velocidade drift

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Modelagem de Escoamentos Multifásicos Prof. Fernando de A. França Depto. de Energia / Depto. de Petróleo Sala ID 311, Bloco H MODELOS BÁSICOS EM ESCOAMENTO BIFÁSICO Conceituação de variáveis Nas primeiras semanas do curso sobre escoamentos multifásicos trataremos basicamente de modelos unidimensionais. Pode-se dizer que vários processos dos escoamentos multifásicos ou mesmo bifásicos (a ênfase deste capítulo) só têm solução conhecida e confiável com esta abordagem "simplificada". Um exemplo é o tratamento do escoamento intermitente horizontal ou vertical, também chamado de “slug flow”: há soluções multidimensionais para o “slug flow”, mas elas são ainda restritas. Já a solução multidimensional para o escoamento de configuração mais simples, o escoamento em bolhas, existe em diferentes geometrias e, naturalmente, fornece-nos muito mais informações que a solução unidimensional. Assim, neste texto as variáveis características do escoamento serão definidas de forma coerente com o tipo de tratamento proposto: serão expressas por seu valor médio na seção transversal ao escoamento unidimensional. Em contrapartida, a abordagem dos problemas de escoamentos bifásicos ou mesmo multifásicos, com modelos multidimensionais exige a definição de uma variável local. São os denominados Modelos Multicampo Multidimensionais (em inglês, Multi-field Multi-dimensional Models), referindo-se à representação de fenômenos associados a campos distintos do escoamento (gás e líquido, por exemplo), no espaço. Modelos como o de Dois Fluidos são técnicas relativamente recentes (início dos anos 70), promissoras, especialmente com a evolução das técnicas de solução numérica de sistemas de equações diferenciais e da performance dos computadores. No modelo de Dois Fluidos as variáveis características do escoamento são definidas em termos locais, isto é, em um ponto do espaço, no caso de um tratamento Euleriano do problema. Este, entretando, é um assunto mais complexo, sobre o qual discorremos na seqüência do curso, em capítulos específicos. As variáveis de interesse no escoamento bifásico unidimensional estão definidas a seguir. Os subescritos G e L representam a fase gás e líquido, respectivamente. Na nomenclatura de escoamentos bifásicos, também é usual a utilização dos subescritos 2 e 1 , ou v e f (do inglês vapor e fluid), para o gás e o líquido, ou mesmo G e F , para gas e fluid. Fração de Vazio (α ou ε, void fraction), é a razão entre as áreas transversais ao escoamento ocupadas pelo gás e pelo líquido, nesta abordagem unidimensional, enfatizo. Veremos, na seqüência do curso, que fração de vazio é uma propriedade estastística do escoamento, uma propriedade local, que representa a probabilidade de existência da fase em um certo ponto do espaço no campo de escoamento.

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Page 1: Velocidade Drift

Modelagem de Escoamentos Multifásicos Prof. Fernando de A. França Depto. de Energia / Depto. de Petróleo Sala ID 311, Bloco H

MODELOS BÁSICOS EM ESCOAMENTO BIFÁSICO Conceituação de variáveis Nas primeiras semanas do curso sobre escoamentos multifásicos trataremos basicamente de modelos unidimensionais. Pode-se dizer que vários processos dos escoamentos multifásicos ou mesmo bifásicos (a ênfase deste capítulo) só têm solução conhecida e confiável com esta abordagem "simplificada". Um exemplo é o tratamento do escoamento intermitente horizontal ou vertical, também chamado de “slug flow”: há soluções multidimensionais para o “slug flow”, mas elas são ainda restritas. Já a solução multidimensional para o escoamento de configuração mais simples, o escoamento em bolhas, existe em diferentes geometrias e, naturalmente, fornece-nos muito mais informações que a solução unidimensional.

Assim, neste texto as variáveis características do escoamento serão definidas de forma coerente com o tipo de tratamento proposto: serão expressas por seu valor médio na seção transversal ao escoamento unidimensional. Em contrapartida, a abordagem dos problemas de escoamentos bifásicos ou mesmo multifásicos, com modelos multidimensionais exige a definição de uma variável local. São os denominados Modelos Multicampo Multidimensionais (em inglês, Multi-field Multi-dimensional Models), referindo-se à representação de fenômenos associados a campos distintos do escoamento (gás e líquido, por exemplo), no espaço. Modelos como o de Dois Fluidos são técnicas relativamente recentes (início dos anos 70), promissoras, especialmente com a evolução das técnicas de solução numérica de sistemas de equações diferenciais e da performance dos computadores. No modelo de Dois Fluidos as variáveis características do escoamento são definidas em termos locais, isto é, em um ponto do espaço, no caso de um tratamento Euleriano do problema. Este, entretando, é um assunto mais complexo, sobre o qual discorremos na seqüência do curso, em capítulos específicos. As variáveis de interesse no escoamento bifásico unidimensional estão definidas a seguir. Os subescritos G e L representam a fase gás e líquido, respectivamente. Na nomenclatura de escoamentos bifásicos, também é usual a utilização dos subescritos 2 e 1, ou v e f (do inglês vapor e fluid), para o gás e o líquido, ou mesmo G e F, para gas e fluid.

Fração de Vazio (αααα ou εεεε, void fraction), é a razão entre as áreas transversais ao escoamento ocupadas pelo gás e pelo líquido, nesta abordagem unidimensional, enfatizo. Veremos, na seqüência do curso, que fração de vazio é uma propriedade estastística do escoamento, uma propriedade local, que representa a probabilidade de existência da fase em um certo ponto do espaço no campo de escoamento.

Page 2: Velocidade Drift

α = = −GA LA

A A

1

onde A é a área da seção transversal da tubulação e AG é a área ocupada pelo gás. Algumas possibilidades:

bolha de gásdispersa no líquido (AG1 +AG2+..)

líquido AL

tubulação A

escoamento "em bolhas" (bubbly flow)

núcleo centralde gás AG

líquido AL

tubulação A

escoamento anular (annular flow) Vazão Total, ( W& , em massa ou Q& , em volume, mass flow rate, volumetric flow rate). O ponto sobre o símbolo indica uma taxa, isto é, propriedade na unidade de tempo.

QQ

WW

LG

LG

Q

W

&&

&&

&

&

+=

+=

Notar que

ρρ

==L

LG

G WL

WG QQ e

&&&&

onde ρG e ρL são, respectivamente, a densidade (massa específica) do gás e do líquido. Título (x) de uma mistura gás-líquido,

WWGx&

=

Razão volumétrica de líquido (λλλλL, liquid hold-up), da nomenclatura em inglês "hold-up", isto é, a "retenção" de líquido

QQ

LL&

&

É interessante, neste momento, chamar a atenção para a diferença existente entre a razão volumétrica (λL) e a fração de vazio (α). A fração de vazio é definida por:

( )

AAAA LG

−==

Suponha que o escoamento bifásico de gás e líquido ocorra de tal forma que as velocidades do gás e do líquido sejam iguais. É o chamado escoamento homogêneo, uma idealização do escoamento bifásico que foi muito adotada em décadas passadas, e pode ainda ser adotada atualmente quando o escoamento apresentar uma topografia das fases coerente com os princípios de uma mistura homogênea. Isto é, cálculos baseados nesta idealização ainda hoje levam a resultados razoáveis para algumas ocorrências específicas e

Page 3: Velocidade Drift

limitadas de escoamentos bifásicos. Um exemplo desta idealização é o escoamento vertical ascendente de um líquido ¨relativamente viscoso¨ e um gás, cuja configuração é a seguinte: o líquido é dominante na tubulação e o gás encontra-se uniformemente disperso na forma de pequenas bolhas. Por que um líquido ¨relativamente viscoso¨? Em um líquido relativamente viscoso a velocidade relativa do gás é baixa!

Se a velocidade do gás é VG, e a do gás VL, pode-se escrever:

( )( ) Q

Q1VAA

VA1A

A1 LLLG

LLL&

&−⋅+

⋅−−===α

isto é, a fração de vazio e a razão volumétrica de líquido, em um escoamento homogêneo, se relacionam através de λ−=α L1

Esta, entretanto, volto a frizar, é uma situação idealizada, pois sempre há um movimento relativo entre as fases gás e líquido em escoamento, isto é, VG ≠ VL, qualquer que seja a orientação do escoamento, a forma da tubulação ou como as fases se misturam para dar origem ao escoamento bifásico. Velocidade Superficial Total (j, total superficial velocity)

( ) V1j

Vj

jj

LL

GG

LG onde , j

⋅α−

⋅α

=

=

+=

Notar ainda que as velocidades superficiais do gás e do líquido (jG e jL) são calculadas de:

escoamento vertical em bolhas (idealização: homogêneo)

Page 4: Velocidade Drift

( ) ( ) A

QA

QLL

AQ

AQ

GG

LL

L

GG

G

1V1j

Vj

&&

&&

=⋅α−==

=⋅α==

⋅α−

⋅α

A velocidade superficial é uma variável muito importante na representação de fenômenos típicos de escoamentos bifásicos. Aparece como variável nas coordenadas dos eixos dos mapas de escoamento, são largamente usadas na modelagem fenomenológica de escoamentos multifásicos e nas correlações que expressam a interação entre as fases. A velocidade superficial total também é denominada de velocidade do centro de volume da mistura bifásica, desde que é obtida de

( )

AQ

AQQ

LG = = j LGjj&&& +

+=

Velocidade Relativa (VGL, ou VLG, relative velocity), a velocidade relativa de uma das fases em relação à outra, ( )VVVVVV GLLGLGGL -= −−=−=

Velocidade de Deslizamento (VGj, ou VLj, drift velocity), é a diferença entre a velocidade da fase e a velocidade do centro de volume da mistura (o termo drift significa desvio, desvio de um certo curso, a drift velocity seria então a magnitude do desvio da velocidade da fase em relação à velocidade da mistura j),

j

j

VV

VV

LLj

GGj

−=

−=

Observe que a velocidade de deslizamento representa o movimento relativo das fases gás e líquido relativamente ao centro de volume da mistura, cuja velocidade é j. Razão de Deslizamento (S, slip ratio), a razão entre a velocidade do gás e a velocidade do líquido,

VV

LGS =

Velocidade relativa, velocidade de deslizamento e razão de deslizamento são, por vezes, confundidas. O deslizamento de uma fase (o gás, por exemplo, em um escoamento gás-líquido ascendente em uma tubulação vertical) não significa o mesmo que a velocidade relativa entre o gás e o líquido. Novamente, o deslizamento se dá entre a fase e a mistura, cuja velocidade é j (velocidade superficial total ou velocidade do centro de volume da mistura).

Page 5: Velocidade Drift

Velocidade de Deslizamento Superficial (jGj ou jLj, gas or liquid drift flux)

( )

( )( )j1

j

Vj

Vj

LLj

GGj

−α−=

−α=

A velocidade de deslizamento superficial, ou "drift flux" (ou ainda o fluxo de deslizamento), surgiu com a formulação do modelo de deslizamento, é uma variável que aparece na sua formulação matemática, como veremos adiante. A Relação Fundamental do Escoamento Bifásico Definidas as variáveis específicas do escoamento bifásico, podemos deduzir a chamada relação fundamental do escoamento bifásico. A razão entre os fluxos de massa de líquido e gás é:

AA

VV

WW

G

L

G

L

G

L

G

L

ρ

ρ=

&

&

Recorrendo-se às definições acima, pode-se escrever:

( ) ( )

α

α−=

ρ

ρ 1

S

1

x

x1

G

L

A partir desta relação fundamental do escoamento bifásico pode-se ilustrar a complexidade inerente aos escoamentos bifásicos. Para um dado escoamento de gás e líquido em uma tubulação existe uma dependência mútua entre o título (x), a fração de vazio (αααα) e o movimento relativo entre as fases, expresso pela razão de deslizamento (S). O movimento médio das fases (os quais definem o S) depende de inúmeros fatores: condições operacionais (vazão e concentração das fases, etc), configuração geométrica (diâmetro e inclinação da tubulação, etc) e propriedades das fases (densidade, viscosidade, tensão superficial, etc). Resulta um grande número de variáveis para correlacionar S, tornando complexo o processo de cálculo, e não permitindo a generalização de soluções específicas. Isto explica as limitações que têm as correlações desenvolvidas para cálculos de fenômenos do escoamento bifásico, sejam elas empíricas ou baseadas em argumentação racional, como a análise dimensional ou a análise de similaridade.

Por outro lado, se o cálculo deve ser realizado com modelos matemáticos resultantes de modelos físicos, resta a idealização dos modelos físicos de forma a obter modelos matemáticos tão simples quanto possível que tenham solução. A "qualidade" do resultado dependerá de quão próximo do escoamento real está a caracterização propiciada pelo modelo idealizado. Nossos próximos tópicos discutirão algumas destas abordagens.

Page 6: Velocidade Drift

Sugestão de Exercício:

1- Um escoamento de água e ar em ocorre em uma tubulação circular vertical de 52 mm de diâmetro com as vazões in-situ (isto é, na posição de medida) de 3,8 m3/h de água e 0,4 m3/h de ar (ρar = 1,4 kg/m3), ρH2O = 1000 kg/m3). Considere que o escoamento tenha uma distribuição topológica das fases de tal forma que o ar esteja distribuído pela massa contínua de líquido como pequenas bolhas, e que a velocidade relativa média das bolhas seja uniforme e igual a 0,25 m/s. Calcular: a fração de vazio e o título da mistura; a velocidade de deslizamento; a razão de deslizamento, e o fluxo de deslizamento. Calcular agora os gradientes de pressão por atrito (calcule o fator de atrito de acordo com Blasius, f = 0,079Re-0,25, escoamento turbulento) e gravitacional. Liste as simplificações assumidas para fazer estes dois últimos cálculos.