

ligados às áreas intelectualizadas? Quem será responsável por essa decisão, a comunidade

escolar ou as empresas contratadas para prestar consultorias? Seguindo esta linha de

reflexão, podemos arriscar-nos a articular que o modelo proposto pelo MEC sobre o

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“Novo Ensino Médio” poderá acentuar as diferenças sociais já existentes, considerando

os currículos trabalhados em diferentes instituições.

Por fim, encerramos nosso texto enfatizando a importância de uma escola pública

de qualidade, sem que se tenha a necessidade de uma interferência do privado, no sentido

de que o corpo docente e discente possam ter autonomia para a escolha do currículo a ser

ministrado. O currículo deve ser pensado de acordo com as particularidades da

Comunidade Escolar de modo a auxiliar o educando a se inserir na realidade local e

global, e não apenas um instrumento para manter os jovens imobilizados nos limites

impostos por sua situação econômico-social.

Esperamos contribuir com uma discussão atual acerca do momento histórico pelo

qual passa a educação brasileira, com o objetivo de pensarmos e observarmos as

estratégias que o capitalismo tem utilizado para impedir que avanços sociais tornem-se

efetivos num setor estratégico de nossa sociedade como a educação, foco de nossa

reflexão.

Referências

BALL, Stephen. Performatividade, Privatização e o Pós-estado do bem-estar. Educação

e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 89, p. 1105-1126, Set./Dez. 2004. Fonte: Disponível

em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: 23/08/2017.

BRASIL, Ministério da Educação. Novo Ensino Médio – Dúvidas. Fonte: Disponível

em: <http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=40361>. Acesso em:

25/08/2017.

FLAIRCOUGH, Norman. Discurso e Mudança Social. Brasília. Ed. da Universidade de

Brasília, 2001.

PERONI, Vera Maria. Política educacional e papel do Estado no Brasil dos anos 90.

São Paulo: Xamã, 2003.

RAVITCH, Diane. Vida e morte do grande sistema escolar americano. Como os testes

padronizados e o modelo de Mercado ameaçam a educação. Tradução de Marcelo Duarte.

Porto Alegre: Sulina, 2011.

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O CONVENIAMENTO DAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO INFANTIL SEM

FINS LUCRATIVOS EM PORTO ALEGRE: REFLEXÕES SOBRE O

TRABALHO DOCENTE

Simone Souza Prunier1

Simone Valdete dos Santos2

Fernanda dos Santos Paulo3

Introdução

O conveniamento de Instituições de Educação Infantil em Porto Alegre iniciou-se

na década de 1990, diante da mobilização dos movimentos populares que buscavam a

garantia do direito as creches. Deste então, a garantia da política pública da Educação

Infantil está sendo executada maciçamente por instituições privadas sem fins lucrativos e

em número bem inferior pelas instituições próprias da rede municipal. Com este cenário

posto é urgente analisar sobre o trabalho das profissionais que atuam nestas instituições

conveniadas, visto que há distinções no que tange as configurações de regime de trabalho,

nomenclaturas de cargos, salários e formação, quando comparadas as profissionais que

atuam nessa mesma etapa na rede municipal própria.

No presente artigo identificamos as relações entre o público e o privado e os

impactos no trabalho das profissionais das instituições conveniadas. A Educação Infantil,

primeira etapa da Educação Básica, deve estar comprometida com o desenvolvimento

físico, psicológico, intelectual e social da criança, o que implica na discussão da formação

docente, visto que grande parte dessas profissionais não possuem o Ensino Médio na

modalidade Normal, exigência mínima prevista em lei nacional.

O contexto de conveniamento no município de Porto Alegre, é executado,

sobretudo nos bairros populares4. Atualmente, para a oferta da Educação Infantil, há 2265

1 Título: Especialista. Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail:

[email protected] 2 Título: Doutora. Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail:

[email protected] 3 Título: Doutoranda. Instituição: Unisinos. E-mail: [email protected] 4 Na pesquisa de mestrado de PRUNIER ainda não concluída junto ao Programa de Pós-Graduação em

Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ocorre o registro dos bairros que mais possuem

Instituições de Educação Infantil conveniadas: Restinga, Lomba do Pinheiro, Santa Tereza e Mário

Quintana. Tais bairros compõem as zonas, intramunicipal, com menor Índice de Desenvolvimento Humano

Municipal (IDHM). 5 Dados disponíveis em: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/smed/default.php?p_secao=228, acesso em 22

de abril de 2017.

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escolas conveniadas e 436 escolas públicas da rede própria. Ao observarmos esse primeiro

dado, poderemos inferir o quão é expressivo o número de instituições conveniadas, as

denominadas Organizações não Governamentais (Associações Comunitárias de Bairro,

Fundações, Institutos), à Administração Pública Municipal. É importante ressaltar que

nesse contexto de parceria entre o público/privado, este cenário reflete um frágil

investimento em políticas públicas voltadas para essa etapa da Educação Básica, não

apenas para que se garanta uma educação de qualidade, mas também ações de valorização

para o trabalho do corpo docente. Para auxiliar na análise e elucidar a composição do

contexto de trabalho dessas profissionais de educação, utilizaremos como subsidio a Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN (1996) e a Resolução n.º 015, de

18 de dezembro 2014 do Conselho Municipal de Educação.

Metodologia

O caminho teórico-metodológico resulta de uma pesquisa bibliográfica e

documental com abordagem qualitativa sobre as relações público-privado na Educação

Infantil, bem como um levantamento quantitativo7 do número total de instituições

conveniadas e a sua localização em Porto Alegre, considerando o IDH dos bairros. A

análise dos dados é oriunda de pesquisas realizadas em nível Pós-graduação stricto sensu:

mestrado e doutorado a partir do tema abordado. No caso da pesquisa documental

utilizamos materiais de um movimento popular, a Associação de Educadores Populares

de Porto Alegre (Aeppa) que reivindica formação de educadores considerados leigos por

não possuírem a escolaridade exigida na LDBEN (1996). Para as nossas análises

consideramos o movimento político, social e histórico, as relações de força (decisões,

influências, lutas, arenas) e os sujeitos envolvidos (SOUZA, 1984).

Resultado e Discussões

6 Dados disponíveis em: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/smed/default.php?p_secao=228, acesso em 22

de abril de 2017. 7 A Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre, mediante a apresentação da pesquisa e o registro

do Termo de Consentimento Informado e Esclarecido, forneceu uma listagem de todas as instituições

conveniadas com seus respectivos endereços. Na pesquisa de mestrado de PRUNIER, com o apoio do

Laboratório de Geografia Física do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do

Sul, está sendo elaborado um mapa com a localização de cada instituição, sendo possível aferir sobre as

regiões de maior e de menor presença de instituições conveniadas de Educação Infantil.

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No que tange a formação das profissionais que trabalham na área da Educação, a

LDBEN define, em seu art. 62, que a formação de docentes para atuar na Educação Básica

far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em

universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para

o exercício do magistério na Educação Infantil e nos 5 (cinco) primeiros anos do ensino

fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade normal.

O Conselho Municipal de Porto Alegre aprovou sua Resolução, de n° 015 de 18

de dezembro de 2014, a qual “Fixa normas para oferta da Educação infantil no Sistema

Municipal de Ensino de Porto Alegre”. Esta reforça, em seu artigo 24, a responsabilidade

do professor pela docência, estabelecendo a orientação deste nas ações das profissionais

de apoio, conforme abaixo:

Art. 24 - O professor é o responsável pelo processo educativo nas

escolas/instituições e deverá estar presente nos grupos etários, nos

turnos de atendimento. §1° Será admitida a atuação de profissionais de

apoio ao professor, exigida a formação mínima de ensino médio,

acrescido de capacitação específica a ser regulamentada por norma

própria. §2° As ações dos profissionais de apoio devem se dar sempre

sob a orientação e responsabilidade do professor. (Grifo nosso).

A questão que emerge é que encontramos, muitas vezes, a ausência destes

“professores” nessas instituições. Ou seja, em muitos momentos, é o “profissional de

apoio” que está encarregado da responsabilidade da docência. Os motivos para que isto

ocorra, podem estar vinculados a falta de recursos para pagamento de pessoal qualificado.

Segundo os documentos da Aeppa mais de 70% das educadoras não possuem a formação

exigida na LDBEN e “Esse contexto reflete na vida da comunidade, do/a educador/a e da

educação de diferentes formas. [...] sendo é visível uma precarização tanto, do trabalho

como da educação” (PAULO, ZITKOSKI, 2011, p.64).

Para Basualdo e Esponda (2014), a precarização pode ser definida pela situação

em que o trabalho se apresenta, como por exemplo, a caracterização de sua jornada de

trabalho, a estabilidade, remuneração, benefícios sociais. Desta forma, poderemos trazer

indicativos que evidenciam a situação de precarização do trabalho nas instituições

conveniadas. Tal situação pode ser representada à medida que é negado, mesmo aquela

profissional que possui formação, conforme preconizado na LDBEN/96, o

reconhecimento profissional em seu sindicato de representação.

Em Porto Alegre, quem as representa é Sindicato dos Empregados em Entidades

Culturais, Recreativas, de Assistência Social, de Orientação e Formação Profissional no

Estado do Rio Grande do Sul (Senalba/RS). O Senalba/RS não denomina a função

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“Professor”, e sim “Técnico de Apoio” àqueles que estão efetivamente praticando à

docência. Em consequência desta situação, surgem muitas outras precarizações, como por

exemplo: a defasagem salarial, falta de um plano de carreira, ausência do reconhecimento

resultando na desvalorização total desse profissional.

Atrelado à falta do reconhecimento profissional, compreendemos ser importante

pensar na formação dessas profissionais, como algo que perpassa a necessidade de

adequação/enquadramento para uma determinada função no mundo do trabalho, algo que

é para o desenvolvimento e realização do ser humano e que aparentemente é negado

devido a complexas situações para muitas das trabalhadoras atuantes da Educação Básica

e principalmente na etapa da Educação Infantil.

Sendo assim, pensamos ser necessária a valorização formativa, pois entendemos

que as profissionais docentes das instituições conveniadas de Porto Alegre, ao possuírem

acesso ao Curso Normal, a Licenciatura em Pedagogia, constituindo uma compreensão

crítica sobre as circunstâncias que envolvem sua atuação profissional, na perspectiva de

que a continuidade em sua profissão seja uma opção e que dessa forma possam construir

subsídios para uma mobilização e oportuna transformação da realidade atual.

Conclusões

A continuidade e ampliação do conveniamento com instituições sem fins

lucrativos para execução da política pública para oferta da Educação Infantil em Porto

Alegre, gera uma situação desfavorável para as trabalhadoras, pois não são vistas

tentativas por parte do poder público de regulamentação quanto ao plano de carreira e

salários de forma a serem compatíveis com a função atribuída, também não há oferta de

formação para as docentes que não estão em consonância com a legislação nacional,

assim como não há mobilização por parte do sindicato que as representa para adequação

da sua função, visto que em suas carteiras de trabalho a nomenclatura que expressa o

cargo, não é a de Professor e sim de Técnico de Desenvolvimento Infantil.

Desta forma, as relações público-privado se materializam em precarização e

desvalorização, visto que são muitos os direitos negados e distintos quando as

comparamos com as docentes da rede própria do município. Ou seja, “[...] as

desigualdades estão presentes no que se refere ao aspecto qualitativo, estão presentes

desde a precarização do trabalho, do espaço físico e do material pedagógico” (PAULO,

ZITKOSKI, 2011, p.66). Ao tentar compreender tal cenário, percebemos que o que está

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em questão é toda a política da Educação Infantil no município, sendo esta de

financiamento insuficiente e minimizada, tratada como uma mercadoria ou uma empresa,

em que os gestores buscam reduzir custos e gastos. O exposto, revela a condição

fragilizada dos direitos conquistados na Educação Infantil, especialmente a tensão entre

público e o privado, o qual determina situação de precarização do trabalho dessas

docentes.

Referências

BASUALDO, Victoria; ESPONDA, María Alejandra. La expansión de la tercerización

a nível global a mediados de los anos setenta, sus antecedentes históricos y su alcance

atual. In: La tercerización laboral: Orígenes, impacto y claves para su análisis em

América Latina. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2014.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n.º 9.394, de 20 de

dezembro de 1996.

PORTO ALEGRE. Conselho Municipal de Educação. Fixa normas para oferta da

Educação infantil no Sistema Municipal de Ensino de Porto Alegre. Resolução n.º 015,

de 18 de dezembro 2014 do CME/PoA. Disponível em:

<http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/smed/usu_doc/refantil.pdf>Acesso em:

05 jan. 2017.

PAULO; Fernanda dos Santos; ZITKOSKI, Jaime José. EDUCAÇÃO INFANTIL DAS

CLASSES POPULARES: LIMITES E POSSIBILIDADES. R. de Ciências Humanas

Frederico Westphalen v. 12 nº 19 p. 51 - 73 Dez. 2011.

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REFORMA DO ENSINO MÉDIO: OPACIDADE ENTRE O PÚBLICO E O

PRIVADO

Débora Avendano de Vasconcellos Sinoti1

Introdução

Este texto tem o escopo de, em conjunto com autores que procuram discutir os

movimentos em políticas educacionais, refletir acerca dos impactos e significados da

conversão da medida provisória nº 746 na Lei 13.415/ 2017 (Reforma do Ensino Médio),

para a educação brasileira, ainda aguardando a aprovação da Base Nacional Comum

Curricular (BNCC). A Reforma, ainda não implementada, deverá nos próximos anos

movimentar drasticamente as instituições de ensino e seus atores, no exercício de

compreendê-la e estuda-la para as necessárias transformações e aplicações a fim de

adequar-se o ensino médio à lei.

Também, objetiva-se apresentar as discussões teóricas que estão sendo realizadas dentro

do corpo docente de uma escola Municipal no estado do Rio Grande do Sul, que oferta o

Ensino Médio. Na escola estão ocorrendo reuniões e grupos de estudo a fim de analisar

as leis, que fazem parte de um conjunto de políticas educacionais, no intuito de elaborar

seu novo Ensino Médio. Busca-se a apropriação e o entendimento destas para a garantia

de uma educação de qualidade e igualitária.

Portanto, justifica-se ser pertinente e imprescindível a discussão e a reflexão

acerca dos impactos e significados desta para a educação, em especial a pública, com

intento de apropriação e conhecimento crítico, importantes para o âmbito educacional.

Pois, a referida lei, acena para o enfraquecimento das fronteiras entre o público e o

privado, dificultando o olhar e a identificação do que é dever do Estado e até onde suas

“mãos” podem ou querem alcançar.

Em um primeiro momento, o grupo docente está realizando leituras e formando

grupos de estudos, que futuramente, serão apresentados à comunidade escolar, para em

conjunto, seja realizada a proposta do Ensino Médio da escola. A seguir apresentar-se-á

uma breve análise da Lei 13.415/ 2017 com alguns questionamentos e provocações.

Discussões e análises pertinentes

1 Mestre em Educação (IFSUL), doutoranda em Educação (FAE/UFPEL).

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Nesta seção serão discutidos determinados artigos da Lei 13.415/2017 a fim de

pensar e fazer pensar acerca de inúmeras ambiguidades e consequências da mesma para

a educação, principalmente no que concerne às inter-relações entre o público e o privado.

O cenário educacional, no Brasil, vem sofrendo constantes atravessamentos,

ataques e reformas políticas que desmontam significativamente conquistas já efetuadas,

apontando para perdas futuras ainda maiores. Os movimentos em políticas, como afirma

Ball (2014), são extremamente rápidos, lineares, sensíveis ao tempo e nem sempre

coerentes. Parafraseando o autor, “Grande parte do conteúdo deste livro estará

desatualizado no momento em que ele for publicado. Essa é a natureza da fera” (BALL,

2014, p. 12).

Há que se pensar acerca das políticas educacionais atuais, nesse sentido, como

formas de governança que hora avançam, outras recuam. Conforme Ball (2014) no

“como” do neoliberalismo. Tomando o neoliberalismo, segundo o autor, como um

conjunto complexo de políticas em redes, com novas localidades, onde suas fronteiras

tornam-se opacas e nada claras. Neoliberalismo, não é somente sobre privatização, mas,

sobre práticas que universalizam relações sociais, que influenciam todas as vidas, em um

nexo de acúmulo de capital e mercado. O autor sugere que essas políticas indicam o fim

da educação pública em suas formas de “bem-estar”, propondo inovações e com

“estranhos companheiros” (BALL, 2014). Os “estranhos companheiros” apresentam-se

nas parcerias público/ privado no intuito de retração estatal para, cada vez mais crescente,

a responsabilização do indivíduo.

Observa-se que as leis educacionais têm adquirido, cada vez mais, feições

neoliberais, demonstrando um esforço em buscarem-se parcerias objetivando a retração

Estatal. No artigo citado logo abaixo há a possibilidade destas parcerias serem firmadas

com instituições privadas. Não há a definição evidente de quais instituições podem ou

não participar. O que impediria, por exemplo, segundo a lei, de que a parte da formação

técnica e profissional, seja realizada em sua integralidade em instituições privadas,

desonerando assim o Estado, com pagamento de professores, instalações, dentre outros?

Art. 36, § 8º, “A oferta de formação técnica e profissional a que se refere

o inciso V do caput, realizada na própria instituição ou em parceria com

outras instituições, deverá ser aprovada previamente pelo Conselho

Estadual de Educação, homologada pelo Secretário Estadual de

Educação e certificada pelos sistemas de ensino” (BRASIL, 2017).

Também, está presente outra possibilidade, a da educação a distância. Novamente acena-

se com a probabilidade de realização de parcerias público/privado, com certa economia

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financeira em honorários dos docentes, já que o ensino a distância permite maior

flexibilidade e atendimento de um maior número de alunos. Conforme se pode observar:

Art. 36, § 11, “Para efeito de cumprimento das exigências curriculares

do ensino médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer

competências e firmar convênios com instituições de educação a

distância com notório reconhecimento, mediante as seguintes formas de

comprovação:” (BRASIL, 2017).

Ball (2014) auxilia no raciocínio quanto à opacidade das políticas educacionais e

de suas fronteiras, quando afirma que existem camadas inter-relacionadas e determinando

novas formas de privatização. As fronteiras enfraquecem-se também no que tange ao

trabalho docente. As escolas públicas podem, segundo a lei, contratar profissionais

liberais, sem vínculo, diminuindo a oferta de concursos públicos, realizarem parcerias

com escolas privadas e ou empresas, assim:

Art. 61, inciso IV, “profissionais com notório saber reconhecido pelos

respectivos sistemas de ensino, para ministrar conteúdos de áreas afins

à sua formação ou experiência profissional, atestados por titulação

específica ou prática de ensino em unidades educacionais da rede

pública ou privada ou das corporações privadas em que tenham atuado,

exclusivamente para atender ao inciso V do caput do art. 36”. (BRASIL,

2017).

Segundo Ball (2014) há camadas de políticas inter-relacionadas, determinando

novas formas de privatizações: “Recalibração Organizacional”, a “Colonização das

infraestruturas da política” e “Exportação e venda de política”. “Recalibração

Organizacional” entende-se por vendas de políticas, atividades empresariais de

consultoria e melhoria da escola, através de treinamentos e reformas educacionais.

“Colonização das infraestruturas da política” seria a produção de ideias de políticas

dentro do Estado, tendo como representantes privados operando no governo produzindo

“recomendações” e consultorias. Já a “Exportação e venda de política” é a produção de

política a ser vendida a outros países.

Os profissionais com “notório saber” além de poderem ser oriundos de empresas

de consultorias, escolas privadas, dentre outros, podem segundo a lei, ocuparem o lugar

de professores com formação específica e concursados, sem uma necessária formação

docente. O que interpela também o que se estabelecia como profissionalização docente2.

2 Visto que a Lei 9.395/1996, atualizada em virtude da Reforma do Ensino Médio e BNCC, quando

define Profissionais da Educação diz: “Art. 61, inciso IV - profissionais com notório saber reconhecido

pelos respectivos sistemas de ensino, para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação ou

experiência profissional, atestados por titulação específica ou prática de ensino em unidades educacionais

da rede pública ou privada ou das corporações privadas em que tenham atuado, exclusivamente para

atender ao inciso V do caput do art. 36.” (BRASIL, 1996).

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Inúmeros são os interesses e interessados nas formulações de políticas e em

políticas, portanto, são interesses públicos e privados; políticos e econômicos, para Ball

(2014) a educação como um grande negócio.

Breves considerações

Múltiplas são as formas e os micros espaços do neoliberalismo. Estas

ressignificam a educação, as formas de fazê-la e o trabalho docente. O neoliberalismo

está nas porosidades, tornando opacas as fronteiras de seu início, possibilidades e fim. As

políticas, em especial educacionais, atravessam a escola, docentes e discentes. Exigem

atenção, mas, não apenas. Exigem igualmente apropriação e reflexão. Um exercício

imperioso e urgente.

As políticas de responsabilização têm estimulado ideários de uma escolarização

voltada ao empreendedorismo, responsabilidade individual e adequação voltada ao

mercado de trabalho. A Reforma do Ensino Médio vem exatamente ao encontro disto.

Evidencia ainda a crescente retração do Estado em prol do privado. Surgindo novas

feições acerca do que signifique o trabalho docente a partir do “notório saber”, ainda, na

opacidade do que limita até onde o Estado alcança. Com a aprovação da BNCC as

instituições de ensino deverão iniciar as propostas e adequações. Conforme dito

anteriormente, a reflexão e a apropriação são fundamentais para o que virá a seguir.

Pretende-se, no grupo de professores da escola Municipal, garantir que a oferta do

Ensino Médio permaneça. Considera-se importante estudar e compreender o que está

ocorrendo no âmbito educacional. Também, que a comunidade escolar e seus integrantes

é que devem garantir seu espaço e serem protagonistas de uma nova proposta. Este tem

sido o empenho do corpo docente aqui citado. Os movimentos em redes de políticas estão

postos para que quiser ver e compreender. Não há nada escondido, estão na superfície.

Referências

BALL, S. J. Educação Global S. A.: novas redes políticas e o imaginário neoliberal.

Ponta Grossa: UEPG, 2014.

BRASIL. Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: nº 9394/96.

Brasília : 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm

Acesso: 28/09/2017.

BRASIL. Senado federal. Lei 13.415. Brasília: 2017. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13415.htm Acesso:

28/09/2017.

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EIXO 2: Educação Básica – Modalidades

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EDUCAÇÃO DO CAMPO E AGRONEGÓCIO: A RELAÇÃO PÚBLICO-

PRIVADO NAS ESCOLAS DO CAMPO

Magda Gisela Cruz dos Santos1

Conceição Paludo2

Introdução

A relação público-privado expressa uma das dimensões da luta de classes e se

apresenta de forma diversa em cada contexto histórico da sociedade capitalista. Não se

manifesta apenas na disputa política de poder entre as classes, mas está fundamentalmente

pautada por estratégias de apropriação dos recursos públicos pelas classes dominantes.

O agronegócio é a expressão mais clara de como, no contexto atual do campo

brasileiro, ocorre essa relação que interfere na educação dos trabalhadores. Assim,

analisar como se configura a relação público-privado no contexto das escolas do campo

é fundamental para pensar formas de resistência ao processo de mercantilização da

educação pública.

No texto apresentamos alguns exemplos de estratégias de apropriação do público

pelo privado nas escolas do campo. Os exemplos são resultados da pesquisa desenvolvida

pelo Projeto Observatório da Educação do Campo/CAPES/INEP no Rio Grande do Sul.

Com isso, pretendemos contribuir com estudos que visem aprofundar a temática e com a

elaboração de estratégias de resistência a esse processo, que tem implicado um dos

obstáculos para a democratização da Educação do Campo.

Políticas públicas de Educação do campo e agronegócio: a expressão da relação

público-privado no campo brasileiro

As políticas públicas de Educação do Campo, instituídas a partir da década de

1990, representam um avanço na democratização do acesso à educação formal. A

organização dos movimentos sociais camponeses que conceberam a perspectiva da

Educação do Campo, foi o fator preponderante na instituição dessas políticas.

A Educação do Campo nasce da crítica à situação educacional dos camponeses e

ao projeto de campo e de país que subordina o trabalho às necessidades do capital. Tem

1 Doutoranda em Educação – PPGE UFPel. Bolsista CAPES. E-mail: [email protected] 2 Doutora em Educação – PPGEdu/UFRGS. E-mail: [email protected]

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por perspectiva “[...] uma educação radicalmente emancipatória, de base socialista e

popular e de referencial teórico marxista [...]” (CALDART, 2009, p. 38), como parte de

um projeto que visa a superação do sistema capitalista.

Nesse sentido, chama atenção o fato de que, através de suas políticas educacionais,

o Estado passe a absorver algumas das demandas dos movimentos sociais do campo,

precisamente no momento em que o agronegócio consolida sua hegemonia como modelo

de produção no campo, a partir de relações de intensa exploração e precarização do

trabalho.

Segundo Heredia; Palmeira e Leite (2010), a presença do Estado foi central na

consolidação da hegemonia do agronegócio através da política de terras, na pesquisa e

nas inovações tecnológicas, na concessão de crédito e financiamentos, na renegociação

de dívidas e na implantação de infraestrutura necessária ao setor.

Nesse contexto, Leher (2014) enfatiza a necessidade de problematizar o interesse

do Estado em instituir as políticas públicas de Educação do Campo reivindicadas pelos

movimentos sociais, diante da sua opção pelo agronegócio. É necessário observar que as

políticas públicas de Educação do Campo emergem no período em que o Estado passa

por uma reconfiguração de suas ações. Diante do agravamento das desigualdades sociais

geradas pela crise capitalista após a década de 1970 e pelas políticas neoliberais das

décadas seguintes, as políticas educacionais passam a configurar como uma das

“condições de estabilidade política” (COUTINHO, 2012, p. 156) e para tanto, absorvem

algumas das demandas da classe trabalhadora.

A partir desse período “[...] decreta-se o fim da luta de classes e anuncia-se um

mundo de parcerias, pactos, voluntariado, consenso e consentimentos de parte a parte,

tenta-se induzir que não existe o conflito capital e trabalho e que ricos e pobres,

indistintamente, são responsáveis pelas crises e suas saídas” (COUTINHO, 2012, p. 152).

O Estado se apresenta como mediador de uma solução pacífica, promovendo de fato, um

ajuste da ordem social aos interesses do capital e desarticulando as organizações dos

trabalhadores. As políticas de Educação do Campo não escapam desse projeto em que o

público é cada vez mais determinado pelo privado.

Portanto, a relação público-privado, constitui um dos eixos fundamentais para

compreender como se configura atualmente a luta de classes no campo e suas

interferências na formação dos trabalhadores.

As diferentes formas de apropriação do público pelo privado nas escolas do campo

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O Observatório da Educação do Campo/CAPES/INEP foi um projeto realizado na

região sul do Brasil, no período de 2011 a 2014. Em seu núcleo no Rio Grande do Sul,

contou com a participação de seis escolas e abordou três eixos principais: a formação de

professores, a alfabetização e o letramento e a relação escola e comunidade.

A pesquisa não teve por objetivo central compreender a relação público-privado

nas escolas do campo ou nas políticas de Educação do Campo, entretanto, a partir da

perspectiva histórica adotada, observamos alguns exemplos de como o agronegócio tem

disputado a formação dos trabalhadores do campo. Ainda que a política pública em sua

proposição adote a perspectiva de Educação do Campo cunhada pelos movimentos

sociais, novas tentativas de mercantilização do ensino público são empreendidas nas

escolas do campo.

Como destaca Peroni (2015, p. 15) várias são as formas de privatização do público

[...] ou através da alteração da propriedade, ocorrendo a passagem do

estatal para o terceiro setor ou privado; ou através de parcerias entre

instituições públicas e privadas com ou sem fins lucrativos, onde o

privado acaba definindo o público; ou, ainda, aquilo que permanece

como propriedade estatal, mas passa a ter a lógica do mercado,

reorganizando principalmente os processos de gestão e redefinindo o

conteúdo da política educacional brasileira.

Nas escolas investigadas, as ações ou tentativas de privatização do público se

apresentam principalmente através da disputa pelo conteúdo formativo, o que foi

observado a partir da participação de algumas escolas no Programa Agrinho (SENAR)3,

no Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos do SENAR4 e pela oferta (não

efetivada) de materiais didáticos por empresas fumageiras5 que atuam na região.

Esses programas, coordenados por instituições historicamente vinculadas ao

projeto do capitalismo agrário, visam difundir nas escolas do campo conteúdos,

concepções e perspectivas de sociedade necessárias à conformação dos sujeitos ao projeto

3 O Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) é uma instituição de direito privado, criada nos

moldes do SENAI e SENAC. Tem por objetivo a formação profissional rural e promoção social de jovens

e adultos do campo. O Programa Agrinho é um dos projetos desenvolvidos pelo SENAR. O Programa

distribui, em escolas do campo, materiais didáticos e informativos sobre temas relacionados ao trabalho e

ao meio ambiente. Além disso, realiza concursos de redação e desenho sobre temas diversos. 4 O Programa Alfa – Alfabetizando para Profissionalizar é um Programa de alfabetização especial, com

duração de 6 meses, destinado a maiores de 18 anos com baixa ou sem escolaridade residentes em

comunidade rural, com o objetivo de dar-lhes condições para frequentar os demais cursos do SENAR-RS.

(Disponível em <http://www.senarrs.com.br>, acesso em março de 2013). 5 Além de oferecerem Programas sociais e materiais didáticos para escolas localizadas em regiões de plantio

de fumo, as empresas fumageiras realizam o controle periódico da presença dos estudantes na escola,

certificando aos órgãos públicos que combatem o trabalho infantil.

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do agronegócio. Em um dos materiais do Programa Agrinho, encontramos a seguinte

afirmação: “Criado com o objetivo de levar informações sobre saúde e segurança pessoal

e ambiental, principalmente às crianças do meio rural, o Programa se consolida como

instrumento eficiente na operacionalização de temáticas de relevância social da

contemporaneidade dentro dos currículos escolares” (TORRES, 2015).

Cabe destacar que ‘as temáticas de relevância social’ são definidas pelas entidades

promotoras do Programa, portanto, fundamentam-se naquilo que é relevante para a

manutenção do projeto de sociedade que defendem.

Assim, além de procurar atuar na solução de ‘problemas’ que atingem a formação

de mão de obra para o agronegócio, como a alfabetização de jovens e adultos, os

Programas citados atuam também no sentido de reforçar a perspectiva do capitalismo

agrário como a única possível, levando os sujeitos a acreditarem que a única forma de

permanecer no campo é aderir ao agronegócio, vendendo a baixo custo sua mão de obra

para trabalhos cada vez mais precarizados.

Outra estratégia de interferência dos interesses privados nas escolas do campo são

as avaliações externas, como a Prova Brasil, da qual duas das escolas investigadas

participam. As avaliações externas têm representado uma forma de controle por parte do

Estado, de modo a ajustar a gestão, os conteúdos e as práticas escolares às necessidades

do mercado.

Em outras duas escolas participantes do Projeto, o emprego do transporte escolar

constitui também uma forma de apropriação do público pelo privado. Os municípios

optam pelo sistema de nucleação e fechamento de escolas multisseriadas e empregam o

uso de transporte escolar que, não raras vezes, ocorre através de licitações que deslocam

para iniciativa privada recursos públicos que poderiam ser investidos na qualificação

dessas escolas.

No presente texto não aprofundamos a análise dos diferentes exemplos de

apropriação privada do público nas escolas do campo investigadas. Nosso objetivo foi

apontar alguns indicativos para que estudos futuros possam refletir sobre as implicações

desse processo para a Educação do Campo

Considerações finais

A apropriação do público pelo privado nas escolas do campo investigadas tem

ocorrido de maneiras diversas: pelo deslocamento de recursos públicos para iniciativa

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privada, como no caso do transporte escolar; através do controle instituído a partir das

avaliações externas; e, sobretudo, através da disputa pelo conteúdo da formação dos

trabalhadores do campo, como observamos nos diversos programas sociais de entidades

ligadas ao agronegócio direcionados às escolas do campo.

Além de evidenciar as diferentes estratégias do agronegócio para a

mercantilização da educação dos trabalhadores do campo, procuramos explicitar os

diferentes projetos de sociedade que fundamentam a perspectiva do agronegócio e a

perspectiva da Educação do Campo. Consideramos que esta distinção é fundamental para

compreender as implicações da relação público-privado na democratização da Educação

do Campo e, sobretudo, para elaborar as necessárias formas de resistência ao processo de

apropriação do público pelo privado.

Referências

CALDART, Roseli Salete. Educação do campo: notas para uma análise de percurso.

Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v.7 n.1, p.35-64, mar./jun. 2009.

COUTINHO, Adelaide Ferreira. Educação sob a lógica do mercado: políticas de

financiamento e parcerias com o setor privado. In: COUTINHO, Joana Aparecida;

LOPES, Josefa Batista (org.). Crise do capital, lutas sociais e políticas públicas. São

Paulo: Xamã, 2012.

HEREDIA, Beatriz; PALMEIRA, Moacir; LEITE, Sérgio Pereira. Sociedade e

economia do “agronegócio” no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 25,

n° 74, outubro/2010, p. 159-196.

PERONI, Vera Maria Vidal. Implicações da relação público-privado para a

democratização da educação no Brasil. In: PERONI, Vera Maria Vidal (org.). Diálogos

sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na

educação. São Leopoldo: Oikos, 2015.

TORRES, Patrícia Lupion (org). Metodologias para a produção do conhecimento: da

concepção à prática. Curitiba: SENAR/PR, 2015.

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MEDIOTEC E AS LÓGICAS PRIVADAS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Mário Augusto Correia San Segundo1

Introdução

Neste resumo expandido será demonstrada parte de uma análise maior sobre o

MedioTec, que é a principal política de educação profissional do governo ilegítimo de

Michel Temer, associada ao Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego

(Pronatec). Com o programa pretendem ofertar vagas de educação profissional técnica de

nível médio em modalidade concomitante. A ideia do governo é oferecer mais de 107 mil

vagas divididas em 131 cursos diferentes, só em 2017.

O próprio Pronatec, em termos gerais, já é bastante questionável. Como apontou

Vera Peroni, o programa faz parte de um conjunto de políticas educacionais ou programas

destinados principalmente para as pessoas mais vulneráveis, porém a “[...]oferta, com

algumas exceções, dá-se de forma precarizada, com bolsas ou salários simbólicos, em

locais pouco apropriados, sem espaços democráticos de participação” (2015, p.28-29).

Ou como nos afirmam Romir Rodrigues e Maurício Santos:

[...] o Pronatec forma-se na confluência de vários elementos. As

políticas de um Estado desenvolvimentista, característico do projeto

neodesenvolvimentista, a compreensão da educação profissional como

investimento em capital humano, a inserção de práticas gerencialistas

na gestão estatal e a implantação de parcerias público-privadas são

alguns desses elementos cristalizados nos pressupostos do Pronatec,

pois, desde os documentos e leis que o implantaram, é possível

visualizar a esfera privada como elemento central neste Programa.

(2015, p.123)

MedioTec e a face neoliberal da Educação Profissional

O Brasil vive um momento de grande instabilidade política. Os ataques

orquestrados contra os serviços públicos e seus servidores, os cortes de verbas para

programas sociais, educação, saúde pública, a Emenda Constitucional 95 que congela o

teto de investimentos estatais por 20 anos, a reforma trabalhista sob medida para agradar

os empresários, a reforma da previdência em tramitação, manutenção de uma parcela de

aproximadamente 50% do orçamento para pagar juros da dívida pública, beneficiando o

1 Professor do IFRS Campus Viamão. Mestre em História e doutorando em Educação na UFRGS. Email:

[email protected].

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mercado financeiro com juros estratosféricos, a reforma do ensino médio que aprofunda

uma dualidade classista da educação brasileira, são políticas do governo golpista, apoiado

por amplos setores da grande imprensa e empresários, e não deixam dúvidas sobre os

objetivos de radicalização neoliberal por trás do golpe.

Dardot e Laval, ao analisarem o neoliberalismo em sua ação global na atualidade,

afirmam que:

Não há dúvida de que é uma guerra sendo travada pelos grupos

oligárquicos, na qual se misturam de forma específica, a cada ocasião,

os interesses da alta administração, dos oligopólios privados, dos

economistas e das mídias (sem mencionar o Exército e a Igreja). Mas

essa guerra visa não apenas a mudar a economia para ‘purificá-la’ das

más ingerências públicas, como também a transformar profundamente

a própria sociedade, impondo-lhe a fórceps a lei tão pouco natural da

concorrência e o modelo da empresa. Para isso, é preciso enfraquecer

as instituições e os direitos que o movimento operário conseguiu

implantar a partir do fim do século XIX, o que pressupõe uma guerra

longa, contínua e muitas vezes silenciosa, qualquer que seja a amplidão

do ‘choque’ que sirva de pretexto para determinada ofensiva.

(DARDOT; LAVAL, 2016, p.20-21)

A educação pública é mais um elemento a ser atacado pelo golpismo neoliberal,

que busca romper fronteiras e transformar tudo em mercadoria. No caso do MedioTec, o

que temos é uma apropriação do público por lógicas privadas financiadas por dinheiro

público, para servir aos interesses empresariais.

A questão central é que o MedioTec escancarou o interesse do governo Temer em

atender os anseios do empresariado, ao propor a formação de uma força de trabalho

especializada na medida da importante limitação, na ótica do capital, que não permita a

emancipação e que esteja pronta para ser explorada de forma barata pelas grandes

empresas.

Segundo o “Documento de referência de execução para todas as redes ofertantes”

(MEC, 2017a) o MedioTec

[...] ofertará vagas em cursos técnicos concomitantes ao ensino médio

para alunos regularmente matriculados nas redes públicas de educação.

O MedioTec tem como proposta o fortalecimento das políticas de

educação profissional mediante a convergência das ações de fomento e

execução, de produção pedagógica e de assistência técnica, para a oferta

da educação profissional técnica de nível médio articulada de forma

concomitante com as redes de educação e com o setor produtivo. (MEC,

2017a, p.1)

Um primeiro ponto a observar em uma análise do documento é que das três

possibilidades de modalidades de educação profissionais possíveis a concomitante foi

eleita como prioritária pelo governo. As modalidades de ensino médio integrado ao

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técnico, subsequente, em que os estudantes fazem o curso técnico após concluírem o

ensino médio, e podemos apontar aqui o PROEJA, que é integrado, mas para jovens e

adultos, foram descartadas como possibilidade.

Na LDBEN, no inciso II do artigo 36-C, a modalidade concomitante é a que

permite que o estudante realize o ensino médio em uma instituição e o ensino

profissionalizante em outra. A principal suposição do porquê a modalidade concomitante

foi escolhida em detrimento das outras é a que essa se adequa melhor aos objetivos

imediatos do governo, que é o de servir ao empresariado do setor educacional e deslocar

vultosos recursos para o Sistema S. Abre a possibilidade do estudante realizar um curso

de ensino médio, caro e com toda a responsabilidade social que possui em uma escola

pública, e o curso técnico em uma instituição privada com a vaga bem paga com dinheiro

público.

Atende aos interesses empresariais com formação de força de trabalho, atende aos

interesses ideológicos pois não promove educação crítica, mas apenas treinamento, e

atende aos interesses de um setor político muito importante no apoio e financiamento do

golpe institucional dados pelo bloco no governo, que é o Sistema S e grupos empresariais

que têm atuado no mercado educacional brasileiro, inclusive com capitais abertos em

bolsas de valores. Setores que como instituições conveniadas ganharão milhares de reais

para aplicar os cursos de baixa qualidade para a juventude, vulnerabilizada pelo caos

social instalado.

Ao final do primeiro parágrafo do documento citado anteriormente, também já

fica evidente a “articulação com o setor produtivo” preocupação obsessiva que se reflete

em todo o documento, partindo do pressuposto de uma falácia de que ao planejarem os

cursos com base nas demandas regionais de empregos, mapeadas pelos Ministérios,

aumentaria a possibilidade de “empregabilidade” dos concluintes. Sobre esse tema, a

secretária de Educação Profissional e Tecnológica Eline Nascimento, faz várias

declarações à assessoria de comunicação do MEC, que publica no site do órgão para que

não restem dúvidas sobre o que determina os cursos ofertados.

[...] pelo MedioTec o mercado de trabalho é que vai servir de parâmetro

para essa definição. ‘Antes a oferta de vaga era estimulada pelas

ofertantes. Por este programa, as possibilidades de inserção dos jovens

serão mais rápidas e bem maiores.’ (MEC, 2017b) A oferta dos cursos

teve como base um mapeamento de empregabilidade a longo prazo. ‘As

vagas que ofertamos estão de acordo com o mapa elaborado pelos

ministérios, que mostra as demandas do mercado quando essas turmas

concluírem’, explicou a secretária de Educação Profissional e

Tecnológica do MEC, Eline Nascimento. (MEC, 2017c)

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Ao entregar a definição dos perfis dos cursos ao sabores dos mercados, o Estado

abre mão da postura de indução de matrizes produtivas alternativas e diversificadoras, o

que poderia evitar que regiões inteiras fiquem reféns de um único arranjo produtivo, para

atender aos interesses de qualificar força de trabalho barata para ser explorada por

empresas que, a qualquer momento, abandonam as regiões por mais vantagens em outros

países ou estados, devido a guerra fiscal, deixando um rastro de desemprego e destruição

social.

O governo aposta na empregabilidade no grande capital, reforçando o ciclo de

dependência da população, ao invés de estimular a autonomia na busca por alternativas

de vida e de organização de trabalhos cooperativos, que garantam a soberania para a

cidadania e até a segurança alimentar e social da população. O governo torna-se indutor

neoliberal, ao investir dinheiro público em programas educacionais que formam pessoas

com foco único na empregabilidade capitalista, não induzindo alternativas. Como afirma

Vera Peroni, em parte citando David Harvey

[...] é importante frisar que o Estado mínimo proposto é mínimo apenas

para as políticas sociais conquistadas no período de bem-estar social.

Na realidade, o Estado é máximo para o capital, porque, além de ser

chamado a regular as atividades do capital corporativo, no interesse da

nação, tem, ainda, de criar um ‘bom clima de negócios’, para atrair o

capital financeiro transnacional e conter (por meios distintos dos

controles de câmbio) a fuga de capital para “pastagens” mais verdes e

lucrativas. [...] Assim, verifica-se que mesmo os governos mais

comprometidos com a lógica neoliberal não intervencionista têm sido

grandes interventores a favor do grande capital. (PERONI, 2015, p.19-

20)

Outro tema importante são as relações entre o MedioTec e a reforma do ensino

médio, pois segundo o “Documento de referência”

O MedioTec é uma ação do Ministério da Educação, no âmbito do

Pronatec, que catalisa a reforma do ensino médio e que tem, entre seus

propósitos, a formação técnica e profissional como mais uma

alternativa para o jovem. Hoje, se o jovem quiser cursar uma formação

técnica de nível médio, ele precisa cursar 2400 horas do ensino médio

regular e mais 1000 ou 1200 horas do técnico. O Novo Ensino Médio

permitirá que o jovem opte por uma formação técnica profissional

dentro da carga horária do Ensino Médio regular desde que ele continue

cursando português e matemática até o final. E, no fim dos três anos,

ele terá um diploma do ensino médio e um certificado do ensino técnico.

(MEC, 2017a, p.5)

Este trecho anterior escancara a dualidade que vai se abrir na educação brasileira,

entre os que cursarão a maioria das disciplinas propedêuticas para se prepararem para

ingressar no ensino superior e abrir novas possibilidades de itinerários formativos, e os

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que, ao cursarem o técnico com a carga horária das disciplinas propedêuticas reduzidas à

português, matemática e inglês, ficarão restritos, ou poderíamos falar “reféns” de uma

opção durante a juventude que, como todos sabemos, não é um momento perfeito para se

tomar decisões que afetam a vida toda.

Esta política, que de certa forma procura frear a mobilidade social que ocorreu nos

anos anteriores, também está relacionada com os fatores que motivaram o golpe e que se

refletem na política educacional, em que as classes dominantes buscam restaurar o

monopólio dos privilégios e uma hegemonia conservadora.

Os critérios de seleção do MedioTec também são sintomáticos, pois dois pontos

chamam atenção. Apesar de insistir que o programa é voltado para jovens das redes

públicas de ensino em situação de vulnerabilidade, o Documento de referência cita as

palavras “mérito” ou “meritocracia” quatro vezes como um dos critérios de seleção,

associado aos cuidados com a possibilidade de evasão. Ou seja, a seleção parte do

pressuposto que se o educando tem possibilidade alta de evadir, já nem deve ser

selecionado.

Os critérios para evitar a evasão são os de evitar, na seleção, que os estudantes

com potencial de evasão, como distância do local do curso, acessem o programa. Não há

preocupação com a garantia de estrutura que assegure o direito à educação do jovem,

como o investimento em transporte deste estudante por meio de vale-transporte. Apesar

de o programa prever a concessão de bolsas, os critérios parecem estar invertidos.

Esse elemento também desmascara o discurso de que cada estudante vai

"escolher" a profissão que melhor lhe convier. Pelos critérios, os estudantes escolherão o

que estiver à disposição e só, pois ao ousarem algo diferente, correrão o risco de ficar de

fora do programa por entrarem na faixa de risco de evasão.

Considerações Finais

Ainda é muito cedo para se tirar maiores conclusões sobre o MedioTec, pois ainda

é praticamente apenas uma intenção, porém já se pode afirmar que parece um remendo,

para por um lado mostrar algum serviço do governo em relação a educação profissional

e, por outro saciar os cofres de setores que auxiliaram no financiamento do golpe. Tudo

dentro de uma visão neoliberal de precarização da educação pública, criando uma

educação dualista, em que quem pode pagar por educação a compre de empresas privadas,

restando as escolas públicas desmontadas para quem não tem nada à pagar. Do ponto de

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vista do capital, tudo fica certo, cada um paga o que pode por educação. Quanto mais

rico, melhor a escola, melhor a posição para se manter enquanto classe dominante. Por

outro lado, quanto mais pobre, menor a qualidade de ensino, freando a possibilidade de

mobilidade social e acesso a melhores salários. O MedioTec é a perfeita expressão de

uma educação pobre para os pobres seguirem pobres e os ricos, ricos.

Referências

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ensino técnico. Brasília, DF, 7 de fevereiro de 2017b, 15h54. Acessado em: 1/8/2017 às

6h30min., site: http://portal.mec.gov.br/busca-geral/209-noticias/564834057/44911-

encontroem-brasilia-discute-ampliacao-do-ensino-tecnico

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). MedioTec oferece 107 mil vagas em cursos

técnicos gratuitos. Brasília, DF, 30 de junho de 2017c, 15h54. Acessado em: 1/8/2017

às 10h., site: http://portal.mec.gov.br/busca-geral/209-noticias/564834057/50931-

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DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo. Ensaio sobre a

sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.

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PERONI, Vera Maria Vidal. A privatização do público: implicações para a

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RODRIGUES, Romir de Oliveira; SANTOS, Maurício Ivan dos. O Pronatec na fronteira

entre o público e o privado. In: PERONI, Vera Maria Vidal (org.). Diálogos sobre as

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educação. São Leopoldo: Oikos, 2015.

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O AGRONEGÓCIO E A PERDA DE POLÍTICAS SOCIAIS VOLTADAS A

EDUCAÇÃO DO CAMPO

Vanessa Gonçalves Dias1

Guilherme Franco Miranda2

Introdução

O presente trabalho pretende, trazer elementos para reflexões de como modelo do

agronegócio vem adentrando de forma avassaladora nas políticas sociais das escolas do

campo. Neste sentido, o agronegócio enquanto modelo agrícola baseado no latifúndio e

na exploração pelo plantio da monocultura, traz desdobramentos devastadores não

somente para a destruição da natureza e da intensificação da precariedade do trabalho no

campo, como também intensas implicações ideológicas para as questões educacionais.

A educação do campo, está atrelada a “formação humana e a produção material

de existência” (CALDART, 2012, p. 262), pensando uma educação dos trabalhadores/as

com vistas a uma formação integral do ser humano, não com o objetivo de formar mão

de obra para o modo de produção capitalista, mas sim para a sua superação. Neste sentido,

os movimentos sociais do campo têm a tarefa fundamental de construir uma hegemonia

ampla paralela à esfera do estado capitalista.

A relação da educação do campo com as políticas dá-se mediada pela luta dos

sujeitos coletivos, pois foram eles que, com sua luta e organização, conseguiram

conquistar aliados em diversos setores da sociedade, como nas universidades; escolas

técnicas e organizações. No entanto, a educação do campo ganha contornos diferentes

quando é incorporada no aparelho institucional do estado.

O estado moderno, da forma que o conhecemos, sofreu uma série de

transformações significativas deste a sua constituição. Mas é no capitalismo que se abre

a separação entre o econômico e o político, pois é somente com o apartamento de uma

esfera estatal que é possível a reprodução capitalista. Portanto, o estado enquanto esfera

pública não é apenas compreendido como uma esfera burocrática, mas uma esfera onde

perpassam relações políticas e correlações de forças sobre diferentes projetos societários.

Para Marx e Engels (2007) o Estado capitalista é resultante da divisão da sociedade em

1 Mestra em Educação. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal

do Rio Grande do Sul (PPGEDU/UFRGS); 2 Graduado em Ciências da Natureza. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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classes e não é um poder neutro acima dos interesses das classes. Sua ênfase coloca-se no

caráter de dominação de classe para garantir a acumulação e reprodução do capital.

Conforme Marx

O Estado é a forma pela qual os indivíduos de uma classe dominante

fazem valer seus interesses comuns e que sintetiza a sociedade civil

inteira de uma época, segue-se que todas as instituições coletivas são

mediadas pelo Estado, adquirem por meio dele uma forma política.

(MARX, 2007, p. 76)

Gramsci, dentre outros autores produzirá uma refinada compreensão política sobre

o estado, englobando a totalidade da vida social. Para Gramsci é com a socialização da

política que o estado se amplia incorporando novas funções, e incluindo no seu seio a luta

de classes. De acordo com MONTAÑO (2011, p.48) “o estado ampliado de Gramsci

preserva a função de coerção (sociedade política) tal como descoberta de Marx e Engels,

mas também incorporar a esfera da sociedade civil (cuja função é o consenso). ” Assim

para Gramsci o estado não era somente o parelho repressivo da burguesia, ele inclusive

incluía a hegemonia da burguesia na superestrutura. Conforme aponta Coutinho:

Ao descobrir essa nova esfera, ao dar-lhe um nome e ao definir seu

espaço, Gramsci criou uma nova teoria marxista de Estado. E é preciso

sublinhar os dois adjetivos: nova, mas também marxista. A novidade

introduzida por Gramsci consiste na percepção de que o Estado não é

mais o simples ‘comitê executivo da burguesia’, como Marx e Engels

afirmam no Manifesto Comunista de 1848 e Lênin e bolcheviques

repetem em suas obras. Mas a permanência de Gramsci no campo do

marxismo é atestada pelo fato inequívoco de que ele continua a afirmar

que todo Estado é um Estado de classe (COUTINHO, 2000, s/p.).

É nesta perspectiva de discussão, a partir da teoria marxista do Estado e na

concepção radical de Educação do Campo que este trabalho está ancorado,

caracterizando-se enquanto um estudo teórico, exclusivamente bibliográfico tendo como

perspectiva teórico-metodológica de abordagem da realidade o materialismo histórico

dialético, a partir dos seguintes autores: (KOSIK, 1995; FRIGOTTO, 2000; TRIVIÑOS,

1987).

O avanço do agronegócio no campo brasileiro e nas políticas da Educação do Campo

Com a crise estrutural do capital grandes transformações societárias vêm sendo

engendradas e o capital internacional elabora estratégias para manutenção de sua

hegemonia. Nesta conjuntura a atuação de corporações transnacionais ligadas aos

negócios agrícolas ganham destaque no Brasil, esse movimento de expansão da

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agricultura capitalista vem delineando, desde então, uma nova etapa de modernização

técnica da agricultura no país, designada como agronegócio, que conforme

FERNANDES e MOLINA (2006, p. 10) “esse modelo não é novo, sua origem está no

sistema plantation, em que grandes propriedades são utilizadas na produção para

exportação”. Assim, o agronegócio passa por uma nova “roupagem” na imagem da

agricultura capitalista.

É uma tentativa de ocultar o caráter concentrador, predador, expropriatório e

excludente deste tipo de produção, que teve por objetivo a incorporação do setor agrícola

a estratégia de ajustamento a política internacional do atual estágio do capitalismo

financeiro. Este ajuste estrutural implicou na integração dos camponeses ao agronegócio

por meio da chamada “reforma agrária de mercado” sob orientação do Banco Mundial.

É desta maneira que o agronegócio vende a ideia de que seu modelo de

desenvolvimento é a única via possível, e esse marketing é reforçado pelos meios de

comunicação de massa e por renomados pesquisadores que comparam de forma frágil a

produtividade do agronegócio com a agricultura camponesa. Essa forma avassaladora de

desenvolvimento no campo tem avançado também nas escolas em áreas rurais, retomando

inclusive as proposições ligadas ao ruralismo pedagógico3, com delineamentos

neotecnicistas em contraponto a toda proposta radical de educação do campo construída

pelos movimentos sociais.

A necessidade de escolarização nas áreas rurais em função do desenvolvimento

destas agroindústrias patronais vem sendo cada vez mais apropriadas pelos vários setores

da sociedade. Sob este aspecto, Mançano traz uma importante reflexão sobre (2006, p.

34) “cooptação do paradigma da Educação do Campo é uma forma de tentar colocar em

refluxo o processo de construção da política de desenvolvimento territorial orgânica, em

defesa dos interesses e privilégios do agronegócio”. Neste sentido, Capelo (2000)

complementa salientando que “o interesse pela escolaridade dos empregados, nas grandes

fazendas, pode aumentar em razão das tecnologias que estão sendo implantadas no

trabalho rural que exigem um certo grau de conhecimento”.

E é justamente neste sentido que Peroni (2010, p. 4) se refere as iniciativas da

terceira via que “trabalha com o conceito de sociedade civil modernizada, o que quer

3 Bezerra Neto (2003, p. 11) esclarece que ruralismo pedagógico foi delineado e constituído para “definir

uma proposta de educação do trabalhador rural que tinha como fundamento básico a ideia de fixação do

homem no campo por meio da pedagogia”. Resumidamente, consistia na defesa de uma escola adaptada e

sempre referida aos interesses e necessidades hegemônicas no setor rural.

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dizer bem-sucedida no mercado, empreendedora. E é a essa parcela da sociedade civil

que o Estado deve incentivar para que assuma as políticas sociais”. Deste modo, outras

iniciativas no plano da educação surgem no sentido de empresas que entram no cotidiano

do trabalho pedagógico das escolas, por via de editais abertos a terceirados e empresas

ONGS, retirando cada vez mais a autonomia das escolas. Assim essa política estrutural

além de precarizar as novas relações de trabalho criam e recriam a superexploração do

trabalho por via da redefinição nas políticas do estado.

Tudo isto, vem gerando também novas formas e dilemas nos “jeitos de fazer

participação”, com uma relação íntima que pode ser observada entre o empresariado

agrícola e as escolas públicas localizadas no meio rural, por meio do trabalho voluntário

e da pedagogia de projetos. Um exemplo é o “Programa Agrinho” que tem ganhado

abrangência nas escolas, o mesmo é vinculado ao SENAR (Serviço Nacional de

Aprendizagem Rural) SESCOOP (Serviço Nacional de Aprendizagem do

Cooperativismo).

Nos materiais distribuídos o programa afirma “ser um único modelo de

agricultura”, ignorando modelos alternativos de produção camponesa, como a agricultura

orgânica, a agroecologia etc. Outro exemplo que destacamos é o projeto “Ecoviver”

vinculado à Ecosul (Empresa Concessionária de Rodovias do Sul) e da Afubra

(Associação Brasileira dos Fumicultores do Brasil) situados no Rio Grande do Sul, tem

permeado práticas pedagógicas nas escolas rurais de diferentes formas, principalmente

fazendo uso da escola no desenvolvimento de atividades organizadas e estruturadas pelas

empresas privadas.

Assim, travestidos de programas de responsabilidade social e educação

ambiental, os materiais do Programa Agrinho e do Projeto Ecoviver contrariam a lógica

camponesa de produção e a própria perspectiva emancipatória da educação do campo,

uma vez que estas iniciativas privadas vêm contribuindo para a diminuição de autonomia

dos estudantes, esvaziamento dos espaços decisórios na gestão democrática, o

engessamento do trabalho pedagógico dos educadores nas escolas do campo. Além de

propagar a utilização de pesticidas naturalizando a utilização de agrotóxicos como algo

inevitável no trabalho da produção de alimentos.

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Considerações finais

O artigo buscou discutir as maneiras de como o agronegócio vem adentrando de

forma avassaladora as políticas sociais no interior das escolas do campo. Assim,

destacamos que a educação do campo se constitui em um modelo de resistência no âmbito

do modo de produção capitalista, uma vez que se trata de um processo formativo tendo

como fundo a formação humana associada a um novo projeto societário. Contudo, o

momento atual da educação do campo, não pode ser analisado de forma dissociada dos

conflitos e tensões que envolvem as disputas agrárias pelos projetos de desenvolvimento

do campo no país, que segundo Mançano, “são lugares de disputas políticas e conflitos

permanentes”, por isso são cada vez mais áreas de interesse do capital.

Referências

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(Doutorado em Educação). 2003. Universidade Federal de Campinas, 2003.

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COUTINHO, C. Por que Gramsci? Teoria e debate. São Paulo, n. 43, jan/mar. 2000.

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PERONI, V. Redefinições no papel do Estado: parcerias público/privadas e a gestão

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TRIVIÑOS, A. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: Atlas, 1987.

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EIXO 3: Financiamento da Educação

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A CONCEPÇÃO DE CIDADANIA COOPERATIVA DO PROGRAMA DE

EDUCAÇÃO “A UNIÃO FAZ A VIDA” DA FUNDAÇÃO SICREDI

Felipe José Schmidt1

O trabalho analisou a concepção de cidadania que a Fundação SICREDI (FS),

fomenta em parcerias com 274 municípios brasileiros no Programa de Educação

Cooperativa “A União Faz a Vida” (PUFV) cujo objetivo é formar cidadãos cooperativos

através da metodologia de projetos temáticos. Dessa maneira, o foco da pesquisa foi a

privatização do setor educacional público e suas implicações, considerando os interesses

públicos e privados em uma sociedade de classes que perpassam o Estado e a sociedade

civil (PERONI, 2015). O que motivou a problematização foi tamanha força que assume

o conceito cidadania a ponto de servir como elemento de referência para reformas em

políticas educacionais e sociais.

A tipologia de pesquisa utilizada foi a bibliográfica. Por meio da qual, buscamos

identificar e avaliar os referenciais teóricos utilizados nas definições do conceito

cidadania, cujos fundamentos filosóficos e sociológicos servem para compreender que o

PUFV concilia-se às estratégias do Terceiro Setor como parte constitutiva das mudanças

macrossociais e econômicas da sociedade civil e do Estado. O aporte teórico analisado

para embasar a compreensão do PUFV, são os livros da Coleção de Educação

Cooperativa e o Caderno Didático para Assessores Pedagógicos (SICREDI)2. A coletânea

possui quatro cadernos desenvolvidos pela Fundação SICREDI, pelas Assessorias

Pedagógicas, pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação

Comunitária – CENPEC3 e pelos Parceiros do Programa (Secretaria de Educação e

demais Instituições de Ensino). Além disso, buscamos contratos e planos de trabalho

disponibilizados diretamente pelos assessores do SICREDI e em nosso relato de

experiência como assessor pedagógico atuante desde 2014.

Analisamos em que medida o PUFV participa da sociedade civil mercantil,

adapta-se a formação dos cidadãos planejada por organismos internacionais e se

materializa no setor público brasileiro. Problematizamos as especificidades da concepção

1 Instituto Federal de Santa Catarina. Professor de Filosofia e mestrando do Programa de Educação da

UNIOESTE- PR. E-mail: [email protected]. 2 A coleção inteira pode ser consultada no endereço eletrônico da Fundação SICREDI. Disponível em:

http://auniaofazavida.com.br/colecaodeeducacao_corporativa. Acessado em 18 de novembro de 2016. 3 O Cenpec – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária – nasce em 1987,

constituído por uma pequena equipe multidisciplinar liderada por Maria Alice Setubal. (CENPEC, 2007,

p.20).

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de cidadania que incita à cooperação e ao empreendedorismo incididas sobre as demandas

do setor produtivo, e entendemos que estas apresentam tipicidades semelhantes ao projeto

hegemônico.

Notamos que a pedagogia de projetos fomentada, ao estimular a autonomia dos

estudantes para a resolução de problemas da realidade em que vivem os estudantes,

repassa ao indivíduo a responsabilidade de fazer o que seria um direito social deste e

consequentemente instiga o autogoverno de si mesmo e a autogestão das misérias locais,

por consequência, este modelo de aprendizagem é uma engrenagem que destitui do poder

público o papel de garantidor dos direitos universais e incentiva a caridade e o

empreendedorismo para a resolução de situações reais das comunidades locais.

Entendemos que as implicações da retirada do Estado como executor de políticas

sociais universais e o protagonismo do mercado como parâmetro de qualidade para a

educação induzem a adaptação da cidadania aos ditames do capital, pois, apresenta a

conciliação entre a democracia e o capitalismo aprofundando o consenso apesar das

desigualdades.

Ao estimular a cooperação mútua, os conflitos das relações de poder existente são

apaziguados pelo estímulo à solidariedade e a responsabilidade social. Evidenciou-se que

a interferência na relação entre educação e trabalho para atender as exigências decorrentes

da reestruturação produtiva, em termos de qualificação dos recursos humanos, em

consequência, impõe demandas que passam a ser atendidas no sistema de ensino

estimulado pelo PUFV.

Daí decorre nossa percepção de que, de forma simultânea e em diferentes

contextos, repetem-se as tipicidades no uso do termo cidadania e ampliam-se os usos dos

adjetivos cooperação e empreendedorismo intuitivamente. Apesar das semelhanças,

também suscitam notórias ambivalências do termo cidadania e polissemias de

significados provocando a aporia entre termos.

Entretanto, as aproximações não são inocentes e trazem uma forma sutil e

ideológica de dominação expressas e dirigidas aos setores educacionais no âmbito

internacional, nacional e no privado, atuando em rede diretamente no público através de

legislações, documentos ou formações e parcerias locais.

O apoio financeiro da Fundação constitui-se em pagamento direto aos

fornecedores de serviços prestados de acordo com os planejamentos consentidos pela

administração municipal. Os valores são flutuantes, dependendo da presidência de cada

cooperativa e das solicitações das prefeituras. Não há repasse de valores aos municípios.

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75

Há um planejamento financeiro de cada cooperativa local e que disponibiliza valores

negociados com as prefeituras de acordo com as atividades propostas nos planejamentos.

De acordo com a análise de cinco planos de trabalho4 há em comum neles, as seguintes

atividades:

Natureza da Despesa ESPECIFICAÇÃO DA ATIVIDADE

Articulação Reunião com Coordenadora local, Prefeitos, Secretárias de

Educação.

Formação de Educadores Formação com todos os professores para conhecer o

Programa.

Assessoria a Projetos Assessoria Individual a professores que aderirem ao PUFV

Brindes aos professores Dia do professor com entrega de brindes e homenagens.

Brindes aos estudantes Dia das Crianças: confraternização com brincadeiras e

passeios.

Eventos Palestras para a formação de pais e responsáveis.

Eventos Encontro Interestadual com alguns professores em

Curitiba.

Socialização de projetos Socialização de projetos, amostra de trabalhos concluídos

com a presença dos pais e da Comunidade.

Gastos Gerais

Fundo de reserva para gastos não previstos no plano de

trabalho como despesas de deslocamento, alimentação e

estadia do Assessor Pedagógico, material para formação

dos professores.

Fonte: Elaboração do autor

Esses planejamentos sempre são aprovados pelos gestores municipais e

construídos coletivamente. Como podemos notar, os investimentos estão direcionados em

três focos. A saber: formação dos educadores, assessoria pedagógica e socialização com

brindes.

Em relação à análise das obrigações contratuais, o poder público figura como sócio da

esfera privada uma vez que nos planos de trabalho assume as despesas de formações

específicas do Programa, disponibiliza o corpo docente conforme Acordo de Cooperação

e planejamento.

Na parceria em questão, o que ocorre efetivamente é a prestação privada de serviço e a

concessão pública da aplicação de uma metodologia externa na promoção da educação

pública e do erário na execução das assessorias, dos materiais de formação e na promoção

4 Tivemos acesso aos planos pois o autor deste trabalho é assessor da Fundação SICREDI e executou-os

em 2017.

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76

de eventos. Diante desta conjuntura reestruturada em que o Estado passa a seguir a

orientação privada, educadores e estudantes envolvidos ficam suscetíveis a reproduzir

comportamentos e expectativas atreladas aos métodos e valores propostos, ainda que o

Estado continue a ser o grande executor da educação.

O PUFV não tem a pretensão de obter exclusividade e condição de política

pública. Ele é um programa que convive dentre outros inseridos nas municipalidades,

assim, não há preferência ou obrigatoriedade de adesão de todos os educadores a ele.

Conforme Acordo, ficará a cargo das escolas optarem por desenvolver os projetos,

respeitando as diretrizes, os princípios e a metodologia estabelecida no PUFV.

A partir disso, detalhamos como o privado, representado pela Fundação SICREDI,

propõe o Programa em parcerias político-institucionais com o setor público, afeta

servidores, determina ações e modelos de práticas da docência cotidianamente e impacta

os estudantes diretamente. Prática essa que destitui a atuação do Estado na execução de

políticas, passando-as para a sociedade civil.

Referências

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produtivo ou o ser humano emancipado? Trabalho, Educação e Saúde, v. 1, n. 1, p. 45-

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________. Caderno didático para assessores pedagógicos. Módulo 1. 2008d.

Disponível em: http://auniaofazavida.com.br/assesorpedagogico_ficharios. Acessado em

20/11/2016.

________. Caderno didático para assessores pedagógicos. Módulo 2. 2008e.

Disponível em: http://auniaofazavida.com.br/assesorpedagogico_ficharios. Acessado em

20/11/2016.

________. Caderno didático para assessores pedagógicos. Módulo 3. 2008f.

Disponível em: http://auniaofazavida.com.br/assesorpedagogico_ficharios. Acessado em

20/11/2016.

________. Caderno didático para assessores pedagógicos. Módulo 4. 2008g.

Disponível em: http://auniaofazavida.com.br/assesorpedagogico_ficharios. Acessado em

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Acessado em 20/11/2016.

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________. Caderno didático para assessores pedagógicos. Módulo Formação de

Gestores Escolares. 2008h. Disponível em:

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FIES – PREÂMBULO, SITUAÇÃO ATUAL E POSSÍVEIS PREVISÕES

Rodrigo Meleu das Neves1

Apresentação, objetivos, justificativa e metodologia

Esta pesquisa procura analisar o Fundo de Financiamento da Educação Superior

– FIES, e sua importante participação na expansão da educação superior brasileira desde

o início dos anos 2000. Utilizando pesquisa documental, essa investigação se justifica em

um momento em que o governo Brasileiro analisa justamente o que deve ou não ser

prioridade nos investimentos em educação.

Educação superior brasileira – um preâmbulo

O estudo da educação superior brasileira requer, a priori, um olhar histórico para

fazer-se entender. Sendo o último país da América Latina a fundar uma instituição de

educação superior, o Brasil inicia suas primeiras escolas em 1808, com a chegada da

Corte Portuguesa e respectiva criação das escolas isoladas de medicina (OLIVEIRA,

2011, p.7). Todavia, esse conceito de universidade como a conhecemos hoje só se

formalizará na década de 1920, com a criação da Universidade Federal do Rio de Janeiro

e, em seguida, em 1930, da Universidade de São Paulo.

O ambiente universitário permaneceria imune a alterações até a década de 1960,

onde a universidade pública cumpria funções mínimas de pesquisa, ensino e extensão, e

as instituições privadas, confessionais e comunitárias em praticamente sua totalidade,

supriam aquilo que a instituição pública não ofertava (CORBUCCI; KUBOTA; MEIRA,

2016). Em 1968 a Reforma Universitária viria para repaginar esses papeis. Nas palavras

de Carvalho (2013, p. 761, apud Corbucci, Kubota e Meira, 2016, p. 7) “como não se

previa juridicamente a existência de empresas educacionais, todas foram denominadas

como instituições sem fins lucrativos e, portanto, beneficiadas pela renúncia fiscal dos

impostos sobre a renda, o patrimônio e os serviços, bem como pelo acesso a recursos

federais”.

1 Mestre em Administração - Sistemas de Informação e de Apoio à Decisão – EA/UFRGS. Doutorando em

Educação - Linha Políticas e Gestão de Processos Educacionais – PPGEDU/UFRGS. Analista de Sistemas

do Centro de Processamento de Dados da UFRGS. E-mail: [email protected].

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Para Corbucci, Kubota e Meira (2016, p. 7), “a intenção dos formuladores da

Reforma Universitária era a de que a educação privada exercesse função complementar à

pública. Todavia o que se viu foi o inverso, ao menos no que se refere à sua participação

no total de matrículas”. Conforme os mesmos autores, em 1960, as universidades públicas

respondiam por 58,6% do total. 50 anos depois, esse quadro havia se invertido para

26,8%.

Oliveira (2011) destaca a importância que o período militar exerceu nessa

inflexão:

Nos anos 1990, esse campo se expande, se diversifica e se

complexifica ainda mais, com forte predominância do setor privado,

pelos seguintes indicadores: a) na graduação, por forte presença do

setor privado, com 75% das matrículas em cursos presenciais,

ofertadas por meio de grandes universidades¸voltadas mais para o

ensino ou centros universitários e faculdades isoladas [...]. (Ibid, p.8).

Em 1988 é promulgada a Constituição Federal (CF, 1988). Com ela, observa-se

em seu art. 209 aquilo que selaria o futuro: “O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas

as seguintes condições: I - cumprimento das normas gerais da educação nacional; II -

autorização e avaliação de qualidade pelo poder público”. (BRASIL, 1988).

A década de 1990 se apresentaria como um apagão para a educação superior

brasileira. De acordo com Amaral (2003), mesmo crescendo em taxa de matrículas, há

grande número de matrículas não preenchidas no setor privado: entre 1989 e 2000, é

possível observar que, enquanto a taxa das universidades públicas orbitou entre 15,9%

em 1989 e 5,1% em 2000, as instituições privadas “encalharam” de 19,2% de cadeiras

ociosas para 31,5% no mesmo período (AMARAL, 2003). Em 2001 o governo vigente

viria responder à pressão dessas instituições através de uma política de preenchimento

dessas vagas.

O FIES – Conceito e Discussão

Promulgado através da Lei nº 10.260, de 12/07/01, pelo presidente Fernando

Henrique Cardoso, o Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino Superior (FIES) é

um programa “de natureza contábil, destinado à concessão de financiamento a estudantes

regularmente matriculados em cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva

nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação, de acordo com regulamentação

própria” (BRASIL, 2001).

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Conforme descrito por Amaral (2003, p.235), o FIES seria uma releitura do

Programa Crédito Educativo (Creduc), criado em 1970, “quando ocorreu uma grande

expansão no ensino superior privado”. Amaral (2003, p.236) descreve as palavras de um

coordenador de uma grande instituição sobre o FIES: “um instrumento de mercado

financeiro, em que são incluídas as pessoas físicas aptas dentro do conceito mercantil de

crédito”.

Inspirado no Relatório La Enseñanza Superior, publicado em 1995 pelo Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BIRD), o FIES vem dar resposta a um momento

político e econômico em que investir na educação básica era a única prioridade de países

periféricos, e a educação superior poderia ser atendida pela iniciativa privada com

tranquilidade.

No obstante la importancia evidente de la enseñanza superior en

el crecimiento económico y el desarrollo social, las inversiones del

sector experimentan crisis a nivel mundial en los países

industriales y en desarrollo. La educación terciaria depende

considerablemente del financiamiento fiscal en todos los países,

y los costos unitarios son elevados en relación con otros

subsectores del sistema educacional. (BIRD, 1995, p.20).

[...] se puede aducir que la enseñanza superior no debiera tener la

preferencia en utilizar los recursos fiscales adicionales disponibles

para el sector educativo en muchos países en desarrollo. [...] las

tasas de rentabilidad social de las inversiones en la instrucción

primaria y secundaria en general superan las tasas de rentabilidad

social de la enseñanza superior. (Ibid, p.28).

Analisar o FIES também requer atenção às várias alterações que o Programa

sofreu. Enquanto o governo Lula investia pesadamente nas universidades públicas, a

exemplo do Programa de Reestruturação das Universidades Federais (REUNI), e criação

de centenas de Institutos Federais de Ciência e Tecnologia (IFES e IFETs), o FIES

também sofreu importante alteração em 2010, o que provocou uma explosão de contratos.

De acordo com Fernando Haddad, Ministro da Educação à época, “O Brasil

precisa chegar a 10 milhões de matrículas no ensino superior” (TOLEDO; SALDAÑA;

BURGARELLI, 2015). Face a tal demanda, o governo baixou os juros de 6,5% para 3,4%

ao ano e os contratos poderiam ser assinados a qualquer tempo, sem exigência de fiador,

bem como os respectivos tempos de pagamento poderiam ser renegociados (FNDE,

2017). Nesse momento se observa que as matrículas vinculadas ao FIES passam de 150

mil em 2010, para 827 mil em 2013, atingindo 1,9 milhão de contratos em seu pico, em

2014 (CASEIRO, 2016). A Figura 1 exibe a evolução do investimento no FIES:

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Figura 1: Evolução anual FIES, 2012-2017 (grifo nosso)

Fonte: Painel do Cidadão – SIGA Brasil (SENADO, 2017).

Reflexões iniciais

A partir das mudanças provocadas em 2010, algumas considerações são

destacadas. Para Toledo, Saldaña e Burgarelli (2015), isso se explica pelo fato das

próprias universidades incentivarem o alunado a contrair empréstimos junto ao FIES que,

por sua vez, pagaria seus estudos em adimplência e pontualidade. Segundo os autores,

“enquanto as empresas têm dinheiro garantido, a dívida fica com o aluno e o risco, com

o governo”.

Nesse sentido, cabe uma atenta análise ao “Novo FIES”, repaginação do FIES de

2014, modificado pela Presidenta Dilma Rousseff, que já corrigia distorções de 2010,

como cruzá-lo ao Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), cuja média mínima para

acesso ao Financiamento deveria ser 450 pontos. Segundo Toledo, Saldaña e Burgarelli

(2015), tais mudanças causaram importante desconforto aos fornecedores desses serviços,

que viram seu produto ameaçado de encalhar: “grupos educacionais tiveram grandes

perdas em valor de mercado na Bolsa e se posicionaram contrários às mudanças”.

O Novo FIES, promulgado pela Medida Provisória nº 785/2017 (BRASIL, 2017)

cria três modalidades do Financiamento, onde a primeira, prometida atender 100 mil

novos contratos, estaria alinhada ao Programa existente. O FIES 2 seria um híbrido do

FIES 1, prometido para atender até 150 mil estudantes cuja renda per capita familiar seja

de até cinco salários mínimos, das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, cuja verba

seria o produto de fundos constitucionais regionais, e juros de 3% ao ano, mais correção

monetária. E o FIES 3, prometido ser a joia da coroa aos investidores, promete até 60 mil

vagas a estudantes de todo o Brasil cuja renda familiar seja superior a cinco salários

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mínimos. Nesse cenário, quem financiará os contratos será o “livre mercado”, a juros

baixos (FOLHA, 2017).

Essa Medida Provisória está em plena tramitação, e já é rejeitada, até mesmo,

pelos fornecedores dos serviços de educação superior privada, em virtude dos absurdos

que prevê, e que seria impossível esgotar nesse espaço. Mas, diante da velocidade como

as políticas governamentais vêm sendo divulgadas nessa gestão, possivelmente o “Novo

FIES” já seja velho até a apreciação dessa investigação inicial.

Referências

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financiamento. In: DOURADO, L.F.; CATANI, A.M.; OLIVEIRA, J.F. Políticas e

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FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: ESTUDO

COMPARADO DO INVESTIMENTO ESTATAL ENTRE O SETOR PÚBLICO

E O PRIVADO

Ana Julia Bonzanini Bernardi1

Natasha Pergher2

Nas últimas décadas, testemunhou-se uma ampliação rápida e significativa de

matrículas no ensino superior no Brasil. Segundo o IBGE/Pnad, de 2001 a 2015 o número

de jovens de 18 a 24 em universidades passou de 16,5% para 34,6%. As políticas de

acesso ao ensino superior no período não foram exitosas apenas em relação aos números

totais: as políticas de ações afirmativas contribuíram para que as matrículas de jovens

pretos e pardos aumentasse de 2001 a 2015 em relação a população, passando de 6,7% e

7,4% para 28,7% e 25,7%, respectivamente; cresceram também as matrículas entre o

quarto mais pobre da população, passando de 1,4%, a 12,3%, entre 2001 e 2015. Em

2015, 66,19% dos jovens matriculados em Universidades Federais tinham renda familiar

de até 1,5 salários mínimos. Muitos projetos e políticas de redução das desigualdades

foram desenhados para que essas mudanças no ensino superior se concretizassem e, para

isso, uma engenharia de financiamento foi desenvolvida pelo Estado brasileiro.

Nesse sentido, o presente trabalho analisa os investimentos na Educação Superior

realizados pelo Governo Federal entre 2000 e 2017, comparando o volume de recursos

destinado aos receptáculos público e privado, desenvolvendo primeiramente uma

investigação sobre o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e o Programa

Universidade para Todos (PROUNI), programas de crédito educacional voltados para

instituições privadas que, no período em questão, movimentaram o maior volume de

recursos para o ensino superior privado do país. Posteriormente realiza-se um exame das

transferências de recursos tanto pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e

Expansão das Universidades Federais (REUNI), quanto pelas transferências da União

para o ensino superior público. Esse estudo tem, portanto, o objetivo avaliar a eficiência

e eficácia desses projetos implementados pelo Governo Federal, bem como seus

desdobramentos para a estrutura do financiamento e para os projetos hegemônicos para o

ensino superior no Brasil.

1 Doutoranda no Programa de Pós Graduação de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande

do Sul. E-mail: [email protected] 2 Mestra em Economia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail:

[email protected]

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A importância deste estudo está na ilustração do mapa do financiamento estatal

da educação superior no Brasil (suas fontes de financiamento, os canais de investimento,

as políticas públicas desenhadas para esse setor, etc.), bem como no accountability desse

setor tão essencial para os projetos de futuro do país. A pesquisa será feita por meio de

análises quantitativas de dados do MEC, IBGE/Pnad, INEP e portal da transparência,

avaliando volume, origem e direcionamento dos recursos estatais, indicadores da

educação superior, aliado a uma revisão documental sobre os objetivos e as modificações

ocorridas dentro das políticas públicas de acesso ao ensino superior, com a finalidade de

visualizar as diferentes abordagens utilizadas pelo Governo para cada uma delas.

No período analisado nesse trabalho, a política responsável pelo maior volume de

recursos investidos no ensino superior público foi o Programa de Apoio a Planos de

Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), implementada em abril

de 2007 pelo decreto n. 6.096. Tendo por foco as universidades públicas o REUNI tem

por objetivo “a ampliação da oferta de cursos noturnos, a promoção de inovações

pedagógicas e o combate à evasão, entre outras metas que têm o propósito de diminuir as

desigualdades sociais no país” (http://reuni.mec.gov.br). De 2007 a 2010 o número de

universidades federais cresceu de 53 para 59. No mesmo período observou-se uma

ampliação de pouco menos de 100% no número de vagas ofertadas, bem como do número

de matriculas realizadas. O orçamento das universidades federais passou de R$15,2

bilhões para R$25,9 bilhões e os recursos da união de R$440.031.705 para

R$1.991.826.164 de 2007 a 2012 em valores do IPCA (BRASIL, 2012).

A expansão das universidades públicas através dos aportes financeiros originados

pelo REUNI é um fato. No entanto, há autores que destacam que o custo por aluno é

muito mais alto do que o calculado pelos idealizadores da política quando da sua

elaboração. Soares et alli (2009) argumentam que o custo por aluno das universidades

federais é 4,25 vezes superior aos valores investidos através do REUNI. Nesse sentido, a

despeito das somas vultuosas recebidas pelas universidades federais para a sua expansão,

para a ampliação pretendida era necessária uma soma de recursos bem maior. “Os gastos

com o REUNI referente a investimento e custeio deve ser de 1,565 bilhão em 2009. Este

valor representa 3,86% do orçamento total do Ministério da Educação” (SOARES et alli,

2009, p. 11).

O financiamento das universidades públicas federais é feito através do Fundo

Público Federal que, no capitalismo contemporâneo, assume mais o caráter de reprodução

do capital do que de promoção do bem-estar. A recente aprovação da PEC55, que

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desvincula as receitas e as despesas do governo por um período de 20 anos, tende a afetar

o financiamento da educação pública, na qual se enquadra o ensino superior gratuito, em

prol dos gastos financeiros no governo, que não geram impacto para a pesquisa, ensino e

extensão. Muito menos para a tão propalada democratização do ensino. Nesse sentido, o

movimento que se observa no período é de um crescimento rápido e acelerado – ainda

que aquém do necessário para o cumprimento de metas e objetivos do governo – entre

2003 e 2015 e um recente enxugamento nos recursos destinados às instituições federais

de ensino superior (IFES)3.

A expansão do ensino superior privado, por outro lado, foi marcada por dois

principais programas, o Programa Universidade para todos (PROUNI) e o Fundo de

Financiamento Estudantil (FIES).

O PROUNI, criado em 2004, garante bolsas integrais ou parciais (50%) para

alunos em instituições superiores privadas. Estas universidades disponibilizam vagas para

os alunos selecionados para utilizar o PROUNI em troca de isenção de impostos. Para a

bolsa completa, a família do candidato deve ter uma renda bruta mensal de até um salário

mínimo e meio por pessoa e para bolsas parciais de 50%, a renda bruta mensal deve ser

de até três salários mínimos por pessoa. Alunos com deficiência ou professores da rede

pública que atendem a educação básica também estão aptos a participarem sem restrições

de renda. No curto prazo ampliaram-se largamente o número de alunos de baixa-renda,

afrodescendentes e indígenas no ensino superior. O programa beneficia as universidades,

que recebem isenção fiscal para a manutenção das bolsas e beneficia os alunos, que têm

a oportunidade de acesso ao ensino superior. No entanto, a grande ampliação do PROUNI

aumentou o custo médio por estudante entre 2006 e 2016 de R$1.980,00 para R$5.348,00

(PIRP, 2016), pressionando os cofres públicos.

O Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), por outro lado, é um programa que

visa financiar cursos de ensino superior não gratuitos nas Instituições de Ensino Superior

(IES) privadas. A partir de 2013, o FNDE assumiu o papel de agente operador de todos

os contratos firmados no âmbito do FIES. A operacionalização do programa ocorre

através da emissão de títulos de dívida pública que são ajustados mensalmente pela

variação do índice geral de preços (IGP-M). Eles podem ser usados para pagar planos de

3 “UFRJ anuncia que alunos ficarão sem bolsa de pesquisa do CNPq” <https://goo.gl/P7w1Tt>; “Nova

regra permite que governo corte bolsas de estudo já concedidas” <https://goo.gl/tJowHS>; “CNPQ atinge

teto orçamentário e pagamento de bolsas pode ser suspenso” <https://goo.gl/n3ebQ9>; “Reitor da UFRGS

diz que cortes de Temer podem levar a parcelamento de salários” <https://goo.gl/ADBZ6v>; “Corte de

verbas asfixia universidades federais” <https://goo.gl/j5rtmL>;

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pensões ou impostos federais. O FIES foi inicialmente desenhado para ser autofinanciado.

No entanto, por ter uma baixa taxa de juros em comparação com a taxa de inflação e com

a taxa de juros do governo, não é possível que o mesmo se auto financie. Há evidências

de que a expansão do programa foi conduzida sem planejamento adequado, o que

representa o principal motivo de riscos relacionados à sua continuidade.

Estas práticas de estabelecimento de Parcerias Público Privadas (PPPs) no ensino

superior são realizadas no Brasil desde a década de 1970. Mesmo em períodos de

expansão pública, a maior parte das matrículas ficaram centradas nas IES privadas (INEP,

2017). Políticas governamentais como PROUNI e FIES, além de proporcionar acesso ao

ensino superior, também oferecem redução de custos com encargos fiscais para

instituições privadas de ensino superior, com impacto direto nas taxas de reembolso.

Através de programas de financiamento educacional, o tesouro nacional deu suporte ao

desenvolvimento do que poderia ser chamado, no Brasil, de "capitalismo acadêmico sem

risco" (AZEVEDO, 2015), portanto, grandes empresas de educação se tornaram

beneficiárias do FIES e do PROUNI.

Por fim, o financiamento do ensino público superior através do REUNI foi uma

política que, desde o início, destinou um valor muito aquém do necessário para o

cumprimento dos seus próprios objetivos e metas, a sua continuidade se encontra

ameaçada pelo ciclo político e pelo recente golpe parlamentar que impediu a continuidade

do mandato da ex-presidenta Dilma Rouseff. A precarização do serviço de educação

superior público e de qualidade já tem dado sinais de esgotamento através de cortes de

verbas para as universidades (bolsas de pesquisa, extensão, assistência estudantil, etc) e

da terceirização crua e severa de atividades meio (como limpeza, restaurantes

universitários, creches universitárias, etc). Nesse cenário resta ao Estado brasileiro

financiar o ensino superior através de vagas em universidades privadas por meio da

isenção fiscal. É aí que entram o FIES e o PROUNI como as alternativas possíveis para

o capitalismo financeirizado do Brasil recente.

Ainda que esses programas tenham permitido que milhões de estudantes

realizassem seus estudos no nível de ensino superior, muitas das instituições privadas que

se beneficiaram desses programas percebem e utilizam a educação como “mercadoria”

visando garantir o lucro dos que a coordenam. Rebaixam as exigências de formação, não

priorizam o ensino e não preparam o estudante para a pesquisa e para o mercado de

trabalho. Ademais, a utilização do financiamento público, com os custos do governo

associados a subsídios das taxas de juros inferiores à inflação, e a emissão de títulos de

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dívida pública contribuiu para o aumento da dívida pública, pressionando as contas do

Estado. O resultado é um ensino superior cada vez mais privatizado e precarizado, tanto

em qualidade quanto no que diz respeito à construção de um projeto de futuro pro país.

Referências

AZEVEDO, M. L. N. Transnacionalização e mercadorização da educação superior:

examinando alguns efeitos colaterais do capitalismo acadêmico (sem riscos) no Brasil –

a expansão privado-mercantil. Rev. Inter. Educ. Sup. [RIESup]. Campinas, v. 1, n. 1, p.

86- 102, jul./set. 2015.

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Relatório da Comissão Constituída pela

Portaria nº 126/2012. Disponível em: <

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=1238

6analise-expansao-universidade-federais-2003-2012-pdf&Itemid=30192> Acesso em

01/10/2017.

BRASIL. Ministério da Fazenda (MF). Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Relatório

Resumido da Execução Orçamentária (2006-2015), 2016. Disponível em:

<http://www.tesouro.fazenda.gov.br/-/relatorio- resumido-de-execucao-orcamentaria>.

Acesso em: 18 jan. 2016.

BRASIL. Lei no 10.260, de 12 de julho de 2001. Dispõe sobre o Fundo de Financiamento

ao Estudante de Ensino Superior – FIES. Diário Oficial da União, Brasília, 13 jul. 2001.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10260.htm>.

Acesso em: 20 jul. 2017

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO

TEIXEIRA, INEP (2015). Plano Nacional de Educação PNE 2014-2024 Linha de Base.

Brasília: Inep.

POLICY AND INSTITUTIONAL RESEARCH PROJECT (PIRP). Financing Higher

Education in Brazil, 2017. [Relatório de pesquisa – Lucas Garcia, Danilo Kawano e Ana

Julia Bernardi]

SOARES et alli. REUNI e as fontes de financiamento das universidades federais

brasileiras. IX Colóquio Internacional sobre Gestão Universitária na América do Sul.

Florianópolis, Brasil, 2009.

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PÓS-GRADUAÇÃO NO BRASIL: PARA QUEM, ONDE E COMO?

Felipe Lemos Fernandes1

Este trabalho é um estudo de caso de caráter exploratório aliado à pesquisa

documental, por meio de um estudo em profundidade de diferentes programas da CAPES,

suas relações com o Plano Nacional de Pós-Graduação - PNPG (2011-2020), suas

principais características e consequências decorrentes da forma como estão estruturados.

A pesquisa, ainda em fase inicial, possui caráter não experimental, descritivo, cuja

abordagem será predominantemente qualitativa, apoiada porém por dados quantitativos,

a fim de observar e analisar as principais políticas de pós-graduação da CAPES, gerando

algumas hipóteses para discussão, que poderão, a partir de trabalhos posteriores, serem

testadas e avaliadas.

O estudo de políticas públicas, seja do processo de formulação, implementação ou

avaliação, necessita da contextualização histórica e da reflexão sobre a influência que o

sistema político ou de governo desempenha nesses processos. No caso brasileiro, as

políticas públicas estão debruçadas sobre uma matriz vertical do Estado chamada

federalismo, e esse fato pressupõe algumas discussões, por exemplo, a estrutura

federativa remete a uma união de estados subnacionais diferentes e em geral desiguais

em prol de objetivos comuns, apresentando diversas variações dependendo do país e do

momento pelo qual está passando. Ademais, é preciso destacar que o federalismo possui

uma lógica própria e muitas vezes contraditória, pois serve tanto para unificar um grande

território e dividi-lo em unidades menores, quanto para estruturar políticas nacionais e

fragmentá-las em diversos programas, tendo em vista as diferentes realidades locais e as

capacidades institucionais dos entes.

O modelo de políticas públicas adotado pelo Brasil na Constituição Federal de

1988 estava baseado no entendimento difundido na época. Sabatier e Mazmanian (1980),

por exemplo, elencavam fatores que condicionavam o atingimento dos objetivos das

políticas, dividindo-os em três categorias: tratabilidade dos problemas, capacidade do

estatuto para estruturar o problema de implementação e as diversas variáveis não

normativas. Ou seja, a ênfase estava completamente voltada ao desenho da política e ao

estatuto (fase de formulação). Em contrapartida, Elmore (1980) já alertava para o fato de

1 Mestrando em Políticas Públicas – UFRGS.

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que as políticas seriam muito melhores se os formuladores pensassem na viabilidade de

implementação antes de traçar diretrizes, uma vez que a visão top-down se equivoca ao

pressupor que os formuladores detêm pleno controle de todo o processo e recursos que

condicionam a implementação.

Ao se observar a educação superior como uma política pública, o debate sobre

essas questões e contradições também se torna possível. Por exemplo, existe uma

exigência de um nível mais elevado de ensino, por parte da sociedade, para a inserção nos

melhores e mais lucrativos postos de trabalho. Entretanto, o acesso ao ensino superior é

restrito, ou seja, não é entendido como um direito universal. Segundo o Censo da

Educação Superior de 2016, cerca de 88% das instituições de ensino superior (IES) são

privadas e 75% do total de matrículas na graduação foram realizadas nessas instituições

(INEP, 2016). Esse fato, apenas, já serviria como um objeto de pesquisa e como pauta

para muitas discussões.

Todavia, se a graduação é uma exigência, a pós-graduação é percebida como um

diferencial que deixa os candidatos à frente de seus concorrentes diretos na busca por

oportunidades na iniciativa privada, no setor público ou na vida acadêmica. Tamanha é a

importância da Pós-Graduação, que o Plano Nacional de Pós-Graduação 2011-2020

(PNPG), desenvolvido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior (CAPES), apresenta temas a serem desenvolvidos pelos Programas de Pós-

Graduação para atuação direta na sociedade, como a educação básica, a inovação, a inter

e multidisciplinaridade, a criação de redes e associações e a internacionalização (CAPES,

2013).

Segundo o INEP (2016), se no ensino de graduação, a maioria das vagas ofertadas

estão em instituições privadas, na pós-graduação, principalmente stricto sensu, as

instituições públicas são amplamente dominantes. Segundo dados do Censo (INEP,

2016), de aproximadamente 347 mil matrículas em mestrados e doutorados, cerca de 292

mil (85%) são em instituições públicas, sendo as federais responsáveis por

aproximadamente 200 mil, ou seja, em torno de 70 % das matrículas ofertadas em IES

públicas. Isso quer dizer que o Estado, como agente indutor de mudanças, possui maior

poder de atuação direta no âmbito da pós-graduação, porém, isso não se reflete

necessariamente em uma maior preocupação frente a questões como democratização do

acesso, universalização, redução das desigualdades regionais etc. Por exemplo, em maio

de 2016 fora publicada a Portaria Normativa nº 13 do Ministério da Educação, que

estabelecia o prazo de noventa dias para as Instituições Federais de Ensino Superior

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(IFES) apresentarem propostas de inclusão de Políticas de Ações Afirmativas. Porém,

salvo poucos casos, como o da Universidade Federal de Goiás (UFG), que já havia

implantado o sistema de cotas para a pós-graduação desde 2015, da Universidade Federal

da Bahia (UFBA), que adotou o sistema de cotas para todos os programas em janeiro de

2017, as políticas de ações afirmativas ainda são um tabu para a pós-graduação.

Se a educação é entendida por muitos educadores e pesquisadores como um fator

crucial no combate às desigualdades existentes no país, é preciso pensar em democratizá-

la nos seus mais variados níveis. Se existem indicadores que apontam para a desigualdade

social, econômica e regional, por exemplo, é preciso pensar qual o papel que as políticas

de pós-graduação da CAPES exercem nesse contexto, quem são os beneficiários dessas

políticas e quais os fatores são levados em consideração para a distribuição de recursos

para manutenção e fomento desse nível de ensino no país.

É importante ressaltar que nos últimos anos houve um grande esforço do governo

federal no sentido de ampliar e democratizar o acesso à graduação, como a partir da

expansão e da criação de novas universidades em regiões que careciam desse

investimento. Ainda assim, a maioria das universidades está localizada nas capitais – e

grande parte delas na costa do país (75%) – concentrada principalmente no eixo sudeste

e sul (29 das 63 universidades federais), é possível perceber que estados mais pobres

possuem um número menor de instituições, haja vista que na lista de estados com apenas

uma universidade federal estão Tocantins, Acre, Amapá, Roraima, entre outros. Além

disso, observando mais atentamente o investimento em pós-graduação, como o número

de bolsas (Gráfico 1) e o orçamento anual da CAPES por estados (Gráfico 2), as

assimetrias regionais, apontadas como um desafio no PNPG 2011-2020 (CAPES, 2011),

ficam ainda mais evidentes, à medida que sudeste e sul são o destino da maior parte dos

recursos.

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Gráfico 1 - Concessão de Bolsas de pós-graduação da CAPES no Brasil em 2016

Fonte: CAPES (2017)

Conforme dados fornecidos pela própria CAPES (que podem ser obsevados

sinteticamente no Gráfico 2) São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do

Sul detêm cerca de 60% do orçamento.

Gráfico 2 – Distribuição Orçamentária anual da CAPES em 2015

Fonte: CAPES (2017)

O número de programas de pós-graduação (PPG) também é um indicador de

assimetria a ser observado. No Gráfico 3, dentre os estados de coloração vermelha, ou

seja, com o maior número de PPGs, a Bahia possui 178 enquanto São Paulo possui 899

programas, ou seja, uma diferença de mais de 500%, mesmo entre os estados com maior

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número de PPGs. Embora, seja importante frisar, que antes da reforma universitária de

1968 o monopólio da pós-graduação estava no eixo São Paulo e Rio de Janeiro, o que

auxilia a explicar a concentração atual.

Gráfico 3 – Distribuição de programas de pós-graduação no Brasil em 2016

Fonte: CAPES (2017)

Esse fenômeno, porém, não é exclusividade da pós-graduação, está dentro do

modelo de gestão federativa de políticas públicas descentralizadas – caracterizadas,

geralmente, pelas condicionalidades e pela forma de implementação por adesão. No caso

da saúde, por exemplo, ao mesmo tempo em que houve um incentivo para a expansão dos

serviços municipais, também se elevou a fragmentação, decorrente de significativas

deseconomias de escala e de escopo, gerando, como consequência, baixa qualidade dos

serviços ofertados (LINHARES et alli, 2012). Em outras palavras, as políticas, cuja

implementação seja descentralizada, podem gerar um fenômeno chamado distorção pela

oferta, em que os entes ou instituições subnacionais com maior capacidade e melhor

estruturados conseguem arrecadar mais recursos, implantar as políticas de maneira

adequada e prestar melhores serviços.

A ideia de distorção pela oferta vai de encontro ao que normalmente se pensa em

uma federação com um território de dimensões continentais, cujas ações e políticas

nacionais, além de garantir parâmetros mínimos de implementação, com ressalta Bichir

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(2016), deveriam também levar em consideração as desigualdades regionais,

despendendo mais atenção e recursos àquelas regiões e estados que possuem menor

capacidade própria de atender às necessidades da sua própria população, que em última

análise, são cidadãos brasileiros. No caso da educação, como um bem público, um

incremento no investimento pode gerar resultados positivos para além dos beneficiários

diretos da política, podendo transformar a realidade social e econômica de toda uma

região.

Como pôde ser observado nos gráficos, estados que possuem mais universidades,

mais docentes, possuem maior capacidade para atender a demanda, desenvolver mais

pesquisas, criar mais programas de pós-graduação, arrecadar mais recursos, formar mais

mestres e doutores, o que cria condições para desenvolvê-lo ainda mais. Tanto as bolsas

de estudo, quanto os programas de fomento da CAPES giram em torno do seu processo

de avaliação, que considera principalmente a capacidade institucional. Assim, a

existência de instituições sólidas e capacitadas se coloca como fator crítico de sucesso

para o atingimento efetivo dos objetivos das políticas.

A partir disso, pode-se pensar que as políticas de pós-graduação, importantes para

a construção de pesquisas, tecnologias – conhecimento que contribui para o

desenvolvimento de um estado ou região – podem estar relacionadas às desigualdades

regionais existentes na federação. Isso pode ser pensado tanto em nível macro (com

relação ao número de IES e recursos), quanto a nível local, ao se questionar quem são os

beneficiários diretos das políticas de pós-graduação, ou seja, quem são os discentes que

construirão a universidade do futuro.

Referências

BICHIR, R. M. Novos instrumentos de coordenação federativa: reflexões a partir do

Programa Bolsa Família. Revista Brasileira de Políticas Públicas e Internacionais-

RPPI, v. 1, n. 1, p. 49-78, 2016.

CAPES. Plano Nacional de Pós-Graduação 2011-2020. Disponível em:

<http://www.capes.gov.br/plano-nacional-de-pos-graduacao>. Acessado em 12 de julho

de 2017.

CAPES. Relatório de Acompanhamento PNPG, Brasília, p. 104, 2013. Disponivel em:

<http://www.capes.gov.br/images/stories/download/PNPG-Relatorio-Final-11-12-

2013.pdf>. Acessado em 12 de julho de 2017.

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96

CAPES. Sistema de Informações Georreferenciadas, 2017. Disponível em:

<https://geocapes.capes.gov.br/geocapes/#>. Acessado em: 26 de julho de 2017.

ELMORE, R. Backward mapping: implementation research and policy decisions.

Political Science Quaterly, v. 94, n.4, 1980.

INEP. Censo da Educação Superior, 2016. Disponivel em:

<http://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/documentos/2016/cens

o_superior_tabela s.pdf>. Acessado em 09 de setembro de 2017.

LINHARES, Paulo de Tarso Frazão (Org.); MENDES, Constantino Cronemberger

(Org.); LASSANCE, Antonio (Org.). Federalismo à brasileira: questões para

discussão. Brasília: Ipea, 2012. 249 p. (Diálogos para o desenvolvimento, v. 8).

SABATIER, P.; MAZMANIAN, D. The implementation of public policy: A framework

of analysis. Policy Studies Journal, v. 8, n. 4, 1980.

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EIXO 4: Gestão da Educação

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A CRESCENTE INFLUÊNCIA DO EMPRESARIADO NA ELABORAÇÃO E

NA EXECUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA

BRASILEIRA

Elma Júlia Gonçalves de Carvalho1

O presente trabalho refere-se a pesquisa que almejamos desenvolver no Pós-

Doutorado, na Linha de Pesquisa Políticas e Gestão dos Processos Educacionais do

Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),

sob a supervisão da Prof.ª Dr.ª Vera Maria Vidal Peroni, que tem como título A crescente

influência do empresariado na elaboração e na execução de políticas públicas para a

educação básica brasileira.

O objetivo é investigar tanto as redefinições do papel do Estado e das fronteiras

entre o público e o privado quanto a crescente influência do empresariado na formulação

e na execução das políticas públicas para a educação básica, além de observar suas

consequências para a consolidação da esfera pública no Brasil.

Cabe ressaltar que, no Brasil, a atuação empresarial na educação não se apresenta

como um dado novo, à medida que, ao longo da história brasileira, os empresários

empenharam-se em demarcar seu campo político e traduzir seus interesses e objetivos em

leis. Porém, o protagonismo empresarial na definição dos rumos da educação pública no

país é um elemento novo em nossa história e, por isso, merece reflexões.

Considerando-se que a União é a instância formuladora da política nacional de

educação, o objetivo principal da proposta de estudo que ora apresentamos é captar o

novo papel do Estado e os novos rumos assumidos pelas políticas públicas no Brasil, bem

como sua relação com a educação, sobretudo, em relação ao papel do Estado e à

redefinição de sua relação com o setor privado e com a sociedade civil. A intenção é

abordar a redefinição das funções do Estado e de sua lógica organizacional e

administrativa cujas estratégias envolvem, principalmente, o alargamento da participação

da sociedade e a partilha de responsabilidades, especialmente por meio de parcerias com

o setor privado, para o desenvolvimento das políticas sociais. De certo modo, esse

processo abala as antigas referências e introduz novos questionamentos, particularmente

em relação às funções tradicionais do Estado na oferta dos serviços públicos e na

definição das políticas públicas para a educação.

1 Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação e Programa de Pós-Graduação da

Universidade Estadual de Maringá (PPE/UEM), [email protected]

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Importa-nos, portanto, analisar como o processo de redefinição do papel do

Estado, pautado na perspectiva da terceira via, vem reorganizando as relações entre o

público e o privado, abrindo espaço para o protagonismo dos empresários na gestão das

políticas educacionais públicas para a educação básica, assim como suas implicações para

a consolidação da esfera pública no Brasil.

Nos últimos anos, temos identificado inúmeras iniciativas que marcam a entrada

das empresas privadas no campo da educação pública, influenciando a gestão, os

currículos das escolas e a formação de professores, a exemplo dos programas coordenados

pelo Instituto Ayrton Senna (IAS), organização não governamental sem fins lucrativos,

fundada em 1994 (PERONI, 2008).

Ao comentar as novas estratégias de ampliação da presença do setor privado na

oferta da educação básica pública, Adrião e Borghi (2008, p. 101) destacam as parcerias,

diferenciando três possíveis modalidades: a) a compra de “sistemas de ensino” privados

pela rede pública, o que diz respeito à aquisição de materiais didáticos (em geral

apostilados); b) a subvenção de vagas em instituições privadas; c) a “assessoria na

gestão”. Em geral, essas parcerias têm sido firmadas pela rede pública municipal porque,

com a descentralização da educação, cuja medida principal foi a municipalização do

ensino, há a transferência de responsabilidades da gestão das etapas iniciais da educação

básica para os municípios, favorecendo “inúmeros arranjos localmente criados”

(ADRIÃO; BORGHI, 2008, p. 105).

Ao considerarmos as possibilidades de experimentar novas formas de gestão das

políticas educacionais, verificamos a participação de novos atores, particularmente de

empresários, vem sendo reconhecida como fundamental para o alcance de melhores

resultados por parte das escolas. Isso ocorre ao mesmo tempo que estão sendo

configuradas novas estratégias de redefinição do relacionamento entre Estado e empresas

privadas para fins de prestação de serviços públicos.

Observamos também que o envolvimento empresarial e a participação voluntária

dos indivíduos nas questões sociais é uma tendência mundial (PERONI, 2013). No Brasil,

esse envolvimento tem ocorrido por meio da atuação de empresas privadas em fundações,

institutos e ONGs, as quais vêm assumindo um papel crescente na coordenação

(monitoramento/controle) e na execução de ações. No campo educacional, um exemplo

dessa tendência é o manual O que as empresas podem fazer pela educação, produzido

pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. Por meio desse documento

busca-se sensibilizar o empresariado brasileiro para uma atuação “com a perspectiva de

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100

influir na elaboração e execução das políticas públicas na área da educação” sob a

justificativa de que ações conjuntas da empresa com a escola pública “criem novas

soluções, fruto do trabalho dos próprios atores envolvidos na melhoria da qualidade da

educação” (INSTITUTO ETHOS, 1999, p. 5).

O movimento empresarial Todos Pela Educação e o Grupo de Institutos

Fundações e Empresas (Rede GIFE) também se inserem nessa política em que os

empresários procuram assumir um papel decisivo, por meio de intervenções sistemáticas

nas questões sociais.

O forte interesse do setor empresarial em influenciar a definição e a

implementação das políticas públicas educacionais leva-nos a indagar sobre suas

motivações e consequências. Para a análise do problema de pesquisa, formulamos as

seguintes questões: como se constrói historicamente e socialmente a atuação do

empresariado na formulação das políticas educacionais? O que, no contexto atual, motiva

os empresários a se preocuparem com a educação básica pública? Quais são as principais

empresas que vêm atuando na educação brasileira? Quais são suas proposições e ações?

Nesse processo, a reorientação das políticas públicas aponta para diferentes

formas de materialização das relações entre o público e o privado, como também para o

recuo do Estado na provisão direta dos serviços (CARVALHO, 2009). No campo

educacional, as parcerias entre instituições do terceiro setor e sistemas públicos de

educação, assessoria de instituições privadas que influenciam as políticas públicas

brasileiras e os programas governamentais que trazem a lógica gerencial do mercado para

o sistema têm sido objeto de investigações e questionamentos, revelando a relevância do

tema para a atualidade brasileira.

Sem desconsiderar a complexidade e as multifaces da relação entre público e

privado no período atual (PERONI, 2015), entendemos que o crescente interesse do setor

empresarial em influenciar a definição e a implementação das políticas públicas

educacionais e suas consequências para a consolidação da esfera pública no Brasil é um

tema recente em nossa realidade educacional e, portanto, necessita de pesquisas que

aprofundem a compreensão sobre essa relação. Para analisarmos a crescente influência

do empresariado na elaboração e na execução das políticas públicas para a educação e sua

interface com as estratégias de expansão do mercado educacional, especialmente do

mercado especializado em assessorias e consultorias, estudaremos a proposta “Arranjos

de Desenvolvimento da Educação” (ADE).

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101

Podemos afirmar que as políticas educacionais atuais apontam para mudanças

significativas na forma de organização, gestão e financiamento do sistema de ensino. O

Estado, ao redefinir sua forma de atuação e intervenção, abre caminhos para novas

responsabilidades, seja por parte dos estados, municípios e instituições, seja por parte de

empresas, de ONGs de diversas matizes e da comunidade/voluntários que, por meio de

parcerias, passam a atuar na manutenção, na administração e no próprio funcionamento

pedagógico das escolas.

O modelo de “Arranjos de Desenvolvimento da Educação” (ADE), se apresenta

como instrumento de gestão pública para a melhoria da qualidade social da educação.

Elaborado pelo movimento empresarial Todos pela Educação, aprovado e normatizado

pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), por meio da Resolução nº 01/2012, busca

promover mecanismos para fortalecer e implementar o regime de colaboração entre entes

federados, particularmente entre municípios, no sentido da organização dos seus sistemas

de ensino, conforme previsto no Art. 211 da Constituição Federal, e, assim, constituir um

sistema nacional de educação. O regime de colaboração pressupõe a institucionalização

de uma forma privilegiada de cooperação entre municípios, com o apoio dos estados e da

União, mediante a adoção de Arranjos de Desenvolvimento da Educação, conforme

previsto no § 7º, do artigo 7º, da Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprova o

Plano Nacional de Educação.

Na Resolução nº 01/2012, que dispõe sobre a implementação desse regime de

colaboração, arranjo é entendido como “uma forma de colaboração territorial

basicamente horizontal, instituída entre entes federados, visando assegurar o direito à

educação de qualidade e ao seu desenvolvimento territorial e geopolítico” (BRASIL,

2012, Art. 2º). A principal estratégia para sua implementação consiste na ação coordenada

das instituições públicas responsáveis pela educação nos municípios articulados e de

“instituições privadas e não-governamentais, mediante convênios ou termos de

cooperação, sem que isso represente a transferência de recursos públicos para estas

instituições e organizações” (BRASIL, 2012, Art. 2º, § 1º). Trata-se de um regime de

colaboração de um novo tipo (ARGOLLO; MOTTA, 2015). As ações coordenadas,

visando assegurar o direto à educação de qualidade, tomam por base quatro eixos

fundamentais: I) gestão educacional; II) formação de professores e dos profissionais de

serviço e apoio escolar; III) práticas pedagógicas e avaliação; IV) infraestrutura física e

recursos pedagógicos.

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102

Com a finalidade específica de apoiar municípios a alavancar ações e indicadores

educacionais delimitados pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) no

sentido da melhoria da qualidade do ensino, essa proposta de cooperação intermunicipal,

seguindo a metodologia de trabalho em rede entre os municípios, pauta-se nos indicadores

do Plano de Ações Articuladas (PAR), programa integrante do Plano de Desenvolvimento

da Educação (PDE) lançado pelo Ministério da Educação (MEC) em 2007, como

ferramenta de diagnóstico e planejamento da educação municipal.

Nossa hipótese é que a redefinição dos métodos de gestão das instituições públicas

educacionais municipais, ao instituir um novo tipo de parceria público-privada na

reconfiguração do regime de colaboração entre os entes federados e na organização dos

sistemas de ensino, revela, por um lado, a influência dos empresários na formulação da

política educacional e, por outro lado, valendo-se da oferta de assessorias para a gestão

pública municipal, por meio dos Arranjos de Desenvolvimento da Educação, explicita a

busca de novas estratégias de expansão e de controle do mercado educacional.

Cabe-nos mencionar que, dentre as várias instituições que, desde o ano de 2009,

vêm assumindo o compromisso de apoiar as secretarias municipais de educação de

diferentes lugares do país a implantar um modelo estratégico de cooperação, por meio

dos Arranjos de Desenvolvimento da Educação (ADE), encontram-se o Instituto

Votorantim, a Fundação Vale, o Instituto Ayrton Senna e o Instituto Positivo. Alguns

desses grupos contam com o apoio do Todos pela Educação e integram o Grupo de

Institutos e Fundações de Empresas (GIFE).

Referências

ADRÃO, T.; BORGHI, R. Parcerias entre prefeituras e esfera privada: estratégias

privatizantes para a oferta da educação pública em São Paulo. In Adrião, T. e Peroni, V

(Org.). Público e Privado na Educação: Novos elementos para o debate. São Paulo:

Xamã, 2008, p. 99-110.

ARGOLLO, J.; MOTTA, V. Arranjos de desenvolvimento da educação: regime de

colaboração de „novo‟ tipo como estratégia do capital para ressignificar a educação

pública como direito. Universidade e Sociedade, ANDES, p. 44-57, ago., 2015.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de

outubro de 1988. 35ª ed. Brasília, DF: Senado Federal, 2012.

BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprova o Plano Nacional de

Educação (PNE) e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições

Câmara, 2014.

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103

BRASIL. Resolução nº 1, de 23 de janeiro de 2012. Dispõe sobre a implementação do

regime de colaboração mediante Arranjo de Desenvolvimento da Educação (ADE) como

instrumento de gestão pública para a melhoria da qualidade social da educação. DF:

MEC/CNE, 2012.

CARVALHO, E. J. G. de. Reestruturação Produtiva, Reforma Administrativa do Estado

e Gestão da Educação. Educ. Soc, n° 109, vol.10 – set/dez, 2009, p. 1139-1166.

INSTITUTO ETHOS. O que as empresas podem fazer pela educação. São Paulo:

CENPEC: Instituto Ethos, 1999.

PERONI, V. M.V.. A relação público/privado e a gestão da educação em tempos de

redefinição do papel do Estado. In: Adrião, T. e Peroni, V. Público e Privado na

Educação: Novos elementos para o debate (pp.111-127). São Paulo: Xamã, 2008.

PERONI, V. M.V.. A privatização do público: implicações para a democratização da

educação. In: PERONI, V. M.V. (Org.) Redefinições das fronteiras entre o público e o

privado: implicações para a democratização da educação. Brasília: Liber Livro, 2013.

PERONI, V. M.V.. Implicações da relação público-privado para a democratização da

educação no Brasil. In: PERONI, V. M.V. (Org.). Diálogos sobre as redefinições no

papel do Estado e nas fronteiras entre público e privado na educação. São Leopoldo,

Oikos, 2015.

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104

A FILANTROPIA E O SILENCIOSO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO DA

EDUCAÇÃO BÁSICA

Márcia Luzia dos Santos1

Mariléia Maria da Silva2

Resumo

Neste texto discutimos a privatização instituída na educação básica a partir da

refuncionalização do Estado em decorrência das reformas da década de 1990. As questões

levantadas partem da revisão bibliográfica realizada no Banco de Teses do Instituto

Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia3 e no site da Associação Nacional de

Pós-Graduação e Pesquisa em Educação no Grupo de Trabalho Estado e Política

Educacional, utilizando o descritor “privatização da educação básica”. Discutiremos a

inserção do setor privado no serviço público por meio das ações de responsabilidade

social, elucidando a repolitização do termo filantropia.

Introdução

As últimas décadas têm demarcado um processo de redefinição da educação

pública em todos os níveis de ensino, da educação superior à educação básica. A reforma

do Estado iniciada nos anos de 1990 inaugura na educação pública brasileira a lógica do

gerenciamento privado: produtividade, eficiência e resultados são os motes que tem

servido de apoio para alterar a gestão dos serviços públicos.

Neste contexto, medidas como descentralização e municipalização da educação

básica, defendidas nos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), Luiz Inácio

Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-agosto/2016) impuseram aos

municípios novas responsabilidades, como assumir o ensino fundamental além da

educação infantil, criar seus próprios sistemas de ensino, gerenciar as verbas advindas do

Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do

Magistério (Fundef) e posteriormente do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da

Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Os dois

Fundos instituídos serviram, em certa medida, como indutores de matrícula nas redes

1 Doutoranda em Educação - Universidade do Estado de Santa Catarina. E-mail: [email protected] 2 Profª. Drª. do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina. E-

mail: [email protected] 3 Trata-se de uma pesquisa de doutorado em andamento.

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municipais de ensino em detrimento do atendimento nas redes estaduais, o que

possibilitou aos administradores municipais aumentarem suas receitas a partir dos fundos.

(ADRIÃO, et. al., 2010).

O aumento da matrícula e a pressão por resultados advindas das avaliações em

larga escala estimularam os municípios a recorrerem às parcerias público-privadas na

educação básica. A entrada de setores privados na educação básica também é fomentada

pela introdução da “terceira via”, estratégia para realocar novos parceiros na oferta e

manutenção das políticas sociais. (PERONI; ADRIÃO, 2004). A “terceira via” é

compreendida pelas autoras como forma de estabelecer reformas na gestão do Estado na

medida em que incentiva a parceria entre este com setores da sociedade civil.

Oliveira e Barros (2015) destacam o aprofundamento da política da “terceira via”

no governo Lula da Silva assinalando esta política como estratégia de democracia

consentida. Destacamos, portanto, que o avanço das políticas privatistas na educação

básica se consolidou nos governos Lula de Silva e Dilma Rousseff sob a égide da “terceira

via”. O que percebemos é que a reforma do Estado é organizada por uma racionalidade

que inclui a precarização do serviço público, a ressignificação de conceitos como a

criação do “público não-estatal”, e uma profusão de leis que possibilitam a entrada da

iniciativa privada na condução do serviço público favorecendo a valorização da

hegemonia dos setores privados na educação básica.

A inauguração de novas formas de privatizar a educação básica

Na revisão bibliográfica realizada observamos as variadas formas pelas quais o

setor privado adentra à esfera pública, seja pela oferta de vagas na educação infantil,

aquisição de sistemas apostilados de ensino, assessoria privada à gestão de secretarias

municipais e escolas, formação de professores por entidades privadas, dentre outras.

Neste texto destacamos a entrada do setor privado na educação básica por meio da

filantropia e ações de responsabilidade social. As pesquisas por nós estudadas indicam

alterações promovidas no âmbito escolar por meio de fundações e institutos privados que

intencionam o gerenciamento da educação e propagandeiam uma forma eficiente de

alcançar a qualidade por eles defendida.

Acerca do caráter negociável da educação, Ball (2014), demonstra a difusão de

políticas educacionais por meio das redes de filantropia empresarial que se estabelecem

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em torno da educação pública, fornecendo serviços nos mais variados espaços. Segundo

o autor, estamos diante de uma “nova filantropia” ou “filantropia 3.0” e explicita:

O que há de ‘novo’ em ‘nova filantropia’ é a relação direta de ‘doar’

por ‘resultados’ e envolvimento direto de doadores em ações

filantrópicas e comunidades políticas. Ou seja, um movimento de

doação paliativa à desenvolvimentista. [...] Os ‘novos’ filantropos

querem ver impactos e resultados claros e mensuráveis de seus

‘investimentos’ de tempo e dinheiro (BALL, 2014, p. 121-122).

O autor indica que a filantropia atual se dá na perspectiva dos negócios e atua

sobre problemas e questões sociais e educacionais. A nova filantropia engloba agora

estratégias de mercado e métodos, envolve capitalismo de risco financiando soluções

ditas inovadoras para os problemas sociais, dentre estes, a questão da educação pública.

Os financiadores de nova filantropia esperam resultados em seus investimentos. Nessa

seara, produtos são comercializados em vários países como eficazes para alcançar a

qualidade da educação, e como Ball (2014) assinala, redes de políticas são formadas

incluindo uma diversidade de instituições parceiras e os mais variados sujeitos.

A filantropia continua, portanto, a ter seu terreno árido em meio à miséria, mas

agora fez desta uma oportunidade de produção de lucros. Como afirma Ball (2014, p.

183), “[...] capitais inquietos estão sempre buscando novas oportunidades de lucro, novas

possibilidades para a mercantilização!”. O autor indica o protagonismo do papel do

Estado na criação de oportunidades de políticas diante do argumento da ineficiência da

educação púbica, essas oportunidades são assumidas pelo setor privado que passa a

ofertar uma variedade de serviços educacionais.

As produções investigadas na revisão bibliográfica nos permitiram

verificar a amplitude que o termo responsabilidade social assume enquanto motivação

para transitar na esfera pública, o que nos leva a considerar essa uma proposição carregada

de significados, que visa resguardar e aprofundar a dominação do ideário privado sobre a

classe trabalhadora a fim de fomentar o que Neves (2005) denomina de consentimento

ativo. Neste sentido, Mendes (2015) constata a difusão da ideologia do agronegócio

assumindo o lugar de teorias críticas sobre a realidade socioambiental. Destaca a

privatização da educação pública no âmbito ideológico, afastando-a dos posicionamentos

políticos comprometidos com uma educação ambiental crítica, negando a existência dos

conflitos estruturais.

Contudo, para além do consentimento e da difusão da hegemonia burguesa, há a

financeirização da educação que ocorre também sob a égide da renovada filantropia e

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com base nas ditas ações de responsabilidade social. A educação é um grande

empreendimento fomentado pelos sujeitos coletivos que apregoam seu fracasso e

celebram a desenvoltura do mercado na elaboração de alternativas criativas que

possibilitam a solução estilo “cura rápida”. A miséria educacional anunciada lança as

bases para o que Ball (2014, p. 157) destaca como “capitalizar o desastre”.

Nesta perspectiva, os negócios que se estabelecem sobre a educação ou o edu- businesses

envolve grandes conglomerados educacionais que se fundem e vendem serviços e

recebem investimentos de capital privado, alimentando a expansão das empresas. Ball

(2014) demonstra que negócios educacionais são instalados em bolsões de pobreza ao

redor do globo, produtos são vendidos ao Estado e à própria comunidade, alicerçados no

argumento do incremento do capital humano e no alívio da pobreza. A junção pobreza e

educação torna-se o terreno fértil para o estabelecimento dos negócios, além da

exploração da força de trabalho.

Considerações finais

Procuramos assinalar o processo de privatização da educação básica enquanto

decorrência das alterações no gerenciamento da esfera estatal pós-reforma do Estado

iniciadas na década de 1990 e constantemente atualizada. Sob o argumento de ineficiência

da educação pública, novas formas de atuação vêm sendo conduzidas entrelaçando

organizações empresariais e o Estado, estabelecendo redes de governança que objetivam

realinhar a educação pública às necessidades do processo de valorização e reprodução do

capital. Neste sentido, vivenciamos o aprofundamento de estratégias que corroboram com

o processo de um novo tipo de privatização da educação básica, que se dá pelas mais

variadas formas e influenciam a oferta e condução das políticas educacionais e das escolas

públicas em todo o país.

Uma das formas que tentamos evidenciar nesta produção são as ações derivadas

da “terceira via” sob a insígnia da “responsabilidade social”, como por exemplo institutos,

ditos sem fins lucrativos, que se inserem no campo da “nova filantropia”, conforme

denomina Ball (2014). Tais institutos participam de novas redes políticas contraindo

parcerias com o Estado. A partir desta inserção na política elaboraram estratégias de

atuação e instituem programas de ensino para os diversos níveis da educação básica. Essa

presença dos sujeitos coletivos privados na educação básica corrobora com a manutenção

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da hegemonia burguesa, difundindo os valores da classe dominante e fazendo destes os

únicos corretos e a lógica do capital a única possível.

Para além desta forma de atuação, há os circuitos econômicos que estas redes de

política estabelecem ao utilizarem-se do fundo público para alimentarem seus projetos,

ao venderem sua marca e seus produtos utilizando-se do espaço público e ao

estabelecerem-se no processo de financeirização da educação.

Compreendemos a emergência de nos debruçarmos com maior profundidade nas

redes de política que incluem os sujeitos dessa nova filantropia, a fim de elucidarmos sua

forma de participação no circuito de reprodução do capital e mercadorização da educação

básica e evidenciar o papel do Estado como mediador entre as necessidades capitalistas e

a privatização da educação básica.

Referências

ADRIÃO, Theresa.et.al. A simbiose entre as prefeituras paulistas e o setor privado:

Tendências e implicações para a política educacional local. 2010. Anais da Anped.

Disponível em: http://33reuniao.anped.org.br/internas/ver/trabalhos-gt05. Acesso em: 28

jul. 2017.

BALL, Stephen J. Educação Global S.A.: novas redes políticas e o imaginário

neoliberal. Ponta Grossa: UEPG, 2014.

MENDES, Carolina Borghi. Influências de instituições externas à escola pública:

privatização do ensino a partir da educação ambiental? 2015. 234f. Dissertação.

(Mestrado em Educação) – Universidade Estadual Paulista. Bauru, SP. 2015.

NEVES, Lucia Maria Wanderley (Org.). A nova pedagogia da hegemonia: estratégias

do capital para educar o consenso. São Paulo. Xamã, 2005.

OLIVEIRA, Maria Teresa Cavalcanti de; BARROS, Vanja da Rocha Monteiro de.

Mudanças nas estratégias políticas de implantação da reforma de escolarização básica.

In: MARTINS, André Silva; NEVES, Lúcia Maria Wanderlei (Orgs.). Educação básica:

tragédia anunciada? São Paulo: Xamã, 2015. p. 159-189.

PERONI, Vera Maria Vidal. ADRIÃO, Theresa. Reforma da ação estatal e as estratégias

para a constituição do público não estatal na educação básica brasileira. Anais da Anped.

2004. Disponível em:

http://27reuniao.anped.org.br/?_ga=2.79630292.1124126624.1501336700-

1888206714.1475164430. Acesso em: 28 jul. 2017.

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A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA NA REGIÃO CENTRO-OESTE COMO

ESTRATÉGIA PARA SOLUÇÃO DE PROBLEMAS EDUCACIONAIS

Fernanda Ferreira Belo1

Apresentação

Esse texto é recorte de uma pesquisa cuja temática é a política educacional na

região Centro-Oeste e a lógica de mercado na educação pública. Objetiva analisar a

parceria público-privada em educação municipal, divulgada como estratégia para a

solução de problemas educacionais. Para a realização dessa análise, consultamos as

mídias digitais, sites de notícias de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e o portal

eletrônico da editora Positivo. Entre os referenciais teóricos estão Goodson (2008),

Marmeleira (2014), Mészáros (2009) entre outros. A parceria privada possibilita a

padronização do ensino público, e esta se converte em sinônimo de qualidade. A

apropriação privada do bem público acentua os problemas educacionais e promove a

concentração de capital em grandes empresas educacionais.

A parceria público-privada em educação municipal na região Centro-Oeste como

estratégia para solução de problemas educacionais

A mídia digital tem realizado ampla divulgação das supostas vantagens e acertos

de gestores públicos ao implementarem a parceria público-privada na educação na região

Centro-Oeste. Identificamos que uma quantidade significativa de municípios realiza

parcerias com a editora Positivo, e isso ocorre há mais de uma década (BELO, 2014).

Essa empresa educacional tem promovido várias ações para garantir e ampliar as

parcerias com a educação pública, ofertando uma proposta pedagógica de ensino tida

como especializada em resolver os problemas da educação pública2. O Sistema de Ensino

Aprende Brasil – SABE - é anunciado como “um conjunto de soluções educacionais”,

capaz de “potencializar a qualidade do ensino da rede pública” e melhorar os índices da

1 Doutorado em Educação Universidade Federal de Goiás - Regional Catalão - Unidade Acadêmica

Especial Educação 2 http://www.editorapositivo.com.br/sistemas-de-ensino/aprende-brasil/#ambdig6 Consulta em setembro

de 2017.

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educação3, e é composta por material didático apostilado, livro digital, ambiente digital,

assessoria pedagógica e sistemas de avaliação Hábile e SIMEB4.

No vídeo publicado no canal YouTube5, o foco da proposta de ensino SABE está

no uso de tecnologias educacionais, tais como livro digital, portal eletrônico de educação

e ferramentas tecnológicas como vídeos, simuladores, animações e infográficos. A ideia

é que as aulas sejam interativas e que estudantes, com seus tabletes e computadores,

acessem o conteúdo relacionado e, ampliem seus conhecimentos6.

Aos professores e gestores é oferecido um suporte pedagógico de mestres e

doutores, que farão um gerenciamento do trabalho nas escolas parceiras. O Hábile -

Sistema de Avaliação Positivo – e o SIMEB - Sistema de Monitoramento Educacional do

Brasil – são os produtos pedagógicos de avaliação educacional externa de aprendizagem

em larga escala e ferramentas tecnológicas, destinadas à gestão educacional, envolvendo

diagnóstico, planejamento e monitoramento das metas estabelecidas para a rede de

ensino”7. Com esse pacote de soluções educacionais a editora Positivo propõe que

gestores “transformem a realidade da educação no Brasil”8.

“Porque seu município precisa do Aprende Brasil”

No site da editora Positivo a proposta de ensino SABE é convertida em uma

necessidade dos municípios, de modo que se naturaliza a ideia de que a padronização do

ensino fará a diferença na educação pública, solucionando problemas educacionais e

promovendo qualidade de vida. Os gestores públicos, enquanto “parceiros” nesse

processo, são estimulados a “transformarem a realidade do nosso país” utilizando as

facilidades, a “segurança e know-how da parceria com o Grupo Positivo”9.

Todas as supostas vantagens propagandeadas pela editora Positivo enfatizam as

soluções educacionais, a possibilidade de se atingir “excelentes resultados” e a suposta

“autonomia de gestão pedagógica nas escolas”10. Entendemos que, enquanto propaganda,

3 http://www.editorapositivo.com.br/sistemas-de-ensino/.Consulta em setembro de 2017. Grifos da autora. 4 http://www.editorapositivo.com.br/sistemas-de-ensino/.Consulta em setembro de 2017. Grifos da autora. 5Sistema de Ensino Aprende Brasil - Editora Positivo – YouTube - https://www.youtube.com/watch?v=Ei-

NDOXbk70#action=share 6 Idem. 7 http://www.editorapositivo.com.br/sistemas-de-ensino/Consulta em setembro de 2017. Grifos da autora. 8 Idem. 9 http://www.editorapositivo.com.br/sistemas-de-ensino/aprende-brasil/#ambdig6Consulta em maio de

2017; grifos da autora. 10 Idem.

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111

esse recurso constitui-se como um de conjunto de técnicas organizadas que tem como

finalidade influenciar e manipular comportamentos e opiniões de uma massa de

indivíduos com problemas e angústias, sendo utilizada como um recurso para apresentar

e vender soluções (MARMELEIRA, 2014).

Nesse cenário, longe de resolver os problemas educacionais, a parceria público-

privada garante a apropriação privada do bem público e a continuidade da concentração

de capital em grandes empresas do ramo educacional (MÉSZÁROS, 2009). Esse

movimento privatizante possibilita ofertar os serviços públicos de acordo com as leis de

mercado e, dificulta a construção de instituições públicas, gratuitas e abertas à totalidade

social, sem qualquer tipo de restrição (SEVERINO, 2006).

Notícias da educação na região Centro-Oeste: a padronização do ensino público

como sinônimo de qualidade educacional

Ao analisar sites de notícias da educação da região Centro-Oeste, identificamos

que até mesmo algumas comunidades indígenas do Xingu, em Mato Grosso adotaram

indiscriminadamente o SABE/Positivo. Iniciamos com as notícias de Mundo Novo,

município de MS, que adotou o SABE em 2012, conforme publicou o site “A Gazeta

News”11. Conforme consta na publicação, o município pode “orgulhosamente entregar a

dezenas de alunos as apostilas que servirão como orientadoras deste novo processo de

ensino” 12. Em Sinop, MT, a parceria também foi bem recebida em 2013. O SABE da

editora Positivo foi destinado à 52 turmas, 174 professores e mais de 1,7 mil alunos,

anunciou o site de notícias do governo municipal13. Segundo o secretário de Educação,

Hedvaldo Costa, “O método é um grande avanço, propiciando a inclusão e as mesmas

características da educação privada às nossas crianças”14.

Segundo as informações publicadas no site “Povos indígenas”, em março de 2013,

cerca de 200 alunos do Parque Indígena do Xingu, no norte do estado do Mato Grosso,

adotariam o SABE15. Além das aldeias Maraká e Sobradinho foram previstas mais três

11 http://www.agazetanews.com.br/noticia/educacao/55427/mundo-novo-sistema-aprende-brasil-e-

realidademundo-novo Consulta em abril de 2017. 12 Idem. 13 http://www.sinop.mt.gov.br/Noticias/Metodo-aprende-brasil-sera-oficialmente-lancado-hoje-as-13h-na-

sequencia-serao-entregues-novos-oni/Consulta em abril de 2017. 14 Idem. 15 https://povosindigenas.org.br/pt/noticias?id=125730; http://www.paranashop.com.br.Consulta em julho

de 2017.

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112

aldeias nessa parceria: Guarujá, Morená e Waura16. Mirian Lopes Ramos, da secretaria

de educação desse município, afirmou que "a chegada do Aprende Brasil será uma grande

soma à prática pedagógica dos professores das aldeias do Xingu”17.

O site de notícias “Primeira Mão Mato Grosso”, divulgou que a rede municipal de

ensino de Tapurah iniciou o ano letivo de 2016 com a implantação do SABE 18. Claudia

Maria Borges, secretária de educação, afirmou que houve estruturação de um plano que

“indicaram a necessidade de material pedagógico de qualidade”19.

Em Chapadão do Sul, MS, a partir de 2016 todos os alunos da rede municipal de

ensino receberão as apostilas do SABE, anunciou o site “Jovem Sul News”.20 Segundo

informações apresentadas a prefeitura mantém convênio com a editora Positivo e utiliza

as apostilas há mais de 12 anos21. Em Alto Paraguai, no MT, a partir de 2016 houve o

estabelecimento da parceria com o SABE, divulgou o site “FolhaMax”22. De acordo com

a secretária de educação, Marilene Souza de Almeida, o SABE é uma forma de

“oportunizar, por meio dos recursos didáticos, a construção de novos conhecimentos e,

consequentemente, ganhos expressivos para nossos alunos”23.

A Prefeitura de Corumbá, em MS, desembolsou R$ 1 milhão 312 mil 345 reais e

40 centavos, em 2016, para contratar o SABE, divulgou de forma crítica o site “MS

Notícias”24. O enfoque crítico da notícia enfatiza que, “sem licitar a prefeitura torra 1,312

milhão da educação com gastos”25. Em Goiás o site de notícias “Centralpress” divulgou

em março de 2017, que Catalão e Buritinópolis firmaram a parceria entre as secretarias

municipais de educação e a editora Positivo26, para turmas que vão da educação infantil

até os primeiros anos do ensino fundamental, em número de 2.650 crianças. Leonardo P.

Santa Cecília, secretário de educação de Catalão, afirma que com a nova gestão, o SABE

16 Idem. 17 Idem. 18 http://www.primeiramaomt.com.br/2016/02/tapurah-implanta-sistema-de-ensino-aprende-brasil/ .

Consulta em julho de 2017. 19 Idem. 20 http://www.jovemsulnews.com.br/categoria/gerais/alunos-da-rede-municipal-de-ensino-estao-

recebendo-as-apostilas-do-sistema-aprende-brasil Consulta em julho de 2017. 21http://www.jovemsulnews.com.br/categoria/gerais/alunos-da-rede-municipal-de-ensino-estao-

recebendo-as-apostilas-do-sistema-aprende-brasil Consulta em julho de 2017. 22http://www.folhamax.com.br/cidades/alto-paraguai-implanta-sistema-de-ensino-aprende-brasil/80817

Consulta em julho de 2017. 23 Idem. 24http://www.msnoticias.com.br/editorias/politica-mato-grosso-sul/sem-licitar-prefeitura-torra-r-13-

milhao-da-educacao-em-gasto/71775/ Consulta em julho de 2017. 25 Idem. 26 http://www.centralpress.com.br/municipios-goianos-trazem-novidades-na-educacao-em-2017/ Consulta

em julho de 2017

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retornou às escolas27. Em Buritinópolis, a secretária de educação Kassiana M. V. da Silva

afirma que a intensão da parceria é “garantir a melhoria do ensino municipal, por saber

dos diferenciais pedagógicos propostos”28.

Para o início do ano letivo de 2017 o site “CircuitoMT” anunciou que o município

de Itiquira, no MT, realizou um convênio com a Editora Positivo, sendo que parte das

escolas passam a adotar o SABE29, entendido como um “conjunto completo de soluções

para as escolas”. A expectativa da equipe gestora é de melhor a nota da cidade nas metas

de avaliação nacional e ficar compatível com a de países da OCDE30.

Conforme podemos verificar nessa exposição, vários municípios da região

Centro-Oeste firmaram parcerias com a editora Positivo, de forma acrítica, tendo em vista

a solução de problemas educacionais, e com esse processo a padronização do ensino tem

se tornado prática comum nas escolas municipais.

Considerações Finais

A editora Positivo propagandeia que seus produtos e serviços são a solução para

problemas educacionais e potencializadores da qualidade do ensino público. Os

municípios mencionados realizam a parceria público-privada e promovem a padronização

do ensino, sendo que esta padronização tem sido compreendida como fator de elevação

da qualidade educacional.

A organização e o planejamento das atividades nas escolas públicas desses

municípios passam a ser gerenciados por técnicos e funcionários dessa editora. Essa ação

infringe dispositivos constitucionais e princípios da gestão democrática, da pluralidade

de ideias e concepções pedagógicas e, da liberdade de ensinar e aprender. Professores e

gestores públicos podem se tornar transmissores do currículo definido por supostos

gerentes educacionais (GOODSON, 2008, p. 34), que definem o que se ensina e como se

ensina.

Nesse sentido, a realização de mais estudos, pesquisas e reflexões relativos às

contradições que atravessam essa temática é imprescindível. Notadamente, a proposta

veiculada pela editora Positivo, de que o SABE é a solução dos problemas educacionais,

27 http://www.centralpress.com.br/municipios-goianos-trazem-novidades-na-educacao-em-2017/

Consulta em julho de 2017. 28 Idem. 29 http://circuitomt.com.br/editorias/cidades/103744-rede-municipal-de-ensino-de-itiquira-tem-novidades-

em-2017.html Consulta em julho de 2017 30 Idem.

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não garante a transformação do quadro educacional brasileiro, que é extremamente

marcado pelas desigualdades sociais. Mas, insere a lógica de mercado na educação

pública municipal e possibilita a apropriação privada do bem público.

Referências:

BELO. Fernanda Ferreira. A lógica do mercado na educação pública municipal: a

parceria público-privada em Catalão/Goiás. Tese (Doutorado) – Universidade Federal

de Goiás, 2014.

GOODSON. Ivor F. As políticas de currículo e de escolarização: abordagens

históricas. Tradução de Vera Joscelyne. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2008. Goiás,

Faculdade de Educação, 2014.

MARMELEIRA, José. A propaganda está entre nós. 2014

.https://www.publico.pt/2014/10/24/culturaipsilon/critica/a-propaganda-esta-entre-nos-

1673761/amp#

MÉSZÁROS, Istvan. Reflexões e perspectivas das relações entre capital e Educação.

Entrevista. Revista Perspectiva, Florianópolis, Santa Catarina, v. 27, n. 2, 533-540,

jul./dez. 2009. Disponível em <http://www.perspectiva.ufsc.br>. Acesso em janeiro de

2013.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Fundamentos ético-políticos da educação no Brasil

de hoje. In: Júlio César França de Lima e Lúcia M. Wanderley Neves (orgs.).

Fundamentos da educação escolar do Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro, Editora

FIOCRUZ, 2006.

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A REFORMA DO ESTADO DA DÉCADA DE 90 E AS POLÍTICAS DE

PRIVATIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR1

Suzanete Aparecida de Freitas Vaz2

Isaura Monica de Souza Zanardini3

Introdução

Este trabalho tem como objeto de investigação compreender a intencionalidade

subjacente das políticas implementadas desde a década de 90 por diferentes governos em

relação ao Ensino Superior no Brasil, no intuito de analisar qual a função do Ensino

Superior na formação do sujeito para o sistema capitalista.

Como afirma Mészáros (2009) crescimento e expansão são necessidades

emergentes ao sistema capitalista, e que se atingido seus limites locais, não resta outra

alternativa para o capitalismo a não ser implementar ajustes estruturais que venham a

superar e avançar esses limites.

A intencionalidade dessa reforma estatal no país foi direcionada para restringir

direitos sociais; reorganizar o modo de produção; e descentralizar o Estado de suas

obrigações diante da classe trabalhadora, tornar o mercado nacional atrativo e flexível

para viver a era da globalização. Como enfatiza Behring (2008) a reforma do Estado foi

na verdade uma contra reforma, pois trouxe serias consequências para a classe

trabalhadora, uma delas foi a retração do Estado em relação aos gastos públicos,

principalmente em relação a gastos em educação e saúde. O Estado centralizou suas ações

por meio de privatizações e parcerias público-privado para atender a população.

Para Netto (1996) a desqualificação do Estado no discurso neoliberal vem sendo

como se sabe, a pedra-de-toque do privatismo4, pois é por meio desse discurso que

legitima a defesa do Estado Mínimo, da reforma do Estado como alternativa para o país

e para a retomada do crescimento no Brasil.

Para Zanardini (2008, p. 72) Através da instituição da propriedade

pública não-estatal e das agências autônomas (reguladoras) que residem

1 Pesquisa realizada no curso de Pós-Graduação Mestrado em Educação da Universidade Estadual do Oeste

do Paraná – UNIOESTE (2016-2017). 2 Mestranda do curso de Pós-Graduação Mestrado em Educação da Universidade Estadual do Oeste do

Paraná UNIOESTE, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais e Sociais –

GEEPES, Professora da rede pública municipal de Cascavel. E-mail: [email protected] 3 Doutora em Educação, Orientadora do trabalho e Professora do curso de Pós-Graduação Mestrado em

Educação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE, Pesquisadora do Grupo de Estudos

e Pesquisas em Política Educacional e Social (Geppes). E-mail: [email protected] 4 Para Boito Júnior (1999), no Brasil, “A política de privatização favorece o imperialismo e uma fração da

burguesia brasileira, o capital monopolista, e marginaliza o pequeno e o médio capital (p. 51)”.

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no âmbito das atividades exclusivas e que requerem contratos de gestão,

temos a chamada desregulamentação, que concretamente significa a

ampliação da relação parceria entre Estado e mercado no controle das

políticas públicas.

Assim, a disseminação da ideologia neoliberal pelo Estado brasileiro desde a

década de 1990, é o resultado do compromisso assumido pelo país com o sistema

econômico mundial, que visa liberar o mercado para realizar suas transações econômicas

sem interferências do Estado, e ao mesmo tempo contribuir para a manutenção do modo

de produção, focalizando suas políticas sociais, e privatizando setores públicos.

Objetivos

Compreender as políticas educacionais no Ensino Superior elaboradas no período

do governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003 – 2010), por meio da análise da produção

científica no campo da educação superior: parceria público-privado; acesso ao Ensino

Superior; investigar qual o projeto, modelo de Ensino Superior, que as políticas

neoliberais deslumbram para a atual conjuntura política, econômica e social.

Justificativa

A relevância dessa pesquisa se justifica em compreender as políticas

implementadas desde a década de 90 no país, que visam o desmonte do modelo de Ensino

Superior que viabiliza ensino, pesquisa e extensão. E que, portanto, o estado brasileiro

seguindo a ideologia neoliberal desencadeada pelo ajuste estrutural do sistema capitalista,

implementando no país uma política educacional para o Ensino Superior que tem como

objetivo formar sujeitos que venham atender exclusivamente ao atual modelo de

produção capitalista. Para que isso fosse possível, o Estado buscou firmar parcerias entre

o setor público e privado, embasou suas políticas educacionais do ensino superior

conforme os anseios e reivindicações dos empresários representantes das IES privadas.

Justificando desta forma, o repasse de recursos públicos para o setor privado.

Metodologia

O projeto de pesquisa foi desenvolvido por meio de pesquisa Estado da Arte, tendo

em vista identificar a partir dos pesquisadores estudados, a compreensão das políticas

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educacionais no Ensino Superior elaboradas no período do governo Luiz Inácio Lula da

Silva (2003 – 2010). No primeiro momento realizamos um levantamento sobre a

produção cientifica das pesquisas no campo da educação superior que tratem das políticas

educacionais implantadas no governo Lula (2003 – 2010) para o Ensino Superior. Na

sequência nosso trabalho foi realizar a análise da produção dos autores ao caracterizar as

políticas para o ensino superior no governo Lula, verificar quais foram os avanços,

dificuldades e desafios do governo, compreender o projeto desenvolvido no governo Lula

para o Ensino Superior, partindo do pressuposto que as reformas da educação superior

são políticas liberais para atender as exigências do mercado internacional e modernização

do Estado.

Resultados

Em relação aos resultados da pesquisa, constatamos que o governo Lula ancorou

seus projetos para o Ensino Superior conforme a ideologia neoliberal, e que os

fundamentos da Reforma da Educação Superior do Governo Lula estão ligados

diretamente aos anseios do sistema capitalista, sendo regulado e defendido pelos

Organismos Internacionais e pelos empresários nacionais. Portanto, o governo Lula

priorizou a política de focalização e privatização em relação ao acesso ao Ensino

Superior, justificando as parcerias públicoprivado no atendimento desse nível de ensino.

A focalização do ensino superior não foge da política assistencialista, que visa

apenas amenizar as aparências. Para Reis (2015) as iniciativas adotadas pelo governo

Lula pautadas pela mercantilização e pela focalização, foram em direção oposta ao padrão

de proteção social, de caráter público e universal, previsto na Constituição Federal de

1988.

Destaca Reis (2015) que a crescente destinação de recursos públicos as IES

privadas e a política de focalização do acesso, são políticas contraditórias ao desejo da

classe trabalhadora, que luta diante do sistema por democratização do acesso ao Ensino

Superior por meio de universidades públicas.

Nas últimas décadas no Brasil, as políticas para o ensino superior passaram por

diversas mudanças, as quais vem proporcionando aumento do número de vagas e acesso

ao ensino superior. Conforme dados obtidos por meio do censo da educação superior dos

anos 2003 e 2010, censo realizado pelo INEP, elaboramos a seguinte tabela:

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Tabela 1: Evolução do número de vagas ofertadas no ensino superior, por categoria

administrativa, público e privado (2003-2010)

Números de vagas ofertadas no ensino superior

Ano IES

públicas

IES privadas

Total

2003 281.213 14.041

%

1.721.520 85.959

%

2.002.73

2010 445.337 14,273

%

2.674.855 85,727

%

3.120.19

2

Fontes: Elaboração da autora a partir dos Censos da Educação Superior (INEP, 2003-2010).

Partindo desse pressuposto, o Estado brasileiro desde a década de 90 vem

incentivando a expansão das IES privadas na oferta do ensino superior, e para facilitar

esse processo o Estado buscou firmar parcerias com as instituições privadas. As políticas

neoliberais de descentralização do Estado direcionaram esses acordos entre o Estado e as

IES privadas. De acordo com Reis (2015, p. 125), essa expansão no ensino superior por

meio do setor privado pode ser constatada pelos incentivos do governo federal em relação

aos Programa Universidade para Todos (Prouni) e o FIES (Fundo de financiamento

Estudantil). Conforme o autor, só em 2014, o valor destinado a esses programas pelo

Governo Federal foi equivalente a R$ 13,154 bilhões, isso representou 32% do total dos

recursos destinados ao financiamento de todas as universidades federais que chegou ao

montante de R$ 41,077 bilhões.

Conclusão

Nossa conclusão é que o governo Lula não rompeu com a política de privatização

do Ensino Superior desencadeada pela reforma do estado do governo FHC, mas sim

ampliou esses projetos. Que durante o governo Lula houve sim uma expansão do Ensino

Superior, mas que essa expansão não pode ser considerada como democratização, uma

vez que essa expansão ocorreu por meio do setor privado.

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119

Referências

BEHRING, Elaine. Brasil em Contra-Reforma: desestruturação do Estado e perda

de direitos. 2ed. São Paulo: Cortez, 2008.

BOITO JR., Armando. Política neoliberal e sindicalismo no Brasil. São Paulo, Editora

Xamã, 1999.

INEP. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Censo da

educação superior: 2010 – resumo técnico. – Brasília : Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2012.

MÉSZÁROS, István. A crise estrutural do capital. São Paulo: Boitempo, 2009.

REIS, Luiz Fernando. Dívida pública, política econômica e o financiamento das

universidades federais nos governos Lula e Dilma (2003-2014). Rio de Janeiro, 2015.

ZANARDINI, Isaura Monica Souza A reforma do Estado brasileiro no contexto da

globalização e da pós-modernidade. In: Estado, Educação e Sociedade Capitalista /

organização de Isaura Monica Souza Zanardini, Paulino José Orso. — Cascavel :

Edunioeste, 2008.

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120

GERENCIALISMO ESTATAL E A RELAÇÃO PÚBLICO-PRIVADO:

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PARCERIA DO INSTITUTO DE CO-

RESPONSABILIDADE DA EDUCAÇÃO (ICE) EM GOIÁS

Maria Augusta Peixoto Mundim1

Luelí Nogueira Duarte e Silva2

Introdução

O presente trabalho apresenta resultados parciais de pesquisas em andamento

sobre o Estado gerencial e a relação público-privado na educação em Goiás. Sem

pretender fazer um recuo em busca da compreensão dos sentidos e significados expressos

nas delimitações do público e do privado ao longo da história, é fundamental afirmar que

nos seus desdobramentos lógicos (conceituais) e históricos (materiais) a relação público-

privado é tributária da própria constituição e consolidação da ordem burguesa, portanto

referida à época moderna, ao advento do modo de produção capitalista e ao Estado

burguês.

Se desde a sua constituição é dado ao Estado burguês a função de garantia e

proteção da propriedade privada, tomada como um direito natural, razão de existir do

contrato social e da própria sociedade civil, está claro a primazia do privado sobre o

público nos marcos dessa sociedade. A par disso, trata-se de atualizar, desmistificar e

desvelar o que se encontra no cerne da relação público-privado, ou seja, o conteúdo de

classe do Estado que advoga para si uma possível neutralidade e reedita constantemente

a promessa de administrar e gerenciar em favor da liberdade individual e do bem comum.

Gerencialismo e reforma do Estado

O declínio das taxas de lucro e do padrão de acumulação próprio do modelo de

produção taylorista-fordista levou o capitalismo a buscar respostas à crise, o que incluiu

mudanças e ajustes na estrutura econômica e na superestrutura política e jurídica,

particularmente a partir dos anos de 1970. De acordo com Netto e Braz (2008), o conjunto

1 Professora doutora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás – FE/UFG Email:

[email protected] 2 Professora doutora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás – FE/UFG E-mail:

[email protected]

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121

de respostas à crise encontra-se alicerçado sinteticamente sobre um tripé: o processo de

reestruturação da produção, a financeirização e a ideologia neoliberal.

Seguindo a sua dinâmica, o capital acentua o seu caráter desigual e combinado e

avança no processo de desconcentração da produção, promovendo um processo de

desterritorialização e busca por maior exploração da força de trabalho. Associado a isso,

há uma intensa incorporação de novas tecnologias provocando um forte impacto no

contingente de trabalhadores.

O gerenciamento e o controle da força de trabalho pelo grande capital passa por

sofisticadas e eficientes formas, graças aos avanços da informática e da microeletrônica,

que permitem a concentração e a centralização de poder político e econômico em escala

mundial. Os grupos monopolistas, corporações megaempresarias passam a atuar de forma

transnacional e articulados a Organismos Internacionais, bem como ditam desde os

ajustes estruturais da macroeconomia, da reforma do Estado, até medidas de menor

abrangência como as orientações para as reformas na educação.

A ideologia neoliberal pode ser caracterizada como um projeto que envolve

diretamente mudanças na atuação do Estado e que teve início mais especificamente na

Inglaterra sob o governo de Margaret Thatcher e nos Estados Unidos com o governo de

Ronald Reagan. Do ponto de vista político, estes foram governos marcados pelo desmonte

dos sindicatos de trabalhadores e pela retirada do Estado da garantia de políticas sociais

básicas. Grosso modo, tais medidas, entre outras, passaram a fazer parte do chamado

receituário neoliberal, no qual a crítica a intervenção do Estado se deu de forma intensa.

Na reestruturação do sistema capitalista, nas últimas décadas, a procura da

eficiência, da eficácia e da produtividade levou a administração pública a buscar, na

iniciativa privada e no mercado, novas formas de gestão para os serviços públicos. Para

Apple (2000), um novo modelo de Estado e de gestão tem emergido em países como os

Estados Unidos e o Reino Unido, fruto de “uma aliança entre neoliberais e

neoconservadores, mas também entre grupos minoritários, como populistas autoritários e

uma nova classe média profissional” (APPLE, 2000, p. 65). Para o autor essa nova

aliança, denominada de Nova Direita foi responsável por veicular o discurso em favor da

reestruturação do Estado, discurso este, construído por meio do guarda-chuva ideológico

dos acordos e das concessões negociadas para abrigar os interesses gerais. Segundo o

autor, no contraponto da crítica a gestão ineficiente e burocrática, do Estado de bem-estar

social vai se constituindo a mudança na natureza e no papel do Estado, que passa a ter a

função, não de prover, mas de gerenciar as políticas.

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122

De acordo com Gaulejac (2007, p.36), “a gestão é definitivamente um sistema de

organização do poder”. Para o autor, o poder gerencialista se desenvolve a partir do

movimento de desterritorialização e de abstração do capital, desprovido de ética, de moral

e de pátria o projeto capitalista centra-se em si mesmo na busca de sua finalidade.

Conforme afirma: “A ideologia gerencialista preenche o vazio ético do capitalismo a

partir do momento em que este se dissociou da ética protestante, que fundava sua

legitimidade” (p. 38).

Ademais, a nova forma de gestão do Estado tem interferido diretamente no âmbito

das políticas públicas, particularmente as educacionais. Esse ideário gerencialista tem

sido adotado como solução mágica para resolver os problemas históricos vivenciados

pelas escolas públicas no Brasil. Considerando os princípios da Gerência da Qualidade

Total, o modelo gerencialista adotado consiste na primazia do resultado em detrimento

do processo. Novas formas de controle são estabelecidas por meio de mecanismos de

atuação direta nas escolas, tais como: os sistemas de metas e objetivos, a ênfase no sujeito

que é recompensado por sua eficiência e mérito, a avaliação dos resultados e a

competitividade individual e institucional.

Reformas neoliberais e as Parcerias Público-Privado na educação no Brasil

Aos moldes do que ocorreu nos países de capitalismo avançado, o receituário

neoliberal foi assumido pelo governo Fernando Henrique Cardoso, trazendo modificações

significativas na concepção de democracia e no papel do Estado e da sociedade. A

privatização das empresas estatais rentáveis, a redução do financiamento para as áreas

sociais, a redução de direitos sociais dos trabalhadores, a transferência de recursos a

empresas privadas e organizações não-governamentais, a reconceituação do público e do

privado, o aumento da desigualdade social, são apenas alguns dos indicativos do

receituário adotado pelo amplo e generalizado processo de reformas implementadas ao

longo dos dois mandatos de FHC.

Emblema desse processo foi o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado

implementado pelo então ministro da Modernização Administrativa e Reforma do Estado

(MARE), Luís Carlos Bresser Pereira, no primeiro governo FHC. A partir de um novo

ordenamento político, jurídico e institucional como as Leis 8. 987/95 e 9. 074/95 que

legislam sobre o sistema de concessão de serviços públicos; da Emenda Constitucional n.

19, de junho de 1998 que “modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da

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123

Administração Pública (...)” e também das Leis 9. 637/98 e 9. 648/98 que normatizam e

regulam as Organizações Sociais (OS) a reforma do Estado brasileiro introduz novos

conceitos, princípios e estabelece as novas formas de regulação e funcionamento entre a

Administração Pública e as entidades privadas.

Na educação, esse aparato político e jurídico introduz nova forma gestão e cria as

possibilidades para que a iniciativa privada entre na escola pública, visto que a educação

passa a ser entendida como serviço não – exclusivo do Estado e, este passa a contar com

as organizações não – estatais e privadas, sem fins lucrativos, para gerir as escolas. Assim

emergem, neste contexto, as Organizações Sociais (OS) e as Parcerias Públicas – Privadas

na Educação (PPPE). Essas últimas reguladas pela Lei n. 11. 079/2004.

As Parcerias Público Privada (PPP) na Educação em Goiás: o Instituto de Co-

responsabilidade pela Educação (ICE)

No Estado de Goiás, nos meados da segunda década do século XXI, sob o governo

de Marconi Perillo, começaram a ocorrer às primeiras experiências de parcerias entre

público e o privado. Em 2011, as principais unidades de saúde da capital foram repassadas

para a administração das OSs. Na educação, em 2012, iniciaram as experiências entre

público e privada, mas estas não foram qualificadas naquele momento como OS. Somente

em agosto de 2015, o governo do Estado de Goiás anuncia que a implantação das OS na

área educacional, por meio de contrato de gestão, conforme a Lei nº 18. 331, de

30/12/2013, que dispõe sobre a qualificação de entidades como Organizações Sociais

Estaduais.

O Instituto Unibanco e o Instituto de Co-responsabilidade pela Educação (ICE)

atuam nas escolas públicas estaduais de Ensino Médio, mas não são ainda qualificados

como OS. Entretanto, pode-se inferir, que essas experiências de PPP da Secretaria de

Estado de Educação, Cultura e Esporte (Seduce/GO) com o Programa Novo Futuro em

parceria com o Instituto de Co-Responsabilidade da Educação (ICE) e com o Programa

Jovem do Futuro do Instituto Unibanco vem criando as condições objetivas e legais para

a implantação das Organizações Sociais na rede estadual de Goiás.

O ICE é uma entidade privada, sem fins lucrativos, que tem como missão a

melhoria da qualidade da educação pública. O ICE atua no Ensino Médio e conta com a

parceria do Instituto Qualidade no Ensino (IQE) e o Instituto Alfa e Beta (IAB), bem

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como atua no Ensino Médio Integral, no Ensino Médio Profissional e no Ensino

Fundamental da 7ª ao 9º ano.

Para este projeto, “a gestão de uma escola pouco difere da gestão de uma

empresa”. Assim, a concepção de gestão escolar do ICE foi baseada no modelo de gestão

Tecnologia Empresarial Odebrechet (TEO), mas foi sistematizada e reformulada de modo

a ser empregada no ambiente escolar, sendo denominada Tecnologia Empresarial Sócio

– Educacional (TESE).

No Estado de Goiás, em 2013, o Programa Ensino Médio em Tempo Integral foi

implementado na rede estadual de ensino, denominado Programa “Novo Futuro”,

abrangendo, inicialmente, quinze escolas, sendo oito localizadas na capital e sete no

interior. Em 2014, mais sete escolas do interior aderiram a este Programa. Estas escolas

foram transformadas em Centros de Ensino em Período Integral (CEPI), por meio da Lei

estadual nº 17.920/2012.

O Programa “Novo Futuro”, que resulta da parceria público privado com o

Instituto de Co-responsabilidade pela Educação (ICE) de Pernambuco, tem como objetivo

ampliar o tempo escolar e contribuir para a formação de um cidadão livre, solidário e

qualificado (SEDUCE/GO, 2013). Sendo assim, o programa se assenta em três pilares:

a) Formação acadêmica de excelência; b) Preparação para a vida e c) Preparação para o

mundo do trabalho. No pilar preparação para a vida, os alunos terão educação de valores,

no qual deverão desenvolver um projeto de vida pessoal e terão oportunidades de

exercerem o seu protagonismo juvenil. Em relação ao terceiro pilar preparação para o

mundo do trabalho, a escola deverá orientar e potencializar as competências dos

estudantes com vistas à atuação futura no mercado (SEDUCE/GO, 2013).

A disciplina “Projeto de Vida”, que tem como foco os alunos dos 1º e 2º anos,

pretende prepará-los para o mercado de trabalho e para a vida. Para tanto, “visa contribuir

para a construção de um cidadão autônomo, solidário e competente” (APOSTILA

PROJETO DE VIDA, s/d). Esta disciplina conta com uma apostila para o professor, para

que este possa auxiliar e ajudar cada aluno a construir o seu projeto de vida, tendo como

princípio que o “destino de cada um é de sua responsabilidade” e depende de sua vontade,

escolhas e ações.

A apostila, de modo geral, é um manual de orientações e prescrições com o intuito

de levar o jovem a se reconhecer, a se ver como sujeito autônomo, solidário e competente,

dono de seu destino e capaz de mudar seu futuro. Todas as aulas são programadas, de

modo a conscientizar o jovem de que ele é o protagonista de sua vida e de seu futuro, bem

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como da realização de seus sonhos e metas. O professor é eleito para ser o seu tutor, o

seu orientador, ou aquele que irá ajudá-lo a projetar o seu futuro e a buscar os meios para

realizá-lo. Juntos, professor e aluno irão escrever a história de sucesso deste.

A apostila tem como pretensão formar certo tipo de homem, qual seja o sujeito

individualista, competitivo e autônomo, que acredita não precisar dos outros, ou que se

faz por conta própria, tal qual a sociedade neoliberal necessita. Essa concepção de homem

da apostila, ainda o faz pensar que o sucesso e o fracasso na vida e na profissão dependem

exclusivamente dele, isentando a forma como a sociedade se organiza e se estrutura.

Pode-se inferir que essa apostila, em particular, introduz no indivíduo a lógica

empresarial, o indivíduo vai sendo levado a pensar e a se ver como uma empresa, que

como tal necessita estabelecer metas, obter resultados e tornar-se competitivo, para tanto

precisa ser cada vez mais competente, eficiente e aprender a gerenciar a sua própria vida.

Enfim, como se percebe, essas entidades privadas, por meio de seus projetos

educacionais visam não apenas contribuir para a melhoria da qualidade da educação

brasileira, mas essencialmente oferecer certa formação ao jovem brasileiro, ou constituir

certo indivíduo para certa sociedade. Mas cabe perguntar: A quem interessa a formação

desse tipo de indivíduo?

Referências

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São Paulo: Cortez, 2000.

BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Presidente sanciona lei das

PPP. Brasília. 30 de dezembro de 2004. Disponível em http://www.planejamento.gov.br.

Acesso em 26/08/2015.

____ Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado/Secretaria da Reforma

do Estado/Organizações Sociais. Brasília: Cadernos Mare da reforma do Estado. V. 2.

1998.

____. Ministério da Educação. Programa Ensino Médio Inovador. Disponível em:

http://portal.mec.gov.br/index.php?catid=195:seb-educacao-basica&id=13439:ensino-

medioinovador&option=com_content&view=article Acesso em: 16 de Junho de 2015.

____. Emenda Constitucional n. 19, de 4 de junho de 1998. Modifica o regime sobre

princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de

despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá

outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 jun. 1998. Disponível em:

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126

____.. Lei 9.074/95 de 07 de julho de 1995. Estabelece normas para outorga e prorrogação

das concessões e permissão de serviços públicos, e dá outras providências. Disponível

em: http://www.planalto.gov.br/civil. Acesso em: 05/04/2016.

____. Lei 9. 637/98 de 15 de maio de 1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades

como organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção

dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações

sociais, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/civil.

Acesso em: 05/04/2016.

____. Lei 9.648 de 27 de maio de 1998. Altera dispositivos da Lei n. 8.666. Disponível

em: http://www.planalto.gov.br/civil. Acesso em: 05/04/2016.

____. Lei 11. 079/2004 de 30 de Dezembro de 2004. Institui normas gerais para licitação

e contratação de parcerias publico – privadas no âmbito da Administração Pública.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/civil. Acesso em: 05/04/2016.

GAULEJAC, Vincent de. Gestão como doença social. : ideologia, poder gerencialista e

fragmentação social. Tradução Ivo Storniolo. Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2007.

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HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 1999.

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Administrativo e Financeiro dos Centros de Ensino Médio em Período Integral.

Disponível em:

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GESTÃO DEMOCRÁTICA: IMPEDITIVOS COLOCADOS PELA RELAÇÃO

PÚBLICO - PRIVADO NA EDUCAÇÃO

Gilson Lopes Soares1

O trabalho intenta analisar a gestão das escolas públicas municipais de Ji-Paraná

– Rondônia, a partir da parceria com o Instituto Ayrton Sena (IAS) com a implantação do

programa “Gestão Nota 10”, assim compreender os pressupostos colocados pelo IAS e

seus impeditivos à implantação da Gestão Democrática preconizados no Plano Municipal

de Educação (PME) 2015 de Ji-Paraná.

A metodologia utilizada foi a pesquisa documental e bibliográfica, sendo objeto

das análises: termos de parcerias com o município de Ji-Paraná, leis e decretos; a

bibliografia se pautou em temas como Gestão Democrática, Autonomia e Parcerias

Público-Privado.

O trabalho está situado historicamente nas mudanças ocorridas no cenário político

ao longo dos últimos anos, especialmente a partir de meados da década de 1990. Tais

processos afetaram diretamente a vida das pessoas, acirrando ainda mais as contradições

capital-trabalho, o Brasil vive neste momento a agudização do processo de implantação

do neoliberalismo que alterou substancialmente as políticas sociais e dentro dessas, a

educação foi uma das que mais sofreu interferência, pois, resulta das estratégias adotadas

pelos setores hegemônicos como resposta à crise do capitalismo.

As relações entre o poder público e o setor privado para a gestão e a oferta da

educação básica faz parte das estratégias de superação da crise que credita ao Estado o

único culpado, elegendo o mercado como redentor. Destoando o que Mészàros (2002)

diz, que a crise é do capital. Coadunando com essa teoria, Harvey diz que a superação das

crises é sempre paliativa, pois o problema é estrutural e estruturante. (HARVEY, 1989).

Se no pós-guerra as estratégias de superação da crise do capitalismo foi o

fordismo/keynesianismo para os países centrais e fordismo/estado desenvolvimentista

para os países periféricos, hodiernamente esta estratégia se baseia nas prescrições

neoliberal e da Terceira Via num contexto de reestruturação produtiva e globalização

econômica e tem como consequências a redefinição do papel do Estado e sua relação com

a esfera privada.

1 Doutorando em Educação do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso do

Sul – UFMS. Email: [email protected]

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As parcerias entre o público e o privado na Educação tem suas bases na

distribuição dos recursos da educação como o Programa Dinheiro Direto Na Escola

(PDDE) e o próprio Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica e de

valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), que pode ser utilizado por

instituições do setor privado não lucrativo como as instituições filantrópicas,

confessionais e comunitárias. Essas parcerias são as formas que se têm buscado para

atingir a tão almejada “qualidade da educação” imposta pelas avaliações, ditadas por uma

lógica mercantil.

A interferência do mercado na educação é vista através da utilização de

financiamentos ligados às instituições privadas condicionados os pagamentos das

parcelas do financiamento às metas a serem atingidas, além das escolas públicas que se

responsabilizam por arrecadações das mais diversas maneiras para complementar os

parcos recursos disponíveis. Os Conselhos Escolares são transformados em Unidades

Executoras, sociedade pública de direito privado, numa tentativa de inserir a lógica

mercantil no interior das instituições públicas.

A busca ávida por resultados mensuráveis mina as bases de sustentação da

educação pública, tendo no neoliberalismo e na terceira via, um campo fértil de

proliferação dessa tendência. Entende-se que as parcerias é uma relação de troca,

parceiros assumem responsabilidades e se beneficiam mesmo que veladamente.

No Brasil, o movimento pela democratização da gestão tem suas gênesis desde o

Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, e que se consolidou como lei, com

a Constituição Federal de 1988 e ratificado com a LDB 9.394/1996. Em Ji-Paraná, as

discussões ganharam força com a aprovação do PME 2015. No entanto as discussões

pautam apenas na efetivação de colegiados, não como instrumentos de controle social e

sim corresponsável pelos rumos da educação, a eleição ou consulta pública para

provimento ao cargo de diretor é negado como mecanismo de democratização, as

Parcerias Público-Privado ainda constituem exemplos de qualidade devido aos altos

índices aferido às escolas públicas municipais.

Entretanto, sabe-se que para uma democratização efetiva, é necessário que os

colegiados sejam efetivos não apenas tecnicamente e sim politicamente, a participação da

comunidade precisa ser afirmada continuamente desde a elaboração do Projeto Político

Pedagógico – PPP até a sua participação na escolha dos dirigentes escolares. É pertinente

lembrar que a parceria municipal com o IAS obstaculizam a implantação efetiva da

Gestão Democrática, pois, é ela quem dita as regras a serem implementadas na escola,

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desde a formação dos gestores até a implantação do currículo, além das formas de

avaliação.

O município de Ji-Paraná é o segundo maior município do estado de Rondônia, a

parceria do IAS se efetivou no ano de 2001, sendo o único município do Estado de

Rondônia que firmou parceria com o IAS. O município conta hoje com o maior Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB do Estado, de 6,3. Esta meta de

desempenho é a esperada para 2021. Existindo no município escola com índice de

desempenho de 7,5 no IDEB de 2015. Essa elevação nos índices de mensuração de

resultados foi alcançada segundo os técnicos do IAS e o executivo municipal graças à

parceria com o IAS.

As ferramentas gerenciais do Instituto em Ji-Paraná vêm-se expandindo através

do programa “Circuito Campeão”, “Gestão Nota 10” e Educampo”, este último em

parceria com o município de São Mateus no Estado do Espírito Santo com projeto piloto

na educação do campo. Neste trabalho iremos analisar apenas o programa “Gestão Nota

10”.

O programa Gestão Nota 10 foi desenvolvido em 2005, substituindo o Escola

Campeã. O Programa integra a Rede Vencer, que é um espaço virtual, criado pelo IAS

em parceria com a Auge Tecnologia e Sistemas, no qual “os parceiros podem trocar

experiências, resolver problemas, entre outros” (REDE VENCER, 2017).

Considerado pelo próprio Instituto, o objetivo do programa Gestão Nota 10, é “o

gerenciamento das rotinas nas escolas e secretarias para melhoria da qualidade do

ensino”, sua metodologia “trabalha com indicadores e notas gerenciais, capacitação dos

profissionais em serviço e informação em tempo real” (ADRIÃO, PERONI, 2005).

O Instituto faz uma triagem para ver se o município está apto a participar da

parceria que fica condicionado ao aceite do instituto. Depois de firmada a parceria os

gestores recebem treinamentos sobre a sistemática do programa e continuam recebendo

capacitações bimestrais no próprio município com material disponibilizado pelo instituto.

O IAS estabelece muitas responsabilidades aos vários atores envolvidos, dentre

elas, se destaca as funções do diretor escolar que é o responsável pela implementação do

programa, sendo o mesmo o responsável último pelo desempenho dos estudantes e a

forma de escolha para o provimento ao cargo diretor é através de avaliações de

competência técnica o que destoa da gestão democrática preconizada no PME 2015 de Ji-

Paraná.

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O município de Ji‐Paraná integra a rede de “excelência” em educação do Instituto,

formada em março de 2015. A rede reúne onze municípios que, entre todos os parceiros

do Instituto, demonstraram avanços relevantes nos resultados municipais de educação.

Esses resultados não condizem com o aprendizado real do das crianças e adolescentes

atendidos na rede pública municipal de educação. E ainda, sempre que é levantado o

debate sobre a implantação de mecanismos de gestão democrática, logo é pontuado os

altos índices da rede municipal comparando com a rede estadual que tem a Lei da gestão

democrática, porém, os índices são menores. Mesmo preconizado no PNE 2014, PEE

2015 e no PME 2015, os gestores e técnicos da secretaria de educação obstaculizam as

tentativas de implantação da Gestão Democrática.

Os resultados embora parciais trazem indicativos de que a Gestão que se processa

em Ji-Paraná não é democrática, visto que a parceria com o IAS é quem controla tanto a

formação dos diretores escolares consubstanciada à lógica neoliberal de eficácia e

eficiência alijando a comunidade escolar e local das decisões que lhe são afetas.

Observou-se que a participação da comunidade se dá de forma epidérmica, a

comunidade é apenas chamada para participação em festas e eventos para arrecadação de

fundos para compra de materiais, reformas na escola, construção de parques, etc. não

constituindo uma distribuição igualitária de poder, sendo as decisões pautadas numa

relação verticalizada de mando e submissão na condução dos aspectos administrativos,

pedagógicos e financeiros da escola.

O modelo de provimento ao cargo de diretor ainda é através da indicação do

executivo visto por Paro (2011), como pior modelo para a concretização da democracia.

Além disso, a escola não tem autonomia para pensar uma educação voltada para sua

realidade circundante, e o que é posto nos Projetos Políticos Pedagógicos dificilmente são

seguidos, pois quem determina o que, como e quando os conteúdos devem ser trabalhados

é o IAS, desde a elaboração do material até a avaliação.

A forma de provimento ao cargo de diretor escolar, determinada pelo IAS é a de

seleção por critérios técnicos através de provas, no entanto, em Ji-Paraná os diretores

escolares ainda são indicados pelo executivo municipal, porém todos eles são submetidos

a cursos e avaliações de certificação de desempenho feito pelo instituto. A autonomia da

escola é negada visto que as tarefas exercidas pelos diretores são pré-determinadas pelo

instituto. O modelo de gestão é o que mais se assemelha ao mercado. “Uma gestão eficaz

articula recursos e conhecimentos, além de ferramentas gerenciais, para garantir

compromisso e envolvimento dos responsáveis” (REDE VENCER, 2017).

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O IAS assegura que são disponibilizadas as ferramentas para o cumprimento das

metas, e caso essa meta não seja cumprida, o culpado é o diretor. Não levando em conta

neste caso os condicionantes, políticos, ideológicos, de trabalho que norteiam a prática

educativa. Ainda o IAS menciona que é preciso que o diretor tenha autonomia. “Em

contrapartida, é preciso que as redes garantam aos gestores níveis de autonomia nos

campos administrativo, pedagógico e financeiro, e que esses se comprometam com a

qualidade do processo e dos resultados nas respectivas unidades” (REDE VENCER,

2017). Essa autonomia defendida pelo IAS, mais se parece com a responsabilização do

gestor pelos resultados, resultados esses que dificilmente coadunam com uma educação

emancipadora.

Assim, passar a escola de uma situação clientelista para uma situação de garantia

de direitos, não acontecerá de maneira espontânea, é preciso mudanças de pensamento e

práticas contando com a contribuição dos cidadãos para realizar o controle democrático

do Estado, para que este atue em conformidade com os interesses da população que o

mantém. No entanto, as Parcerias Público-Privado, impedem que isso ocorra devido aos

interesses mesmo que velados que estas possuem. É necessário que o Estado assuma sua

responsabilidade de manter as bases econômicas das instituições educacionais a fim de

garantir uma educação pública, gratuita e de qualidade a todos que dela necessitar.

Referências

ADRIÃO, T. PERONI, V; Público não-estatal: estratégias para o setor educacional

brasileiro. In: ADRIÃO, Theresa, PERONI, Vera (org.). O público e o privado na

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Educação Nacional. Brasília, 1996.

HARVEY, David. Condição pós-moderna. 4. ed. São Paulo: Loyola, 1989.

MÉSZÁROS, István. Para além do Capital. São Paulo: Boitempo; Campinas: Unicamp,

2002.

PARO, V.H.. Crítica da Estrutura da Escola. São Paulo: Cortez, 2011.

REDE VENCER. Programas, 2017. Disponível em: www.redevencer.org.br. Acesso

em: outubro de 2017.

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IMPLICAÇÕES DO PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS NA

DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO DA EDUCAÇÃO: HIBRIDISMO E

DISPUTA

Liane Maria Bernardi1

Apresentamos elementos da pesquisa acadêmica2 que analisou as contradições das

políticas de gestão da educação contidas no Plano de Ações Articuladas- PAR-

desenvolvidas nas escolas de educação básica, entre 2007 e 2014, e sua influência na

democratização da gestão da educação.

Partimos do pressuposto de que a realidade por ser histórica está em constante

movimento e transformação e que é preciso considerar o contexto social, político e

econômico em que a realidade a ser pesquisada está inserida. Situamos as tendências

educacionais aqui examinadas, “dentro da totalidade do capitalismo global” (ZIZEK,

2012, p.9) com suas relações ou variáveis; que essa relação é processo, é movimento

(LUKACS, 1978) e que não existe processo sem sujeitos, e os reconhecemos como

históricos (THOMPSON, 1991). Assim, a classe não é uma categoria ou estrutura, mas é

um “fenômeno visível apenas no processo” (WOOD, 2003, p.77).

Para compreendermos o “grau de homogeneidade e de organização alcançada

pelos diversos grupos sociais” (GRAMSCI, 2002, p.40) seja por domínio ou direção,

precisamos reconhecer a correlação de forças que se estabelecem numa sociedade. A

política pública não é estática e observamos desde sua formulação até a execução, “a

política da política” (GALE, 2003, p. 222), e quais as influências que se estabelecem no

processo de definição.

Adotamos a pesquisa qualitativa, através de análise documental e em fontes

secundárias sobre a política do PAR, procurando argumentos e contradições no processo

da ‘política da política’ dentro do contexto particular do Brasil neste período histórico de

reestruturação do capitalismo, como parte das estratégias de redefinição do papel do

estado.

O período de redemocratização após a ditadura militar favoreceu as discussões

sobre a educação como direito e a gestão democrática como princípio asseguradas na

1 Doutora em Educação – UFRGS. 2 Tese defendida em dezembro de 2016 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul com o título:

Implicações do Plano de Ações Articuladas na democratização da gestão da educação.

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Constituição Federal de 1989, na contramão do processo internacional de avanço

neoliberal. Mas essa correlação de forças, com a efervescência dos movimentos

educacionais na luta por direitos e na elaboração de leis como na CF e na Ldben, foi se

alterando quando o governo trocou de interlocutores, como fez Fernando Henrique

Cardoso privilegiando os organismos internacionais e empresários (PERONI, ADRIÃO,

2005). Os governos de conciliação foram introduzindo elementos gerenciais na educação,

com a adoção de modelos de gestão baseados na mercadificação de tudo e no

estabelecimento de metas e seu monitoramento através de avaliações nacionais. A

parceria privada assumiu centralidade e uma variedade de formas, desde a influência

sobre propostas ou no conteúdo, até a oferta de produtos pedagógicos.

Nos anos de 1990, os empresários se articularam para construir uma agenda

educacional voltada a “produção de uma nova sociabilidade mais adequada aos interesses

privados do grande capital nacional e internacional” (SHIROMA, GARCIA, CAMPOS,

2011, p.227). Esse processo se fortaleceu com a criação do movimento empresarial

Todos pela Educação- TPE, a partir de 2006, convocado pelo setor financeiro3, e cuja

composição é formada por integrantes que não provêm do campo da educação, e são

“profissionais ligados à economia, administração, comunicação, ao mundo dos negócios”

(VOSS, 2011, p. 52). Os membros do TPE “antecipam e pautam a agenda governamental”

(SHIROMA, GARCIA, CAMPOS, 2011) se apropriando de bandeiras históricas da

educação e redefinindo seu significado.

Em 2007, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, sobre o qual pairavam grandes

expectativas de um governo progressista, mas que na pratica realizou conciliações, com

elementos de continuidade e descontinuidade das políticas anteriores (FRIGOTTO,

2011), o Ministério da Educação (MEC), criou o Plano de Metas Compromisso Todos

pela Educação e lançou o Plano de Desenvolvimento da Educação, em diálogo com o

TPE, Unesco e Unicef e depois procurou as entidades educacionais.

O Plano de Metas se orienta pelo Decreto nº 6.094/07, constituído de 28 diretrizes,

que englobam o acesso e à permanência dos alunos na escola, a organização do trabalho

pedagógico, a formação, a carreira dos profissionais da educação, a gestão da escola e das

redes de ensino, entre outras questões. Mediante adesão ao Compromisso, os municípios

e estados estavam habilitados para elaborar o PAR que é o planejamento

multidimensional da política de educação que cada rede pública deve fazer para um

3 Realizada pelo Itaú Unibanco Holdings S.A.

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período de quatro anos, com critérios públicos e assistência técnica financeira para todos

os entes federados, rompendo com o clientelismo e privilégios dos apoiadores.

O PAR promoveu ações que ao mesmo tempo reafirmam a gestão democrática e

propuseram elementos da gestão gerencial. Esse hibridismo traduz o momento de

interlocução com demandas progressistas e com o movimento empresarial que ampliou a

responsabilização da sociedade, propondo a entrada do mercado no setor educacional.

Na dimensão da gestão educacional foi reafirmada a gestão democrática,

indicando a criação de estruturas que a consolidam (Conselhos escolares, Conselhos

Municipais de Educação, planos de carreira, critérios para escolha de direção, etc). Mas

também a possibilidade de parcerias externas à escola, tanto para sua integralização com

atividades complementares, quanto para a adoção de metodologias específicas, o que

garante ao mercado ofertar materiais pedagógicos às instituições como solução para

organizar novos processos de ensino e organização da escola. Para tal foi organizado um

Guia de Tecnologias Educacionais pré-qualificadas pelo MEC, que teve três edições

sendo que nas duas primeiras havia tecnologias ofertadas do próprio ministério e externas

e na terceira somente externas - privadas e OS. Isso demonstra que o setor educacional

constitui-se uma oportunidade de negócios que tem sido ocupada gradativamente pelos

empresários e que o MEC através do Guia fortaleceu a lógica do mercado e das parcerias.

Outro aspecto é que na rede de empresas, que ofertou produtos nos Guia de

Tecnologias, estão os mesmos sujeitos do TPE, que além de serem interlocutores junto

ao MEC, ofertam produtos e recomendações neles, embaralhando ainda mais “a linha

divisória entre negócios, empreendimentos, desenvolvimento e o bem público” (BALL;

OLMEDO, 2013, p. 37).

A conciliação materializada nesse hibridismo entre as formas de gestão nas

políticas, ao mesmo tempo em que demonstra o fortalecimento dos empresários,

contraditoriamente reafirma a resistência daquilo que foi conquistado no bojo da

redemocratização do país - gestão democrática da educação. A matriz da política é

indutora da gestão democrática e da gestão gerencial demonstrando a correlação de forças

que, para construir a coalizão no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, consente que os

sujeitos se apropriem do discurso democrático e, ao mesmo tempo, proponham as

parcerias público-privadas.

Ao observar a materialização da política de gestão do PAR na rede municipal de

ensino de Porto Alegre entre os anos de 2012 e 2016, constatamos que o município aderiu

ao PAR em 2009 e para as escolas municipais foram ofertados diretamente os programas

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do Mais Educação e os de gestão como o Escola Aberta e o PDE Escola, hoje PDE

Interativo. Investiguei duas escolas que receberam a oferta através da Secretaria

Municipal de Educação e aceitaram, principalmente por que viam a possibilidade de

incrementar suas ações através da captação de recursos eventuais para ofertar novas

possibilidades aos alunos e depois adaptaram às suas propostas pedagógicas.

Na pratica realizaram diagnóstico do PDE Escola/Interativo em plataforma

ofertada pelo MEC com itens pré-estabelecidos para captar recursos e passaram a gerir a

contratação de oficineiros para os programas Escola Aberta e Mais Educação. O primeiro

programa oferece oficinas aos sábados e domingos, com temáticas adaptadas às

necessidades da comunidade escolar e seu entorno (esportes, artesanato, etc). O Mais

Educação trata de atendimento no turno inverso de alunos por oficineiros que trabalham

letramento e numeramento (que coaduna com as avaliações externas) e atividades

esportivas, caracterizando expansão dos horários de atendimento dos alunos ou

integralidade. Além do atendimento dentro da escola, existe a possibilidade de

atendimento fora dela, realizada por 18 instituições sem fins lucrativos ou privadas, com

as quais a prefeitura possui convenio.

Sobre estes programas pontuamos duas reflexões: a precarização das relações de

trabalho, pois os mesmos não possuem vínculos trabalhistas, recebendo apenas uma bolsa

de baixo valor para despesas para ensinar num turno e no outro está o professor de

carreira; e a oferta de atendimentos por instituições privadas ou filantrópicas que afrouxou

os vínculos com o município, que não se eximiu, mas recuou de sua responsabilidade e

ação direta para favorecer e financiar a entrada do mercado, concedendo o espaço público.

A escola incorporou a entrada desses agentes não estatais para tratar da educação

pública, o que pode contribuir para o esvaziamento do direito social e a precarização da

política pública de educação, apesar das escolas possuírem as estruturas de gestão

democrática como eleição de diretores, Conselho Escolar, construção de Projeto Político

Pedagógico.

Concluímos que a proposta de gestão da educação promovida pelo PAR está em

construção e disputa, por sua complexidade e formas apresenta-se híbrida, contraditória

e o resultado desse processo está instalando seu consenso nas escolas, com conciliações

e oposições. Apesar de garantida na legislação, a gestão democrática ainda não está

plenamente materializada nas escolas brasileiras, e o fato de o Estado oferecer

instrumentos de gestão gerencial, vinculados ao financiamento, coloca em vantagem esta

última.

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136

Referências

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2012.

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LÓGICAS DA PRIVATIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO EM MINAS GERAIS

Liege Coutinho Goulart Dornellas1

O “empresariado” e seu envolvimento na educação brasileira não é algo novo.

Cada vez mais, a lógica mercantil adentra à educação, considerada como um grande

negócio. Esse problema tem sido foco de estudo de pesquisas em vários entes federados

(ADRIÃO et al., 2015; PERONI; CAETANO, 2015). Como contribuição para o campo

das políticas educacionais, nossa investigação se centra em Minas Gerais, um estado

pioneiro na adoção de parcerias público-privadas. Nossos estudos estão ancorados na

sociologia de Muller e Surel (2002) e de Dale (2010), que trazem elementos analíticos

importantes para compreender o contexto da globalização e a participação dos agentes

que interpenetram o Estado na elaboração e na condução das políticas públicas

educacionais em Minas Gerais, no último decênio.

É sabido que as alterações ocorridas na administração pública a partir da década

de 1990 acarretaram alterações importantes para o planejamento educacional, baseadas

em novas diretrizes de caráter gerencialista (Ferreira, 2016), de modo a conceber o

funcionamento da educação escolar como uma empresa. Esse princípio norteia a política

do estado de Minas Gerais que implantou um Choque de Gestão (2002-2010), afetando o

funcionalismo público e as condições de trabalho dos docentes, e coordenou as políticas

educacionais por meio de parcerias com entes privados. Instalou-se, assim, uma Nova

Gestão Pública (NGP) no campo da educação, manifestada por meio da privatização da

gestão educacional. Trata-se de uma ofensiva contra a esfera pública e contra o direito à

educação da maioria da população brasileira.

O presente trabalho tem o objetivo de verificar os organismos privados envolvidos

na condução das políticas educativas e suas lógicas de ação, no período de 2006 a 2017.

A NGP, em conformidade com a hegemonia neoliberal, tem sua materialização

por meio do Estado e não contra ele (DALE, 2010). A partir dessa perspectiva teórica,

consideramos importante problematizar as questões relacionadas à educação pública e

observar a participação dos atores que passam a compor as múltiplas escalas de

governança, como forma de regulação do Estado, do mercado e da sociedade civil. Desde

2003, o estado de Minas Gerais adota um programa de indução de parcerias público-

1 Doutoranda em Educação – PPGE/UFES

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privadas (desde o setor de transportes até à gestão privada da educação) a partir da Lei

Estadual 14.868 de 16 de dezembro de 2003, que dispõe sobre o Programa Estadual de

Parcerias Público-Privadas.

Como percurso metodológico desta pesquisa, realizamos um mapeamento das

ações desenvolvidas pelos agentes privados no sítio eletrônico da Secretaria Estadual

de Educação de Minas Gerais. Tais ações foram materializadas por programas na e para

escola. Por meio de pistas encontradas no site oficial do Estado, visitamos também os

sítios eletrônicos dos agentes privados entre o ano de 2016 e os dois primeiros meses de

2017, que revelaram o foco da interpenetração desses atores na educação básica e na

formação continuada dos docentes. Esse banco de dados faz parte de uma pesquisa que

investiga a privatização da educação em Minas Gerais, desenvolvida no Programa de

doutorado em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

Foram encontrados os seguintes organismos privados na condução das políticas

educativas em MG: 01 Fundação Vale: braço operacional social da Vale que atua em

processos de mineração em várias partes da federação e em outros países. Essa fundação

atua há mais de uma década no estado de Minas Gerais e estudos mostram que ela tem

ações na educação básica mineira, com influência na formação continuada de docentes

de diversas redes municipais de ensino (DORNELLAS, 2011). A Fundação Vale passou

por uma reformulação dos seus projetos e atualmente possui uma interferência local maior

do que estadual, uma vez que concentra suas ações em comunidades que são afetadas pela

atividade comercial da empresa da qual faz parte, a Vale. Desde o início dos anos 2000,

o programa Peas (Programa Educacional Afetivo-Social) está presente na rede de ensino

mineira; 02) Fundação Itaú Social: caracterizada como uma Oscip (Organização da

Sociedade Civil de Interesse Público), atua em Minas Gerais desde 2015, na área de

educação integral de jovens em situação de vulnerabilidade. Nesse mesmo ano, o

programa Jovens Urbanos passa a compor o guia de Tecnologias do MEC. Em

2016, o Programa reaparece no banco de notícias da secretaria estadual de educação a

partir da exposição de oficinas profissionalizantes para os jovens. Em 2010, estava em

ação o programa Escrevendo o Futuro; 03) Instituto Unibanco: há muitos estudos sobre a

ação desse instituto na educação brasileira, principalmente no estado do Rio Grande do

Sul. Em Minas Gerais, suas ações estão vinculadas ao Programa Jovens de Futuro, desde

2007. Em 2009, surge o programa Entre Jovens; 04) Instituto Natura, Instituto Inspirare

e Fundação Telefônica/Vivo: esses organismos aparecem reunidos, uma vez que se

apresentam como a última ação ocorrida no estado.

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A mais recente presença do setor privado na educação mineira é o Portal Escola

Interativa, lançado em 15 de fevereiro deste ano. Seu objetivo é “dinamizar o processo

de ensino e aprendizagem, auxiliando no planejamento e trabalho das competências,

habilidades e conteúdos curriculares da Educação Básica nas diferentes áreas do

conhecimento (MG, s/p. , 2017)”.

Por meio do Portal Escola Interativa, os organismos Instituto Natura, Fundação

Telefônica Vivo e Instituto Inspirare criaram o programa Escola Digital a partir de um

discurso de inovação educativa, com promessa de uso de novas metodologias e novas

tecnologias em rede. Trata-se de um projeto criado em 2013, ancorado em 16 entes

federados.

A construção de políticas públicas não é um processo abstrato e linear (Muller;

Surel, 2002), sendo possível afirmar que a coisa pública tem sido cada vez mais

apropriada pelo setor privado. Ou seja, o reordenamento do Estado, nos moldes da

globalização do século XXI, tem requerido outros atores que sugerem uma nova forma

de governança, com o estabelecimento acirrado de parcerias. É grande a presença

de fundações e institutos vinculados a empresas de variados ramos desde o início do

século. A presença desses atores na formulação das políticas educativas do Estado

manifesta-se conforme o novo ordenamento do aparelho de Estado e, muito embora, seja

pontual a presença em alguns municípios do Estado, é crescente a manifestação desses

organismos. Na última década, o estado de Minas Gerais passou por governos do PSDB

e do PT (mandato vigente - governador Fernando Pimentel do PT). Todavia, a diferença

ideológica desses partidos não configura uma mudança na condução da educação como

um negócio. Dessa forma, é necessário entender mais sobre esse movimento político que,

embora sutil e com aparente desordenamento, reflete o caminho trilhado pelos novos

reformadores da educação que, no espírito global, desmontam a soberania nacional rumo

à privatização do bem público.

Referências

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consequências da mercantilização para o direito a educação. Relatório de pesquisa. 2015.

114 páginas. Disponível em: <http://flacso.org.br/files/2016/04/Peri-Sistemas-de-

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140

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https://www.educacao.mg.gov.br/leis/ story/8624-secretaria-de- educação-lança-o-

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NEOLIBERALISMO, GERENCIALISMO E AS IMPLICAÇÕES NA

EDUCAÇÃO

Jaqueline Guimarães Santos1

Valquíria Rebouças Souza2

Charles Evandre Vieira Ferreira3

As formas de produção material na sociedade capitalista se caracterizam por

múltiplas e dinâmicas relações nos vários momentos de uma totalidade orgânica que

compreendem, além da produção, a troca, a distribuição e o consumo (HARVEY, 2005),

mediados por imperativos sistêmicos da acumulação, da maximização dos lucros e o

imperativo da concorrência (WOOD, 2014). Desse modo, tanto o Estado quanto a

sociedade civil são partes constitutivas do movimento de correlações de forças de sujeitos

situados em um contexto histórico e geográfico, perpassados por projetos societários

distintos (PERONI, 2015).

Harvey afirma que “o sistema capitalista é, portanto, muito dinâmico e

inevitavelmente expansível; esse sistema cria uma força permanentemente

revolucionária, que, incessante e constantemente, reforma o mundo em que vivemos”

(HARVEY, 2005, pág. 43), por meio de suas metamorfoses, das lutas que o transformam,

das estratégias que o renovam (DARDOT; LAVAL, 2016). Nesse sentido, no período

atual do capitalismo, o neoliberalismo tornou-se o sistema sócio-político que organiza as

relações sociais sujeitas a lógica do mercado, este “deve ser o critério ordenador

onipresente e (re)produtor da totalidade das dinâmicas sociais” (PUELLO-SOCARRÁS,

2016, p. 7), de modo que as práticas dos governos, empresas e pessoas são desenvolvidas

em um contexto de competitividade. Para Harvey (2008) o neoliberalismo é:

Uma teoria das práticas político-econômicas que propõe que o bem-

estar humano pode ser melhor promovido liberando-se as liberdades e

capacidades empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura

institucional caracterizada por sólidos direitos a propriedade privada,

livres mercados e livre comércio (HARVEY, 2008, pág. 2).

Importante salientar que o neoliberalismo é antes de qualquer coisa, um projeto

econômico-político de classe, o qual expressa uma estratégia de acumulação comumente

1 Professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), atualmente doutoranda em Administração

no Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

(UFRGS). E-mail: [email protected] 2 Mestranda em Administração no Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal

do Rio Grande do Sul (UFRGS). 3 Graduado em Direito na Universidade Estadual da Paraíba. Atualmente cursa especialização em Gestão

Ambiental.

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chamada de desenvolvimento, e não pode ser resumido a um programa de políticas. Isso

implicaria em minimizar seu significado sociopolítico. Assim, não se esgota e nem se

iguala somente ao Consenso de Washington de 1989. Este último é uma das traduções do

projeto neoliberal, constituindo-se em sua dimensão tática (PUELLO-SOCARRÁS,

2013a).

Assim, o “neoliberalismo transformou profundamente o capitalismo,

transformando profundamente as sociedades, é um sistema normativo que ampliou sua

influência ao mundo inteiro, estendendo a lógica do capital a todas as relações sociais e

todas as esferas da vida” (DARDOT; LAVAL; 2016, pág. 7). Puello-Socarrás (2013a)

concorda com os autores supracitados quando afirma que o neoliberalismo corresponde

a expansão do mercado, conhecido como globalização e um período particular do

capitalismo de “exacerbação das lógicas e contradições inerentes à reprodução e

acumulação incessante do capital” (PUELLO-SOCARRÁS, 2013a, p. 14). Para Harvey

(2008) o neoliberalismo

É em primeiro lugar uma teoria das práticas político-econômicas que

propõe que o bem-estar humano pode ser melhor promovido liberando-

se as liberdades e capacidades empreendedoras individuais no âmbito

de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos a

propriedade privada, livres mercados e livre comércio. O papel do

Estado é criar e preservar uma estrutura institucional apropriada a essas

práticas; o Estado tem de garantir, por exemplo, a qualidade e a

integridade do dinheiro. Deve também estabelecer as estruturas e

funções militares, de defesa, da polícia e legais requeridas para garantir

direitos de propriedade individuais e para assegurar, se necessário pela

força, o funcionamento apropriado dos mercados (HARVEY, 2008,

pág. 12).

Nesse sentido, sociedade civil e Estado são perpassados por interesses mercantis,

não se tratando de uma contraposição entre Estado e sociedade civil, pois vivemos em

uma sociedade de classes (PERONI, 2015). Assim sendo, Peroni (2015) destaca que neste

período atual do capitalismo houve várias formas de privatização do público:

Através do terceiro setor ou privado; ou através de parcerias entre

instituições públicas e privadas com ou sem fins lucrativos, onde o

privado acaba definindo o público; ou, ainda, aquilo que permanece

como propriedade estatal, mas passa a ter a lógica de mercado,

reorganizando principalmente os processos de gestão e redefinindo o

conteúdo da política educacional brasileira (PERONI, 2015, pág. 15).

É importante destacar que, embora o foco de pesquisa da Vera Peroni sejam

políticas educacionais, é possível perceber que as implicações das redefinições do papel

do Estado não se limita a educação, mas todas as outras políticas sociais de diversas áreas

como assistência social, saúde, meio ambiente, etc., cujo foco é a privatização do público,

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seguindo a lógica mercantil, e o relacionamento público e o privado é parte constitutiva

das mudanças sociais e econômicas deste período atual do capitalismo.

Com a noção de que no sistema capitalista a racionalidade é mais eficiente no

setor privado, a lógica mercantil e aplicação dos princípios do setor privado ao setor

público ocorreu de forma muito acelerada, tornando um Estado gerencial4, seguindo a

ideologia do gerencialismo. Clarke e Newman (2012) destacam que nesta forma de

Estado, arranjos organizacionais e sistemas de poder, autoridade e processos anteriores

embasados em uma combinação de burocracia e profissionalismo são reconfigurados em

torno da autoridade gerencial. Os pressupostos que deram suporte a essa reconfiguração

do Estado foram “liberar as formas do mercado do controle do estado; liberar o

consumidor da carga de impostos, e reduzir o tamanho, âmbito e custo do Estado”

(CLARKE; NEWMAN, 2012, pág. 354).

E as medidas gerenciais se dão de várias formas, desde relações público-privado

ou programas e prêmios a partir de editais para “premiação” de trabalhadores que atinjam

as metas propostas. Nesse contexto, neste ensaio buscamos refletir sobre o

neoliberalismo, entendido como um projeto político que estabelece todas as relações

sociais baseadas nos imperativos gerenciais, isto é, segue a reprodução da lógica de

mercado e como o gerencialismo tem implicado na educação. Para tanto, foi feito um

estudo de cunho teórico a partir do diálogo de diferentes autores importantes sobre o tema.

Período atual e particular do Capitalismo: Neoliberalismo e Gerencialismo e sua

influência na Educação

O neoliberalismo surgiu como projeto utópico na tentativa de reorganizar o

capitalismo internacional após a queda da socialdemocracia europeia e dos modelos de

substituição de importações nos países periféricos, mas também como um “projeto

político visando tanto reestabelecer as condições para acumulação de capital como

restaurar o poder de classe” (HARVEY, 2007, pág. 10). Para Moraes (2001, pág. 3) o

neoliberalismo retoma, atualiza e propaga os valores do pensamento liberal e conservador

dos séculos XVIII e XIX, assim como prega a volta de uma forma de organização

econômica que teria vigorado, por pouco tempo, no meio do século XIX e no período de

4 Termo cunhado por Clarke e Newman em uma tentativa de dar um nome aos “processos de transformação

cultural e política que estavam ocorrendo na Grã-Bretanha na década de 1980 e 1990” (CLARKE;

NEWMAN, 2012, pág. 354).

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1870-1914, “a fase mais "globalizada" da economia mundial, com a livre circulação de

capitais e mercadorias, no regime monetário do chamado padrão ouro”.

As ideias neoliberais passam a ter grande difusão a partir de 1973, quando os

países imperialistas entram em recessão depois de quase trinta anos de crescimento

econômico. Segundo os neoliberais a crise do sistema se constituía no poder excessivo

dos sindicatos e do movimento de trabalhadores, que ao garantir a expansão dos direitos

sociais tinham impulsionado o desgaste da lucratividade das empresas. Desse modo o

Estado neoliberal retiraria o poder dos sindicatos, diminuiria os gastos com as questões

sociais, reduzindo ao máximo sua intervenção na economia. Assim sendo, o “Estado

transformou-se na verdade num campo de força que materializou relações de classe”

(HARVEY, 2008, pág. 18).

É importante destacar, portanto, que a natureza correspondente ao atual período

particular do capitalismo, o neoliberalismo se apresenta como uma força avassaladora,

permeado por correlações de forças diversas e tem a capacidade de se reproduzir em todas

as dimensões das relações sociais, é a ideologia do capitalismo na era de máxima

financeirização da riqueza, “a era da riqueza mais líquida, a era do capital volátil - e um

ataque às formas de regulação econômica do século XX, como o socialismo, o

keynesianismo, o Estado de bem-estar, o terceiro mundismo e o desenvolvimentismo

latino-americano” (MORAES, 2001, pág. 4).

“O Neoliberalismo abarca não só diferentes níveis na construção social

e política da Realidade Social. Também implica várias dimensões, tais

como a militar, a cultural, a ecológica, etc. Portanto, não só tem a ver

com questões econômicas nem com a economia, senão que é um

fenômeno tão multidimensional como complexo que envolve diferentes

tipos de realidades” (PUELLO-SOCARRÁS, 2013b, p. 171).

O neoliberalismo tido como um projeto político de classe, é complexo, diverso,

dinâmico e, sobretudo, resiliente, ou seja, é capaz de uma renovação sob uma nova versão,

tanto em nível global, regional ou local (PUELLO-SOCARRÁS, 2015), contradizendo,

portanto, uma suposta fase pós-neoliberal, ou mesmo o fim da hegemonia neoliberal,

como afirmado por alguns autores. Corroborando, Misoczky, Abdala e Damboriarena

(2017) destacam que o neoliberalismo é dinâmico e resiliente, capaz de enfrentar desafios

e críticas e se renovar a cada crise. Para superar as resistências, um neoliberalismo que

resulta do processo de transformação, se fundamenta em dois elementos cruciais:

(1) uma roupagem mais heterodoxa, que permite regenerar

estrategicamente sua imagem perante a sociedade, incorporando parte

das críticas anti-neoliberais dos anos 1990, inclusive sociais, políticas e

ecológicas; e (2) a aceitação de que o capitalismo em geral e o

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neoliberalismo em específico não poderiam funcionar sem

a presença relativamente ativa do Estado-Nação (MISOCZKY;

ABDALA; DAMBORIARENA, 2017, pág. 186).

Assim, o neoliberalismo continuará o seu curso buscando consolidar novos

padrões, sem extrapolar sua identidade ideológica fundamental. O projeto político passa

por uma reconfiguração em seu interior, desenvolvendo-se através da recomposição

neoliberal com o relevo das posições ortodoxas para a ativação e renovação de seu ideário

em perspectivas igualmente neoliberais, mas heterodoxas (PUELLO-SOCARRÁS,

2013a). Moraes (2001, pág. 18) sintetiza as principais ideias neoliberais, quais sejam:

privatizar empresas estatais e serviços públicos; desregulamentar, ou criar novas

regulamentações que diminua a interferência dos poderes públicos sobre os

empreendimentos privados, em suma, “ o Estado deveria transferir ao setor privado as

atividades produtivas em que indevidamente se metera e deixar a cargo da disciplina do

mercado as atividades regulatórias”.

A reprodução da lógica de mercado invadiu todas as relações sociais, o objetivo

de “racionalizar recursos e esvaziar o poder das instituições, já que as instituições públicas

são permeáveis às pressões e demandas da população e improdutivas” (PERONI, 2015,

pág. 17), tornou possível que a lógica gerencial se tornasse um elemento chave para esse

período atual e particular do capitalismo, o neoliberalismo. Para Newman e Clarke (2012)

o gerencialismo pode ser entendido como uma formação cultural e um conjunto distinto

de ideologias e práticas que formam um dos sustentáculos do novo acordo político

emergindo no neoliberalismo, representando uma quebra do acordo político-econômico

anteriormente feito entre capital e trabalho que tinha sido institucionalizado no estado de

bem-estar keynesiano. Desse modo, podemos afirmar que o gerencialismo foi bastante promissor para

muitos programas nacionais de reformas no processo de neoliberalização, podendo o

gerencialismo ser considerado “como braço operacional e ideologia complementar do

neoliberalismo”, uma racionalidade que propõe a “reprodução da lógica de mercado em

todas as dimensões da vida associada, operando como uma matriz teórico ideológica

subsidiária” (MISOCZKY; ABDALA; DAMBORIARENA, 2017, págs. 184-188). Nessa perspectiva, o gerencialismo tem se tornando “um modelo global para

reforma, em relação ao qual, noções de desenvolvimento ou subdesenvolvimento de

estados eram avaliadas, alimentando um extenso mercado para importação de habilidades

e modelos” entre países para expansão de consultorias de gestão. Por isso, a “dinâmica

de globalização e gerencialização parece intimamente conectada, mas não pode ser

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compreendida como processos universais nem uniformes” (NEWMAN; CLARKE, 2012,

págs. 355-356, grifos dos autores).

Uma forma de intensificar o controle e dispersão do poder do mercado sobre o

setor público se da por meio de parcerias público-privado. Peroni (2015) destaca que o

setor privado tem pressionado o setor público para assumir a direção das políticas

educacionais por meio de “parcerias” em que o privado define a direção das políticas e

sua execução – gestão, currículo, formação de professores, avaliação, além de monitorar

os resultados. Cabe mencionar alguns pontos polêmicos destacados pela autora:

1) os recursos públicos sendo repassados para instituições privadas, em

vez de fortalecer e expandir a rede pública; 2) a precarização da oferta,

com expansão via racionalização de recursos; 3) as instituições privadas

não necessariamente seguem princípios constitucionais de gestão

democrática e gratuidade, apesar do financiamento ser público 4) a

precarização do trabalho docente, que não tem estabilidade, plano de

carreira e, em alguns casos, recebe bolsa e não salário; 5) o privado

define o conteúdo da educação (PERONI, 2015, pág. 30).

Além da atuação do setor privado no público por meio de “parcerias”, o próprio

Estado tem desenvolvido planos de incentivos para professores e gestores escolares

revestidos por um discurso de políticas e planos de valorização e desenvolvimento

profissional, eficiência e qualidade educacional, entretanto, na prática não deixa de ser

elementos de incorporação de práticas gerencialistas embebidas da hegemonia neoliberal.

Na Paraíba há dois prêmios – Prêmios Mestres da Educação e Escola de Valor5 –

que já estão na sua sétima edição na premiação de professores, gestores, etc. a partir do

atendimento dos critérios estabelecidos em edital publicado por meio da Secretaria de Estado

da Educação (SEE). Os prêmios têm como objetivo fomentar, selecionar, valorizar e premiar

as práticas pedagógicas e experiências administrativas exitosas executadas nas escolas

públicas estaduais de educação básica, por professores e demais profissionais de educação

em exercício, que comprovadamente, estejam tendo sucesso no enfrentamento dos desafios

no processo de ensino e aprendizagem (GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA, 2017).

Segundo informações no edital publicado pela SEE, O prêmio escola de valor

contempla com o 14º salário todos os funcionários das escolas premiadas: gestores,

merendeiras, professores, porteiros, vigias, entre outros. Já o prêmio Mestres da Educação

5 O Prêmio Mestres da Educação é uma iniciativa do Governo do Estado da Paraíba, por intermédio da

Secretaria de Estado da Educação, que consiste no fomento, seleção, valorização e premiação das práticas

pedagógicas exitosas executadas por professores em exercício e lotados nas escolas públicas estaduais de

Educação Básica, e que, comprovadamente, estejam tendo sucesso no enfrentamento dos desafios no

processo de ensino e aprendizagem (GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA, 2017).

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possibilita que os professores com projetos premiados sejam beneficiados com o 14º salário

e, caso estejam lotados nas escolas já contempladas com o prêmio escola de valor, recebam

também este prêmio, que se caracteriza como 15º salário aos docentes.

Assim, é notório que o Estado utiliza, por meio de suas ações, dispositivos para

atingir os resultados esperados. Com isso, os professores adquirem obrigatoriedade na

execução de todas as atribuições impostas pelos editais para o recebimento do prêmio,

limitando seu trabalho intelectual, e reduzindo-o a execução de práticas de ensino que

lhes foram requeridas. De tal modo que a exigência pelo cumprimento de metas a serem

atingidas foram ampliadas; as avaliações dos professores foram intensificadas; a

supervisão das atividades pedagógicas se tornou mais rigoroso; a busca por melhor

classificação em rankings pelas escolas foi estimulada e o trabalho pedagógico se torna

limitado.

As ferramentas gerenciais passaram, portanto, a ter espaço privilegiado dentro do

ambiente escolar. Isso não significa que elas não existiam, mas sim que elas passaram a

ocupar um papel protagonista no trabalho pedagógico. Ademais, concordamos com

Peroni (2015, pág. 31) “lutamos por processos democráticos e de justiça social na

educação e quanto mais avançamos neste caminho, mais o capital se organiza para

retomar o seu papel na educação”. Desse modo, é nosso papel enquanto pesquisadoras

analisar, a partir de uma visão crítica, as várias realidades sociais e procurar entender

como se configuram as correlações de forças permeadas a partir da hegemonia neoliberal

com o propósito de problematizar as questões que tanto impactam nossa vida em

sociedade.

Referências

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Alegre, v. 37, n. 2, p. 353-381, maio/ago. 2012

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149

OS DESDOBRAMENTOS DA PARCERIA PÚBLICO/PRIVADO ENTRE O

INSTITUTO AYRTON SENNA E A SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO

ESTADO DE RONDÔNIA 2013-2019: IMPLICAÇÕES PARA A FORMAÇÃO

DOCENTE

Márcia Ângela Patrícia1

O presente trabalho versa sobre uma pesquisa que pretendemos desenvolver no

Doutorado, na linha de pesquisa Políticas Públicas do Programa de Pós Graduação da

Universidade Estadual de Maringá (DINTER UEM/UNIR), tendo como orientadora a

Profª Drª Elma Júlia Gonçalves de Carvalho, professora do Departamento de Teoria e

Prática da Educação e Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Maringá

(PPE/UEM), que tem como título Os Desdobramentos da Parceria Público/Privado

Entre o Instituto Ayrton Senna e a Secretaria de Educação do Estado de Rondônia 2013-

2019: Implicações Para a Formação Docente.

O objetivo é analisar as implicações na formação docente a partir dos

desdobramentos da parceria público-privado entre o Instituto Ayrton Senna e a rede

Estadual de educação do Estado de Rondônia no período de 2013-2019.

O modelo de parceria público-privado compreende um alargamento da aquisição

de programas por meio de instituições educacionais privadas, ONGs, empresas, grupos

comunitários e outros, e encontra explicação nas bases das mudanças sociais e

econômicas no final do século XX, em função da generalização dos novos arranjos para

a crise do capital e para a consolidação de formatos de regulação estatal. O terceiro setor

assume um papel suplementar à ação do Estado na oferta de serviços e bens sociais,

materializados em políticas, em particular políticas educacionais, especialmente

destinadas ao atendimento das populações pobres. Com ênfase na má qualidade e no

insuficiente alcance dos resultados desejados, apresentam-se como alternativas

superiores, centrada no formato da gestão escolar.

A chamada parceria público-privado abrange um contexto histórico marcado pela

redefinição do papel do Estado diante da reestruturação produtiva e das políticas

neoliberais. Nesse cenário as instituições públicas, no panorama da hegemonia das

políticas neoliberais, passam a ser regidas pela lógica do mercado, autorizando parcerias

com o terceiro setor (repasse para a sociedade civil “sem” fins lucrativos), entendendo

1 Mestre em Educação (PPGE-UNIR). Professora do Departamento de Ciências da Educação da

Universidade Federal de Rondônia (UNIR) campus de Ariquemes, [email protected]

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que a sociedade deve assumir tarefas que até então eram do Estado, o governo pode

oferecer apoio financeiro ou proporcionar outros recursos a tais iniciativas, as políticas

sociais passam a ser focalizadas e ocorre a descentralização administrativa.

Tal descentralização administrativa incide em uma metamorfose na gestão

educacional, impingindo alteração em toda a sua dinâmica para atender as exigências

advindas da parceria público-privado, por meio de programas ofertados, seja por

Institutos, seja por ONGs ou empresas privadas, ocorre a correlação de forças emergentes

da relação do trabalho do professor, cabendo uma interpretação profunda, que dê conta

de sua complexidade, vez que estão implícitos não somente interesses mercadológicos,

mas também do campo ideológico, dito de outra forma, não se trata apenas da expansão

do mercado nos processos educacionais, esses causam impactos profundos, os maiores

impactos são na materialidade da consciência. Por trás de serviços “contratados” da

parceria público-privado, a formação do professor compreende uma parte determinante

da oferta, já com a prescrição do modelo de formação que atenderá a demanda de cada

programa.

Nossa tese é a de que, perante a lógica neoliberal, o ponto de partida é a

restruturação do papel do Estado, que transfere ao terceiro setor a responsabilidade pela

escola pública, passo que intensifica a parceria público-privado e a concebe como

proposta salvacionista por meio da reformulação da gestão educacional, o que vai

implicar no rearranjo de todos os outros fatores intervenientes da comunidade escolar, em

alto grau, a formação docente, cabendo ao professor à execução das atividades

determinadas pelos programas advindos dessas parcerias.

O entendimento de como se efetiva a pareceria público-privado nos processos

educacionais, encontra sua gênese nas raízes históricas do capitalismo, uma vez que essa

efetivação pertence à restruturação produtiva desse modelo, que se restabelece em último

grau na formatação do neoliberalismo, padrão esse que passa a vigorar a partir da década

de 1970, ocorrendo intensas mudanças nas esferas econômica, política e sociocultural a

nível mundial, intensificadas no Brasil a partir da década de 1990, configurando um

processo de reorganização geral do sistema capitalista, onde ocorre a transferência dos

critérios da racionalidade administrativa para a organização do trabalho educativo.

(GENTILI, 1995, OLIVEIRA, 1996- 2015, ADRIÃO e GARCIA, 2014).

A história tem deixado claro que essas rupturas ocorrem mediante as crises no

modelo de estratégias de acumulação produtiva, que se caracterizam por uma dada

estratégia de acumulação e uma estrutura hegemônica correspondente. Essas crises

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estruturais ocorrem quando, dentro dessas estratégias e modelos de acumulação produtiva

já não mobiliza, principalmente a taxa de lucro, requerendo uma transformação

capitalista. Segundo Gentili (1995) insurge daí a necessidade de revolucionar a estrutura

atual de tal modo que o processo de acumulação possa de novo continuar sobre a base

social. Essa é uma crise global, impactante não somente na vida econômica, mas em todos

os aspectos imagináveis, requerendo criar uma nova ordem econômica e política. Neste

cenário, adentra a educação os termos advindos do ideário neoliberal sob as categorias de

“qualidade total, formação abstrata e polivalente, flexibilidade, participação,

autonomia, e descentralização” (FRIGOTO, 1995, p. 79,).

Dar-se início, a tese do Estado mínimo, o Estado passa a ser responsabilizado pela

crise, pela ineficiência, pelo privilégio. Os neoliberais apregoam a ideia de que o mercado

e o privado são sinônimos de eficiência, qualidade e equidade. Dito de outra forma, o

principal alvo da ideologia neoliberal é constituído pela intervenção mínima do Estado

na economia. “O Estado foi demonizado pelos neoliberais e apresentado como um

trombolho anacrônico que deveria ser reformado”. (NETTO e BRAZ, 2008, p. 227),

passa-se a afirmar que não é o capitalismo que se encontra em crise, mas sim o Estado.

Impulsionadores dessas mudanças, os organismos internacionais, como o Fundo

Monetário Internacional e o Banco Mundial, saem em defesa dos processos de

privatização. Os relatórios do Banco Mundial de 1994 a 1997 apontam a terceirização

como mecanismo na prestação de serviços, por se tratar de um modelo flexível de

realização das atividades e um mecanismo eficaz na redução de custos de mão de obra.

Em relação ao trabalho e a preparação da mão de obra, o crescimento nacional está

diretamente ligado ao incremento do capital humano, quanto maior o grau de escolaridade

maior a produtividade e desenvolvimento econômico. Sobre a nova configuração da

gestão da educação a constatação desses organismos, é a de que, o sistema educacional

deve ter como propósito infundir conhecimentos e aptidões e transmitir certos valores, a

dar cabo de preparar o indivíduo para a nova ordem social, economicamente,

politicamente e socialmente. A saída indicada nos relatórios é a descentralização e a

privatização. (PAIVA, 2016).

Dentro desse contexto, a educação brasileira foi reformada em todas suas

dimensões: financiamento, currículos, avaliação e gestão. A reforma brasileira não se

constituiu sozinha, isolada, acompanhou a onda de reformas na América Latina e Europa.

“Assim, a responsabilidade pela execução das políticas sociais deve ser repassada para a

sociedade: para os neoliberais através da privatização (mercado), e para a Terceira Via

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pelo público não-estatal (sem fins lucrativos)” (PERONI, 2006, p. 14). O Estado passa a

ter um papel avaliador, ele descentraliza suas funções e dirige como um avalista e não

necessariamente como um provedor, com mecanismos de avaliação que lhe permitem

controlar as atividades do setor público à distância.

O Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) propõe ações que

se configuram pela minimização do papel do Estado, permitindo as parcerias entre o

público e o privado na educação, especialmente no que diz respeito à criação de uma nova

categoria: a esfera “pública não estatal”, co-responsável pela oferta e financiamento da

educação. Surge daí duas tendências, primeiro o Estado se retira da execução, mas é o

financiador e avaliador das políticas sociais e, segundo, os serviços que permanecem

sobre a propriedade do Estado passam a ser gerenciados pela lógica do mercado.

(PERONI E ADRIÃO, 2005).

Neste cenário, ocorre a municipalização do ensino fundamental, atribuindo-se aos

municípios a criação de uma Rede de Ensino para atender as necessidades das demandas

educativas. Para Ramos e Dri (2012) ao atribuir tal responsabilidade aos municípios, fez

com que esses aderissem à parceria político-privada. Segundo Adrião e Peroni (2009) as

parcerias que incidem diretamente no desenho da política educacional, muitas vezes,

partem de um diagnóstico de que os professores não são capazes de planejar suas tarefas

e por isso devem receber “tudo pronto”. Emerge a perspectiva de formação de professores

pretendida pelo BM:

O BM pretende desenvolver a formação docente na perspectiva do

treinamento. Ao se orientarem pelas demandas cambiantes do mercado,

a formação do professor, importante promotor da formação da classe

trabalhadora ao lado de outros mecanismos, é guiada pela

flexibilização, pelo pragmatismo, pela instabilidade e provisoriedade

do projeto educativo do capital e da economia. Para a instauração do

professor treinável há então que se rechaçar o existente. (DECKER ,

2017, p. 98).

Essa condição oferece riscos e sérias implicações para os educadores e

consequentemente para os educandos. Sacristán (2006, p. 83) elucida que o mercado ao

tomar conta da educação, usurpa a capacidade dos professores para dar voz aos

consumidores. “Na ideologia do mercado, quem manda não é a ciência e sim, o gosto do

consumidor, e o professor se converte num produtor que faz o que manda o mercado, não

o que manda a ciência”. Moreira (2002, p.19) alude que tais ações, caracterizam-se como

"pacotes comerciais, idealizados por improvisados formadores que se encontram

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distantes da realidade escolar e estão mais interessados na formação como um negócio

lucrativo”.

A formação de professores ofertada pelo setor privado caracteriza-se como um

processo camuflado de mercantilização da educação pública, sendo o professor treinado

para disseminar exatamente os valores do setor privado à comunidade escolar.

(FREITAS, 2002; RAMOS E DRI, 2012).

Referências

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PARCERIAS SEDUC-TOCANTINS E INICIATIVA PRIVADA E POSSÍVEIS

RELAÇÕES COM A EXECUÇÃO DO PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO

Leonardo Victor dos Santos1

Meire Lúcia Andrade da Silva2

Rosilene Lagares3

Introdução

O governo do Estado do Tocantins, por meio da Secretaria de Educação,

Juventude e Esportes (Seduc) firmou parcerias no ano de 2017 com organizações da

iniciativa privada, com ou sem fins lucrativos (Instituto Ayrton Senna, Instituto Itaú, Stem

Brasil, Associação de Educação Financeira no Brasil e Fundação Lemman), e

considerando que Institutos e Fundações atuam definindo políticas para a rede pública de

ensino em vários Estados e Municípios brasileiros, e que a partir de 2015 o Estado do

Tocantins passou a contar com a realidade de um PEE, aprovado pela Lei Estadual nº

2.977/2015, de 08 de julho de 2015 (TOCANTINS, 2015, art. 4º), neste artigo indagamos

‘Quais são os objetos e as ações das parcerias entre o poder público e as organizações da

iniciativa privada no Tocantins? Essas parcerias guardam alguma relação com a

implementação do Plano Estadual de Educação do Tocantins (PEE-TO) (TOCANTINS,

2015)?”.

Partindo do pressuposto de que essas parcerias são determinadas por um

movimento mais amplo do capitalismo que reconhece no mercado o parâmetro de

qualidade para assumir a direção e a execução das políticas educacionais no Estado do

Tocantins, objetivamos compreender os objetos e as ações das referidas parcerias público-

privado e as possíveis relações com a implementação do PEE-TO.

Em relação aos caminhos metodológicos, para obter as informações necessárias,

realizamos revisão de literatura; análise documental no ordenamento jurídico educacional

vigente nacional e estadual e em sites oficiais; e aplicação de questionário

semiestruturado com sete sujeitos que atuam como técnicos e coordenadores dos

Programas vinculados a estas parcerias na Seduc.

Resultados e discussão

1 Mestrando PPGE/UFT, Seduc-Tocantins. 2 Mestranda PPGE/UFT 3 Doutora, UFT

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O processo de redemocratização do país criou as condições para reivindicações

de direitos educacionais, os quais foram materializados em um vasto ordenamento

jurídico, regulando e regulamentando a atividade educacional no país (BRASIL, 1988;

1996; 2009; 2014). E, em se tratando especificamente da gestão da educação e de seu

planejamento as normas nacionais os disciplinam, explicitando a concepção de gestão

democrática, a urgência do plano nacional de educação, o regime de colaboração e planos

estaduais e municipais de educação em consonância com o nacional (BRASIL, 1988;

1996; 2009; 2014).

Adrião e Bezerra (2013) argumentam que a participação direta de instituições

não-lucrativas, identificadas como integrantes do terceiro setor, na gestão da educação

pública brasileira foi ampliada e normatizada, a partir de um ordenamento jurídico, a

Emenda Constitucional nº 19 de 1998. Sua vigência tem colaborado para a ampliação da

privatização de funções do Estado, especialmente as relativas à oferta de políticas

públicas em geral e da educação em particular.

Peroni (2015) reitera a tese da presença histórica da iniciativa privado na gestão

pública, e argumenta que os responsáveis pela condução da educação pública brasileira

nomeiam a iniciativa privada como parceira para realização de programas e projetos,

desde a primeira etapa da educação básica até a educação superior. Assim, instituições e

fundações que se autodenominam de terceiro setor tem sido privilegiadas com a

destinação de recursos públicos, de diversas formas. Essa opção aponta por si só uma

tendência privatista de educação, que fragiliza os próprios princípios constitucionais de

gratuidade, laicidade e qualidade, comprometendo ainda o compromisso com a gestão

democrática na educação pública.

No Estado do Tocantins, a partir de junho de 2015, pela primeira vez em sua

história, a gestão da educação passa a ter o dever de executar e cumprir um Plano, cujas

24 metas e 324 estratégias do PEE (TOCANTINS, 2015, art. 4º) são objeto de

monitoramento contínuo e de avaliações periódicas, realizados pela Secretaria da

Educação, Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins,

Conselho Estadual de Educação e Fórum Estadual de Educação.

Em 2017, a Seduc firmou parcerias com pelo menos cinco instituições privadas,

por meio de Termo de Cooperação Técnica ou Mútua, com a justificativa de atender as

metas e estratégias do PEE (Entrevistados A, B, C, D, E, F e G, 2017):

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Instituto Ayrton Senna (Programas de correção de fluxo: “Se Liga e

Acelera Brasil”; Programa de Alfabetização “Circuito Campeão”);

Fundação Itaú Social – e Consórcio Brasil Central (Programa de

Tutoria Pedagógica no Tocantins); Fundação Lemann (Projeto Gestão

para a Aprendizagem (formação de gestores escolares e

coordenadores pedagógicos); Stem Brasil (Programa Escola Jovem em

Ação – implantação do Ensino Médio na modalidade em Tempo

Integral); Associação de Educação Financeira no Brasil (AEF-Brasil)

(Curso de formação no Programa Educação Financeira nas escolas).

A justificativa para estas parcerias é melhorar os resultados e a qualidade do

processo de ensino e aprendizagem na educação estadual ao proporcionar aos gestores,

coordenadores, professores e técnicos da Seduc, Diretorias Regionais de Ensino (Dre) e

Escolas programas, projetos e ações de planejamento educacional, formações

continuadas, monitoramento e acompanhamento em conformidade com a metodologia

sistematizada pelos referidos Institutos e Fundações.

Segundos os entrevistados (A, B, C, D, E, F e G, 2017) a entrada destas

instituições denominadas privadas ou do terceiro setor se justifica no cumprimento das

metas e estratégias do PEE:

- Instituto Ayrton Senna: Meta: 2 (alfabetização na idade certa), Meta 3

(ensino fundamental) e Estratégia 3.7 (correção de fluxo escolar) – a

Seduc organiza as formações continuadas para capacitar os professores

quanto a metodologia dos programas citados; e acompanha o

planejamento das ações no Plano Plurianual (PPA) e o monitoramento

online por meio do sistema próprio para os programas do SIASI e

monitoramento in loco por técnicos, por meio de um cronograma

elaborado semestralmente.

- Fundação Itaú Social: Meta 23 (fluxo escolar) – as práticas avaliativas

da Seduc em relação às formações ofertadas são voltadas para o alcance

dos objetivos do Programa, avaliando o curso e o Programa, os

formadores (tutores) e os cursistas (tutoriados); articulação na formação

e no monitoramento: Seduc e DRE envolvidas; monitoramento semanal

nas Escolas; Seduc e DRE; logística para deslocamento dos tutores para

formação e monitoramento.

- Fundação Lemann: Meta 20 (formação continuada) e Meta 22 (gestão

democrática) – o Programa ainda não está em funcionamento, tem

apenas o Termo de Adesão assinado.

- Stem Brasil: Meta 4 (ensino médio), Meta 5 (educação em tempo

integral) e Meta 23 (fluxo escolar) – o planejamento, a realização e

acompanhamento das atividades realizadas acontecem pelo Instituto. O

papel da Seduc é ser articuladora entre Instituto e DREs e apoiar a

logística para a realização das ações.

- Associação de Educação Financeira no Brasil (AEF-Brasil): Meta 23

(fluxo escolar) – ação programada no PEE (2015); o acompanhamento

é realizado pelos tutores responsáveis pela execução do curso.

É latente o conteúdo gerencial da relação de parceria estabelecida entre a

instituição estatal e a instituição privada, vez que esta última define o controle de gestão,

o planejamento estratégico, os objetivos a serem alcançados, o monitoramento por meio

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de sistema próprio e avaliação sistemática. Nesse contexto, cabe à Secretaria Estadual um

papel secundário de acompanhar e apoiar.

Outro aspecto é o foco dado a metas 2, 3, 4 e 5 que versam sobre a

universalização da educação e as metas 20, 22 e 23 que se referem à formação continuada

dos profissionais da educação básica, a efetivação da gestão democrática e à garantia de

qualidade da educação no Estado, tendo como referência o índice de Desenvolvimento da

Educação Básica (IDEB). Do total de 24 metas, foram firmadas parcerias com cinco

instituições privadas com vistas à execução de sete metas.

Na ausência de ações de cooperação e colaboração entre a Seduc e instituições públicas

presentes no Tocantins, a tarefa de elaboração da agenda, da direção e da execução da

correspondente política educativa parece estar se transferindo para o setor privado

lucrativo ou não-lucrativo, haja vista a generalização de contratações de instituições e

empresas por redes públicas estaduais e municipais (ADRIÃO; PINHEIRO, 2012).

Conclusões

Neste trabalho, com o objetivo de compreender os objetos e as ações das parcerias

entre a Seduc-TO e instituições privadas e as possíveis relações com a implementação do

PEE, verificamos que a Seduc firmou no ano de 2017 termos de cooperação técnica e

mútua com instituições privadas com ou sem fins lucrativos com a justificativa de atingir

as metas do PEE e melhorar a qualidade da educação, o processo de ensino e

aprendizagem e os resultados do IDEB, realizando formação continuada para professores,

coordenadores, diretores de escola e técnicos da Seduc e monitorando e avaliando as

ações, conforme a metodologia específica de cada Programa.

Todavia, a despeito do discurso de defesa da democracia, a parceria público-

privada estabelecida no Tocantins pode contribuir com a intensificação – um fenômeno

em âmbito nacional – da inserção da iniciativa privada na gestão da política pública

educacional, o que, em nossa perspectiva, poderá contrariar o art. 206 da Constituição

Federal de 1988 (BRASIL, 1988), no que tange, em especial, ao pluralismo de ideias e

de concepções pedagógicas e a gestão democrática do ensino público. Isto, pela

possibilidade de decisões “de cima pra baixo”, sem a efetiva participação da comunidade

escolar (professores, coordenadores, diretores de escola, alunos, pais, mães,

responsáveis). Entretanto, pesquisas e experiências nos ensinam que essa comunidade

escolar tem capacidade e legitimidade para contribuir com as tomadas de decisões,

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planejamento, monitoramento e avaliação das políticas públicas. Acreditamos que quem

“executa” também tem condições de “pensar” a educação do Estado do Tocantins, por

isso, uma contraproposta seria a cooperação público-público no âmbito do próprio

Estado.

Referências

ADRIÃO, Theresa; BEZERRA, Egle P. O setor não lucrativo na gestão da educação

pública: corresponsabilidade ou debilidade. Currículo Sem Fronteiras, v. 13, n. 2,

p.256-268, maio/ago.2013.

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Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10/05/2017.

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Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF, 1997. Disponível em:

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conservação de redes e o processo efetivo de institucionalização de sistemas (Tese de

Doutoramento). Goiânia: UFG: Faculdade de Educação, 2008.

PERONI, Vera Maria Vidal. O Público e o Privado na Educação: Projetos em Disputa?

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em: <http//www.esforce.org.br>

TOCANTINS. Assembleia Legislativa. Lei nº 2.977, de 08 de julho de 2015. Aprova o Plano Estadual de Educação 2015. Publicada no Diário Oficial nº 4.411. Disponível em:

file:///D:/Downloads/lei_2977-2015_38073%20(1).PDF. Acesso em: 27/05/2017.

Entrevistas A, B, C, D, E, F e G, 2017.

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160

REGIME DE COLABORAÇÃO E SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO: O

INTERESSE DE AGENTES PRIVADOS NA DEFINIÇÃO DESSAS POLÍTICAS

Rodrigo Ferreira Rodrigues1

Rosenery Pimentel do Nascimento2

Gilda Cardoso de Araujo3

Esta pesquisa integra o Projeto Base do grupo de pesquisa Federalismo e Políticas

Educacionais4, do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do

Espírito Santo e pretende refletir sobre atores de interesse privados, no processo de

disputa das políticas educacionais no Brasil pela definição do Regime de Colaboração

(RC) e do Sistema Nacional de Educação (SNE).

Consideramos que há uma arena de disputa e tensão de interesses públicos e

privados com diversas percepções, construção de sentidos para o RC e SNE, o qual, este

último, antecede a Constituição Federal de 1988, presente desde o Manifesto dos

Pioneiros, mas inserido no debate atual a partir da Emenda Constitucional nº 14 de 2009.

Essa tensão se ampliou nas Conferências Nacionais de Educação (CONAE´s -

2010 e 2014), além de ter importante significado para a Avaliação dos Planos Municipais,

Estaduais e Nacional de Educação previstos de serem monitorados e avaliados na

CONAE 2018, ainda sob forte ameaça quanto aos princípios que orientarão sua realização

incerta.

Deste modo o debate e retoma a proposição da construção de um SNE que, como

nos referencia SAVIANI (2008), se constitui num legado histórico desde o séc. XIX,

impondo ao Brasil o desafio de organizar um sistema de ensino capaz de erradicar o

analfabetismo e universalizar o ensino fundamental, potencializado sob a forma

cooperativa e colaborativa.

Problematiza-se os desafios de tensão público/privado no campo de disputa pela

definição de um modelo (s) de regime de colaboração e de implementação do SNE.

Essas indagações suscitam aprofundamento, reconhecendo o esforço profícuo das

Conferências Nacionais, às formulações colocadas de maneira que tenhamos clareza de

1 Doutorando em Educação, PPGE/Ufes. E-mail: [email protected] 2 Doutoranda em Educação, PPGE/Ufes. E-mail: [email protected] 3 Doutora em Educação, Docente PPGE/Ufes. E-mail: [email protected] 4 Projeto aprocado na Chamada Universal do CNPQ 01/2016- Processo nº 427959/2016-0

REGULAMENTAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO NO

BRASIL: RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS PARA A GARANTIA DO DIREITO À

EDUCAÇÃO

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161

quais diretrizes e rumos defendem-se e são definidos para educação brasileira, uma vez

que toda política se configura num campo tênue de tensões, interesses, processos intensos

de correlações de forças, expresso de modo dinâmico e plural caracterizados em ciclos

constantes de formulações políticas na implementação das políticas educacionais.

O Regime de Colaboração como pressuposto do Federalismo Cooperativo está

presente, ainda que não diretamente e conceitualmente definido, nos diversos dispositivos

constitucionais, documentos e legislações, passível, desde a Constituição de 1988, de

regulamentação em Lei complementar, como refere o parágrafo único do artigo 23.

Ainda na Constituição Federal de 1988 o caput do artigo 211 se afirma que

“União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de

colaboração seus sistemas de ensino” e o artigo 214 dispõe um Plano Nacional de

Educação (PNE) com o objetivo de articular o Sistema Nacional de Educação, que se

estabeleceria em lei complementar específica.

Assim, o regime de colaboração é o estatuto previsto na Constituição para dentre

outras aspectos e articulações, favorecer e fomentar o SNE, previsto e estabelecido

também pelo Plano Nacional de Educação (PNE - Lei 13.005/2014) que o coloca na

centralidade de implementação das políticas educacionais como mecanismo de

implementação e concretização dos próprios Planos e dos sistemas estaduais e

municipais.

Neste panorama de discussões e debates diversos, há atores e sujeitos que se

articulam em campos distintos de disputa e interesses, inclusive na gestão do próprio

Estado, considerado, nesta pesquisa, em Weber, como uma “relação de dominação de

homens sobre homens (...), sob a condição de que os dominados se submetam à autoridade

continuamente reivindicada pelos que dominam” (Weber, 2002, p. 126), “uma associação

compulsória com base territorial” (Weber, 2002, 102) onde o que define a legitimidade

desse sistema é a disposição subjetiva de seus sujeitos e a capacidade de consenso do

próprio sistema, por exemplo, no poder de direito.

Nesse movimento e dilema delimitamos, nosso estudo sobre a tensão entre o

público e o privado considerada, a partir da compreensão de Adrião e Peroni (2009) sobre

as duas tendências, na reestruturação e reforma do Estado com prevalência da

privatização endógena, como esfera de quase-mercado.

Essa reforma do Estado reconhecida por Adrião e Peroni (2009) não esvaziou o

federalismo como forma do Estado brasileiro, pelo contrário, coloca indiretamente o

Regime de Colaboração em destaque quando mantém o aspecto cooperativo do

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federalismo brasileiro sob a forma colaborativa e não competitiva entre os entes federados

(União, Estados, Distrito Federal e Municípios) que visa o equilíbrio do desenvolvimento

e bem-estar em âmbito nacional de forma geral, e na educação, de forma particular.

Nessa correlação de forças, instituições de interesse privado protagonizam o

processo de institucionalização e normatização de questões federativas que atravessam a

organização e reformas da educação pública no Brasil no sentido de flexibilizar e

ressignificar direitos sociais pela via da desregulamentação dos princípios constitucionais

do Estado, do setor público, induzindo princípios e alinhamentos às suas políticas,

princípios e valores.

Tensões destacadas no âmbito das políticas educacionais compõem barreiras para

a construção de um SNE e vêm, ao longo desses anos, constituindo limites à consolidação

da educação pública quanto aos aspectos econômicos, políticos, legais e ideológicos.

Exemplo desse alinhamento reconhecemos na participação ativa de diversos

conselheiros do Movimento Todos Pela Educação na instituição dos Arranjos de

Desenvolvimento da Educação, considerados por eles como ferramentas de gestão e

forma de trabalhar em rede para estímulo à colaboração entre entes intergovernamentais

na oferta de Educação de qualidade ou, como considera Silva (2015) “regime de

colaboração de ‘novo’ tipo” com novos arranjos e outros instrumentais gerencialista.

O ideário neoliberal e seu imperativo de novos instrumentais introduz a

modalidade da governança imposta sob novas formas de planejamento educacional.

Dentre essas, a Nova Gestão Pública (NGP) como fruto da reforma de Estado da

década de 1990 trouxe mudanças na administração, sugerindo uma nova forma de gestão

onde outros atores são incluídos na formulação, implementação e financiamento das

políticas públicas, com forte apelo à responsabilização como princípios à gestão das

políticas públicas materializada nas parcerias, como ferramenta de ação o que

infelizmente nem sempre pode ser garantido quando se coloca na mesma arena de debates

atores com valores e interesses tão díspares.

Se fizermos aproximação aos marcos legais nas décadas de 1990 e anos 2000,

identificamos diversos documentos normativos5 que articulam as Organizações da

Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e outras formas de convênios (e parcerias)

que propõe princípios de modelo de gestão e funcionamento de um sistema na perspectiva

5 Leis: 9790 de 23 de março de 1999; 13019 de 31 de julho de 2014 e o decreto 8726 de 27 de abril de 2016

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da governança referindo-se à “contratação de serviço” articulando-se de maneira

autônoma.

Os autores afirmam que as “diretrizes gerenciais da esfera privada”, interpenetram

ao planejamento educacional modificando-o partir de uma lógica de mercado e

competição expressos, por exemplo, em plano de metas, como Compromissos Todos pela

Educação e Planos de Ações Articuladas.

As divergências econômicas e sociais entre os entes federados podem significar

aspecto importante para a implementação de um SNE, pesquisas caminham no sentido de

identificar através da teoria da ação pública outros indícios para esse descompasso.

Na atual conjuntura, aproximações iniciais dão conta de um conceito presente em

outros campos teóricos que pode ser apropriado a nossos valores, novos sentidos de

governança entendendo-a como possibilidade de ação conjunta, em vista do

gerenciamento eficaz, público, participativo e transparente pelo Estado e demais sujeitos

sociais, criando condições para o desenvolvimento sustentável, para todos e cada um.

Podemos dizer que as proposições reafirmam que os rumos da educação se

definem na escolha de um projeto político exercitado na capacidade de diálogo com as

múltiplas posições o que não significa reprodução ou pactuação com os impasses e

controvérsias que engendram a organização do SNE sob princípios colaborativos, além

de desconsiderar os sujeitos intergovernamentais e suas estruturas técnicas e financeiras.

A cooperação e colaboração, assim seriam elevadas, no campo das políticas

educacionais com desenvolvimento cooperativo de valores, anseios, práticas, princípios

transparentes e negociados.

A cooperação na governança supõe tanto o trabalho conjunto de diferentes sujeitos

e interesses quanto novas formas de realização das políticas e do direito, assim esta pode

ser entendida também como

(...) uma forma autônoma (self-organizing) de coordenação e

cooperação, por meio de redes interorganizacionais, que podem ser

formadas por representantes de organizações políticas e

administrativas, associações, empresas e sociedades civis, com ou sem

a participação estatal. (JANN, 2003, p. 449 apud KISSLER;

HEIDEMANN, 2006).

Afirmar o SNE é reconhecer a necessidade de uma estrutura jurídico-política que

amplie as possibilidades do Estado para a educação e vise ao alcance da oferta educativa,

que assegure uma educação de qualidade e não seja reduzida “[...] como bem qualquer,

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mercadoria vendável no mercado” (CURY, 2009, p. 735) mas como valor de todos os

sujeitos.

Neste sentido, o maior desafio é o de tomar a educação brasileira como causa

pública colaborativa em vista da consolidação de um SNE democrático e de qualidade,

reconhecendo a dinâmica e as especificidades federativas em processo articulado de

mediação, integração e para além delas que possam vincular responsabilidades integradas

a uma colaboração efetiva, reduzindo as desigualdades sociais e políticas de nossa

organização educacional.

Consideramos a relação entre o Regime de Colaboração como instrumento para

implantação do Sistema Nacional de Educação e implementação do Plano Nacional de

Educação se constitui elemento fundamental para superar as variações e indefinições

políticas e assegura uma política de Estado capaz de oferecer condições para que sua

consolidação de maneira sustentável, desde que participativa e colaborativa, sob

princípios republicanos e federativos divergindo da lógica de mercado competitivo e

predatório, não evitando o diálogo mas resistindo à perversidade de interesses, por vezes,

obtusos.

Referências

ADRIÃO, Theresa e PERONI, Vera. A educação pública e sua relação com o setor

privado Implicações para a democracia educacional. Revista Retratos da Escola,

Brasília, v. 3, n. 4, p. 107-116, jan. /jun. 2009.

BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988.

Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm Acesso

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_____. LEI Nº 13.005, DE 25 DE JUNHO DE 2014. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm Acesso em

12/10/2017.

CURY, Carlos Roberto Jamil. Sistema Nacional de Educação: desafio para uma educação

igualitária e federativa. Educação e Sociedade, vol. 19, n. 105. Campinas. Set/Dez 2009.

KISSLER, Leo; HEIDEMANN, Francisco G. Governança pública: novo modelo

regulatório para as relações entre Estado, mercado e sociedade? Rev. Adm. Pública, Rio

de Janeiro, v. 40, n. 3. Junho 2006.

SILVA, Juliana Argollo. Os Arranjos de Desenvolvimento de Educação (ADE): Regime

de colaboração de novo tipo e mecanismo de reformulação do Sistema Nacional de

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165

Educação sob a direção do empresariado brasileiro. 31/03/2015 167 f. Mestrado em

EDUCAÇÃO Instituição de Ensino: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE

JANEIRO, Rio de Janeiro

WEBER, Max. Conceitos Básicos de Sociologia. São Paulo: Centauro, 2002.

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166

EIXO 5: Outros temas relacionados

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167

A DELIMITAÇÃO DO OBJETO NA PESQUISA EM POLÍTICAS

EDUCACIONAIS: A PREVALÊNCIA DAS ANÁLISES SOBRE O SETOR

PÚBLICO NA PRODUÇÃO ACADÊMICA (2000-2010)

Valdelaine Mendes1

Cileda dos Santos Sant’Anna Perrella2

Rosana Evangelista da Cruz3

O objeto da política educacional ainda é um tema pouco debatido entre aqueles

que se dedicam à investigação neste campo de conhecimento (MAINARDES, 2015). É

reconhecido, por vários autores, que a política educacional é um campo de conhecimento

em construção, que dialoga com outros campos do saber, como condição para a sua

consolidação (MAINARDES, 2015; TELLO, 2015; GAMBOA, 2015; STREMEL,

2016).

O estudo sobre a construção desse campo de conhecimento no Brasil vem sendo

realizado mediante revisões da literatura ou estado da arte (ROMANOWISKY, 2006),

em geral relacionados a aspectos específicos da política educacional, como a gestão da

educação (WITTMANNN; GRACINDO, 2001) e financiamento da educação

(VELLOSO, 2001; OLIVEIRA, 2006, DAVIES, 2014). Estudos sobre questões

epistemológicas também estão presentes nesse campo (BALL; TELLO, 2015;

MAINARDES, 2015; STREMEL, 2016; GAMBOA, 1998, 2015).

A pesquisa “Questões epistemológicas e metodológicas da produção acadêmica

em políticas educacionais no Brasil (2000-2010)”, da qual fazem parte as autoras deste

artigo, também consiste em esforço coletivo de reflexão sobre a construção do campo

política educacional, mediante a análise das características epistemológicas e

metodológicas de teses e dissertações sobre políticas educacionais produzidas, no período

de 2000 a 2010, nos programas de pós-graduação em educação que alcançaram nota igual

ou superior a cinco na avaliação trienal do ano de 2010 da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)4.

1 Dra. Universidade Federal de Pelotas 2 Dra. Faculdade Zumbi dos Palmares 3 Dra. Universidade Federal do Piauí 4 A referida pesquisa, desenvolvida em rede, foi financiada pelo CNPq, no Edital Universal nº 14/2014,

contando com a participação de pesquisadoras das seguintes Instituições de Ensino Superior: UNIFESP,

UEFS, UFPI, UFPEL, UEFS, UNICID, Instituto Afro Brasileiro de Ensino Superior.

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O critério de seleção dos programas resultou na inclusão de 20 instituições de

ensino superior: USP, PUC-SP5, UFRGS, Unisinos, Uerj, UFG, UFF, PUC-RS, UFPel,

UFRN, UFSCar, Unimep, UFMG, UFU, Ufes, Unesp, PUC-RJ, UFRJ, UFPR, Unicamp.

O levantamento da produção, realizado no ano de 2012 pela equipe de investigação,

resultou na coleta de 1.283 resumos. No entanto, foi possível verificar que existe uma

significativa produção sobre política educacional em programas de pós-graduação de

Ciências Sociais, Serviço Social e Administração, a qual não foi incluída na base da

pesquisa, por não ser alvo da investigação.

Após o levantamento das dissertações e teses sobre política educacional em cada

instituição incorporada no trabalho, organizou-se um banco de dados de cada

universidade. Em um segundo momento, foram definidos subtemas, em nove eixos de

investigação, visando uma análise mais focalizada dos trabalhos: Reforma e Estado,

Organização da Educação, Políticas de Formação, Avaliação de Programas, Políticas

Afirmativas, Avaliação, Financiamento, Qualidade, Abordagem teórico-metodológica.

Com base em um conjunto de palavras-chave, foi realizada a classificação dos

trabalhos nos eixos. Nesse momento percebeu-se que alguns estudos poderiam ser

alocados em mais de um eixo, pois abordavam temáticas que atravessam dois ou mais

focos de análise. Nesses casos, a opção foi mantê-los no eixo com tema predominante,

resultando na seguinte distribuição:

Gráfico 1: Número de trabalhos por eixo

Fonte: Silva et al. (2016)

5 O único programa stricto sensu da PUC-SP que tinha conceito 5 ou superior no momento de seleção das

instituições para participar do estudo era o de “Educação: Psicologia da Educação”. Nesse programa não

foi localizado nenhum estudo sobre política educacional. Por essa razão, a PUC-SP não aparece nos gráficos

expostos neste estudo.

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169

Os quatro eixos que concentram o maior número de trabalhos representam 77%

do total, conforme gráfico 1: Reforma do Estado, Organização da Educação, Políticas de

Formação e Avaliação de Programas e Projetos. Os três primeiros eixos com maior

número de trabalhos são aqueles cujo objeto de investigação trata de aspectos mais

amplos da formulação das políticas educacionais.

O tema Avaliação de Programas e Projetos foi o quarto mais pesquisado nos

programas de pós-graduação selecionados, representando 13% dos 1.283, sendo foco do

presente artigo, que é movido pela seguinte indagação: como ocorre o processo de

delimitação do objeto do conhecimento em política educacional? Portanto, esta pesquisa

tem os seguintes objetivos: analisar as formas de delimitação do objeto do conhecimento

em política educacional; compreender como o objeto é analisado, articulado e concebido

nessa produção e verificar como o objeto é recortado e interpretado nesse campo, visando

indicar prevalências e lacunas na produção da área. As produções de Gamboa (1998),

Tello (2015) e Mainardes (2015), entre outros, consistiram em aportes teóricos para a

construção do artigo, que resulta de estudo bibliográfico e análise documental, nos termos

de Cellard (2012), tendo como objeto os resumos de 149 teses e dissertações relacionados

ao tema Avaliação de Programas e Projetos.

Não obstante o tema Avaliação de Programas e Projetos da pesquisa nacional seja

composto por 171 trabalhos, neste artigo foram selecionados 149 teses e dissertações,

porque optou-se por excluir aquelas sobre programas e projetos de outras áreas sociais,

sem interface direta com a escola pública brasileira. Os dados foram organizados em três

agrupamentos de análise: a) o tipo de objeto estudado na política educacional; b) as

características do objeto analisado quanto ao nível, etapa, modalidade e abrangência e c)

a delimitação geográfica e temporal dos estudos.

Em relação ao tipo de objeto, a maior parte se dedica à investigação de programas

de governos, em significativa quantidade e diversidade, expressão da pulverização das

políticas propostas pelas três esferas, municípios, estados e união. Houve predomínio de

estudos sobre educação básica, principalmente sobre o ensino fundamental e médio, em

programas e projetos de abrangência nacional, executados em parcerias com estados e

municípios. A maior parte das pesquisas investigam ações executadas na região Sudeste

e Sul do país, ou seja, em geral, estudam programas implantados nas mesmas regiões nas

quais se localizam as Instituições de Ensino Superior (IES) que produziram as

investigações. Em relação à delimitação geográfica dos estudos, constatou-se que 41%

analisaram diretamente as unidades escolares de educação básica ou superior, metade

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deles circunscritos a uma unidade. A maior parte investigou período recente, ou seja, a

mesma década de realização da pesquisa de pós-graduação, em geral planos, programas

e projetos em curto prazo de implementação. O trabalho permite concluir que a política

educacional pauta a agenda de pesquisa na pós-graduação e que a fragmentação das ações

educacionais no setor público tem uma repercussão direta na produção do conhecimento

na área educacional no país, pois cria condições favoráveis à dispersão da produção. Essa

dispersão, por sua vez, cria dificuldades para a formação de coletivos que busquem, na

produção científica, subsídios para a continuidade e a ampliação do financiamento de

determinadas ações ou que sugiram a mudanças e interrupções em outras.

No universo de 149 trabalhos, 101 analisam programas, 20 políticas, 24 Projetos,

2 Planos e 2 estudos combinam a análise de projetos e programas, não sendo possível a

classificação em uma categoria. Em menor número, ficaram seis estudos que propuseram

uma análise da concepção de uma determinada política ou das ações mais amplas na área

educacional de uma gestão. São estudos em que o objeto é tratado na sua perspectiva

histórica, conceitual ou conjuntural.

Observa-se que na maior parte dos estudos o objeto fica delimitado a investigação

de uma proposta de ação. Em três pesquisas a delimitação é ampliada para mais de um

programa ou projeto. A maior parte dos estudos concentra as análises em ações de

governos (federal, estadual, municipal) e poucos são os estudos que investigam ações de

setores privados (empresas, sistema s, organizações não governamentais e sindicais).

Uma hipótese para essa constatação pode estar no fato dos estudos aqui analisados terem

sido defendidos no período compreendido entre 2000 e 2010, momento em que há um

fortalecimento do incentivo ao estabelecimento das parcerias público-privado na

educação. Talvez, esse incentivo não se expresse quantitativamente na delimitação dos

objetos de estudo das dissertações e teses, analisadas no período, porque a apresentação

dos projetos para seleção nos programas de pós-graduação ocorre alguns anos antes da

defesa, quando as parcerias ainda não impactavam tão significativamente no setor

educacional.

Referências

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qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2012.

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ANPAE, Campinas: Editora Autores Associados, 2001.

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A PROMOÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O ENSINO SUPERIOR NO

BRASIL: PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA E O PROGRAMA

UNIVERSIDADE PARA TODOS

Carolina Rosa Kader1

O estudo analisa a promoção das políticas públicas para o ensino superior,

especificamente o Programa Universidade Para Todos- PROUN, por meio da parceria

público-privada e as consequências para a democratização do ensino, a partir da década

de 1990. Partimos do pressuposto de que o direito à educação enseja a correlata obrigação

do Estado em prestá-la, portanto, um dever, o que importa na necessária observância dos

princípios que orientam a atividade estatal. A metodologia utilizada para a realização da

pesquisa foi a análise bibliográfica e legislativa, com destaque para a contribuição de

autores de diversas áreas do conhecimento, como Direito, Educação, Sociologia e

Políticas Públicas.

Primeiramente, entende‐se por política educacional as decisões que o Poder

Público, isto é, o Estado, toma em relação à educação. (SAVIANI, 2005).

Entretanto, a educação brasileira foi influenciada, a partir da década de 1990,

por meio das reformas empreendidas no Estado brasileiro, as quais, em alguam medida,

seguem influenciando a agenda governamental brasileira. Tais reformas receberam uma

forte influência dos organismos internacionais, uma vez que os governos estavam

economicamente atrelados a esses organismos, dentre eles, o Fundo Monetário

Internacional - FMI, o grupo do Banco Mundial, a Organização das Nações Unidas para

a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO, a Organização Internacional do Trabalho

- OIT, a Organização Mundial do Comércio – OMC e a Comissão Econômica para

América Latina e Caribe - CEPAL.

A reforma educacional em curso no Brasil coloca a educação como um eixo

entre a reforma e a produtividade, tem por objetivo assegurá-la para todos, desde que seja

relevante e eficaz, ocorrendo mudanças de ordem prática no sistema educativo, tais como:

maior flexibilidade, descentralização e competitividade, acarretando em marcos

conceituais novos e o Estado um mero fiscalizador das políticas educacionais.

1 Graduanda em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público e Ciências Sociais na

Universidade Federal do Rio Grande do Sul. [email protected]

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Nesse contexto, o governo federal promulgou, em 1995, o Plano Diretor de

Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), que trata especificamente sobre a reforma no

Estado brasileiro. Dentre as principais alterações do PDRAE, está o estímulo à realização

das parcerias entre a esfera pública e a privada na promoção dos direitos sociais, ou seja,

com isso tem-se a configuração da relação público-privada. Ainda, o marco legal da

relação público-privada, foi à publicação da Emenda Constitucional nº. 19 (EC/19), de

junho de 1998, caracterizada pela diminuição da máquina pública e dos gastos sociais.

Tendo por base a orientação política do governo federal, observamos que, tanto o

PDRAE, como a própria promulgação da EC/19 se configuram como consequências da

implantação da orientação política neoliberal. Como forma de materializar tal realidade,

na última parte do estudo será abordado o PROUNI, por meio do incentivo a parceria

público-privada e as consequências para a democratização do ensino superior no país.

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, tem-se um avanço no

que e refere ao tratamento e aos mecanismos legais de proteção e promoção do direito à

educação, evidenciando assim garantia desde direito, enquanto uma política social, tal

qual disposto no art. 205 da referida norma, que estabelece a titularidade do Estado quanto

a promoção da educação

Nesse sentido, no âmbito do Ensino Superior, algumas alternativas foram

propostas no que tange a ampliação do acesso, através de diversas políticas públicas, entre

elas ampliação de vagas e as novas modalidades de cursos através do Programa de Apoio

a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), bem como,

políticas de ações afirmativas, que reservam recursos em benefício de indivíduos

pertencentes a grupos discriminados no passado ou no presente e devem ser

compreendidas no sentido de fomentar a transformação social, através do PROUNI e

também a política de cotas. Ainda, salienta-se que as alternativas propostas buscavam

cumprir as metas do Plano Nacional de Educação, o qual previa presença, até 2010, de

pelo menos 30% da população na faixa etária de 18 a 24 anos na educação superior.

O governo Lula (2003-2011), por meio da Reforma Universitária anunciou o

PROUNI como destaque na busca da democratização da educação superior brasileira. O

Programa foi criado através do Ministério da Educação (MEC), com o então ministro

Fernando Haddad, por meio da Lei n° 11.096, de 13 de janeiro de 2005, a partir da isenção

tributária para as instituições de ensino privadas que aderem ao programa, ocorre a

concessão de bolsas, sendo elas integrais ou parciais, para estudantes de baixa renda em

cursos de graduação. O PROUNI, durante sobre seu processo de estruturação e

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fortalecimento após a promulgação da lei, sofreu diversas alterações, sido influenciado

por Instituições de Ensino Superior (IES) particulares, no que se refere a redução dos

benefícios bem como o fortalecimento e ampliação das IES privadas. a partir da relações

entre governo e mantenedoras. O PROUNI é destinado a estudantes de ensino médio da

rede pública ou particular, desde que na condição de bolsistas integrais e que a renda

familiar per capita não exceda o valor de três salários mínimos.

Cumpre-se ressaltar, que as políticas afirmativas no âmbito da educação, bem

como toda e qualquer politica social relacionada à educação, não devem buscar tão

somente a ampliação do acesso, mas também a democratização de uma formação superior

de qualidade. Ainda, a efetivação do direito à educação, como já antes mencionado, deve

passar necessariamente pelos três pilares, os quais são princípios constitucionais: o

acesso, permanência, qualidade. Logo, resta avaliar, se tal política contribui para a

democratização real do Ensino Superior levando em consideração, não só a permanência

do estudante, bem como a formação de qualidade e a garantia de recursos à continuidade

do programa.

Porém, é visto que a implementação de tais políticas de inclusão, como é o caso

do PROUNI, resultam em uma expansão do sistema privado de ensino, haja vista que na

forma em que esta estruturada a política de acesso ao ensino superior, especialmente no

âmbito privado, ocasiona uma contradição no que tange a democratização deste acesso, a

permanência e também a qualidade do ensino, o que não se coaduna com o objetivo

estabelecido a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, de ampliação do

papel do Estado no campo dos direitos sociais e assim, se tem uma gradativa diminuição

da sua atuação, dividindo atribuições e deveres estatais com o setor privado através de

parcerias públicas privadas.

A partir do desenvolvimento relação público-privada, a educação passa a ser

administrada sob orientações mercantis, com base na eficiência, a competitividade e os

resultados, independente dos meios que se utilizam para atingi-los, refletindo as diretrizes

e orientações tanto do Neoliberalismo, quanto da Terceira Via. Nesse sentido, ocorre a

reconfiguração do papel do Estado na promoção ao acesso do Ensino Superior, que

através da concessão de bolsas, estimula a relação público-privada, propiciando o

aumento do número de vagas ofertadas, e em contrapartida, a realidade das instituições

públicas de ensino.

Evidente que a ampliação do acesso trouxe desafios quanto a democratização do

mesmo, através da permanência dos estudantes no sistema de ensino, buscando que

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igualdade de oportunidades se materialize, o que, para tanto, são necessárias à promoção

de políticas públicas de assistência estudantil.

Ainda, em contrário a lógica privatista e mercantil, que visa formar profissionais

para equipar o mercado por meio da competitividade, eficiência e também a busca por

resultados independente dos meios, a formação superior não deve estar apenas atrelada

às exigências do sistema capitalista, mas sim ao pleno desenvolvimento, por meio de uma

formação crítica. Acrescido a isso, por ser um lócus privilegiado de produção do

conhecimento, a universidade formula-se como um espaço de poder e precisa ser

disputado, para que assim seja de democrática e ao alcance de todos e todas, caminhando

na construção de alternativas para sociedade em questão, demostrada tamanha

necessidade de transformar a universidade em um espaço diverso, popular e plural. O

PROUNI, em que pese tenha conferido a possibilidade de acesso de estudantes de baixa

renda aos níveis mais elevados de ensino, por nunca romper com a lógica privatista da

educação e com a reconfiguração do papel do Estado no que tange a promoção dos

direitos socias, não contribui plenamente para democratização do Ensino Superior.

Nesse sentido, não se trata de uma contraposição entre Estado e instituições

privadas no fomento do ensino superior, pois vivemos em uma sociedade de classes no

qual essas relações são perpassadas por interesses mercantis. Assim sendo, o foco da

análise é a privatização do público, na lógica mercantil, com implicações para a

democratização da educação. Sendo a democracia aqui entendida como a materialização

de direitos e de igualdade social e “coletivização das decisões”, com efetiva participação

na elaboração de políticas com base na prática social crítica e autocrítica no curso de seu

desenvolvimento. No caso concreto, o PROUNI não garante a permanência e tampouco

a qualidade do ensino, pois o Estado continua sendo o responsável pelo acesso, mas o

“conteúdo” pedagógico, e a as diretrizes que orientam a sua promoção, permanecem cada

vez mais determinados pela lógica mercantil.

O PROUNI promove o acesso de um considerável número de estudantes às

universidades brasileiras, contudo, em que pese o Estado, a partir dos anos 2000, tenha

retomado sua atuação na criação de políticas para a expansão universitária no país, não

se pode desconsiderar o fato de que o processo de expansão do acesso ao ensino superior,

produziu um efeito contrário de democratização, tendo em vista que, a expansão ocorreu,

majoritariamente, de forma privada e concentrada nos grandes centros urbanos, não

propiciando ainda, condições reais de permanência do estudante no sistema educacional,

as quais poderiam ser materializadas por meio de um conjunto de outras políticas sociais

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que promovam condições igualitárias de acesso e permanência, especialmente aos

estudantes em situação de vulnerabilidade social.

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A REDE LATINO-AMERICANA DE ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE

CIVIL PARA A EDUCAÇÃO - REDUCA - E SUAS INTENÇÕES PARA A

EDUCAÇÃO PÚBLICA

Márcia Cossetin1

Simone Sandri2

O presente trabalho tem como objetivo principal discutir a constituição e as

intencionalidades da Rede Latino-americana de Organizações da Sociedade Civil para a

Educação – Reduca – que teve sua consolidação formal como Rede representante de

vários países da América Latina, formalizada no mês de setembro de 2011, no Brasil, na

capital Federal Brasília, na sede do Conselho Nacional de Educação – CNE.

Para tanto, percorremos alguns encaminhamentos metodológicos, como: leitura e

análise de documentos da Reduca e de bibliografia; por meio do conteúdo disponível no

site da Reduca, identificamos os principais objetivos da Rede, a sua classificação sobre

experiências educacionais exitosas nos países que a compõe. Tal percurso procurou

responder a seguinte questão: quais as principais intenções dos maiores empresários da

América Latina com relação à educação pública?

Para realizarmos nossa análise, consideramos a definição gramsciana de

hegemonia, pois entendemos que o empresariado, por meio de movimentos nacionais e

redes internacionais, tem a finalidade de ampliar e aprofundar o seu domínio político e

cultural, com a intenção de promover o consenso social. Para Gramsci, a hegemonia é a

combinação da força e do consenso, mas, ela não deve superar o consenso, ao contrário,

a força deve aparecer “[...] apoiada no consenso da maioria, expresso pelos chamados

órgãos da opinião pública – jornais e associações -, os quais, por isso, em certas situações,

são artificialmente multiplicados” (GRAMSCI, 2007, p. 95).

Sob esta ótica, compreendemos que a intervenção do empresariado na educação

pública, tem como principal objetivo, o de aprofundamento de produção do consenso

social e, portanto, de aprofundamento da sua hegemonia, definindo encaminhamentos

neste caso específico, à educação pública.

1 Doutora em Educação. Professora Colaboradora do curso de Pedagogia - Universidade Estadual do Oeste

do Paraná (UNIOESTE). Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais e Sociais

(GEPPES); Grupo de Pesquisas em Formação de Professores e Processos de Ensino e Aprendizagem

(GPEFOR) - Unioeste/Campus de Cascavel. E-mail: [email protected] 2 Doutora em Educação. Professora do curso de Pedagogia - Universidade Estadual do Oeste do Paraná

(UNIOESTE). Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais e Sociais (GEPPES)

Unioeste/Campus de Cascavel. E-mail: [email protected]

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Notamos essa intencionalidade desde a constituição da Reduca, quando ocorreu o

encontro com a presença de organizações de treze países3 da América Latina. Estas

organizações têm como articuladores o empresariado local de cada um destes países.

Ademais, estiveram presentes ainda representantes do Banco Interamericano de

Desenvolvimento – BID4 – apoiador da criação da rede, e o Ministro da Educação do

Brasil no período Fernando Haddad. A iniciativa estaria ligada ao Programa de Promoção

da Reforma Educativa na América Latina e Caribe - PREAL (MARTINS, 2013).

A Reduca, conforme Declaração de Brasília foi formada a partir de um conjunto

de organizações de países da América Latina, que declararam ter um compromisso

público e comum de participar e contribuir para que crianças e jovens tenham direito à

educação inclusiva e de qualidade em cada país e na região, destacando que a Rede

constitui um exercício livre e voluntário para a troca de experiências entre os membros

(REDUCA, 2011, s/p).

A configuração da Reduca evidencia a compreensão de Shiroma (2014), ao definir

as redes sociais como o conjunto de pessoas e organizações que se enunciam e se

articulam a partir de interesses que seriam comuns, para responder a demandas como a

busca da qualidade da educação ou como forma de gerir as políticas sociais com

otimização dos recursos disponíveis (SHIROMA, 2014). Acrescentamos a essa acepção

a questão das parcerias público-privadas, como elemento que impulsiona a criação de

algumas redes como é o caso da Reduca.

Na Declaração intitulada “Declaração Constitutiva da Rede Latino-americana de

Organizações da Sociedade Civil para a Educação”, questiona-se: “Por que formar uma

rede? A participação da Sociedade Civil em Políticas Públicas pela Educação”

apresentam-se os motivos que levariam à constituição da Rede, justificando que, apesar

dos avanços em educação ocorridos na América Latina na última década, a situação

educacional demonstra uma cobertura que é insuficiente e exemplifica: “São 23 milhões

de crianças e jovens entre 4 e 17 anos fora da escola; a qualidade do aprendizado é muito

3 A REDUCA é representada pelas seguintes instituições nos referidos países: “Equador – Grupo FARO;

República Dominicana – Educa – Ação pela Educação; Peru – Associação Empresários pela Educação;

Paraguai – Juntos pela Educação; Panamá – Unidos pela Educação; Nicarágua – Fórum de Educação da

Nicarágua – EDUQUEMOS; México – Mexicanos Primero; Honduras – Fundação para Educação Ernesto

Maduro Andreu; Guatemala – Empresários pela Educação; El Salvador – Fundação Empresarial para o

Desenvolvimento Empresarial; Colômbia – Fundação Empresários pela Educação; Brasil – Todos pela

Educação; Argentina – Projeto Educar 2050; Chile – Educação 2020” (http://www.reduca-

al.net/pt/nosotros). 4 O Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID: “O BID contribui para o duplo objetivo de melhorar

a inclusão e Educação de qualidade e promover a capacitação e participação da sociedade civil na região”

(REDUCA, 2011, s/p).

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baixa em todos os níveis e muito desigual entre grupos socioeconômicos e étnicos”

(REDUCA, 2011, s/p).

Esses problemas, apontados pelo documento da Reduca, podem ser explicados

pelo reduzido nível de despesas por aluno, por problemas como a descentralização da

gestão da educação, a falta de monitoramento e avaliação da qualidade ou ainda a não

utilização dos seus resultados como uma ferramenta para melhorar a qualidade de

educação; poucos incentivos para o desenvolvimento da profissão docente; falta de visão

estratégica e descontinuidade nas políticas públicas. Evidencia-se que o Estado deve

continuar a financiar a educação pública; contudo, para resolver os problemas da

educação pública figuram velhas receitas que remetem às parcerias entre o público e

privado: gestão, avaliação, qualidade, professores responsabilizados, etc.

A partir desse diagnóstico, sob a ótica da Reduca, vislumbra-se o fortalecimento

das instituições democráticas na região e o incentivo à participação da sociedade civil no

ambiente público, exercendo o controle social sobre os governos, prioritariamente, nas

áreas de educação, saúde e segurança. Estas organizações teriam o papel de monitorar e

garantir o direito de crianças e jovens a uma educação de qualidade.

Diante do explicitado, as organizações teriam decidido unir forças e formar a

Reduca, com objetivos tais como: “1) trabalhar em conjunto para a garantia do direito à

Educação de qualidade para toda criança e jovem, 2) trocar conhecimento e aprender

coletivamente, 3) ter uma voz coletiva no nível regional” (REDUCA, 2011, s/p).

Compreendemos que as indicações de ação da Reduca remetem para construção

de consensos provenientes também do convencimento advindo da apresentação do

considerado como “boa prática”, e que deve servir de modelo. Isso se corporifica nos

enunciados e nas ações da Reduca e se coaduna em torno das demandas, que são:

necessidade/busca pela consolidação das parcerias público-privadas; apresentam a

educação como fator de desenvolvimento e competividade nos países; busca pela

qualidade da Educação Básica pública; disseminação de boas práticas; enunciam a

necessidade de construir a participação social na definição e monitoramento das políticas

educacionais. Essas enunciações revelam pautas em comum dos componentes da Reduca,

que os identifica como rede em nível regional.

Existe, assim, um esforço na tarefa de convencer sobre a necessidade da

participação da sociedade civil na educação, de exercer a hegemonia. As enunciações

apontam para produção de consenso em torno do projeto que defendem, qual seja: o das

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parcerias público-privadas para o atendimento educacional nas escolas públicas e na

Educação Básica.

Atua-se em diversas frentes para a construção das parcerias público-privadas e,

ainda, forma-se o sujeito adequado, requerido na sociedade contemporânea, nos moldes

definidos para atender ao mercado de trabalho. Também, dissemina-se o pensamento

empresarial como único e certo, constituindo espaços para a construção da hegemonia

empresarial.

No site da Reduca, existem dados sobre os países que a constituem, relatos de

experiências exitosas e artigos de temáticas que envolvem a educação. Os relatos das

experiências exitosas são exemplos para serem replicados pelos demais países da Rede.

Isso demarca, novamente, que uma das intencionalidades da Reduca é ditar parâmetros

de qualidade para as escolas públicas da América Latina, ou seja, interferir na definição

da educação pública.

Em geral, notamos que os diferentes movimentos do empresariado, em cada país

e na Reduca, disputam o conteúdo das políticas educacionais, com isso, disputam espaços

no contexto do Estado stricto sensu, com a intenção de inserirem os seus projetos no

conjunto de políticas que contam com financiamento público.

Sobre as principais intervenções do empresariado na Educação Básica ofertada

pela escola pública, em um estudo realizado por Krawczyk (2014), em quatro estados

brasileiros, notamos que existem algumas linhas gerais de atuação do empresariado na

escola pública. São elas: influência nos currículos; intervenção na gestão escolar e na

formação continuada de professores; a escola como locus para contemplar interesses

privados; interferem na organização do trabalho pedagógico; exigem prestações de contas

e apresentação e resultados, em especial, com relação ao desempenho acadêmico dos

estudantes (KRAWCZYK, 2014).

Contudo, compreendemos que o empresariado, no caso do Brasil por meio do

Todos pela Educação – TPE, e da América Latina pela Reduca, age na educação pública

por intermédio de institutos, fundações e movimentos de amplitude nacional e

internacional, com o principal objetivo de intensificar a sua direção política e cultural na

sociedade.

Para efetivar seus projetos, o empresariado também necessita da condição pública

atrelada ao Estado stricto sensu, isto é, da possibilidade de transformar os seus projetos

em políticas públicas e, com isso, contar com o financiamento e com a amplitude que as

ações do Estado podem atingir no sentido de disseminar a cultura empresarial.

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A condição contraditória da sociedade política, apresenta um cenário de

constantes disputas, entre classes sociais e grupos sociais, por projetos educacionais

distintos. Nesse sentido, o consenso social buscado pelo empresariado sofre tensões, por

isso, não é um “consenso absoluto”. Esta condição move o empresariado a construir e

reconstruir constantemente alternativas de intensificação da sua hegemonia. Em especial,

a Reduca é uma dessas alternativas para o exercício da hegemonia, portanto, de

fortalecimento da direção política do empresariado para constituir-se, em Rede, como

interlocutora do Estado na definição das políticas educacionais públicas.

Referências

GRAMSCI, Antônio. Caderno 13 (1932-1934): Breves notas sobre a política de

Maquiavel. In: Cadernos do Cárcere, vol. 3. 3a ed., Rio de Janeiro: Civilização

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SHIROMA, Eneida Oto. O Estado como cliente: interesses empresariais na coprodução

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APUNTES SOBRE LA MERCANTILIZACIÓN DE LA EDUCACION EN

ESPAÑA

Albert Sansano1

Presentación del tema

En el Estado español2 podemos hablar de una transición política que se inicia con

la muerte del dictador en 1975 y gira alrededor de la aprobación de la Constitución en

1978, sin embargo para el estudio de la influencia de las propuestas mercantilizadoras en

el desarrollo de la legislación educativa, no podemos dejar de lado los diferentes procesos

que se dan en las nuevas comunidades autónomas, con la aprobación de sus Estatutos de

Autonomía. Estos, de manera y plazos diferentes, marcarán su mayor o menor grado de

competencias en el sector educativo. No olvidemos que en algunas Comunidades

Autónomas, la recuperación de unas lenguas y/o culturas diferentes a la que se conoce

como “española”van a necesitarde procesos educativos diferenciados. En el caso del País

Valenciano, la fecha clave la hemos de situar en 1982, con la aprobación de su Estatuto

de Autonomía y por tanto, del desarrollo de normativas por la que se creaba, por ejemplo,

su Consejo Escolar Valenciano y la Llei de Ús i Ensenyament del Valencià (Ley de Uso

y Enseñanza del Valenciano).

Justificación y objetivos

El proceso mercantilizador en el Estado español unificaba al movimiento

conservador con el neoliberal privatizador, y la escuela pública ganaba o perdía derechos

según gobernara la derecha o el partido socialista (socialdemócrata). Se trataba de

comprobar, también, como el peso de las ideas mercantilistas del pensamiento neoliberal

era marcado por las políticas de la Unión Europea.

Durante los últimos años, la aparición de Plataformas unitarias de movimientos

sociales, asociaciones de madres y padres, sindicatos de estudiantes y profesorado, iban

a abordar importantes iniciativas de lucha en defensa de la Escuela Pública y de calidad.

1 1Licenciado en Ciencias de la Educación. Universidad de Valencia. Coordinador de la Secretaría

Ejecutiva del Consejo Internacional del Foro Mundial de Educación. 2 Incluimos el término Estado español y no España para remarcar su carácter plurinacional.

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Con el objetivo de aportar materiales para el debate y la organización de estos

movimientos, nos planteamos abordar el estudio de cómo influían las ideas mercantilistas

en aspectos como:la participación y la gestión, la libertad de creación de centros escolares

y el currículum.

Metodologia

Para ello, observaremos el desarrollo de la legislación educativa del Estado

español, la influencia de la European Round Table of Industrialists (ERT), las políticas

de la Unión Europea, el mundo editorial y el desarrollo de nuevas formas de mercado, así

como de la apropiación del lenguaje y otros campos de intervención de las ideas

mercantilistas.

Resultados y discusiones

El análisis, tanto de las leyes estatales como de la de algunas comunidades

autónomas, nos demuestra cómo desde la Ley Orgánica del Derecho a la Educación

(LODE)3 (1985) que se promulgó durante el primer gobiernosocialista y estableció el

actual sistema de subvenciones a los colegios privados, las ideas privatizadoras han ido

en aumento. Esto se debe, entre otras razones, a que tanto el actualpartido gobernante, el

Partido Popular, como el Partido Socialista, han seguidolas propuestas de la Unión

Europea y la influyente ERT. Y es que, según indica Nico Hirtt (2003) a los dirigentes de

la ERT, ya no les interesa que, la gran mayoría de las futuras trabajadoras y trabajadores,

adquieran un alto nivel de formación puntera en una u otra rama o especialidad. Ahora

necesitan a alguien flexible, dispuesto a modificar todo en su vida: horarios, jornadas y

turnos inhumanos y adaptables, es decir, que sea capaz de cambiar de empleo, las veces

que sea necesario durante su vida laboral.

Asimismo, podemos comprobar cómo lo nuevo no radica en que la escuela

pretenda ser privatizada, sino en las dinámicas que los gobiernos están dando a este

proceso de privatización escolar.

3 AGENCIA ESTATAL BOLETÍN OFICIAL DEL ESTADO. GOBIERNO DE ESPAÑA. Ley Orgánica

8/1985, de 3 de julio, reguladora del Derecho a la Educación.Disponible en

https://www.boe.es/buscar/doc.php?id=BOE-A-1985-12978

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Comprender esta dinámica es fundamental para poder pensar en el futuro de la

escuela pública, para poder construir mejores y más poderosas estrategias políticas para

defenderla y transformarla democráticamente.

Una primera tarea es entender cómo la privatización de la escuela públicaforma

parte de un proceso más amplio de reestructuración de la vida política, económica,

jurídica y cultural. Ello caracteriza el desarrollo capitalista contemporáneo que consisteen

el progresivo desmantelamiento del Estado como productor de bienes y servicios,y como

aparato institucional orientado a garantizar y promover los derechos de la ciudadanía.

Pero, una segunda tarea será observar, aun cuando la privatización constituye un

eslabón central del actual proceso de reestructuración capitalista mundial, la dinámica

que caracteriza a este proceso en el campo educativo pues posee una especificidad propia

que no puede ser confundida o reducida con la de otros campos productivos.

Esa especificidad está marcada por el mundo editorial y los medios de

comunicación que promueven el desarrollo de nuevas formas de mercado, así como la

aparición delmarketing en el mundo educativo.

También en las últimas décadas hemos podido ver como entraba en juego nuevos

campos de intervención de las políticas mercantilistas a través de la apropiación del

lenguaje. Así, nos hemos enfrentado a debates cuyo centro eranalgunas ideas que, hasta

ahora, formaban parte de las reivindicaciones de los movimientos sociales. Este sería el

caso, por ejemplo, de la descentralización y/o la municipalización de la educación, la

introducción de la informática y las Tecnologías de la Información y Comunicación (TIC)

o el debate sobre la gratuidad de los libros de texto.

Si nos centramos en la descentralización o la municipalización, Jurjo Torres

(2007) nos señala como este concepto obedece a varias dinámicas enfrentadas:por un

lado, desde posiciones ideológicas progresistas, la reivindican para conquistar mayores

niveles de democratización a través de la aproximación de la gestión del servicio, y por

otro, la que responde a las demandas de las fuerzas neoliberales que tratan de debilitar al

Estado, para que el mercado seael principal mecanismo de regulación social.

El debate queda abierto en torno a las estrategias para frenar las tendencias

mercantilistas en el Estado español, y así el proceso de convertir la red pública en

subsidiaria de la privada y, con ellosu desaparición en algunos lugares osu conversión en

verdaderos guetosallá donde sobrevivan.

Destacamos el desarrollo de campañas en defensa de la escuela pública a través

de diferentes plataformas conlos movimientos sociales. A través de ellasse han ido

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avanzando criterios para hacer efectiva su defensa: la exigencia de la eliminación de las

subvenciones educativas allí donde haya oferta pública es suficiente y la negativa al cierre

de unidades de la red pública mientras subsistan los conciertos.En definitiva, exigir que

la prioridad de la planificación educativa se haga efectiva teniendo en cuenta que es la

red pública la que puede y debe atender a toda la población. Asimismo la aparición de

una nueva izquierda política, resultado de las luchas de los movimientos sociales que

surgieron con el movimiento de l@sindignad@s o el 15M en 2011, está permitiendo por

medio de nuevas alianzas recuperar gobiernos locales y autonómicos que llevaban

décadas en manos de la derecha. Las medidas educativas que estos nuevos gobiernos,

dentro de sus competencias, están tomando, permiten albergar esperanzas de recuperación

del proceso vivido4.

Referéncias

HIRTT, N. Los nuevos amos de la escuela. El negocio de la Enseñanza. Madrid:Minor

Network, D.L., 2003

SANSANO, A. Educación y Colectivos Vulnerables: una asignatura pendiente. En

GAIRIN, J. ; PALMEROS, J. y BARRALES, A. (coord.) Universidad y Colectivos

Vulnerables.. Iztapalapa México D.F., Ediciones del Lirio, p. 31-45, 2014

SANSANO, A. Les ‘competències bàsiques’ o la trama oculta del neoliberalisme

educatiu. Allioli. Valencia, 207, p. 17, Octubre, 2007

TORRES, J.Educación en tiempos de neoliberalismo. Madrid: Ediciones Morata, 2007.

4 Para seguir este proceso ver la página del STEPV-iv, sindicato mayoritario de la educación en el País

Valenciano. http://stepv.intersindical.org

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ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO: REFLEXÃO DIALÓGICA SOBRE AS

CARACTERÍSTICAS DA UNIVERSIDADE

Shirlei Alexandra Fetter1

Raquel Karpinski Lemes2

Daniela Domingos Dias3

A universidade exerce o papel de extrema importância para a sociedade atual,

sendo um de seus propósitos o bem-estar coletivo da humanidade. Refletir sobre a sua

função possibilita-nos interpretar ações positivas, exigindo também a transformação da

nossa consciência e postura, numa transição da consciência ingênua para a crítica, como

propõe (FREIRE, 1992). Busca-se de posições, político e estrutural enquanto

possiblidade de acesso e permeância na mesma.

Quanto a isso, Santos (2011) diz que, nas últimas décadas, a universidade pública

vem sofrendo dois processos gradativos, os quais criam uma precariedade tangível no

sistema de ensino superior público, sendo eles a falta de investimento do Estado e a

mercantilização da Universidade de forma global. Ou seja, o ensino superior é uma

consequência gradual do processo que transforma a Universidade em espaço acessível

apenas para aqueles que possuem uma boa condição financeira. Então, o cidadão passa a

ser um consumidor e torna o ensino superior um serviço pago, como uma empresa

prestadora desse serviço. Como alternativa para melhorar essa situação, criam-se novas

instituições paralelas, sendo essas aparentemente alternativas às universidades, e, com

isso, abrem-se possibilidades para a iniciativa privada, permitindo que espaços sociais,

bem como de saúde, educação e cultura, sejam submetidos aos interesses do mercado,

que, muitas vezes, não possui o conhecimento técnico necessário (CHAUÍ, 2001).

O objetivo deste estudo é apresentar uma análise das referências teóricas relativas à

função exercida pela Universidade contemporânea. O estudo em questão se baseia em

fontes bibliográficas, as quais compreendem livros, periódicos científicos, teses e

dissertações. Adotou-se uma abordagem qualitativa com viés reflexivo. Nesse sentido, a

pesquisa qualitativa busca, segundo Lüdke e Menga (2013), desenvolver-se em situação

natural, rica em dados descritivos, tendo um plano aberto e flexível, e focalizando a

realidade de forma complexa e contextualizado. Os dados foram analisados a partir dos

1 Mestranda em Desenvolvimento Regional-Bolsista Capes. 2 Mestre em Educação. 3 Pedagoga.

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conceitos sobre a temática defendidos por autores específicos, sendo eles Chauí (2001),

Santos (2011) e Freire (1992), entre outros. A partir de diversas leituras, encontraram-se

subsídios teóricos necessários para que fosse possível desenvolver e analisar os dados

recolhidos.

O acesso à bibliografia foi feito de dois modos básicos: manualmente, que consistiu em

pesquisar diretamente nas obras de uso pessoal e eletronicamente disponíveis,

consultando em sites de revistas eletrônicas, disponibilizadas pelas Instituições de Ensino

Superior de todo país, os dados disponibilizados pela CAPES.

Sendo o ensino e a eeducação um direito de todos, conforme aponta a LDB-

9394/96, em seu Art. 3º, quando diz que [...] igualdade de condições para o acesso e

permanência [...], não obstante, Santos (2011) considere a década de 1980 e 1990 como

um período marcante nas Universidades, enquanto problemática, questiona-se 1) se a

Universidade favorece a todos esse acesso e permanência, bem como 2) para quem se

destina o acesso à Universidade pública na contemporaneidade?

Conforme Santos (2011), no período por ele citado, ocorreram dois importantes

processos. O primeiro foi o da perda do bem público, que passa a ser valorizado através

do capitalismo, induzindo a universidade pública a ultrapassar a crise financeira mediante

a geração de receitas próprias, nomeadamente através de parcerias com o capital,

sobretudo o industrial. Nesse nível, a Universidade pública mantém a sua autonomia e a

sua especificidade instrucional, privatizando parte dos serviços que presta. Boaventura de

Sousa Santos (2013) complementa, dizendo que a Universidade é criadora das condições

para a concorrência e para o sucesso no mercado do conhecimento, transformando-se, ela

própria, gradualmente, num objeto de disputa.

O segundo processo tende a eliminar a distinção entre universidades pública e

privada, transformando, conforme Santos (2011), a Universidade e seu contexto num

conjunto, “[...] numa empresa, uma entidade que não produz apenas para o mercado, mas

que se produz a si mesma como mercado” (p. 21), como um mercado educacional

universitário, de planos de estudo, de certificação, de formação docente, de avaliação. Há

que se pensar quais são os esforços realizados hoje para produzir bons resultados nos

processos enfrentados pela Universidade. Segundo Chauí (2001), hoje a Universidade

tem um papel que alguns não gostariam de desempenhar, mas que é determinante para a

sua existência: criar incompetentes sociais e políticos, fragmentar, limitar o conhecimento

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e impedir o pensamento, de modo a bloquear a tentativa concreta de decisão, controle e

participação intelectual.

Corroborando a ideia da autora, a educação, enquanto saber, “reforma” a universidade,

revelando que sua tarefa não é produzir e transmitir a cultura (dominante ou não, pouco

importa), mas treinar os indivíduos, a fim de que sejam produtivos para quem for contratá-

los. A Universidade adestra mão de obra e fornece força de trabalho (CHAUÍ 2001, p.

52). Ou seja, é encarada como lugar de adestramento de mão de obra para o mercado.

Deve gerar lucro social, como destaca Chauí (2001). Sabemos que a democratização do

ensino superior passa pelo acesso a toda população, deveria ser, portanto, um direito de

todos, já que somos cidadãos que contribuímos com recursos que deveriam ser revertidos

em favor do bem de todos.

Em síntese, a realidade é outra. Por vezes, só tem acesso à Universidade pública

as elites, ou quem tem condições de pagar cursos paralelos para entrar na Universidade.

A ideia de democratizar o acesso ao ensino superior compensa a lógica neoliberal, que

vai se incumbindo de formar, no consciente coletivo, a percepção de que este sistema é o

único meio de todos terem acesso à universidade. Não falamos aqui de uma

democratização em termos de quantidade, e, sim, de ser acessível a todos, acesso e

permanência, e, por vezes, a ideia de democratizar vai tornando o conhecimento uma

mercadoria que pode ser comprada e financiada.

Sendo assim, vivemos uma mercantilização do ensino superior, como expõe

Santos (2011, p. 27), sendo essa uma consequência gradual do primeiro processo, que

transforma a universidade em um serviço acessível apenas para aqueles que possuem uma

boa condição financeira, passando o sujeito a ser um consumidor, e tornando o ensino

superior num serviço pago, como uma empresa prestadora de serviço. Na sociedade, a

Universidade teria, para Chauí (2001), uma realidade extrassocial e outra política. Isto é,

estamos supondo que haja duas realidades e que precisamos saber como se relacionam.

O ensino superior passa a funcionar como uma espécie de variável flutuante do

modelo econômico, que ora é estimulada com investimentos, ora é desativada por cortes

de verbas, segundo critérios totalmente alheios à educação e à pesquisa, determinados

exclusivamente pelo desempenho do capital. E, por estar desprovida de toda e qualquer

função, torna-se um foco permanente de frustações e de ressentimentos, de modo que sua

falta de expressão política a encerra numa rebeldia potencial e sem futuro (CHAUÍ, 2001,

p. 52 e 53).

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A Universidade é uma instituição social, mas nosso país ainda vê a educação como

privilégio, considerando-a, assim, não como direito. Os órgãos competentes pecam pela

falta de investimentos adequados, os quais, muitas vezes, não são destinados à educação

e à população mais carente, tornando-se, assim, um dificultador da democratização do

ensino. A transformação deve estar pautada nas reflexões do dia a dia, no diálogo crítico

sobre as ações e tomada de decisões que têm relação com o bem comum. Como afirma

Freire (2014), a busca constante de nossa capacidade de refletir, dialogar e agir nos

possibilita acreditar na transformação das ideologias dominantes e nos posicionarmos

para manter os direitos de toda a população, entre eles a garantia do ingresso gratuito ao

ensino superior.

As dificuldades com que se defronta a Universidade são identificadas por Santos

(2013) como resultado das contradições entre as suas funções tradicionais e as que, ao

longo dos tempos, têm lhe sido atribuídas, representadas, de um lado, pela produção de

alta cultura, pensamento crítico e conhecimentos exemplares, científicos e humanísticos,

necessários à formação das elites, aos quais a Universidade se dedicava desde a Idade

Média. Do outro, a produção de padrões culturais médios e de conhecimentos

instrumentais, formação técnica, úteis para a mão de obra qualificada, exigida pelo

desenvolvimento e expansão do sistema capitalista.

Ao analisarmos a função social da Universidade, vemos que ela tem uma

significativa contribuição na construção do país, ou seja, na sua reconstrução. Mais

expressivamente, o que se entende é que a universidade não assumiu o seu trabalho. Ela

se encontra numa posição de oferecer seus ditos conhecimentos a uma necessidade

conteudista social, a serviço do capitalismo global. O que não devemos deixar de

enaltecer é a relação entre o ensino médio e a graduação, já que o aluno que vem de uma

realidade de escola pública, atendida pelo governo, tende a ser excluído nos processos de

seleção ao ingresso no mundo acadêmico público. Já os alunos de classes mais

favorecidas buscam, na escola privada, uma melhor qualificação, ou seja, é este o público

das universidades privadas. São jovens que, de certa forma, dedicam seu tempo

unicamente aos estudos. Sendo assim, a universidade deve passar por uma reforma,

colocando-se numa posição de relevância na reconstrução social do país, enaltecendo o

seu comprometimento social com seu público acadêmico. Afinal, epistemologicamente,

atuam nela mentes reflexivas e críticas, e a universidade não pode mercantilizar o

conhecimento.

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Assim, numa análise crítica, consideramos a democratização do conhecimento

universitário um meio de transformação da sociedade e, consecutivamente, de mudanças

nos sistemas econômicos e políticos que regem nosso país. Não será possível fazer algo

para alterar, ou frear, o processo de mercantilização da universidade pública sem antes a

sociedade sentir que ela lhe é também um direito.

Referências

BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto Secretaria de Educação Fundamental.

Lei n°9394/96. LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 1996.

<Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em:

08/10/17.

CHAUÍ, Marilena de Souza. Escritos sobre a Universidade. São Paulo: UNESP, 2001.

FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 36. Ed. rev. e atual. São Paulo: Paz e Terra, 2014.

_______. Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio

de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

LÜDKE, Menga. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. 2ª ed. Rio de Janeiro:

EPU, 2013.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A Universidade no século XXI: para uma reforma

democrática e emancipatória da universidade. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2011.

. Pela Mão de Alice: O Social e o Político na Pós Modernidade. 14ª ed. São Paulo:

Cortez, 2013.

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GOVERNANÇA CORPORATIVA NA POLÍTICA EDUCACIONAL:

REFLEXÕES INICIAIS

Rodrigo da Silva Pereira1

Apresentação da temática

A Nova Gestão Pública (NGP) é um programa que repousa na racionalidade

técnica oriunda das narrativas que buscam aplicar conceitos como a eficiência e a eficácia,

sob o ethos privado, na administração pública. De abrangência internacional os princípios

da NGP unificam ideias, discursos e ações que sustentam processos de redefinição do

papel do Estado, sobretudo, na ação provedora de políticas sociais, orientando um viés

regulador por meio de variadas estratégias que visam a adoção da lógica mercadológica

nas instâncias públicas (VERGER e NORMAND, 2015).

A NGP configura-se, então, como um conjunto de estratégias vinculadas ao atual

período histórico de desenvolvimento do capitalismo que vê no Estado e em suas políticas

sociais a origem das crises econômicas e preconiza uma administração gerencial de cariz

privada, advogando que esse referencial é proeminente em relação a administração

pública (EDUCAÇÃO e SOCIEDADE, 2015).

Justificativa e objetivos

Nesse contexto acentuam-se formas de privatização da educação pública que

seguem variadas estratégias de apropriação do fundo público por interesses privados-

mercantis que, em ultima instância, potencializam os lucros empresariais e fragilizam os

sistemas públicos de educação.

Este trabalho dialoga com pesquisa de doutorado concluída em 2016 e coteja

novas reflexões a partir de discussões e debates em espaços acadêmicos2. Na tese

investigamos a política de verificação/avaliação da OCDE, por meio do Pisa, para

educação básica pública brasileira, entre 2000 e 2015. Nos resultados identificamos que

dentre as formas de atuação da OCDE há um processo que denominamos como tríplice

1 Doutor em Educação (UnB). Professor Adjunto na Faculdade de Educação da UFBA. Contato:

[email protected] 2 Trabalhos sobre a temática foram discutidos no simpósio da ANPAE em João Pessoa e no V Encontro da

FINEDUCA, ambos em 2017

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governança da política educacional que coloca na mesma mesa governos nacionais,

organismos internacionais e setores empresarias na formulação de políticas que incidem

diretamente na gestão educacional. Este ensaio tem como objetivo estabelecer primeiras

reflexões afim de aprofundar como se conforma esse tipo de governança.

Metodologia

As contribuições de Ball e Youdell (2007) apontam um processo de formas de

privatização acobertada que muitas das vezes passam desapercebidas da dinâmica de

formulação e implementação da política educacional. Os autores alertam para três formas:

privatização endógena, privatização exógena e privatização da política. Neste ensaio nos

atemos à terceira forma que refere-se ao processo de participação direta e indireta de

representantes do setor empresarial-privado na formulação das políticas educacionais.

Buscamos explorar esse processo a partir do documento do Centro de Debates de

Políticas Públicas3 (CDPP) formulado para incidir no processo eleitoral de 2014 e

disputar a agenda de políticas públicas do país. Nossa análise partiu da perspectiva de que

os documentos dos organismos internacionais, do aparelho do Estado, de organizações

nacionais e de outros atores expressam uma determinada visão de mundo, de homem, de

história, de presente e de futuro, “não apenas expressam diretrizes para educação, mas

articulam interesses, projetam políticas, produzem intervenções sociais” (Evangelista,

2012, p.52).

Além desse referencial teórico-metodológico procuramos identificar os principais

sujeitos envolvidos na elaboração do referido documento entendendo que não se trata de

personalizar o debate, mas de que os intelectuais – na perspectiva de Gramsci (1991) –

formam um corpo político-teórico e buscam, por intermédio de suas produções,

representar interesses hegemônicos das classes que se originam e/ou representam,

configurando-se como intelectuais orgânicos.

Resultados e discussões

3 Segundo seu relatório anual de 2014, o “Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP) é uma organização

sem fins lucrativos, independente e apartidária que se dedica a estudar e debater questões relacionadas aos

temas de economia brasileira e internacional; o papel do Estado, democracia e desenvolvimento; entre

outros como educação; segurança pública e desenvolvimento urbano. (CDPP, 2014a, p.2).

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Estudo da Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (CLADE, 2014)

caracterizou o que Ball e Yodell (2007) denominam de privatização da política como

governança corporativa. Essa categoria já é extensamente utilizada nos meios empresarias

e replicada por organismos internacionais.

Com base nos resultados do Pisa, a OCDE difunde o que chama de

“melhores práticas” de governança como um novo modelo de gestão no Estado

capitalista, que assume múltiplas feições em consonância com as determinações do

sistema. Algumas das características desse modelo são: a) terceirização e privatização dos

serviços/setores públicos, b) gestão por resultados, c) eficiência e eficácia do setor

privado como parâmetros para o setor público, e d) prestação de contas e

responsabilização como instrumentos de vigilância, regulação e financiamento das

políticas sociais. Para OCDE:

Recentemente, um número cada vez maior de sistemas educacionais

nos países da OCDE e países parceiros tem recebido de bom grado o

envolvimento com entidades privadas, inclusive associações de pais,

organizações não governamentais e empresas comerciais, para financiar

e administrar as escolas [...] Nos países em que as escolas privadas

recebem mais recursos públicos, a diferença entre os perfis das escolas

públicas e privadas é menor [...]. Há muitas formas de oferecer recursos

públicos para escolas privadas. Uma delas é por meio de bolsas que

atendem diretamente aos pais. (OCDE/Pisa em Foco, 2012, n. 20, p.1-

3)

Ocorre que entre as recomendações dos organismos internacionais e a

implementação da política em âmbito nacional há um conjunto de mediações que incidem

diretamente nas características de determinadas inciativas. Nesse sentido, a análise dessas

mediações é fundamental para compreensão do todo. Aqui destacamos o papel dos

intelectuais orgânicos do capital por meio dos aparelhos privados de hegemonia – na

gestão e formulação de políticas do Estado.

Em 2014 vem à baila o documento “Sob a Luz do Sol: uma agenda para o Brasil”

(CDPP, 2014b). O documento reúne uma coletânea de artigos de intelectuais orgânicos

do capital, dentre eles, Joaquim Levy, diretor financeiro do grupo Banco Mundial e ex-

Ministro da Fazenda do Brasil e Naércio Menezes, coordenador do Centro de Políticas

Públicas (CPP) do Insper4. A esse último dirigimos, neste trabalho, a atenção, pois é o

responsável pelas proposições de políticas educacionais.

4 Segundo seu website o Insper é uma instituição de ensino e pesquisa, sem fins lucrativos e tem origem

em transações financeiras do IBMEC – Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais.

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Em uma de suas partes o documento do CDPP (2014b) debruça-se na “proposta

para melhorar a qualidade da educação”, dentre elas destacamos a proposição do

Programa de Incentivo à Efetividade (PIE). O PIE ao propor

um currículo nacional mínimo dialoga com a perspectiva de enxertar

nos conteúdos os interesses do mercado e da produtividade, para regular

e fiscalizar esse processo se utilizam das “avaliações” em larga escala,

com os resultados dessas disciplinam o financiamento da educação, do

trabalho e remuneração docente e buscam justificar a transferência de

recursos públicos para iniciativa privada via gestão compartilhada das

escolas sob a administração de organizações sociais do terceiro setor

(Pereira, 2017, p.5).

Nossa atenção agora recai sobre o intelectual orgânico formulador de tais

proposições, entendendo-as como resultantes de um acumulo coletivo do meio social no

qual ele está inserido e representa. Naércio Menezes é coordenador do Centro de Políticas

Públicas (CPP) do Insper, professor Titular da Faculdade de Economia e Administração

da Universidade de São Paulo, Consultor da Fundação Itaú Social e colunista do jornal

Valor Econômico. A consulta ao currículo Lattes desse intelectual nos revela que sua

principal atividade (40h) se dá na coordenação do CPP do Insper. O relatório de atividades

do CPP em 2016 destaca que grande parte de suas ações foram concentradas na área de

educação, divididas em três núcleos, a saber: Núcleo Ciência Pela Infância; Núcleo

Ciência para Educação; e Núcleo de Pesquisa da Gestão Educacional.

O CPP parece ser produto de uma rede de fundações empresarias que atuam no

processo de formulação e privatização da política educacional. Buscamos então mapear

a rede de instituições que financiam o Insper e suas pesquisas. A figura 1 mostra o

mapeamento inicial.

Fonte: www.insper.edu.br. Elaboração do autor.

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O mapeamento inicial demonstra que o Insper é financiado por um conjunto de

empresas que, em sua maioria, participam do Grupo de Instituições e Fundações

Empresarias (GIFE), aparelho privado de hegemonia que busca dar organicidade aos

processos de investimento social privado dirigido aos objetivos de maior lucratividade

das empresas que o fazem (Adrião, 2017). Nesses termos concordamos com Croso e

Magalhães (2016) quando afirmam que a centralidade da extração de lucros contradiz

com o direto à educação.

O fato de um intelectual diretamente ligado ao Insper que coordena o CPP ser

autor de proposições que buscam alterar significativamente as formas de financiamento

e gestão da educação pública nos dá pistas de como o processo de privatização da política

percorre as entranhas da educação pública brasileira.

Algumas considerações

Essas primeiras reflexões nos levam à compreensão de que uma das dimensões da

governança corporativa/privatização da política, que outrora denominamos tríplice

governança, se materializa num processo “acobertado” no qual os intelectuais orgânicos

do capital dão forma e conteúdo aos interesses do atual ciclo de desenvolvimento das

forças produtivas com discursos e roupagens que dissimulam essa intencionalidade

escondendo-se atrás do enunciado da “melhoria da qualidade da educação”.

Tomamos como exemplo a rede financeira-empresarial que dá sustentação às

atividades do Insper e do CPP, que é coordenado por um intelectual orgânico que formula

política educacional e tenta incidir na agenda pública brasileira a partir dos critérios e

fundamentos da Nova Gestão Pública.

Referências

ADRIÃO, T. A privatização da educação básica no Brasil: considerações sobre a

incidência de corporações na gestão da educação pública. In.: ARAÚJO, R; PINTO,

J.M.(Orgs.). Público x Provado em tempos de Golpe. São Paulo: Fundação Lauro

Campos, 2017.

BALL, S.; YODELL, D. Privatización encubierta en la educación pública, Internacional

de la Educación. Bruselas, 2007.

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197

CAMPANHA LATINO-AMERICANA PELO DIREITO À EDUCAÇÃO (CLADE).

Mapeo sobre Tendencias de la Privatización de la Educación en América Latina y el

Caribe. São Paulo: CLADE, 2014.

CROSO, C; MAGALHÃES, G.M. Privatização da educação na América Latina e no

Caribe: Tendências e riscos para os sistemas públicos de ensino. In: Educ. Soc.,

Campinas, v. 37, no. 134, p.17-33, jan.-mar., 2016.

CPP. Relatório de Atividades 2016. Disponível em

https://www.insper.edu.br/cpp/anuario/. Acesso em 13/10/2017.

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198

IMPLICAÇÕES DO ESCOLA SEM PARTIDO PARA A EDUCAÇÃO PÚBLICA

Paula Valim de Lima1

Introdução

O presente trabalho tem como objetivo identificar e analisar as implicações do

Escola sem Partido (ESP), para a democratização da educação pública brasileira. A

perspectiva teórico-metodológica que embasa esta pesquisa passa pela compreensão de

que a política educacional é parte constitutiva das mudanças sociais e econômicas em um

processo de relação em que Estado e sociedade civil são partes constitutivas do

movimento de correlação de forças (GRAMSCI, 1982) entre sujeitos (THOMPSON,

1981), perpassados por projetos societários distintos. Nesse sentido, trabalhou-se com a

categoria analítica “conteúdo da proposta”, sendo esta expressão utilizada para

compreender qual a concepção, qual a lógica que se insere na educação pública por meio

das diferentes propostas apresentadas para a educação por diferentes sujeitos, interferindo

tanto na escola quanto na formulação da política educacional.

Ainda, se coloca a necessidade de analisar o objeto da pesquisa “em suas múltiplas

relações, enquanto movimento, que se materializa na realidade social com muitas

contradições, através de sujeitos com projetos societários distintos” (PERONI, 2015, p.

16-17). É preciso examinar o objeto de estudo considerando o espaço e o contexto

histórico que o produziram, partindo do pressuposto de que a política educacional não é,

simplesmente, determinada pelas mudanças que estão ocorrendo na redefinição do papel

do Estado, mas é parte constitutiva dessas mudanças.

A escola proposta pelo ESP

Para analisar as proposições do ESP, é preciso retomar os principais elementos

que compõem o corpo da proposta do movimento, que se atravessam de diferentes formas,

mas que tem sentidos próprios entre si. Para iniciar a conversa, o coração do ESP: o

combate à doutrinação política e ideológica. De início, o movimento elege a doutrinação

como o grande mal da educação, a qual afirmam ser conhecida por experiência de todos

que passaram pelo sistema de ensino nos últimos 20 ou 30 anos – vale destacar:

1 Graduada em Pedagogia pela UFRGS, membro do Grupo de Pesquisa Relação entre o Público e o

Privado na Educação (GPRPPE/UFRGS). E-mail: [email protected]

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justamente o período de abertura democrática pós-ditadura no Brasil. De todo modo,

ainda que a doutrinação seja o foco do movimento, sua definição não é claramente

explicitada em nenhum momento, sendo um termo amplo e bastante genérico, que gera

uma interpretação vaga e bastante relativa. A partir de uma leitura dos diferentes materiais

produzidos pelo movimento, entende-se que o contraponto à doutrinação seria uma

prática conteúdista e tecnicista, em que professor atua como simples reprodutor de

conhecimentos estanques, produzidos em um outro espaço, desconectados da realidade

(PENNA, 2016).

Alia-se a isso a ideia de neutralidade proposta pelo movimento, entendida como

a negativa da possibilidade de o professor emitir sua opinião sobre os conteúdos que

ensina, esvaziando também a possibilidade de interpretação crítica sobre qualquer tema,

tornando alienados o trabalho docente e a aprendizagem (Ximenes, 2016). De certo modo,

o ESP opera com o antagonismo neutralidade X ideologia, especialmente no que diz

respeito às concepções políticas e morais, sem considerar as discussões no campo da

educação que há muito chegaram ao lugar-comum de que não existe neutralidade na

educação ou educação livre de ideologia.

Acompanhando a falsa noção de neutralidade, entra um aspecto chave da leitura

da proposta do movimento: a censura. Isso principalmente a partir da interpretação do

movimento de que os professores não tem assegurado o direito da liberdade de expressão

e que esta seria incompatível com a liberdade de ensinar, uma vez que a liberdade de

expressão daria ao professor o direito de dizer qualquer coisa sobre qualquer assunto e

que este não é o caso, pois os professores tem a obrigação de transmitir aos alunos o

conteúdo específico da sua disciplina. É certo que não há uma liberdade absoluta no

ensino. Miguel (2016) explica que a liberdade de expressão do professor assume a forma

de liberdade de cátedra – liberdade para escolher o caminho que julga melhor para a

promoção da formação de seus alunos, assim como é garantido como princípio da

educação nacional o pluralismo não só de ideias, mas de concepções pedagógicas.

Portanto, “a liberdade de expressão do professor não é uma irresponsabilidade; ao

contrário, é uma necessidade de sua responsabilidade profissional” (MIGUEL, 2016, p.

614).

Sobre isso, Girotto (2016) considera que a interdição dos discursos dos

professores é fruto da tentativa de controlar o que fazem cotidianamente nas suas salas de

aula e de redução do trabalho docente à sua dimensão técnica, pois

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Ao definir os conteúdos, conceitos, metodologias e ações que os

docentes e discentes devem desenvolver [...], difundem-se visões de

mundo, conhecimentos, valores e perspecivas que representam os

interesses de determinados grupos econômicos, em detrimento da

pluralidade que deve estar na base de toda prática educativa

(GIROTTO, 2016, p. 72).

Fica evidente que a disputa do ESP se trava no campo curricular e atravessa todos

os espaços da educação. Isso porque o movimento pretende direcionar o currículo,

selecionando os temas que podem ou não ser apresentados nas salas de aula e, com isso,

neutralizar o trabalho do professor.

Isso se aplica na relação entre as famílias e as escolas. O movimento ESP traz

consigo a condição da soberania da família sobre a escola em tudo que se relaciona às

questões morais e ideológicas. Essa noção, da primazia da família sobre a escola, se

vincula à imposição das vontades privadas contra o interesse comum e é daí que vem a

necessidade do ESP de garantir uma educação escolar ideológica e moralmente neutra,

que não intervenha em assuntos que, do seu ponto de vista, devem ser restritos ao âmbito

privado. Mas “essa é uma proibição completamente absurda, pois impediria a construção

dos valores necessários a uma convicência democrática e o combate a toda forma de

valores preconceituosos” (PENNA, 2016, p. 52).

Ainda que se pretenda aplicar esse pressuposto sobre todos os assuntos pautados

em sala de aula, fica evidente que a maior preocupação em relação à educação moral das

crianças reside no que os conservadores vieram a chamar de “ideologia de gênero”, não

a toa que existem artigos em todos os PLs ou trechos nas justificações que pautam a moral

sexual. A necessidade de combater a “ideologia de gênero” parte do pressuposto que

dialogar sobre as diferentes possibilidades de expressão do gênero e da sexualidade não

somente abre espaço, como incentiva à subversão dos arranjos familiares tradicionais

considerados pelos conservadores como “naturais, de origem divina e indispensáveis à

reprodução da vida social” (MIGUEL, 2016, p. 598). Limitar essa discussão, entretanto,

acarreta no impedimento do combate ao preconceito e a intolerância e da disseminação

de valores de igualdade e respeito às diferenças e, ainda, da própria reflexão dos

indivíduos sobre sua própria sexualidade, reforçando o ideal da heteronormatividade, sem

espaço para diferentes expressões de gênero e sexualidade.

A “escola sem partido” no cenário atual

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201

De certo modo, o ESP se mostra coerente e em conssonância com diversos outros

projetos que vêm sendo apresentados no parlamento brasileiro neste último período,

demonstrando um esforço de consolidação da escola como um espaço que sirva

[...] ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal

necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital,

como também gerar e transmitir valores que legitimam os interesses

dominantes, como se não pudesse haver nenhuma alternativa à gestão

da sociedade (MÉSZÁROS, 2008, p.35).

É daí que aparece a necessidade, por parte do sistema capitalista e em prol da sua

manutenção, de “internalização” de determinados valores por parte dos indivíduos, de

modo que estes adotem pra si as metas de reprodução do sistema. De certa forma, é a isso

que tem servido a educação escolar nos últimos séculos, cumprindo o papel de “produzir

tanta conformidade ou ‘consenso’ quanto for capaz, a partir de dentro e por meio dos seus

próprios limites institucionalizados e legalmente sancionados” (MÉSZÁROS, 2008, p.

45).

A educação, nesse sentido, se apresenta como um campo importante na correlação

de forças por projetos societários distintos, porque ela pode subsidiar, a um só tempo,

duas coisas opostas: a transgressão à ordem social vigente, ou a sua manutenção,

especialmente neste período particular de crise do capitalismo.

Uma vez que o ESP se mostra comprometido com os interesses do capital, é

possível verificar que o combate à doutrinação política e ideológica proposto pelo

movimento nada mais é do que o combate a uma educação comprometida com a

democracia, com a emancipação humana e com a formação de sujeitos conscientes do seu

papel social. O objetivo final do movimento é romper com a possibilidade de construção

de uma educação vinculada às questões e valores sociais, políticos e culturais existentes

na diversidade, e que possibilitam o exercício de uma prática democrática na escola a

partir de mecanismos de intervenção e participação coletiva estabelecidos através do

princípio da gestão democrática, substituindo-a por uma educação sem espaço de

participação, que promova a preservação acrítica do sistema capitalista e,

consequentemente, das suas desigualdades.

Considerações finais

Finalmente, pode-se dizer que o projeto educativo defendido pelo ESP implica na

educação nacional em três dimensões: a) do trabalho docente, que passa a ser censurado

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202

e constantemente vigiado, perdendo sua dimensão social de formação para a cidadania,

para a diversidade e para o convívio social; b) do currículo escolar, que também se esvazia

do sentido social, ficando reduzido a uma lista de conteúdos e conhecimentos,

supostamente neutros, desvinculados da realidade social, política, econômica e cultural

em que se insere; e c) da função da escola na constução de valores democráticos e

exercício da cidadania e da criticidade.

É bastante evidente, a partir da análise, que o ESP é um movimento

essencialmente contraditório à democracia e à democratização da educação, pois esgota

a possibilidade de diálogo – tanto dentro da escola, como fora dela, quando silenciam os

sujeitos da educação na elaboração de políticas educativas. Além disso, a proposta do

movimento impede a expressão da diversidade, negando o caráter heterogêneo do espaço

escolar, do qual fazem parte sujeitos oriundos de diferentes espaços, com diferentes

formas de ler o mundo e hierarquiza os sujeitos, de acordo com sua função ou lugar na

escola, em especial no que diz respeito à relação professor/estudante e família/professor.

O ESP impede a construção de valores democráticos no espaço escolar,

certamente porque representa interesses de outras ordens, em especial os interesses do

capital, em promover uma educação que dê conta de produzir conformidades e consensos

(MÉSZÁROS, 2008) que o favoreçam, por reconhecer que a educação democrática,

emancipatória, crítica e questionadora é uma ferramenta potente para a trangressão à

ordem social vigente.

Referências

GIROTTO, Eduardo. Um ponto na rede: o “Escola sem Partido” no contexto da escola

do pensamento único. In: A ideologia do movimento Escola sem Partido: 20 autores

desmontam o discurso. Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação (Org). São

Paulo: Ação Educativa, 2016.p. 69-76.

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XIMENES, Salomão. O que o direito à educação tem a dizer sobre o Escola sem Partido.

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204

IMPLICAÇÕES DO PROCESSO DE AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL DAS

INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA: O QUE DIZ O

SINAES

Rafael Martins Sais1

Introdução

Refletir sobre o processo de avaliação das Instituições de Educação Superior

brasileira é também refletir sobre as grandes implicações que são geradas a partir da

discussão na forma de oferta e financiamento da educação superior no país e alcançam os

limites como de quem é a responsabilidade pela formação em nível superior na atualidade.

Alguns autores, dentre eles Leite (2002) argumentam que a Avaliação utilizada como um

instrumento de controle carrega a força e o poder econômico das Universidades

historicamente.

O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), amparado na

lei 10.861 de 14 de Abril de 2004 e em legislações posteriores foi criado com o objetivo

de:

Assegurar o processo nacional de avaliação das

instituições de educação superior, com a finalidade de

promover a melhoria da qualidade do ensino superior,

orientar a expansão de sua oferta, aumentar sua eficácia

institucional e efetividade acadêmica e social e,

especialmente, promover o aprofundamento dos

compromissos e responsabilidades sociais das instituições

de educação superior, por meio da valorização de sua

missão pública, da promoção dos valores democráticos, do

respeito à diferença e à diversidade, da afirmação da

autonomia e da identidade institucional (BRASIL, 2004).

Sob o argumento de assegurar a qualidade dos processos e as pressões existentes

sobre os controles regulatórios é que o SINAES se estabelece como política de Avaliação,

principalmente como Política de Avaliação da Educação Superior olhando

simultaneamente para “Processos” e “Instituições” através da própria estrutura interna do

Ministério da Educação (MEC), da Comissão Nacional de Avaliação da Educação

Superior (CONAES), do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira (INEP) cujas competências foram reforçadas e ressignificadas pelo aparato

burocrático do Estado através da lei 9.448 de 14 de março de 1997, da lei 9.394 de 20 de

1 Administrador na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), Mestre em Gestão Educacional.

[email protected]

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205

dezembro de 1996 e da lei 10.861 de 14 de abril de 2004 que, simplificadamente, no que

se refere a Avaliação da Educação Superior, buscam construir a lógica da Avaliação de

Instituições e Cursos; Os elementos basilares para o processo de Credenciamento de

novas instituições e autorização de cursos e, ainda, o Exame Nacional de Avaliação

Desempenho dos Estudantes.

A proposta do SINAES compreende a necessidade das IES passarem por um ciclo

completo de avaliação. Esse ciclo envolve os três pilares do Sistema, ou seja, a avaliação

institucional, a avaliação de cursos e a avaliação de desempenho dos estudantes. No

entanto, o ciclo desse Sistema não pode ser considerado como uma dinâmica linear. Cada

pilar compreende vários estágios e atuações que se diferem em cada IES. Na verdade,

segundo Polidori (2009, p.446), este é um dos grandes princípios do SINAES: "respeitar

as diferenças e as especificidades de cada IES".

Nossa analise, neste trabalho, busca compreender essas lógicas e contradições

dentro da Avaliação das Instituições de Educação Superior (IES). Logo, tomamos como

ponto de partida que os diferentes formatos organizacionais: Faculdades, Centros

Universitários e Universidades, mantidas por diferentes arranjos institucionais como

públicas (federais, estaduais ou municipais), privadas (visando ou não o lucro) e a recente

classificação de comunitárias prevista pela lei 12.881 de 12 de novembro de 2013 não

qualificam-na como sistema principalmente as públicas enquanto Regulador e

Controlador.

Sobre a configuração da Avaliação Institucional, diz a CONAES (2004, p.17):

O processo de avaliação institucional, em sua dimensão

interna e externa, não pode projetar sobre as IES um

modelo externo e abstrato de qualidade institucional. Na

concepção do SINAES, cabe às próprias instituições gerar

um modelo institucional nos termos de sua missão e, a

partir dele, deve ser avaliada a instituição real. No seu

desenho institucional, o SINAES supõe a articulação de

diferentes órgãos coordenadores e executores do processo

avaliativo e instâncias internas das Instituições de

Educação Superior. A implementação [...] será uma

responsabilidade compartilhada por todos os agentes

envolvidos com educação superior no País, seja no

governo, seja nas instituições, seja na sociedade em geral.

Com esse cenário mudando profundamente e de importantes transformações no

jogo de poder a Avaliação, no contexto da expansão do setor educacional privado e de

alterações na lógica de ensino assumem um papel muito importante. Segundo Dias

Sobrinho (2010) a avaliação, de modo consequente, é levada a cumprir papel central na

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206

funcionalização econômica da educação superior, nos conceitos e metodologias mais

apropriados ao mercado, especialmente nas funções operacionais e pragmáticas de

capacitação técnica para os empregos do mundo do trabalho do que aos propósitos

educativos de formação humana integral.

Para Leite (2002) e Sá (2009) discorrem em seus estudos que as razões deste

interesse pelas questões da avaliação educacional em geral, e da avaliação institucional

em particular organizam-se em torno de uma pluralidade de eixos estruturadores filiados

em lógicas e racionalidades em tensão, uns mais vinculados às preocupações com o

controle, outros mais sintonizados com uma agenda emancipatória.

Neste mesmo sentido, com a supremacia da visão neoliberal e as consequências

políticas de diminuição da presença do Estado nos financiamentos públicos, os exames

gerais ganharam importância como instrumento de controle e reforma. Segundo Dias

Sobrinho (2010) um modelo de avaliação como controle de resultados e informações aos

“clientes” contrapondo a expansão da autonomia e a eficiente gestão de Instituições e

Cursos.

Justificativa

Nossa escolha por esse trabalho/recorte é fruto da Dissertação de Mestrado do

primeiro autor que buscou compreender as aproximações entre a Avaliação e

Planejamento dentro dessa “nova” dinâmica da educação superior brasileira.

Em nosso entendimento essas dinâmicas da Avaliação Institucional acabaram

emergindo por aproximarem-se muito com as dinâmicas estabelecidas para a Gestão

Pública brasileira na administração do então presidente Fernando Henrique Cardoso

(1995-2003). O principal marco legal desta mudança, também expressa como “mudança

de paradigma” foi expresso no Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado que

pretendia no curto prazo, facilitar o ajuste fiscal e, no médio prazo, tornar mais efetiva e

moderna a administração pública, voltando-se para o atendimento ao cidadão. Conforme

apontam alguns estudos essa mudança de paradigma foi entendida como a introdução da

Nova Gestão Pública (MARE, 1995).

Metodologia

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A pesquisa foi construída sobre a natureza de uma pesquisa qualitativa. Como

Godoy (1995) acreditamos que a pesquisa qualitativa não procura enumerar e/ ou medir

os eventos estudados, nem empregar instrumentos matemáticos na análise dos dados. Para

a autora o importante é partir de questões ou focos de interesses amplos, que vão se

definindo à medida que o estudo se desenvolve. Inclui a obtenção de dados descritivos

sobre lugares e processos interativos pelo contato direto com a situação estudada,

procurando compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos sujeitos.

A primeira parte deste estudo foi conduzida como um “Estado da arte”, na qual

chamamos, metodologicamente, como um estudo bibliográfica-documental identificando

grandes trabalhos sobre esse assunto já publicados como os de autoria de Denise Leite

(2002; 2005), José Dias Sobrinho (2000; 2002; 2010), Virginio Sá (2000; 2009), Dilvo

Ristoff (2000; 2006) e outros. Segundo Lakatos (1992, p. 44) a pesquisa bibliográfica

permite compreender que tanto a pesquisa de laboratório quanto à de campo

(documentação direta) exigem, como premissa, o levantamento do estudo da questão que

se propõe a analisar e solucionar. Logo, a pesquisa bibliográfica pode, portanto, ser

considerada também como o primeiro passo de toda pesquisa científica.

No segundo momento da pesquisa tomamos como ponto de partida os

documentos, um estudo do tipo “documental” olhando especificamente para o critério

regulatório que a Avaliação busca construir com esse modelo, olhando as legislações

(leis, decretos, Portarias, Instruções Normativas e o instrumento de avaliação institucional

externa) e tentando compreender seus processos, analisando-os do ponto de vista de uma

pesquisa documental. De acordo com Gil (2002, p.62-63), a pesquisa documental

apresenta algumas vantagens por ser “fonte rica e estável de dados”: não implica altos

custos, não exige contato com os sujeitos da pesquisa e possibilita uma leitura

aprofundada das fontes disponíveis.

Discussões e Resultados

Percebemos que o SINAES foi um modelo bem interessante na medida em que os

modelos anteriores não possuíam a mesma dinâmica estabelecida por esse sistema e, de

certa forma, organiza muitos dos processos que ora eram realizados isoladamente. Nossas

primeiras conclusões são desta busca, dentro do sistema, que permitisse as IES evitarem

o isomorfismo institucional.

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A busca por um modelo de educação que alcança IES públicas e privadas através

de um modelo único que não faz distinção entre as fontes de financiamento mostram-se

muito importante para ser problematizado. De um lado essa forma de entendimento que

coloca em igualdade colocam no Estado a responsabilidade de ser, ao mesmo tempo,

regulador (de todas as IES) e mantenedor (das Instituições Federais de Educação Superior

públicas).

Percebemos que essa intencionalidade de construção do sistema afeta as

instituições públicas tanto em questões limitadoras de atuação dos Gestores Públicos

quanto a possibilidade (limitações) aos critérios de eficiência como mão de obra e

capacidade de investimento limitadas a capacidade de investimento estabelecida pelo

Estado.

Referências

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da Educação Superior – SINAES e dá outras providências. Diário Oficial da República

Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF. Disponível em:

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210

LAS ALIANZAS ENTRE ESTADO Y EMPRESAS PARA LA MEJORA DE LA

EDUCACIÓN EN ARGENTINA A PRINCIPIOS DEL SIGLO XXI: DE LA

FILANTROPÍA A LA INCIDENCIA SOBRE LA POLÍTICA EDUCACIONAL

Laura Roberta Rodríguez1

El trabajo comunica los avances de una investigación desarrollada por docentes

del Equipo de Política Educacional en el Departamento de Educación de la Universidad

Nacional de Luján (Argentina), cuyo objeto es identificar y caracterizar la forma y

contenido de las alianzas públicoprivadas en educación, los cambios en las fronteras entre

lo público y lo privado en la política educativa, y sus consecuencias para la

democratización de la educación pública en Argentina en las décadas recientes. En el

espacio heterogéneo de agentes reconocidos como “Tercer Sector”, la investigación se

centró en empresas privadas que desarrollan acciones de filantropía y Fundaciones

Empresarias, para construir una "cartografía social" (Ball, 2008) (Ball, 2011) de las

actividades y alianzas entre esos actores y diversos niveles del Estado argentino en el

campo de la educación, potenciadas por la difusión de concepciones de "empresa social"

y "responsabilidad social empresaria". Este proceso fue liderado por organizaciones

privadas que contribuyeron con su acción pedagógica a la incorporación de modelos de

elaboración y gestión de políticas, de organización social y de valores culturales, como

por ejemplo organismos de financiamiento (Banco Mundial, BID), agencias

internacionales (UNESCO, OEA, OECD), think tanks y universidades, que promovieron

estas concepciones y políticas con diferentes matices y propuestas (Luna & Serrano,

1995) (Luna, 1997) (Gallup - UdeSa, 1998) (Austin, Herrero, & Reficco, 2004) (Austin

J. E., 2000) (Licha, 2002) (SEKN, 2005 y 2006) (GDFE, 2009) (Leidi et al, 2012)

(Pinkasz, 2012) (SITEAL-SIPI, 2013) (Langan, 2016).

Luego de un primer relevamiento exploratorio, se seleccionaron dos casos cuyas

características resultaron pertinentes para los objetivos de la investigación, los que se

profundizarán en la siguiente etapa del proyecto. Se trata de acciones dirigidas a la

educación pública, desarrolladas por dos Fundaciones de grandes empresas de origen

nacional, creadas en dos momentos históricos diferentes (1960 y 1990), y con distintas

trayectorias en el campo de la filantropía. El primero de los casos es el llamado "Programa

Sembrador", componente de otro más amplio, el Programa de Educación Rural,

desarrollado desde 1974 por la Fundación Bunge y Born (creada por un grupo inversor

1 Mg en Política y Gestión de la Educación - Departamento de Educación / Universidad Nacional de Luján.

Correo electrónico: [email protected]

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211

argentino de la industria agropecuaria y la alimentación con base en la tradicional

empresa "Molinos Rio de la Plata"); el Programa atravesó por varias etapas: durante algo

más de treinta años, se centró en la donación de útiles escolares, hasta que en 2008 se

amplió para incorporar la oferta de cursos a distancia para maestros (enseñanza de la

lecto-escritura, ciencias naturales, matemática y lengua) becas para cursos presenciales

sobre gestión escolar dirigidos a directores y supervisores, y acciones de acompañamiento

a escuelas técnicas rurales para la Certificación ISO-9001 (esto último, a partir de 2006).

Estas acciones se desarrollan legitimadas por convenios, cartas de intención o

auspicios de los ministerios de educación nacional y provinciales (Córdoba, Buenos

Aires), conformando una verdadera alianza públicoprivada. La otra experiencia es la del

denominado "EduCómetro", apoyada por la Fundación Arcor (fundación de una empresa

industrial de alimentos con proyección regional). El EduCómetro es producto de una

alianza con una organización privada, el CEADEL, (Centro de Apoyo al Desarrollo

Local), fundado en 1986 por "expertos" en la problemática de la pobreza, el desarrollo

local, la infancia y adolescencia, vinculados a UNICEF, ILPES /Chile y CIDES/ OEA2.

Desde 2009, Fundación Arcor promueve la aplicación del EduCómetro como herramienta

diagnóstica para relevar y valorar las "oportunidades educativas comunitarias" en el nivel

municipal, con la finalidad de diseñar intervenciones en pro del derecho a la educación

de niños y jóvenes. La aplicación implica alianzas con más de diez Municipios en las

provincias de Córdoba, Catamarca, Buenos Aires y Tucumán, y el apoyo de otras

fundaciones empresarias con actividad en la respectiva región de influencia.

El análisis de los dos casos mencionados permite sustentar dos hipótesis. La

primera postula que se estaría produciendo una transformación de los objetivos,

contenidos y forma de las acciones de empresas y fundaciones empresarias en temas de

educación, en el sentido de una creciente intervención en el corazón (y no solamente en

la "periferia") del sistema educativo. Esta transformación estaría doblemente reflejada por

la preeminencia que adquiere el objetivo de incidir en la política educativa dentro de la

agenda de la Responsabilidad Social Empresaria, y por la diversificación de los campos

de acción, que ahora abordan sistemáticamente asuntos "centrales" de la política

2 Entre 1998 y 2001 CEADEL recibió financiamiento de la Kellog Foundation para relevar "experiencias

exitosas" de ONGs en el campo del desarrollo social e identificar "estilos de liderazgo organizacional" a

replicar y fortalecer. En 1999 firmó un convenio con el PROAME (Programa de Atención a Niños y

Adolescentes en Riesgo) del Ministerio de Desarrollo Social Nacional y financiamiento del BID, para

realizar un diagnóstico de las capacidades institucionales de organizaciones que en 5 provincias argentinas

desarrollaban actividades educativas y de promoción social.

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212

educativa, tales como el diagnóstico con fines de planificación, o los contenidos de la

capacitación de funcionarios del sistema y de docentes. La segunda hipótesis postula la

íntima relación de esta transformación con cambios profundos en las formas de

intervención del Estado en la cuestión social, caracterizados por un pasaje del gobierno a

la gobernanza, una "nueva capilaridad" de las fronteras entre lo público-estatal y lo

privado-social cuyas características deben ser especificadas en el marco de la historia de

las relaciones de fuerza políticas y del proyecto social predominante en el espacio

nacional / internacional (Jessop, 2003) (Jessop, 2015a y 2015b).

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214

ORGANIZACIONES SOCIALES, FUNDACIONES PRIVADAS Y EMPRESAS

EN LA EDUCACIÓN PÚBLICA ACTUAL DE URUGUAY

Cecilia Pereda1

En las últimas décadas los procesos de privatización educativa se han

profundizado en América Latina aunque con una gran heterogeneidad entre los diferentes

países de la región. La trayectoria de privatización educativa en Uruguay ha sido

identificada por VERGER y otros (2017) como latente ya que si bien históricamente la

participación del Estado ha sido (y sigue siendo) central, el papel del sector privado en la

educación pública ha recibido recientemente algunos impulsos.

El objetivo de este trabajo es ofrecer un breve recorrido por la diversidad de

relaciones que existe actualmente entre el Estado y el sector privado en la educación

pública de Uruguay. Específicamente expongo algunos ejemplos que develan la presencia

de organizaciones sociales, fundaciones privadas y empresas en la educación pública de

Uruguay, a partir de información disponible en las páginas web de los organismos con

competencia en la educación formal del país.

Las escasas descripciones que pueden encontrarse sobre las tendencias

privatizadoras que se dan actualmente en Uruguay coinciden en algunos indicios que

tienen que ver con: la aparición de liceos privados dirigidos a jóvenes de recursos

económicos bajos que reciben financiamiento estatal a través de la renuncia fiscal; y la

incorporación de organizaciones sociales a la gestión de algunos programas dentro de la

educación pública (BORDOLI y CONDE, 2016). A su vez, VERGER y otros (2017)

agregan como factor de privatización educativa el impulso a la cooperación público-

privado en materia de infraestructura. Sin embargo, las situaciones que develan la

presencia de las organizaciones sociales, las fundaciones privadas y las empresas en la

educación pública actual de Uruguay no se reducen a éstas.

En primer lugar, son varias las empresas que participan activamente de la

educación pública de Uruguay. Lo hacen, por ejemplo, a través de la venta a los

estudiantes de algunos productos y servicios dentro de los centros educativos públicos.

Este es el caso de la publicidad y/o venta de uniformes en algunos liceos y del servicio

de cantina en la enseñanza media o de elaboración de comida en algunas escuelas

primarias También algunas empresas que ofrecen servicios de recreación trabajan en

1 Cecilia Pereda – Doctoranda en Ciencias Sociales UNGS/IDES, Argentina – Facultad de Psicología,

Universidad de la República (Uruguay) – [email protected]

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coordinación con centros educativos públicos en el marco del Programa Campamentos

Educativos, de la Administración Nacional de Educación Pública (ANEP). Finalmente,

también participan por medio de diverso tipo de donaciones entre las que se incluye el

uniforme escolar para los niños que ingresan a escuelas primarias que atienden alumnos

que provienen de hogares de niveles socio económicos bajos.

En segundo lugar, en el programa de recreación mencionado antes participan

también organizaciones sociales a las que el Estado contrata para brindar este servicio

educativo. En el mismo sentido pero en forma exclusiva con organizaciones de la

sociedad civil, específicamente aquellas de mayor tamaño, capacidad de gestión y nivel

técnico, se ha llevado adelante el Programa Aulas Comunitarias. Este programa es una de

las pocas modalidades de las que se suelen ocupar los análisis de las tendencias actuales

de privatización de la educación pública en Uruguay, en tanto constituye, tal como

MANCEBO y otros (2014) han señalado, una propuesta híbrida, novedosa, de co

participación. Otras organizaciones sociales participan en los centros educativos públicos

a través de diversas acciones que son propuestas por éstas y/o se realizan en un marco de

cooperación dado que trabajan en un mismo territorio. De estas situaciones suele dar

cuenta la profusa bibliografía sobre la relación entre escuela y comunidad, como dos

ámbitos educativos que deben articular para el beneficio de los estudiantes.

Esta es también la forma en que se ubica la acción de las fundaciones privadas,

aunque en su caso, se inicia, por lo general, a partir de iniciativas propias que son

presentadas a las autoridades nacionales de la educación y/o de cada centro educativo.

Las fundaciones privadas que participan en la educación pública de Uruguay son diversas

en cuanto a su relación con el sector empresarial. Algunas se derivan directamente de las

empresas y otras sólo se relacionan en forma indirecta, vía financiamiento. En algunas

ocasiones, aun cuando son fundaciones derivadas de una empresa y trabajan en un área

relacionada a ésta, contratan los servicios de organizaciones de la sociedad civil para

llevar adelante su trabajo en los centros educativos públicos.

Las situaciones planteadas son meramente ilustrativas pero muestran que el

Estado ha mantenido una importante centralidad en la educación pública de Uruguay. No

obstante, también se deriva de este breve panorama la existencia de diferentes

modalidades de participación actual de las empresas, las organizaciones sociales y las

fundaciones privadas en la educación pública del país.

Las explicaciones que se han dado al respecto de esta participación la atribuyen a

cambios de orden discursivo. Es decir, a transformaciones en la valoración de lo público

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y lo privado en la sociedad que han llevado a un “progresivo encanto de la eficiencia

privada” (BORDOLI y CONDE, 2016). Una valoración en disputa, ya que convive con

la tendencia contrapuesta que “reivindica el valor de lo público y el rol central del Estado”

(86). Este giro discursivo se pone en juego en la experiencia educativa de los estudiantes

en aspectos tan cotidianos como la fundamentación de la obligatoriedad del uso de la

vestimenta liceal, en tanto tal como VISCARDI y ALONSO (2013) sostienen, en ésta se

expresa una percepción de la educación pública con relación a la educación privada, en

la que lo público no se reivindica per se. Por ende, la participación de las empresas que

donan o venden uniformes es relevante. Ocupan un rol fundamental en la construcción

simbólica de la educación pública en el país. Asimismo a través de los servicios de

alimentación que se ofrecen en algunas escuelas y liceos públicos, así como en otras

actividades ofrecidas por ANEP o en coordinación con ésta, los estudiantes de la

enseñanza pública son actualmente educados por maestros, profesores y otros educadores

que son funcionarios estatales tanto como por trabajadores de empresas y organizaciones

sociales, así como por una diversidad de referentes de las fundaciones privadas.

En definitiva, el panorama ofrecido en este trabajo demuestra que la situación en

Uruguay está lejos de ser ajena a los procesos privatizadores que se dan en la región y

que, si bien en forma latente, es diversa en cuanto a los procesos de privatización,

mercantilización y terciarización de la educación.

Referencias

BORDOLI, E.; CONDE, S. El progresivo encanto por la gestión privada: análisis de los

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OS DESDOBRAMENTOS DA PRIVATIZAÇÃO NO TRABALHO DOCENTE:

CONTEXTUALIZAÇÕES, OBSTÁCULOS E RESISTÊNCIA

Kelly Marques dos Santos1

Resumo

O referido projeto consiste em articular os diferentes desdobramentos das políticas

privatistas no trabalho docente, elucidando as distintas perspectivas existentes, incluindo

seus desafios e as possíveis estratégias de resistência. Considerando os aspectos

micropolíticos legitimados nas instituições educativas, a presente investigação, objetivará

compreender as rupturas ocasionadas pelos processos de privatização na dita categoria

profissional. A delimitação cronológica estará fundamentada nas correntes políticas

dominantes de caráter neoliberal e neoconservador, juntamente com a reforma educativa

dos anos 90. Utilizar-se-á como metodologia a abordagem qualitativa, portanto, no

primeiro momento, realizaremos uma pesquisa bibliográfica e, consecutivamente,

analisaremos os resultados obtidos à luz dos aportes teóricos da administração escolar e

políticas educacionais.

Introdução

Inicialmente, é trivial elucidarmos os conceitos de público e privado e,

posteriormente, apresentarmos as ramificações existentes ao que se refere tendências

privatistas. Historicamente, a esfera privada manifestou diferentes facetas, sendo ilustrada

desde a igreja até os grandes grupos empresariais. Em contrapartida, a definição do

público, a partir de um viés historiográfico, pode ser caracterizada como sinônimo de

estatal, todavia, conforme Sanfelice (2005) a associação citada anteriormente pode ser

um tanto equivocada e, o mais adequado, seria legitimar o público enquanto algo popular.

Ao que se refere as tendências privatistas, podemos segundo Ball e Yodell (2008),

identificá-las como de natureza exógena (incorporação do setor privado aos

estabelecimentos públicos de ensino) endógena (centros de ensino semelhantes as

empresas ou que funcionam como atividades comerciais). Mais especificadamente, de

acordo com Adrião et al (2010), podemos ramificá-las como; da oferta (convênios

propriamente ditos com a esfera privada, podendo ser materializados por vagas em

1 Graduanda em Licenciatura Plena em Pedagogia, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita

Filho”, Instituto de Biociências – Rio Claro. Email: [email protected].

Pesquisa financiada pela PROPe - Pró-Reitoria de Pesquisa

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218

instituições de ensino), da gestão (está associada à privatização/ terceirização da equipe

gestora) e das atividades fins da educação (atrelada a função social da educação).

É elementar realizarmos uma breve recapitulação histórica para compreendermos

como se deu o processo de diluição das barreiras entre público e privado. Segundo

Gorostiaga y Pini (2004), a partir dos anos 70 surgem, explicitamente, processos de

gerencialismo e mercantilização da educação. Em especial, nos anos 80, legitima-se

socialmente os conceitos de eficiência e de qualidade com a intencionalidade de atribuir

valor as economias nacionais, juntamente com os novos organismos internacionais

(Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial). De acordo com esse contexto, as

privatizações, os processos de descentralização e a legitimação do “Estado Mínimo” se

intensificam.

Complementando os fatos contextuais, Bolivar (2009) pontua também; as

reformas educativas dos anos 90, os processos de descentralização do Estado, a

intensificação dos processos de accountability, o conceito de “Governança”, juntamente

com a legitimação do controle por parte do Estado.

Para “legitimação” do poder estatal, mecanismos de avaliação e supervisão são

indispensáveis. Em contrapartida, a descentralização do Estado nas instituições

educativas implica em uma atuação subsidiária por parte do Estado (BLANCO, 1987),

ocasionando a delegação de responsabilidades e consequentemente, a responsabilização

dos resultados. Mediante ao exposto, os aspectos macropolíticos incidem diretamente nas

proporções micropolíticas do trabalho docente.

É na micropolítica, ou seja, na tradução da política macro para o dia a

dia da escola, em sua implementação local, que os problemas aparecem,

multiplicam-se e convertem-se em um terreno onde as "relações locais"

contam. A "escola é uma relação", e não apenas um prédio habitado por

agentes educativos comandados por um "gestor eficaz". (FREITAS,

p.146, 2016)

Justificativa

Justifica-se a relevância teórica do estudo proposto, uma vez que, é escassa a

produção científica que intenciona possibilitar estratégias de resistência para a referida

categoria profissional.

Objetivos

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Objetiva-se de modo geral identificar os reflexos das correntes neoliberais e

neoconservadoras na dimensão micropolítica do trabalho docente.

Metodologia

Visando contemplar o objetivo geral do presente estudo, adotamos a abordagem

qualitativa (LÜDKE, 1986) como o método mais adequado para a concretização do

mesmo. O procedimento de coleta de dado será constituído por uma pesquisa

bibliográfica (GIL, 2008).

Resultados e discussões

Os processos de accountability agregam valor e responsabilidade pelos resultados

(Alvariño, 2000). Nesse contexto os resultados influenciam nos recursos que a escola tem

e aumenta a competitividade e ainda, fomenta a banalização do trabalho pedagógico em

detrimento dos resultados apresentados.

Devemos destacar que as instâncias organizativas externas as instituições

educativas abordam prioritariamente o currículo e a gestão educativa, inclusive,

focalizam a avaliação e seus resultados e a qualidade educativa. A própria concepção de

escola tem mudado seu real significado e suas finalidades, as novas abordagens

demandam qualidade e eficiência. Segundo Barroso (2005) as novas formas de regulação

oportunizam a intensificação dos princípios de eficiência e eficácia nos resultados.

Segundo Santos (1996), os professores trabalhando coletivamente têm um papel

bastante significativo em relação à administração, mas a individualização do trabalho

docente impede a participação efetiva dos professores nos processos de tomada de

decisões. A teoria organizativa concede ao professor uma “pseudoparticipação”, na qual

os docentes podem até participar, entretanto, suas ações não repercutirão na instituição,

por isso Bardisa (1997) destaca o conceito de “grupo de interesse” para pensarmos na

união dos docentes para alcançar algumas conquistas para categoria e, principalmente,

para educação pública em geral.

A autonomia é uma nova forma de regulação do Estado. Nos aspectos discursivos

o princípio pode ser caracterizado como sinônimo de liberdade, mas na verdade, é uma

nova maneira de descentralizar o papel principal do Estado e delegar uma “parcela” de

autonomias nas instituições educativas. Esta dimensão tem a capacidade de promover

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220

maior diversidade do “mercado educativo” uma vez que, como as escolas têm autonomia,

podem obter vantagens em relação às outras instituições e promover a diversificação da

oferta escolar.

A intencionalidade do Estado em descentralizar alguns aspectos e centralizar

outros é um elemento essencial para compreendermos quais são as limitações e as

possibilidades das políticas educacionais ao que se refere formação e trabalho docente.

Ao centralizar, o Estado tem um papel principal em matéria educativa, portanto, sua tarefa

estará centrada na perspectiva macropolítica, com enfoque na legitimação do seu poder.

De acordo com Torres Santomé (2006) existem alguns fatores que incidem

diretamente na (des)motivação do professorado, mais especificadamente, os itens

pertinentes ao estudo são: a concepção tecnocrática do trabalho docente, um currículo

obrigatório sobrecarregado de conteúdos, o professorado como único responsável da

qualidade da educação e as políticas de privatização e mercantilização.

Considerações finais

Os desdobramentos da privatização incidem diretamente na concretização do

direito a educação. Ao consideramos as diferentes tendências privatistas citadas

anteriormente, reconhecemos a potencialidade de “embrutecer” ou “coisificar” o trabalho

docente.

É essencial reconhecer que a atual configuração do trabalho docente é um longo

processo de construção, mas segundo Cantero et al (2011), temos a possibilidade de fazer

resistência e conviver com a ordem hegemônica. Por mais que sejam “foguinhos” é um

movimento que pode conscientizar e promover inúmeras vantagens para a formação

crítica do educando.

Por último, considero que um grande aliado da autonomia dos professores é o

trabalho coletivo. Trabalhar coletivamente na atual conjuntura demanda resistência por

parte da instituição educativa. O fortalecimento das suas convicções política e ideológica

é um ato subversivo e, portanto, enquanto educadora, cidadã, portadora de direitos e

deveres, assumo minha responsabilidade social na defesa da educação pública e na

formação cidadã.

Referências

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222

REDES POLÍTICAS E AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NO ESTADO

DO RS

Maria de Fátima Cóssio1

Susana Schneid Scherer2

Robinson Francino da Costa3

Introdução

Este estudo visa aprofundar a compreensão das Parcerias Público-Privadas

(PPPs), através da investigação dos entes privados que atuam no setor público

educacional no Estado do Rio Grande do Sul (RS). Nesta perspectiva, os conceitos de

Governança (CÓSSIO, 2015, 2016) e de Gerencialismo (NEWMAN; CLARKE, 2012)

no quadro da Nova Gestão Pública (NGP), são fundamentais, pois explicitam novas

formas de organização e atuação dos setores públicos que têm repercussões na

configuração e materialidade das políticas educacionais.

As PPPs são constituídas a partir do movimento de “modernização” do Estado, à

luz da NGP, no sentido de tornar-se mais eficiente, eficaz e transparente. Para tanto, além

das alterações na organização e funcionamento do aparato estatal, com a inserção de

procedimentos e regras chamadas de “pós-burocráticas” ou “gerenciais”, a partir de

padrões consolidados na iniciativa privada, o Estado altera suas relações com a sociedade

civil, com os entes subnacionais e com outros Estados-Nação, visando tornar-se mais

pluricêntrico e permeável à participação na formulação e execução de políticas públicas

(governança). A ordem passa a ser, a partir dos anos 1990, menos governo e mais

governança. (ROBERTSON e VERGER, 2012).

Na visão de Robertson e Verger, (2012), as PPPs se encaixam em um projeto mais

amplo de reconstituição da educação pública, dentro da construção de uma sociedade de

mercado, pois governar sob esta lógica influi, “na constituição de tipos particulares de

cidadãos (de Mercado) (STOER; MAGALHÃES, 2002), por um lado, e na reconstituição

do setor da educação (como parte de uma indústria de serviços educacionais globais em

rápido crescimento), por outro lado” (p.1135).

Nesta tônica, compreende-se que a agenda global para a educação dos Organismos

Multilaterais (OM), as mudanças no papel do Estado, com a adesão nacional aos

1 Doutora em Educação/UFRGS; Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação/UFPEL. E-

mail: [email protected]. 2 Doutoranda em Educação/UFPEL 3 Doutorando em Educação/UFPEL

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princípios da NGP, e o incremento das PPPs, encaminham para a análise das “redes

políticas”. Para Shiroma e Evangelista (2014, p. 25) no cenário de governança, as redes

políticas, do inglês policy networks, manifestam-se no campo das políticas educacionais,

como rotas de influência e instauram outro modo de disseminar ideias e agir

politicamente.

Para Ball (2014) as redes políticas são muito mais uma comunidade social, com

elementos duráveis quanto fugazes, unidos por “reunificações”, um tipo particular de

estilo de vida voltado às políticas. Há uma mistura de laços duradouros e colaborações

esporádicas e interdependências intrincadas que ligam projetos locais a relações

internacionais que fornecem conhecimento, reputação e legitimidade. São novos

agenciamentos políticos com uma gama diversificada de participantes, situados em um

novo espaço político entre OM, governos nacionais, Organizações não Governamentais

(ONGs), think tanks4 e grupos de interesse, consultores, empreendedores sociais, etc.

(BALL, 2014), que estão produzindo mudanças no pensamento e comportamento de

governos nacionais por meio de trocas de normas, de ideias e de discursos que alteram as

percepções sobre o que é público e sobre os problemas e soluções sociais e educacionais,

com repercussões nas esferas subnacionais.

Diante desse contexto, esta pesquisa busca, em sua primeira etapa, investigar quais

as instituições privadas que são contratadas pelos sistemas públicos (estaduais e

municipais) de educação no Estado do RS para prestar serviços de consultoria, mapeando

aquelas que de forma recorrente despontam no cenário local e, a partir desta identificação

(segunda etapa), aprofundar o estudo sobre as redes políticas que estão se configurando e

que influenciam nas decisões e ações educacionais.

Com o estudo se pretende problematizar as novas relações que se estabelecem

entre Estado, Mercado e Sociedade Civil, por meio da NGP; aprofundar a compreensão

sobre redes de políticas, transferência de políticas e influências; apreender os princípios

e intencionalidades das PPPs, a partir do conhecimento das instituições que atuam com

maior intensidade no Estado e, por fim, analisar as possíveis implicações das PPPs para

a educação no Estado.

Metodologia

4 O termo pode ser entendido como um grupo de pessoas e de instituições que desenvolvem pesquisas e

propõem soluções de problemas nas diversas áreas, inclusive na educação (NOTA DE TRADUÇÃO,

BALL, 2014, p. 35).

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A pesquisa adota o método de “etnografia de rede”, a qual, como identifica Ball

(2014), tem como pretensão realizar mapeamento da forma e do conteúdo das relações

políticas em um campo particular, neste caso, das PPPs no Estado do RS. A etnografia de

rede utiliza novas formas de comunicação virtual e eletrônica, oferecendo um acesso mais

rico e mais amplo do que uso de dados terrestres (BALL, 2014).

A pesquisa em desenvolvimento tem como lócus as redes públicas municipais e

estaduais do Estado do RS e as instituições com ou sem fins lucrativos que prestam

consultorias na área educacional. Os instrumentos de pesquisa são os sites de entidades

representativas dos Secretários de Educação (Municipais e Estaduais), dos Conselhos de

Educação, das Secretarias de Educação, mídias imprensa e, ou digital, e de empresas

consultoras, vídeos promocionais, Powerpoints, páginas do Facebook, blogs. Os

instrumentos serão analisados tendo como base a metodologia de análise de conteúdo, em

que se pretende cotejar os instrumentos, verificar as incidências e construir categorias

explicativas.

Resultados e análises preliminares

Para a busca das PPPs em educação nos municípios dos RS foi usado o

mapeamento da Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul (SECUD/RS),

que agrupa as 497 cidades do estado em 36 Coordenadorias Regionais de Educação

(CREs).

O quadro 01 apresenta os cinco institutos e fundações com maior frequência em

CREs e presença nos municípios.

Quadro 01: Institutos mais frequentes e presentes nos municípios do RS.

Frequência

(Nº de CREs)

Presença em

Cidades

NATURA 12 62

IAS 12 20

FENABB 10 18

SICREDI 08 18

AFUBRA 07 18

O Instituto Natura foi encontrado em 12 CREs e 62 cidades gaúchas, por meio do

programa “Trilhas”. A página do Instituto Natura (2017) aponta sua amplitude de atuação

na educação abarcando todas as regiões do Brasil, e destaca seu foco no poder de

transformação da educação através de uma comunidade colaborativa de aprendizagem. O

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site evidencia ainda o trabalho institucional em parceria com a Fundação Lemann,

Fundação Itaú Social, Fundação Telefônica Vivo, demonstrando, com isso, uma grande

articulação de um sistema de rede operativa. O Programa educacional “Trilhas” é uma

“iniciativa voltada a apoiar os professores que atuam com crianças de 4 a 6 anos,

oferecendo-os um kit TRILHAS, há cadernos de orientação do professor e de indicações

literárias, jogos de linguagem e cartelas para atividades, todos com a intenção de inserir

as crianças no universo letrado” (INSTITUTO NATURA, 2017).

O Instituto Ayrton Senna (IAS) apareceu em 20 cidades e 12 CREs, através de

quatro diferentes programas e/ou ações educacionais: os Projetos de alfabetização “Se

Liga” e “Acelera”, junto da prestação de serviços a partir do núcleo “Comitê Gestor de

Soluções educacionais”, e seu mais recente programa, lançado em 2015, “Letramento em

Programação Digital”. Atuante há 22 anos no Brasil com ações voltadas para a educação

integral para jovens do ensino médio, alfabetização para a vida e programação na escola,

o site do IAS apresenta como motivações o “pleno desenvolvimento” das novas gerações,

devendo ser feito a partir de um trabalho em rede de diversos atores, num espírito

corresponsabilidade (INSTITUTO AYRTON SENNA, 2017).

Nas informações do Programa “Letramento em Programação Digital” do IAS, se

evidenciou suas atividades dentro do Programa “AABB Comunidade” da Federação

Nacional das Associações do Banco do Brasil (FENABB). AABB Comunidade é o

programa educacional da FENABB, atuando em sistemas de educação de 316 cidades do

país. No programa, que já perfaz 30 anos, trabalham professores, coordenadores e

auxiliares, com o objetivo de promover o desenvolvimento integral dos estudantes de

escolas públicas, a fim de favorecer a inclusão socioprodutiva e ampliar a consciência

cidadã (AABB COMUNIDADE, 2017).

A Fundação do Sistema de Crédito Cooperativo (SICREDI) introduziu-se nas

escolas a partir dos programas “A União faz a vida”, e “Educação Financeira” em parceria

com o Banco Central. O SICREDI é uma cooperativa de finalidade mercantil, nascida no

Estado do RS, mas atualmente com abrangência nacional. Com este programa, o

SICREDI busca projetar sua visão de mundo e a compreensão sobre o modo de

organização econômica e social que defende. Deste modo, são assinalados como

princípios: a cooperação e a cidadania, e o desenvolvimento de cidadãos cooperativos

pautados por valores de empreendedorismo e solidariedade. Para o programa é

imprescindível que todos os envolvidos incorporem tais princípios em seu cotidiano (A

UNIÃO FAZ A VIDA, 2017).

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A Associação dos Fumicultores do Brasil (AFUBRA) insere-se na educação a

partir do programa “Verde é Vida”, desenvolvido nos estados do sul do país (RS, Santa

Catarina e Paraná). A instituição desenvolve desde 1986 atividades comunitárias de

sensibilização e de distribuição de mudas nativas, sendo que o programa “Verde é Vida”,

criado em 1991, direciona-se à educação socioambiental por meio das ideias de

preservação do ambiente, educação no meio rural, sustentabilidade, diversificação e

valorização dos agricultores (AFUBRA, 2017).

Considerações

Após o levantamento das parcerias firmadas entre as redes públicas estaduais e

municipais do Estado do RS e entidades privadas, com ou sem fins lucrativos, e a

constatação daquelas que despontam com maior evidência pela abrangência geográfica e

regiões educacionais, iniciou-se o estudo mais detido sobre cada uma das entidades, com

o intuito de identificar seus objetivos, programas e parceiros que formam as redes

políticas.

Até o momento foi possível identificar alguns parceiros do Instituto Ayrton Senna

(IAS), e iniciou-se o aprofundamento programático e relacional. Identificou-se a parceria

entre a IAS e a FENABB, mas é preciso verificar outras ramificações. Quanto as demais

entidades destacadas, o estudo está em fase inicial, mas em todos se evidenciou a intenção

em promover alguns princípios vinculados à lógica empresarial, direta ou indiretamente,

quer seja pelo conteúdo do próprio programa, como é o caso do SICREDI, por meio da

educação financeira, quer seja pela ênfase na lógica do reforço escolar e em conteúdos

mínimos entendidos como necessários ao processo produtivo, como os casos do Instituto

Natura, FENABB e do IAS. A Associação dos Fumicultores (AFUBRA) por sua vez,

busca compensar os males provocados pelo fumo através de atividades e educação

ambiental.

Em que pese esta pesquisa esteja em fase inicial, pelo levantamento da

abrangência das PPPs no Estado do RS, pela inserção dos seus programas na gestão,

currículo e práticas escolares, e pelas redes que cada entidade forma com outros parceiros

privados, se pode inferir que os sentidos e princípios da educação pública estão

fortemente ameaçados.

Referências

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227

BALL, Stephen J. Educação Global S.A. Novas redes políticas e o imaginário neoliberal.

Ponta Grossa: UEPG, 2014.

CÓSSIO, Maria de Fátima. Agenda transnacional e governança nacional: as possíveis

implicações na formação e no trabalho docente. Revista e-Curriculum (PUCSP), v. 13,

p. 616-640, 2015.

___. A nova gestão pública e as consultorias privadas: impactos na gestão de sistemas de

ensino. Relatório Pós-doc. UFSC/SC, 2016.

NEWMAN, Janet, CLARKE, John. Gerencialismo. Educ. Real., Porto Alegre, v. 37, n.

2, p. 353-381, maio/ago. 2012.

ROBERTSON, Susan; VERGER, Antoni. A origem das parcerias público-privada na

governança global da educação. In: Educ. Soc., Campinas, v. 33, n. 121, p. 1133-1156,

out.dez. 2012.

SHIROMA, Eneida Oto; EVANGELISTA, Olinda. Estado, capital e educação: reflexões

sobre hegemonia e redes de governança. In: Revista Educação e Fronteiras On-Line,

Dourados/MS, v.4, n.11, p.21-38, mai./ago. 2014

SHIROMA, Eneida Oto. Redes de políticas públicas e governança da educação:

pesquisando a convergência das políticas para docentes nas agendas para a próxima

década. Relatório de pesquisa, Florianópolis, UFSC, 2016.

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REDES POLÍTICAS, NOVA FILANTROPIA E AS FUNDAÇÕES NO CAMPO

DA MÍDIA IMPRESSA EM EDUCAÇÃO*

Quênia Renee Strasburg1

Berenice Corsetti2

O presente texto é parte de pesquisa de doutorado em desenvolvimento que tem

como objetivo investigar as convergências e conformidades das políticas educacionais de

formação e carreira para professores a partir do contexto internacional em documentos do

Banco Mundial, a fim de compreender como essas políticas tem se desdobrado no

contexto brasileiro através da mídia impressa, no caso das Revistas Nova Escola e Gestão

Escolar, como superfície de análise.

No presente texto privilegiamos o recorte sobre as relações estabelecidas no

campo da mídia impressa nas revistas Nova Escola e Gestão Escolar através de uma

metodologia de busca em sites institucionais. Ambas publicações estudadas fazem parte

da Associação Nova Escola que pertence hoje à Fundação Lemann. Segundo o site da

Associação Nova Escola, a referida se constituiu uma entidade sem fins lucrativos, cuja

missão é transformar a educação brasileira por meio de conteúdos e serviços de alta

qualidade, com foco em professores e gestores. A partir de 2015, a Fundação Lemann

passou a ser a mantenedora da Associação, que antes disso era de propriedade e editada

pela Fundação Victor Civita (FVC).

Segundo os dados da Associação Nacional dos Editores de Revista (ANER), desde

2007, a Revista Nova Escola é a revista brasileira de maior circulação entre o público

docente. As duas fundações que estão na gênese de Nova Escola e Gestão Escolar, Victor

Civita e Lemann, são fundações formadas por grandes empresários brasileiros que

estabelecem o campo educacional como prioridade de suas ações filantrópicas, como

podemos encontrar nas missões das fundações:

Fundação Victor Civita

Criada em 1985 pelo próprio Victor Civita, a fundação tem como missão Contribuir para a

melhoria da qualidade da Educação Básica no Brasil, produzindo conteúdo que auxilie na

capacitação e valorização de professores e gestores e influencie políticas públicas. O

objetivo da organização é ajudar professores, gestores escolares e formuladores de políticas

públicas. O sonho do fundador era lutar por um país no qual não faltassem escolas, bons

professores, incentivo ao trabalho docente e materiais de apoio às práticas pedagógicas.

Fonte: GRUPO Abril (2017)

1 Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Unisinos. 2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unisinos.

* Pesquisa financiada pelo Programa de Bolsas de Excelência Acadêmica (PROEX/CAPES).

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229

Fundação Lemann

Colaborar com pessoas e instituições em iniciativas de grande impacto que garantam a

aprendizagem de todos os alunos e formar líderes que resolvam os problemas sociais do

país, levando o Brasil a um salto de desenvolvimento com equidade

Fonte: FUNEDAÇÃO Lemann (2017)

A preocupação da Fundação Victor Civita está no problema da qualidade da

educação básica no país e, por isso, tem como iniciativa produzir um conteúdo que

proporcione ao professor e ao gestor uma capacitação com conteúdo. No mesmo sentido,

a preocupação da Fundação Leman também se centra na garantia da aprendizagem para

resolver os problemas sociais e formar líderes para o país, levando-o ao desenvolvimento.

Registra Ball (2014) que, de maneira global, existe uma disseminação de ideias

privadas e empreendedorismo social que pretende resolver os problemas da educação

pública no sentido de desnacionalização do Estado. Essa soma de mudanças, segundo o

autor, sugere o fim da educação pública na sua forma de bem-estar.

Um novo grupo de conceitos e métodos é necessária para lidar com as

continuas mudanças em governança educacional dentro de uma

estrutura global. As formas como a política educacional, as empresas, a

filantropia e o desenvolvimento internacional se organizam e se inter-

relacionam estão mudando em função dos métodos que daquilo que se

pode ser entendido como capitalismo social-global. Dentro dessa nova

configuração, soluções inovadoras e velhas soluções para problemas

sociais de desenvolvimento baseadas no mercado estão sendo

privilegiadas e fortalecidas através de uma nova elite global, conectada

em rede, formada por promotores de políticas e novos filantropos. O

que há de novo na nova filantropia é a relação direta entre caridade e

resultados e o envolvimento direto dos doadores nas ações filantrópicas

e nas comunidades políticas. (BALL; OLMEDO, 2013, p. 33).

As missões da Fundação Victor Civita e Fundação Lemann deixam transparecer

os paradigmas da nova filantropia, ao estabelecerem como objetivo a contribuição das

experiências privadas para o setor da educação pública brasileira. Além disso, ambas

possuem redes de contatos importando experiências internacionais para o setor. A

Fundação Leman possui o Lemann Center for Educational Entrepreneurship and

Innovation in Brazil3, a qual busca ampliar a investigação e o diálogo sobre a educação

brasileira. Além da realização de um seminário internacional, onde pesquisadores

apresentam resultados e propõem diálogo com atores de liderança da sociedade brasileira,

o centro conta com um programa de bolsas chamado Lemann Fellowship.

Através do Programa, a fundação pretende oferecer oportunidades excepcionais

de desenvolvimento profissional e pessoal a indivíduos de alto potencial como registra o

3 Centro Leman para Empreendedorismo e Invocação na Educação Brasileira.

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documento do Banco Mundial Professores Excelentes (2014) para que posteriormente,

essas mesmas pessoas ocupem cargos de destaque no setor público com sua visão

educacional.

As duas fundações aqui pesquisadas mantêm relações de parcerias com outros

grupos e entidades que estabelecem filantropia na educação, como podemos ver nas

páginas iniciais da própria revista: Instituto Unibanco, Fundação Itaú Social, Instituto

Península.

Imagem 1: Recorte da página de apresentação da Revista Gestão Escolar

Fonte: Edição Especial Gestão Escolar: Mapa dos Currículos, 2015, p.3.

A Fundação Instituto Unibanco, criada em 1982, tem, entre os seus objetivos,

promover investimento social privado do Unibanco que, em 2008, formou o

conglomerado Itaú Unibanco. A partir do ano de 2002, o Instituto redirecionou suas ações

e passou a trabalhar prioritariamente com educação. Com a criação do projeto Jovem de

Futuro, em 2007, a instituição se concentrou em atuar na melhoria do Ensino Médio

público, por considerar essa fase estratégica para a formação da juventude e o

desenvolvimento do país.

A Fundação Itaú Social, criada em 1999, após vários programas de incentivo

social do Banco Itaú, atua na perspectiva de uma abordagem sistêmica e compreende que

o campo educacional é peça-chave para o desenvolvimento sustentável do país, seguindo

os valores e compromissos do Banco. Além disso, o investimento em educação é uma das

forças motrizes de transformação social na visão do Itaú.

O instituto Península, é um braço social da Península Participações, criado em

2010, pela família Abílio Diniz tem como causas a educação e os esportes. Como projetos

de destaque no sítio do instituto referentes ao campo da educação encontramos referência

de outro instituto: o Instituto Singularidades que tem como foco a formação de

professores.

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Como o Instituto Península incorpora ainda um outro instituto, este também foi

inserido na investigação para um maior detalhamento do nível de abrangência dessa rede.

Dessa maneira, o Instituto Singularidades, como já mencionado, atua na formação de

professores e é um braço social do Instituto Península. O instituto foi criado em 2001 para

atender as novas necessidades da formação de professores e gestores e especialista em

ensino do século XXI. Oferece cursos de graduação, pós-graduação, lato-sensu e extensão

universitária.

Quadro 1 – Redes de relações estabelecidas a partir da Revista Nova Escola e Gestão

Fonte: elaborado pelas autoras a partir de dados encontrados nos sites das instituições.

Com base nas evidências encontradas nos sites investigados podemos inferir que

há uma importante rede de influências políticas e de interesses estabelecida no campo da

mídia impressa que acaba criando um discurso hegemônico de inovação, eficiência e

excelência que convergem nas políticas de formação e carreira docente na

contemporaneidade.

Referências

BALL, Stephen J; OLMEDO, Antônio. A ‘nova’ filantropia, o capitalismo social e as

redes políticas globais em educação. In PERONI; Vera Maria Vidal. Redefinições das

fronteiras entre o público e o privado: implicações para a democratização da educação.

Brasília: Liber Livro, 2013.

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232

BRUNS, Barbara; LUQUE, Javier. Professores Excelentes: Como melhorar a

aprendizagem dos estudantes na América Latina e Caribe. Overviewbooklet. Washington,

D.C.: Banco Mundial, 2014.

FUNDAÇÃO Itaú. Disponível em: https://www.fundacaoitausocial.org.br/pt-

br/quemsomos/fundacao-itau-social. Acesso em: 02 jun. 2017.

FUNDAÇÃO Lemann. Disponível em:

http://www.fundacaolemann.org.br/?gclid=CjwKEAjwsLTJBRCvibaW9bGLtUESJAC

4wKw1T8qtiR2TKgIGC6EUFUlC9pkmmYHKA4j7kNIuf8r4tRoCG5zw_wcB. Acesso

em: 30 maio 2017a.

FUNDAÇÃO Lemann. Disponível em:

http://www.fundacaolemann.org.br/lemannfellowship/. Acesso em: 30 maio 2017b.

GRUPO Abril. Disponível em http://www.grupoabril.com.br/pt/quem-

somos/fundacaovictor-civita/. Acesso em: 30 maio 2017.

INSTITUTO Península. Disponível em:

https://www.facebook.com/pg/institutopeninsula/about/?ref=page_internal. Acesso em:

02 jun. 2017.

INSTITUTO Singularidades. Disponível em:

http://institutosingularidades.edu.br/novoportal/sobre-nos/. Acesso em: 02 jun. 2017.

INSTITUTO Unibanco. Disponível em:

http://www.portalinstitutounibanco.org.br/index.php?option=com_content&view=articl

e&id=9&Itemid=35. Acesso em: 30 maio 2017.

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233

TODOS PELA EDUCAÇÃO: UMA OSCIP INFLUENTE NO ATUAL CENÁRIO

DE GOVERNANÇA

Daniela Oliveira Lopes1

Leila Duarte Reis2

Vanessa Silva da Silva3

Introdução

Este texto busca investigar a manifestação dos mecanismos de governança no

contexto da Nova Gestão Pública - NGP. Apoia-se, para tanto, na reflexão de Lima

(2007) que compreende o conceito de governança como a substituição das unidades

tradicionais do Estado pela gestão pública de complexas redes interorganizacionais que

atuam “na oferta de serviços públicos à população e que cruzam frequentemente as

fronteiras dos setores público, privado e cooperativo” (LIMA, 2007, p.167).

Um dos serviços públicos que, através deste cenário, abriu espaço para atuação

cada vez mais influente do setor privado é a oferta da educação. Assim, o setor

educacional, por meio de uma legislação específica que doutrina a atuação de atores não

estatais na condução de suas políticas, tem sido cada vez mais marcado pela lógica do

setor privado, e em decorrência disso, também pela lógica do mercado.

Um dos dispositivos legais que se articula ao modelo da NGP por meio da

governança é a Lei nº 9.790/99, conhecida como a Lei do Terceiro Setor. Esta lei

disciplina o termo de parceria firmado entre o setor público e o privado e institui a figura

das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIPS, as quais, conforme

Bolzan (2012) esclarece “tratam-se de qualificações conferidas pelo poder público a

pessoa jurídica de direito privado que desempenha serviços sociais não exclusivos do

Estado [....], mediante vínculo instituído por meio de termo de parceria” (BOLZAN.

2012. p.21).

Um exemplo de OSCIP é o movimento Todos Pela Educação - TPE, o qual foi

qualificado como tal em 2014 pelo poder público. O TPE, de acordo com a análise de

Shiroma e colaboradores (2011) “visa mobilizar a iniciativa privada e organizações

sociais do chamado terceiro setor para atuar de forma convergente, complementar e

sinérgica com o Estado no provimento das políticas públicas” (p. 233). Esta mobilização

1 Mestranda em Educação - Universidade Federal de Pelotas. [email protected]. 2 Mestranda em Educação - Universidade Federal de Pelotas. [email protected]. 3 Mestranda em Educação - Universidade Federal de Pelotas. [email protected].

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234

se efetiva através das ações dos integrantes e expertises que compõem o TPE, as quais

incluem a publicação de livros, artigos e a organização de grandes eventos. Através desta

presença constante na mídia impressa e televisiva, o TPE busca propagar as ideias e

princípios que o orientam, os quais estão vinculados aos interesses de grandes

empresários, e, portanto, consistem em formar sujeitos que se adaptem ao modelo de

produção vigente e contribuam para a sua manutenção. Em decorrência de sua grande

abrangência e forte presença na mídia, o TPE se configura como uma OSCIP

extremamente influente na formulação e materialização das políticas educacionais.

A partir desta contextualização, o presente texto tem como objetivo analisar a

materialidade textual da Lei nº 9.790/99 e discutir como o Programa Todos pela Educação

articula a lógica da governança manifestada no referido dispositivo legal.

Metodologia

Este trabalho se alinha às concepções teóricas e metodológicas de Stephen Ball

(2009), pois este autor entende a política educacional como um campo complexo, não

estático, não neutro e que é marcado por disputas, embates e interesses. Utiliza-se da

metodologia de análise de conteúdo a fim de atingir os objetivos elencados neste estudo,

a qual é definida como

[...] um conjunto de técnicas de análise de comunicações, que utiliza

procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das

mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a

inferência de conhecimentos relativos às condições de

produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens (BARDIN,

2011, p.48).

Deste modo, a análise de conteúdo (em sua vertente qualitativa) parte de

pressupostos que servem para dar suporte na tentativa de captar o sentido simbólico de

um texto. Este sentido nem sempre é manifesto e o seu significado não é único.

Justificativa

Justifica-se a intenção deste texto no sentido de que é necessário compreender as

alterações das funções e do papel do Estado dentro do contexto do desenvolvimento

capitalista nas últimas décadas. Nesta perspectiva, a inserção de grupos de atores privados

e/ou associados às organizações não-governamentais – geralmente chamado de terceiro

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235

setor – tem influenciado incisivamente na elaboração e na implementação das políticas

públicas, as quais são norteadas por concepções gerencialistas na gestão pública.

Resultados e discussão

A Lei nº 9.790/99, conhecida como Lei do Terceiro Setor, propaga o discurso de

fortalecer a sociedade civil, empoderar a população e estimular o desenvolvimento do

país. Neste sentido, constitui-se como um marco que possibilita transformar políticas

públicas de parceria entre Estado e Sociedade Civil em todos os níveis, com a

incorporação das organizações de cidadãos na sua elaboração, na sua execução, no seu

monitoramento, na sua avaliação e na sua fiscalização. (FERRAREZI e RESENDE,

2001).

A Lei das OSCIPs ecoa o discurso que o olhar público da sociedade civil identifica

problemas, oportunidades e soluções inovadoras que o Estado não consegue enxergar.

Neste sentido, incute a ideia de que ações da sociedade civil são capazes de mobilizar

recursos e promover parcerias para o desenvolvimento humano de uma forma que o

Estado não é capaz de alcançar em decorrência de sua “ineficiência”, já propagada há

bastante tempo.

Assim, a aprovação deste dispositivo legal implica em introduzir uma nova forma

de conceber a esfera pública, na qual o Estado reconhece a existência de uma esfera

pública não em sua essência, mas em sua finalidade, assim, torna-se pública, apesar de

não estatal. Neste sentido, o Termo de Parceria é a maior inovação da Lei das OSCIPs,

envolto no novo paradigma de gestão pública em que existe a ideia de maior autonomia

do gestor público e eficiência. Para Barroso (2005) estas medidas justificam-se por

“critérios de modernização, desburocratização e combate à ‘ineficiência’ [grifo do autor]

do Estado (BARROSO, 2005, p. 726).

Desta forma, configura-se a NPG, um novo padrão que não mais entende o Estado

como provedor e sim como parte de uma rede mais ampla e global. Entende-se que está

interconectado à governança, que conforme Amós (2010) observa, relaciona-se com

instrumentos e modos, procedimentos e atores, suas constelações e novas formas de

cooperação, eliminando as fronteiras entre público e privado.

Para ilustrar este atual cenário da gestão pública, um exemplo expressivo no Brasil

é o “Todos pela Educação” – TPE, movimento da sociedade civil, qualificado como

OSCIP desde 2014 por meio Lei nº 9.790/99 e regulamentado pelo Decreto 3.100/99.

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Seus termos de parceria podem englobar o campo da assistência social, cultura, educação,

saúde, entre outras. O TPE, em sua página oficial, apresenta como uma de suas bandeiras

a governança e a melhoria da gestão.

É importante destacar que o TPE faz parte da Rede Latinoamericana de

Organizações da Sociedade Civil pela Educação – REDUCA4, que por sua vez é

composta por organizações de quatorze países da América Latina. Todas estas

organizações, incluindo o TPE, anunciam como seu objetivo principal garantir a todas as

crianças e jovens o direito de uma educação pública, equitativa, inclusiva e de qualidade.

Os mantenedores do TPE - bancos, fundações e institutos: Unibanco, Península,

Natura e Votorantim, Fundação Lemann e Suzano – partilham, assim, deste mesmo

objetivo anunciado pela REDUCA. A fim de atingi-lo, promovem uma política que

possibilita a participação dos cidadãos na sua elaboração, avaliação e fiscalização,

atribuindo-lhes o papel de empreendedores da educação. O TPE, formado por estes

atores, passa para a população a impressão ou a ideia de que a sociedade civil faz parte

dessa mudança, desse empoderamento pela melhoria das questões sociais, mas o que está

impresso e visível é a participação de grandes empresários usando do slogan “Todos pela

Educação”.

Conclusões

Este texto buscou apresentar o marco da Lei nº 9790/99, sua magnitude e formas

de influência no Estado, através de entidades como o TPE, cujas ações estão se

consolidando e legitimando nos últimos anos, ao ponto de influenciar na formulação de

políticas, no levantamento de dados, realização de diagnósticos e monitoramento de

políticas. Seus integrantes e expertises estão frequentemente na mídia impressa e

televisiva, ministram palestras, escrevem artigos, publicam livros, participam e

organizam grandes eventos, buscando construir o consenso em torno das ideias e

princípios que orientam o movimento que, em última análise, atendem aos interesses das

grandes corporações, ou seja, formar um tipo particular de sujeito, que atenda ao perfil de

trabalhador requerido pelo processo produtivo atual e conformado ao modelo de

sociedade desigual.

4 O REDUCA é uma rede de organizações da sociedade civil da América Latina que trabalham para a

garantia de uma educação de qualidade para todos em seus países. Fonte: www.reduca-al.net/nosotros.

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Defensores das OSCIPs respaldam-se na ineficiência do Estado, na sua

capacidade limitada de arrecadação e defendem que a sua associação a entes paraestatais

se constitui como um mecanismo para aumentar o desenvolvimento, os recursos e

potencializar setores não atendidos, em sua plenitude, pelo Estado e também aqueles nos

quais o poder público ainda não penetrou. O TPE com seu observatório, metas e forma

de atuação tem mostrado que a Lei 9790/99 abre portas para grupos e empresas

implementarem seus conceitos na área da educação.

Referências

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científico-sociais proeminentes na educação comparada. Educação e pesquisa, São

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BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. RETO, Luís Antero, PINHEIRO, Augusto

(tradução). São Paulo: Edições 70, 201.

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TODOS PELA EDUCAÇÃO. Disponível em <https://www.todospelaeducacao.org.br/>

Acesso em: 04 out. 2017.