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À caça do cool O nome é pomposo — ou impo- nente, dependendo da pers- pectiva. Um coolhunter caça tendências, determina o que é cool e o que vai ser. Nascido em meados da década de 90, na área do marketing, onde a captação de novas tendências se traduzia em cifrões, com a venda de novos produ- tos, o termo que designa a arte de perscrutar o hori- zonte e adivinhar o que lá vem rapidamente se alas- trou ao mundo da moda e do design. Hoje, todas as grandes marcas e impérios multinacionais têm a sua equipa de coolhunters que salta para as ruas, observando tudo e perguntando às pessoas o que elas querem. Dali a dois anos, as conclusões a que chegam estarão à venda nas lojas. Aquilo que cres- ceu de forma mais ou menos espontânea ganhou forma com as empresas de coolhunting, especializa- das na análise de tendências em ascensão e declí- nio. Sítios na Internet — coolhunter.net, trendgui- de.com, scienceofthetime.com... — ganharam credi- bilidade. Em Portugal, a empresa pioneira de coo- lhunting abriu no primeiro mês do ano. E existem profissionais que, não tendo formalmente esse títu- lo, estão na proa do navio. Também há cidades cool. Lisboa é uma delas. Quer saber porquê? Expli- cações já a seguir. Venha espreitar o futuro. Paulo Macedo, editor e stylist da “Vogue” “Odeio a palavra cool. É quase tão mau como a palavra fashion. O que é ser cool? É seguires o teu instinto, teres o teu próprio estilo. Ser cool é seres único”. Quem o diz é Paulo Macedo, há sete anos director de moda da Vogue Portugal, e stylist (con- cebe todo o processo do editorial de moda). “O nosso trabalho é descodificar as tendências Ainda o ano de 2010 não começou e já alguns sabem o que vai acontecer. Não têm uma bola de cristal, mas prevêem tendências. Chamam-lhes ‘coolhunters’ TEXTO DE KATYA DELIMBEUF FOTOGRAFIAS DE TIAGO MIRANDA PAULO MACEDO, EDI- TOR DA “VOGUE”, FOTO- GRAFADO NA LOJA DA ATALAIA, DE MANUEL REIS — QUE DEFINIRIA COMO UMA PESSOA COOL, PELO MUITO QUE TROUXE À LISBOA DE VANGUARDA VER COOLHUNTERS 20 REVISTA ÚNICA · 18/04/2009

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À caça docool

Onome é pomposo — ou impo-nente, dependendo da pers-pectiva. Um coolhunter caçatendências, determina o que écool e o que vai ser. Nascidoem meados da década de 90,na área do marketing, onde acaptação de novas tendências

se traduzia em cifrões, com a venda de novos produ-tos, o termo que designa a arte de perscrutar o hori-zonte e adivinhar o que lá vem rapidamente se alas-trou ao mundo da moda e do design. Hoje, todas asgrandes marcas e impérios multinacionais têm asua equipa de coolhunters que salta para as ruas,observando tudo e perguntando às pessoas o queelas querem. Dali a dois anos, as conclusões a quechegam estarão à venda nas lojas. Aquilo que cres-ceu de forma mais ou menos espontânea ganhouforma com as empresas de coolhunting, especializa-

das na análise de tendências em ascensão e declí-nio. Sítios na Internet — coolhunter.net, trendgui-de.com, scienceofthetime.com... — ganharam credi-bilidade. Em Portugal, a empresa pioneira de coo-lhunting abriu no primeiro mês do ano. E existemprofissionais que, não tendo formalmente esse títu-lo, estão na proa do navio. Também há cidadescool. Lisboa é uma delas. Quer saber porquê? Expli-cações já a seguir. Venha espreitar o futuro.

Paulo Macedo,editor e stylist da “Vogue”

“Odeio a palavra cool. É quase tão mau como apalavra fashion. O que é ser cool? É seguires o teuinstinto, teres o teu próprio estilo. Ser cool é seresúnico”. Quem o diz é Paulo Macedo, há sete anosdirector de moda da Vogue Portugal, e stylist (con-cebe todo o processo do editorial de moda).

“O nosso trabalho é descodificar as tendências

Ainda o ano de 2010 não começou e já alguns sabemo que vai acontecer. Não têm uma bola de cristal,

mas prevêem tendências. Chamam-lhes ‘coolhunters’TEXTO DE KATYA DELIMBEUF FOTOGRAFIAS DE TIAGO MIRANDA

PAULO MACEDO, EDI-TOR DA “VOGUE”, FOTO-GRAFADO NA LOJADA ATALAIA, DE MANUELREIS — QUE DEFINIRIACOMO UMA PESSOACOOL, PELO MUITOQUE TROUXE À LISBOADE VANGUARDA

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que os designers apresentam nas colecções, einformar os leitores. Consegues antecipar es-sas tendências indo aos quatro maiores desfi-les”, que estão sempre com uma estação deavanço. “Paris é moderno e contemporâneo,Nova Iorque conservador e comercial, Lon-dres experimental. Depois, é preciso ter umolho clínico e referências. Apercebes-te dasinfluências a que os criadores foram beber,identificas grandes linhas e descontróis. Osdesigners vão beber aos cadernos de tendên-cias feitos pelos coolhunters que andam narua, e os editores de moda chegam no fim doprocesso. No fundo, só sabemos o que vai sermoda com seis meses de antecedência.”

“O que me distingue dos outros é ter acapacidade de armazenar informação que pa-

ra muita gente pode parecer inútil”, explica oeditor de moda. “Imagens de filmes, músicas,referências, pormenores que ao ver num des-file identifico e relaciono com uma série deideias: decadência do pós-guerra, festa...Também papo tudo o que é informação. Es-tou sempre enfiado nas livrarias, vejo todosos filmes, navego imenso pela Internet... Esou um papa-blogues.” Em matéria de revis-tas, Paulo não dispensa a edição francesa da“Vogue” — “Lava-me os olhos”, confessa —, a“Pop”, a “Interview” e a “W”, ou a “VanityFair”, o “Herald Tribune”, ou a “Folha deSão Paulo”, que consulta online.

E como é que esta informação se traduznas revistas de moda? “Quando faço styling,as imagens que vi servem-me para compor ce-

nários. Exemplo: a base pode ser uma caixade bombons da pastelaria francesa La Durée,que se ‘transforma’ em porcelana de Wedg-wood, e eu coloco a modelo num cenário azulturquesa ou azul acinzentado (a cor da porce-lana), só com móveis brancos, de design nórdi-co. Ou outro exemplo, que fiz com a tendên-cia do Victoriano, o ano passado. Pensei em‘Jane Eyre’, numas fotografias de IrvingPenn, inspirei-me em ‘O Piano’, da Jane Cam-pion, misturei tudo e criei a personagem deuma preceptora embarcada numa viagem aum país exótico. Depois, misturei jóias étnicase fiz o mesmo com a maquilhagem.”

Além disso, “a dada altura, percebes queas coisas são cíclicas”. “Para 2009/2010, háduas tendências fortíssimas: o rigor da alfaia-taria dos anos 40 — as estruturas dramáticas,nos casacos, nos vestidos, nos tailleurs. E adecadência dos anos 80 — festa, nightclubs,todo o ambiente nova-iorquino de Marc Ja-cobs e Miuccia Prada. Voltam em força o ca-bedal preto, o veludo dévoré, as peles (verda-deiras), os ombros larguíssimos, com enchu-maços. As saias um bocadinho abaixo dos joe-lhos. Um lado fetiche, sexual q.b., e um retor-no a uma velha-nova-elegância. Há muito deintuitivo nisto de ser editor de moda”.

Filipa Oliveira,comissária de arte contemporânea

“A melhor coisa que me podia ter aconte-cido foi ser filha de pais que trabalham naTAP”, conta Filipa Oliveira. “Só assim pudever o mundo e viajar para muitos sítios pa-gando muito pouco.” Só assim Filipa pôdetornar-se uma das comissárias de arte con-temporânea de referência do nosso país, apar de Miguel Amado. Viaja muito. Pelo me-nos uma vez por mês. Não dispensa “a Bienalde Veneza, a de São Paulo, a Documenta —imperdíveis”. A última exposição que viu foinos Emirados Árabes Unidos — a Bienal deSharjah, comissariada por Isabel Carlos.“Quanto mais vires, melhor.”

“Os novos comissários são, por definição,coolhunters”, considera. “Têm de ir à procu-ra dos artistas desconhecidos, fazer leiturasque mais ninguém fez, ver potencial onde ain-da não existe. Depois, há muitos inputs, con-versas com artistas, galeristas... Chegar àsfranjas é importante.” O nome de Filipa, 35anos, ganhou peso no mundo da arte a partirde 2004, quando, em parceria com MiguelAmado, comissariou exposições e assumiu aprogramação da Arte Contempo, galeria quemarcou a cena artística. Na altura, regressa-dos de Londres — ele de um mestrado emCuradoria, ela de um Mestrado em Históriade Arte Contemporânea, no Goldsmiths —,e já com bastante experiência no currículo,começaram por “pensar o que fazia faltaem Lisboa”. Convidaram artistas que nuncatinham feito exposições individuais, como

“Os novoscomissários são,por definição,‘coolhunters’. Têmde ir à procura”

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LUÍS RASQUINHA, ECODE UMA EMPRESA DECOOLHUNTING, NOLAVANDARIA CAFÉ, UMALOJA QUE É EXEMPLO DEUMA NOVA TENDÊNCIA.À ESQUERDA, FILIPAOLIVEIRA, COMISSÁRIADE ARTE, NA GALERIAARTE CONTEMPLO

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PATRÍCIA VASCONCE-LOS FAZ ‘CASTING’ DEACTORES HÁ 20 ANOS. OSEU TRABALHO É OBSER-VAR. PERCEBE LOGOQUEM TEM PELA FREN-TE. COMO SUCEDEU COMRAFAEL MORAIS, PROTA-GONISTA DO NOVO FILMEDE MARCO MARTINS

Cecília Costa ou Samuel Rana. “Queríamosapostar em trabalhos em que as galerias nun-ca pegariam, criar um sítio de experimenta-ção, revelar artistas de que ninguém tinhaouvido falar”, desafiá-los para saírem dosseus meios tradicionais, “como sucedeu comAdriana Molder”. Para isso, viam portfoliosatrás de portfolios, iam aos ateliês dos artis-tas, viam os trabalhos dos finalistas de Be-las-Artes (das Caldas, de Lisboa, do Porto eTomar), até acharem que estava na altura deos convidar para outros voos.

Como referências, Filipa não dispensa asrevistas “Art Forum”, “Frog”, “Frieze”, “ArtReview” e a revista da Tate online. Considerafundamental ler “os catálogos das exposi-ções”. Como tendências actuais no mundo daarte, diria que uma das mais importantes é“a ideia de troca entre o artista e o compra-dor (free exchange), não forçosamente comer-cial” — é, aliás, a temática do projecto para aFrieze Artfair de Londres que a dupla vai embreve comissariar. Outra é a ideia da interac-ção — presente, por exemplo, num projectode Dora Garcia em que uma pessoa escreve àmáquina e a história vai surgindo no ecrã,construindo-se com base nas pessoas que vãoentrando na sala, nos seus gestos e atitudes.

Outras tendências são “o retorno a umacerta espiritualidade, uma utopia perdida, deque é exemplo a exposição ‘Belief in the Ageof Disbelief’; os novos media, com as maisrecentes plataformas; o desenho, que regres-sou; ou a junção de disciplinas diferentes —como um coreógrafo e um artista plástico,ou como quando José Gil foi comissário, comum teórico da área, na bienal de Arquitectu-ra de Veneza, o ano passado”. Se tivesse quedizer o que os distingue a eles, Filipa e Mi-guel, diria que têm “uma genica enorme pa-ra fazer muita coisa”. E estão “no mundo”.“O Miguel vive em Nova Iorque, eu viajoimenso. O mundo não pode ser Portugal.”

Luís Rasquilha,CEO da AYR Consulting

“Sou a Imelda Marques dos ténis”, confes-sa Luís Rasquilha, CEO da AYR Consulting(Achieving Your Results), empresa de consul-toria e antecipação de tendências nascida emJaneiro. Se tivesse que nomear um item querevolucionou o seu dia-a dia, seriam os ténis.De há três anos para cá, quando descobriu ocoolhunting — e conheceu Carl Rohde (umdos maiores trendsetters mundiais) numaconferência sobre tendências —, assumiu ocalçado. “Mesmo quando ando de fato e gra-vata, em reuniões com CEOs”, garante. “Te-nho 27 pares”. Os ténis são cool. Mas só dehá uns anos para cá o acessório fez um come-back, descolando-se do universo desportivo eimpondo-se no do trabalho.

No escritório de Luís Rasquilha, tudo ‘api-

ta’. O espaço resume-se a 10 m2, partilhadocom a outra metade da AYR, Joana Mouta.“Não precisamos de mais”, garante Luís. “Onosso escritório é o mundo.” Mesmo em si-lêncio, os três telemóveis (Blackberry, iPho-ne e Nokia ‘normal’) vibram a toda a hora, aschamadas do Skype insistem em interrom-per. O professor de Marketing do INP (deBranding, Comunicação e Marketing do cur-so de Relações Públicas e Publicidade, e domestrado em Comunicação Integrada, pres-tes a lançar, já em Maio, o único Masters dopaís em Coolhunting) confirma: é um viciadoem novas tecnologias. Está em todas as plata-formas virtuais (Star Trecker, Linked In, Fa-cebook, Twitter, Hi 5), usa e abusa das confe-rence calls, liga-se ao Messenger todas as noi-tes para responder a dúvidas dos alunos, nun-ca desliga o telemóvel e responde a mensa-gens e e-mails mesmo de noite.

Aos 34 anos, Luís dorme 4 a 5 horas pornoite, tem sete livros publicados, troca o cafépor três Red Bull diários — e fervilha de ener-gia. Além da actividade docente, é CEO daAYR Consulting e vice-presidente do Scienceof Time, rede internacional de descobridoresde tendências, sediada em Amesterdão. Com1500 observadores em todo o mundo e 500colaboradores, identificam todos os meses 15tendências novas. Foi assim que tudo come-çou. Com o convite, de Carl Rohde para LuísRasquilha, para que o representasse em Por-tugal. Luís aceitou, com uma condição: abrira consultora com enfoque claro no mercado,para “converter os insights de tendências eminsights de negócios”. Neste momento, é a úni-ca empresa portuguesa de coolhunting, masacredita que será uma questão de meses atésurgirem outras. Desde que abriu portas, temquatro grandes projectos em mãos. Mas amaioria das empresas que o procura — “cercade uma centena” — ainda está a tentar perce-ber como é que ele as pode ajudar...

O que torna uma coisa cool? O facto de“ser atractiva, inspiradora e ter potencial decrescimento”, explica Luís. Exemplos? “AGo Natural, caso típico de um novo nicho:comida rápida, mas saudável. O papel higiéni-co da Renova às cores, vendido como produ-to gourmet. O bookcrossing (troca de livros)no Magnolia; a Shanghai Tang, a primeiramarca de luxo chinesa...” Tendências para2009? “A ‘recessão saudável’, que vai levar auma purificação das empresas, só ficando asmais competitivas. O de-friending, na Inter-net — ter menos mas melhores amigos. Deci-dir melhor antes de comprar, para poder fa-zer algumas compras emocionais. Maiorpreocupação com a sustentabilidade. E a pre-sença das marcas na vida das pessoas.”

Também as cidades podem ser mais ou me-nos cool. Inserida no projecto da Science ofTime “Cool City Hunt”, organizado em 18 cida-

des do mundo, Lisboa conquistou um honroso3º lugar, antecedida por Amesterdão e Barce-lona. De Outubro a Dezembro de 2008, 120coolhunters portugueses foram para o terre-no, com instruções para identificar stickytrends — os 120 alunos do 1º e do 2º ano decurso de Relações Públicas e Publicidade queLuís ministra. O que têm de fazer: “Estar aten-tos. Como estamos a falar de tendências, e oque é cool varia de pessoa para pessoa, istonão tem propriamente uma solidez científica.Mas identificam-se locais e tendências, comoo Lab Store, no Chiado, que une no mesmoespaço cabine de dj e urban wear; o Lavanda-ria Caffé, no Parque das Nações, onde podelavar a sua roupa das 8h às 2h da manhã en-quanto come uma refeição leve ou bebe um

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copo; o Museu Efémero, uma mostra de artepública; lojas e galerias temporárias; ou revis-tas alternativas e gratuitas, como a ‘Dif’.”

Patrícia Vasconcelos,Directora de casting

“A tendência hoje é fazerem-nos sonharmenos”, explica Patrícia Vasconcelos. “Os ac-tores escolhidos são pessoas mais tangíveis,mais acessíveis. Veja-se o caso das últimasBond Girl, como Eva Green. São mais huma-nas, mais perto de nós.” “Já não estamos nafase do ‘bonitinho’, no cinema internacional,o que se percebe olhando para a ascensão deSean Penn, ou com Brad Pitt a fazer outrotipo de papéis. O talento voltou a ser maisimportante.” Não no universo televisivo “on-

de a tendência ainda é: ‘se tiveres um palmi-nho de cara, é meio caminho andado’”. Patrí-cia faz casting de actores há 20 anos. “E écurioso que só agora começo a sentir que te-nho mesmo experiência.” “O meu trabalho éobservar. Consigo ver, de imediato, as carac-terísticas das pessoas todas nesta sala”, afir-ma, olhando em redor, para o bar do Ritz,onde nos encontramos.

Como se escolhe o protagonista de um fil-me, entre centenas? Num casting, Patrícia é“muito rápida” a decidir. “A caminhada de-les até mim dá-me de imediato uma série deinformação que me ajuda no processo de se-lecção. Depois, no 1º take, frente à câmara,vejo logo — pelo olhar — a fotogenia, o caris-ma...” Dá um exemplo. “Um dia depois de ter

“O meu trabalhoé observar.Consigo ver, deimediato, ascaracterísticasdas pessoas”

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lido o guião do novo filme do Marco Martins,‘How to Draw a Perfect Circle’, tinha um miú-do à espera no meu escritório para me entre-gar material. Percebi logo: Este rapazsaiu-me directamente do guião...! Era o pa-pel do protagonista. Percebes pelo olhar, pe-la fisionomia, pelo ar de puto sonhador, àprocura do seu espaço. Vi nele um diamanteem bruto. O realizador quis ver mais 200.Assim foi. Num fim-de-semana intensivo, se-leccionaram-se mais quatro ou cinco.” Masacabou por ser Rafael Morais, o rapaz quePatrícia sabia ser, desde o início, o protago-nista, o escolhido. Sobre ele, diz, assertiva:“Este miúdo nunca mais vai parar.”

O que é para ela imperdível, para conse-guir antecipar tendências? “Em termos de lei-

turas, a ‘Elle’ francesa. Está lá tudo, das ten-dências de moda às entrevistas aos actores eaos realizadores, passando pelos livros.”“Também vejo todos os exercícios dos trêsprimeiros anos do Conservatório, de três emtrês meses. Lembro-me perfeitamente, naprimeira vez que vi o Filipe Duarte actuar (‘ACosta dos Murmúrios’, ‘A Outra Margem’...),de ter pensado: aqui está finalmente um ho-mem que pode ombrear com o Diogo Infan-te, em termos de papéis. É bonito, tem talen-to, charme, uma voz bonita — e olhar.”

Se tivesse que apostar quem irá ser a pró-xima shooting star, Patrícia colocaria as fi-chas à frente dos nomes Rafael Morais e So-fia Dinger. Sobre esta última, conta: “Vi-a noexercício final do 1º ano do Conservatório,

não me disse grande coisa. No 2º, já me dissequalquer coisa. No 3º ano, pensei: Esta miú-da é a nova Elizabeth Taylor.” Será?

Aurélio Pereira,coordenador de recrutamento do Sporting

“Não gosto da palavra olheiro porque essesestão só a olhar. E, hoje em dia, isso não basta”,explica Aurélio Pereira. No cartão, é “coordena-dor de recrutamento” desde 1988 — ele queconta já 40 anos de dedicação ao Sporting. Umleigo diria que é o ‘chefe’ dos olheiros a nívelnacional, aquele que decide, entre as ‘descober-tas’ dos coordenadores de zona, quais os miú-dos com potencial para brilhar no firmamentodo desporto-rei. Tem 61 anos. Foi quem ‘desco-briu’ Cristiano Ronaldo ou Luís Figo. “A infor-mação é o ponto de partida”, diz. “Pode ser umadepto a dá-la, um sócio. Depois, é investigada.Comigo, uma informação jamais é ignorada.”

Como está organizado o recrutamento denovos jogadores? “Temos uma estrutura a nívelde distritos, com uma equipa de observadores— cerca de 100, 150 colaboradores, sob a alçadade 16 coordenadores de zona. Estes distribuemos jogos pelos olheiros que têm, que podem ver5, 6 jogos entre sábado e domingo, e fazem sem-pre um relatório, mesmo que não tenham en-contrado nenhum ‘tesouro’. Tem de ser alguémcom conhecimentos de futebol jovem; tem deconhecer muito bem os jogadores que estão naAcademia, para ter termo de comparação. Eter paixão, persuasão, ser dedicado...” Caracte-rísticas que até os melhores têm de possuir.

Recorda uma série de histórias de miúdoscheios de talento — umas que correram bem,outras nem tanto. “Às vezes, entre o sucesso eo insucesso está um cabelo”, desabafa. “E ofactor decisivo é sempre a cabeça.” Lembra-seperfeitamente da primeira vez que viu Cristia-no Ronaldo jogar, tinha ele 11 anos. “Fiqueialtamente impressionado com o à-vontade e adesenvoltura de um miúdo daquela idade, saí-do há dois dias de casa, na Madeira, para virfazer um ‘exame’ ao continente. A bola ajoe-lhava-se aos seus pés”. “A habilidade natural,a relação com a bola e a capacidade de adapta-ção, de se integrar fora do seu ambiente e lon-ge da família” foram factores determinantespara perceber o potencial daquele jogador.Mas há variáveis imprevisíveis, como a paixãoe o grau de entrega, a vontade de se superar, oenquadramento familiar... Por isso, cada vezmais Aurélio tem cuidado com as expectativasexageradas. “Dizer a um miúdo que vai ser apróxima estrela é um erro crasso.”

Um dos últimos tesourinhos descobertosfoi Adrian Silva, aos 12 anos. Hoje, tem 20 e jáconquistou o seu lugar na equipa de Paulo Ben-to, que não lhe poupa elogios. Quase contraria-do, pela responsabilidade que sabe ter, quandolhe pedimos um nome que sabe ir dar que fa-lar, responde: “Daniel Carriço, dos sub-21.” n

“Algo ‘cool’ temde ser atractivo,inspiradore ter potencialde crescimento”

AURÉLIO PEREIRA É O“CHEFE DOS OLHEIROS”DO SPORTING NO PAÍS.DESCOBRIU ESTRELASCOMO RONALDO OU FIGO

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