“vem, então, senhor jesus vem a mim, busca-me, encontra-me ... 05 portoghese... · qual levamos...

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In caso di mancato recapito rinviare a Uff. Poste Roma Romanina per la restituzione al mittente previo addebito. If undelivered please return to sender, postage prepaid, via Romanina post office, Roma, Italy. En cas de non distribution, renvoyer pour restitution à lʼexpéditeur, en port dû, à: Ufficio Poste Roma Romanina, Italie “Vem, então, Senhor Jesus... Vem a mim, busca-me, encontra-me, toma-me nos braços, carrega-me” Santo Ambrósio www.30giorni.it MENSILE SPED. IN ABB. POST. Tar. Economy Taxe Percue Tassa Riscossa Roma. ED. TRENTA GIORNI SOC. COOP. A R. L. ISSN 1827-627X ANO XXX - N.5 - 2012 - R$ 15,00 - 5 nella Chiesa e nel mondo nella Chiesa e nel mondo Diretor: Giulio Andreotti na Igreja e no mundo Diretor: Giulio Andreotti na Igreja e no mundo

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ANO XXX - N.5 - 2012 - R$ 15,00 - € 5

nella Chiesa e nel mondo nella Chiesa e nel mondo

Diretor: Giulio Andreottina Igreja e no mundo Diretor: Giulio Andreottina Igreja e no mundo

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Valtellina chega aos 75 anos de atividade olhando para o futuro com novas eimportantes perspectivas de crescimento, na Itália e no mundo todo. Criada comosociedade operante nas infraestruturas para a rede telefônica, hoje a Valtellina é umareferência e “sistem integrator” nos setores estratégicos para o desenvolvimento e oprogresso. Em todos os âmbitos e nas nações em que opera, aplica os critériospadrões que sempre a distinguem: grande capacidade de trabalho, seriedade e respeitorigoroso dos contratos. É uma das mais importantes empresas de Bérgamo, no sentidoabsoluto. Conta com quase 1.000 funcionários e demonstra concretamente comotradição e inovação convivem no princípio da Qualidade.

Valtellina completa 75 anos.Feliz Aniversário, futuro.

INFRAESTRUTURAS DE REDE

REDES TLC EM COBRE E EM FIBRA

PONTES RÁDIO E INTEGRAÇÃO ENTRE TLC E IT

AUTOMATIZAÇÃO ESTRADAL E FERROVIÁRIA

ENERGIA E AMBIENTE

ECONOMIA ENERGÉTICA NA ILUMINAÇÃO PÚBLICA

DATA CENTER “PRONTA ENTREGA”

Valtellina S.p.A. Via Buonarroti, 34 Gorle (Bérgamo) Itália +39 035 42 05 111 www.valtellina.com

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Na capa:O beijo à cruz, Giovanni Segantini, Kunstmuseum St. Gallen, Suíça

Capa Recordando padre Giacomo Tantardini35 “Vem, então, Senhor Jesus... Vem a mim, busca-me, encontra-me, toma-me nos braços, carrega-me”

36 O meu amigo padre Giacomo — pelo cardeal Jorge Mario Bergoglio

40 Uma amizade florescida sob o sinal de Santo Agostinho — por Pietro Calogero

43 No sulco das Beatitudes o testemunho de padre Giacomo Tantardini Homilia do cardeal Angelo Sodano na santa missa

exequial pelo padre Giacomo Tantardini

47 O cristianismo: uma história simples

— Padre Giacomo Tantardini

Neste número Ano da Fé16 Um rosário para o mundo todo Entrevista com o cardeal Fernando Filoni

— por G. Valente

18 O prefeito das Igrejas “jovens” — por G. Valente

24 Voltemos a Santo Agostinho Entrevista com o patriarca de Veneza Francesco Moraglia

— por G. Valente

25 Um patriarca para o povo — por G. Valente

Diálogo Inter-religioso32 Ter visto o Papa rezar — pelo cardeal Jean-Louis Tauran

Seções

6 Cartas do mundo todo

330DIAS N° 5 - 2012

ano

XX

X

REDAÇÃO

Via Vincenzo Manzini, 45 00173 Roma Tel.+39 06 72.64.041 Fax +39 06 72.63.33.95Internet: www.30giorni.it E- mail: [email protected]

Vice-Diretores

Roberto Rotondo - [email protected] Cubeddu - [email protected]

Redação

Alessandra Francioni - [email protected] Malacaria - [email protected] Mattei - [email protected] Quattrucci [email protected] Valente - [email protected]

Gráfica

Marco Pigliapoco - [email protected] Scicolone - [email protected] Viola - [email protected]

Imagens

Paolo Galosi - [email protected]

Colaboradores

Pierluca Azzaro, Françoise-Marie Babinet,Marie-Ange Beaugrand, Maurizio Benzi, Lorenzo Bianchi, Massimo Borghesi, Lucio Brunelli, Rodolfo Caporale,Pina Baglioni, Lorenzo Cappelletti, Gianni Cardinale, Stefania Falasca, Giuseppe Frangi, Silvia Kritzenberger, Walter Montini, Jane Nogara, Stefano M. Paci, Felix Palacios, Tommaso Ricci, Giovanni Ricciardi

Colaboraram neste número

Cardeal Jorge Mario Bergoglio, PietroCalogero, Cardeal Jean-Louis Tauran

Escritório Legal

Davide Ramazzotti - [email protected]

Secretaria de redação

[email protected]

3OGIORNI nella Chiesa e nel mondoé uma publicação mensal registrada junto ao Tribunal de Roma na data11/11/1993 n. 501. A publicação beneficia-sede subsídios públicos diretos de acordo com alei de 7 de agosto de 1990, n. 250

SOCIEDADE EDITORA

Trenta Giorni soc. coop. a r. l. Sede legale: Via Vincenzo Manzini, 45 00173 Roma

Conselho de Administração

Giampaolo Frezza (presidente),Massimo Quattrucci (vice-presidente), Giovanni Cubeddu, Paolo Mattei,Roberto Rotondo, Michele Sancioni, Gianni Valente

Diretor responsável

Roberto Rotondo

Tipografia

Arti Grafiche La ModernaVia di Tor Cervara, 171 - Roma

ESCRITÓRIO PARA ASSINATURA

E DIFUSÃO

Via Vincenzo Manzini, 45 - 00173 RomaTel. +39 06 72.64.041 Fax +39 06 72.63.33.95E-mail: [email protected] segunda a sexta-feira das 9h às 18he-mail: [email protected]

Este número foi concluído na redação

dia 10 de junho de 2012

Impressão concluída no mês de junho de 2012

FOTOGRÁFICOS: Kunstmuseum St. Gallen, St. Gallen, Svizzera/Foto Flury, Pontresina: Capa,p.35; Romano Siciliani: pp.11,18; Paolo Galosi: pp.16,38,43; Osservatore Romano:pp.17,18,20,34; Afp/Getty Images: p.19; Associated Press/LaPresse: pp.20,22,32,33; AlessandroDigaetano: p.21; Federico Roiter: pp.24,28; Foto extraída do livro Con voi e per voi, edito daCid/Gente Veneta: p.25; Valter Liotto: p. 27; Por gentil concessão do Pontifício Conselho para oDiálogo Inter-Religioso: pp.32-33; Massimo Quattrucci: pp.37,44,45,46; Franco Cosimo Panini Editore: p.53; Scala, Florença: p.57

3OGIORNInella Chiesa e nel mondo

Diretor Giulio Andreotti

N. 5 ANO 2012

pág. 35

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CUBA

Quien reza se salva e 30Días são magníficos para uma terra de missão

Havana, 1º de março de 2012

À Associação Piccola Via onlusCaros irmãos, paz e saúde!Escrevo-lhes da minha amada Cuba, país de missão,para agradecer-lhes pelo catecismo (Quien reza sesalva); também 30Días é um dos seus maravilhosospresentes. Tanto o catecismo quanto a revista têmum alto nível de ensinamento e informação católica;são magníficos para uma terra de missão, em parti-cular para as comunidades de camponeses comoaquelas com as quais trabalhamos.

Temos também um projeto – ao qual demos o no-me do beato cubano José Olallo Valdés – por meio doqual levamos ajuda às famílias com filhos com defi-ciências, tetraplégicos, ou que sofrem de gravesdoenças. Ninguém cuida destas famílias. Somam do-ze famílias para as quais peço somente a sua miseri-córdia, juntamente com a de Jesus: precisamos prin-cipalmente de material de limpeza e de leite em pó.

Já convidei várias vezes o senhor Andreotti e seuscolaboradores para virem a Cuba. Convido vocês tam-bém. Em Cuba os italianos são muito bem recebidos etemos também muitos sacerdotes vindos da Itália.

Obrigado por tudo,

Sergio León Mendiboure, missionário

MÉXICOADORADORAS PERPÉTUAS DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO

MOSTEIRO DE NUESTRA SEÑORA DE LA ESPERANZA

Cem exemplares de Quien reza se salvapara as minhas “ovelhinhas”

Cotija, Michoacán de Ocampo, 9 de março de 2012

Seja louvado o Santíssimo Sacramento.Estimada Associação Piccola Via onlusSaúdo-os cordialmente desejando que a Paz de Cris-to cubra o vosso apostolado e cada um dos membrosda Associação.

Cartas do mundo todo • Cartas do mundo todo •

30DIAS N° 5 - 2012

“Quem bem se confessa, torna-se san-to”. “Bem”, ou seja, em observância aoque a Igreja pede para fazer uma boaconfissão. Esta intuição acompanhou pa-dre Giacomo Tantardini nos últimos anosda sua vida. Repetia esta frase constan-temente: aos amigos, nas homilias. Umaintuição, explicava, nascida depois damorte de padre Luigi Giussani, comouma pequena graça recebida. Mas quetinha o seu fundamento na atenção quepadre Giacomo sempre deu ao sacra-mento da confissão. Desde o início dadécada de Oitenta, como auxílio no seuapostolado entre jovens e adultos, tinhapublicado um pequeno livro, O sacra-mento da confissão. A este livro, em2001, quis acrescentar as orações maissimples da vida cristã. Assim nasciaQuem reza se salva, traduzido em váriaslínguas (francês, inglês, espanhol, ale-mão, português, chinês) e distribuído nomundo todo. Em 2005, este pequeno li-vro de orações teve o privilégio de rece-

ber o prefácio do então cardealprefeito da Congregação para aDoutrina da Fé, o cardeal Joseph

Ratzinger, mais tarde, papaBento XVI. Quemreza se salva, repe-

tia padre Giacomo, éa coisa mais cara,

mais bela, mais impor-tante que 30Dias te-

nha feito.

QUEM REZA SE SALVA

6

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730DIAS N° 5 - 2012

Antes de tudo, minhas congratulações pela belarevista 30Giorni que faz tanto bem às almas. Todosos seus temas nos reforçam na fé, e são muitas as al-mas contemplativas às quais fazem tanto bem. Pe-direi que o vosso apostolado seja abençoado.

Pensei muito sobre este meu pedido, ainda te-nho incertezas em fazê-lo. Gostaria que vocês fizes-sem a caridade de me enviar cem exemplares deQuien reza se salva, mas sou pobre, não tenho di-nheiro. Porém, como dizia a nossa madre fundado-ra, “tenho um Esposo muito rico...!”. Confiandon’Ele e na Sua divina Providência peço-lhes gratui-tamente. “Ele que é muito rico os recompensará, osrecompensará como só Ele sabe fazer”. Digam aJesus que a sua esposa quer estes livros porque temmuitas ovelhinhas que não sabem rezar nem fazer oexame de consciência para a confissão.

Eu posso oferecer-lhes somente as minhas po-bres orações diante do Santíssimo Sacramento diae noite.

Que a nossa beata madre fundadora María Mag-dalena de la Encarnación interceda pela Associação.

Que Deus os recompense! Contem com as mi-nhas orações.

Irmã María Iolanda de Jesús,Adoradora Perpétua do Santíssimo Sacramento

FILIPINASCLARISSAS CAPUCHINAS DO MOSTEIRO DE SANTA CLARA

Who prays is saved como presente para os fiéis

Laoag City, 13 de março de 2012

Prezado senador Andreotti,paz e bem!Gostaríamos de manifestar mais uma vez a nossagratidão pela gentileza e a generosidade demonstra-das para conosco com o envio regular de exempla-res gratuitos de 30Days. A sua revista, tão rica de in-formações, há muito tempo é para nós fonte

• Cartas do mundo todo • Cartas do mundo todo • Cartas do mundo todo •

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O Santuário de Nossa Senhora do Bosque em Imbersago (Lecco, na Lombardia); à direita, a estátua lígnea de Maria e o MeninoJesus presente no Santuário

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8 30DIAS N° 5 - 2012

constante de notícias sobre a Igreja e sobre o mundoexterno, e por esse maravilhoso presente somosrealmente gratas ao senhor. Já estamos no pontoculminante das festividades pelos 800 anos de fun-dação da Ordem de Santa Clara e temos o prazer decomunicar-lhe que, enquanto estamos escrevendo-lhe, as relíquias da nossa mãe, Santa Clara, estãoaqui nas Filipinas, trazidas pelo embaixador das Fili-pinas junto à Santa Sé, e estão passando por váriascomunidades de clarissas do nosso arquipélago.Com referência a isso, pedimos com humildade ao

senhor e seus colabora-dores alguns exemplaresgratuitos de Who praysis saved. Seria um mag-nífico presente aos fiéisque no dia 11 de agostode 2012 se unirão a nóspara as celebrações porocasião da festividade danossa mãe. Gostaríamosde pedir-lhe ao menos

500 exemplares, mas se não for possível, ficaremosfelizes com o que nos enviarem. Agradecemos infi-nitamente e que o Senhor continue a abençoar-lhe etambém pelas suas intenções, enquanto nós conti-nuaremos a rezar pelo bom êxito da sua missão.

Respeitosamente,

irmã María Lilia Javier, CCS e comunidade

Laoag City, 25 de abril de 2012

Prezado senhor senador,paz e bem!Gostaríamos de manifestar mais uma vez a nossagratidão pela sua gentileza e generosidade ao res-ponder prontamente ao nosso pedido de exempla-res de Who prays is saved. Agradecemos infinita-mente por ter realizado o nosso desejo com tantaprontidão. O Senhor, insuperável na sua generosida-de, o recompense pelos seus esforços. Da nossa par-te, prometemos recordar todas as suas intenções nasnossas orações, principalmente quando estamosajoelhadas diante do Santíssimo Sacramento.

Que Deus abençoe todos nós.Respeitosamente,

pela irmã María Lilia Javier, CCS e comunidadeIrmã María Ana de San José

Cartas do mundo todo • Cartas do mundo todo •

À esquerda, Nossa Senhora

com o Menino e as duas jovens

da aparição de Gallivaggio.

O grupo lígneo de 1631

está conservado no nicho

do altar maior do Santuário

de Gallivaggio (Sondrio,

na Lombardia), foto abaixo

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930DIAS N° 5 - 2012

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGOPARÓQUIA NOTRE-DAME DE L’ASSOMPTION

Qui prie sauve son âmepara as crianças e as famílias

Boma, 19 de março de 2012

Senhor diretorGostaria de agradecer-lhe pelos rosários que re-

cebemos: são muito importantes para as crianças.Mas precisaríamos ainda dos livrinhos Qui prie sau-ve son âme, muito solicitados pelas crianças e pelasfamílias cristãs da nossa paróquia e diocese.

Obrigado por tudo o que senhor fez até agora.Que Deus lhe abençoe!

Roger Phanzu-Kumbu

GUINÉ-BISSAUMISSÃO CATÓLICA DE CANCHUNGO

Quem reza se salvapara distribuir aos jovens

Canchungo, 27 de março de 2012

Prezada redação de 30GiorniPor causa da mudança do meuendereço, somente agora rece-bi alguns números atrasados.

Pelo mesmo motivo, não re-cebi também o CD de cantosgregorianos. E pensar que ain-da tenho comigo o Liber usua-lis que comprei na década deCinquenta quando estava noseminário menor!

Também, gostaria de fazeruma proposta: vocês pode-riam me enviar a edição de30Dias em português, paraque meus coirmãos possamaproveitar. Aqui em Guiné-Bissau, o português é a línguaoficial, mesmo se o kriol sejamuito falado. Por isso, gosta-ria de aconselhar-lhes para

que todos exemplares queenviam a Guiné-Bissau se-jam em português, mesmose, naturalmente, esse as-sunto não é da minha com-petência.

Também peço, paraque me enviem algunsexemplares de Quem rezase salva, em português,para distribuir aos que têmuma ideia vocacional ou aalgum jovem interessado.Para isso envio-lhes cemeuros.

Peço desculpas pelo in-cômodo.

Padre Rino Furlato, OFM

• Cartas do mundo todo • Cartas do mundo todo • Cartas do mundo todo •

Acima e abaixo, duas imagens do Santuário de Nossa Senhoradas Lágrimas em Lezzeno (Como, na Lombardia)

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10 30DIAS N° 5 - 2012

PANAMÁPARÓQUIA DE SÃO PEDRO APÓSTOLO

Os fiéis continuam a pedir Quien reza se salva

Santa Fé, 23 de abril de 2012

Estimados irmãos,o meu nome é ArcelioCastro e trabalho há novemeses na paróquia de SãoPedro Apóstolo de SantaFé, no norte da região deVeraguas, no Panamá.

Inicialmente gostaria deagradecer de coração a to-dos os que trabalharam naelaboração do livrinhoQuien reza se salva, emparticular aos diretoresGiulio Andreotti e RobertoRotondo. Alguns mesesatrás eu recebi quinhentos

exemplares através do Mosteiro de la Visi-tación no Panamá: já foram distribuídosum para cada família e todos ficaram mui-to satisfeitos mesmo os que tinham seafastado da prática religiosa. Muitos pedi-ram emprestado para poder lê-lo em casa,com calma.

Os fiéis continuam a pedir o livrinho.Escrevo por este motivo, ou seja, fazer opedido de mais quinhentos exemplares. Sefor possível, podem enviá-los ao mesmoendereço: Mosteiro de la Visitación do Pa-namá. Caso seja necessária uma contribui-ção, peço-lhes que nos comuniquem. Nóscontinuaremos a pedir aos que receberamo livrinho, orações para os benfeitores, eeu mesmo ofereço algumas missas.

Que Deus os abençoe com abundân-cia para o sustento à nossa paróquia.

Fraternalmente,

padre Arcelio Castro

Cartas do mundo todo • Cartas do mundo todo •

Abaixo, vista do Santuário de Tirano (Sondrio,

na Lombardia): ao lado do campanário em estilo

românico-lombardo, a majestosa cúpula realizada

em 1580; à direita, a estátua de Nossa Senhora de Tirano

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1130DIAS N° 5 - 2012

MÉXICOADORADORAS PERPÉTUAS DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO

DO MOSTEIRO DE SÃO JOÃO BATISTA

Recebemos com imensa gratidão Quien reza se salvae as outras publicações

Coscomatepec, Veracruz, 25 de abril de 2012

Estimado senador Andreotti,Seja louvado o Santíssimo Sacramento!Receba uma fraterna saudação em Jesus ressuscita-do: desejamos de coração que o Senhor o abençoecom abundância e recompense a sua generosidadepara com a nossa comunidade monacal.

Somos as irmãs adoradoras perpétuas do San-tíssimo Sacramento do mosteiro São João Batistade Coscomatepec. A nossa missão é testemunhar apresença de nosso Senhor Jesus na Eucaristia,

ajoelhadas aos seus pés dia e noite, oferecendo anossa incessante oração e adoração por toda a hu-manidade. Por isso, com imensa gratidão, dirigimo-nos ao senhor, ao receber por sua grande generosi-dade a revista 30Días, o livrinho Quien reza se sal-va, “El Hijo no puede hacer nada por su cuenta” eLos cantos de la Tradición. Não tendo condiçõesde pagar por todo o bem que nos faz, pedimos aDeus nas nossas orações e colocamos na mãos deMaria Santíssima de Guadalupe as suas necessida-des e as de todas as pessoas que colaboram para

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Acima, o interior da Santa Casa na Basílica da Santa Casa

(foto à direita), em Loreto (Ancona, nas Marcas)

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12 30DIAS N° 5 - 2012

a publicação deste material enriquecedor que nosinforma e nos forma para a nossa vida espiritual. Aúltima vez que recebemos a revista foi em dezembropassado, os números mais recentes ainda não che-garam; temos a esperança de poder continuar a be-neficiar mensalmente da revista e das outras publi-cações dirigidas pelo senhor.

Certas de que Jesus Eucaristia será a sua recom-pensa e a dos seus caros e colaboradores, sauda-mos cordialmente.

Afeiçoadas em Cristo,

madre Esperanza del Corazón de Jesús e comunidade

COLÔMBIAVICARIATO APOSTÓLICO DE SAN VICENTE – PUERTO

LEGUÍZAMO

Quien reza se salvapara os catequistas

San Vicente, 1º de maio de 2012

Estimado senador Giulio AndreottiSou um sacerdote diocesano do vicariato apostó-lico de San Vicente – Puerto Leguízamo, umagrande região (noventa e seis mil quilômetros qua-drados) da Amazônia colombiana; o meu traba-lho, há mais de dez anos, é o de vigário da pasto-ral e responsável pelos setores de Catequese, Ani-mação bíblica e Pontifícias Obras Missionárias.Somos poucos e temos mais de uma responsabili-dade. Dirijo-me ao senhor para pedir-lhe, se pos-sível, que nos envie um bom número de exempla-res do livro Quien reza se salva porque gostariade dar aos catequistas e aos animadores da Pala-vra um bom instrumento como este, para quecontinuem no seu ministério de catequese.

Esta é uma Igreja local com muitas necessida-des e muitos desafios, pois muitas vezes se verifi-

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Acima, o ícone de Nossa Senhora da Saúde

venerada na Basílica romana dos Santos

Cosme e Damião, na foto à direita

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1330DIAS N° 5 - 2012

cam conflitos entre os soldados do exército na-cional, guerrilheiros das Farc (Forças armadas re-volucionárias da Colômbia), narcotraficantes egrupos paramilitares, que criam um clima deapreensão constante na nossa população e co-munidade. A opção pelos pobres e a nossa voca-ção missionária nos pedem para estarmos sem-pre com a nossa gente e para sermos a voz profé-tica para denunciar abusos e irregularidades que,de todas as partes, violam os direitos humanos eo direito internacional humanitário. Somos umaIgreja confiável e bem aceita pelos nossos fiéis.Os desafios são muitos, mas a fé e a esperança noRessuscitado nos confortam e nos encorajam acontinuar na missão que nos foi confiada. Muitoobrigado pela atenção que o senhor dará a estamissiva.

Padre Ricardo Tovar Sánchez

LÍBANOORDEM DOS PADRES CARMELITAS

Qui prie sauve son âme, instrumentosimples e prático para a oração

Hazmieh, 11 de maio de 2012

Caríssimo diretor,a paz do senhor esteja consigo!Agradeço pela revista 30Jours que recebo todos osmeses. Li muita coisa sobre o livro Qui prie sauveson âme que fez tanto bem a todas as pessoas queforam beneficiadas. Por isso, por meio desta, peço-lhe, se possível, que nos envie uma centena deexemplares, pois muitos dos nossos jovens (gruposde oração) gostariam de poder utilizar este instru-mento tão simples e prático para a oração.

Que o bom Deus continue a mantê-lo em boasaúde e abençoe a sua missão na Igreja.

Padre Makhoul Farha, OCD,Superior provincial dos Carmelitas no Líbano

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Acima, o Santuário de Nossa Senhora do Divino Amor em

Roma; à direita, o ícone venerado no Santuário

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BENIMMOSTEIRO ETOILE NOTRE-DAME

Qui prie sauve son âme ajuda a rezar bem

Parakou, 29 de maio de 2012

Senhor diretor,escrevo para agradecer-lhe pelo envio de 30Jours,uma revista muito bem documentada e com umagráfica muito bonita. Mas não é tudo. Alguns anosatrás tínhamos pedido alguns exemplares do livri-nho Qui prie sauve son âme. Todos os exemplaresforam distribuídos em pouquíssimo tempo para obem espiritual de todos os beneficiados. Agora, sãomuitos os que pedem estes livrinhos que os ajudama rezar bem. Isso evitaria também que encontras-sem refúgio nas seitas, muito numerosas no Benim.

Portanto se o senhor pudesse renovar o seu ges-to generoso, lhe saremos profundamente gratas.Um agradecimento antecipado de todas as pessoasque, graças ao senhor, se aproximarão a Deus.

Respeitosamente,

madre Bibiane Igbaro

Cartas do mundo todo •

A estátua de Nossa Senhora na Gruta de Lourdes,

na França; abaixo, a fachada da Basílica

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No dia 19 de fevereiro pas-sado, coube ao cardealFiloni a tarefa de dirigir a

Bento XVI o discurso de homena-gem em nome dos novos cardeaiscriados no Consistório do dia an-terior. Na ocasião, sua eminênciaFiloni colocou o serviço cardinalí-cio dos novos purpurados “sob aproteção de Maria, Mãe da Gra-ça”. Agora, a sua “estratégia” pa-ra viver o iminente Ano da Fé éum simples rosário. Um terço deorações a ser oferecido pelo anún-cio do Evangelho em cada conti-nente. O modo mais simples para“pedir ao Senhor o dom da fé”,para si e para os outros. Trata-sede uma Campanha de oraçãomundial para a evangelização quedeve acompanhar o Ano da Fé, àqual o Papa Bento XVI deu a pró-pria bênção em 11 de maio passa-do, por ocasião da audiência con-cedida aos Diretores Nacionaisdas Pontifícias Obras Missioná-rias, que serão os animadores dainiciativa em seus próprios países.

Fernando Filoni, prefeito daCongregação para a Evangeliza-ção dos Povos, já viveu em váriaspartes do mundo e sabe como fun-ciona. Sabe-se que é uma pessoa

reservada, que despreza fofocas,de grande eficiência no trabalho,prontidão em chegar logo ao co-ração dos problemas, procurandosoluções com muito realismo. Eque estes dotes não descrevem operfil de um “burocrata” vaticano,mas deixam transparecer uma sa-bedoria espiritual e um olhar so-bre as coisas da Igreja e do mundoque é simples e concreto. Como oterço de um rosário.

30Dias foi entrevistá-lo emseu escritório, no histórico Pala-cete romano de Propaganda Fi-de, situado na Praça de Espanha.A Congregação para a Evangeli-zação dos Povos conta com maisde mil circunscrições eclesiásti-cas, entre as quais a grande maio-ria das dioceses africanas, asiáti-cas e da Oceania, além de univer-sidades, seminários, hospitais,escolas.

Ano da Fé

“O Ano da Fé é antes de tudo um ano em que nós devemos rezar pela fé e pedir ao Senhor o dom de tê-la”. Entrevista abertacom o cardeal Fernando Filoni, prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos. Das ordenações dos bispos chineses à “campanha” de orações para o anúncio do Evangelho em cada continente

Um rosário para o mundo todo

por Gianni Valente

16 30DIAS N° 5 - 2012

Fernando Filoni recebe o barrete cardinalício do Papa Bento XVI

no Consistório de 18 de fevereiro de 2012

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Quando o senhor se tor-nou cardeal, na sua nota bio-gráfica publicada no L’Osser-vatore Romano lia-se quequando criança “a sua casaestava bem em frente à igrejada sua cidade”. Evidentemen-te, trata-se de um detalhe im-portante na sua vida...

FERNANDO FILONI: Deusoferece muitas possibilidades econstrói a nossa história baseadonaquilo que somos. Eu frequenta-va a paróquia, ajudava os sacerdo-tes durante a missa e estando comeles no altar intuía o sentido dagrande dedicação deles. Até queum dia o pároco perguntou a to-dos nós coroinhas: mas nenhumde vocês entra no seminário esteano? Levantei a mão e disse: eu!Havia muita espontaneidade in-fantil naquele gesto. Mas tambémcontava muito o fato de ter cresci-do tendo diante dos olhos a fé demeu pai e de minha mãe, nas coi-sas do dia-a-dia.

Os anos da sua preparaçãoao sacerdócio foram os doConcílio Vaticano II.

Os nossos superiores, duranteas refeições, faziam-nos ler as crô-nicas do que acontecia no Concí-lio. A televisão, mesmo se em pre-to e branco, dava-nos a imagemvisiva da universalidade e da multi-plicidade da diversidade humanada Igreja: o Papa, os patriarcas do

Oriente e os bispos que entravamem procissão na Basílica de SãoPedro. Brancos, negros com abarba, ocidentais, orientais...Quando iniciei Teologia no semi-nário de Viterbo, o Concílio tinhaterminado. As cadeiras que ti-nham sido usadas para as congre-gações gerais dos padres concilia-res foram mandadas para váriosseminários. Com as que chega-ram a Viterbo foi montada umaaula de teologia. Então assistía-mos às aulas sentando nas cadei-ras dos padres conciliares. E ten-távamos imaginar quem teria sen-tado naqueles assentos que agoraeram ocupados por nós.

O seu lema episcopal é“Lumen gentium Christus”.Recorda as primeiras pala-vras da constituição dogmáti-

ca sobre a Igreja, o documen-to mais importante criado pe-lo Concílio.

Tínhamos ficado muito im-pressionados pelo grande debatesobre a Igreja que constituíra ocoração do Concílio: “Lumengentium Christus”, tudo em ape-nas três palavras. O início daconstituição conciliar retomava omistério e a missão da Igreja. Se aIgreja não reflete a luz de Cristo,não tem motivo de existir. Tam-bém a nós era solicitado anunciare testemunhar Cristo. Esta é amissão que a Igreja confiou tam-bém a mim. Como sacerdote, edepois como bispo e também co-mo núncio.

Depois da ordenação sa-cerdotal, o senhor veio a Ro-ma para continuar seus es-

30DIAS N° 5 - 2012 17

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Acima, Bento XVI

com o cardeal Filoni por

ocasião da audiência aos

diretores nacionais da

Pontifícias Obras

Missionárias na Sala

Clementina, em 11 de

maio de 2012; à direita, o

cardeal Filoni por ocasião

da tomada de posse da

diaconia de Nossa

Senhora de Coromoto na

igreja de São João de

Deus, dia 23 de fevereiro

de 2012

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tudos. Residia e fazia seu ser-viço pastoral em uma paró-quia, e dava aulas em um co-légio secundário romano. Oque o senhor recorda daqueleperíodo?

O meu bispo deu-me a permis-são para vir a Roma para comple-tar meus estudos. Decidi ficar emuma paróquia e não em um colé-gio. Foram anos ótimos. Eu esta-va na paróquia de São Tito, queagora é intitulada a São LeonardoMurialdo. Lecionava religião naColégio Vivona, funcionante emoutra sede e que mais tarde tor-nou-se o Colégio Sócrates. Co-nheci centenas de moças e rapa-zes. Era a década de Setenta, otempo da contestação. Para mim,que estudava teologia, o contínuodiálogo com eles era uma ajudapara fazer o confronto entre o queestudávamos e a vida real. Creioque para os jovens também erauma experiência interessante ou-vir falar de teologia e de história daIgreja além da banalização que seencontrava em muitos jornais.

Como o senhor che-gou ao serviço diplo-mático da Santa Sé?

Quando o meu bispopediu para que eu voltas-se à diocese – já fazia oitoanos que eu estava fora –o cardeal vigário Ugo Po-lett i , com o seu modo

Ano da Fé

À esquerda, padres conciliares na saída da Basílica de São Pedro durante os trabalhos do Concílio Vaticano II. O lema episcopal

de Filoni, “Lumen gentium Christus”, evoca o título da constituição dogmática sobre a Igreja do Concílio; à direita, Bento XVI assina

a encíclica Caritas in veritate dia 29 de junho de 2009: ao seu lado monsenhor Filoni, na época substituto da Secretaria de Estado

Fernando Filoni nasceu em 15de abril de 1946 em Mandu-

ria, província de Taranto, em umafamília na qual o pai prestavaserviço na Polícia da Guarda Fis-cal. Completou seus estudos desegundo grau em Molfetta, no se-minário regional da Apúlia “PioXI” e os de Teologia em Viterbo,no seminário Santa Maria dellaQuercia. Foi ordenado sacerdotepor Antonio Rosario Mennonna,bispo de Nardò, em 3 de julho de1970. Depois transferiu-se a Ro-ma, onde frequentou a PontifíciaUniversidade Lateranense, gra-duando-se em Direito Canônico,e a Universidade estatal La Sa-pienza, onde graduou-se em Fi-losofia. Junto à Pro Deo (hoje Li-bera Università Internazionaledegli Studi Sociali) obteve o di-ploma superior em Ciências eTécnicas da Opinião Pública, es-pecializando-se em jornalismo.No final de seus estudos, o car-deal vigário de Roma, Ugo Polet-ti, fez-lhe a proposta de entrar naPontifícia Academia Eclesiástica.

Em 1981 iniciou a sua missãodiplomática a serviço da SantaSé em Sri Lanka. Depois foi des-tinado ao Irã de 1983 até 1985.Depois de alguns anos de servi-ços prestados na Secretaria de

Estado, em 1989 foi transferidopara o Brasil, onde permaneceuaté 1992, quando começou a re-sidir em Hong Kong. Na entãocolônia britânica a Santa Sé ti-nha aberto uma “Missão de estu-do” – formalmente ligada com anunciatura das Filipinas – paraseguir de perto a situação daIgreja na China. A sua perma-nência em Hong Kong durou atéjaneiro de 2001, quando JoãoPaulo II nomeou-o arcebispo titu-lar de Volturno e núncio pontifíciona Jordânia e no Iraque. Estavaem Bagdá durante os últimosdois anos do regime de SaddamHussein, e depois durante aguerra e os três anos seguintes,até março de 2006, quando Ben-to XVI nomeou-o núncio nas Fili-pinas. Em junho de 2007 foi no-meado substituto da Secretariade Estado, cargo que teve até 10de maio de 2011, dia da sua no-meação a prefeito daCongregação para aEvangelização dosPovos. Bento XVIcriou-o cardeal noConsistório ordináriopúblico de 18 de feve-reiro de 2012.

G.V.

O Prefeito das Igrejas “jovens”

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bondoso e simpático, disse-me:“A tua diocese já tem muitos sa-cerdotes! A Secretaria de Estadopediu-me para ver se há disponibi-lidade...”. Pode parecer uma cir-cunstância acidental. Mas paramim, ali passou também o “fiovermelho” que Deus traça na vidade cada um de nós.

Depois de um período emSri Lanka, o senhor foi man-dado para o Irã. Como eraaquele país naqueles anos?

Era o período duríssimo daguerra entre o Irã e o Iraque. Osbombardeios chegavam até Tee-rã. Era uma guerra muito cruentacom centenas de milhares de mor-tes. A Santa Sé tinha ali uma anti-ga missão, iniciada com uma re-presentação do Papa Urbano VIIIque tinha se estabelecido em Isfa-han em 1629 a pedido do xá Ab-bas o Grande, o artífice de um re-nascimento cultural e político per-sa. Uma presença que sempre te-ve altos e baixos, até o estabeleci-mento das relações diplomáticasplenas entre o Irã e a Santa Sé,ocorrida em 1953. Ali eu pudepartilhar a vida da comunidadecristã local, formada por armê-nios católicos e ortodoxos, católi-

cos latinos e caldeus. Para eles avida não era sempre fácil. Maséramos muito respeitados. Houveo caso dos funcionários da Embai-xada dos Estados Unidos que fica-ram reféns. Mas aquele aconteci-mento fez nascer também umaverdadeira estima para com anunciatura que tinha enfrentado adifícil questão de um ponto de vis-ta humanitário, sem entrar no ter-reno político. E isso foi muitoapreciado.

Depois de outras etapasdiplomáticas (Secretaria deEstado, Brasil), o senhor foimandado para Hong Kong,ponto de observação privile-giado sobre a China Popular.Na época, ainda era difusa aideia de que uma ampla parteda catolicidade chinesa, sobpressão das autoridades ci-vis, fosse levada a dar vida auma Igreja nacional indepen-dente. Qual foi a sua expe-riência em relação a isso?

Quando eu era seminarista ti-nha ficado muito impressionadopelos testemunhos de fidelidadeao Evangelho que vinham da Chi-na. Na época, li as memórias deGaetano Pollio, o arcebispo de

Kaifeng que fora preso e depoisexpulso nos primeiros anos do re-gime maoísta, tornando-se maistarde arcebispo de Otranto e de-pois de Salerno. Fiquei admiradocomo, no sofrimento, tinha servi-do a Igreja e amado o povo chi-nês. Aqueles acontecimentos vi-nham-me à mente, depois de terrecebido o encargo em HongKong. Eram os anos da aberturadeclarada por Deng Xiaoping.Agora damo-nos conta do quantotinha sido previdente a visão deDeng. A Santa Sé queria que aprópria posição internacional nãofosse identificada com Taiwan,onde há uma sede diplomática va-ticana. Portanto em Hong Kongtinha sido aberta uma “Missão deestudo”, que devia se dedicar àChina Popular, além da então co-lônia britânica e de Macau. Era omomento em que também a Igrejana China estava se reorganizan-do. A Santa Sé queria compreen-der como progredia a situação. Emanifestar a própria proximidadeaos católicos chineses que mostra-vam o grande desejo de viver a suafé em comunhão com o Bispo deRoma. Um vínculo de comunhãoque os bispos chineses continua-vam a confessar mesmo nas per-seguições.

Como o senhor considera-va as divisões existentes naIgreja chinesa entre os cha-mados “oficiais” e os “clan-destinos”?

A divisão não era o êxito de di-nâmicas eclesiais, mas de circuns-tâncias históricas e políticas. Erauma situação de sofrimento e deprovas. E precisava ajudar a Igre-ja na China, tanto a chamada“underground” quanto a nãocorretamente chamada “patrióti-ca”, a olhar a situação em umaperspectiva futura. Esclarecendo,na época, eu dizia que a situaçãodo catolicismo chinês era compa-rável a uma fonte em que a água,a um certo ponto do seu escorri-mento, ficava impedida, e dividia-se em duas diferentes direções.

1930DIAS N° 5 - 2012

Um rosário para o mundo todo

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A cidade de Falluja, no Iraque, atingida por intensos bombardeios

em novembro de 2004

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Uma parte tentava encontrar ummodo de continuar escorrendo aoar livre. A outra tinha encontradoo modo de escorrer sob a superfí-cie da terra. As duas correntes,nascidas na mesma fonte, eramde qualquer modo destinadas e seencontrarem na unidade do mar.E o mar, – dizia na época – é o co-ração de Deus. As duas comuni-dades eclesiais, se tivessem conti-nuado na fé dos apóstolos, maistarde teriam se reencontrado uni-das em Cristo. Claro, desde queas duas correntes se separaram,houve muitas complicações. Mascreio que mais cedo ou mais tardese chegará a uma solução.

Depois, como núncio, o se-nhor viveu a crucial experiên-cia no Iraque. O senhor estavalá na época dos bombardeios.

Eu estava lá no período termi-nal do regime de Saddam Hus-sein, enquanto pesavam de modoinacreditável as sanções impostaspela ONU para derrubar o regi-me. A voz da Igreja era profética.Repetíamos em todos os lugaresapenas o que víamos: que na reali-dade as sanções atingiam o povo enão o regime.

Hoje, qual é a sua opiniãosobre as intervenções mili-tares no Iraque e suas con-sequências para aquela par-te do mundo e principal-mente para as comunidadescristãs?

A guerra foi um erro em si.Não se pode pensar em impor ademocracia com a guerra. Naépoca havia condições para umanegociação. Saddam tinha mani-festado também para mim que es-te era o seu pedido. Mas como to-do líder, em particular no mundoárabe, se se quer tratar com elenão se pode humilhá-lo. Faltoucompreensão da situação. Sob oregime os cristãos sofriam injusti-ças como toda a sociedade. Mas oregime, para manter a paz inter-na, tutelava pelo menos a liberda-de de culto. Não se pode justificara guerra de um ponto de vista polí-tico e de justiça internacional.Porque o Irã que não tinha inter-vindo nos atentados de 11 de se-tembro. E a questão das armas dedestruição de massa era um pre-

texto. Um mês antes do início dosbombardeios, Saddam tinha obti-do da assembleia dos chefes dastribos a aprovação da lei com aqual o Iraque se comprometia anão possuir armas de destruiçãode massa. Todos diziam que eraimportante que isso acontecesse,que era um sinal da sua disposiçãopara colaborar. Mas não serviupara nada. Evidentemente a guer-ra já tinha sido decidida. E desdeentão entendeu-se que depois detudo chegaria o caos, e a guerradesestabilizou não apenas a pe-quena comunidade cristã, mas to-dos os aspectos da vida do país,causando dezenas de milhares demortes. Isso é o que hoje temossob nossos olhos.

Depois de um breve inter-valo de tempo nas Filipinas, osenhor foi chamado a Romacomo substituto na Secreta-ria de Estado. Como era o rit-mo e o tipo de trabalho?

O substituto é um dos primei-ros colaboradores do Papa. Res-ponde diretamente a ele e ao Se-

20 30DIAS N° 5 - 2012

Ano da Fé

À esquerda, batismos em uma

paróquia em Dili, Timor Leste; abaixo,

Bento XVI com o cardeal Filoni

por ocasião da audiência aos diretores

nacionais das Pontifícias Obras

Missionárias na Sala Clementina,

dia 11 de maio de 2012

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cretário de Estado. Para mim foium período muito belo, principal-mente porque me deu a possibili-dade de conhecer Bento XVI deperto e de ter um contato muitofrequente com ele, que é um pai,um mestre, e é extremamenteamável. São aquelas riquezas eaqueles dons de graça que quemos recebe carrega-os sempre con-sigo. E dos quais pode-se somenteagradecer a Deus. Os ritmos e o ti-po de trabalho, mesmo se inten-sos, faziam parte do dia-a-dia doescritório.

Agora o senhor é prefeitoda Congregação para a Evan-gelização dos Povos. Quaissão os critérios que o orien-tam na tarefa que lhe foi de-signada?

A Congregação de Propagan-da Fide tem uma grande história.Os que trabalham aqui sentem ogrande patrimônio deste dicasté-rio que foi, e continua a ser, tãoimportante para ajudar a vida dasIgrejas em todo o mundo. A suaprimeira razão de ser é o anúnciodo Evangelho em todos os cantosda terra. E dado que hoje a Igreja éarraigada também em muitos doslugares que antigamente eram ter-ritório de missão, Propaganda Fi-de continua e oferecer o seu servi-ço aos bispos, aos sacerdotes, aosreligiosos e aos leigos daquelasIgrejas particulares. Assim, estacontribui para exprimir a “solicitu-

de do Papa para com todas asIgrejas”: uma forma evocativa queme impressiona sempre. Com otempo, as Igrejas mais jovens tam-bém adquirem uma sua consistên-cia em termos de seminários, se-des, escolas, universidades, assis-tência à saúde nas cidades e nosvilarejos. O anúncio do Evangelhose exprime também em procurarajudar às necessidades das popu-lações. Vejo uma antiga sabedoriana decisão de ter confiado à Pro-paganda Fide o serviço e o cuida-do em favor das novas Igrejas, nãoapenas no que se refere aos as-pectos exclusivamente eclesiais,mas também em apoiar as obrasmateriais graças às PontifíciasObras Missionárias, a rede nasci-da pela intuição de Paolina Jari-cot, a venerável morta na pobrezapelas ruas de Lyon exatamentecento e cinquenta anos atrás.

A propagação da fé é as-similável a uma estratégiade expansão cultural e reli-giosa?

A dinâmica própria da evange-lização vem do próprio Cristo. ÉEle, o enviado do Pai, que man-dou seus discípulos a anunciar oEvangelho inicialmente de doisem dois, e depois dando-lhes estemandato com plenitude e de mo-do definitivo antes da Ascensão.As estratégias de expansionismosrespondem a uma lógica comer-cial ou política. O dinamismo inte-

rior da fé, na verdade, não é com-parável a tudo isso. Isso pode servisto nos Evangelhos: quando osprimeiros discípulos encontraramJesus pediram apenas para ficarcom ele, conhecê-lo, ouvi-lo:“Mestre, onde moras?”. “Vinde evereis”. E ficaram com ele. Nãohavia estratégia, não havia ideiade expansão, havia o desejo deconhecê-lo, porque ninguém fala-va de Deus como ele. Evangelizaré difícil. São Paulo sabia dissomuito bem e também o sabem osnossos missionários. Todos osanos a evangelização paga umgrande tributo, também de san-gue, mas os nossos missionários,como o Apóstolo das Gentes, têmo consolo de Deus, como paraSão Paulo, o qual, depois de inú-meras perseguições, teve o sonhoem que o Senhor lhe dizia: “Cora-gem! Tem confiança. Assim comodeste testemunho de mim em Je-rusalém, é preciso que sejas mi-nha testemunha também em Ro-ma” (At 23,11).

Como prefeito de Propa-ganda Fide, o senhor está tra-tando novamente de ques-tões referentes à Igreja naChina. As organizações go-vernamentais continuam aquerer exercer formas decontrole sobre a nomeaçãodos bispos. Como se pode en-frentar este problema?

Antes de tudo é preciso acabarcom a ideia errônea de que o bis-po seja um funcionário. Se nãosairmos dessa lógica, tudo perma-nece condicionado com uma vi-são política. Para se tornar funcio-nário de um partido ou de um go-verno há determinados critérios.Os critérios usados para a nomea-ção de um bispo são outros. E essapeculiaridade deve ser respeitada.O que nós pedimos em todos

2130DIAS N° 5 - 2012

Um rosário para o mundo todo

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Fiéis em oração junto ao santuário de

She Shan, perto de Xangai, por ocasião

da peregrinação anual de 24 de maio

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os lugares, não somente na Chi-na, é que os bispos sejam bonsbispos, dignos da tarefa que lhes éconfiada. Isto é, que sejam ho-mens de Deus e também sejamcapazes de uma visão total da vidada sua Igreja particular, para con-firmar os irmãos, ordenar os sa-cerdotes na fé e na graça de Deus.É preciso uma idoneidade particu-lar, espiritual, e uma maturidadepsicológica, que implica tambémequilíbrio e prudência. Na escolhados bispos que se faz, também na

China, estes são os critérios maisimportantes para a da Santa Sé.Sabendo muito bem, naturalmen-te, que os bispos também são ci-dadãos do próprio país, e que, co-mo tal, devem ser leais para com aprópria pátria, dando a César oque é de César, mas sem danificaro dar a Deus o que é de Deus. Co-mo sucessores dos apóstolos, é-lhes pedido para que sejam total-mente fiéis à doutrina da Igreja. Is-so não é uma “ordem” do Papa.Isso é, antes de tudo, um pedidodos fiéis. São os fiéis que depoisconcretamente julgam a idoneida-de e a dignidade dos próprios bis-pos: amam-nos ou os marginali-zam. O precioso bem que deseja oPapa e os pastores na China, eque nos é solicitado pelo Senhor,

é o cuidado pastoral do povo deDeus, o qual, na China tem umextraordinário sensus fidei, puri-ficado por anos de sofrimento.

Qual é o compromisso daSanta Sé para com a Igreja naChina?

A Igreja é uma realidade de co-munhão. Não é uma estruturaverticalista, em que o único pro-blema seja o de fazer passar as or-dens que chegam de cima. O ma-gistério não tem a tarefa de afir-mar certas ideias ou convicções

do Papa ou dos bispos. A sua fun-ção própria é a salus animarum, éa de confirmar o povo de Deus nafé e na fidelidade a Cristo, é de vi-ver, na comunhão com toda a Igre-ja, na fidelidade ao Papa. Na Chi-na, como em outros lugares, ondehá dificuldade, é preciso intervir etalvez corrigir, se necessário. Masmesmo neste processo ninguémdecide sozinho. Conta a interven-ção dos fiéis, o consenso dos sa-cerdotes e dos bispos. A Igreja viveneste mundo e caminha na histó-ria. É essencial que também na re-lação com a realidade civil e políti-ca os bispos, os sacerdotes, os reli-giosos e os fiéis ajudem a Sé Apos-tólica dando elementos de avalia-ção. A única coisa que não se podefazer é separar e contrapor o su-

cessor de Pedro aos bispos, ou en-tão os sacerdotes aos bispos, emanter a unidade do povo deDeus. Aqui voltam as palavras daLumen gentium: se a Igreja é Po-vo de Deus e Corpo de Cristo, nãose podem colocar em contraste oselementos que pertencem tanto àsua tradição quanto à sua realida-de viva.

Bento XVI proclamou umAno da Fé. De que modo o se-nhor e o seu dicastério serãosolicitados pela perspectivasugerida pelo Papa a toda aIgreja?

Nós, como Congregação,olhamos para o Ano da Fé naperspectiva do primeiro anúncio.E cremos que o Ano da Fé seja an-tes de tudo um ano em que deve-mos rezar pela fé, ou seja, pedirao Senhor o dom de tê-la. Sem is-so, todas as nossas obras e a redede ajuda que abrange o mundo to-do, em particular o missionário,perderiam a sua verdadeira razãode ser. Por isso tivemos a ideia dedar um pequeno sinal concreto:difundiremos um simples rosáriono qual as contas intermediáriasentre uma dezena e outra serãode uma cor diferente, represen-tando os cinco continentes, signi-ficando que aquela dezena é parti-cularmente dedicada às exigên-cias da evangelização e da fé da-quele continente (as cores são:branca para a Europa, vermelhapara a América, amarela para aÁsia, azul para a Oceania e verdepara a África). Serão difundidosem todo o mundo, recolhendo ospedidos de adesão também atra-vés da internet. Assim todos osque quiserem, poderão rezar pelaMãe de Jesus para o anúncio doEvangelho em todos os continen-tes. Agrada-me pensar no conviteque, em Caná da Galileia, Mariafazia aos ajudantes: “Façam o queele disser”. Se ouvirmos este con-vite, estaremos certos de que oSenhor não deixará faltar à SuaIgreja o melhor vinho da fé paratodo o mundo. q

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Ano da Fé

A oração do rosário na Catedral da Imaculada Conceição em Pequim

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“Não seremos capazesde oferecer respos-tas adequadas, sem

um acolhimento renovado dodom da Graça; não saberemosconquistar os homens para oEvangelho, se nós mesmos nãoformos os primeiros a viver umaprofunda experiência de Deus”.São palavras de Bento XVI aosbispos italianos reunidos em as-

sembleia plenária, dia 24 de maiopassado. Enquanto se aproximao Ano da Fé, o sucessor de Pedronão perde ocasião para sugerir aúnica coisa que realmente consi-dera muito. São tempos confu-sos, a serem vistos, todavia, com“um olhar reconhecido pelo cres-cimento do trigo bom tambémnum terreno que se apresentamuitas vezes árido”. Tempos em

que a atualidade eclesiástica pare-ce tornar mais evidentes e lumi-nosas as palavras de Jesus “Semmim nada podeis fazer” (Jo15,5). “Eis que estou convosco

por Gianni Valente

“Falar da Igreja apenas em termos de programação leva inevitavelmente a pensar que, tudo somado, o ato de fé parte dos homens. E esta é a transposição, em termos pastorais, do pensamento de Pelágio”. Entrevista com Francesco Moraglia, patriarca de Veneza

Nestas páginas, o novo patriarca

de Veneza Francesco Moraglia durante

a cerimônia de posse em 25 de março

de 2012

Ano da Fé

Voltemos a Santo Agostinho

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todos os dias, até o fim dos tem-pos” (Mt 28,20).

Neste contexto monsenhorFrancesco Moraglia viveu os pri-meiros passos do seu ministériocomo novo patriarca de Veneza.As suas respostas, na entrevistaque segue, são uma ajuda simplespara viver como tempo propícioo iminente Ano da Fé. Livrando ocampo de todo risco de “auto-ocupação” eclesial.

Bento XVI, durante a suaviagem a Portugal, disse:“Muitas vezes preocupamo-nos afanosamente com as con-sequências sociais, culturais epolíticas da fé, dando por cer-to que esta fé exista, o que in-felizmente, é cada vez menosrealista”. Depois convocouum Ano da Fé. O que o Papaquis sugerir deste modo?

FRANCESCO MORAGLIA:Convocando o Ano da Fé, o San-to Padre quis indicar aquela quedesde sempre – portanto hojetambém – é a realidade que fun-damenta a vida do crente e daIgreja, ou seja, a fé.

É justamente a concepção quese tem da fé que determina o con-sequente modo de entender ocristianismo, e sendo a fé o inícioda vida cristã, então para a fé valeo que o evangelista Marcos diz apropósito da parábola do semea-dor: se não compreendeis estacomo podeis entender todas asoutras parábolas? Enfim: segun-do a ideia que temos da fé, origi-na-se e desenvolve-se um tipo decristianismo ou um outro.

Os jornais escrevem: esseAno da Fé serve para “revita-lizar” a fé. Mas nós temos po-der para isso? Somos nós – aIgreja, o Papa, ou os fiéis – osartífices da nossa fé?

A Igreja, o Papa, os fiéis, as-sim como os teólogos, não são aorigem do ato de fé e da vida docrente.

Por isso devemos prestar aten-ção de como falamos. No âmbito

humano e eclesial a linguagem re-veste uma importância funda-mental; ora, falar da Igreja ape-nas ou principalmente em termosde programação, assim como re-duzir a evangelização a uma ques-tão de linguagem, leva inevitavel-mente a pensar que, tudo soma-

do, o ato de fé parte dos homens.Desse modo tudo é reduzido auma operação humana. Mas esta– considerando muito bem – é atransposição, em termos pasto-rais, do pensamento de Pelágio;no meu modo de ver, hoje, maisdo que nunca, devemos recor- ¬

Francesco Moraglia, segundofilho de quatro irmãos (duas

mulheres e dois homens), nas-ceu em Gênova dia 25 de maiode 1953. Seu pai era advogado –falecido em fevereiro passado –e sua mãe professora e depoisdona de casa. Foi ordenado sa-cerdote em 29 de junho de 1977.

Em 1979 foi nomeado vice-pároco de uma paróquia do cen-tro de Gênova, cargo que man-teve até o f inal de 1988. Em1981 obteve o doutorado emTeologia Dogmática e em 1986começou a dar aulas no InstitutoSuperior de Ciências Religiosasda Ligúria, lecionando TeologiaDogmática Fundamental e Teo-logia Sacramentária. De 1994 eaté 2007 foi também diretor domesmo Instituto. A partir do finalda década de Oitenta deu aulastambém de Cristologia, Antro-pologia, Teologia Sacramentá-ria e História da Teologia na Fa-culdade Teológica da Itália Se-tentrional, seção do Semináriode Gênova.

De 1990 até 2007 foi assis-tente diocesano do MEIC (Movi-mento eclesial de empenho cul-tural). A partir de 1995 foi nomea-do diretor da Comissão diocesa-na para os problemas pastoraisdos movimentos religiosos alter-nativos e das seitas, e também –a partir de 1996 – diretor do De-partamento diocesano para acultura e a universidade.

Em 6 de dezembro de 2007foi nomeado bispo da sede prin-cipal de La Spezia – Sarzana –Brugnato. Foi ordenado bispopelo cardeal Angelo Bagnascoem 3 de fevereiro de 2008.

Em abril de 2010 foi nomeadodiretor do conselho de adminis-tração da Fundação de Comuni-cação e Cultura da ConferênciaEpiscopal Italiana, da qual de-pende TV2000.

Bento XVI nomeou-o patriarcade Veneza em 31 de janeiro de2012. No dia 29 de maio de 2012foi eleito presidente da Conferên-cia Episcopal do Trivêneto.

Paralelamente à entrada e aosprimeiros meses de ministériopastoral em Veneza, ao novo Pa-triarca já foram dedicados dois ins-tant-book editados pela Cid/GenteVeneta: Francesco, Patriarca deidue mari (com o prefácio de DinoBoffo) e Con voi e per voi (com pre-fácio de padre Sandro Vigani).Destes livros foram extraídas al-gumas fotos destas páginas.

G.V.

Um patriarca para o povo

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dar o nome de Agostinho, a cujaescola todos, pastores e fiéis, de-vemos retornar.

Voltando à sua pergunta: aIgreja, o Papa e os fiéis podem –propriamente falando – revitali-zar a fé, principalmente, colocan-do-a com renovada força ao cen-tro da vida eclesial e propondo-acomo método de vida, melhor,como o caso sério do cristão.

Como inicia a fé? Pode sero resultado de um plano edu-cativo que faça transparecero sentido religioso do ho-mem?

Limito-me a dizer que a fé,sendo o termo da graça, é purodom! De fato, não gostaria que,principalmente no contextoatual, diminuindo o vigor de talafirmação se acabasse – como jádisse – por qualificar a fé em ter-mos demasiadamente humanos.Certamente a expressão: a fé épura graça, deve ser entendida nosentido de que a fé sempre nos éoferecida de modo humano, ouseja, interpelando a nossa liber-dade e jamais prescindindo destacomo da nossa responsabilidade.

Como se mantém, se ali-menta e cresce a fé? Comofazer para não perdê-la? Équestão de tenacidade?

A fé se mantém simplesmentevivendo-a cotidianamente nacompanhia da Igreja; dia apósdia, portanto, ela se alimenta ecresce se pertencermos ao mun-do da fé e renovarmos todos osdias a escolha da fé; em outrostermos, deixando-se levar pela fée recordando que – na realidadeda vida – para o cristão tudo édom. Certamente, descobrir-secriaturas e alegrar-se em sê-lo,sentir-se na própria pessoa e naprópria história como parte deum todo, de um projeto que sem-pre nos precede e acompanha, éesta, podemos dizer, a graça daobra. Considero particularmenteeficaz a expressão usada porBento XVI em Porta fidei: “A fécresce quando é vivida como ex-periência de um amor recebido eé comunicada como experiênciade graça e de alegria....”.

Quando se fala da fé, aschamadas ao Espírito, à Gra-ça, a Jesus, às vezes pare-cem formulários rituais, pre-missas obrigadas pelo “jar-gão” eclesial, para depoispassar ao “assunto verdadei-ro” em que a atenção é dadaà estratégia, à fórmula a seradotada, ao plano educacio-nal que nos é confiado.

Algumas vezes acontece queestas chamadas estejam quaseausentes da linguagem mesmodos que se confessam cristãos!Deste modo enfraquecem osfundamentos da vida batismal. Eisso é ainda mais grave se pen-sarmos que a linguagem é a má-xima força expressiva da culturade uma pessoa; em algumas ca-tequeses, por exemplo, passou-se da confissão de Jesus Salva-dor, a Jesus entendido comomestre, depois amigo, e enfimcomo força espiritual.

Mas se a fé, que na vida dapessoa e da Igreja é essencial-mente dom e cumprimento, édesvalorizada nessa sua dimen-são, e tudo leva a se tornar pro-gramação pastoral e construçãohumana, ofuscando o Espíritoem escolhas organizativas, en-tão também a salvação se tornaum fato de pura programaçãoteológica e organização pasto-ral. Os exemplos não faltam por-tanto limito-me a indicar um de-les em âmbito celebrativo litúrgi-co: o hiperativismo criativo e umcerto protagonismo diante daassembleia.

Em muitos discursos, a féé identificada e contrario,como se a sua afirmação fos-se antes de tudo uma respos-ta a tendências e filões cultu-rais da modernidade em quevivemos. O que o senhorpensa desse tipo de aborda-gem? A fé tem como primeiroandamento expressivo a con-futação cultural da não-fé?

Sim é verdade, o risco indica-do existe mesmo.

A fé, antes de tudo, deve ser afiel a si mesma, ou seja, deve dizerJesus Cristo, dizê-lo bem, dizê-loa todos, dizê-lo de modo com-preensível e a partir – como ensi-na a Dei Verbum – da Palavra deDeus transmitida pela Igreja.

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Ano da Fé

Jesus e a Samaritana, detalhe

dos mosaicos da Basílica

de São Marcos em Veneza

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A crítica que era dirigida a umacerta manualística coincidia justa-mente pelo deixar-se levar pordeterminadas “questões” que sequeria confutar, terminando porreduzir e até mesmo desvirtuar,de maneira inaceitável, as verda-des de fé que, por si, queria-seanunciar.

Concretamente, paraaproveitar da ocasião do Anoda Fé, o que é preciso fazer?Tomar iniciativas? Fazer dis-cursos?

A fé é resposta a uma pessoa –à pessoa de Jesus Cristo –; entãoos discursos, as conferências, oscongressos por si são ainda insu-

ficientes diante da realidade hu-mano-divina da fé; seria suficien-te se a fé se colocasse unicamenteno plano humano, se fosse umapura escolha ética ou uma tese fi-losófica. Porém a fé, ao invés, pe-de para ser colhida e vivida na suarealidade sacramental, ou seja,realidade humana e divina.

Tenho certeza, para fazer umexemplo, que uma mais intensaparticipação e cuidadosa educa-ção à celebração litúrgica, porparte do povo de Deus – pasto-res e fiéis –, em vista de uma re-novada vida de caridade paracom Deus e o próximo, seja umaproposta congruente, um pontocerto de partida, em vista doAno da Fé.

Trata-se, repito, de envolvertoda a comunidade eclesial noevento da Páscoa – morte/ressur-reição – de Cristo; deste modo so-mos logo levados ao centro doevento salvífico que se pode co-lher somente na fé; o coração doato eucarístico se caracteriza, jus-tamente como mysterium fidei.

Se a fé é um dom de gra-ça, no início e em cada passodo caminho, o que isso com-porta para a Igreja, para asua forma e para as suas di-nâmicas?

Comporta inúmeras coisas. In-dico uma que me parece ajudar acompreender: aludo ao uso do ad-

jetivo possessivo “nossa”, coloca-do diante do substantivo Igreja; es-se é um modo de se exprimir quecomunica proximidade, afeto,simpatia para com a Igreja, porémse não se tem a prontidão de man-tê-lo unido à outra expressão:“Sua” Igreja, o risco é de conside-rarmos a Esposa de Cristo comouma nossa criatura, um nosso pro-duto, uma realização humana que,resumindo, justamente porque é“nossa” podemos sempre e de no-vo reconstruir ou destruir comoquisermos. Ao invés, a Igreja antesde tudo, é Sua, ou seja é de Cristoque, segundo a bela simbologiapatrística dos primeiros séculos,depois retomada na Idade Média,é o sol, enquanto a Igreja se coloca

como mysterium lunae e é total-mente iluminada pelo sol.

Às vezes, também na nos-sa recente atualidade ecle-sial, esta percepção do pon-to de origem da Igreja pare-ce se ofuscar para muitoscristãos, com uma espéciede inversão: de reflexo dapresença de Cristo, passa-sea sentir a estrutura eclesialcomo uma realidade empe-nhada em atestar a si mes-ma a própria presença rele-vante na história. E estaatestação de s i mesma éapresentada como um modopara “demonstrar” a credi-bilidade do cristianismo. Aque podem levar estas dinâ-micas?

Se perdermos de vista que oevento cristão é algo real e histó-rico, que se refere à carne e aosangue, então este fato nos leva auma visão “espiritualista” quenão consegue mais interceptar ohomem concreto feito de carne esangue.

Assim, se perdermos de vistaque a Igreja é corpo de Cristo,então, em cada circunstância, aIgreja estará em busca da sua le-gitimação e afirmação, tornan-do-se auto-referencial. Pense-mos aos dois discípulos de Emaúsque não percebem o Ressuscita-do, continuam a falar dos seusproblemas, das suas tristezas enão conseguem abrir os olhospara Ele e vê-lo.

É o drama, sempre possível,da auto-referencialidade da Igre-ja, que quer dizer: perda da suaidentidade sacramental; a Igreja,de fato, nos recorda ainda o Vati-cano II, na Lumen gentium, ésacramento de Cristo e, assim, oofuscamento desta realidade nãoé pouca coisa.

De modo análogo, às ve-zes parece que a intenção deatestar a fé no mundo sejaconfiável a iniciativas ex-traordinárias ou mesmo es-petaculares.

2730DIAS N° 5 - 2012

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Voltemos a Santo Agostinho

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Mas encaminhar-se nesta di-reção quer dizer contrastar o queJesus disse e fez no Evangelho, ecom a própria realidade do viverhumano, feito de gestos cotidia-nos. Fazendo assim, a Igreja seautodestruiria, não se pode viver,com efeito, de coisas extraordi-nárias, mas ordinárias: as coisasde todos os dias; o Evangelhonão é para poucos eleitos e não éfeito de coisas vividas una tan-tum. Ao contrário, é questão desalvação todos os dias e para ca-da homem.

O iníc io do Ano da Fécoincide com os cinquentaanos do início do ConcílioVaticano II. Alguns atribuema crise de fé diretamenteàquele evento, chegando ainterpretá-lo como a origemdo retrocesso do cristianis-mo ou até mesmo como oinstrumento de penetraçãode um pensamento não cató-lico na Igreja. Qual é a suaopinião sobre isso?

A minha ordenação sacerdo-tal ocorreu em 1977, portantoposso dizer que nasci teologica-mente e como sacerdote depoisdo grande evento eclesial doConcílio Ecumênico Vaticano II.Se relermos os textos conciliares,se interpretarmos o espírito apartir da letra e não contra a le-tra, se não nos jogarmos em afir-mações do tipo: “por fidelidadeao Concílio é preciso ir além doConcílio” (frase na qual cada umpode encontrar o que, a cadavez, mais lhe agrada), então nãopodemos deixar de considerar oConcílio como uma verdadeiragraça para a Igreja do nosso tem-po. Aqui também, mais uma vez,Bento XVI nos indica a estradaprincipal falando da hermenêuti-ca da reforma na continuidade etomando distância de toda a her-menêutica de ruptura.

O Ano da Fé teve o seu pre-cedente no ano de 1967 comPaulo VI, que culminou naproclamação do Credo do po-

vo de Deus. Como o senhorviveu pessoalmente aqueleperíodo, como o recorda?

Na época eu era um adoles-cente, tinha quatorze anos, re-cordo bem que se sentia nosmeios de comunicação e de con-sequência na sociedade, o cresci-mento de um clima suspeito e to-davia hostil ao magistério da Igre-ja. Via-se com clareza a tentativade dividir as estruturas eclesiais,contrapondo o magistério – prin-cipalmente o do Papa – aos fiéis,considerados o verdadeiro povode Deus. Esquecia-se, ou talveznão se quisesse recordar, que aLumen gentium, falando do po-vo de Deus como do depositáriodo poder profético e carismático,afirma, citando Agostinho: “Auniversalidade dos fiéis não podeenganar-se na fé...’quando desdeos bispos até o último dos fiéis lei-gos’ (cf. Santo Agostinho, Depraedestinatione Sanctorum14, 27: PL 44, 980) manifestaconsenso universal em matériade fé e de costumes”. Eram anosem que, com uma oportuna cate-quese, se deveria mais do nuncasustentar e acompanhar a fé dossimples diante do excessivo po-der dos especialistas.

O Ano da Fé coincide comuma crise econômica que es-tá abalando até as socieda-des mais desenvolvidas. Al-

guns dirão que se busca re-fúgio no espiritual para su-portar os problemas mate-riais. Que relação tem a fé,por exemplo, com a perdade emprego que está angus-tiando milhões de pessoastambém na Itália?

Refugiar-se na fé apenas paranão sofrer pelos problemas ma-teriais corresponde a uma ideiaerrada de fé; aquele que crê,com efeito, é aquele que está aolado do Senhor Jesus indepen-dentemente do fato de que ascoisas, humanamente, vão bemou mal.

A fé, “sobretudo”, não se re-fere a alguma coisa que seja se-cundária ao homem. O homemnão está já realizado em si pres-cindindo da sua relação com Je-sus Cristo. Ao contrário, a fé éaquilo que leva à realização dohumano respeitando-o na suaespecificidade e autonomia.

Dito isso, certamente a fé sus-tenta de modo particular os queatravessam momentos difíceis,ajudando-os a vivê-los e colocá-los em um horizonte mais am-plo; porém com isso a fé não exi-me o crente da realização de to-dos os passos que humanamentedeve cumprir e daquilo que tem apossiblidade de fazer .

Em uma historieta, que circu-lava em âmbito teológico, al-

28 30DIAS N° 5 - 2012

Ano da Fé

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guns anos atrás, contava-se queum navio estava afundando e,então o comandante ordenou:“Os ateus às bombas e os cren-tes a rezar!”.

O senhor nasceu e cres-ceu em Gênova e agora é pa-triarca de Veneza. Há algu-ma coisa particular que ca-racteriza e aproxima a fédas gentes do mar?

O amor à própria história e aligação às próprias raízes, omanter vivas as recordações e astradições, o valor dado à religio-sidade popular e, ainda, enten-der o sentido da vida como via-gem, e ir na direção de uma me-ta. Enfim, também, uma grandeabertura ao futuro e aos outros.Por outro lado, o mar une mar-gens de países e continentes di-ferentes, o mar torna possível acomunicação entre os homensatravés de encontros e trocascomerciais mas principalmenteculturais; enfim, o mar, justa-mente na sua imensidade, tor-na-se símbolo de Deus e da suainfinidade.

E o que o senhor diria dasua fé? Como nasceu? Quaisacontecimentos e encontrosa alimentaram?

A minha fé, como assenso àsrealidades cridas, é, agora, a

mesma de muitos anos atrás en-quanto eu me preparava à pri-meira comunhão e de quando euera coroinha; considero isso al-go muito belo porque refletemais uma vez a verdade do Evan-gelho. Aludo ao convite de Je-sus: deixai vir a mim as crianci-nhas; assim é que a fé aparece –como é realmente – para todos:crianças e adultos, simples edoutos, ricos e pobres; aqui apa-rece, em um sentido verdadeiro,toda a “democraticidade” da fé.A modalidade de adesão, não to-ca a substância do ato de fé queestá, justamente, na graça, ade-são ao mistério e não elaboraçãocultural. Justamente por isso, osdiferentes e múltiplos modos deadesão, mais ou menos cultos,não tocam a própria fé, ou seja,o sim que salva.

E quais indicações o se-nhor dará para viver o Anoda Fé?

A indicação é redescobrir a fénas suas características próprias,superando qualquer provável re-dução e desvirtualização. O riscoé fazer disso uma realidade inte-lectual ou sentimental, não co-lhendo-a mais como evento sal-vífico que leva a completar a hu-manidade; o homem, sozinho,não consegue e a fé permite-lhe

de completar a sua humanidade,a fé completa aquilo que a minhacriaturalidade somente entrevê epreanuncia.

Por isso, a indicação de méto-do que Jesus dá aos seus, quan-do os chama ao apostolado, éfundamental. À pergunta: mes-tre, onde moras? Jesus respondeconvidando-os a segui-lo. Nóstambém no início deste Ano daFé, como primeira coisa, deve-mos redescobrir a vida eclesialcomo sequela Christi. Trata-sede viver não somente na Igrejamas, como dizia quase um sécu-lo atrás Romano Guardini, aIgreja. E para fazer isso é funda-mental reconcentra-se em umaoração mais autêntica – espe-cialmente a litúrgica – e tambémdescobrir o gesto humilde da pe-regrinação, sinal de um caminhocomum rumo a meta, que é o Se-nhor Jesus, início e cumprimen-to da nossa fé.

Papa Luciani, que tambémfoi patriarca de Veneza, comoPapa fez as suas primeiras ca-tequeses sobre fé, esperançae caridade. De que modo a fi-gura deste Papa pode ofere-cer temas de edificação naatividade pastoral?

Este ano se comemora o cen-tenário do seu nascimento e pro-curaremos celebrá-lo de mododigno. Para alguns foi até mesmorepreendido por ser fiel demais aoPapa e ao seu magistério. Na rea-lidade ele tentou até o fim harmo-nizar as coisas e encontrar solu-ções aos problemas. E hoje, hámais de trinta anos da morte, estepatriarca permanece uma recor-dação muito viva no povo e nasparóquias. Os venezianos, tantoda terra quanto do mar, conser-vam uma lembrança gratificante eafetuosa da passagem deste pa-triarca. É recordado como um ho-mem de Deus, um pastor que dei-xou uma marca entre o povo, pe-la concretitude dos seus sermõese pela sua capacidade de diálogoe de ouvir. q

2930DIAS N° 5 - 2012

Jesus

ressuscitado

e o apóstolo

Tomé, detalhe

dos mosaicos

da Basílica

de São Marcos

em Veneza

Voltemos a Santo Agostinho

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Recentemente um profes-sor da Universidade deTúnis dirigiu-se aos seus

estudantes assim: “Estejam aten-tos a não deixar cair as canetasde suas mãos, porque senão nas

suas mãos ficarão as facas”. É umaviso muito sábio. Quanto mais asituação é precária, mais o diálo-go é necessário, porque não háalternativa. Certamente para nóscristãos – nas escolas, nas univer-

sidades e nos hospitais que man-temos nos países com maioriamuçulmana – temos o cuidado detestemunhar o nosso amor paracom todos e sem condições oudistinções, e os nossos amigos

Igreja Diálogo inter-religioso

32 30DIAS N° 5 - 2012

pelo cardeal Jean-Louis Tauran

É o que contano diálogo com o islã. Notas e reflexões do presidente do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso

Ter visto o Papa rezar

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muçulmanos apreciamsinceramente este com-portamento. Dia após dia,trabalhando neste Pontifí-cio Conselho, redescubrouma dimensão algumasvezes deixada de lado: osnossos amigos muçulma-nos respeitam as pessoasque rezam. Uma liturgiaou uma Eucarist ia bempreparadas e bem celebra-das constituem um válidotestemunho cristão. Ja-mais esquecerei, quandoestava na Secretaria de Es-tado, o que me disse umembaixador de rel igiãomuçulmana, vindo para atradicional visita de despe-dida: “Depois de três anosde missão junto à Santa

Sé, o que mais me impressionounão foi a sua posição política so-bre o Oriente Médio ou o prestí-gio da diplomacia pontifícia, maso fato de ter visto o Papa rezar”.Creio que isso seja para nós umtipo de convite para sermos sem-pre pessoas de fé, a não ter medo

de manifestá-la. Obviamente po-dem existir obstáculos externos(a discriminação por motivos reli-giosos) ou também internos (ig-norância, pecado) que fazemcom que o nosso testemunhonão seja sempre luminoso.

É importante que os que fa-zem o diálogo tenham uma ideiaclara do conteúdo da própria fé eum perfil espiritual bem determi-nado: não pode existir um diálo-go fundamentado na ambiguida-de. Infelizmente, muitos jovenscristãos têm uma ideia superficialdo conteúdo da sua fé, por isso éuma grande graça ter um papacomo Bento XVI, que sabe teste-munhar e ensinar que a nossa fénão é um sentimento ou umaemoção – talvez também o sejaem alguns momentos – e certa-mente não é um mito. Jesus Cris-to existiu, foi homem entre oshomens, viveu em um período eem um lugar historicamente de-terminado pela história, foi mor-to e ressuscitou. Papa Bento fala-nos também do equilíbrio entrerazão e fé. Em uma homilia na

Alemanha, dizia: “A fé é simples.Cremos em Deus, princípio e fimda vida humana. Naquele Deusque entra em relação conosco,seres humanos”. Mas se pergun-tava: “É uma coisa razoável?”. Eespecificava: “Nós cremos quena origem está o Verbo eterno, aRazão e não a Irracionalidade”(santa missa em Regensburg, 12de setembro de 2006).

Ao lado da fé e da razão, étambém importante a amizade.O diálogo inter-religioso não éum diálogo entre as religiões,mas entre os crentes chamados atestemunhar no mundo de hojeque não só de pão vive o homem.Tudo começa com o respeito pa-ra terminar com uma respeitosaamizade. Quando estamos diantede alguém que crê e reza de mo-do diferente do nosso, é preciso,antes de tudo, tomar tempo paraolhá-lo, entender as suas aspira-ções espirituais; mais tarde fare-mos o exame do que nos distin-gue e do que, ao invés, nos une. Ese existe um patrimônio comum,então cabe a todos nós ofere-

3330DIAS N° 5 - 2012

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Acima, fiéis iraquianos em uma igreja caldeia em Bagdá. Na página ao lado, Bento XVI durante a recitação do rosário;

à esquerda, o cardeal Jean-Louis Tauran entre os estudantes do Centro de Formação Profissional Inter-Faith,

em Bokkos, na Nigéria

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cê-lo à sociedade circunstante,porque o diálogo religioso não édestinado à minha comunidade,mas à outra, à do meu interlocu-tor. O diálogo é uma abertura quenos chama a aproximarmo-noscom delicadeza à religião e à cul-tura dos outros.

O que mais me ajuda no meutrabalho? O testemunho admirá-vel dos cristãos que tive a graçade encontrar nos países do Mé-dio e Extremo Oriente e recente-mente na África. Sua adesãoconvicta à fé, sua fidelidade àIgreja, o afeto filial que têm peloPapa, tudo isso é de grande ajudapara todos. Jesus está ali, nestaspequenas comunidades. É a fédos simples, disponíveis em aco-lher o bispo que os visita, a pedira bênção porque sabem atravésde uma fé intuitiva que a Igreja éuma família.

Claro, depois da minha orde-nação sacerdotal não imaginavaque devia viver o meu sacerdóciopraticando o diálogo, primeiro“diplomático”, depois “inter-reli-gioso”, ainda que, sobre as ima-gens da minha ordenação sacer-dotal, eu tivesse mandado impri-mir as palavras de Paulo aos Co-ríntios: “Somos, pois, embaixa-dores de Cristo; é como se Deusmesmo fizesse seu apelo atravésde nós. Em nome de Cristo, vossuplicamos: reconciliai-vos comDeus” (2Cor 5, 20).

O diálogo inter-religioso per-mitiu-me, devo confessar, apro-fundar a minha fé, porque quandopeço a alguém como vive a pró-pria fé, sei que depois será coloca-da a mim a mesma pergunta. Nomundo pluralista de hoje, é neces-sário como nunca que se diga cla-ramente a razão “da sua esperan-ça a todo aquele que a pedir ... po-rém, com mansidão e respeito”,como recomendava Pedro (cf. 1Pd 3, 15-16).

Recentemente eu estava naNigéria e fui convidado para visi-tar uma escola profissional fun-dada por um sacerdote, onde os

jovens são acolhidos por doisanos, tanto muçulmanos comocristãos. Fiquei admirado pelomútuo respeito que demonstra-vam, a alegria de estarem juntose também a dimensão religiosaque aquele sacerdote soube incu-tir-lhes, sem relativismo ou sin-cretismo.

Tenho convicção de que épossível viver juntos nas socieda-des humanas dilaceradas pelaviolência e ser, como crentes, fer-mentos de perdão, de reconcilia-ção e de paz.

Enfim, mais de uma vez foi-me perguntado se “padre Tau-ran” consegue dar testemunhono contexto de seus compromis-sos institucionais.

Não sei se a minha vida tenhasido um testemunho crível, po-rém depois da minha ordenaçãosempre tive a firma convicção:devo ser antes de tudo sacerdo-te, quaisquer que sejam as cir-cunstâncias. A coisa mais impor-

tante para um sacerdote mastambém para os fiéis é que, atra-vés da nossa vida de cada dia,quem não conhece Jesus, possa“descobrir” a sua presença nomeio de nós. Por isso a impor-tância de uma Igreja unida e mis-sionária.

Daqui a alguns dias pronun-ciarei em Rouen o panegírico deJoana D’Arc e meditarei sobre al-gumas frases que ela pronunciouantes de morrer. Gostaria de citaruma que aprendi desde os tem-pos do Seminário: “Dieu fait maroute / Deus faz o meu cami-nho”. A coisa importante na vidade todo cristão, e com maior ra-zão para um sacerdote ou um bis-po, é cultivar a liberdade interiorpara poder permitir a Deus reali-zar, apesar de nossos limites, oseu projeto: reunir todos os ho-mens em uma única família.

(Texto reunido por Giovanni Cubeddu)

34 30DIAS N° 5 - 2012

Igreja Diálogo inter-religioso

Bento XVI ajoelhado diante do altar do túmulo de São Francisco, com alguns chefes

e representantes das Igrejas, das Comunidades Eclesiais e de outras religiões

de todo o mundo, por ocasião do Encontro de Assis, em 27 de outubro de 2011

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RECORDANDO PADRE GIACOMO TANTARDINI27 de março de 1946 – 19 de abril de 2012

“Vem, então, Senhor Jesus...Vem a mim, busca-me, encontra-me,toma-me nos braços, carrega-me”

(Santo Ambrósio, Expositio in psalmum 118)

C A P A

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RECORDAÇÃO

Jesus e João, detalhe da Última Ceia,

Giotto, Capela Scrovegni, Pádua

O meu amigo padre Giacomo

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“Lembrai-vos dos vossosdir igentes, que vosanunciaram a palavra

de Deus. Considerai como ter-minou a vida deles, e imitai-lhes

a fé” (Hb 13, 7). Deste modo oautor da Carta aos Hebreus cha-ma a estar atentos aos que anun-ciaram o Evangelho e que já seforam. Pede-nos para lembrá-

los, mas não daquele modo for-mal e, às vezes, comiserador,que nos faz dizer “quanto erabom!”, uma frase que que ouvi-mos com frequência nos ce-

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O cardeal Jorge Mario Bergoglio durante a homilia na Basílica de São Lourenço fora dos Muros em 18 de fevereiro de 2012

“Durante a cerimônia de crismas na Basílica de São Lourençofora dos Muros rezamos pela sua saúde... e ele agradeceu com um gesto que era de esperança de cura e, ao mesmo tempo, de confiança”. O cardeal Bergoglio recorda Giacomo Tantardini, sacerdote

do cardeal Jorge Mario Bergoglio, SJarcebispo de Buenos Aires

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mitérios. Este tipo de memória éuma simples recordação de for-malidade social. Ao invés, pede-nos para que recordemos a par-tir da fecundidade da semeaduraentre nós. Pede-nos para que re-cordemos com a memória do co-ração, a memória deuteronômi-ca que constrói sobre a rocha,que plasma vidas e marca cora-ções. Sim, o nosso coração seedifica sobre a memória daque-les homens e daquelas mulheresque nos aproximaram das fontesde vida e de esperança à qual po-derão chegar também os que

nos seguirem. É a memória daherança recebida, que por nossavez, devemos transmitir aos nos-sos filhos.

Então, com essa memória,recordamos padre Giacomo eperguntamo-nos: o que nos dei-xou? Quais são suas marcas queencontramos no caminho danossa vida? Ouso dizer simples-mente que deixou as marcas deum homem-criança que nuncadeixou de nos surpreender. Pa-dre Giacomo, o homem do ma-ravilhamento; o homem que sedeixou maravilhar por Deus e

soube desbravar o caminho paraque este maravilhamento nas-cesse nos outros.

Padre Giacomo, um homemsurpreso que, enquanto olhavaao Senhor que o chamava, per-

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RECORDAÇÃO

Assim, pela graça, pode-se perseverar no caminhoaté o fim: o homem-criança abandona-se nos braçosde Jesus enquanto pede que passe este cálice, e é tomado e levado nos braços, com as mãos juntase os olhos abertos. Deixando-se surpreender maisuma vez, pelo dom maior

O cardeal Bergoglio com padre Giacomo em uma foto de março de 2009

Deixai vir a mimas criancinhas,Carl Vogel von

Vogelstein,

Galeria de Arte

Moderna,

Florença

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guntava-se continuamente, co-mo se não pudesse acreditar, co-mo o Mateus de Caravaggio: eu,Senhor? Um homem surpresodiante desta indescritível “profu-sa abundância” da graça que ven-

ce sobre a abundância mesqui-nha do pecado que nos reduz,sempre; um homem surpresoque se sentiu procurado, espera-do e amado pelo Senhor muitoantes de ele procurá-lo, esperá-lo

amá-lo; um homem surpresoque, como os do Lago de Tibería-des, não ousava perguntar quemera ele, porque sabia muito bemque era o Senhor.

E este homem surpreso maisde uma vez, deixou-se interro-gar: “Me amas?”, para respon-der com a simplicidade ardentedo amor: “Senhor, tu sabes quete amo”. E era assim porque estehomem-criança alimentava oseu amor com a simples mas sá-bia prontidão da contemplaçãode toda aquela Graça que o su-perava.

Padre Giacomo era assim.Não tinha perdido a capacidadede se surpreender; refletia a par-tir do maravilhamento que rece-bia e alimentava na oração. Àsvezes dava impressão que estasensibilidade o fatigasse e o dei-xasse inquieto, e isso não é raroem um homem de temperamen-to humano forte, no qual a Graçanão cessou de trabalhar na suaconversão à mansuetude.

A última imagem que tenhodele me comove: foi durante acerimônia de crismas na BasílicaSão Lourenço fora dos Muros,com suas mãos juntas, os olhosabertos e surpresos, sorridente esério ao mesmo tempo. Ali reza-mos pela sua saúde... e ele agra-deceu com um gesto que era deesperança de cura e ao mesmotempo, de confiança. Assim, pe-la graça, pode-se perseverar nocaminho até o fim: o homem-criança abandona-se nos braçosde Jesus enquanto pede que pas-se este cálice, e é tomado e leva-do nos braços, com as mãos jun-tas e os olhos abertos. Deixando-se surpreender mais uma vez, pe-lo dom maior.

Agradeço a Deus nosso Se-nhor por tê-lo conhecido. São di-rigidas também a mim as pala-vras “considerai como terminoua vida deles, e imitai-lhes a fé” daCarta aos Hebreus.

Buenos Aires, 6 de maio de 2012

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O meu amigo padre Giacomo

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Padre Giacomo recebeu-me com uma tímida carí-cia dos olhos e um leve e

infantil rubor quando, em 1º deabril de 2003, fui-lhe apresenta-do no salão nobre da Universida-de de Pádua, pouco antes de ini-ciar a terceira aula do ciclo deCongressos dedicados à atualida-de de Santo Agostinho.

A sala estava cheia de jovensque esperavam a sua palavra. Jo-vem também era o rosto de padreGiacomo, no qual formavam ummágico entrelaçar as cores aqua-reladas da pele, a púrpura e oâmbar. Até a sua voz harmoniza-va com as cores, maleável, refi-nado destilado de uma inesgotá-vel fonte de ideias.

A leitura e o comentário dostextos agostinianos sobre a graçae sobre a beleza da fé cristã res-

soaram na sala por cerca de umahora. No meu pensamento a fi-gura de padre Giacomo cresceusem medidas e quando, no finalda conferência, ele pediu-me pa-ra elaborar uma contribuição pa-ra a palestra sucessiva não tivecoragem, mesmo consciente dosmeus limites, de negar-lhe.

Foi assim que em 20 de maiode 2003, introduzindo na mesmasala a quarta aula que seria dadapelo padre Giacomo, tratei o te-ma da justiça terrena em SantoAgostinho e ilustrei a sua atuali-dade especialmente nas relaçõescom a política.

Antes de enfrentar os assuntospreparados para a conferência,que se referiam a um objeto com-pletamente diferente, padre Gia-como quis intervir sobre a con-cepção agostiniana da justiça.

Confesso que o ouvi com umaadmirada surpresa pela sua capa-cidade de chegar em pouco tem-po a uma síntese alta e completada temática recém apresentada.

Pensei que isso era sinal deum genuíno talento especulativoe de profundo conhecimento dopensamento do bispo de Hipo-na, amadurecido no ápice de umprocesso de identificação comeste último, do qual é necessárioque recorde aqui nos pontos es-senciais.

“Daquilo que nos disse o pro-curador”, observou padre Giaco-mo, “impressionaram-me princi-palmente três coisas, que me pa-recem profundamente agostinia-nas e profundamente atuais. Aprimeira é a alusão ao fato de quea justiça no sentido humano, cujatarefa é a de dar a cada um o que

RECORDAÇÃO

Os congressos de atualidade sobre o santo de Hipona naUniversidade de Pádua, foram ocasião de uma amizadeprofunda e duradoura, entre um sacerdote, o falecido padreGiacomo Tantardini, e um magistrado, Pietro Calogero, que entrega a 30Dias a sua comovida recordação

por Pietro Calogero

Uma amizadeflorescida sob o sinalde Santo Agostinho

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lhe pertence, é um bonum da ci-dade terrena, é uma coisa boa da-quela cidade que Agostinho des-creve com o realismo evidencia-do pelo episódio do encontrocom o imperador AlexandreMagno com o pirata” (comentan-do isso ele pergunta-se “Remotaitaque iustitia quid sunt regnanisi magna latrocinia?”, se a jus-tiça for colocada de lado, a que sereduziriam os reinos senão agrandes bandos de ladrões?).

“A segunda coisa que me im-pressionou particularmente”,continuou padre Giacomo, “é queesta justiça tem como raiz a natu-reza humana, a pessoa humana.Agostinho sabe muito bem que opecado original fere a naturezahumana como tal. Mesmo assimele defende a natureza humanaafirmando que nenhum pecado égrande a ponto de destruir extre-ma vestigia naturae, aquele últi-mo limiar da natureza humanacriada boa e na qual habitat veri-tas, não no sentido de que cria averdade mas no sentido de que nanatureza humana há a possibilida-de de reconhecer a verdade, há apossibilidade de reconhecer a be-leza, há a possibilidade de reco-nhecer o bem. Uma natureza hu-mana ferida porém, pelo pecadooriginal, mas na qual a imagem doCriador não é por nada destruída.Uma natureza humana na qualpermanece a abertura à beleza, àverdade, à bondade, à justiça.Uma natureza humana ferida, emesmo assim capax Dei”.

“A última coisa pela qual mesinto realmente agradecido aoprocurador”, conclui padre Gia-como, “são as alusões à historici-dade da justiça humana e à suarelatividade. Creio que este seja oponto no qual Agostinho colocamais evidência, de maneira

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O batismo de Santo Agostinho

em um afresco do século XIV

conservado na igreja dos Eremitani

em Pádua

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original, em relação também aoutras evidenciações tambémpresentes na filosofia cristã: a his-toricidade e a relatividade da justi-ça da cidade terrena com relaçãoàquela justiça que é dom gratuitode Deus. Mas esta historicidade eesta relatividade são possibilida-des de fecundidade, são possibili-dades de valorizar todos os mo-delos históricos sem impor nadaaos outros, são facilidades de diá-logo. Justamente por tal historici-dade De civitate Dei é de umatempestividade e de uma evidên-cia constante. Agostinho descre-ve com realismo as coisas assimcomo são. Este realismo permitenão impor nada e valorizar toda apossibilidade positiva. Este pontoé o que mais me impressionou detudo o que ouvi, juntamente comas amplas citações de Cícero noseu diálogo sobre a res publica.

É muito interessante e atualque na concepção do homem, naconcepção dos bona naturae,dos bens da natureza, Agostinhonão valoriza a tradição neoplatô-nica, mas valoriza a tradição deVarrone e de Cícero. Tambémculturalmente, parece-me real-mente uma das coisas mais inte-ressantes e atuais. Agostinho,que normalmente é visto como

um cristão platônico, na concep-ção da natureza humana e dosbens essenciais da natureza hu-mana valoriza a tradição romanarelativista (digo relativista no sen-tido em que primeiro o procura-dor Calogero falou de historicida-de e de relatividade) e não a tradi-ção do neoplatonismo”.

Para concluir: um grandemestre, padre Giacomo, que sou-be despertar em mim com a forçaencantadora da sua cultura e coma envolvente arte da comunica-ção a antiga paixão pelas ideias,as experiências de vida, o altíssi-mo sentido do humano e do justode Agostinho, figura miliária docristianismo militante dos primei-ros séculos.

E ao mesmo tempo um ami-go: um amigo muito sensível, pe-renemente jovem, humilde, re-servado, transparente como ja-mais foi a mais transparente dasporcelanas fabricadas pelas mãosdo homem.

Mestre e amigo que frequenteicom ternura até poucas semanasantes do grande vazio deixadopela sua morte inesperada e queagora, com o olhar ao céu, com-padeço.

Veneza, 31 de maio de 2012

RECORDAÇÃO

Pietro Calogero, quando erajovem substituto procuradorde Treviso, fez uma investiga-ção sobre o atentado da Piaz-za Fontana em Milão, desco-brindo a chamada “pista nera”[organizações de extrema di-reita] e trazendo à luz os des-pistamentos e as coberturasfeitas pelos órgãos dos servi-ços secretos italianos, deli-neando o projeto eversivo co-nhecido como “estratégia datensão”. Em Pádua, na déca-da de Setenta, conduziu um in-quérito que levou à prisão doschefes da Autonomia Operária(Negri, Scalzone, Piperno), re-velando as ligações entre estaorganização e as BrigadasVermelhas. Atualmente é pro-curador geral junto ao Tribunalde Apelação de Veneza.

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Confesso que o ouvi com uma admiradasurpresa pela sua capacidade de chegarem pouco tempo a uma síntese alta ecompleta da temática recém apresentada.Pensei que isso era sinal de um genuínotalento especulativo e de profundoconhecimento do pensamento do Bispo de Hipona, amadurecido no ápice de um processo de identificação com este último

A capa dos dois livros

de padre Giacomo,

editados pela Città Nuova

em 2006 e em 2009,

que reúnem suas conferências

dedicadas à atualidade

de Santo Agostinho

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Caros irmãos bispos e sacerdotes, distintasautoridades, parentes e amigos do saudoso pa-dre Giacomo, irmãos e irmãs no Senhor!

Chegou a hora de dar o último adeus ao nossoquerido padre Giacomo Tantardini. Ele nos deixou

silenciosamente durante as vésperas, na quinta-feirapassada, concluindo assim uma vida toda dedicadaao Cristo que o tinha “alcançado”, como ele mesmodizia, recordando uma palavra usada por São Paulofalando de si na Carta aos Filipenses (Fl 3, 12).

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O mosaico do arco triunfal da Basílica de São Lourenço fora dos Muros, Roma

No sulco das Beatitudes o testemunho

de padre Giacomo Tantardini

Homilia do cardeal Angelo Sodano,

decano do Colégio Cardinalício, na santa missa exequial

para o padre Giacomo Tantardini

Roma, Basílica de São Lourenço fora dos Muros, 23 de abril de 2012

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Hoje viemos aqui, numerosos, dentro destabelíssima Basílica que ele tanto amava, paradar-lhe o nosso adeus. Um adeus afetuoso, re-conhecedor. Uno-me de boa vontade a todosvocês que o amavam, e isso é testemunhadopela grande multidão presente hoje neste tem-plo. Juntos, caros amigos, agradeceremos aoSenhor por ter-nos dado a sua presença e de-pois o confiaremos às mãos do Pai que está nosCéus, um Pai “rico em misericórdia” ou dizen-do com as palavras latinas que eram tão caras apadre Giacomo, um Pai“dives in misericordia”(cf. Ef 2, 4).

O nosso Te DeumMeus irmãos, em cadamissa agradecemos aoSenhor pelos dons que re-cebemos no decorrer danossa existência.

Hoje, particularmente,queremos elevar a Deusum hino de gratitude pelodom que fez à sua santaIgre ja com a v ida e asobras deste grande sacer-dote.

Um dia, muito longe, oBom Pastor fez com quesua voz misteriosa fosseouvida por ele, e dizia-lhe:“Vem e segue-me” (Mt 19,21) e o jovem generoso deBarzio, nas terras de Lec-co, respondeu generosa-mente àquele convite. Aosvinte e quatro anos tornou-se ministro do Senhor einiciou assim aquela mis-são generosa que o levariadepois a Roma, nesta cida-de cristã que ele tanto amava, onde viveu comtanto ardor a maior parte dos seus 42 anos desacerdócio. Todos vocês são testemunhas doseu afeto e do seu zelo.

Os Atos dos Apóstolos nos falam de Pedroe João que depois de Pentecostes rezavam“com intrepidez” a palavra de Cristo. Parece-

me que o termo grego usado por São Lucas (cf.At 4, 29), o termo parresia (παρρησία), com-bina muito bem com o estilo seguido pelo pa-dre Giacomo no seu apostolado. Parresia étraduzido pelos estudiosos com diferentes pala-vras: intrepidez, coragem, fortaleza, franque-za, mas são todos termos que indicam o espíri-to interior do nosso caro falecido.

Até parecia que ele se inspirasse na mensa-gem deixada por Santo Agostinho aos cristãosda África: “Sem soberba, estai orgulhosos da

verdade”, ou com o belo latim ciceroniano quepadre Giacomo amava “Sine superbia de veri-tate praesumite” (Contra litteras Petiliani I,31: PL 43, 259).

Pela vida de padre Giacomo, hoje queremoscantar o nosso Te Deum de agradecimento aoSenhor.

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RECORDAÇÃO

Uma imagem da missa exequial para o padre Giacomo Tantardini

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No Cântico das criaturas, São Franciscoagradecia ao Senhor pela “irmã morte”. Hojenós, em primeiro lugar, queremos agradecer aoSenhor pela “irmã vida”, pela vida concedida apadre Giacomo, a vida da natureza e principal-mente pela vida mais preciosa, que é a da graça!

O nosso sufrágioEm segundo lugar, meus irmãos, hoje a nossaEucaristia quer ser também uma oração de su-frágio. A fé cristã nos ensina que nada menos

que puro e nada menos que santo vai à presen-ça de Deus. Com efeito, o Livro dos Provérbiosna Sagrada Escritura nos diz que “Sete vezescai o justo” (Pr 24, 16).

Por isso a Igreja, nossa Mãe e Mestra, sem-pre nos ensinou a oferecer orações, e especial-mente o Sacrifício eucarístico, para que os nos-

sos defuntos, devidamente purificados, pos-sam chegar à visão beatífica de Deus (Catecis-mo da Igreja Católica, n. 1032).

A luz da féMeus irmãos, a nossa celebração eucarística étambém toda iluminada pelo esplendor destaspáginas da Palavra de Deus que agora ouvi-mos.

Na primeira leitura ouvimos algumas pala-vras de grande esperança: “As almas dos justos

estão nas mãos de Deus” (Sab 3, 1), e depoiscantamos no Salmo responsorial: “Misericor-dioso e piedoso é o Senhor” (Sal 102): uma vi-são de esperança.

Na segunda leitura, o apóstolo Paulo escre-via já há dois mil anos aos Romanos que so-friam pelas perseguições e pelo martírio de

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No sulco das Beatitudes o testemunho de padre Giacomo Tantardini

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Hoje, particularmente,

queremos elevar a Deus

um hino de gratitude pelo

dom que fez à sua santa

Igreja com a vida e as obras

deste grande sacerdote.

Um dia, muito longe,

o Bom Pastor fez com que

sua voz misteriosa fosse

ouvida por ele, e dizia-lhe:

“Vem e segue-me”

(Mt 19, 21)

O cardeal Angelo Sodano durante a homilia

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tantos seus irmãos: “Se estamos vivos, é para oSenhor que vivemos, e se morremos, é para oSenhor que morremos” (Rm 14, 7-9).

Enfim, o Evangelho, nos repropôs nova-mente a mensagem das Beatitudes. É aquelamensagem grandiosa e exigente, à qual inspi-rou-se o nosso saudoso padre Giacomo. Por is-so confiamos que se realize também para ele oque Cristo prometeu aos seus discípulos: “Vos-so será o Reino dos Céus!”.

A Aleluia pascalCom esta visão de fé, hoje podemos nos despe-dir do nosso caro irmão padre Giacomo. No fi-nal da missa, a liturgia nos fará cantar um co-movente canto da tradição cristã primitiva: InParadisum deducant te Angeli, que os Anjoste acompanhem ao Paraíso!

E hoje, nós também cantaremos esta docemelodia, conservando no coração o espírito daAleluia pascal. “Louvem o Senhor” é este osignificado originário da palavra “Aleluia” quehá dois mil anos ressoa nas nossas igrejas. Sim,hoje também nós queremos louvar o Senhor!Hoje e sempre, cantaremos Aleluia!

ConclusãoÀ Maria Santíssima, à qual o nosso caro padreGiacomo tinha uma devoção filial, confiamos aalma abençoada de quem nos deixou.

As ladainhas lauretanas, assim chamadas por-que surgiram em Loreto, invocam Maria como Ia-nua Coeli, Porta do Céu. Que ela receba em seusbraços amorosos este filho dileto e leve-o amoro-samente ao encontro definitivo com o Seu FilhoJesus, na pátria eterna do Paraíso. Assim seja! q

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RECORDAÇÃO

Até parecia que ele se inspirasse na mensagem deixada por

Santo Agostinho aos cristãos da África: “Sem soberba, estai

orgulhosos da verdade” com o belo latim ciceroniano que padre

Giacomo amava “Sine superbia de veritate praesumite”

A Basílica de São Lourenço fora dos Muros repleta de fiéis durante a missa exequial

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Leitura

O CRISTIANISMO: UMA HISTÓRIA SIMPLES

Repouso na fuga para o Egito, detalhe, Caravaggio, Galeria Doria Pamphilj, Roma

Encontro com padre Giacomo Tantardini no Centro Cultural Fabio Locatelli, de Bérgamo

15 de dezembro de 2000

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padre Giacomo Tantardini

Gostaria de começar citando uma frase de uma poesia de Charles Péguy que

resume um pouco o que acabamos de ouvir. Diz Péguy numa de suas poesias

a Nossa Senhora de Chartres: “Disseram-nos tanta coisa, ó Rainha dos Apóstolos/Perdemos o gosto pelos discursos/ Já não temos altares, a não ser os Vossos/ Nadamais sabemos senão uma oração simples”.

Creio que quando Péguy, no início do século, ia em peregrinação a Char-

tres para pedir a graça da cura para seus filhos... os filhos não eram batizados:

Péguy convivia, digamos assim, com uma mulher judia que não tinha aceita-

do batizar seus filhos. Péguy nunca pôde casar-se de modo cristão e não po-

dia receber os sacramentos da Igreja, mas creio que Péguy tenha sido o maior

testemunho poético destes últimos séculos, o maior depois de Dante. A gra-

ça do Senhor é dada segundo a medida do dom de Cristo, como Ele quer.

“Disseram-nos tanta coisa, ó Rainha dos Apóstolos/ Perdemos o gosto pelos dis-cursos/ Já não temos altares, a não ser os Vossos/ Nada mais sabemos senão umaoração simples”. Contudo, esta noite sou obrigado falar. Então gostaria de di-

zer simplesmente três coisas que me parecem as que a Tradição da Igreja, a

simplicidade da Tradição (oração simples leva a pensar na simplicidade da Tra-dição), a simplicidade da Tradição cristã, por ocasião do Natal, volta a dizer,

repete.

1. Há uma expressão dogmática que o mundo moderno, sobretudo nas

últimas décadas, o mundo, este mundo que está dentro da Igreja, sobretudo

este mundo que está dentro da Igreja, tentou como que censurar. No entan-

to, não há como entender nada da vida dos homens e não há como entender

o cristianismo se não partirmos daqui: o pecado original. O pecado original.

Pois todos os homens, exceto Maria, nascem com o pecado original. Não há

como compreender nada da vida, não há como compreender nada – diz,

usando uma expressão belíssima, o último Concílio Ecumênico da Igreja –

da sociedade humana, se não partirmos daqui: que os homens nascem

maus. Como diz Jesus: “Vós, que sois maus”. “Por que me chamas bom? Só Deus ébom”. “Si homo non periisset, Filius hominis non venisset”, é como Santo Agosti-

nho resume a consciência da Igreja: se o homem não tivesse pecado, o Filho dohomem não teria vindo.

Gostaria de me valer do início do hino O Natal, de Alexandre Manzoni...

Alexandre Manzoni, de muitos pontos de vista, não é, por assim dizer, um

autor atual, pois descreve em seu fantástico romance, Os noivos, uma condi-

ção cristã como já dada e, portanto, não fala de nós, uma vez que hoje essa

condição já não existe. Talvez a página mais atual dos Noivos seja aquela em

que é descrita a conversão do Inominado, quando este, depois daquela noite

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Leitura

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em que vê o povo contente que vai receber o cardeal Federico se pergunta:

“Mas o que tem toda essa gente para estar contente?” Essa, portanto, é a página

mais atual. “O que tem toda essa gente para estar contente?” E nasce em seu cora-

ção a curiosidade de ver por que aquela gente está contente. É a página que

descreve de que modo, hoje, uma pessoa pode se tornar cristã... Os antepas-

sados de Alexandre Manzoni são da minha cidade, Barzio, um vilarejo perto

de Lecco, e o avô de Alexandre Manzoni se chama Alexandre porque o pa-

droeiro de Barzio, como de Bérgamo, é Santo Alexandre. Portanto, creio que

também o autor dos Noivos se chame Alexandre por isso... Outros motivos o

fazem próximo de mim, embora, repito, Manzoni, de muitos pontos de vis-

ta, não seja atual, não certamente como Péguy.

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Deus chama Adão e Eva depois do pecado original. Capela Palatina, Palermo

O CRISTIANISMO: UMA HISTÓRIA SIMPLES

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O hino O Natal começa com a imagem de uma rocha que caiu do alto da

montanha e está no fundo do vale: “Lá onde caiu, imóvel/ Jaz em sua lenta gran-diosidade;/ Nem que passem séculos/ É possível que reveja o sol/ De seu cume anti-go,/ Se uma virtude amiga/ Para o alto não a levar”. A pedra que cai do alto da

montanha no vale não pode rever o sol do cume, se uma força amiga não a

tomar e a levar para cima. “Assim jazia o mísero/ Filho da queda primeira”. Assim

jazia o homem, filho do primeiro pecado. Assim. “Onde o soberbo cume/ maisnão se podia elevar”. Creio que essa seja a definição mais realista do pecado

original.

O que é o pecado original? Dom Giussani, no último livro da coleção que

reúne os diálogos numa casa dos Memores Domine, diz: “O que é o pecado

original? O que é o orgulho do pecado original? É a afirmação de si antes darealidade”. O homem não vê nada além de si mesmo. Caído daquela altura,

não vê nada além de si mesmo. A afirmação de si mesmo antes da realidade.

Leio mais adiante uma estrofe inteira desse hino, porque é extremamente

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Caim mata Abel, Catedral de Monreale, Palermo

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realista: “Quem entre os nascidos para o ódio”. Nascidos para o ódio. Assim. É

essa a condição humana. Há algumas semanas, fiquei impressionado quan-

do um escritor não cristão, não católico, Bobbio, ao receber um prêmio na

Universidade de Stuttgart, citou Hegel (Hegel, mestre de todos, infelizmen-

te, nestas décadas), citou Hegel, repetindo uma de suas poucas expressões

realistas, quando diz que a história humana nada mais é que um grande mata-douro. É verdade. A história humana nada mais é que um grande matadouro.

A história humana, diz Santo Agostinho, tomando Roma como exemplo, a

história de Roma, que nasce de um fratricídio, caminha de homicídio em homi-cídio. “Quem entre os nascidos para o ódio”. Nascidos para o ódio. Não pelo ges-

to criador. A criação é boa. Mas, de fato, pelo pecado original, nascemos para

o ódio. E mesmo as coisas boas, mesmo as coisas bonitas, imediatamente

caem na estranheza. E todos podemos fazer experiência dessa condição do

pecado original; o homem faz experiência dela. A grande poesia nada mais

faz senão falar disso. Para reconhecer os efeitos do pecado original, não é

preciso ter fé, basta a inteligência humana. Não reconhecer os efeitos do pe-

cado original é questão de falta de inteligência, é questão de ilusão, é questão

de idealismo.

“Quem entre os nascidos para o ódio,/ Que pessoa havia/ Que ao Santo inacessí-vel...”. Como Manzoni é cristão nesse momento! “Inacessível”: ao Santo a

quem não podemos alcançar, ao Santo desconhecido, ao Santo cujo rosto

não conhecemos. Se uma pessoa diz Deus existe mas não O vê (diz São Ber-

nardo numa carta que lemos no Breviário no tempo de Natal), como pode,

depois de algum tempo, reconhecer que Ele existe, se não pode chegar até

Ele, se é lançado no fundo do precipício, e não pode chegar à luz do início, à

luz da aurora do primeiro início da criação? Como pode dizer que existe?

“Que pessoa havia/ Que ao Santo inacessível/ Pudesse dizer: perdoa?” Perdão! “A

quem agradecer, contra quem blasfemar?”, perguntava Cesare Pavese numa

das últimas frases de seu diário. A quem agradecer, contra quem blasfemar,

se o Mistério existe mas é inacessível, existe mas não tem rosto, existe mas é

incompreensível, existe mas não pode ser conhecido? “Fazer novo pacto eter-no?/ Ao vencedor inferno/ Sua presa arrancar?”. Quem poderia arrancar ao dia-

bo a sua presa?

Esta é a primeira sugestão: nascemos com o pecado original. E o dogma da

Igreja diz que o pecado original fere o homem in naturalibus, nas suas dimen-sões naturais. Não só torna impossível a coerência. Por exemplo, a pessoa sa-

be que o aborto é pecado, mas depois é incoerente. Não é só isso. O pecado

original impede com o tempo também que nos demos conta de que o aborto é

pecado, porque o pecado original fere os homens na inteligência natural: pe-

lo pecado original é ofuscada a inteligência enquanto tal, não apenas é enfra-quecida a vontade. Por isso, o homem é obnubilado ao reconhecer tam-

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O CRISTIANISMO: UMA HISTÓRIA SIMPLES

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bém o que é natural, o que é criatural, o que é contra o coração, contra o ges-

to criatural. Não é que não o possa reconhecer, mas é obnubilado por den-

tro. Não entendemos a realidade, não entendemos o mundo, sem partir da-

qui. Não entendemos o mundo em que vivemos, não entendemos as cir-

cunstâncias em que estamos.

2. O que resta, nessa condição? O Mistério inacessível, que não tem rosto,

e o homem, ao qual a luz (a luz significa a surpresa da criação, que é boa), es-

sa luz, já não é familiar. A criação já não é cara beleza, mas algo estranho, ini-

mizade, a ponto de Caim matar Abel. O que resta? Resta o coração. O cora-

ção é ferido, mas continua a ser coração. Essa é a outra grande coisa que o ca-

tolicismo nos diz. Ferido, obnubilado no reconhecimento da verdade e debili-tado na possibilidade de ser coerente com a verdade, e mesmo assim o cora-

ção permanece. O coração do homem permanece. O coração que nossa mãe,

nosso pai nos deram, que Deus por meio deles nos deu, continua a ser cora-

ção. Ou seja, o coração continua a ser espera, espera de encontrar alguma

coisa. O coração continua a ser pedido de estar contente, o coração continua

a ser pedido de felicidade. O coração ferido continua a ser coração.

Leio a vocês dois trechos da poesia mais bela de Leopardi, À sua dama,

quando ele diz que o que buscava na beleza da mulher era uma beleza maior,

uma beleza que finalmente pudesse satisfazer a espera do coração. Mas

acrescenta que isso era um sonho de quando era adolescente. Ao se tornar

adulto, percebe que esse sonho já é impossível. “De viva contemplar-te eu jánão tenho/ Esperança nenhuma”. Já não tenho esperança nenhuma de ver-te vi-

va, ó beleza. Já não tenho esperança nenhuma de encontrar, aqui nesta vida,

essa coisa imprevista, essa coisa imprevisível, que o meu coração espera. “Nodespontar da minha nova vida/ Incerta e escura”. A genialidade humana é profe-

cia de Cristo. Não no sentido de que antecipa Cristo, não no sentido de que

faz discursos cristãos. Mas no sentido de que O espera, pedindo ou blasfe-

mando, mas O espera. “No despontar da minha nova vida/ Incerta e escura.” “In-

certa.” Se o Santo, se o Mistério é inacessível, que pode fazer o homem, a não

ser estar incerto? Que pode fazer o homem? Não podemos condenar o ho-

mem, não podemos condená-lo por seu niilismo, por sua “falta de fé”. O que

o homem pode fazer, se o Mistério não tem rosto? O que pode fazer? Até por-

que o niilismo (Santo Agostinho nisso antecipa e responde a Nietzsche) nas-

ce do fato de a pessoa se dar conta de que esse Deus que diz afirmar é uma

projeção de si, ou seja, perceber que Deus não existe. Se Deus é uma projeção,

uma imagem de si, a pessoa se dá conta de que esse Deus não existe, não é na-

da. Nihil est, não é nada. “... Incerta e escura, um dia imaginei-te/ Por este árido so-lo viandante”. Eu pensei encontrar-te neste solo árido, encontrar o que o cora-

ção espera. “Mas na terra não há quem se te iguale”. Mas não encontrei nada na

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Leitura

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terra, nada que merecesse até o fundo o meu coração. Muitas coisas (o pró-

prio Leopardi teve muitas mulheres), mas nada, nenhuma realmente que

merecesse até o fundo o meu coração. “Mas na terra não há quem se te iguale,/ Emesmo que no rosto, voz e gestos,/ Alguma te evocasse, embora assim,/ Bem menosbela se apresentaria”. Aqui está a intuição, que pode ser apenas graça: mesmo

se houvesse uma coisa que se assemelhasse a ti no rosto, nas palavras e nos

gestos, “embora assim,/ Bem menos bela se apresentaria” do que aquilo que o

meu coração espera.

Essa poesia acaba com uma oração, a mais fantástica oração de um ateu,

pois Giacomo Leopardi era ateu e materialista. Nenhum devoto escreveu uma

oração assim ao Mistério que se revelou: “Se és uma das ideias imortais/ A quemsensível forma recusou/ A eterna sapiência”. Se tu, ó beleza, se tu, ó coisa que o co-

ração espera, se tu, ó coisa que o coração pede, se tu, felicidade, és uma das

ideias imortais que se recusam a revestir-se de forma sensível. “E por entre/Caducas vestimentas, desta vida/ Trevosa isentou de sofrimento”, e se recusa a ex-

perimentar aqui na terra os afãs desta vida que corre para a morte, “daqui deonde/ Tão efêmeros são os infaustos dias,/ Recebe deste ignoto amante o hino”.

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A oferta de Abel e Caim, Capela Palatina, Palermo

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“Daqui de onde/ Tão efêmeros são os infaustos dias.” Isso é realismo cristão.

De um ateu, mas é realismo cristão. É realismo humano e portanto profecia

de Quem criou o coração assim. Daqui de onde as coisas passam logo. Pas-

sam logo também as coisas boas, também o sorriso da criança, do filho, tam-

bém o afeto pela mulher que amamos. “Daqui de onde/ Tão efêmeros são os in-faustos dias,/ Recebe deste ignoto amante o hino”. Permanece o coração, o cora-

ção que espera uma coisa assim. Mas o homem (e usamos agora uma expres-

são de Agostinho, que foi na Igreja o testemunho talvez humanamente mais

fascinante desse coração), o homem está longe desse coração, fugitivus cordis sui.O homem está longe dessa pergunta e o homem se contenta. Contenta-se. E

com que se contenta? Com a usura, a luxúria e o poder. E não há religião que

dê jeito. Contenta-se com essas três coisas, o dinheiro, a luxúria e o poder.

Quem crê em Deus e quem não crê. E essa é uma das coisas mais impressio-

nantes do De civitate Dei de Agostinho. A crença em Deus por si só não muda

a vida, por si só não muda a vida. Todos os livros do De civitate Dei de Agosti-

nho são atuais. Nos livros oitavo, nono e décimo, Agostinho fala dos filóso-

fos que conheceram a Deus, que reconheceram a existência de Deus. No en-

tanto, no fim, “pensaram ter de oferecer honras divinas de ritos e sacrifícios ao dia-

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Beato Angelico, A Anunciação, com a cena da expulsão de Adão e Eva do paraíso terrestre depois do pecado original, Museu do Prado, Madri

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bo”. O satanismo pode ser a consequência também de alguém proclamar-se

crente em Deus, pois a crença em Deus não muda realmente a vida. É uma ou-

tra coisa que muda a vida. Se a crença em Deus mudasse a vida não teria sidonecessário que Maria desse à luz.

3. Por isso festejamos o Natal. Entendem? Porque, se a crença em Deus mu-

dasse a vida, não teria sido necessário o que aconteceu há dois mil anos. Não

só isso: não poderíamos ser gratos como somos gratos. Quando há dois mil

anos o anjo Gabriel foi enviado àquela cidade, no limite da Palestina, à Gali-leia dos gentios, a uma jovem judia chamada Maria... Tudo começou ali. O San-

to inacessível, Aquele que criou o coração bom... (mas o pecado original le-

vou a essa condição pela qual o homem de fato se contenta, não pode não se

contentar com a luxúria, o dinheiro e o poder), o Santo inacessível tornou-se

carne no ventre de uma mulher. Um fato. Aquela história simples começou

ali. E começou justamente como história, como história simples. Começou

com “Eu te saúdo, ó cheia de graça, o Senhor está contigo”. E essa pequena

menina judia, que não compreendeu imediatamente, ficou perturbada e se

perguntou o que aquela saudação poderia significar. E o anjo lhe disse: “Não

temas, Maria, encontraste graça junto de Deus”. E então aquela pequena me-

nina exprime aquele “Sim”, aquele “Eis-me aqui”, graças ao qual o homem

tem esperança de ser salvo. Sem aquele “Eis-me aqui”, toda a crença em Deus

não dá esperança ao homem. Aquele “Eis-me aqui” começa uma história,

uma história simples. Uma história significa que Aquele que começou assim

com Maria (“Encontraste graça junto de Deus”) é Ele, é Ele que leva adiante

esse início. De fato, pensem em Nossa Senhora. Pensem: ficou nesse “Eis-me

aqui” mesmo quando o anjo a deixou. Pensem no conforto... (essa é uma das

coisas que mais me impressionam, que mais me comovem diante de Nossa

Senhora), pensem no primeiro conforto que teve, na primeira confirmação

de que o que ouvira era real, quando, como qualquer mulher, se deu conta de

que estava grávida. Deve ter sido uma coisa do outro mundo. Porque signifi-

cava que aquela promessa era real, aquela promessa a que logo havia dito

“Sim”, a que logo havia dito “Eis-me aqui”, aquela promessa era real, pois

aquilo que um Outro havia iniciado estava para ser levado a cumprir-se. E as-

sim o outro conforto que me impressiona e me comove é quando a São José,

em sonho, o anjo diz: “José, filho de Davi, não hesites em tomar contigo Ma-

ria, tua esposa, pois o que nasceu nela vem do Espírito Santo”. E pensem, por-

que podemos imaginar... (é outra coisa, se comparada a todas as religiões des-

te mundo, é outra coisa. É uma história de homens, de jovens, eram dois jo-

vens), pensem o que foi para Maria quando José a tomou consigo. Foi uma

outra confirmação, uma outra confirmação de que aquele encontro, aquele

“Eu te saúdo, ó cheia de graça” era real. E depois foram juntos visitar Isabel,

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O CRISTIANISMO: UMA HISTÓRIA SIMPLES

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pois o anjo lhe havia dito que Isabel também esperava um filho e também es-

se fato confirmou aquele “Eu te saúdo, ó cheia de graça; não temas, Maria”.

Por que o cristianismo é uma história simples? É uma história simples

(usamos uma palavra que a Igreja usa há dois mil anos) porque é graça, por-

que é um acontecimento e portanto uma história de graça. Se não fosse gra-

ça, seria uma coisa complicada. Por que a religiosidade humana não é sim-

ples? Porque nasce do homem. Porque é a tentativa boa do homem, partindo

das coisas criadas, de reconhecer o Criador. Mas essa não é uma coisa sim-

ples, é uma coisa difícil. Diz o dogma de fé: é uma coisa difícil, uma coisa parapoucos, uma coisa que, mesmo quando a religiosidade chega a seu termo (o

Mistério existe), é mesclada a erros. São as palavras do dogma da Igreja. Não só

é para poucos, não só é difícil, mas, mesmo quando a pessoa chega a dizer

“Deus existe”, essa afirmação é mesclada a erros. No entanto, há dois mil

anos começou uma coisa que é extremamente simples. Àquela menina foi

prometido que conceberia e daria à luz. E, naqueles nove meses, quantos fa-

tos humaníssimos... Em primeiro lugar ela se dá conta de que está grávida (e

de que a barriga crescia como a barriga de qualquer mulher grávida). E o tes-

temunho de José, que obedecendo ao Mistério maior do que ele a toma con-

sigo. E o testemunho da prima Isabel: ela também tem um filho. E aquele

Natal, aquele primeiro Natal, quando pela primeira vez os olhos de dois jo-

vens, de Maria e José, viram a Deus. Viram a Deus. Começa assim o cristianis-

mo. Não é que acreditaram em que Deus existe, não; nisso também acredi-

tam os muçulmanos, que talvez nessa religiosidade sejam mais religiosos

que nós, mas não viram. Não viram – no entanto, veio –, e na religiosidade e

na moralidade podem ser mais morais e mais religiosos do que nós. Tam-

bém por isso Paulo VI foi grande quando não fez nada para que não cons-

truíssem a mesquita em Roma; aliás, quando lhe diziam que deveria obter a

reciprocidade, respondia que a Igreja não se rebaixava a esse nível. Mas é

uma outra coisa. O cristianismo é uma outra coisa se comparado a todas as

religiões do mundo, a todas as morais do mundo. O cristianismo é que há

dois mil anos um jovem e uma jovem, José e Maria, viram a Deus com seus

olhos, não numa visão mística. Maria deu à luz aquela criança. E José e ela a

olharam maravilhados. Começou assim a história cristã. Ficaram ali a olhar

para Deus. E depois naquela mesma noite os anjos anunciaram aos pastores

que na cidade de Davi (pois Deus é fiel à suas promessas), “na cidade de Davi

nasceu para vós o Salvador”. E os pastores foram, foram e viram um menino.

Aquele menino era Deus. Assim, quando no Credo dizemos “Deus de Deus,luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro [aquele menino], gerado, nãocriado, consubstancial ao Pai. Por ele todas as coisas foram feitas, e por nós, homens,e para nossa salvação [por nós, homens, para o homem que se contenta com a

luxúria, a usura e o poder, para esse homem, não para os homens de boa

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Leitura

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vontade (é Sua a boa vontade), mas para esse homem concreto], por nós, ho-mens, e para nossa salvação desceu dos céus e se encarnou pelo Espírito Santo...”

Acrescento isto. Depois de Maria e José, depois daqueles trinta anos em

que o Eterno, que começou a existir e a crescer no tempo (o Eterno, conti-

nuando a ser eterno, começou a existir e a crescer no tempo e a contar os dias,

as horas, os meses e os anos, como qualquer criança), depois daqueles trinta

anos em que viveu em Nazaré, obedecendo a seu pai e a sua mãe, começa a

missão, quando os dois primeiros, naquela tarde, às margens do Jordão, o

encontraram, quando João e André, depois que João Batista indicou “Eis o

Cordeiro de Deus, eis Aquele que tira os pecados do mundo”, foram atrás de-

le. Foram atrás dele atraídos por Ele. E então Jesus se volta e a esses dois rapa-

zes – André era casado, portanto devia ter alguns anos mais, mas João era

mesmo um rapazote –, a esses dois jovens pergunta: “O que buscais?”. Isso

sempre me impressiona. Não lhe responderam buscamos a verdade, busca-

mos a felicidade, não lhe disseram nem mesmo buscamos o Messias. O que

o coração buscava eles O tinham à sua frente. Eles O tinham à sua frente. O

coração é infalível, nisso o coração é infalível. Há uma tese belíssima da teo-

logia católica que fala da infalibilidade da fé. A infalibilidade do magistério é

secundária em relação à infalibilidade da fé. A fé é infalível. O que busca-

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Bartolomé Esteban Murillo, Descanso na fuga para o Egito, Museu Puskin, Moscou

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vam, o que o coração buscava, eles O tinham à sua frente. Então àquela per-

gunta, “O que buscais?”, respondem perguntando a única coisa que alguém

pode perguntar. Quando alguém encontra o que o coração deseja pode ape-

nas pedir que essa coisa permaneça. “Mestre, onde moras?”, ou seja, “onde

ficas?”. Onde ficas, para que eu fique contigo? Publicamente, aqui. Com Ma-

ria e José, digamos, ficava privadamente. Os trinta anos de vida privada, pri-

vada mas com muitos episódios públicos: os pastores, depois os Magos, de-

pois quando aos doze anos no Templo... Mas, seja como for, uma história

particular. Aqui o início é da história pública, da história pela qual esta noite

estamos aqui. Por isso existe no mundo essa história simples de pessoas que

se fascinaram porque O encontraram. História simples: fascinaram-se porque

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Caravaggio, A vocação de Mateus, igreja de São Luís dos Franceses, Roma

Leitura

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O encontraram e depois, uma vez encontrado, depende dEle, não depende

em primeiro lugar de você, depende dEle que fique com você. É simples por

isso. Caso contrário – posto que o início do cristianismo é graça (se a pessoa

é cristã, não pode deixar de dizer isso) –, se introduz uma outra dinâmica.

Não! Uma vez encontrado, o que acontece? O que você fez para encontrá-

Lo? Nada. Então, veja, não se agite, porque depende dEle. Depende dEle, que

o encontrou e continua fiel. Depende dEle, que se mantém fiel a você; não

depende em primeiro lugar da sua fidelidade. Depende dEle. É simples por

isso. É simples porque não só Ele encontra você, não só foi Ele que foi ao en-

contro dos primeiros, mas depende dEle, que ficou com os primeiros, de-

pende dEle, que no dia seguinte se deixou encontrar novamente pelos pri-

meiros, depende dEle, que no dia seguinte mais uma vez...

André foi para casa naquela noite e disse a seu irmão Pedro: “Encontra-

mos o Messias”. Uma outra coisa que me maravilha é pensar que Pedro da

primeira vez que vislumbrou humanamente o Mistério feito carne foi olhan-

do para o rosto de seu irmão. Nunca tinha visto o rosto de André assim, nun-

ca tinha visto o rosto de seu irmão dessa forma, pois a graça tem um reflexo

no humano. A graça é visível. Tem uma fonte invisível, mas tem um reflexo

visível; o reflexo da graça pode ser visto, pode ser visto e é inconfundível. É

infalível o reflexo da graça, é inconfundível com qualquer outra beleza. É a

beleza pela qual o coração foi criado. Então não apenas é Ele que se deixa en-

contrar, mas é Ele que permanece, tanto assim que no dia seguinte, quando

viu Pedro, lhe disse: “Tu és Simão, filho de João, tu te chamarás Pedro”. E as-

sim, de dois, se tornaram três e dessa forma foram adiante durante três

anos... Assim. Mas pensem naqueles três anos, pensem de quem era a inicia-

tiva. Não era daqueles que O seguiam, a iniciativa era sempre Sua. Como

quando o jovem rico, convidado a segui-Lo, ou melhor, amado por Ele... Je-

sus o olhou e se enterneceu, quis o seu bem. No entanto o jovem não O se-

gue, e então Jesus diz que é impossível para um rico entrar no Reino dos

Céus, e Pedro lhe pergunta: “Mas então quem se pode salvar?”. E aqui está

uma das mais belas frases do Evangelho: “E Jesus, olhando para eles [olhan-

do para eles, não fazendo teologia, olhando para eles] disse: ‘A Deus nada é

impossível’”. Olhando para eles: porque o que lhe era evidente, como Misté-

rio, como homem ele aprendia das coisas que aconteciam, tal como nós

aprendemos daquilo que acontece. Se Pedro estava ali, se João estava ali, se

Mateus estava ali (pensava eu hoje, vendo os quadros de Caravaggio, pensava

na Vocação de Mateus de Caravaggio, em São Luís dos Franceses, em Roma), se

Zaqueu tinha descido cheio de alegria, isso significa que a Deus nada é im-

possível. Pois Mateus era rico, aliás, recolhia dinheiro para os invasores ro-

manos, e Zaqueu, o mais rico de Jericó... se eles estavam ali, isso significa que

a Deus nada é impossível. Jesus também, como homem, aprendeu a natu-

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O CRISTIANISMO: UMA HISTÓRIA SIMPLES

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reza do Mistério a partir daquilo que acontecia. O que, como Deus, ele co-

nhecia, aprendeu como homem pela experiência. Diz São Bernardo numa

das frases mais estupendas sobre o mistério de Jesus: o que por natureza co-

nhecia desde a eternidade (que a Deus nada é impossível), ele o aprendeu

pela experiência humana. Ele também se surpreendeu quando viu Zaqueu

descer correndo. Pensem no episódio de Zaqueu. Esse pequeno homem que

teve de subir na árvore para vê-lo passar. Esse pequeno homem que era o che-

fe das quadrilhas ilegais da cidade de Jericó, e Jesus, passando, olha para ele e

lhe diz: “Zaqueu, vou a tua casa”. Não disse nada, não lhe respondeu nada.

Cheio de alegria desceu. E depois distribuiu quatro vezes o que havia rouba-

do. Mas depois, depois! De imediato, cheio de alegria, desceu e correu a sua

casa. Então é simples, é simples não apenas porque o início é graça, mas por-

que cada passo é graça. Diz Santo Tomás numa de suas frases mais belas (a

Igreja Católica, usando também essa frase, no ano passado, assinou um do-

cumento com os luteranos em que dizia que sobre aspectos essenciais da

doutrina da justificação os católicos e os protestantes reconhecem a mesma

coisa): “Gratia facit fidem”, a graça cria a fé. A fé é o reconhecimento dessa

atração, a fé é o reconhecimento desse encontro, a fé é a surpresa reconheci-

da desse encontro. “Gratia facit fidem non solum quando fides incipit esse in ho-mine”, a graça cria a fé não apenas quando a fé começa a existir num homem,

“sed quamdiu fides durat”, mas a cada momento em que a fé permanece. A ca-

da momento, não apenas no início, a cada momento a iniciativa é Sua.

Esta tarde visitei a mostra de Caravaggio, aqui em Bérgamo. Belíssima. Fo-

mos guiados por um sacerdote que muito humanamente, de maneira muito

bela, descrevia as coisas. A certa altura, porém, ele disse que Caravaggio expri-

me a dificuldade da fé. Eu não diria isso. A fé, quando acontece, nunca é difí-

cil. É fácil a “falta de fé”. Isto sim, a “falta de fé” é facílima. “Homens de pouca

fé, por que duvidais?” É facílima, até para aqueles que O seguiam, é facílima a

“falta de fé”, é facílima a dúvida, é facílima a blasfêmia, isto sim. Pois a graça

do Batismo cancela o pecado original, mas não as consequências do pecado

original. É facílima a “falta de fé”, facílima a dúvida, é facílima a traição. Pen-

sem em Pedro: “Mesmo que todos te abandonassem, eu nunca te abandona-

ria”. Três horas depois... Três horas depois! Em primeiro lugar, meia hora de-

pois, tinha adormecido. E depois, três horas mais tarde, O traiu. É facílima a

traição. Mas a fé é mais fácil. É mais fácil a fé. Senão, significa que não sabe-

mos o que é. É mais fácil, pois quando Jesus, depois da traição, olhou para ele,

era mais fácil explodir em pranto, mais fácil que qualquer outra coisa. A fé é

mais fácil. Não existe uma fé difícil. É mais fácil. É uma imagem não cristã de

fé dizer que a fé é difícil. É mais fácil, é ainda mais fácil que a traição. Pensem

naquele pobre homem que era Pedro, naquele pobre pecador que era Pedro:

quando Jesus olhou para ele, foi a coisa mais fácil da vida estourar em lágri-

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Page 61: “Vem, então, Senhor Jesus Vem a mim, busca-me, encontra-me ... 05 PORTOGHESE... · qual levamos ajuda às famílias com filhos com defi-ciências, tetraplégicos, ou que sofrem

mas, foi a coisa mais fácil da vida pôr-se a chorar. Foi a coisa mais fácil da vida

dizer: “Como me queres bem, como me queres bem! No entanto, eu te traí”. É

fácil a fé, é fácil. Não existe fé (este é um dogma de fé), não existe fé se o Espíri-

to Santo não doa a doçura (fala de doçura; a doçura não pode ser difícil, seria

uma coisa desumana), a doçura de aderir. É o Espírito, é a graça que doa a do-

çura de aderir. Usa a palavra doçura: mais fácil que isso! É fácil a fé. No instan-

te seguinte, podemos não crer. No instante seguinte, podemos blasfemar, no

instante seguinte podemos correr atrás do dinheiro, da luxúria e do poder.

Mas, se experimentamos essa doçura, podemos correr atrás como todo o

mundo, mas essa doçura é a coisa mais fácil, é a coisa mais fácil. E pôr-se a

chorar depois de ter corrido atrás da luxúria, do dinheiro, do poder, pôr-se a

chorar, porque essa doçura se reapresenta, porque esse olhar volta a olhar pa-

ra você, pôr-se a chorar é a coisa mais fácil. Não há coisa mais fácil para a

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Jusepe de Ribera, O arrependimento de Pedro, Museu de Ermitage, São Petersburgo

O CRISTIANISMO: UMA HISTÓRIA SIMPLES

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criança, que, depois de todos os caprichos deste mundo, se abandona nos

braços do pai e da mãe; não há coisa mais fácil. Vocês dizem que é difícil para

a criança? Seria uma coisa desumana se não se abandonasse. É a coisa mais fá-

cil deste mundo abandonar-se nos braços do pai e da mãe.

Queria dizer uma última coisa. O que pede ao homem essa graça sem a

qual o homem nada faz? “Que a Tua graça sempre nos preceda e acompanhe”,

diz uma das orações da Igreja. Lex orandi legem statuat credendi, dizia a antiga

fórmula que Pio XII citou, mas, talvez prevendo o que aconteceria, trocou

depois por Lex credendi legem statuat orandi, ou seja, que a lei da fé estabeleça

a lei da oração. Porém, a antiga fórmula dizia que é a lei da oração que esta-

belece a lei da fé. Santo Agostinho, para responder aos pelagianos, usa nor-

malmente este argumento: vocês dizem que a fé não é graça, então por que a

Igreja roga que um não crente se converta? Ou essas orações são por modo dedizer ou é Deus que converte o coração. Vocês dizem que permanecer na fé

não é graça, mas então por que pedimos na oração do Senhor que não nos

deixe cair em tentação? Se fosse capacidade nossa vencer a tentação, não re-

zaríamos pedindo não cair em tentação. Portanto, isso significa que não dei-

xar-se vencer pela tentação é graça. Ou a Igreja diz as suas orações por modo de

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Caravaggio, A vocação de Pedro e André, Royal Gallery Collection, Hampton Court Palace, Londres

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dizer ou vocês têm de aceitar, diz Agostinho aos hereges pelagianos, que cada

passo da vida cristã é graça; do contrário, teriam de eliminar as orações da

Igreja. “Que a Tua graça sempre nos preceda e acompanhe, ó Senhor”. Então, que

cabe ao homem neste caminho em que a iniciativa é Sua? “Se não tomas a

iniciativa, eu nada faço”, dizia na véspera da sua morte inesperada o papa

Luciani. Na quinta-feira à noite morreu e na quarta-feira tinha feito o gesto

que toda quarta-feira o papa faz, falando da caridade. Gesto todo centrado

nesta coisa: se Tu não tomas a iniciativa, eu nada faço. E dizia: que significa

tomar a iniciativa (e citava Santo Agostinho, uma das frases mais fantásticas

de Agostinho)? Não significa apenas que atrai a minha liberdade, mas signi-

fica também que me concede estar contente por ser atraído. Não só me atrai,

mas me dá o prazer (Agostinho diz realmente voluptas, prazer) de ser atraído.

Se não me dá o prazer de aderir, se não me dá o prazer de ir atrás dEle, não

posso ir atrás dEle. Não só atrai a vontade, mas doa o prazer de ser atraído. É

uma das páginas mais bonitas do magistério ordinário da Igreja, esse discur-

so sobre a caridade do papa Luciani há vinte e dois anos.

Mas então o que é possível ao homem? Digo-o com as palavras de Dom

Giussani num artigo sobre o Santo Rosário publicado em 30 de abril no jor-

nal Avvenire (na minha opinião, uma das coisas absolutamente mais belas,

não apenas de Dom Giussani, mas de toda a Igreja nestas décadas): “A respos-

ta a essa graça está toda na oração de que somos capazes”. A resposta a essa gra-

ça (que não é só o início, mas está em cada passo) está toda na oração de que

somos capazes. A nossa resposta é uma oração, é um pedido. A nossa resposta

é a surpresa de um pedido, um pedido como o de João e André: “Onde ficas?”

Diante de uma coisa tão bela, a nossa resposta é: “Fica!”. Diante de uma doçu-

ra tão grande, a nossa resposta é: “Não nos abandones, fica!”. Toda a nossa res-

posta é essa, e é toda a resposta da criança quando o pai e a mãe lhe querem

bem. “A nossa resposta é uma oração. Não é uma capacidade particular, é apenas oímpeto da oração”. Pode ser o choro da criança que pede ao pai e à mãe que lhe

queiram bem. O choro. Na antiga liturgia havia uma missa para pedir o dom

das lágrimas. Pedimos muito mais com as lágrimas que com as palavras. O

ímpeto, o ímpeto de um pedido. Habet et laetitia lacrimas suas. Santo Ambró-

sio diz isso. Quando a pessoa está contente com essa doçura, essa letícia tam-

bém tem suas lágrimas. No fundo a alegria se exprime somente chorando. As-

sim diz Giussani naquele artigo: “A nossa resposta é uma oração, não é uma

capacidade particular, é apenas o ímpeto da oração”. Depois acrescenta Gius-

sani (quero ler esta coisa porque retoma Péguy, com quem iniciamos): “En-

tramos no mês de maio [agora estamos na novena de Natal]. O povo cristão

há séculos foi abençoado [o início é Seu: abençoado] e confirmado no seu es-

tar protendido para a salvação [confirmado: porque, se Ele não confirma,

mesmo que O tenhamos encontrado, não permanecemos no encontro. É

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O CRISTIANISMO: UMA HISTÓRIA SIMPLES

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isso que diz a simplicidade da Tradição. Por exemplo, um dogma do Concílio

de Trento diz: “Se alguém está em estado de graça, não pode permanecer em

estado de graça sem uma ajuda especial da graça”. Vocês entendem como toda

a vida cristã é sustentada pela iniciativa dEle? Se alguém está em estado de gra-

ça, não pode pedir sem uma especial ajuda da graça; sem uma atração que se

renova, não permanece nessa atração. Não é possível viver de um amor passa-

do, não é possível viver da atração de ontem, nem da atração de um instante

atrás. Não é possível. Só vivemos do presente. Portanto, se alguém está em es-

tado de graça, para permanecer em estado de graça é preciso a renovação dessa

ajuda especial]. O povo cristão por séculos foi abençoado e confirmado no

seu estar protendido para a salvação, eu creio, especialmente por uma coisa: o

Santo Rosário”. É simples a vida cristã, é simples. Depois de décadas de tantas

palavras, de tantas lutas, de tantos desafios... Havia um ângelus do papa Lu-

ciani que dizia: “Menos batalhas e mais orações”. O povo cristão foi abençoado e

confirmado, eu creio, por uma coisa: a oração do Santo Rosário.

E termino lendo alguns versos da poesia de Péguy com que comecei. Des-

creve a permanência dessa graça. “Eis o lugar do mundo onde tudo se torna fácil”.Fácil também o pecado, também a traição, como em Pedro. Fácil também a

tentação de correr atrás da luxúria, da usura e do poder. Mas fácil ser reabra-

çados. E chorar de gratidão. Mais fácil. A diferença é que quem não faz expe-

riência disso não sabe dessa coisa mais fácil. Sabe de todas as outras coisas,

mas não sabe dessa coisa mais fácil. Mais fácil, mais bela, mais simples. Tudo

se torna fácil. “O arrependimento, a partida e também o acontecimento.” Até o

reacontecer dessa surpresa é fácil: no Paraíso será perene, aqui é fácil, aqui é

fácil que reaconteça, não perene. E diz ainda Santo Agostinho: o Senhor tam-

bém aos Seus eleitos, aos Seus santos pode não dar em alguns momentos a

atração fascinante a Si, para que assim, experimentando serem pecadores,

ponham nEle a esperança e não neles mesmos. “E o adeus temporário, a separa-ção,/ O único canto da terra em que tudo se faz dócil. [...] O que por toda parte re-quer um exame/ Aqui nada mais é que o efeito de uma indefesa juventude”. O que

por toda parte requer um exame, pelo qual você deve demonstrar que é

bom... Até em casa é assim, muitas vezes. Você tem de demonstrar que é

bom. E não pode ser um pobre pecador. Tem de demonstrar que é bom. As-

sim, ao fato de ser pecador como todos, acrescenta também a hipocrisia, que

é pecado mais grave, o dos fariseus. “O que por toda parte requer um exame/Aqui nada mais é que o efeito de uma indefesa juventude./ O que por toda parte pedeum adiamento/ Aqui nada mais é que uma presente fragilidade.// O que por todaparte requer um atestado/ Aqui nada mais é que o fruto de uma pobre ternura./ Oque por toda parte pede um toque de destreza/ Aqui nada mais é que o fruto de umahumilde incapacidade [...]. O que por toda parte é obrigação de regra/ Aqui nadamais é que um ímpeto e um abandono”. Como diz Giussani. Só o ímpeto da ora-

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Leitura

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ção, só o ímpeto do pedido. Como a criança que durante o dia pode quebrar

muitos copos. Quebrasse ela mil copos e mil vezes diria “mamãe, ajude-me a

não quebrá-lo”; esse é o homem cristão. “Mamãe, ajuda-me a não quebrá-

lo.” E é mais fácil, mais fácil para a criança dizer nos braços da mãe: “Mamãe,

ajuda-me a não quebrá-lo”, que quebrar o copo. “O que por toda parte é obriga-ção de regra/ Aqui nada mais é que um ímpeto e um abandono;/ O que por toda par-te é uma dura pena/ Aqui nada mais é que uma fraqueza que é soerguida. [...] O quepor toda parte seria um duro esforço/ Aqui nada mais é que simplicidade e paz;/ Oque por toda parte é a casca rugosa / Aqui nada mais é que a seiva e as lágrimas datrepadeira. [...] O que por toda parte é um bem perecível/ Aqui nada mais é que paz eveloz desimpedimento;/ O que por toda parte é um empertigar-se/ Aqui nada mais éque uma rosa e uma pegada na areia. [...] Disseram-nos tanta coisa, ó Rainha dosApóstolos/ Perdemos o gosto pelos discursos/ Já não temos altares, a não ser os vossos/Nada mais sabemos senão uma oração simples”. Bom Natal. q

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Caravaggio, detalhe da Nossa Senhora do Rosário, Kunsthistorisches Museum, Viena

O CRISTIANISMO: UMA HISTÓRIA SIMPLES

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Estou muito contente, portanto, com o fato de 30Giorni fazer uma nova edição destepequeno livro que contém as orações fundamentais dos cristãos, amadurecidas ao longodos séculos. Elas nos acompanham durante todas as vicissitudes da nossa vida e nos aju-dam a celebrar a liturgia da Igreja rezando. Faço votos de que este pequeno livro possa setornar um companheiro de viagem para muitos cristãos.

da apresentação do cardeal Joseph Ratzinger(eleito Papa em 19 de abril de 2005 com o nome de Bento XVI)

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