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Variáveis Macroeconômicas como indicadores antecedentes de crises bancárias no Brasil Maurício Simiano Nunes Ministério da Fazenda e Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de Santa Catarina maurí[email protected] Marcelo Estrela Fiche Ministério da Fazenda e Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade de Brasília [email protected] Josiane Kuhnen da Silva Almeida Ministério da Fazenda e Universidade de Münster [email protected] Resumo Este trabalho busca contribuir com a identificação dos indicadores econômicos que podem servir como um sistema de alerta antecipado para identificar períodos de fragilidade no setor bancário brasileiro, a partir de um modelo logit ordenado. Em termos gerais, os resultados indicaram que há uma relação inversa entre fragilidade do setor bancário e crescimento econômico e que o setor bancário está susceptível a choques nominais e de taxa de juros. Identicamente, indicadores de vulnerabilidade externa como a taxa de câmbio real, reservas e razão M3/reservas também foram estatisticamente significativos para explicar possíveis fragilidades no setor bancário brasileiro. Palavras –Chaves: Crise Bancária; Modelo Logit Ordenado; Indicador Antecedente Classificação JEL: C25; E44; G21 Abstract This paper examines the economic indicators that serve as an early warning system to identify periods of fragility in the Brazilian banking sector using an ordered logit model. The results indicated an inverse relationship between the fragility of the banking sector and economic growth. In addition, it shows that the banking sector is susceptible to nominal and interest rate shocks. The external vulnerability indicators also explain possible fragility in the Brazilian banking sector. Keywords: Banking Crisis; Ordered Logit Model, Leading Indicator JEL Classification: C25; E44; G21 1. Introdução A liberalização financeira internacional, iniciada na década de 1970, removeu barreiras a investimentos, permitindo a mobilidade de capital entre as diversas economias do mundo. Este processo de liberalização foi acompanhado pela expansão da ocorrência de crises financeiras, tanto nos países emergentes como nas economias desenvolvidas, acarretando custos para os sistemas financeiros internacionais. A década de 1980 foi marcada por sucessivas crises bancárias e crises de dívidas soberanas na América Latina, em virtude da alta volatilidade das taxas de juros americana e da queda dos preços das commodities, principais itens de exportação desses países. Em meados

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Variáveis Macroeconômicas como indicadores antecedentes de crises bancárias no Brasil

Maurício Simiano Nunes

Ministério da Fazenda e Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de Santa Catarina maurí[email protected]

Marcelo Estrela Fiche

Ministério da Fazenda e Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade de Brasília [email protected]

Josiane Kuhnen da Silva Almeida

Ministério da Fazenda e Universidade de Münster [email protected]

Resumo

Este trabalho busca contribuir com a identificação dos indicadores econômicos que podem servir como um sistema de alerta antecipado para identificar períodos de fragilidade no setor bancário brasileiro, a partir de um modelo logit ordenado. Em termos gerais, os resultados indicaram que há uma relação inversa entre fragilidade do setor bancário e crescimento econômico e que o setor bancário está susceptível a choques nominais e de taxa de juros. Identicamente, indicadores de vulnerabilidade externa como a taxa de câmbio real, reservas e razão M3/reservas também foram estatisticamente significativos para explicar possíveis fragilidades no setor bancário brasileiro. Palavras –Chaves: Crise Bancária; Modelo Logit Ordenado; Indicador Antecedente

Classificação JEL: C25; E44; G21

Abstract

This paper examines the economic indicators that serve as an early warning system to identify periods of fragility in the Brazilian banking sector using an ordered logit model. The results indicated an inverse relationship between the fragility of the banking sector and economic growth. In addition, it shows that the banking sector is susceptible to nominal and interest rate shocks. The external vulnerability indicators also explain possible fragility in the Brazilian banking sector. Keywords: Banking Crisis; Ordered Logit Model, Leading Indicator

JEL Classification: C25; E44; G21

1. Introdução

A liberalização financeira internacional, iniciada na década de 1970, removeu barreiras a investimentos, permitindo a mobilidade de capital entre as diversas economias do mundo. Este processo de liberalização foi acompanhado pela expansão da ocorrência de crises financeiras, tanto nos países emergentes como nas economias desenvolvidas, acarretando custos para os sistemas financeiros internacionais. A década de 1980 foi marcada por sucessivas crises bancárias e crises de dívidas soberanas na América Latina, em virtude da alta volatilidade das taxas de juros americana e da queda dos preços das commodities, principais itens de exportação desses países. Em meados

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da década de 1990 surge uma nova onda de crises financeiras, particularmente em economias emergentes: México (1994-95), Asia (1997-98) e Rússia (1998). Com o advento destas crises, o setor bancário passou a ser considerado como um dos elementos chaves de estabilidade macroeconômica. Recentemente, destaca-se a crise financeira iniciada em agosto de 2007 nos Estados Unidos. A falta de liquidez no sistema bancário e o colapso do Lehman Brothers em 2008 tiveram impactos globais, desacelerando o crescimento mundial.

Crises financeiras podem ser identificadas como monetárias ou bancárias. As crises monetárias ocorrem quando um ataque especulativo contra a moeda de um país causa uma desvalorização ou força as autoridades monetárias a defender a moeda nacional, aumentando excessivamente as taxas de juros para conter a perda de reservas internacionais. Já as crises bancárias caracterizam uma situação em que o aumento excessivo dos riscos de liquidez, de crédito e cambial torna os bancos insolventes. Segundo Kaminsky e Reinhart (1999), a primeira crise bancária do Brasil, após a liberalização financeira dos anos 1970, ocorreu em 1985, com a falência de três bancos (Maison, Nave, Auxiliar). Em 1990, houve outra crise bancária, ocasionando a conversão de depósitos em títulos (Caprio e Klingebiel, 2003). Com o advento da crise mexicana e a implementação do Plano Real, que promoveu uma redução abrupta da inflação e das receitas decorrentes do float financeiro, o Brasil incorreu em uma nova crise bancária entre 1994 e 1996, culminando na liquidação de 17 bancos pequenos e na intervenção em três bancos privados e oito estatais (Alves e Vieira, 2011)1. O acirramento da concorrência no setor bancário com a redução significativa da inflação e a entrada de bancos estrangeiros no país, também contribuíram para esse resultado.

A proliferação de problemas no setor bancário tem efeitos negativos para as economias, pois a interrupção dos fluxos de créditos para as empresas reduz o investimento e o consumo, podendo levar firmas economicamente viáveis à bancarrota. Além disso, crises bancárias podem prejudicar a confiança nas instituições financeiras domésticas, colocando o funcionamento do sistema bancário em risco. O resultado é a redução da poupança doméstica e a fuga de capitais em grande escala (Demirguç-Kunt e Detragiache, 1998).

Por este motivo, o aprofundamento dos mercados financeiros e os sucessivos eventos de crises estimularam a pesquisa acadêmica sobre a identificação do período, duração, causas, efeitos e saneamento de crises bancárias e monetárias. Modelos de predição de crises capazes de sinalizar futuras vulnerabilidades bancárias tornaram-se cada vez mais relevantes à manutenção da estabilidade financeira internacional. A identificação de insolvências bancárias com antecedência pode servir como um importante instrumento de supervisão do sistema financeiro pelos bancos centrais, ajudando a evitar crises sistêmicas.

Neste sentido, o presente trabalho busca contribuir com a identificação dos indicadores econômicos que podem servir como um sistema de alerta antecipado para identificar períodos de fragilidade no setor bancário brasileiro, a partir de um modelo logit ordenado. Em termos gerais, os resultados indicarão que as instabilidades no ambiente econômico estão correlacionadas com maiores fragilidades do setor bancário. Há uma relação inversa entre a fragilidade do setor bancário e o crescimento econômico, além de haver certa vulnerabilidade do setor aos choques nominais e de taxa de juros. Indicadores de vulnerabilidade externa como a taxa de câmbio real, reservas e razão M3/reservas também serão estatisticamente significativos para explicar possíveis fragilidades no setor bancário brasileiro. 1 English (1996) destaca que quando a inflação é drasticamente reduzida, os bancos perdem uma de suas

principais fontes de receita.

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O trabalho está estruturado de forma a conter, além desta introdução, a revisão da literatura na seção 2, o índice de fragilidade do setor bancário no seção 3, o modelo econométrico e a descrição dos dados nos capítulos 4 e 5. Por fim, nos capítulos 6 e 7 descreve-se os resultados encontrados e as conclusões.

2. Revisão da literatura

A insolvência bancária caracteriza a situação em que o patrimônio líquido de um banco se torna negativo, ou seja, o banco fica impossibilitado de continuar realizando suas operações e de cumprir suas obrigações sem incorrer em maiores perdas. O desfecho de uma situação de insolvência pode ser a intervenção ou a liquidação extrajudicial por parte do banco central. Crises bancárias são caracterizadas por meio de corridas bancárias, fechamento, incorporação e controle ou ajuda em grande escala de uma ou mais instituições financeiras pelo governo.

A discussão acerca das causas predominantes de crises bancárias não é consensual, mas os autores estão cada vez mais convencidos de que tantos os desequilíbrios macroeconômicos como as deficiências no nível microeconômico desempenham papel fundamental no desencadeamento de crises. Os modelos teóricos de crises financeiras (monetárias e bancárias) dividem-se em três gerações. Segundo os modelos de primeira geração, fundamentos econômicos frágeis deixam os países mais vulneráveis a ataques especulativos (Krugman (1979), Flood e Garber (1984) e Obstfeld (1984)). Os modelos de segunda geração não negam o papel dos fundamentos frágeis, mas sugerem que as expectativas autorrealizáveis são as principais causas das crises (Diamond e Dybvig (1983), Gorton (1988)). Já os modelos de terceira geração combinam os argumentos dos modelos de primeira geração, de que as crises são consequências da fragilidade dos fundamentos econômicos, com as análises de crises financeiras advêm das deficiências nos setores bancários como suas principais causas. Os modelos de terceira geração também são conhecidos como twin crisis, uma combinação de crises monetárias e financeiras (Kaminsky e Reinhart (1999)).

Os estudos teóricos e empíricos mais recentes distinguem-se quanto ao tipo de abordagem metodológica utilizada para a identificação e a temporalização (timing) de crises no setor bancário, a saber: o método baseado em eventos e o método baseado em índice.

O método baseado em eventos identifica crises bancárias depois da ocorrência de eventos negativos concretos, como bank runs, inadimplências, falências, fusões, incorporações ou intervenções governamentais (Kaminsky e Reinhart (1999), Caprio e Klingebiel (2003)). A vantagem deste método é a sua capacidade de orientar a escolha de variáveis potenciais, que refletem os fundamentos econômicos e as expectativas de mercado. Porém, esta abordagem tem limitações no que se refere à quantificação da relevância que estas variáveis devem assumir em períodos de proximidade de crises (Capelletto, Martins e Corrar, 2008). Outras limitações destes tipos de modelos referem-se à identificação dos níveis de fragilidade bancária (alta, média, fraca) e também à capacidade de identificar o período de início e fim da crise. (Singh, 2010).

Já o método baseado na construção de um índice de vulnerabilidade, por sua vez, procura identificar as causas das crises por meio de combinação de dados reais e aplicação de diversas técnicas estatísticas. Neste tipo de abordagem, as variáveis são escolhidas com base em premissas teóricas e recebem ponderações de acordo com a capacidade de prever crises. Demirguç-Kunt e Detragiache (1998), por exemplo,

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estudaram os determinantes das crises bancárias empregando um modelo de regressão logística. Kaminsky, Lizondo e Reinhart (1998) avaliaram a capacidade de variáveis sinalizarem a proximidade de uma crise utilizando o teste não paramétrico de extração de sinais. O desafio deste tipo de metodologia é identificar características comuns que antecedem crises, visando a construção de um modelo capaz de classificar os países de acordo com a vulnerabilidade a crises.

Alguns autores tentaram identificar variáveis que apresentassem comportamento anômalo antes de uma crise. Gavin e Housemam (1995) e Sachs, Tornell e Velasco (1996), utilizaram o crescimento do crédito como indicador para detectar booms de crédito. Calvo (1996), destacou o monitoramento da razão do M3 por reservas de moeda externa para identificar vulnerabilidade a choques externos. Já Rojas-Suarez (1998) propôs uma abordagem similar a CAMEL para identificar problemas bancários2. O autor recomenda utilizar as taxas de juros dos depósitos, o spread entre as taxas de empréstimos e de depósitos e a taxa de crescimento de crédito como indicadores de crises bancárias.

Dentre os primeiros modelos empíricos que relacionaram crises bancárias à fraqueza dos fundamentos econômicos, pode se destacar os trabalhos de Diamond e Dybvig (1983), Jacklin e Bhattacharya (1988) e Gorton (1988). Os primeiros foram considerados os precursores dos estudos sobre corrida bancária, concluindo que podem ser caracterizadas por profecias autorrealizáveis. Jacklin e Bhattacharya (1988) e Gorton (1988) relacionaram crises bancárias com os ciclos dos negócios.

Mais recentemente, Huang e Xu (1999) classificaram a ocorrência de crise bancária como consequencia da seleção adversa presente na esturutra de financiamento do mercado interbancário. Já Chen (1999) relacionou a corrida bancária ao efeito manada, indicando que a falência de alguns bancos poderiam contaminar o sistema como um todo. Singh (2010), construiu um indicador antecedente para prever crises bancárias na Índia, a partir de um conjunto de variáveis macroeconômicas. Manasso e Mayes (2009), tentaram explicar os periódos de fragilidade bancária nas economias em transição do leste europeu.

Para o Brasil, Janot (2001) e Júnior e Ribeiro (2001) analisaram os modelos para previsão de insolvência bancária. Capelletto et. al. (2008) tentaram mensurar o risco sistêmico no setor bancário a partir de variáveis contábeis e econômicas. Lenz Neto (2006) analisou possíveis indicadores antecendentes de crises financeiras. Por fim, Alves e Vieira (2011) investigaram a ocorrência de alguns tipos de crises financeiras sob alguns conceitos, crise inflacionária, cambial, endividamento doméstico e externo e bancário.

3. Índice de Fragilidade do Setor Bancário

Os bancos são intermediários financeiros cujos passivos são, principalmente, depósitos de curto prazo e cujos ativos são usualmente empréstimos de curto e de longo prazo para consumidores e empresas. Quando o valor dos seus ativos for inferior ao seu passivo, o banco é considerado insolvente. Portanto, explicitamente, os bancos estão expostos a diferentes tipos de riscos econômicos, tais como: risco de liquidez, de crédito e cambial. De acordo com Singh (2010), o risco de liquidez relaciona-se com o descasamento de fluxos financeiros entre ativos e passivos e seus reflexos sobre a

2 CAMEL é a sigla que representa adequação de capital, qualidade dos ativos, gestão, lucro e liquidez.

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capacidade financeira da instituição em obter ativos e honrar suas obrigações. Trata-se de um risco altamente vulnerável a corridas bancárias, já que é proibido à instituição financeira suspender saques, mesmo à custa de sua solvência. O risco de crédito pode ser definido como a possibilidade de perdas associadas à redução na qualidade dos empréstimos ou garantias devido à incapacidade dos clientes ou seus avalistas de honrar suas obrigações. Já o risco cambial é definido como o risco inerente às variações cambiais que podem afetar adversamente as condições financeiras dos bancos.

Portanto, considerando a importância do setor bancário para economia e os riscos inerentes a esse setor, monitorar a fragilidade do setor bancário parece de suma importância para evitar possíveis crises financeiras. De fato, conforme já destacado na seção 2, a evidência empírica de crises financeiras e monetárias nos países desenvolvidos e emergentes tem mostrado elevada correlação com a fragilidade do sistema bancário, o que ressalta a importância em construir um índice que possa medir tal fragilidade.

Para tanto, neste artigo optou-se por adotar o método desenvolvido por Kibritciouglu (2002), que propõe um índice para monitorar e medir as variações na fragilidade do setor bancário, utilizando dados mensais. O ìndice de fragilidade do setor bancário (IFSB) é construído a partir da média aritmética de três variáveis, representando a exposição do setor bancário aos três riscos de crédito supracitados. As variáveis que compõem o IFSB são:

1. A variação nos depósitos bancários real, como uma proxy das variações do risco de liquidez;

2. A variação dos créditos (claims) ao setor privado doméstico, como uma proxy

das variações do risco de crédito; 3. A variação dos passivos externos líquidos dos bancos, como uma proxy das

variações do risco cambial. O IFSB é definido como:

Em que, , e representam as variações percentuais anuais dos depósitos bancários em termos reais, as concessões de crédito ao setor privado doméstico e do

passivo externo líquido, respectivamente. é a taxa de crescimento médio das

variáveis e é o desvio padrão da taxa de crescimento da variável. Alternativamente, as reservas bancárias podem ser utilizadas como uma variável

adicional para medir o risco de liquidez, pois níveis elevados de reservas podem sugerir um setor bancário mais estável. Por este motivo, o IFSB pode ser extendido para incluir

a variação percentual anual das reservas bancárias totais ( . O IFSB então será representado por:

A interpretação do IFSB é aparentemente simples. Valores positivos do IFSB representam situação de estabilidade do setor bancário, enquanto valores negativos representam fragilidade. Entretanto, a simples análise do sinal pode induzir ao erro de

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interpretação no que tange à situação financeira do setor, uma vez que é possível que o IFSB apresente valor negativo porém de pequena magnitude, não indicando elevada fragilidade. Igualmente, elevados valores positivos do IFSB podem ser interpretados erroneamente como estabilidade, quando, na verdade, podem indicar acumulação de risco, o que elevaria a probablidade de uma fragilidade no futuro. Para evitar esse problema de interpretação, as datas referentes aos períodos de crise são identificadas a partir de faixas de variação delimitadas por níveis de threshold. Ou seja, se o IFSB for negativo, porém menor do que o threshold em valor absoluto, representa uma situação de média fragilidade. Caso seja negativo e maior do que o threshold em valor absoluto, a situação será de alta fragilidade. Similarmente, se o IFSB for positivo e menor que o threshold, indicará estabilidade. Caso seja maior, indicará acumulação de risco. Os valores dos thresholds serão representados pelo desvio padrão

( ) e a ordenação das fases pode ser representada por:

Alta Fragilidade (AF): Média Fragilidade (MF): Estabilidade (ES): Acumulação de Risco (AR):

Portanto, a interpretação do IFSB como indicador de fragilidade do setor bancário será divida em cinco fases hipotéticas, cada uma representando uma tendência específica do IFSB3. Analisando em ordem decrescente do IFSB, a primeira fase, representada pelo período de acumulação de risco (AR), sinaliza que os bancos estão incorrendo em riscos excessivos e pode ser interpretada como uma probablidade crescente de futuras crises, principalmente se ela se prolongar por um período longo. A segunda fase (ES) pode ser considerada de estabilidade, visto que o IFSB apresenta-se positivo, porém sem acumular risco. Todavia, se o setor estava no estágio de acumulação de risco e, de repente, o IFSB começa a cair rapidamente, o sinal de alerta se ascende e geralmente há um processo de contenção de risco, haja vista que pode estar se iniciando o período de dificuldade (distress). Na fase de média fragilidade (MF), a instabilidade do setor bancário está crescendo e, hipoteticamente, a crise bancária estaria em curso. Já a fase de elevada fragilidade (AR) será atingida quando o IFSB for negativo com magnitude maior que um desvio padrão (em módulo). A crise bancária está em curso nesse estágio. Por fim, uma quinta fase pode ser considerada, quando o IFSB começa a retornar para zero, indicando que o nível de fragilidade deve cair e o setor começa a se recuperar. Nesse estágio, os bancos estão dispostos a gradualmente assumir mais riscos e quando o IFSB alcança zero, a crise é considerada como finalizada. Como em Singh (2010), a contínua alternância das fases de média e elevada fragilidade antes da recuperação completa da situação de distress é considerada como crise bancária sistêmica. Portanto, fases isoladas de média fragilidade não constituem crise sistêmica no setor bancário, e quando o IFSB for igual a zero a recuperação completa será considerada.

As figuras (1) e (2) representam as séries do e , identificando os períodos de fragilidade elevada pela região assombreada. Observa-se que os índices possuem movimentos semelhantes, indicando elevada fragilidade nos períodos entre

3 Cabe notar que, como os valores do IFSB são variações percentuais durante o período de um ano antes do mês específico, por construção, o IFSB é uma medida de fragilidade backward looking.

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janeiro de 2000 e janeiro de 2001 e entre março de 2003 e abril de 2004. O apresentou menor volatilidade no período analisado, apresentando desvio padrão de

0,668 se comparado a 0,782 do (tabela 1). Esse resultado decorre da maior

estabilidade das reservas em relação às demais variáveis utilizadas. O apresentou mais ocorrências de períodos com média fragilidade e de acumulação de

risco do que o , além de classificar o período da crise americana como de alta

fragilidade, enquanto o classificou esse período como de média fragilidade.

Figura 1: Índice Fragilidade do Setor Bancário Restrito ( )

Fonte: Elaborado pelos autores.

Figura 2: Índice Fragilidade do Setor Bancário Amplo ( )

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Fonte: Elaborado pelos autores.

Tabela 1: Períodos de Acumulação de Riscos, Alta e Média Fragilidade do Sistema Bancário no Brasil

IFSB3 IFSB4

Desvio-Padrão = 0,782 Desvio-Padrão = 0,668

Acumulação de Riscos

Fragilidade Média

Fragilidade Alta

Acumulação de Riscos

Fragilidade Média

Fragilidade Alta

-------- -------- jan00-jan01 -------- -------- jan00-jan01 -------- fev01-mar01 -------- -------- jun01-ago01 -------- -------- nov01-mai02 --------

--------

fev01-jun02

--------

set02-nov02 -------- -------- --------

dez02-fev03 -------- fev03 -------- --------

-------- -------- mar03- -------- mar03-jun03 -------- -------- dez03-mar04 -------- -------- -------- jul03-abr04 -------- nov04-mar05 -------- -------- mai04-fev05 -------- -------- jun05-jul05 -------- -------- out05-nov05 --------

--------

abr05-nov05

--------

mai06-jun06 -------- -------- -------- fev06-abr06 -------- out06-nov06 -------- -------- -------- -------- --------

jan07 -------- -------- -------- -------- -------- abr07 -------- --------

jun07-out07 -------- -------- dez07 -------- --------

abr08-mai08 -------- -------- ago08-mar09 -------- --------

fev07-mar09

--------

--------

-------- ago09-nov09 -------- -------- -------- dez09-jan10 -------- fev10-set10 --------

--------

ago09-jul10 --------

-------- nov10 -------- -------- -------- -------- -------- jun11 -------- -------- -------- -------- -------- dez11-mar12 -------- -------- jan12-abr12 --------

Fonte: elaborada pelos autores. 4. Modelo Econométrico

Após calcular uma proxy para captar as diferentes fases relativas à fragilidade do setor bancário brasileiro (o IFSB), pode-se analisar a capacidade preditiva das condições econômicas em antecipar possíveis crises bancárias. Para tanto, utiliza-se um modelo logit ordenado, no qual a variável dependente é ordenada em diferentes categorias correspondentes aos diferentes estágios da situação do setor bancário. Mais especificamente, classifica-se a variável dependente de forma ordenada para captar as diferentes fases em que se encontra o setor bancário, a saber: alta fragilidade (0), média fragilidade (1), estabilidade (2) e acumulação de risco (3). A probabilidade de ocorrência de cada um dos diferentes estágios é assumida como sendo uma função de um vetor de variáveis explicativas.

O modelo pode ser descrito como as respostas observadas, considerando-se uma variável latente não observada que depende linearmente do vetor de variáveis explicativas :

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(4.1) em que é uma variável aleatória independente e identicamente distribuída. Como

não é observada, o que se observa é a sua categoria . Então, observado é determinado medindo utilizando-se uma função indicadora:

(4.2) em que, , ,..., são os valores dos thresholds. Como se trata de um logit ordenado, a especificação requer que a ordenação seja

preservada. Ou seja implica que . As probabilidades para cada valor

observado de são representadas por:

(4.3)

em que F é função de distribuição acumulada de . Como o modelo é um logit, a função de distribuição é a logística.

Os valores dos thresholds são estimados conjuntamente com os coeficientes

através da maximização da função de verossimilhança:

(4.4)

Em que é uma função indicadora que assume o valor 1 se o argumento for verdadeiro e zero se o argumento for falso. Para analisar a significância estatística dos coeficientes individuais estimados no modelo, utiliza-se a estatística z com distribuição . A hipótese nula a ser testada é

, em que o coeficiente estimado da i-ésima variável é zero. Se a hipótese for rejeitada, conclui-se pela significância estatística dos efeitos da i-ésima variável

sobre a variável dependente (dummy de crise).

A direção do efeito de uma variação em depende do sinal do coeficiente . Entretanto, os coeficientes estimados pelo modelo logit não podem ser interpretados como o efeito marginal da variável independente na variável dependente, pois é

ponderado pela função de densidade logística ( ), que depende de todos os

regressores. Por outro lado, o efeito marginal da variável explicativa sobre a probabilidade de obter o estado especificado da variável fornece uma boa interpretação do resultado, ou seja:

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(4.5)

Enquanto a direção do efeito de nas probabilidades e

são determinadas diretamente pelo sinal de , o sinal de nem sempre

determinará a direção dos efeitos para os resultados intermediários 1, 2,..., . Para analisar esses pontos, suponha o caso mais simples, em que haja três resultados

possíveis, 0, 1 e 2, e que Então, e ,

mas pode apresentar ambos os sinais. Se , o

fator escala , é positivo. Caso contrário é negativo4. Para analisar a significância conjunta dos coeficientes, pode se utilizar o teste

LR (likelihood ratio) que, sob a hipótese nula, testa a hipótese conjunta de que todos os coeficientes, exceto o intercepto, são iguais a zero, isto é, . A estatística do teste é:

(4.6)

na qual, e são as funções de log verossimilhança dos modelos completo e restrito, respectivamente. No modelo restrito, a hipótese é a de que todos os coeficientes, exceto o intercepto, sejam iguais a zero. O teste LR é similar ao teste F e testa a significância global do modelo. Sob a hipótese nula, a estatística LR é assintoticamente distribuída com uma distribuição e com grau de liberdade igual ao número de restrições do teste. Para analisar a qualidade do ajuste, uma boa medida para estimadores não lineares é o pseudo que pode ser definido como:

(4.7)

4 Esta conclusão decorre do fato de a função de densidade de probabilidade normal padrão ser simétrica em torno de zero e, portanto, atinge seu máximo em zero, declinando monotonicamente quando seu argumento aumenta em valor absoluto.

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Assim como tradicional, pseudo variará entre 0 e 1, e qualidade do ajuste será

melhor quanto maior o valor do pseudo . As definições de e são as mesmas do teste LR. 5. Descrição dos dados

O IFSB foi construído utilizando-se dados contábeis agregados dos bancos

comerciais brasileiros. Os indicadores selecionados buscam fornecer informações sobre a solidez econômica e financeira da posição agregada das instituições financeiras. Bancos estão expostos a vários tipos de riscos econômicos: risco de liquidez, risco de crédito e risco cambial. Na tentativa de identificar os períodos de fragilidade bancária foram utilizadas as seguintes variáveis na construção do IFSB: créditos concedidos ao setor privado, depósitos bancários, passivo externo líquido e reservas bancárias. Os créditos ao setor privado excluem o setor governo e incluem os créditos às empresas estatais não financeiras. Os depósitos bancários abrangem os depósitos à vista, a prazo e de poupança. O passivo externo líquido é definido como a diferença entre os ativos e passivos em moeda externa.

O aumento excessivo do volume de créditos concedidos pode sinalizar que os bancos estão acumulando riscos (risco de crédito). O passivo externo líquido demonstra exposição dos bancos em moeda estrangeira. Quanto maior o valor, maior o risco cambial. O volume de depósitos é um indicador do risco de liquidez e pode capturar o efeito das corridas bancárias (bank runs). Quanto maior o volume de depósitos, maior o risco. A retirada maciça de depósitos bancários tem um efeito desestabilizante, aumentando a probabilidade de um default bancário. Enfim, o indicador reservas bancárias também constitui um sinalizador do risco de liquidez, mas em direção oposta. Quanto maior o volume das reservas bancárias, menor o risco de liquidez.

Os indicadores utilizados como variáveis explicativas para a predição de crise no setor bancário brasileiro abrangem os setores real, financeiro, bancário e externo. Segundo Kaminsky (1999), o primeiro passo para selecionar indicadores para modelos de predição de crises é identificar sintomas econômicos que costumam prevalecer nos períodos que precedem crises financeiras. Crises bancárias costumam ser precedidas por uma série de problemas econômicos. A construção de um modelo de alerta antecipado capaz de identificar crises bancárias futuras pode considerar uma ampla variedade de indicadores econômicos representando diferentes setores da economia.

Para considerar a influência do ambiente econômico foram utilizadas as variáveis PIB, inflação, diferencial de juros e preço de ativos. Eventos como recessão ou severa desaceleração no crescimento econômico, estouro de bolhas de preço de ativos, inflação alta e aumento excessivo nas taxas real de juros podem servir para mensurar o nível de risco de uma futura crise bancária, pois o mau desempenho destes indicadores pressiona os ganhos e deterioram os balanços dos bancos.

Os problemas na conta de capital também podem sinalizar futuros distúrbios no setor bancário. Os indicadores selecionados para representar a vulnerabilidade externa são reservas internacionais e a razão M3/reservas internacionais. A vulnerabilidade externa é agravada em contextos de fuga de capital. Quanto menor o nível de reservas em moeda estrangeira, maior a vulnerabilidade a crises. De acordo com Calvo (1996), a razão M3/reservas internacionais é um bom sinalizador da vulnerabilidade de um país a crises no balanço de pagamentos. Problemas em conta corrente também são vistos como um sintoma de crises financeiras, devido aos seus impactos para o desempenho do comércio externo e para a taxa de câmbio real. A sobrevalorização da taxa de câmbio

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real é um fator potencial para crises financeiras. A perda de competitividade pode levar a recessão, falências e deterioração na qualidade dos empréstimos bancários. Os indicadores selecionados nesta área foram taxa de câmbio real, exportações e importações.

Finalmente, procurou-se complementar este rol de indicadores macroeconômicos com algumas variáveis contábeis do setor bancário agregado. Para isto foram selecionadas a razão ativo/passivo em moeda externa e a razão créditos/depósitos. A razão ativo e passivo em moeda externa é um indicador da exposição externa dos bancos em uma situação de risco cambial. Por exemplo, quanto menor a quantidade de ativos em moeda externa em relação à quantidade de passivos em moeda externa, maiores serão as perdas decorrentes de uma desvalorização monetária. No entanto, esta relação deve ser analisada com cautela, visto que o impacto do risco cambial sobre a saúde financeira dos bancos depende dos mecanismos de hedge utilizados. A razão créditos/depósitos representa a posição de liquidez do setor bancário. Bancos são instituições financeiras, cujos passivos são predominantemente formados por depósitos de curto prazo e cujos ativos consistem em empréstimos de curto e longo prazo para indivíduos e empresas. Pressupõe-se que quanto maior a liquidez dos ativos bancários, menor a probabilidade de uma futura crise. Baixa liquidez, por sua vez, pode sugerir futuros problemas.

Resumindo, foram utilizadas as seguintes variáveis: PIB, inflação, índice de ações (IBOVESPA), oferta monetária (M3), diferencial de juros, CDI-OVER, razão ativo/passivo, razão créditos/depósitos, razão M3/Reservas Internacionais, taxa real de câmbio, exportações, importações e reservas internacionais. A taxa de juros internacional utilizada foi a T-Bill 3 meses, deflacionada pelo IPC dos Estados Unidos. Para o cálculo da taxa real de juros interna utilizou-se a Swap Pré-DI 3 meses.

Todos os dados foram extraídos do Sistema Gerenciador de Séries Temporais do Banco Central do Brasil, do Ipeadata e da Bloomberg. A frequência de todas as variáveis é mensal e o período abrangido é de janeiro de 1999 a abril de 2012. As variáveis foram deflacionadas pelo IPCA (base abr. 2012 = 100) e calculadas as taxas de crescimento anual, definidas como a variação percentual em relação ao mesmo mês do ano anterior. A vantagem dessa transformação é que permite a utilização de séries dessazonalizadas e estacionárias. 6. Resultados Empíricos

O horizonte em que o indicador é esperado para emitir uma sinalização de uma situação dificuldade ou crise do setor bancário é de seis meses (seção 2). Portanto, baseado nos dados disponíveis com freqüência mensal, o modelo logit ordenado foi desenvolvido para prever as diferentes fases de dificuldade crise no horizonte de seis meses. A qualidade da especificação modelo estimado foi verificada pelos critérios de informação Akaike (AIC), Schwarz (SIC) e o pseudo R2. Para analisar a significância conjunta dos coeficientes, utilizou-se o teste LR (likelihood ratio). O modelo estimado apresentou erros padrões robusto a heteroscedasticidade utilizando-se o modelo de quase máxima verossimilhança de Huber/White e algoritmo de estimação da função de verosimilhança foi o Newton-Raphson5.

5 O algoritmo de Newton-Raphson emprega a matriz de derivadas segundas analíticas da função de log verossimilhança na formação de atualizações da iteração e no cálculo da matriz de covariância estimada dos coeficientes. Para maiores detalhes, vide Wooldridge (2010) e Greene (1997).

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Os melhores modelos para o e o , escolhidos de acordo com os critérios de informação, estão dispostos na tabela 2.

Tabela 2: Índice de Fragilidade do Setor Bancário Brasileiro – Modelo Logit Ordenado

IFSB3 IFSB4

CAMB -0,150164*** (0,03)

CAMB(-1) -0,108774*** (0,02)

CDI(-3) 0,248024*** (0,08) CDI 0,196083**

(0,08)

IBOV -0,0967*** (0,02)

DJUROS -0,019864** (0,01)

IMP 0,040396*** (0,01)

EXPO(-3) -0,039959** (0,02)

INF(-3) -0,655378*** (0,13)

IBOV -0,057353*** (0,01)

M3 0,244881*** (0,07)

INF 1,369378*** (0,30)

PIB(-1) 0,221256** (0,10)

INF(-3) -2,126188*** (0,33)

RAP 0,128144*** (0,02)

M3 -0,548125*** (0,14)

RES 0,082309*** (0,01)

M3(-3) -0,548125*** (0,14)

RMR(-3) -0,035794** (0,02)

PIB(-3) 0,209242* (0,12)

DA 40,537570*** (0,89)

RMR(-1) -0,105419*** (0,02)

DL 3,612353*** (0,70)

DA 37,97304*** (0,80)

LIMITE - 1 -0,787367 LIMITE - 1 -8,742080 LIMITE - 2 3,847376 LIMITE - 2 -2,601834 LIMITE - 3 8,173258 LIMITE - 3 0,958086

N⁰ Observações 145 N⁰ Observações 145 R-quadrado 0,535610 R-quadrado 0,576079

Critério Schwarz 1,722029 Critério Schwarz 1,633852 Estatística LR 201,8882 Estatística LR 220,4969

Prob(Estatística LR) 0,000000 Prob(Estatística LR) 0,000000 Critério Akaike 1,414091 Critério Akaike 1,325914

Fonte: elaborada pelos autores. Nota: Limites 1, 2 e 3 são os thresholds estimados. Os valores entre parênteses são os erros padrões. (*),

(**) e (***) indicam níveis de significância de 10%, 5% e 1%, respectivamente. Em termos gerais, os resultados indicam que fraquezas no ambiente econômico

estão correlacionadas com maiores fragilidades do setor bancário. Em ambos os índices, a probabilidade de alta fragilidade do setor bancário possui uma relação inversa com o crescimento do PIB em termos defasados. A taxa de juros e a inflação também foram significantes estatisticamente, confirmando a vulnerabilidade do setor bancário aos choques nominais e de taxa de juros. A variação anual da taxa de inflação defasada foi identificada como um fator negativo, pois um aumento na inflação sinaliza uma possível desaceleração futura da economia e, portanto, maior a probabilidade de futuras crises

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bancárias. A taxa de câmbio real também foi considerada um fator significativo para possíveis desequilíbrios no setor bancário. Isso pode ser explicado pelo fato de que a avaliação da própria moeda muda diretamente o valor dos passivos externos dos bancos e conduz para materializar o risco cambial em que os bancos estavam expostos. Em outras palavras, uma desvalorização do real deixa os bancos mais vulneráveis aos choques externos. Outros indicadores de vulnerabilidade externa, reservas (somente no

) e razão M3/reservas também foram estatisticamente significativos e apresentaram sinais esperados. O primeiro caso é direto, quanto maior o volume de reservas, menor a vulnerabilidade externa. No entanto, maior crescimento da razão M3/reservas indica que grande parcela da entrada de recursos externos está sendo destinada para portfólios em detrimento de investimento direto, o que eleva a vulnerabilidade a choques externos. Além disso, como as reservas possuem um custo, a autoridade monetária pode estar utilizando parte das reservas para algumas operações, como por exemplo, as operações compromissadas com títulos públicos.

Tabela 3 – Desempenho da Previsão do Modelo Logit Ordenado

Observações Corretas Incorretas % Corretas % Incorretas Variável Dependente

IFSB3 IFSB4 IFSB3 IFSB4 IFSB3 IFSB4 IFSB3 IFSB4 IFSB3 IFSB4

0 21 20 17 18 4 2 80,95 90,00 19,05 10,00 1 48 56 33 48 15 8 68,75 85,71 31,25 14,29 2 54 39 41 21 13 18 75,93 53,85 24,07 46,15 3 22 30 13 23 9 7 59,09 76,67 40,91 23,33

Total 145 145 104 110 41 35 71,72 75,86 28,28 24,14

Fonte: elaborada pelos autores.

Para avaliar a precisão da previsão dos modelos, reporta-se a porcentagem das diferentes fases do IFSB que são corretamente classificadas, a porcentagem de observações que foram corretamente classificadas e a porcentagem do ganho em relação

ao modelo restrito. Do total de 145 pontos da série, o previu corretamente 104 pontos nas diferentes categorias, o que representa um percentual de acertos superior a

70%. No , esse percentual aumenta para 75% (111 pontos). Todavia, se for analisado somente o estágio de alta fragilidade, o percentual de acerto se eleva para

90% no e para 81% no . Aparentemente, há certa dificuldade em diferenciar os estágios de estabilidade e acumulação de risco. Em termos gerais, o

ganho em relação ao modelo restrito foi de aproximadamente 61% no e 55% no

, indicando bom desempenho preditivo do modelo estimado. Um dos aspectos significantes do modelo proposto é a sua possibilidade de

prever crises bancárias com certa antecedência. Portanto, as probabilidades de previsão dentro da amostra para 6 meses á frente da fase de alta fragilidade é apresentada nas

figuras 3 ( ) e 4 ( ). As fases de alta fragilidade dos índices são representadas pelas regiões assombreadas.

Observa-se que os resultados apresentados nas figuras 3 e 4 ratificam a boa capacidade preditiva do modelo em fases de alta fragilidade do setor bancário apresentados na tabela 4. Na figura 3, observa-se que a maioria dos períodos previstos

pelo modelo realmente apresentaram elevada fragilidade no . Nos períodos em

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que o apresentou o valor zero (alta fragilidade), a probabilidade do modelo apresentou valor de 1 (100%). As exceções foram os meses de abril de 2000 e janeiro 2010. Identicamente, o modelo logit também apresentou elevada capacidade preditiva

para as fases de elevada fragilidade do . Nos dois períodos em que o indicou a presença de alta fragilidade (jan 00 – jan01 e jul03 – abr04), o modelo logit ordenado proposto apresentou probabilidade de alta fragilidade superior a 80%.

Figura 3: Previsão das Probabilidades de Alta Fragilidade –

Fonte: Elaborada pelos autores.

Figura 4: Previsão das Probabilidades de Alta Fragilidade –

Fonte: Elaborada pelos autores.

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7. Conclusões

A liberalização financeira internacional, iniciada na década de 1970, removeu barreiras a investimentos, permitindo a mobilidade de capital entre as diversas economias do mundo. No entanto, este processo de liberalização foi acompanhando pela expansão da ocorrência de crises financeiras e bancárias tanto nos países emergentes como nas economias desenvolvidas. A proliferação de problemas no setor bancário tem efeitos negativos para as economias, pois a interrupção dos fluxos de créditos para as empresas reduz o investimento e o consumo, podendo levar firmas economicamente viáveis a bancarrota. Além disso, crises bancárias podem prejudicar a confiança nas instituições financeiras domésticas, colocando o funcionamento do sistema bancário em risco, cujo resultado é a redução da poupança doméstica e a fuga de capitais em grande escala.

Este aprofundamento dos mercados financeiros e os sucessivos eventos de crises estimularam a pesquisa acadêmica sobre a identificação do período, duração, causas, efeitos e saneamento de crises bancárias e monetárias. Modelos de predição de crises capazes de sinalizar futuras vulnerabilidades bancárias tornaram-se cada vez mais relevantes para a manutenção da estabilidade financeira internacional. A identificação de insolvências bancárias com antecedência pode servir como um importante instrumento de supervisão do sistema financeiro pelos bancos centrais, ajudando a evitar crises sistêmicas.

Ante ao exposto, o presente trabalho teve por objetivo analisar se as condições econômicas, a partir de um conjunto de variáveis macroeconômicas, podem servir como sistema de alerta antecipado para identificar períodos de fragilidade do setor bancário brasileiro. Para tanto, construíu-se um índice de fragilidade do setor bancário (IFSB) e, utilizando-se um modelo logit ordenado, verificou-se relação desse conjunto de variáveis com o IFSB.

Em termos gerais, os resultados indicam que fraquezas no ambiente econômico estão correlacionadas com maiores fragilidades do setor bancário. A probabilidade de alta fragilidade do setor bancário possui uma relação inversa com o crescimento do PIB em termos defasados. A taxa de juros e a inflação também foram significantes estatisticamente, confirmando a vulnerabilidade do setor bancário aos choques nominais e de taxa de juros. A taxa de câmbio real também foi considerada um fator significativo para possíveis desequilíbrios no setor bancário, visto que uma desvalorização do real deixa os bancos mais vulneráveis aos choques externos. Identicamente, outros indicadores de vulnerabilidade externa, reservas e razão M3/reservas também foram estatisticamente significativos para explicar possíveis fragilidades no setor bancário brasileiro. Além disso, o modelo estimado apresentou bom desempenho preditivo. Para a fase de elevada fragilidade, o percentual de acerto do melhor modelo foi de 90%, um ganho de aproximadamente de aproximadamente 61% em relação ao modelo restrito. 8. Referências Bibliográficas

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