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Vânia Aparecida Marques Leite Dimensões da não APRENDIZAGEM Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

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Vânia Aparecida Marques Leite

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Fundação Biblioteca NacionalISBN 978-85-387-2834-4

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Vânia Aparecida Marques Leite

IESDE Brasil S.A.Curitiba

2012

Edição revisada

Dimensões da Não Aprendizagem

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IESDE Brasil S.A.Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br

Todos os direitos reservados.

© 2008 IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

Capa: IESDE Brasil S.A.Imagem da capa: Shutterstock

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________________________L534d Leite, Vânia Aparecida Marques Dimensões da não aprendizagem / Vânia Aparecida Marques Leite. - ed. rev. - Curitiba,

PR : IESDE Brasil, 2012. 102p. : 28 cm Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-2834-4 1. Aprendizagem. 2. Psicologia educacional. I. Título.

12-4652. CDD: 370.15 CDU: 37.015.2

03.07.12 20.07.12 037161 ________________________________________________________________________________

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SumárioAprendizagem e dificuldades ............................................................................................... 7

Aprendizagem: concepções e fatores determinantes ...............................................................................7Processo de aprendizagem e suas dificuldades ........................................................................................8Inteligência, aprendizagem e desempenho escolar ..................................................................................9Problemas, dificuldades e distúrbios de aprendizagem ...........................................................................16Indicadores de dificuldades de aprendizagem na criança ........................................................................18

Fracasso escolar: a dimensão do ensino ............................................................................... 25Abordagem social do fracasso escolar .....................................................................................................25Diversidade como um desafio da escola ..................................................................................................28Aprendizagem como ponto-chave para a superação do fracasso escolar ................................................34

Dimensão psiconeurológica da aprendizagem e suas dificuldades ...................................... 39O cérebro e sua relação com a aprendizagem ..........................................................................................39Aspectos neuropsicológicos da aprendizagem ........................................................................................42Transtorno do Déficit de Atenção – Hiperatividade (TDAH) ..................................................................43

Distúrbios da linguagem: leitura e escrita ........................................................................... 53Leitura e escrita e suas dificuldades .........................................................................................................53Dislexia: distúrbio de leitura e escrita .....................................................................................................56Implicações sociais do iletramento ..........................................................................................................61

Bases psicomotoras da aprendizagem e seus distúrbios ...................................................... 65Introdução à psicomotricidade .................................................................................................................65Elementos do desenvolvimento psicomotor ............................................................................................66Psicomotricidade e aprendizagem ...........................................................................................................71Distúrbios e perturbações psicomotores: o que são? ...............................................................................72Psicomotricidade e as dificuldades de aprendizagem ..............................................................................76

Fatores comportamentais e as dificuldades escolares ......................................................... 81Problemas de comportamento na escola ..................................................................................................81Distúrbios de comportamento ..................................................................................................................81Distúrbios de conduta ..............................................................................................................................84Distúrbios de personalidade .....................................................................................................................84A escola diante dos problemas comportamentais ....................................................................................92

Referências ........................................................................................................................... 99

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Apresentação

V ersar sobre o tema dimensões da não aprendizagem é refletir acerca do ensino, da construção do conhecimento, da cognição humana, enfim, da multiplicidade de fatores que influenciam na aprendizagem e nas dificuldades de aprender.

Ao longo deste livro, buscaremos compreender que as diferentes dificuldades de aprendiza-gem não devem ser vistas como ocorrências isoladas, tampouco devem ser relegadas ao plano da exceção. Essas dificuldades, comumente enfrentadas por alunos e educadores em seu dia a dia, devem ser compreendidas a partir de seu significado sócio-histórico, psicológico e de outras dimensões que buscaremos elucidar ao longo deste estudo.

Nesta perspectiva, abordaremos a inter-relação de temas como inteligência, fracasso escolar, diversidade cultural e outros fundamentais para a compreensão do fenômeno da não aprendizagem em sua complexidade.

Em uma perspectiva sociocultural abordaremos as dificuldades de aprendizagem na sua rela-ção com o ensino, entendendo a escola como uma dimensão importante desse processo.

No que tange aos aspectos psiconeurológicos e emocionais, este estudo se propõe a discutir as dificuldades de aprendizagem na sua relação com as funções cerebrais, abordando os aspectos psi-comotores e focalizando alguns distúrbios específicos de aprendizagem e de comportamento e suas implicações sobre a educação escolar.

Dessa forma, convidamos você, leitor, para o início dessa jornada de estudos cujo principal objetivo é a compreensão dos processos de aprendizagem e as dificuldades a eles relacionados como fenômenos multideterminados sobre os quais a escola tem um importante papel a cumprir.

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Aprendizagem e dificuldades

Vânia Aparecida Marques Leite*

Aprendizagem: concepções e fatores determinantes

Longe de possuir uma definição exata, a aprendizagem é um fenômeno complexo que permite interpretações de diferentes enfoques teóricos, cada qual evidenciando aspectos que a influenciam ou a determinam. Desse modo, pode ser abordada do ponto de vista biológico, psicológico, cognitivo e sociocultural, fato que muitas vezes gera concepções discordantes entre si.

A aprendizagem é um processo natural do ser humano, portanto, embora o objeto da nossa discussão seja a aprendizagem mediada pelo ensino escolar, é importante ressaltar que a escola não é o único lugar onde ela ocorre.

Entre as teorias que a discutem, podemos observar duas que atualmente já estão sendo superadas.

A primeira afirma que ela está associada a um processo de memorização e entende que o ato de aprender se reduz a uma operação intelectual de acumular informações. Nessa perspectiva teórica, a educação é entendida como um proces-so simples de transmissão de conhecimento e o aluno como um receptáculo vazio de informações, tal como uma página em branco em que podem ser adicionados diferentes tipos de dados. O ambiente externo, formado por objetos e pessoas com os quais o indivíduo se relaciona teria, segundo essa vertente, a capacidade de determinar toda a formação do indivíduo, que é entendido como aquele que é “moldado” pelo meio. Essa concepção de aprendizagem, por supervalorizar a importância do meio para a formação do indivíduo, acaba por relegar ao segundo plano a importância dos processos psicológicos e das características individuais.

A segunda corrente teórica coexistiu no mesmo momento histórico que a pri-meira e se caracterizou pela evidência dada aos fatores internos do indivíduo no pro-cesso da aprendizagem, tais como sua hereditariedade e sua maturação neurológica.

Estudos posteriores, orientados pelas contribuições das diversas áreas do conhecimento como a psicologia cognitiva e sócio-histórica, a psiconeurologia, a antropologia e a linguística ajudaram na formação de uma nova concepção de aprendizagem, que a entende como um fenômeno multideterminado. De acordo com esses estudos, os fatores internos do indivíduo e externos a ele (meio) se inter- -relacionam continuamente, formando uma complexa combinação de influências.

Mestre em Psicologia da Educação. Graduada em Psi-cologia pela Pontifícia Univer-sidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professora do curso de Graduação em Pedagogia na Universidade Cidade de São Paulo e em cursos de especia-lização lato sensu em Psicope-dagogia.

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Assim, para compreendermos o processo de aprendizagem, devemos con-siderar que ele resulta da relação entre as condições externas ao indivíduo – seu contexto familiar, social, cultural e educativo – e de suas condições internas – suas características individuais, orgânicas e psicológicas.

A aprendizagem abrange os hábitos que formamos ao longo de nossas vi-das, aspectos da vida afetiva, os conceitos científicos e os valores culturais que assimilamos. Resulta, portanto, de uma interação entre as condições singulares, internas de um indivíduo e os recursos desafiadores do meio sociocultural no qual está inserido. Nesse diálogo constante, ambos se transformam: indivíduo e meio.

Processo de aprendizagem e suas dificuldades

A aprendizagem é um fenômeno complexo, multideterminado e se consti-tui como um ponto central do desenvol-vimento de qualquer indivíduo na medida em que permite sua adaptação ao meio. Contudo, uma adaptação favorável so-mente é possível quando se tem as condi-ções necessárias para isso, que permitem a manifestação de todo o potencial do aprendiz. Vejamos agora, rapidamente, as condições necessárias à aprendizagem, a partir de três dimensões: biológica, sociocultural e emocional.

Dimensão biológicaA dimensão biológica corresponde aos fatores neurofisiológicos do indiví-

duo. Pertence a essa dimensão o ciclo de desenvolvimento do sistema nervoso central, conhecido por maturação, problemas relacionados à dinâmica das fun-ções cerebrais, seja por lesões mínimas no cérebro ou por outros fatores que pos-sam interferir nas funções elementares da aprendizagem, tais como percepção, atenção, memória e concentração, entre outras.

Dimensão socioculturalA dimensão sociocultural da aprendizagem corresponde às circunstâncias

sociais, econômicas e culturais as quais o indivíduo está submetido e que podem limitar ou reduzir seu potencial de aprendizagem. Entre esses fatores, encontram- -se incluídos a desnutrição, pobreza e desorganização familiar, fraca interação en-tre adultos e crianças, quer no plano lúdico, quer no plano linguístico. Cabe consi-derar também os sinais de risco, próprios de algumas instituições educacionais que acabam por causar alguns entraves ao longo da aprendizagem em vez de facilitá-la.

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Entre tais entraves, pode-se citar a rigidez e o despreparo de algumas escolas para lidar com a diversidade cultural de seus alunos, evidenciada por atitudes pessimis-tas ou negativas de educadores, por problemas de organização curricular etc.

Dimensão psicoafetivaA dimensão psicoafetiva corresponde aos fatores psicológicos sobre os quais

não é possível falar sem levar em consideração as disposições biológicas e socio-culturais do indivíduo. Essa dimensão refere-se à maneira de encarar os desafios do meio e à disponibilidade afetiva para aprender.

Os fatores psicológicos abrangem, por exemplo, os sucessivos fracassos vi-venciados pela criança ao longo de sua trajetória escolar, que a levaram a desen-volver um sentimento de impotência com relação à sua capacidade de aprender. A maioria das crianças com esse tipo de histórico concebe a escola como um ambiente ameaçador.

A relação com o meio familiar e as condições socioculturais também for-necem elementos fundamentais à estruturação da personalidade do indivíduo que pode se tornar frágil, agressivo, altruísta, inseguro e proativo dependendo de suas relações com os pais e a sociedade.

Convém reafirmar a importância do olhar multidisciplinar sobre a aprendi-zagem. Ela não é um fenômeno isolado, previsível. Tampouco depende unicamen-te do aluno ou da escola, mas nos impõe a consideração de inúmeras variáveis que se dinamizam e se encontram em um permanente diálogo. Tendo compreendido esse processo, vamos prosseguir com algumas considerações sobre o que é inteli-gência, sua relação com a aprendizagem e o desempenho escolar.

Inteligência, aprendizagem e desempenho escolar

Ao discutirmos a aprendizagem escolar, deparamo-nos irremediavelmente com uma concepção de inteligência bastante comum e antiga.

Há uma ideia dominante nos meios educacionais de que o aprender e suas dificuldades resultam de uma condição interna ou inata do indivíduo. A ideia de que o aluno “nasce” inteligente acaba por justificar o baixo desempenho escolar de muitos, vistos como “impermeáveis” aos apelos do ensino escolarizado.

A inteligência é um conceito ou constructo que não desfruta de consenso. Se perguntarmos o que é inteligência a um grupo de pessoas, é provável que cada resposta defina inteligência associando-a ao “grau de esperteza” de uma pessoa ou a sua capacidade para aprender, solucionar problemas e se sobressair em relação a um grupo de pessoas.

Mas se perguntarmos a essas mesmas pessoas quais as características de uma pessoa inteligente, as respostas provavelmente tenderão a ser diferentes, pois

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a inteligência não significa o mesmo para todas as pessoas. O mesmo ocorre no plano dos estudos sobre a inteligência, não havendo uma definição única e univer-salmente aceita.

Historicamente, a inteligência tem sido estudada e definida sob diferentes enfoques teóricos, cada qual evidenciando habilidades cognitivas e diferenças in-dividuais. Muitas das ideias construídas e incorporadas por educadores e psicólo-gos para a explicação da inteligência estão associadas à tradição psicométrica.

Visão psicométrica de inteligênciaA ciência psicométrica busca a medi-

ção de aspectos psicológicos individuais por meio da aplicação de técnicas e medidas. Segundo os teóricos psicométricos, a inteli-gência é um traço ou conjunto de traços que pode ser medido em escalas. Um dos obje-tivos dessa corrente teórica é identificar, de maneira precisa, quais são esses traços para medi-los e poder compreender de que modo as pessoas se diferem intelectualmente.

Inspirados pela psicométrica, Alfred Binet e Theodore Simon instauraram os testes de inteligência. Em 1905, publicam uma escala métrica da inteligência humana. A partir dessa escala, aplicou-se o primeiro teste, contendo 30 itens, dispostos em or-

dem crescente de dificuldade. O objetivo desse teste era o de avaliar as mais varia-das funções como julgamento, compreensão e raciocínio, para detectar o nível de inteligência ou retardo mental de adultos e crianças das escolas de Paris. Tais provas visavam avaliar o conteúdo cognitivo das crianças e por isso continham exercícios de atenção, percepção, raciocínio numérico, compreensão verbal etc.

As habilidades avaliadas no teste estavam ligadas à área verbal e lógica, uma vez que os currículos acadêmicos tendiam a enfatizar o desenvolvimento da linguagem e da matemática, aspecto também presente nos atuais currículos.

A Escala Binet-Simon obteve grande repercussão tanto na Europa como nos Estados Unidos da América. Os testes de inteligência ficaram conhecidos como testes de Q.I. (Quociente de Inteligência). Isso porque, em 1912, outro estudioso da área, William Stern, usou pela primeira vez o termo Q.I. com a finalidade de se referir ao nível mental do indivíduo. Também defendeu que esse coeficiente poderia ser calculado com a divisão da idade mental de uma pessoa pela sua idade cronológica. Assim, uma criança com idade cronológica de 10 anos e nível mental de 8 anos, teria o Q.I. igual a 0,8.

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Vale notar que a escala criada por Binet e Simon foi revisada por vários outros teóricos psicometricistas que passaram a compreender a inteligência como um conjunto de capacidades distintas tais como: rapidez perceptiva, compreensão de palavras, fluência verbal, fluência numérica, visualização espacial, memória e raciocínio. A inteligência para esses pesquisadores é explicada como uma habili-dade mental geral, em conjunto com habilidades especiais, podendo ser mensu-rada em termos gerais e ao mesmo tempo identificada por aptidões específicas. Além disso, essas habilidades são calculadas isoladamente do ambiente em que se insere o indivíduo que as possui.

Inteligência nas perspectivas atuaisNas últimas décadas, novos estudos sobre a inteligência teceram algumas

críticas à visão psicométrica, fato que os tornou gradativamente bastante influen-tes. Dentre tais críticas podemos destacar:

a inteligência vista como capacidade geral, tal como na visão psicomé-trica, ignora as habilidades específicas potenciais e as diferenças indivi-duais;

a inteligência vista como fator inato ou intrínseco ao indivíduo gera obs-táculos ao desenvolvimento, uma vez que influencia a conduta do educa-dor que acaba por não investir em todas as potencialidades do aluno;

a inteligência, quando verificada, testada por instrumentos padronizados, ignora o papel do contexto sociocultural e as diferenças subjacentes a eles;

a inteligência não é definida a priori, portanto não pode ser mensurada, mas potencializada por meio da educação.

Inteligência na teoria de PiagetEntre as críticas apontadas acima, uma das mais pujantes afirma serem as

definições psicométricas extremamente singulares, focadas no conteúdo intelec-tual ou naquilo que a criança sabe, em vez de analisar processos pelo qual esse conhecimento é adquirido. Para compreendermos essa argumentação recorremos às ideias de Piaget.

De acordo com Piaget, os atos intelectuais tal como a aprendizagem são entendidos como atos de organização e de adaptação ao meio ex-terno. Todo indivíduo nasce com uma capacidade inerente de aprender. Tal capacidade se dá porque o indivíduo possui um aparato biológico, consti-tuído de estruturas neurológicas que, quando em relação com o meio externo, promove o desenvol-vimento das estruturas cognitivas estruturando a inteligência.

Jean Piaget.

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A inteligência é um recurso mental organizado que está a serviço da adaptação do indivíduo ao mundo em que vive. É a própria engrenagem e fun-cionamento das estruturas mentais. Essa organização mental da experiência ocorre a partir da interação de quatro componentes que são, de acordo com Piaget: os esquemas, a assimilação, a acomodação e a equilibração.

EsquemasOs esquemas correspondem a estruturas mentais ou cognitivas pelas quais

os indivíduos se adaptam às experiências proporcionadas pelo meio. Podem ser pensados como conceitos ou categorias, tais como fichas de um arquivo: nesse caso, o arquivo é a nossa estrutura mental e as fichas são os esquemas, que corres-pondem aos conhecimentos e registros da memória, permitindo-nos reconhecer e interpretar os estímulos do ambiente.

À medida que a criança se desenvolve, os esquemas vão se tornando cada vez mais diferenciados e complexos. Ou seja, há uma contínua modificação e am-pliação dos esquemas ao longo de nosso desenvolvimento.

[...] os esquemas são construídos sobre as experiências repetidas. Os esquemas refletem o nível atual, da criança, de compreensão e conhecimento do mundo. Os esquemas são, por ela, construídos. Como construções, os esquemas não são cópias exatas da realidade. Suas formas são determinadas pela assimilação e acomodação da experiência e, com o passar do tempo, elas se tornam cada vez mais próximas da realidade. Enquanto a criança é um bebê, os esquemas são um todo — e, quando comparados aos esquemas do adulto, são extremamente imprecisos e incorretos. (WADSWORTH, 2003, p. 22)

Assim, o modo como uma criança interpreta uma dada situação diz mais res-peito às características de uma etapa e seu desenvolvimento cognitivo do que pro-priamente à inteligência. Nessa perspectiva, o desempenho escolar depende mais da forma como a escola articula o modo de aprender do aluno com a maneira de ensinar, do que propriamente com o quociente de inteligência do educando.

Como ocorre a modificação dos esquemas ao longo da vida?

Para responder a essa questão, Piaget recorre aos conceitos de assimilação e acomodação.

AssimilaçãoA assimilação corresponde ao processo pelo qual a experiência é incorpo-

rada pelo indivíduo, ou seja, é o processo cognitivo que permite a integração de um novo dado perceptual, motor, conceitual aos esquemas existentes. Poderia ser compreendida como o reconhecimento da experiência. Por exemplo, ao levar uma colher à boca, a criança pequena já possui esquemas para colher (serve para comer), pois já a conhece e já possui esquemas referentes a essa informação. Ela sabe que o utensílio “serve para comer”, porque presenciou cenas de adultos uti-lizando-o para se alimentar. Assim, podemos dizer que a criança assimilou esse objeto, pelas propriedades culturais que ele possui, das quais ela já se apropriou.

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AcomodaçãoImaginemos agora que essa criança, embora reconheça a colher na sua fun-

cionalidade, ainda não consegue alimentar-se sem derrubar os alimentos. Dize-mos então que algo na relação da criança com esse objeto está passando por um processo de ajustamento, ou melhor, de acomodação.

Desse modo, a acomodação é o processo pelo qual o dado novo (uso da co-lher para alimentar-se) é incorporado aos esquemas já existentes (conhecimento que se tem do uso da colher). A experiência de comer sozinha com a utilização do utensílio vai exigir da criança a mobilização de esquemas motores e mentais que resultarão em um esquema novo, correspondente ao ato de se alimentar sozinha com o utensílio sem derrubar o alimento.

Vale notar que os processos de assimilação e acomodação são necessários para o crescimento e desenvolvimento cognitivo. O mecanismo que permite a regulação de tais processos é denominado por Piaget de equilibração.

EquilibraçãoTodo indivíduo possui a capacidade de aprender. Sempre que nos depara-

mos com desafios novos, nossa inteligência sofre um processo de desequilíbrio cognitivo que proporciona motivação em busca de novo estado de equilíbrio.

Desde o nascimento até o final da vida, o conhecimento é construído pelo indivíduo, sendo os esquemas do adulto construídos a partir de seus esquemas de criança. A equilibração é o mecanismo interno que regula os processos de assimilação e acomodação, visando adaptação do indivíduo ao mundo e ao desen-volvimento intelectual.

Como podemos relacionar as ideias de Piaget sobre a inteligência com a questão do desempenho escolar e da aprendizagem?

Para Piaget, as funções essenciais da inteligência consistem em compreender e inventar; ou ainda, construir estruturas mentais de forma a organizar a realida-de. Por isso, acredita-se que o futuro da educação está em tirar proveito do desejo inato da própria criança de reinventar o mundo do seu modo. Toda criança tem o direito de percorrer seu processo de desenvolvimento, por ser a única responsá-vel por construir conhecimentos que se encontram no âmbito de sua sociedade e cultura. No entanto, muitas vezes, a escola não considera os processos cognitivos do aluno e suas diferentes etapas por desconhecer o desenvolvimento infantil. A escola piagetiana entende que a criança não tem dificuldades de aprender, mas problemas a resolver. Essa mesma criança possui inúmeras hipóteses a serem for-muladas sobre o mundo que a rodeia de forma que o compreenda gradativamente, de acordo com o estágio de inteligência que vivencia no momento.

Um ambiente educativo deve ser desafiador para a inteligência da criança, gerando desequilíbrios cognitivos para que a aprendizagem ocorra de forma sig-nificativa e estabeleça novo equilíbrio. Ignorar os processos de construção inter-

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na do aluno significa focalizar a ação pedagógica somente no ensino, induzindo aquele que tem dificuldades em atender às expectativas do seu professor ao fra-casso escolar inexoravelmente.

Pode-se perceber que não existe uma inteligência única e universalmente aceita, mas sim um indivíduo que aprende e se desenvolve de maneira dinâmica e com infinitas possibilidades.

Desse modo, só se pode afirmar que uma criança possui dificuldades de apren-dizagem quando não atende minimamente ao processo de aprendizagem realizado pela maioria dos seus colegas da mesma idade. O que se vê nas escolas, no entanto, é a estigmatização precipitada de alunos que são “problemas” para seus professores apenas por possuírem um modo diferente de assimilar o mundo e as coisas que se distancia dos modelos de ensino-aprendizagem tradicionais.

Teoria das inteligências múltiplasA teoria das inteligências múltiplas, desenvolvi-

da por Howard Gardner, em 1982, surgiu em discor-dância à ideia de que existe apenas um único tipo de inteligência. Para Gardner, a inteligência é a integração articulada de vários fatores ou habilidades que formam a base das diferenças individuais, podendo ser alterada pelos estímulos ambientais. Para identificar a existên-cia de múltiplas inteligências, essa teoria baseou-se em pesquisas de várias áreas do conhecimento: psicologia, neuropsicologia, antropologia, biologia e estatística.

Gardner também se embasou nas recentes pes-quisas da neurologia que afirmam que o cérebro huma-no funciona de maneira integrada, no entanto, possui centros neurais altamente especializados quanto ao processamento de diferentes tipos de informação. Essa premissa se opõe, portanto, à concepção psicométrica de inteligência, bem como à ênfase dada por Piaget à habilidade lógico-matemá-tica para definir a inteligência.

De acordo com Gardner, todo ser humano que mantém preservadas suas funções neurológicas e mentais é capaz de integrar as experiências que vivencia sob oito áreas intelectuais, que ele denominou de inteligências. São elas: corporal--cinestésica, linguística, lógico-matemática, espacial, intrapessoal, interpessoal, musical e naturalista. Vejamos cada uma delas.

Inteligência corporal-cinestésica – habilidade para usar o corpo com desenvoltura, para se expressar, alcançar objetivos e habilidades para manusear objetos.

Inteligência linguística – sensibilidade para os sons e significados das palavras, para a estrutura da linguagem e para suas diversas possibilida-des de uso.

Howard Gardner.

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Inteligência lógico-matemática – habilidade para perceber e trabalhar com relações nos sistemas abstrato-simbólicos e pensar lógica e sistema-ticamente sobre as próprias ideias, avaliando-as.

Inteligência espacial – habilidade para perceber relações visuais e es-paciais com facilidade, transformar tais relações e recriar aspectos da experiência visual na ausência de um estímulo pertinente.

Inteligência interpessoal – habilidade para perceber e responder de modo apropriado ao humor, ao temperamento, às motivações e às inten-ções de outros.

Inteligência intrapessoal – sensibilidade ao próprio estado interior, re-conhecimento das próprias forças e fraquezas e habilidades de usar in-formações sobre si para se comportar adaptativamente.

Inteligência musical – sensibilidade para melodia, habilidade para com-binar tons e frases musicais em ritmos mais amplos, compreensão dos aspectos emocionais da música.

Inteligência naturalista – sensibilidade aos fatores que influenciam os organismos (fauna e flora) no ambiente natural e que são influenciados por ele.

Para Gardner, a visão psicométrica de inteligência engana-se ao acreditar na possibilidade de medição do quociente intelectual. Segundo o autor, cada inteli-gência manifesta-se de maneira diferente e, por isso, deve ser observada e analisa-da de maneira específica e independente das outras. Essa independência entre as diferentes inteligências pode ser percebida pelo fato de que alguns indivíduos, que são excepcionais em algumas atividades, são péssimos em outras. Assim, uma pessoa pode não ser brilhante na escrita de textos ou na expressão verbal – que corresponde à inteligência linguística – mas pode se destacar nos aspectos que en-volvem relacionamentos em grupo, fato que lhe denota inteligência interpessoal.

Para o autor, a inteligência pode ser definida como a habilidade para re-solver problemas ou criar produtos que são valorizados dentro de determinados ambientes culturais.

Como as inteligências múltiplas se relacionam com a aprendizagem e o desempenho escolar?

Tradicionalmente, as escolas tendem a valorizar dois tipos de inteligência: a linguística e a lógico-matemática.

Na tradicional configuração de escola, o aluno que aprende melhor utilizan-do outras habilidades que não aquelas valorizadas pelo ambiente escolar acaba prejudicado; fato que, na maioria das vezes, incorre em fracasso escolar e na frus-tração dos objetivos da escola e do próprio aluno.

Quanto mais possibilidades forem dadas aos alunos para a manifestação de suas habilidades diferenciadas, maior a possibilidade de aprendizagem. Assim, a

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escola deve considerar igualmente todas as inteligências na elaboração e execução do seu projeto pedagógico.

Em resumo, podemos concluir que inteligência, aprendizagem e desempe-nho escolar são aspectos que se inter-relacionam no processo de ensino-aprendi-zagem. No entanto, a compreensão da variedade de influências internas e externas exercidas sobre essa relação é de fundamental importância para não incorrermos em dois equívocos: a) o primeiro refere-se à perigosa associação que se faz entre o nível de inteligência do aluno com os resultados de sua aprendizagem na escola. Muitas vezes, esse tipo de avaliação dá margem para que ocorram equívocos, pois o aluno pode, por exemplo, ter um ótimo aproveitamento na realização de uma prova, mas obter esse resultado simplesmente porque memorizou os conteúdos, sem tê-lo aprendido; e b) o segundo equívoco é o de impor ao educando a categoria de “pouco inteligente” apenas devido ao seu baixo desempenho escolar. Isso seria, no mínimo, injusto se considerarmos o fato de que a escola não tem demonstrado, de modo geral, considerar todas as formas de habilidades e inteligências expressas pelos alunos em suas avaliações.

Problemas, dificuldades e distúrbios de aprendizagem

É comum ouvirmos, de pais e educadores, comentários referentes às dificul-dades das crianças para aprender:

É esforçado, mas não consegue aprender.

É muito distraído, perde objetos com frequência e parece desorientado.

Não consegue se expressar com clareza.

É atrapalhada, tropeça e cai com frequência.

Realiza e compreende bem as tarefas, mas não consegue aprender a ler.

No conjunto das explicações fornecidas por pais e educadores para expres-sar a frustração com a não aprendizagem da criança, é comum a utilização de termos como “problemas de aprendizagem”, “dificuldade de aprendizagem”, “dis-túrbios de aprendizagem” que são mencionados equivocadamente sem nenhum critério, gerando confusão e preconceitos sobre o assunto.

Problemas de aprendizagemOs problemas de aprendizagem podem ser caracterizados por um conjunto

de variáveis e influências que bloqueiam ou dificultam o seu processo natural. Como vimos, ela decorre da conjugação entre fatores externos e internos ao in-divíduo. De modo geral, os problemas ocorrem quando internamente, no aluno, a síntese desses fatores não se realiza de maneira harmoniosa, gerando obstáculos ao aprendizado.

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Aprendizagem e dificuldades

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Dificuldade de aprendizagemDe acordo com Ciasca (2003), as dificuldades de

aprendizagem correspondem a uma categoria ampla de fe-nômenos que podem influenciar negativamente o aprendi-zado. Abrangem os problemas de aprendizagem e os pro-blemas escolares, isto é, o modo como a escola lida com o processo de ensino-aprendizagem. Enquanto os problemas de aprendizagem concentram o peso da dificuldade no aluno, as dificuldades de aprendizagem incluem os fatores externos ao aluno. No caso da escola, são os problemas de origem pedagógica.

Distúrbios de aprendizagemDe acordo com a definição estabelecida em 1981, pelo National Joint Co-

mittee for Learning Disabilities (Comitê Nacional de Dificuldades de Aprendiza-gem), nos Estados Unidos da América,

Distúrbios de aprendizagem é um termo genérico que se refere a um grupo heterogêneo de alterações manifestas por dificuldades significativas na aquisição e uso da audição, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas. Essas alterações são intrín-secas ao indivíduo e presumivelmente devidas à disfunção do sistema nervoso central. Apesar de um distúrbio de aprendizagem poder ocorrer concomitantemente com outras condições desfavoráveis (por exemplo, alteração sensorial, retardo mental, distúrbio so-cial ou emocional) ou influências ambientais (por exemplo, diferenças culturais, instrução insuficiente/inadequada, fatores psicogênicos), não é resultado direto dessas condições ou influências. (COLLARES; MOYSÉS, 1993, p. 32)

Embora o termo distúrbio possua uma conotação médica tendo em vista que sugere alterações anormais em algumas funções neurológicas, tem sido muito utili-zado por educadores, fato que revela a influência da visão médica na educação. Em consequência disso, culpa-se o aluno pelo fracasso de sua própria aprendizagem.

Alguns autores utilizam a expressão dificuldade de aprendizagem para se referirem aos distúrbios anteriormente mencionados. Entre esses autores está Fon-seca (1995) que afirma que as dificuldades de aprendizagem são desordens con-sideradas intrínsecas ao indivíduo, podendo advir de uma disfunção do sistema nervoso central. Os alunos considerados portadores de dificuldade de aprendiza-gem são aqueles que, mesmo não possuindo inferioridade intelectual global, nem limitações sensoriais decorrentes de deficiência auditiva, visual, física ou múltipla apresentam dificuldades para aprender.

De acordo com Fonseca (1995), fatores externos como condição socioeco-nômica, oportunidades de acesso aos bens culturais, ambiente familiar podem agravar as manifestações dessas dificuldades, mas elas não desaparecem, mesmo na presença de uma pedagogia eficaz.

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Indicadores de dificuldades de aprendizagem na criança

As dificuldades de aprendizagem podem ser analisadas a partir de alguns indicadores expressos nas respostas do aluno durante a situação da aprendiza-gem escolar. Vamos conhecer agora alguns indicadores apresentados por Fonseca (1995).

Problemas de atençãoMuitas crianças podem apresentar dificuldades em focar a atenção, fato que

lhes dificulta selecionar os estímulos mais relevantes daqueles de menor impor-tância. Essa suposta distração ou falta de foco acaba por influenciar o aprendizado do educando, pois um ambiente muito carregado de estímulos impede que sejam processadas e selecionadas as informações necessárias ao aprendizado.

Problemas perceptivosOs problemas perceptivos que mais se destacam na criança com dificuldade

de aprendizagem são os de discriminação visual e os de discriminação auditiva.

As crianças pequenas, devido ao andamento do seu processo cognitivo e maturacional, ainda não conseguem identificar, discriminar e interpretar estímu-los ao mesmo tempo. Quando o desenvolvimento perceptivo não ocorre a conten-to, essa característica se mantém nas idades posteriores, indicando uma dificulda-de na aprendizagem.

A criança com deficiência perceptiva tem dificuldade para distinguir, dife-renciar, analisar estímulos sutilmente semelhantes, mas com significados muito diferentes, comprometendo a sua compreensão de muitos dos materiais de apren-dizagem. Como exemplo podemos citar o caso de crianças que apresentam pro-blemas em identificar as diferenças entre sons e letras, confundido-as.

Problemas emocionaisOs problemas emocionais quase sempre acompanham as dificuldades de

aprendizagem. Às vezes correspondem à origem da dificuldade, outras vezes, são consequência.

É comum ouvirmos pais e educadores queixarem-se de que seus filhos e alunos, cujo histórico já apresenta dificuldades de aprendizagem, são “nervosos”, “desorganizados”, “tímidos”, “instáveis”, “dependentes”, “agressivos”, entre ou-tras adjetivações.

Efetivamente, nenhuma criança está imune à atmosfera da aprendizagem e tem de lidar com as cobranças da família e da escola em relação ao seu desem-penho. Quando a comunicação entre a criança e seus pais ou professores não se

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desenrola de maneira favorável pode gerar um estresse emocional que se manifes-tará sob a forma de baixa autoestima, fobias, instabilidade, agressividade, impul-sividade, entre outras formas de desajustamento comportamental.

Problemas de memóriaA memória é um processo neuropsicológico imprescindível à aprendizagem.

É o reconhecimento e a reutilização do que foi retido e aprendido. Crianças com problemas relacionados à memória possuem dificuldade em reter informações.

Quando a memória está comprometida, a capacidade de atenção e compre-ensão fica igualmente prejudicada, pois para que a aprendizagem ocorra é neces-sária a realização de associações entre aprendizagens passadas e os estímulos presentes. Essas associações constituem a maneira com que o cérebro classifica, ordena e integra as informações, resultando em novas aprendizagens. Se há limi-tes quanto à capacidade de se recordar e selecionar informações, também haverá limitações para a aprendizagem.

Para uma boa aprendizagem é necessário que a memória sequencial, visual e auditiva esteja em perfeito funcionamento, visto que podem influenciar mais significativamente no êxito ou fracasso da mesma.

A memorização auditiva está ligada à compreensão e recordação de instru-ções simples. Quando essa função não está funcionando corretamente, a criança pode apresentar dificuldade na execução de uma sequência de tarefas, esquecen-do-se de realizar parte delas. Pode também surgir a dificuldade em reproduzir sílabas e palavras, ou ainda, uma inadequada utilização da linguagem.

A memorização visual é necessária ao reconhecimento, compreensão e re-cordação de informações visuais como imagens, símbolos gráficos, letras, núme-ros, palavras etc.

Quando essa função da memória está comprometida, a criança pode apre-sentar dificuldade de relacionar as partes e o todo em um estímulo visual, devido a uma dificuldade no armazenamento da informação. Dá-se o reconhecimento momentâneo que não é reutilizado posteriormente.

Algumas dificuldades de leitura e escrita estão diretamente relacionadas ao funcionamento da memória visual, especialmente nos casos em que a criança não consegue lembrar-se dos símbolos e letras recentemente aprendidos.

Problemas psicolinguísticosOs problemas psicolinguísticos referem-se à dificuldade do cérebro em re-

cepcionar, integrar e expressar informações, resultando em desordens da lingua-gem falada e escrita.

Podemos relacionar a essa categoria de dificuldades os seguintes casos: pro-blemas de compreensão do significado das palavras, de frases, histórias e con-versas; problemas em seguir e executar instruções simples e complexas, de fazer

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associações auditivas ou dificuldade de expressão, vocabulário restrito e limitado, a aquisição e compreensão de regras gramaticais e fonológicas, dificuldades em relacionar palavras com imagens, discriminar sons e sílabas sem significado, len-tidão na associação entre os fonemas (sons) e grafemas (letras).

Problemas psicomotoresOs aspectos psicomotores da aprendizagem referem-se ao modo como o

conjunto constituído por mente, corpo e afetividade se integram na relação do indivíduo com o meio. Assim, o movimento do corpo expressa um estado afetivo e cognitivo.

Grande parte das crianças com dificuldade de aprendizagem apresenta pro-blemas de organização psicomotora. O exagero ou rigidez na expressão do movi-mento, dificuldade de orientação no espaço, problemas de equilíbrio, movimentos imprecisos são algumas das características observadas em casos de falha na orga-nização psicomotora.

Entre as implicações para a aprendizagem podemos citar as dificuldades na compreensão das noções espaciais e temporais, necessárias à aprendizagem de, por exemplo, conceitos de geografia, história, ou mesmo à percepção da orienta-ção espacial das letras e palavras na composição da escrita.

1. Observe o caso abaixo:

Bruno é um aluno ativo de 12 anos, possui vários amigos, uma capacidade de liderança invejável, é um excelente pianista, além de ser muito criativo nas tarefas artísticas. No entanto, apresenta sérias dificuldades com leitura e escrita, não consegue ler uma sentença simples e pos-sui dificuldades com as operações matemáticas fato que deixa seu rendimento escolar abaixo da expectativa para alunos da sua idade e série.

Como a teoria das inteligências múltiplas explicaria o caso de Bruno?

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2. Reúna-se com seus amigos e discuta qual a relação entre inteligência, aprendizagem e desem-penho escolar. Em seguida, responda: por que um bom desempenho escolar não pode ser con-siderado sinônimo de inteligência?

3. Leia atentamente a história de Gilvan:

Gilvan é um garoto de dez anos que está matriculado na 3.ª série do ensino fundamental.

É o quinto filho de uma família de nove irmãos e, segundo sua avó, nasceu prematuro de um parto com complicações. O cordão umbilical teria enrolado no pescoço do bebê, impedindo sua respiração. Como nasceu desnutrido, era muito miúdo e teve que ficar na UTI do hospital para ganhar peso antes de ir para casa.

Gilvan cresceu no sertão nordestino, morando com a avó, irmãos e primos. A mãe havia falecido e seu pai fora para São Paulo em busca de emprego, sendo que jamais voltou para o Nor-deste. O menino morou lá com parte de sua família até os oito anos, quando mudou-se para São Paulo juntamente com uma tia e dois irmãos mais novos.

Atualmente, Gilvan mora em uma casa construída em terreno da prefeitura, próximo à esco-la, juntamente com os irmãos, a avó e uma tia.

Na casa de Gilvan, apenas o irmão mais velho tem emprego fixo. Sua avó e sua tia são diaris-tas e Gilvan, juntamente com dois irmãos, ajuda na renda familiar vendendo balas no semáforo.

Quando tinha três anos, Gilvan teve uma forte infecção no ouvido, o que afetou parcialmente a sua audição.

A professora do menino o considera preguiçoso e desinteressado, pois não presta a devida atenção nas explicações e falta muito às aulas.

Seu desempenho escolar é considerado ruim, pois já está na escola há três anos e ainda apresenta muita dificuldade com a leitura e escrita. Possui um vocabulário pobre e, apesar de não atrapalhar as aulas, às vezes recusa-se a realizar atividades de leitura e escrita devido a sua dificuldade em realizá-las. Consegue copiar textos da lousa, mas não consegue ler e interpretar adequadamente nem escrever ditados.

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Considerando o que você estudou neste módulo, analise e discuta com seu grupo de colegas de que modo as dimensões biológica, sociocultural e emocional se expressam no caso do menino Gilvan.

Ao final da discussão comente a seguinte afirmação:

“A aprendizagem e suas dificuldades são processos multideterminados”.

A Maçã – Direção de Samira Makhmalbaf.

A Maçã é um filme iraniano que conta a história verídica de duas meninas gêmeas, que foram trancafiadas em casa pela família, até os 11 anos de idade. Nesse período, nunca tiveram contato com outras pessoas a não ser com os pais. Criadas em ambiente familiar pobre de estímulos e uma quase ausente comunicação afetiva com a mãe cega e o pai, as meninas aprisionadas perdem a chance de desenvolver-se potencialmente apresentando sequelas cognitivas e psicomotoras.

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1. Bruno apresenta dificuldades na área linguística e lógico-matemática, mas isso não significa que seja menos inteligente uma vez que apresenta habilidades e talentos em outras áreas.

2. A aprendizagem é um dos fatores do desempenho escolar, mas o bom desempenho escolar não significa que a aprendizagem tenha ocorrido de fato. Podemos citar como exemplo o aluno que teve um bom desempenho porque tirou boas notas, mas isso só foi possível apenas porque memorizou algumas informações e não aprendeu de fato o conteúdo escolar. Em outro caso, uma criança pode ter aprendido coisas importantes para sua vida, mas que não são valorizadas pela escola. Essa criança pode ser extremamente inteligente e proativa ainda que possua um desempenho escolar abaixo do esperado por seus professores.

3. A aprendizagem é um fenômeno complexo, influenciado por fatores internos e externos ao aprendiz.

No que se refere aos fatores internos ela depende da integridade biológica, da etapa do desenvol-vimento neurológico e cognitivo em que se encontra, além das características individuais que levam cada um a absorver as experiências de modo particular.

No que se refere aos fatores externos à aprendizagem, depende do contexto social, cultural, fa-miliar e educativo com os quais o aprendiz interage. Assim, as condições podem ser favoráveis ou não à aprendizagem. Os fatores internos e externos interagem continuamente na construção da aprendizagem.

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Fracasso escolar: a dimensão do ensino

Abordagem social do fracasso escolarDiscutir o fracasso escolar sob a dimensão do ensino exige, antes de tudo, considerar que qual-

quer tentativa de análise nessa direção perpassa por várias outras relacionadas. Ignorar a influência dos aspectos internos do aluno pode limitar a própria ação pedagógica na busca do êxito de sua edu-cação. Como afirma Carvalho (2000), tão perverso como atribuir aos alunos a culpa por seus insuces-sos, isentando o papel da escola e do professor, é atribuir a culpa do fracasso somente aos métodos de ensino e ao modo como a escola estrutura-se em seu currículo. O fracasso escolar deve ser analisado e explicado considerando-o na sua complexidade.

Durante muito tempo as causas do fracasso escolar foram buscadas na família e no aluno. Por influência da concepção médica e da psicologia, fatores como predisposição genética, aptidões here-ditárias, dificuldades orgânicas e psicológicas foram argumentos bastante discutidos e validados para explicar a falta de êxito no aprendizado escolar.

Somente na década de 1970, o fracasso escolar passou a ser concebido a partir de perspectivas mais amplas. A teoria da carência cultural foi uma das contribuições para aquele momento histórico, ao afirmar que o êxito na escola estaria diretamente relacionado ao sistema socioeconômico e cultural em que se insere o educando. Essa teoria influenciou profundamente a educação brasileira, instigan-do a criação de programas compensatórios no sentido de recuperar o atraso e diminuir o estado de carência dos alunos. Essas ações foram defendidas como formas de garantir a igualdade de condições de aprendizagem aos alunos “carentes culturalmente”, ou seja, àqueles que, devido à sua condição socioeconômica desfavorecida, não possuíam os subsídios considerados necessários a uma educação integral.

A teoria da carência cultural logo sofreu críticas acirradas por influenciar a concepção acerca do fenômeno do fracasso a partir de uma abordagem preconceituosa. Segundo os críticos, essa abor-dagem favorecia a desigualdade social e o assistencialismo, já que consideravam que as classes menos favorecidas, devido a sua condição socioeconômica, eram inferiores culturalmente. A teoria da carên-cia cultural contribuiu para certo imobilismo nos meios educacionais que, de maneira fatalista, não se viam em condições de resolver o problema do fracasso escolar de maneira efetiva.

Estudos posteriores buscaram explicitar a relação entre o modelo excludente de sociedade capi-talista e a escola enquanto avalista e reprodutora de práticas igualmente excludentes. Assim, a partir da década de 1980, outras contribuições teóricas se deram no sentido de ampliar as discussões acerca das implicações do sistema educativo, tal como está organizado, nos índices de fracasso escolar.

Embora os avanços de tal discussão apontem para uma visão multidimensional, ainda predo-mina nos meios educacionais um entendimento de que o fracasso tem como uma de suas principais causas o próprio aluno, ou ainda, a sociedade tal como se encontra organizada.

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Fracasso escolar: a dimensão do ensino

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Podemos observar a influência dessa percepção expressa cotidianamente na fala dos professores para justificar o rendimento de seus alunos.

O problema é da família, pois os pais não têm estudo e não incentivam seus filhos.

Se o governo investisse mais em recursos educacionais acabaria o pro-blema da educação no Brasil.

A criança não tem motivação para estudar porque não tem perspectiva de um futuro melhor.

O aluno fracassa porque se alimenta mal desde pequeno e isso preju-dica a sua aprendizagem.

Poderíamos certamente esgotar as próximas páginas com argumentações parecidas, todas apresentando em comum a crença de uma possível isenção da escola no que se refere à problemática do fracasso escolar.

Essa percepção denota que o fracasso “do aluno” ocorre por alguma coisa que ele não possui e que, portanto, faz-lhe falta como um ambiente familiar mais estruturado, mais recursos materiais, maior inteligência, servindo à isenção da escola como coadjuvante nesse processo.

De acordo com Patto (1996), a superação do fracasso escolar passa pelo reconhecimento da complexidade desse fenômeno, considerando os múltiplos as-pectos que o determinam: a instituição escolar tal como é organizada, as políticas, o contexto sócio-histórico, a condição social e as ideologias sob as quais se ampa-ra a prática educativa.

Para Sacristan (2002), o currículo é uma seleção cultural. O modo como ele se organiza dentro de uma estrutura educacional determina os aspectos da cultura a serem priorizados, portanto, essa escolha não é passível de neutralidade. Tendo no currículo a sustentação de uma ideologia dominante, a escola revive, por meio de suas práticas, os mecanismos excludentes da estrutura social instaurando e promovendo a manutenção do fracasso.

A apropriação do conhecimento e dos produtos produzidos em determinado ambiente cultural é um processo possibilitado e intensamente influenciado pelos mecanismos de comunicação em massa, pela família e grupos sociais. É a escola, no entanto, que mais contribui para esse processo de apropriação do conhecimen-to, ou ainda, de interiorização das ideias e normas sociais.

A aprendizagem, processo que inicialmente parece ser “natural”, serve à sobrevivência da espécie humana. No entanto, também serve à sobrevivência das próprias instituições sociais, sendo a escola uma delas. Quando o aluno, com a sua própria história e experiências socioculturais, não se identifica com os valores, normas e conhecimentos difundidos na escola, passa a ser considerado cultural-mente inferior.

A esse respeito, convém nos perguntarmos: quantos de nós não julgamos a inferioridade de um aluno por se expressar utilizando gíria ou terminologias não

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Fracasso escolar: a dimensão do ensino

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apropriadas às normas da língua materna? Ou mesmo, deparamo-nos indignados com a preferência de um jovem por uma revista em quadrinhos quando deveria apreciar livros e belas histórias?

As supostas “deficiências socioculturais”, portanto, só aparecem em função de uma cultura imposta. Sem essa imposição de conteúdos, das normas e valores restariam apenas as diferenças com as quais a escola deveria enriquecer-se e tam-bém aprender. Em outras palavras, podemos dizer que as diferenças e desigualda-des extraescolares (biológicas, psicológicas, econômicas e culturais) somente se transformam em “deficiências” e “problemas” de aprendizagem quando subme-tidas aos padrões de conduta e cultura impostos pelo sistema vigente de ensino, normalmente bastante diferente dos padrões culturais da maioria da população que frequenta as escolas públicas brasileiras.

De acordo com Perrenoud (2000), é comum definir o fracasso escolar como simples consequência de dificuldades de aprendizagem ou ainda como expressão objetiva da falta de conhecimentos e de competências. Contudo, a discussão so-bre o tema passa, segundo o autor, pela compreensão de como a escola percebe a manifestação das diferenças. Essa instituição se organiza e se constitui a partir de determinados interesses que são conflitantes diante da aceitação do diferente. Em uma sociedade escolarizada a valorização do conhecimento científico coloca-se hierarquicamente como superior às outras formas de saber. Desse modo, classi-ficam-se e validam-se determinadas categorias de conhecimento que excluem e rejeitam outras formas de expressão, ou seja, aquilo que destoa das prescrições e modelos de cognição humana.

É necessário considerarmos que todos os indivíduos, independentemente de fazerem parte de um mesmo contexto sociocultural, revelam características de compreensão e ação sobre o mundo de modo diferente e singular. Devemos considerar a existência das especificidades de cada um como um processo natural do ser humano, pois todos somos diferentes e essa diferença existe em todas as sociedades.

O surgimento da educação escolar, segundo Perrenoud, ampliou a “visibi-lidade das desigualdades culturais”, que passaram a serem vistas não mais como um processo natural, mas como um desvio das prescrições dominantes.

Para que a escola reconheça as diferenças como naturais, é preciso reconhe-cer que algumas desigualdades são oriundas de ambientes extraescolares, de ex-periências vivenciadas pelo aluno fora da escola, próprias de sua condição étnica, política e de outros domínios que marcam a visão de mundo desse educando.

Considerar a desigualdade como um “problema” acaba por determinar o fracasso escolar, na medida em que influencia a relação pedagógica entre educan-do e escola, embora essa mesma relação já tenha sido negada a ele pelo simples fato de não se adequar ao preestabelecido.

De acordo com Perrenoud (2000), o fracasso escolar somente existe porque insere-se em uma instituição, a escola, que julga, classifica e tem o poder de de-clarar o fracasso do aluno apenas porque não se adequou ao sistema da instituição ou não aprendeu pelos métodos convencionais.

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Como se vê, a questão do desempenho escolar está sempre relacionada ao que a escola espera e exige do aluno, refletindo no currículo uma hierarquia de valores onde determinadas habilidades e conteúdos são validados em detrimento de outros. É preciso, portanto, que a escola conheça o aluno nas suas condições concretas e que esse conhecimento resulte em práticas pedagógicas mais coeren-tes com a realidade da comunidade que se serve dela.

Enquanto a escola se intitular única detentora de saberes válidos, depre-ciando o repertório sociocultural dos alunos, o mito da carência cultural ainda predominará na explicação do fracasso escolar.

Diversidade como um desafio da escolaComo já vimos, é natural que sejamos diferentes. São as diferenças que permi-

tem a relação de completude entre os indivíduos e impulsionam a humanidade ao de-senvolvimento. Contudo, a diferença pode se transformar em desigualdade na medida em que “as singularidades dos sujeitos ou grupos permitem que alcancem determina-dos objetivos na escola e fora dela de maneira desigual” (SACRISTAN, 2002, p. 13).

Mesmo compreendendo que os alunos não são culpados, ou, os únicos responsáveis pelo próprio desempenho escolar, alguns educadores costumam afirmar que pouco ou quase nada po-dem fazer para a superação do fracasso escolar, pois se consideram despreparados e desmotiva-dos. Supõe-se que cabe aos especialistas (psicó-logos, neurologistas, fonoaudiólogos, psicopedagogos etc.) resolver o problema do aluno, que após a mágica solução estaria pronto para aprender novamente.

A superação do fracasso escolar passa efetivamente pela educação inclusiva, por uma pedagogia que acolha as diferenças, resguardando o comum sem desres-peitar a singularidade. A esse desafio referem-se muitas indagações dos educadores que se encontram perdidos em torno de como atender a diversidade. Questionam, por exemplo: “Diversificar é o mesmo que individualizar o ensino?”, “Seríamos realistas ao projetarmos uma escola capaz de assumir a diversidade em sua totali-dade, trabalhando e atendendo individualmente as necessidades dos alunos?”

Para Sacristan (2002), atender a diversidade envolve, necessariamente, uma ação de equilíbrio entre a comunhão de objetivos e a contemplação possível da individualidade. Pressupõe da escola e de seus educadores uma predisposição à flexibilidade da ação pedagógica, à convivência com as incertezas, à visão multi-dimensional dos processos envolvidos na aprendizagem.

A educação para a diversidade é um desafio para o qual a escola não foi originalmente preparada. Ao contrário, para atender aos apelos do mundo do tra-

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balho, a educação se estruturou em torno de conteúdos escolares fixos, compar-timentados e homogêneos. Atualmente, já se acredita que o aluno assumiu uma nova postura diante da educação escolar. Não se porta mais como um receptáculo que absorve passivamente o conteúdo ensinado na escola que concorre com outras formas de comunicação e transmissão de conhecimento, potencialmente mais se-dutoras quanto às formas de veicular as mensagens.

Nessa perspectiva, a não aprendizagem do aluno pode ser entendida como um sintoma por meio do qual ele denuncia um sistema escolar dominador, massificado e insensível ao seu capital cultural interno, ou seja, aquilo que o constitui na sua singularidade.

De acordo com Sacristan (2002), um aspecto que corrompe a ideia de pe-dagogia para a diversidade refere-se às normas disciplinares do trabalho escolar, pois ainda predomina a crença de que para o trabalho com a diversidade são necessárias condições ideais e previsíveis, ou seja, os educadores pensam em tra-balhar com a diversidade apenas em um contexto escolar dotado de excelentes recursos materiais e humanos, com alunos perfeitos e adaptáveis. Essa ideia nos parece no mínimo paradoxal com a própria ideia de diversidade, uma vez que, certamente, estariam excluídos dessa condição os grupos marginalizados e des-favorecidos. Não há pedagogia para a diversidade se somente algumas diferenças são respeitadas enquanto outras são negadas.

Quando os educadores assumem não estar preparados para atender a diver-sidade em sua sala de aula, isso não decorre somente pelo fato de desconhecerem essa prática. É também resultado de um conjunto de representações, criadas his-toricamente sobre o lugar da diferença na educação.

O reconhecimento das diferenças de aprendizagem entre alunos não é algo novo. No início do século XX, a Psicologia já se ocupava em explicar e identificar as diferenças entre o desempenho escolar de alunos, fornecendo contribuições importantes à compreensão dos processos de aprendizagem. Ao mesmo tempo, desenvolveram-se estudos e instrumentos para distinguir em graus o desempenho cognitivo, a prontidão e as outras características da personalidade.

A educação, influenciada pelos conhecimentos da psicologia e direcionada a preparar os indivíduos para a lógica do mundo do trabalho, estabeleceu a clas-sificação e a diferenciação de alunos, de acordo com seu desempenho de forma a obter maior eficácia na educação da população.

Até meados do século XX era comum haver salas de aula em que se sepa-ravam os alunos “fortes” dos “fracos”. Ao longo do desenvolvimento do sistema de ensino, desenvolveram-se os mecanismos cujo próprio nome já sinaliza seu propósito: recuperação, classe especial, entre outros. O currículo, por sua vez, foi organizado a partir de uma hierarquia de conhecimentos predeterminados, divididos em períodos, especialidades, horas-aula etc.

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Condição da prática pedagógica para a diversidade

Explicações para o fracasso escolar são encontradas, muitas vezes, no cam-po das relações sociais, por exemplo, no modo como os professores veem seus alunos e os compreendem. A relação professor-aluno não é algo objetivo, pois é marcada por expectativas e representações de um em relação ao outro. O aluno que não aprende frustra as expectativas do professor e a si mesmo. Do mesmo modo, o professor que age com indiferença ou intimida seus alunos, também aca-ba por frustrá-los.

Esse fenômeno é denominado profecia autorrealizadora e se refere à postu-ra dos professores de depositar nos alunos baixas expectativas quanto ao desem-penho escolar. O ato de estar contribuindo para a formação dos indivíduos é algo altamente gratificante ao professor. Quando esse profissional percebe que suas aulas não encaminham seus alunos à aprendizagem, sente-se fracassado e desmo-tivado e a profecia se realiza encorajada pela ação docente e pela escola.

De forma a evitar a ideia de fracasso ou frustração pessoal, alguns professores tornam-se adeptos da ideia de que certos alunos são “menos” capazes de aprender. Para corroborar com essa ideia existem algumas teorias explicativas das diferenças de desempenho escolar entre os alunos de um mesmo contexto sociocultural, como as neurológicas, psicológicas, antropológicas etc. Tais teorias acabam validando a justificativa de que o problema do êxito e aprendizagem escolar se dá por conta somente do aluno.

A profecia autorrealizadora é uma consequência do modo como a sociedade é hierarquizada e de como seus valores são difundidos. O aluno em sua relação com a escola é guiado por esses valores e, influenciado por eles, acaba por ter de corresponder com o esperado para a obtenção de êxito em seus estudos. Por isso, de forma equivocada, pode acabar assumindo o papel de fracassado, ou de “aluno problema”, ainda que esse rótulo não lhe caiba.

É comum os professores indicarem os supostos defeitos de seus alunos em uma reunião de conselho ou, ainda, aos seus colegas de profissão, fato que contri-bui com a manutenção da profecia. Quem nunca ouviu professores comentarem entre si: “Cuidado com aquele aluno que senta no fundo, ele não quer saber de aprender!”. Ou então: “Fulano é comportado em sala de aula, mas não vai muito longe. Tem muita dificuldade em aprender!”. Essas ideias preconcebidas sobre os alunos tendem a se solidificar e se perpetuar ao longo dos anos em que eles permanecem na escola, fazendo com que aquele que sempre foi mal visto tenha poucas oportunidades de desenvolvimento. Por outro lado, o aluno que sempre recebeu elogios dificilmente deixará de recebê-los, ainda que assuma uma postura diferente e que, por algum motivo, perca a vontade de aprender.

É fundamental que os educadores reflitam sobre suas profecias de modo a despir-se de ideias preconceituosas que mobilizem o aluno para o fracasso. Isso é possível por meio de atitudes de encorajamento da autoestima, do reconhecimento e da legitimação da aprendizagem do aluno.

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Fracasso escolar: a dimensão do ensino

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Diversidade e competência docentePhilippe Perrenoud (2000), ao discutir os objetivos na formação profissional

do professor, define 10 competências para ensinar.

“Dez competências para ensinar”

1. Organizar e dirigir situações de aprendizagem.

2. Administrar a progressão das aprendizagens.

3. Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação.

4. Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho.

5. Trabalhar em equipe.

6. Participar da administração escolar.

7. Informar e envolver os pais.

8. Utilizar novas tecnologias.

9. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão.

10. Administrar a própria formação.

Embora todas sejam fundamentais à ação docente, detalharemos a terceira, que mais se aproxima da discussão apresentada nesta aula.

“Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação.”

Essa competência consiste propriamente em:

administrar a heterogeneidade no âmbito de uma turma;

abrir, ampliar a gestão da classe para um espaço mais vasto;

fornecer apoio integrado, trabalhar com alunos portadores de grandes dificuldades;

desenvolver a cooperação entre os alunos e certas formas simples de ensino mútuo.

O atendimento à diversidade remete-se diretamente ao modo como a situação de ensino se organiza. Esse é um desafio a ser trabalhado pelos professores, não somente porque os alunos aprendem de formas diferentes e possuem diferentes necessidades, mas para que todos possam participar de situações variadas de ensino.

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Fracasso escolar: a dimensão do ensino

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Como atingir os objetivos da pedagogia da diversidadeHá diversos meios para alcançar os objetivos de aprendizagem. Abaixo es-

tão listadas algumas formas de facilitar o processo:

O professor pode utilizar es-tratégias metodológicas diver-sificadas, porém essa diversi-ficação deve estar amparada em uma concepção pedagógi-ca que reconheça no aluno a construção da aprendizagem.

Ter como princípio básico que os alunos não aprendem so-mente com o professor. Desse modo, é necessário desenvolver estratégias de aprendizagem cooperativa como recurso fundamental ao desenvolvimento pessoal e cognitivo dos alunos. Entende-se por aprendizagem cooperativa o processo educacional em que os alunos interagem de maneira solidária, atuan-do como parceiros entre si e entre o professor com a finalidade de aprender.

Possibilitar aos alunos a realização de atividades que possuam diferentes graus de complexidade e que permitam diferentes possibilidades de exe-cução. Por exemplo, pode-se propor várias formas de abordar um mesmo conteúdo de ensino; ou abordar diferentes conteúdos em uma mesma ati-vidade de modo que a articulação entre os conhecimentos seja efetivada.

Ter como princípio que os alunos possuem interesses diversos, de for-ma a lhes garantir a possibilidade de escolher qual a melhor maneira de realizar as atividades propostas. Essa forma de organização permite o acolhimento das diferenças individuais e o autoconhecimento dos alunos enquanto aprendizes.

Fornecer oportunidades para que os alunos pratiquem e apliquem o que aprenderam.

Utilizar recursos materiais diversificados de modo a possibilitar diferen-tes atividades e abordagens de um mesmo tema ou assunto.

Diversificar as formas de agrupamento em sala de aula. As situações hete-rogêneas são enriquecedoras. É importante assegurar que aqueles alunos que possuem maiores dificuldades em relação a determinadas tarefas pos-sam se integrar a grupos que correspondam melhor às suas necessidades.

Realizar avaliação coerente com o princípio de uma educação para a diversidade, avaliação que deve se adaptar aos diferentes estilos, capa-cidades e possibilidades de expressão dos alunos. O processo avaliativo deve ser contínuo e formativo.

Organizar o espaço da sala de aula de modo a permitir a integração, a convivência, facilitando a autonomia e a mobilidade dos alunos. Aqueles

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com dificuldades poderão ocupar espaços em que possuam um acesso maior à informação podendo se comunicar e se relacionar com os cole-gas e o professor.

Organizar os tempos levando em conta as atividades, como também as necessidades de apoio individualizado dos alunos.

Criar um clima de respeito e valorização entre os alunos, estimulando a comunicação, integração e coesão do grupo.

A essa altura, você já deve estar se perguntando sobre a viabilidade prática dessas ações, considerando as dificuldades enfrentadas na ação pedagógica e no sistema educacional como um todo.

Uma questão que se impõe: de um lado, temos o ensino homogeneizado que, excluindo o aluno que não aprende pelas vias impostas, leva-o ao fracasso escolar. Do outro, está a constatação de que o ensino totalmente particularizado e individualizado não é nem viável e nem possível.

De acordo com Sacristan (2002), o ensino se coloca diante da tensão entre a necessidade de atender às diferenças individuais e assegurar um corpo de conhe-cimentos e metodologias comuns a todos, tornando difícil um equilíbrio entre o desejável e o possível em educação. Para esse autor, uma instituição nunca pode estar radicalmente direcionada para o ensino individualizado, tampouco ignorar que os alunos aprendem de maneiras diferentes.

Homogeneizar ou diferenciar?Destacamos abaixo alguns aspectos para a compreensão e superação da

dicotomia homogeneização versus diferenciação, no âmbito da educação escolar.

É importante que o currículo da escola seja favorável às diferenças. Quan-to à sua elaboração, o que será ensinado ou validado deve considerar a distinção entre aquilo que essencialmente deve fazer parte do currículo comum, abrindo-se para a flexibilização das ações e dos conteúdos de ensino. O currículo escolar, tal como se encontra organizado – segmenta-do em conteúdos, horas-aula e disciplinas inflexíveis – não favorece uma aprendizagem por outras vias.

Embora o professor acredite na diversidade, inevitavelmente terá de tra-balhar suas próprias expectativas quanto aos avanços da aprendizagem de seus alunos. Deve ter em mente que essas expectativas não podem ser tão baixas a ponto de empobrecer a aprendizagem dos que atingem facilmente os objetivos. Por isso, deverá desenvolver a aprendizagem tanto daqueles que estão além, quanto aquém dos objetivos previamente planejados pelo docente de forma que todos estejam incluídos nesse pro-cesso e tenham consciência disso.

A diversificação depende muito das condições materiais e dos recursos pe-dagógicos indispensáveis à estimulação e motivação para a aprendizagem.

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A ideia de dispor de itinerários formativos diferenciados requer uma re-formulação no âmbito organizacional escolar, de modo a romper com o engessamento do currículo, do tempo escolar, dos conteúdos e metodo-logias.

A questão central a que devemos nos atentar como educadores é que, embo-ra as mudanças sejam necessárias à Pedagogia para a diversidade, não podem ser impostas por um currículo prescrito. Elas devem nascer da própria escola, com seus objetivos, suas necessidades, seus alunos, impulsionando as transformações no plano macroinstitucional.

Como vimos, a educação deve se guiar reflexivamente por um projeto que acolha a diversidade de seus alunos. Contudo, para que esse projeto se efetive, há de se flexibilizar o currículo, superar os estereótipos e preconceitos responsáveis pelas profecias autorrealizadoras, bem como, reorganizar as práticas educativas. Ou seja, a superação do fracasso escolar requer, antes de tudo, a intervenção sobre o sistema educacional de uma forma ampla e significativa.

Aprendizagem como ponto-chave para a superação do fracasso escolar

A capacidade de ensinar e de aprender, atributo fundamental dos seres humanos, torna possível que os indivíduos se beneficiem com o ensino, particularmente daquele que ocorre na escola, tendo em vista que é uma das principais vias para o intercâmbio de ideias, cultura e va-lores entre os seres.

Esse processo de aprendizagem é essencial ao desenvolvimento psicológico do homem, cabendo à escola não apenas a transmissão de um corpo de infor-mações, mas da utilização de ferramentas, técnicas e operações intelectuais que facilitam as interações sociais. Quando buscamos entender o motivo pelo qual a aprendizagem muitas vezes não ocorre, a prática do ensino exige que considere-mos as circunstâncias de aprendizagem dos alunos.

De acordo com as ideias de Vygotsky, a educação (que inclui o processo ensino-aprendizagem) destina-se a desenvolver a personalidade, criando condi-ções para a descoberta e manifestação dos potenciais criativos dos alunos. Ainda, segundo a concepção citada, o processo de ensino deve se colocar de forma pros-pectiva em relação à aprendizagem, pois ensinar é uma ação intencional e delibe-rada e não deve, portanto, furtar-se em impulsionar o desenvolvimento. Deve aliar a competência técnico-pedagógica ao compromisso político com a transformação da realidade social.

A educação pressupõe o conhecimento do aluno no seu aspecto concreto, porém não deve se limitar ao conhecimento do que ele é, mas do que pode vir a

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ser. A qualidade do trabalho pedagógico se encontra associada à capacidade do ensino em promover o desenvolvimento do aluno. A partir disso, Vygotsky intro-duz o conceito de zona de desenvolvimento proximal que se refere ao espaço entre as conquistas já alcançadas pelo aluno – aquilo que ele já sabe e é capaz de reali-zar sozinho – e aquelas que para se efetivar dependem da participação de sujeitos mais capazes – aquilo que o aluno tem a competência de saber ou de desempenhar somente com a colaboração de outros sujeitos.

Há uma tendência da escola em valorizar somente o nível de desenvolvi-mento real dos alunos, ou seja, o de suas conquistas já alcançadas sem ajuda, ou ainda, aquilo que ele já desenvolveu. Uma expressão clássica dessa valorização é a prioridade que a escola dá às atividades que ocorrem de forma individualizada, em detrimento da interação social. Normalmente, tende-se a considerar mais váli-das as avaliações individuais do que aquelas realizadas com grupos de alunos.

É comum a avaliação da aprendizagem levar em consideração apenas o resultado final do processo, ou seja, as respostas dadas pelos alunos, sem se pre-ocupar sobre como eles chegaram às respostas. Para Vygotsky, as experiências de aprendizagem compartilhadas (realizadas coletivamente) atuam na zona de desenvolvimento proximal, permitindo que as funções ainda não consolidadas venham a amadurecer. Essa zona de desenvolvimento é responsável por todas as atividades que o indivíduo ainda não realiza de modo independente, mas, assim o fará com a ajuda de um grupo ou de uma pessoa. A tendência de nosso desenvol-vimento é a de nos tornarmos independentes para realizarmos nossas atividades por meio do uso de nossas habilidades já desenvolvidas. Porém, até conquistarmos essa forma de independência, continuamos nosso desenvolvimento com ajuda dos nossos parceiros, sejam eles professores ou colegas de classe.

Avançando nossa discussão em torno do papel prospectivo da educação para a aprendizagem, consideremos então o caso do aluno que, mesmo participando das interações sociais e de seus desafios, ainda apresenta dificuldades em aprender.

Para Vygotsky, as funções psicológicas possuem uma base orgânica e cultu-ral. Do ponto de vista orgânico, as funções psicológicas têm no cérebro um sistema aberto e de grande plasticidade (flexibilidade) com capacidade de se modificar por interferência das relações socioculturais, ou seja, nosso aparato cerebral ajusta-se aos desafios do contexto social e cultural no qual estamos inseridos.

Essa flexibilidade do funcionamento cerebral permite que um processo sen-sorial prejudicado seja substituído por uma operação puramente intelectual. Por exemplo: uma criança que apresenta dificuldades de percepção auditiva pode, não somente, ser estimulada a discriminar os fonemas e seus significados por outros meios que não o da audição, mas também ser desafiada a essa compreensão a partir de aprendizagens que façam sentido conjuntamente com outras habilidades psicológicas fundamentais à apreensão do mundo, como a atenção, a memória, o raciocínio lógico etc. Isso facilitaria a apropriação do conhecimento mediante a mobilização de várias funções cognitivas.

Diante do exposto, a aprendizagem é um processo cujo objetivo final só pode ser alcançado se consideramos o educando em sua amplitude, buscando abarcar

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todas as influências, externas e internas. Somado a isso, cabe ao professor a cons-ciência de que o desenvolvimento desse educando se dá primordialmente na escola, motivo pelo qual foi conferido a essa instituição o papel de impulsionar o desenvol-vimento humano. As limitações próprias da natureza de cada aluno muitas vezes acabam por privá-los do direito de acesso aos bens culturais da sociedade de sua época. A escola não deve se eximir de garantir esse direito aos alunos, pois poten-cialmente é essa razão de existir, a função educativa.

A escola traz a possibilidade de desenvolvimento integral do indivíduo, in-dependentemente de suas limitações, particularidades e dificuldades, tal como prevê a pedagogia para a diversidade.

1. Entendendo que diversificar o ensino não é a mesma coisa que individualizá-lo, discuta com seu grupo e responda: a) De que modo a prática pedagógica pode se realizar, respeitando e potencializando as diferen-

tes características e necessidades dos alunos?

b) De acordo com a perspectiva de Vygotsky, de que modo a ação educativa pode visar à supe-ração do fracasso escolar?

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Fracasso escolar: a dimensão do ensino

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2. Leia atentamente o texto a seguir e, depois, desenvolva as atividades sugeridas.

A história de RicardoRicardo é um garoto de 9 anos que, embora leve uma

vida simples, nunca lhe faltou sustento. Mora numa fave-la próxima à escola em que estuda. O seu sustento vem do trabalho de seu pai como pedreiro e de sua mãe como empregada doméstica. Na escola, Ricardo não consegue obter êxitos, especialmente por conta de sua dificuldade com a escrita e por isso já foi reprovado.

Assim como outros alunos que apresentam dificul-dades, Ricardo recebe tratamento diferenciado na sala de aula: é praticamente ignorado enquanto outras crianças usufruem da atenção da professora que sempre os questiona se estão com dúvida ou dificuldade.

Ricardo fica disperso na aula. Segundo sua professora, ele não conseguirá acompanhar o ensino, pois já está bastante atrasado em relação aos demais.

A coordenadora pedagógica da escola acredita que o fracasso de Ricardo é consequência da falta de cultura dos pais que são praticamente analfabetos. Eles reconhecem que seu filho está desinteressando quanto à escola, mas não sabem explicar por que isso ocorre. A mãe suspeita que o menino seja preguiçoso e que a escola deveria lhe exigir mais.

Para Ricardo, o cotidiano da escola é uma desagradável rotina. Não vê motivação nas tarefas e se sente incapaz de aprender, já que frustra constantemente as expectativas dos pais e da escola. Ricardo representa um exemplo bastante comum de fracasso escolar. Muito embora não apre-sente antecedentes traumáticos ou problemas cognitivos, não consegue satisfazer as exigências do ensino.

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Tendo em vista o que você estudou sobre a questão do fracasso escolar, discuta com seu grupo o caso de Ricardo procurando responder a questão:

Que relação pode-se estabelecer entre a profecia autorrealizadora e a problemática vivenciada por Ricardo?

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Nenhum a Menos – Direção de Zang Yimou. Com Wei Minzhi, Zhang Huike, Tiam Zhend e Gao Enman – China, 1998.

O filme se passa na antiga China comunista de Mao Tsé-Tung, numa paupérrima escola rural chinesa. Lá, uma garota de 13 anos recebe a incumbência de substituir o professor titular da escola, licenciado por um mês. Ela não dispõe de um livro sequer; pode gastar no máximo um giz por dia e, ainda por cima, deve morar na sala de aula junto com seus 28 alunos. Por falta de móveis adequados, as carteiras ganham a função de camas. A menina tem como principal obrigação evitar a evasão es-tudantil, um problema crônico no país. A trama se inicia quando um aluno abandona os estudos e vai para a cidade grande em busca de emprego. A pequena mestre não tem dúvida: segue no encalço do fujão.

O filme nos ajuda a refletir sobre o fracasso escolar em sua relação com o contexto sociocultu-ral, as influências e o sistema escolar desse contexto.

Para aqueles que desejam se aprofundar a respeito do tema desta aula, recomenda-se o livro de Maria Helena Souza Patto, intitulado A Produção do Fracasso Escolar: história de submissão e rebeldia, da editora T. A. Queiroz, de 1996.

1. a) A prática pedagógica deve ser diferenciada, com a utilização de recursos e metodologias

diversificados de modo a valorizar a participação e cooperação dos alunos respeitando suas diferentes necessidades.

b) A ação educativa deve valorizar no aluno aquilo que ele está prestes a desenvolver, portanto, deve ser prospectiva. Além disso, deve promover a interação social e valorizar o conheci-mento que esse aluno já conquistou por meio de suas experiências anteriores, dentro de seu contexto sociocultural.

2. Ao longo de sua vida escolar, o jovem Ricardo demonstrou alguns indícios de que possui algu-mas dificuldades que, no entanto, não foram devidamente levadas em consideração pelos seus pais ou pelos seus professores. Do contrário, as dificuldades de aprendizagem de Ricardo foram interpretadas como sinal da falta de interesse do jovem pela escola. Nesse caso, cumpre-se o que estamos chamando de profecia autorrealizadora, aquela que faz com que o aluno acredite no seu próprio fracasso.

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Dimensão psiconeurológica da aprendizagem e suas dificuldades

O cérebro e sua relação com a aprendizagem

Ao longo da história, o funcionamento do cérebro foi objeto de especula-ções místicas, filosóficas e científicas. Mas é a partir do século XX que passou a ser mais profundamente compreendido e explicado.

As últimas pesquisas da neurologia têm apresentado um progresso considerável ao ex-plicar o funcionamento cerebral e sua relação com a aprendizagem, por meio da utilização de técnicas como a tomografia computadorizada e a ressonância magnética1.

O cérebro é um substrato material que pode ser visualizado e manipulado. É formado por substâncias químicas, enzimas e células nervosas chamadas neurô-nios. Em geral, o ser humano possui aproximadamente 100 bilhões de neurônios que são os responsáveis pela integração dos estímulos levados às áreas cerebrais, possibilitando assim a aprendizagem.

A aprendizagem envolve a integração de três componentes básicos do fun-cionamento cerebral que são: a atenção, a motivação e a memória.

AtençãoProcesso pelo qual o organismo se coloca em estado de alerta, mantendo-se

aberto aos estímulos do meio. Esses estímulos possibilitam a aprendizagem. Vale notar que a atenção é um fator relacionado à capacidade de concentração, neces-sária para realizar qualquer atividade.

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1 Instrumentos de análise que permitem o mapea-

mento do cérebro por imagens e a observação do processa-mento das funções cerebrais relacionadas às atividades cognitivas e emocionais.

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MotivaçãoÉ um componente da aprendizagem relacionado à emoção/motivação. O

aluno aprende quando seus componentes motivacionais são ativados. Há uma área cerebral especialmente voltada às respostas emocionais, denominada de sistema límbico.

MemóriaConstitui-se num conjunto de regiões cerebrais responsável pelo processo

de retenção da informação. Possui a função específica de guardar os dados para utilizá-los quando necessário.

Para que a memória funcione adequadamente, é necessário o funcionamen-to dos dois componentes citados anteriormente, a atenção e a motivação.

Estudos apontam a existência de três níveis de memória:

Nível 1 – representa a retenção de informações por um curto período e ape-nas reproduz o que o indivíduo acabou de aprender.

Exemplo: quando gravamos momentaneamente em nossa memória um nú-mero de telefone para discarmos em seguida. Provavelmente, após o número ter sido discado, esquecemo-nos da informação, ou seja, o cérebro armazenou esse dado apenas enquanto foi necessário.

Nível 2 – é um tipo de memória mais elaborada que se caracteriza pela as-sociação de fatos e experiências que o indivíduo vivenciou e ficaram gravados. Essas memórias são recuperadas à medida que o indivíduo pode associá--las com as novas informações que aprende.

Exemplo: ao assistirmos a uma aula sobre o sistema solar, nossa compreensão ocorre por meio das associações que fazemos entre o que sabemos do assunto e os dados novos apresentados em sala. Assim, podemos nos recordar de um programa de TV ou dos comentários realizados por um antigo professor.

Nível 3 – é a memória semântica. Essa memória pode ser facilmente recu-perada e surge espontaneamente, pois decorre de experiências marcadas por um componente emocional significativo.

Um exemplo disso é quando sentimos um perfume ou ouvimos uma música e recordamos de uma pessoa ou situação vivida. A memória semântica é uma demonstração clara da importância do sistema emocional na retenção da infor-mação. No âmbito escolar, a motivação é um elemento fundamental à aprendi-zagem, cabendo à escola tornar esse processo prazeroso e significativo ao aluno; afinal, não precisamos de argumentações da neurologia para aceitar o fato de que as experiências de aprendizado mais marcantes são aquelas das quais nunca nos esqueceremos.

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Breve histórico dos estudos sobre as atividades cerebrais

No início do século XX, foram propostos vários modelos de localização anatômica das funções cognitivas. Os pesquisadores responsáveis por esses mode-los ficaram conhecidos como localizacionistas, pois compreendiam que o cérebro está dividido em áreas com funções específicas. Os localizacionistas ampararam suas teses em estudos sobre cérebros que haviam sido lesionados em determina-das regiões e que, dependendo do local lesionado, algumas habilidades cognitivas ficavam comprometidas.

Em contrapartida às ideias localizacionistas, os chamados pesquisadores holistas afirmavam ser impossível explicar o funcionamento cerebral a partir de centros específicos, justificando que as funções mentais estavam representadas no cérebro de modo difuso, não havendo áreas privilegiadas para desenvolver cada uma das funções.

A psiconeurologia moderna, a partir das contribuições de Alexander Roma-novich Luria2 e de outros pesquisadores, passou a considerar tanto as ideias dos localizacionistas quanto a dos holistas.

De acordo com Luria, o cérebro possui áreas funcionais responsáveis por habilidades específicas. No entanto, essas áreas não funcionam separadamente ou independentemente umas das outras, havendo múltiplas conexões associativas en-tre elas. O cérebro é um todo e atua de modo integrado em suas manifestações.

O cérebro, nessa perspectiva, passou a ser considerado não mais como um órgão pré-modulado que poderia ser separado em áreas independentes, mas como um sistema aberto e auto-organizável, que tem como principal ca-racterística a plasticidade, que o permite modificar-se para se adaptar aos es-tímulos do meio.

Quando a integração das funções do cérebro não ocorre adequadamente, é possível que a integridade neurológica esteja afetada, o que pode gerar distúrbios de aprendizagem.

Pesquisas recentes afirmam que o desenvolvimento do cérebro ocorre mais rápido nos primeiros anos de vida de um indivíduo. Assim, a precariedade de estímulos ambientais ou carência prolongada de nutrientes durante esse período podem afetar de maneira significativa o desenvolvimento cognitivo.

A percepção, a memória, a integração das informações que chegam ao cé-rebro por meio dos sentidos, a expressão motora (movimento) e a linguagem são processos cerebrais que obedecem a uma organização global, quer a criança apre-sente alguma dificuldade de aprendizagem ou não.

Os diversos neurônios das diversas áreas cerebrais especializam-se em tare-fas definidas. Alguns são especializados no processamento de informação visual, outros, no de estímulos verbais e outros, ainda, coordenam a motricidade. Mas

2 Nascido no início do sécu-lo XX, Luria foi um notá-

vel neuropsicólogo russo que, juntamente com Vygotsky, de-senvolveu estudos importantes sobre a área de psicologia, com ênfase no papel fundamental da linguagem.

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todos apresentam em comum a relação de interdependência e complementaridade possibilitada pela estrutura flexível do cérebro.

Desse modo, a plasticidade cerebral permite e requer a utilização de dife-rentes estímulos para a aprendizagem. Quando a escola cria oportunidades para que a criança explore o conhecimento utilizando várias áreas cerebrais, auxilia os neurônios a desenvolverem novas conexões influenciando também o funciona-mento de outras áreas.

O conhecimento sobre o funcionamento e desenvolvimento das funções ce-rebrais humanas, bem como da sua capacidade de autointegração e adaptação é condição essencial para que um educador possa promover o desenvolvimento sócio-cognitivo de seus alunos. Os distúrbios psiconeurológicos de aprendizagem não devem ser vistos como um impasse, mas como uma característica própria de alguns indivíduos que podem ser “compensadas” por meio das atividades educa-cionais. Para Fonseca (1995, p. 152):

[...] cada vez mais temos de acreditar nas possibilidades espantosas do cérebro das crian-ças com ou sem dificuldades de aprendizagem. Explorar a possibilidade de modificar as funções cerebrais, através das intervenções pedagógicas mais ajustadas às necessidades educacionais específicas de tais crianças, não é nem uma experiência de pedagogos aluci-nados, nem uma manifestação antipsicológica ou antipedagógica.

Cabe à educação aproveitar a plasticidade cerebral para promover um en-sino prospectivo e diferenciado de modo a compensar as dificuldades específicas da criança. Por exemplo: uma criança com dificuldade de percepção visual, cer-tamente será prejudicada em uma escola cuja ênfase esteja nos elementos visuais. A ela deveriam ser possibilitadas experiências de aprendizagem que enfatizem também a utilização de recursos como, por exemplo, os auditivos.

Aspectos neuropsicológicos da aprendizagem

A aprendizagem envolve necessariamente o processamento da informa-ção pelo cérebro e compreende três fases ou subprocessos: recepção, integra-ção e expressão.

Nos casos em que as dificuldades de aprendizagem são dadas devido a uma disfunção cerebral, as fases acima citadas sofrem algumas modificações. Vejamos a seguir:

Recepção da informação – é o processo de chegada da informação ao cérebro por meio dos órgãos do sentido (visão, audição, tato, olfato e gustação). Quando há alguma dis-função na percepção dos estímulos enviados por esses órgãos, ocorre uma dificuldade

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de aprendizagem. No caso de uma dificuldade de percepção auditiva, uma criança que normalmente ouviria a palavra pato, pode entender e processar “gato”. Portanto, a recepção de informações se encontra com-prometida.

Integração da informação – está relacionada à retenção, elaboração ou evocação da memória. Refere-se ao modo como as informações armaze-nadas no cérebro se integram aos estímulos novos, de modo coerente e organizado.

A dificuldade na integração da informação pode ser observada naque-la criança que se esquece com frequência do que foi aprendido no dia anterior, não consegue recuperar informações aprendidas necessárias à compreensão de um novo conteúdo de aprendizagem.

Expressão da informação – está relacionada à ordenação, planificação e execução. Podemos citar como exemplo a fala. Uma criança pode com-preender e elaborar internamente a sua fala sobre um determinado assun-to, mas é possível que não consiga expressar-se.

Agora que você estudou alguns aspectos da relação entre cérebro, apren-dizagem e suas dificuldades, vamos abordar o transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividade, um quadro de sintomas decorrentes de implicações neurológicas que também levam à dificuldade de aprendizagem.

Transtorno do Déficit de Atenção – Hiperatividade (TDAH)

O transtorno do Déficit de Atenção – Hiperatividade (TDAH) é um distúr-bio neurobiológico caracterizado por sintomas de desatenção, inquietude e im-pulsividade que podem interferir no processo de aprendizagem, bem como nas relações sociais cotidianas do indivíduo.

Por se tratar de um transtorno muito discutido re-centemente, há uma evidente confusão nos meios educa-cionais acerca do que diferencia um aluno com TDAH daqueles que apenas apresentam um comportamento agi-tado, ansioso, disperso, desmotivado e agressivo decor-rente de circunstâncias emocionais, sociais e educativas. Os equívocos devem ser superados para que possamos contribuir para a superação efetiva das dificuldades do aluno que apresenta o TDAH e dos que possuem distúr-bios de outra ordem.

O TDAH é um distúrbio funcional do cérebro e, ao contrário do que comumente se imagina, não é um mero produto do nosso mundo tecnológico, frenético e compe-

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titivo. Há alusões em antigos registros médicos de diversos contextos sociocultu-rais sobre esse mesmo problema.

De acordo com Smith (2001), as crianças que apresentam o TDAH formam aproximadamente de 3 a 5% da população escolar. Mas o modo como a escola e a família lidam com os sintomas reflete percepções divergentes. Enquanto os pais tendem a subestimar o problema, a escola supervaloriza-o, dificultando uma ação conjunta e compartilhada na superação das dificuldades decorrentes desse transtorno.

Algumas pesquisas apontam uma maior incidência do TDAH em meninos do que em meninas. No entanto, estudos mais recentes têm afirmado que ambos os sexos apresentam a mesma probabilidade de apresentar o distúrbio. A diferença está no fato de que os meninos possuem uma maior tendência à agressividade e, por essa razão, são mais notados.

Embora muitos sintomas do TDAH sejam constantes, assumem uma evi-dência maior em situações que exigem maior atividade mental e de concentração prolongada. Essa é uma das razões pelas quais a tolerância à manifestação dos sintomas é menor em contexto não escolar.

Os professores normalmente queixam-se de que as crianças com TDAH não prestam atenção, não conseguem ficar quietas, interrompem a aula e dificilmente terminam seus trabalhos.

A reação do meio social e familiar acaba repercutindo sobre a noção que a criança tem de si, uma vez que se percebe como o motivo da constante frustração de seus pais e professores. Crianças com esse quadro são bastante propensas ao fracasso escolar e, apesar de serem inteligentes, sua dificuldade de atenção, de memória e pouco autocontrole interferem profundamente na sua aprendizagem.

Etiologia do TDAHOs estudos sobre neurologia apontam algumas possíveis causas do TDAH.

Vejamos algumas delas:

Hereditariedade – a prevalência do transtorno entre parentes é de 2 a 10 vezes maior do que na população em geral. Assim, a questão genética parece ser a responsável por uma maior suscetibilidade ao TDAH, sendo que filhos de pais com o transtorno são mais propensos a apresentá-lo.

Substâncias ingeridas durante a gravidez – algumas pesquisas indi-cam que a nicotina e o álcool, quando ingeridos durante a gravidez, po-dem causar alterações em algumas partes do cérebro do bebê, incluindo a região frontal orbital que está associada aos sintomas do TDAH.

Problemas durante o parto – embora a relação entre o sofrimento do feto durante o parto e o TDAH ainda não tenha sido suficientemente ana-lisada, algumas pesquisas afirmam que as crianças que sofreram no parto por falta de oxigenação são mais predispostas a apresentar os sintomas do TDAH.

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Exposição ao chumbo – algumas pesquisas apontam que a exposição a altos níveis de chumbo pode levar ao TDAH, pois essa substância fun-ciona como um irritante no cérebro, prejudicando-o.

Trauma – estudos com pessoas que tiveram traumatismos, tumores ou doenças na região frontal orbital do cérebro detectaram a presença de sintomas muito parecidos com os do TDAH. A região frontal orbital é uma das mais desenvolvidas no ser humano em comparação com outras espécies. É a responsável pela inibição comportamental, pela capacidade de prestar atenção, autocontrole e planejamento para o futuro.

Pesquisas apontam que nessa região cerebral há uma alteração no funciona-mento de algumas substâncias químicas, como a falha na regulação da quantidade de dopamina e noradrenalina.

As técnicas modernas de mapeamento do cérebro por imagens têm aponta-do diferenças em várias regiões do cérebro de crianças que possuem TDAH. Na média tanto a região do lobo frontal como do cerebelo são menores, assim como o lobo parietal e temporal.

O problema da criança com TDAH não reside tanto na falta de atenção em si, mas na rápida queda da capacidade contínua de prestar atenção.

Características e diagnóstico do TDAHO Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais (DMSV-IV), em

1994, definiu o Transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividade, utilizando como critério dois grupos de sintomas de mesmo peso para o diagnóstico: desatenção e hiperatividade/impulsividade.

Assim, o déficit da atenção pode ocorrer com ou sem hiperatividade. Algu-mas crianças apresentam mais hiperatividade e impulsividade do que a dificuldade de atenção. Outras, por sua vez, possuem mais desatenção do que hiperatividade e impulsividade. Ou seja, algumas apresentam TDAH e são predominantemente desatentas, outras são predominantemente hiperativas/impulsivas.

O que se observa na maioria dos casos, no entanto, são ambos os sintomas.

Pode-se reconhecer a desatenção e a hiperatividade a partir de alguns sinais do próprio comportamento infantil. Smith (2001, p. 39) lista os sinais relacionados a esses dois distúrbios.

Desatenção com frequência a criança deixa de prestar atenção a detalhes ou comete

erros por descuido em atividades escolares, de trabalho e outras;

com frequência tem dificuldade para manter a atenção em tarefas ou ati-vidades lúdicas;

com frequência parece não escutar quando lhe dirigem a palavra;Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,

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com frequência não segue instruções e não termina seus deveres escola-res e tarefas domésticas;

com frequência tem dificuldade para organizar tarefas e atividades; com frequência reluta em se envolver em tarefas escolares ou deveres de

casa; com frequência perde coisas; distrai-se facilmente com visões e sons irrelevantes; com frequência apresenta esquecimento de tarefas diárias.

Hiperatividade e impulsividade com frequência retorce as mãos e os pés, remexendo-se na cadeira; com frequência deixa a cadeira na sala de aula ou em outras situações em

que se espera que permaneça sentado; corre e sobe demasiadamente nos objetos em situações nas quais isso é

impróprio; tem grande dificuldade para brincar em silêncio; com frequência está “impulsionada por um motor”; fala excessivamente; com frequência dá respostas precipitadas antes de as questões serem res-

pondidas; com frequência tem dificuldade em esperar sua vez; com frequência interrompe ou se intromete nos assuntos de outros.

De acordo com Caturani e Wajnsztejn (1999), para haver a certeza de que o conjunto de características acima possa consistir num quadro de TDAH, algumas condições precisam ser reunidas e consideradas:

Mais da metade dos sintomas anteriormente descritos devem ser apre-sentados com frequência pela criança.

Os sintomas devem prevalecer por um período mínimo de seis meses, uma vez que o TDAH não se manifesta ocasionalmente.

Os sintomas devem ser suficientemente graves para prejudicar o fun-cionamento escolar e social da criança.

A manifestação dos sintomas deve ocorrer antes dos sete anos de idade.

A criança com TDAH não manifesta os sintomas somente na escola, mas também em outros contextos sociais, inclusive nas situações lúdicas.

Algumas doenças ou medicamentos alteram o comportamento de um indivíduo. Portanto, a hipótese de TDAH somente pode ser considera-da quando não existir a hipótese da interferência de outros fatores no comportamento da criança. Por exemplo, uma pessoa que apresenta um hipertireoidismo pode apresentar comportamento agitado sem, ne-cessariamente, esse comportamento estar associado ao TDAH.

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Implicações educacionais do TDAHBenczik (2002, p. 43) aponta o seguinte relato de uma professora:Paulo Antonio Mendonça é um aluno matriculado na 3.ª série da Escola Padre Anchieta.

É aluno vivo, esperto, mas irrequieto. Não se concentra em suas tarefas, deixando-as ra-pidamente de lado, sem terminá-las.

Pede para sair da classe, constantemente, inventado motivos para isso, como beber água, ir ao banheiro, passar remédios em ferimentos. Não fica sentado por muito tempo, nem mesmo quando assiste a algum filme na escola. Está sempre se movimentando, mexendo seus objetos ou mesmo com os colegas. Qualquer barulho tira-lhe a pouca concentração que demonstra.

Vive perdendo ou esquecendo seus materiais. Dificilmente realiza alguma atividade até o fim. Traz seus materiais em grande desorganização.

Mostra-se, às vezes, muito agressivo. Bate mas “leva” também. É um pouco esquivo à manifestação de carinho.

Como vimos, as interferências do TDAH sobre o processo de ensino-apren-dizagem estão claramente expressas no relato dessa professora, demonstrando o forte impacto no ajustamento da criança ao meio educacional. O comportamento do aluno citado em nosso exemplo nos dá uma dimensão dos desafios a serem enfrentados pelo professor. Como normalmente os profissionais não estão prepa-rados para lidarem com esse tipo de desafio, torna-se maior a possibilidade desses alunos fracassarem ao longo de seu processo de escolarização.

A educação escolar exige a mobilização de habilidades cerebrais como atenção, concentração e autocontrole que são deficitários na criança com TDAH. Como o próprio relato demonstra, essa criança se esquece de seus pertences, pois frequentemente a retenção de informações lhe é difícil. Por isso, sua aprendiza-gem deve contar com elementos concretos, visuais e que lhe chamem a atenção. Vale notar que a dificuldade em selecionar os estímulos relevantes para a aprendi-zagem se torna ainda mais comprometida nas situações de grupo em que a grande quantidade de estímulos favorece a dispersão.

Dimensão pedagógica da criança com TDAHNão podemos ignorar que, no contexto escolar, a criança está sujeita a nor-

mas, expectativas e situações que nem sempre são favoráveis à superação de suas dificuldades.

O trabalho em sala implica no gerenciamento das diferentes necessidades e características dos alunos, especialmente se há a presença de uma criança com TDAH, o que torna o desafio ainda maior para o professor. Além disso, convém considerarmos que a escola não possibilitará a aprendizagem do aluno com TDAH se desconsiderar a participação de sua família e de seu contexto sociocultural.

O TDAH não pode ser compreendido unicamente como um grupo de sintomas isolados, destituídos e independentes do contexto escolar, pois sua manifestação pode ser ampliada ou reduzida em função de como esse meio se organiza para atender às necessidades da criança.

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Um meio familiar desestruturado pode agravar a manifestação das condutas hiperativas/impulsivas. Do mesmo modo, um meio educacional que se organiza de modo rígido, centrado somente no ensino de conteúdos, sem a devida articu-lação com as diferentes necessidades e características dos alunos, servirá como fator repressor dos sintomas do distúrbio, fato que irá dificultar seu diagnóstico.

Feitas essas considerações, apresentaremos algumas observações importan-tes que poderão servir como apoio ao trabalho pedagógico junto ao aluno que apresenta TDAH.

A motivação é um importante elemento da aprendizagem, portanto, o uso de estratégias motivadoras e flexíveis possibilita um maior alcance do interesse pelas atividades de todos os alunos.

O aluno com TDAH possui dificuldade em se organizar, estruturar-se internamente e necessita, portanto, de um ambiente favorável ao desen-volvimento dessa capacidade.

É importante a compreensão de que as crianças, nesse caso, possuem efetivamente uma dificuldade e não estão deliberadamente tentando atra-palhar a aula.

A dificuldade de atenção faz com que esse aluno se disperse facilmente, portanto, a aula deve ser estruturada, evitando-se imprevistos, condução imprecisa das atividades, sem recair na rigidez e mecanicismo da aula tradicional.

A ambiguidade na comunicação também deve ser evitada. É importante que o professor tenha uma comunicação clara de modo a explicitar as expectativas, regras, critérios de avaliação etc.

As atividades devem ser intercaladas entre aquelas que exigem maior grau de atenção e concentração e outras de caráter mais lúdico.

É importante que todos os professores e a família sejam coerentes na forma de abordar as dificuldades de ajustamento desse aluno.

O apoio da gestão da escola é um aspecto fundamental à viabilização de ações educativas para lidar de maneira eficiente com alunos portadores de TDAH.

O respeito à privacidade do aluno é essencial para o estabelecimento dos laços de confiança dele para com o professor. Assim, é importante que ele acompanhe suas próprias notas e, no caso de esse aluno usar medica-mentos, que o professor conheça as possíveis reações adversas provoca-das pelo tratamento. Assim como assuntos relacionados a medicamentos utilizados e dificuldades observadas, preservando sua autoestima.

A adequação das atividades ao tempo do aluno, especialmente aquelas que exigem maior tempo de atenção e concentração (leitura e escrita, por exemplo). Isso evita sofrimentos e permite resultados mais favoráveis em relação aos objetivos das atividades.

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As lições de casa costumam levar um grande tempo do aluno, portanto, a divisão de tarefas em dois momentos e/ou redução da quantidade de tarefas pode ajudar. É preciso selecionar o que é prioritário de modo a garantir a realização das tarefas sem gerar o sofrimento e o transtorno causado à família na realização de atividades longas e que exigem um tempo maior de concentração.

A ajuda na organização do material e da rotina é um processo necessário ao aluno com TDAH. Normalmente, eles precisam de auxílio extra do professor para a realização completa das atividades de classe e para a organização de seu material didático.

A organização da aula e a disposição das carteiras devem priorizar a par-ticipação ativa dos alunos nas atividades e devem proporcionar o contato “olho no olho” com o professor. A participação mantém os alunos envol-vidos na atividade por mais tempo.

Certamente, o que apresentamos como indicadores do trabalho pedagógico junto ao aluno com TDAH pode ser expandido a todos os demais. Não há receita nem metodologia específica para atender às necessidades de cada indivíduo em seu processo de aprendizagem.

1. Leia atentamente os dois casos descritos a seguir e, em seguida, responda às perguntas propostas.

O caso de MarcinhaMarcinha tem hoje sete anos. Distraída e avoada, frequen-

temente passeia com seus olhos pela janela da sala de aula en-quanto a professora expõe o conteúdo. Sonha com seres imagi-nários e com mil fantasias. Gosta de desenhar, é muito meiga e carinhosa. Com as irmãs mais velhas, porém, está sempre em desvantagem, não pela idade inferior, mas pelo seu tempera-mento bonachão, passivo e desarmado. As outras sempre lhe pregam peças, pois a menina se distrai com facilidade. Suas ir-mãs fazem piadas, joguetes e provocações para testar a atenção e a presença de espírito da menina. Crianças como Marcinha, desde a tenra infância acumulam rótulos de incompetência pessoal com relação aos outros. A ideia que possuem de si mesmas é a representação da inadequação, inferio-ridade e incompetência. A autoestima é destruída ou sequer chega a se formar. A criança cresce tímida, inibida, inferiorizada e com dificuldades de ajustamento que vai durar por toda sua vida.

Marcinha está encontrando o caminho da integração social nesse mundo exigente e hostil graças a um medicamento e uma orientação segura e atualizada, por um psiquiatra infantil. Mar-cinha tem um bom prognóstico. O palpite é que conseguirá integrar-se socialmente e aprenderá a conviver com o seu desequilíbrio químico natural.

Relato adaptado da matéria de Paulo Bitencourt.

(Disponível em: <www.tdah.org.br>. Acesso em: 28 abr. 2007.)

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O caso de VitorVitor é uma criança de sete anos que frequenta o 2.° ano do l.° ciclo

numa escola municipal de uma grande capital brasileira. É o primeiro ano que frequenta essa escola. O pro fessor define-o como uma criança muito irrequieta, nervosa e incapaz de prestar atenção. Movimenta-se constante-mente pela sala, não termina os trabalhos e incomoda os companheiros. A classe é composta por 30 alunos e a escola não conta com um professor de apoio para auxiliar nas salas de aula.

A realização das atividades escolares é sempre muito conturbada, pois Vitor apresenta dificuldade para manter a atenção, fala incessante-mente com os colegas sem manter o fio condutor do discurso.

A professora solicita apoio da coordenação, pois observa um elevado nível de ansiedade e al-guma rejeição dos colegas para com Vitor, dado que interrompe continuamente as explicações e al-tera a dinâmica da classe com o seu comportamento perturbador (levantar-se, falar, alvoroçar etc.).

A professora conversou com a mãe do menino sobre as dificuldades escolares detectadas e pediu que procurasse ajuda de um psicólogo. A mãe, de 29 anos, disse estar separada do marido havia um ano e que, devido ao fato de trabalhar numa loja, deixava seu filho Vitor a maior parte do tempo com os avós maternos. A mãe confessou não poder controlá-lo, pois era desobediente e destruía os brinquedos, com grande dificuldade de se manter quieto por alguns instantes, salvo quando via na televisão desenhos animados. Vitor é filho único e não costuma brincar fora de casa porque moram numa zona de muito trânsito e ele não tem o sentido do perigo.

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a) O que diferencia o caso de Marcinha do caso de Vitor?

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b) Qual deve ser a postura do professor ao se deparar com os problemas relatados em ambos os casos?

c) De que modo o professor poderá contribuir, na sua prática pedagógica, para minimizar as dificuldades de Marcinha e de Vitor?

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Documentário de WAJNSZTEJN, R., intitulado Dificuldades de atenção e memorização na infância e na adolescência. Volume 2: Como identificar e tratar o TDAH (duração 34 min.) Produto-ra: Nitta’s Vídeo. Itapecerica da Serra, SP, 2000.

1.a) Tanto Marcinha como Vitor apresentam o TDAH. Contudo, os sintomas de Marcinha são

predominantemente de desatenção, enquanto que, no caso de Vítor, notam-se também sin-tomas de hiperatividade e impulsividade.

b) O professor não deve encarar o TDAH como um obstáculo ao trabalho a ser desenvolvido em classe e deve ter uma postura de empatia em relação à problemática do TDAH. É impor-tante que se crie um ambiente favorável à aprendizagem do aluno, buscando parceria junto à família do educando de modo a superar as dificuldades.

c) O professor deve promover um ambiente de ensino estruturado, evitando imprevistos e ex-cessos de estímulos. Sua comunicação junto a esses alunos deve ser clara, explicitando as regras e auxiliando-os a se organizar melhor. O ensino deve fundamentar-se em atividades variadas e motivadoras, intercalando-se aquelas atividades que exigem maior concentração e atenção com aquelas de caráter mais espontâneo e lúdico.

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Distúrbios da linguagem: leitura e escrita

Leitura e escrita e suas dificuldadesEstudos na área da neurologia e da psicolinguística têm demonstrado a relação estreita entre os

processos de recepção, integração e expressão da lin-guagem pelo cérebro, bem como suas disfunções tais como desordens da linguagem falada e da linguagem escrita.

A linguagem é um processo complexo que en-volve o ouvir, o falar e o ler.

Conhecendo os processosDe acordo com Fonseca (1995), a leitura é a capacidade de extrair significações de qualquer tipo

de representação visual. A dificuldade de aprender a ler é muito maior do que a dificuldade de apren-der a falar, uma vez que a leitura necessita da apropriação do primeiro sistema simbólico que é a fala. Ou seja, para saber escrever, o indivíduo precisa, antes, dominar a fala com habilidade. O processo de aquisição da leitura envolve duas operações fundamentais: a decodificação e a compreensão.

A decodificação é a capacidade que temos para identificar um símbolo gráfico (letra ou pala-vra) e transformá-lo em som. Ou seja, decodificar é reconhecer os símbolos e saber como “traduzi-los” para a linguagem oral. Já a compreensão é a habilidade de perceber o sentido ou conteúdo da mensagem que está sendo lida. Ocorre que nem tudo que é lido é compreendido.

De acordo com Martins (2003), são três as funções essenciais da leitura:

transformar, converter a linguagem escrita em linguagem oral, ou seja, associar a letra ou palavra escrita aos sons que representa;

compreender o sentido e o conteúdo da mensagem, como quando lemos uma palavra nova e estranha sem compreender o seu significado;

Julgar, analisar o valor da mensagem no contexto sociocultural.

Funções essenciais da leitura

transformar palavras em sons;

compreender esses sons;

julgar o sentido da mensagem.

Isto

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oto.

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Distúrbios da linguagem: leitura e escrita

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Essas três funções diferem quanto ao grau de complexidade da atividade cerebral requerida. As funções mais simples como a de “transformar palavras em sons” e a “compreensão desses sons” compõem aquilo que chamamos de proces-sos cognitivos básicos.

A função mais complexa que é o ato de interpretar o que está sendo lido, é denominada de processo cognitivo superior.

Ambos os processos funcionam de modo interativo e interdependente. No processo de alfabetização é comum que o contato inicial com a leitura seja en-fatizado pelos processos de decodificação. Tão logo essa função já esteja auto-matizada, a criança pode estabelecer relações voltadas mais especificamente à compreensão do texto.

Para que o leitor possa decodificar a palavra é necessário mobilizar habili-dades perceptivas que envolvem a discriminação auditiva e visual, bem como a capacidade de reconhecer o significado da palavra e da mensagem de um texto.

Rotas de desenvolvimentoDe acordo com Martins (2003), são dois os caminhos que levam ao processo

de leitura: a rota fonológica e a rota visual ou direta.

A rota fonológica consiste em dis-criminar os sons correspondentes a cada uma das letras ou grafemas que com-põem a palavra. É por meio dela que po-demos:

identificar as letras por meio da análise visual;

recuperar os sons mediante a consciência fonológica;

pronunciar os sons da fala fazendo uso do léxico auditivo;

chegar ao significado de cada palavra.

A rota visual nos permite reconhecer a palavra globalmente, sem a neces-sidade de termos de pensar separadamente em cada signo que a compõe. É por meio dela que podemos:

analisar globalmente a palavra escrita;

ativar as notações léxicas;

chegar ao significado no léxico interno (vocabulário).

Principais dificuldadesA chegada da criança à escola tem como principal objetivo sua inclusão no

mundo letrado, por meio do qual poderá apropriar-se do conhecimento produzido pela sua cultura para exercer sua cidadania.

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Distúrbios da linguagem: leitura e escrita

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Quando a criança não corresponde à expectativa do que se espera com rela-ção ao seu desenvolvimento, tanto a escola como a família buscam justificar esse fato de diferentes maneiras. Em boa parte dos casos, a culpa recai sobre a criança, por não ter conseguido adequar-se aos métodos educacionais utilizados.

No entanto, as dificuldades de leitura e escrita podem ser motivadas por causas internas e externas à criança.

Entre as causas externas podemos ressaltar:

Orientação pedagógica deficiente – refere-se ao modo como a escola/ professor organiza o processo de ensino-aprendizagem para atender às necessidades do aluno. A leitura e escrita não é um processo mecânico. Condemarín (1989) afirma que um dos fatores prejudiciais ao desenvol-vimento da habilidade de ler e escrever deve-se à ênfase demasiada no aspecto fonético de cada letra, levando o aluno a uma leitura excessiva-mente analítica que limita a compreensão da palavra como um todo. Esse tipo de leitura se dá de forma bastante lenta por ser detalhada, impedindo que se estabeleçam relações significativas entre o texto e seu significado geral.

Problemas de motivação cultural – embora o meio cultural não seja decisivo para a aprendizagem da leitura e escrita, pode influenciar sig-nificativamente seu desenvolvimento por ser um forte potencial moti-vador para a aprendizagem. Quanto maior o contato da criança com os símbolos da escrita, quanto mais experiências desafiadoras seu ambiente proporcionar, melhores serão as chances da criança de desenvolver po-tencialmente a habilidade de ler e escrever.

Tendo visto os aspectos internos que podem vir a comprometer o desen-volvimento das habilidades da linguagem, vejamos agora os internos, ligados à dinâmica e funcionamento cerebrais. Entre estes podemos citar:

Falha no processamento das informações visuais e auditivas no cére-bro – a leitura pressupõe a recepção do estímulo advindo dos sentidos, a integração desse e a expressão da linguagem. Quando essas funções não ocorrem de modo harmônico, podem resultar na dificuldade de leitura e escrita.

Imaturidade psicomotora – o preparo para iniciar a leitura e a escrita depende de uma complexa integração dos processos básicos neurológicos e de um harmonioso desenvolvimento de habilidades básicas como, per-cepção, esquema corporal e lateralidade. Portanto, a habilidade de ler e escrever exige suficiente maturidade dos processos neuro-psicomotores. Se partirmos da premissa de que a criança possui uma visão de acordo com sua idade biológica, podemos supor que ela possui uma “idade visual”. De acordo com Condemarín e Chadwick (1987, p. 19), essa pequena crian-ça é, por natureza, hipermétrope1, pois não pode ver com clareza objetos que são muito pequenos, como uma palavra. Além de seus olhos serem influenciados pela idade biológica, assim o são por sua idade linguística,

1 Hipermetropia: anomalia da refração ocular que se

traduz por dificuldade de en-xergar de perto (HOUAISS, 2007).

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que a torna incapaz de expressar seus pensamentos em frases com palavras próprias, escutar e contar histórias em sequência apropriada, bem como dar identidade verbal aos objetos e símbolos. Vale notar que há aqueles indivíduos que, mesmo que tenham atingido uma idade biológica para que estejam aptos a ler e escrever, ainda não possuem idade linguística sufi-cientemente desenvolvida para desempenharem essas mesmas atividades.

Desenvolvimento deficiente da linguagem – a linguagem oral é um ele-mento importante para a expressão da leitura e escrita. Quando a criança ainda não desenvolveu plenamente sua capacidade de se comunicar com clareza e desenvoltura, apresentando vocabulário e construção sintáxica pobre, sua apropriação da leitura e da escrita tendem também a ser pre-judicadas.

Problemas orgânicos e genéticos – problemas de saúde ou deficiências sensoriais (auditiva e visual) não são responsáveis diretos por uma alte-ração na aprendizagem da leitura e da escrita, mas podem influenciá-la. Por exemplo, o afastamento de um aluno do seu ambiente escolar por motivo de doença pode afetar o desenvolvimento dessa criança. Sabe-se que a utilização de alguns medicamentos interfere no organismo ou no funcionamento do sistema nervoso central. Além do uso de remédios, outros fatores a interferir no desenvolvimento das habilidades linguísti-cas são a desnutrição e a falta de visão ou audição.

O que torna uma leitura compreensível é o fato de que, ao ler, deciframos o código da escrita, reconhecemos o significado de cada palavra, relacionamos e atribuímos um sentido ao texto. Isso não acontece, por exemplo, quando lemos um texto recheado de termos técnicos cujo significado desconhecemos, tornando a leitura lenta, desinteressante e sem sentido. É o que ocorre, por exemplo, com indivíduos que possuem dislexia. As crianças disléxicas não leem bem, e devem sentir-se exatamente como nos sentiríamos ao ler um texto muito complexo ou escrito numa língua que não dominamos.

É sobre esse distúrbio neurológico que nos deteremos na sequência desse estudo.

Dislexia: distúrbio de leitura e escritaPara abordarmos o conceito de dislexia é necessário desconsideramos qual-

quer interpretação que limite o problema da leitura/escrita somente como respon-sabilidade da criança.

A dislexia é uma disfunção neurológica decorrente de aspectos funcionais do cérebro e se constitui numa dificuldade de aprendizagem e não em uma inca-pacidade. Deve ser vista como um problema social, econômico e cultural, uma vez que a aprendizagem da leitura e escrita deve ser possibilitada a todas as pes-soas, independentemente das suas condições neurológicas.

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Dislexia e sua relação com o cérebroPara melhor compreendermos a dislexia, vamos entender como as funções

cerebrais se organizam para processar a leitura.

Como sabemos, nosso cérebro é dividido em dois hemisférios, o direito e o esquerdo, e possui diferentes áreas que exercem funções específicas. No hemis-fério esquerdo, encontram-se regiões diretamente relacionadas à linguagem, que são responsáveis por processar os fonemas, analisar e reconhecer as palavras. As regiões cerebrais trabalham de forma integrada.

Uma criança aprende a ler à medida que passa a reconhecer e processar fonemas, relacionando as letras e seus sons, integrando-os às suas experiências de linguagem.

À medida que a criança passa a ler com mais facilidade, outra parte do seu cérebro encarrega-se de construir uma memória permanente, economizando seus esforços na leitura de palavras familiares e assim, gradativamente, o processo de leitura passa a exigir menos esforço da criança.

Na criança disléxica, as conexões cerebrais são falhas nas áreas responsá-veis pela recepção, integração e expressão dos estímulos visuais (letras) e audi-tivos (som representado por cada letra). Dessa forma, o disléxico apresenta uma dificuldade com a memória visual e/ou auditiva, o que lhe dificulta ou lhe impede de automatizar a leitura e a escrita. A leitura se torna um grande esforço, pois toda palavra que ela lê aparenta ser nova e desconhecida.

Caracterizando a dislexiaSegundo Fonseca (1995), a dislexia caracteriza-se por um distúrbio na re-

cepção, integração e expressão da linguagem, ou ainda, uma dificuldade mani-festa no momento em que se dá a aprendizagem da leitura. Esse distúrbio ocorre independentemente da ocorrência de deficiências mentais, sensoriais ou de dis-túrbios emocionais. O meio social e cultural tampouco influi sobre a ocorrência desse quadro.

Pode-se afirmar, portanto, que a dislexia ocorre mesmo que o indivíduo esteja suficientemente apto à aprendizagem. Ele possui dificuldades para ler, em-bora compreenda e empregue a linguagem corretamente.

Apesar de a dislexia ser um distúrbio de leitura, nem toda pessoa que apre-senta dificuldades para desempenhar essa atividade pode ser considerada dislé-xica. Antes desse diagnóstico, é importante uma avaliação cuidadosa de todos os aspectos que influenciam o processo de aquisição da leitura e escrita para não corrermos o risco de subestimar as necessidades específicas do aluno.

Embora a dislexia seja uma desordem que se identifica mais facilmente du-rante o desenvolvimento da leitura e da escrita, há alguns de seus indícios que se manifestam anteriormente ao desenvolvimento das habilidades linguísticas. Detectá-los de antemão pode auxiliar na resolução de dificuldades futuras.

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Convém ressaltar que as crianças disléxicas podem apresentar diferentes combinações de sintomas e em diversos níveis de intensidade. De acordo com Condemarín (1989, p. 55), observar atentamente o modo como uma criança lê pode também apontar alguns indicadores de dislexia. São eles:

se a criança movimenta os lábios ou murmura ao ler; se movimenta a cabeça ao longo da linha; se é mais lenta ao ler oralmente do que na leitura silenciosa; se utiliza o dedo como recurso para não perder a linha do texto; se faz excessivas fixações do olho ao longo da linha impressa; se de demonstra excessiva tensão ao ler; se realiza excessivos retrocessos da vista ao ler.

Para observar os movimentos dos olhos da criança relatados nos dois últi-mos itens, o professor pode colocar um espelho sobre o lado oposto da página que a criança está lendo.

As dificuldades relacionadas à dislexia podem ser classificadas em auditi-vas ou visuais. Vejamos a caracterização apresentada por Fonseca (1995).

Tipos de dificuldades auditivas trocas de fonemas (sons) e grafemas (le-

tras) diferentes, como: moto por “modo”, pato por “bato”;

dificuldades no reconhecimento e na lei-tura de palavras que não tem significado conhecido;

alterações na ordem das letras e sílabas, como: azedo escrito “adezo”;

omissões e acréscimos, como: escola/ “ecola”; nem/ “neim”;

dificuldade de memorização auditiva;

dificuldade na compreensão de palavras;

dificuldade na discriminação ou identificação de sons familiares;

dificuldade em responder à linguagem falada manifestas, por exemplo, em não saber como seguir orientações espaciais;

não relaciona a comunicação com a experiência concreta;

não identifica animais ou pessoas retratadas em imagens;

dificuldades na articulação de sons, como: não repetir corretamente duas ou três palavras;

dificuldade em usar verbos e preposições;

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oto.

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Distúrbios da linguagem: leitura e escrita

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vocabulário pobre, com expressões incorretas e, muitas vezes, incompletas;

não retém sequências de três palavras, nem as reproduz oralmente pela mesma ordem. Exemplo: na sequência de palavras como não/pão/cão pode-se reproduzir “pão/cão/não”, pois possui dificuldade ordenar pala-vras semelhantes no aspecto auditivo.

Tipos de dificuldades visuais dificuldade em perceber imagens;

dificuldade em fixar o olhar. Exemplo: não consegue focalizar um aspecto es-pecífico de uma imagem ou desenho;

dificuldade nas relações espaciais. Exemplo: diferenciar perto/longe, alto/baixo, em cima/em baixo, esquerda/di-reita etc;

discriminar formas, tamanhos e cores;

dificuldade em copiar/reproduzir dese-nhos geométricos;

dificuldade na percepção do todo da palavra, bem como de seu significado;

dificuldade na coordenação visual e motora. Exemplo: não visualiza cog-nitivamente o fonema;

dificuldade na análise e síntese de fonemas;

leitura silábica, sem conseguir a síntese das palavras. Exemplo: comigo/ “com – migo”, fazer isso/ “fazerisso”, enquanto/ “em – quanto”.

De acordo com Fonseca (1995), é possível a utilização de algumas estraté-gias educacionais para o trabalho junto ao aluno com dislexia visual ou auditiva.

Escrita do aluno disléxicoAs principais distorções e erros de leitura em crianças dislexas, de acordo

com Condemarín (1989) são:

confusão entre letras, sílabas ou palavras com diferenças sutis de grafia. Exemplo: a–o / c–o / e–c / f–t / h–n / i–j / m–n / w–u;

confusão entre letras, sílabas ou palavras com grafia similar, mas com diferente orientação no espaço. Exemplo: b–d / p–b / b–q / d–b / d–p / d–q / n–u / w–m / a–e;

confusão entre letras que possuem um ponto de articulação comum cujos sons são acusticamente próximos. Exemplo: d–t / j–x / c–g / b–p / v–f;

inversões parciais ou totais de sílabas ou palavras. Exemplo: me – em / sol – los / som – mos / sal – lãs / pal – pla;

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Distúrbios da linguagem: leitura e escrita

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Substituição de palavras por outras de estrutura mais ou menos simi-lar ou criação de palavras, porém com diferentes significados. Exemplo: soltou – salvou / era – ficava;

Adição ou omissões de sons, sílabas ou palavras. Exemplo: famosos/ “fama”;

Repetições de sílabas, palavras ou frases. Exemplo: Um lindo dia para passear / “um lindo lindo dia para papassear”.

Estratégias pedagógicasEstratégias junto ao aluno com dislexia auditiva

Desenvolver a correspondência entre visão e audição.

Utilizar métodos visuais e globais com o recurso de imagens.

Utilizar frases simples.

Refinar as aquisições auditivas por meio de atividades de discriminação de sons e sequências auditivas.

Atividades de imitação e agrupamento de sons.

Análise de sons com reforço visual.

Utilização de recursos apalpáveis. Exem-plo: letras móveis.

Utilizar a leitura silenciosa.

Estratégias junto ao aluno com dislexia visual Utilizar métodos analíticos e métodos fônicos.

Relacionar letras com sons singulares.

Utilizar palavras com a mesma configuração.

Auxiliar o aluno a identificar sons verbais e não verbais.

Utilizar materiais concretos para auxiliar a formação da imagem visual.

Utilizar recursos que permitam que o aluno identifique aspectos de uma figura.

Elaborar sequências de estruturas de palavras.

É importante ressaltar que a criança pode apresentar dificuldade em um plano visual, auditivo ou em ambos. Cabe ao professor identificar essa dificuldade e definir a melhor forma de promover os avanços do aluno quanto à decodificação e compreensão das palavras escritas.

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Mesmo que a dislexia não seja superada, é importante que a escola conti-nue adequando suas estratégias para atender a necessidade da criança disléxica que tem direitos assegurados por lei. Pessoas disléxicas podem, por exemplo, pedir para substituir as provas escritas por orais, solicitar mais tempo para a realização de provas escritas ou ainda utilizar uma calculadora nas avaliações.

O professor, por sua vez, pode auxiliar o aluno com iniciativas simples, po-rém, muito válidas, como:

dar apoio individualizado ao aluno, sempre que for necessário;

fornecer ao aluno um breve resumo do conteúdo a ser discutido na aula, pois a criança disléxica pode apresentar dificuldades na cópia da lousa;

sempre que possível, iniciar a aula apresentando um esquema com os objetivos e assuntos do dia;

diversificar a utilização de recursos, quanto maior o contato com expe-riências multissensoriais um maior número de áreas cerebrais são ativa-das, favorecendo assim a aprendizagem;

evitar explicações orais e escritas ao mesmo tempo;

favorecer uma dinâmica de trabalhos em grupo;

explicitar ao aluno os objetivos e critérios de avaliação;

discutir e definir junto ao aluno quanto ao melhor instrumento de ava-liação, de modo que possa realizar provas orais, trabalhos feitos em casa etc;

permitir que o aluno utilize tabuadas e calculadoras durante as avaliações;

aumentar o limite de tempo para o aluno realizar a prova;

ler a avaliação junto ao aluno para que ele se familiarize com o conteúdo e questões formuladas;

maior a possibilidade de assimilação o número de relações entre as áreas cerebrais no momento em que a aprendizagem for necessária.

Implicações sociais do iletramentoPara Fonseca (1995), não saber ler numa sociedade letrada representa um

grande estigma social, posto que sem essa habilidade o indivíduo é posto à margem não só dos meios de comunicação impressos, mas de todo um universo de símbolos que são usados cotidianamente para orientarem as pessoas, como as placas de ôni-bus e das ruas, receitas de bolo, bulas de remédio, contas domésticas, entre outros.

Por isso, costuma-se afirmar que os iletrados – ou seja, aqueles que não leem e/ou não escrevem – ficam condenados à ignorância, à pobreza, à exclusão e,

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Distúrbios da linguagem: leitura e escrita

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até mesmo, à manipulação social. A sociedade exclui aqueles que não dominam sua lingua-gem, ou propriamente, seu sistema simbólico--linguístico e essa exclusão só tende a perpe-tuar a desigualdade de nosso país, confinando o domínio da linguagem aos cuidados de uma minoria.

Segundo dados do PNUD – Programa nas Nações Unidas para o Desenvolvimento (2007), o analfabetismo no Brasil é altíssimo. Entre as pessoas iletradas com mais de 25 anos, têm-se 16,04% da população; entre as crianças de 7 a 14 anos, têm-se 25%; e, entre os adolescentes e jovens, têm-se 5,88%. Todos

esses índices juntos apontam que 12,36% dos brasileiros são analfabetos, por não saberem ler, escrever e/ou compreender a língua portuguesa.

Os educadores, sejam alfabetizadores ou não, têm o grande desafio de opor-tunizar ao aluno, que, por meio do acesso à escrita, também realize a leitura de mundo.

As dificuldades do disléxico na decodificação da escrita não podem servir de justificativa para seu iletramento, bem como empecilho à sua formação como leitor crítico e cidadão participativo na sociedade.

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1. O texto abaixo foi escrito por uma criança disléxica. Apresente três indícios de dislexia discuti-das nesta aula que estão evidenciados na escrita dessa criança.

(Ditado: Era um lindo dia de sol. Sabrina estava resfriada e ficou muito triste pois não podia brincar na piscina e nem tomar sorvete) – Felipe, 10 anos.

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2. Discuta com seu grupo de que forma o professor pode contribuir para auxiliar o aluno com dislexia. Apresente cinco sugestões.

CONDEMARÍN, Mabel; BLOMQUIST, Marlys. Dislexia: manual de leitura corretiva, 1989.

Esse livro, além de discutir as características fundamentais da dislexia, fornece aos educadores subsídios teórico-metodológicos para a prática pedagógica junto a alunos disléxicos.

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Distúrbios da linguagem: leitura e escrita

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1. Omissão de letras (exemplo: lindo por lido, sorvete por solte); trocas fonéticas do “t” por “d” (exemplo: muito por udo) ; não representa as letras “b” e “m” no texto (exemplo: Sabrina/Sarina, brincar/rica, muito/outo, tomar/toto).

2. O professor deve utilizar estratégias variadas para a consolidação dos signos da escrita por meio de recursos multissensoriais e concretos, como letras móveis, associação entre palavras e seus significados com imagens, sons e experiências que sejam significativas para o aluno. O profes-sor também pode auxiliar o aluno reduzindo a quantidade de leituras e elaboração de textos, ou substituindo tais atividades por outras que envolvam diferentes habilidades. Deve também promover a cooperação por meio de atividades em grupo de modo que o aluno possa participar e interagir durante a aula; permitir que esse aluno utilize recursos auxiliares como calculadora, gravador e tabuadas; fornecer um tempo maior quando for realizar atividades que envolvam a leitura e a escrita.

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Bases psicomotoras da aprendizagem e seus distúrbios

Introdução à psicomotricidadeObservemos uma criança de dois anos enquanto brinca com um jogo de encaixe. A criança

segura uma das peças com as mãos e tenta encaixá-la numa base perfurada com formas geométricas. Ela não consegue encontrar a posição do objeto, tampouco o buraco que proporcionará seu encaixe perfeito ao suporte. Ao mesmo tempo em que realiza esse exercício, a criança está se apropriando

das características daqueles objetos, como a textura, cores e formas. Per-cebe, então, que as peças retas não poderão ser encaixadas com sucesso nas perfurações arredondadas, ini-ciando outras tentativas até conse-guir. Uma música toca e então ela se levanta e começa a dançar. Seu corpo não obedece harmoniosamente aos movimentos que pretende executar e, então, perde o equilíbrio e cai. Le-vanta-se e cai de propósito por várias vezes, em posições diferentes como uma forma de se divertir. Levanta-se

e tenta se apoiar sobre uma das pernas girando. Desequilibra-se e cai batendo a boca no sofá. Chora buscando o consolo da mãe que está na cozinha.

Dessa cena podemos concluir que a partir de uma experiência simples, de origem motora (cor-poral), a criança vai se apropriando da experiência, incorporando significados, operando com ex-periências anteriores para a resolução de problemas, abstraindo as características dos objetos, suas relações e modificando seu meio. É a partir dessas experiências corporais que a criança vai se desen-volvendo cognitivamente, ou seja, vai ampliando sua capacidade de raciocinar sobre as coisas, cons-truindo assim sua inteligência.

Ao nascer, o único recurso que a criança possui para comunicar seus sentimentos e necessidades é o próprio corpo, pois ainda não tem desenvolvida sua linguagem oral e, nem mesmo, possui estru-tura cognitiva que lhe permita elaborar de modo mais racional suas frustrações. Assim, ela comunica seus afetos e desafetos por meio do corpo, sempre demonstrando suas emoções de modo intenso.

A partir das sensações corporais possibilitadas pela interação com o mundo que o rodeia, o bebê vai descobrindo que possui um corpo, suas dimensões, limites e possibilidades. Aos poucos, os

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Bases psicomotoras da aprendizagem e seus distúrbios

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estímulos físicos e afetivos do meio desafiam-no a se relacionar com os objetos de modo intencional, pegando, observando, batendo e mordendo. Os estímulos afetivos presentes na relação com a mãe e pessoas próximas permitem àquela criança interpretar o significado de suas ações e comunicá-las. Com a aquisição da linguagem, a criança vai, aos poucos, aprendendo a comunicar suas emoções e necessidades gradativamente, não mais precisando recorrer aos gestos para se fazer entender.

Quanto menor for a criança, mais afetiva é a sua forma de se comunicar com o mundo, instigada por sua inteligência. Portanto, a função motora, o desenvolvi-mento intelectual e o desenvolvimento afetivo estão intimamente ligados.

O comportamento físico da criança expressa, uma a uma, suas dificuldades intelectuais e emocionais. Por exemplo, uma criança pode não ter noções de me-dida, que são padrões cognitivos, e então recorrer aos gestos para indicar o tama-nho do brinquedo que ganhou, tais como pulos e gritos que indiciam seu estado afetivo, de felicidade porque ganhou o presente.

Por isso, podemos dizer que desenvolvimento afetivo, cognitivo e motor encontram-se intimamente relacionados, constituindo a psicomotricidade do indivíduo.

De acordo com Ajuriaguerra e Marcelli (1991), a psicomotricidade é a realização do pensamento por meio do ato motor preciso, econô-mico e harmonioso. Ou seja, é a relação entre o pensamento-ação, envolvendo a emoção. Assim, é a partir do suporte motor que a inteligência se desenvolve e é por meio do corpo que a criança acessa os símbolos e o raciocínio abstrato, essenciais às diferentes aprendi-zagens propiciadas na escola.

Elementos do desenvolvimento psicomotor

Como vimos, a criança comunica-se com o mundo predominantemente por meio das experiências corporais. Portanto, as atividades motoras desempenham um importante papel em muitas das operações intelectuais. Durante os três pri-meiros anos de vida, a inteligência é função imediata do desenvolvimento neu-romuscular e somente mais tarde essa associação vai sendo rompida. Ou seja, a criança possui um tipo de inteligência prática, pois consegue raciocinar apenas a partir do que está experimentando, na sua ação sobre o mundo. Somente depois o pensamento se libertará da ação, transitando entre passado e futuro, permitindo assim que a criança pense sobre fatos ocorridos, utilize experiências anteriores na resolução de problemas futuros, ou planeje uma ação de modo independente.

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Bases psicomotoras da aprendizagem e seus distúrbios

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É importante que o professor conheça os principais aspectos do desenvolvi-mento psicomotor próprios de cada faixa etária, para identificar o que é conside-rado normal e patológico no desenvolvimento de cada indivíduo.

O corpo é um dos principais meios que permitem ao professor identificar, por exemplo, o estado afetivo em que se encontram seus alunos. Uma criança pe-quena com passos indecisos e inseguros demonstra que ainda tem conquistas psi-comotoras a atingir devido a sua maturação neurológica. No entanto, essa mesma característica, quando observada numa criança maior, pode expressar uma condi-ção de insegurança afetiva. Do mesmo modo, um atraso generalizado no desen-volvimento psicomotor pode indicar dificuldades cognitivas. A psicomotricidade abrangre alguns elementos distintos que se integram na relação da criança com o mundo físico e social. São eles: esquema corporal, lateralidade, estruturação espacial, estruturação temporal, equilíbrio tônico-postural e coordenação motora. Vejamos cada um, separadamente.

Esquema corporalO esquema corporal é um elemento básico indispensável para a formação

da personalidade. Refere-se ao modo como a criança percebe o seu próprio cor-po. No início, essa percepção é difusa. O bebê, ao nascer, sequer sabe que possui um corpo. Com o passar dos meses, gradativamente, ele vai adquirindo a noção corporal, por meio das experiências sensoriais internas – dor e fome, por exemplo – e das experiências externas, como as diferentes posições no colo do adulto. Ex-perimentando o mundo que o rodeia, o pequeno ser percebe as dimensões de seu corpo, os limites de sua ação e as possibilidades de operar sobre o mundo.

O esquema corporal envolve o domínio do movimento e o conhecimento das dimen-sões, possibilidades e limites do próprio cor-po. Uma criança que corre durante o recreio e, involuntariamente, choca-se várias vezes contra seus companheiros, ainda não domina bem o seu corpo. Outro exemplo é o daque-la criança que ao tentar passar por baixo de um obstáculo esquece-se de dobrar as pernas batendo a cabeça, fato que demonstra que ela ainda não conhece as dimensões do seu corpo. Dessa forma, podemos definir quatro etapas do desenvolvimento do esquema corporal:

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Corpo vivido – a criança percebe o seu corpo globalmente a partir das sensações possibilitadas pela exploração do ambiente.

Conhecimento das partes do corpo – é a tomada de consciência de cada segmento corporal, sua funcionalidade e seus nomes.

Orientação espaço-corporal – é uma atividade sensorial mais elabora-da. Refere-se à consciência da posição que o corpo ocupa no espaço.

Organização espaço-corporal – após conhecer as partes do corpo, a disposição e as possibilidades dele, a criança poderá adaptar melhor os seus movimentos ao objetivo a ser alcançado.

LateralidadeÉ o uso preferente que as pessoas fazem de uma das duas partes de seu

corpo. Porém, não há destros absolutos, nem canhotos totais. A dominância ou preferência lateral é definida durante o crescimento do indivíduo e determina qual lado do corpo será mais forte e mais ágil, seja ele o esquerdo ou o direito.

Para ter uma lateralidade bem definida, ao longo de seu desenvolvimento o indivíduo precisa compreender que os membros do corpo não reagem da mesma forma. Exemplo: ao pular com o pé esquerdo e depois com o pé direito, certa criança perceberá que a reação corporal não foi a mesma.

A preferência lateral é definida por dados neurológicos, mas não pode-mos negar também a influência do meio sociocultural, uma vez que vivemos num mundo feito praticamente para destros, tendo em vista o exemplo das carteiras escolares e tesouras. Uma coisa é certa: cada um de nós tem como dominante uma das mãos, um dos pés e um dos olhos, membros e órgãos com os quais desempe-nhamos melhor nossas funções.

Quando a lateralidade não está bem definida, podem ocorrer dificuldades na aprendizagem da criança, mas é importante não confundirmos dominância lateral com o conhecimento do que é esquerda e direita. Uma criança pode ser ensinada a distinguir que a direita corresponde ao lado da mão que usa para escrever, mas tem dificuldade em transpor esse conhecimento para outras situações, pois não perce-be claramente a sua preferência lateral. Portanto, ensinar “direita-esquerda” para a criança exige antes tudo que ela desenvolva a consciência sobre sua lateralidade.

Estruturação espacialÉ a capacidade de estruturar o mundo exterior em relação ao próprio cor-

po e, posteriormente, também estruturar a própria percepção da posição dos objetos entre si.

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Isso implica em localizar objetos, perceber a velocidade de deslocamento de si e do que está em volta, assim como a trajetória dos próprios movimentos. Essa capacidade de localização possibilita antecipar o ponto do espaço que será ocupado pelo próprio corpo ou por outro objeto móvel alguns segundos à frente. Essa capacidade permite que o indivíduo regule seus deslocamentos em função de seus objetivos.

Podemos dizer então que a estruturação espacial envolve a relação corpo- -espaço-tempo. A partir dela a criança vai construindo, processualmente, os concei-tos de localização espacial: embaixo, em cima, ao lado, frente, atrás, entre, após etc.

Processualmente, a criança estrutura seu espaço a partir de suas experi-ências cotidianas, obtidas por meio de suas atitudes, como correr, reconhecer seus próprios brinquedos e relacioná-los, brincar com seus colegas, entre outras. Podemos afirmar, portanto, que a integração de informações visuais, auditivas, tátil-cinestésicas aliada a uma observação cuidadosa do ambiente, possibilitam à criança desenvolver sua estruturação espacial. Vale notar, no entanto, que essa es-truturação exige também um amplo desenvolvimento do esquema corporal, fun-damental para a adequação de todos os movimentos de deslocamentos no espaço. Vejamos quais são as quatro etapas que proporcionam a estruturação espacial de modo integral:

Quatro etapas da estruturação espacial do indivíduo Conhecimento das noções espaciais – momento em que se desen-

volve a percepção das formas, tamanhos, quantidades.

Orientação espacial – etapa em que desenvolve o conhecimento das posições e orientações dos objetos em relação ao seu corpo bem como a outros objetos.

Organização espacial – fase de desenvolvimento da capacidade de combinar diversas situações e orientações no espaço. Exemplo: jogo do circuito em que a criança deve locomover-se no espaço tentando encontrar o caminho que leva ao objetivo.

Compreensão das relações espaciais – momento em que se desen-volve a capacidade de raciocinar sobre um determinado espaço, ante-vendo seus elementos. Nessa fase, a criança também consegue perce-ber a relação entre o todo (físico-espacial) e suas partes.

Estruturação temporalA estruturação temporal é a capacidade de se situar mentalmente no pre-

sente, passado e futuro de forma precisa.

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Muitas de nossas ações dependem de sabermos nos localizar temporalmen-te. Termos como “antes”, “depois”, “ontem”, “hora”, “mês”, “durante”, “rápido”, “devagar” são indícios de estruturação temporal. Para a criança, por sua vez, es-sas noções ainda são muito abstratas e por vezes difíceis de serem assimiladas. Por isso, é importante que tais noções sejam ensinadas às crianças, instigando-as a utilizarem os termos de estruturação temporal em seu dia a dia. A construção da orientação temporal se dá a partir de quatro etapas.

Quatro etapas da estruturação temporal do indivíduo Ordem e sucessão – momento em que se estabelece a percepção tem-

poral da criança ou, em outras palavras, do conhecimento do que vem antes e depois, da ordem em que os fatos aconteceram, ou ainda, do que vem primeiro e por último;

Duração dos intervalos – é a percepção do que se passa devagar e depressa; ou que dura muito e pouco; a diferença entre dia e hora, do efêmero e do permanente;

Renovação cíclica de certos períodos – é a compreensão de que os dias, meses, semanas, estações do ano se renovam em ciclos. Exemplo: noção de que ao terminar o mês, começa-se a contar novamente os dias; ou que um dia inicia-se com a manhã, passando à tarde e terminando com a noite para que comece tudo novamente no dia seguinte;

Ritmo – é relação entre as noções de ordem, sucessão e alternância. Exemplo: reproduzir estruturas rítmicas a partir de uma música.

Equilíbrio tônico-posturalÉ a capacidade de manter uma postura adequada, tanto em movimento

como em repouso. Para que a postura seja adequada, é importante que a posição e o alinhamento das partes do corpo não exijam esforço ou tensões desnecessárias. Uma criança que se senta de forma incorreta na carteira, concentrando o peso so-bre um dos braços, por exemplo, apresenta uma falta de equilíbrio na organização dos segmentos do corpo bem como na tensão muscular, sobrecarregando mais uma parte do corpo, dificultando assim a realização do movimento da escrita.

O equilíbrio tônico-postural depende de diferentes variáveis, que podem ser de natureza constitucional (predisposições genéticas) ou circunstancial (estado nutricional, contexto de relações sociais, momento específico do desenvolvimento etc.) Assim, é presumível que uma criança pequena ainda tenha dificuldade de manter uma postura equilibrada. Ao mesmo tempo, o tônus muscular reflete cla-ramente a dimensão afetiva da pessoa. É comum identificarmos, por exemplo, quando uma pessoa está triste devido à sua postura cabisbaixa, sem energia nos movimentos.

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Coordenação motoraA coordenação motora é a capacidade de realizar um movimento ou uma

sequência de movimentos com eficiência e economia de esforço. Apresenta quatro aspectos distintos:

Coordenação dinâmica geral – refere-se aos movimentos do corpo durante a locomoção, que não precisam ser guiados necessariamente pela visão. Exemplo: cruzar os braços, trocar a marcha do carro.

Coordenação visual e motora – refere-se aos movimentos que são guiados pela visão, envolvendo a orientação espaçotemporal e o es-quema corporal. Exemplo: lançar uma bola visando ao gol.

Coordenação óculomanual – é a forma específica de coordenação visual e motora, presente nas atividades manuais. Exemplo: escrever, pintar, desenhar etc.

Coordenação motora fina – é a habilidade de realizar movimentos finos com as mãos. Todo movimento das mãos, que pode ou não ser guiado pelos olhos. Exemplo: escrever, bordar, tocar piano.

A coordenação motora é um elemento básico à escrita, juntamente com a estrutu-ração espacial e a orientação temporal.

O ato de escrever exige da criança a conquista da coordenação motora fina, no entanto, requer também o desenvolvimento de uma boa coordenação óculo-manual, de modo que a criança possa perceber os espa-ços da folha, as pautas, as margens e guiar os movimentos da escrita adequadamente.

Psicomotricidade e aprendizagemO modo como se desenvolvem os elementos da psicomotricidade na criança

é fundamental para as aprendizagens escolares.

Como vimos, as crianças não nascem com noções prontas e definidas acerca do esquema corporal, do espaço e do tempo. No entanto, sabemos o quanto essas noções são fundamentais ao trabalho desenvolvido na escola. Por isso, é de fun-damental importância que se proporcione o desenvolvimento psicomotor durante período que antecede o da vida escolar da criança.

Por esse motivo muitas das crianças que apresentam dificuldades de apren-dizagem possivelmente não tiveram chances suficientes para desenvolver sua psi-comotricidade em casa, quando pequenas. Nessas crianças, cujo esquema corpo-

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e.

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ral está mal constituído, os gestos são menos coordenados, sua escrita pode ser lenta, além de apresentar problemas de ritmo na leitura.

Uma criança com problemas de lateralidade, devido à indefinição da sua dominância lateral, pode apresentar dificuldade na orientação da escrita (da es-querda para a direita) e uma criança com problemas de orientação espacial pode apresentar dificuldades em distinguir as diferentes posições entre as letras, con-fundindo-as.

Partindo da premissa de que a criança aprende com o corpo, é fundamental que a escola crie ambientes e situações lúdicas que propiciem aos seus alunos experiências de âmbito corporal, fato que lhes favorecerá a aprendizagem de con-teúdos abstratos em idade mais madura.

A escola não deve ensinar apenas conceitos, tampouco a mecânica realiza-ção de exercícios com o corpo. Deve antes, visar fornecer ao aluno subsídios para compreender e perceber seu corpo, de modo a construir na criança a consciência do próprio eu físico-corporal, de suas possibilidades e limitações.

Distúrbios e perturbações psicomotores: o que são?

Os distúrbios psicomotores correspondem às dificuldades na execução de movimentos e na percepção do próprio corpo, do espaço, da postura do corpo e do tempo.

Os distúrbios psicomotores geram dificuldades para a criança ao se integrar ao meio, dificultando sua compreensão quanto aos conceitos considerados ne-cessários à aprendizagem escolar. Esses obstáculos resultam em uma posição de desigualdade da criança com relação ao grupo em que se insere, fato responsável por algumas consequências negativas facilmente observáveis na conduta infantil, tais como ansiedade, tensão, insegurança e, consequentemente, problemas emo-cionais que podem interferir nas suas atividades intelectuais e na sua adaptação socioafetiva.

As crianças que apresentam distúrbios psicomotores podem apresentar al-gumas das características apresentadas a seguir:

problemas no equilíbrio do corpo;

dificuldade de pular corda;

dificuldade de andar de bicicleta;

dificuldade em se orientar no espaço;

movimentos desajeitados para a idade;

dificuldades na execução dos movimentos finos, em especial da escrita

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(tais como o de não respeitar a linha do caderno, letra visivelmente irre-gular com traçado muito forte/fraco, dificuldade em recortar com preci-são, dificuldade em respeitar os limites do traçado do desenho ao pintar, letra muito grande/pequena, dificuldade em segurar o lápis para a escrita, dificuldade em montar o jogo de encaixe1.

É comum a incidência de alunos com distúrbios psicomotores. Embora apa-rentemente normais essas crianças podem apresentar dificuldades para aprender.

Não é necessária a presença de uma lesão cerebral para que o distúrbio se instale. Ele pode se originar de uma disfunção cerebral mínima, de um problema físico, emocional e ainda da falta de estímulos.

Perturbações psicomotoras Atraso no desenvolvimento psicomotor – a criança não é capaz de exe-

cutar movimentos próprios para crianças de sua idade. Pode ser ocasio-nado por deficiência mental ou por questões emocionais.

Perturbações do equilíbrio – a criança tem um andar desajeitado, cai com frequência, choca-se com objetos e com outras crianças, corre com o tronco do corpo voltado para frente.

Perturbações da coordenação – a criança é desajeitada, faltando har-monia em seus gestos, normalmente é lenta, tem dificuldade com recor-tes, em respeitar os limites das linhas e páginas ao escrever.

Perturbações do esquema corporal – são perturbações de origem afeti-va e estão relacionadas ao modo como a criança vê a si mesma. A crian-ça não conhece as partes do seu corpo, não situa bem o seu corpo em relação ao meio, seus gestos não são harmônicos, não coordena bem os movimentos.

Perturbações da lateralidade – a criança não define claramente quais as preferências laterais do pé, mão e olho, podendo apresentar uma late-ralidade cruzada. Fica em dúvida sobre qual mão escolher. Utiliza força com uma mão e precisão com outra.

Perturbações da estrutura espacial – dificuldade em compreender os termos espaciais (dentro, fora, perto, longe, em cima, embaixo etc.). É desorientada, perde-se facilmente, tem dificuldade em distinguir posições espaciais, por exemplo: pode confundir d com b, pois são letras pareci-das e que estão espacialmente postas de modo diferente. Pode apresentar ainda dificuldade em organizar-se no tempo.

Perturbações do grafismo – dificuldade na coordenação motora, traça-do irregular, rígido.

Perturbações afetivas – dificuldade da criança em expressar seus dese-jos e sentimentos e em realizar trocas afetivas.

1 Jogo composto de peças que se encaixam. Podem

ser de natureza pedagógica e centrado em objetivos especí-ficos, como encaixar formas geométricas em uma superfí-cie perfurada ou de natureza lúdica, como no caso da mon-tagem livre de formas variadas como no caso do jogo de lego.

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Distúrbios psicomotoresVale destacarmos a distinção entre os distúrbios e as perturbações. Os dis-

túrbios correspondem a um conjunto de disfunções enquanto que as perturbações referem-se à dificuldade expressada em uma área psicomotora específica.

Vejamos agora alguns distúrbios psicomotores, de acordo com Ajuriaguerra e Marcelli (1986):

Disgrafia – caracteriza-se por uma inabilidade da escrita manual, as le-tras podem ser mal grafadas, borradas ou incompletas sem que haja im-plicação de nenhum déficit neurológico.

Estudos sobre a disgrafia demonstram que ela frequentemente está asso-ciada a outras dificuldades, tais como problemas de organização moto-ra, espaçotemporal, perturbações da linguagem e da leitura e distúrbios afetivos.

Debilidade motora – caracteriza-se pela associação dos seguintes sinto-mas:

a persistência de certa rigidez muscular, que pode aparecer nas quatro extremidades do corpo ou somente em duas. Quando a criança cami-nha ou corre, os braços e as pernas se movimentam mal e rigidamente. Isso faz com que apresente uma deselegância geral na posição estática ou em movimento. A qualquer solicitação, interna ou externa, a rigi-dez aumenta;

a impossibilidade ou extrema dificuldade em obter um relaxamento muscular ativo. Por exemplo: ao balançar o corpo de uma criança de um lado para o outro a segurando pelos ombros, o movimento dos braços na criança normal é livre e amplo; a criança com debilida-de psicomotora apresenta-o muito limitado, como se os braços esti-vessem bloqueados. O mesmo ocorrerá se levantarmos os braços das crianças até a altura dos ombros e os largarmos livremente;

a realização de movimentos desnecessários. Ou seja, quando se co-loca um objeto numa das mãos da criança com debilidade motora e pede-se a ela que o aperte fortemente, sua mão oposta também se fechará. Outro teste é pedir-lhe que fique sobre um só pé, o que para ela é impossível.

Em geral, as crianças com debilidade psicomotora apresentam:

distúrbios de linguagem (articulação, ritmo e simbolização);

hábitos manipuladores: enrolar o cabelo, chupar os dedos;

tremores na língua, nos lábios ou nas pálpebras, bem como nos dedos;

aparenta esforço exagerado na realização de uma determinada ativi-dade motora, por exemplo: aperta demais o lápis com os dedos ou sobre o caderno;

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de disciplina difícil, pois podem parecer mais imaturas e com capaci-dade reduzida de controlar-se em função das exigências do meio;

atenção deficiente e coordenação motora pobre;

dificuldade de realizar movimentos finos;

afetividade e intelectualidade comprometidas2;

sonolência maior que a de outras crianças;

enurese3 noturna e até diurna por muitos anos;

isolamento social e crises de teimosia ou ansiedade ao enfrentarem situações difíceis;

dificuldade na aprendizagem da leitura, escrita e aritmética.

Dispraxias – caracterizam-se pela existência de perturbações profundas na organização do esquema corporal e na representação espaçotemporal. A criança possui uma dificuldade intensa em identificar as partes do cor-po e nomeá-las, muito embora não apresente problemas de linguagem. Tem dificuldade em imitar gestos na mesma intensidade.

Instabilidade psicomotora – é o tipo de distúrbio que mais tende a inco-modar tanto a família quanto a escola devido às reações de instabilidade e atividade constante que a criança apresenta. Nesse quadro predomina uma atividade muscular contínua e incessante. As crianças com instabi-lidade psicomotora revelam:

instabilidade emocional e intelectual;

falta de atenção e concentração;

atividade muscular contínua. Parecem inquietas e estão sempre me-xendo com as mãos e os pés, não terminam as tarefas iniciadas;

falta de coordenação geral e de coordenação motora fina;

equilíbrio prejudicado;

hiperatividade;

deficiência na formulação de conceitos e no processo da percepção: discriminação de tamanho, orientação espaçotemporal, discriminação da figura-fundo etc.;

alteração da palavra e da comunicação, atraso na linguagem e distúr-bios da palavra;

alteração da função motora: atraso nos níveis de desenvolvimento motor e na maturidade geral;

alterações emocionais: são impulsivas, explosivas, destruidoras, sen-síveis, frustram-se com facilidade;

características durante o sono: movimentam-se excessivamente en-quanto dormem, fazem movimentos rítmicos com o corpo ou a cabeça no travesseiro, apresentam terror noturno;

2 O indivíduo que apresenta esse sintoma geralmente

não é de sofrimento, mas com indiferença e apatia, confun-dido frequentemente com o de deficientes intelectuais.

3 Urinar na cama ou nas rou-pas intencional ou involun-

tariamente, com idade de pelo menos mais de 4 anos.

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alterações no processo do pensamento: dificuldade para abstrair, pen-samento desorganizado, memória pobre, atenção deficiente;

características sociais: têm dificuldade de adaptação a situações novas e facilmente deixam-se influenciar por outras crianças;

escolaridade: dificuldades na leitura, escrita e na aritmética (discalcu-lia), lentidão nas tarefas, dificuldade de copiar do plano vertical para o plano horizontal (da lousa para o caderno);

babam excessivamente quando pequenas, chupam o dedo, roem unhas, têm dificuldade no controle dos esfíncteres e são de fácil fati-gabilidade;

problemas disciplinares graves na família, na escola e na sociedade.

Nesse quadro, podem aparecer também os tiques. São movimentos au-tomáticos, por isso, involuntários e incontroláveis. Repetem-se sempre da mesma forma, independentemente da vontade da criança e em geral começam depois dos 4 anos de idade.

Inibição psicomotora – caracteriza-se por um quadro muito próximo da debilidade psicomotora só que com a presença constante da ansiedade.

As crianças com inibição psicomotora apresentam:

estado de ansiedade constante, isto é, sobrancelhas franzidas, cabeça baixa, problemas de coordenação motora;

distúrbios de conduta;

distúrbios glandulares, de pele, circulatórios e tiques, além de enurese e encoprese;

rendimento superior ao das crianças com debilidade psicomotora, mas fracassam em provas individuais (exames, chamadas orais) por causa da ansiedade.

Ao contrário dos outros tipos, os inibidos psicomotores apreciam situa-ções novas e se comportam melhor quando estão em grupo.

Psicomotricidade e as dificuldades de aprendizagem

O desenvolvimento psicomotor da criança em idade escolar requer o auxílio constante do professor que, por meio da estimulação, pode atuar de forma preven-tiva sobre as dificuldades de aprendizagem.

A criação de uma atmosfera afetiva dá segurança ao aluno para se expres-sar. A organização e adequação do tempo e espaço pedagógico podem propiciar à criança as experiências que lhes são necessárias para desenvolver seus aspectos afetivo, cognitivo e motor de forma plena e saudável.

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É importante que o professor conheça o desenvolvimento psicomotor da criança para poder intervir sobre ele. Assim, uma observação cautelosa pode re-velar se a criança apresenta perturbações de equilíbrio, coordenação, lateralidade, esquema corporal etc.

A utilização de jogos e brincadeiras infantis são ferramentas importantes no preparo do terreno para um aprendizado mais conceitual/abstrato. No entanto, é importante que o professor tenha claro o seu objetivo ao utilizar esses artifícios lúdicos como recursos educativos, para que se desenvolvam de forma efetiva as habilidades psicomotoras necessárias à aprendizagem da criança.

1. Discuta com seu grupo e apresente sugestões de atividades lúdicas que o professor pode realizar junto às crianças para auxiliar no seu desenvolvimento psicomotor. Se possível, cite as habilida-des psicomotoras que serão trabalhadas em cada atividade.

2. De acordo com os estudos deste módulo, por que não podemos confundir lateralidade com no-ção de direita-esquerda?

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3. Para o professor, qual a importância do estudo do desenvolvimento psicomotor e do papel da psicomotricidade na aprendizagem?

DE MEUR, A.; STAES, L. Psicomotricidade: educação e reeducação. São Paulo: Manole, 1991.

Esse livro é interessante para alunos e professores interessados em compreender o papel da psicomotricidade para o processo de ensino e aprendizagem.

Numa linguagem clara, os autores fornecem informações sobre os problemas psicomotores e trazem sugestões de atividades para a reeducação psicomotora no contexto escolar.

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1. A expressão psicomotora pode ser trabalhada por meio de brincadeiras e jogos que envolvam o movimento do corpo, o raciocínio e a expressão afetiva. Por exemplo, o jogo das cadeiras é uma brincadeira em que as crianças desenvolvem noções espaciais e temporais, a capacidade de atenção e o equilíbrio. Quando a música para, cada criança deve sentar em uma cadeira. A criança que ficar sem cadeira sai do jogo. A cada rodada deve ser retirada uma cadeira da fila até que, ao final sobrem apenas duas crianças e uma cadeira.

2. A lateralidade é o reconhecimento de que as partes do corpo não respondem de maneira igual. Por exemplo, ao erguer o braço direito para lançar uma bola, a criança preferiu esse braço e não o outro porque tem consciência de que com ele seu desempenho será melhor. Assim, para compreender os conceitos de direita esquerda é importante que a criança tenha desenvolvido a sua consciência lateral.

3. Quando o professor reconhece que a mente, o corpo e a afetividade são processos interdepen-dentes, incorpora às suas estratégias pedagógicas ações que promovem a expressão da crian-ça. Seus alunos aprendem melhor usando o corpo, participando concretamente das atividades. Quando o professor ignora esse aspecto, pode gerar dificuldades de aprendizagem.

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Fatores comportamentais e as dificuldades escolares

Problemas de comportamento na escolaOs problemas de comportamento são frequentemente apontados pelos professores como causas

das dificuldades de aprendizagem. Mas qual é realmente o significado dessa expressão?

Que critérios utilizamos para atribuir ao comportamento do aluno uma conotação de desvio ou para atribuirmos a ele o rótulo de “aluno-problema” por questões comportamentais?

Responder a essas questões não é um processo simples. Sabemos que o modo como interpreta-mos a conduta dos nossos alunos no ambiente escolar é influenciado pelos nossos próprios valores e expectativas. Por isso, é comum que o comportamento de uma dada criança pode ser visto de formas

diferentes, dependendo do professor que a observa. Esse fato é res-ponsável por gerar certa indefinição, ambiguidade e até discordân-cias entre os professores de um mesmo contexto escolar.

É necessário que, nessas situações, seja relativizada a distin-ção entre o normal e o patológico, concebendo a questão do de-sajustamento do aluno ao contexto escolar numa perspectiva que considere os aspectos socioculturais e históricos. Assim, condutas que são consideradas normais em determinada etapa do desenvol-vimento da personalidade, seriam consideradas anormais em outra etapa. Por exemplo, é comum que crianças pequenas tenham um comportamento de dependência social e afetiva em relação ao meio, mas se a mesma conduta se manifestar em uma criança mais ve-lha, ela possivelmente seria considerada anormal, pois já deveria ter conquistado sua independência.

Distúrbios de comportamentoOs distúrbios de comportamento podem ser classificados de acordo com duas perspectivas.

A primeira delas ressalta a questão social como critério para identificação e definição dos dis-túrbios de comportamento. Assim, nessa perspectiva, todo o comportamento que viola de maneira sistemática e estável as regras ou normas sociais que regulam a convivência humana num dado con-texto sociocultural pode ser considerado distúrbio de comportamento.

A segunda perspectiva ressalta que os problemas de comportamento resultam de um distúrbio mais complexo, que envolve aspectos da constituição de sua personalidade.

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Fatores comportamentais e as dificuldades escolares

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De acordo com Brioso e Sarria (1995), as diferentes concepções de pro-blemas ou distúrbios de comportamento variam desde aquelas que os entendem como fruto da influência do meio sobre a conduta da criança, até as vertentes mais voltadas à psicologia, que explicam os distúrbios como resultantes do processo constitutivo da personalidade.

Implicações sociais dos distúrbiosJá é sabido que os distúrbios de comportamento podem produzir consequên-

cias negativas, influenciando e também podendo ser resultado do fracasso escolar. Também podem aparecer depois desse fracasso. Como explicar esse fenômeno?

Os distúrbios de comportamento afetam a relação do indivíduo com seu ambiente e interferem negativamente em seu desenvolvimento, sendo que seu caráter patológico advém da incidência de sua manifestação.

Desse modo, não podemos julgar que um aluno apresenta um distúrbio de comportamento tendo como base apenas uma situação circunstancial e isolada. Para podermos identificar se uma criança apresenta esse tipo de distúrbio e requer uma atenção especial, seja familiar ou educacional, é necessário:

conhecer o desenvolvimento normal da criança, as características pecu-liares a cada etapa do seu desenvolvimento bem como a inter-relação de diversos fatores (idade, sexo, fatores genéticos, contexto familiar e social, condições educacionais etc.);

reconhecer que alguns problemas de comportamento podem possuir um caráter transitório e que, portanto, não caracterizam uma patologia da personalidade;

avaliar até que ponto as alterações de conduta e os desajustamentos à situação escolar interferem ou dificultam a aprendizagem e a relação da criança com os amigos, professores e familiares.

Considerações sobre o diagnósticoUma observação criteriosa auxilia os professores a melhor diagnosticarem e

avaliarem se seus alunos apresentam um problema real de comportamento ou se uma avaliação negativa decorre mais propriamente da expectativa frustrada da esco-la ou do professor, devido a não submissão da criança aos padrões estabelecidos.

As dificuldades de aprendizagem, quaisquer que sejam suas causas, devem ser avaliadas com base na relação entre os recursos internos do aluno (emocionais, cognitivos e neurológicos) e ao modo como a escola se organiza para atender as suas necessidades.

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Fatores comportamentais e as dificuldades escolares

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É comum observarmos, no contexto escolar, manifestações comportamen-tais consideradas inadequadas pelos professores, contudo, mais do que um olhar de reprovação à conduta do aluno é importante que se analise cuidadosamente suas motivações internas e os elementos externos que podem incentivá-lo a agir dessa forma.

Devemos considerar que, de fato, algumas crianças são mais suscetíveis aos obstáculos comuns ao processo de escolarização, seja devido a influências sociais, culturais, familiares e de sua personalidade. Por outro lado, a escola tende a julgar a inadequação comportamental da criança com base em modelos idealizados de aluno, considerando como “desviantes” todos aqueles que apresentarem alguma resistência aos padrões definidos pelo contexto escolar.

A escola busca compreender os distúrbios de comportamento ora no pro-cesso de escolarização (inadequação de metodologias, conteúdos, formação de professores etc.), ora no aluno e seu contexto familiar (estrutura familiar, predis-posição psicoafetiva aos desafios, personalidade, caráter). De forma diferenciada, esse estudo buscou compreender esses mesmos distúrbios levando em conta a re-lação criança-escola. Sabemos que algo não vai bem nessa relação; nesse sentido, a conduta do aluno pode ser entendida como um sintoma capaz de sinalizar aos professores dois aspectos principais: o primeiro é fazê-los compreender que os aspectos singulares do indivíduo estão presentes e emergem diante dos desafios da escola; segundo, que há a possibilidade de a própria escola incentivar os com-portamentos considerados inadequados em seus alunos.

Desafios da vida escolarA escola é um ambiente de di-

versidade que desafia o aluno a uma capacidade constante de ajustamento ao mundo. É o local onde ele pode re-alizar escolhas, ampliar os seus hori-zontes e redefinir os contornos de sua personalidade. Contudo, nem sempre a escola favorece essas iniciativas, inibindo muitas vezes as potenciali-dades do indivíduo, afetando seu de-senvolvimento emocional. Assim, a criança pode perceber a escola como uma grande aventura ou como uma experiên-cia atemorizante, dependo de como sua relação com essa instituição lhe foi posta.

O ingresso na escola é uma experiência desafiadora de adaptação a um am-biente estruturado de modo totalmente diferente daquele conhecido pela crian-ça no seu convívio familiar. A escola impõe à criança a condição de estar sendo constantemente avaliada quanto ao seu comportamento, ao desempenho escolar, à capacidade de aprender etc. Além disso, a escola é o espaço da convivência com os desafios da diferença, em que a criança deverá desenvolver a capacidade de convi-ver com as adversidades, possíveis divergências, competição, críticas e rejeições.

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Fatores comportamentais e as dificuldades escolares

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Essas experiências possibilitadas pela escola influenciarão a personalidade de cada um de seus alunos, considerando que a criança em idade escolar não dis-põe de muita resistência às pressões e à tensão. Quando elas ocorrem podem re-presentar uma ameaça à integridade psicológica do aluno, podendo gerar traumas e, por consequência, dificuldades de adaptação ao ambiente escolar.

A tensão desencadeada na relação entre criança-escola faz com que apre-sente respostas emocionais conforme sua estrutura psicológica. Assim, a ansieda-de natural diante dos novos desafios pode converter-se em fobia escolar, agressi-vidade, timidez, negativismo, instabilidade, entre outras condutas de inadequação que irão interferir na aprendizagem dessa criança.

Na relação com a escola, a criança deve ser considerada como um indiví-duo singular, que possui características de ajustamento próprios. Portanto, alguns aspectos importantes de sua história pessoal, de seu contexto social e familiar devem ser conhecidos pelos educadores dessa criança, de forma a orientá-la e compreendê-la no âmbito de seu processo de desenvolvimento.

Distúrbios de condutaOs problemas comportamentais apresentados pelas crianças na escola, como

vimos, revelam-se por fatores internos e externos. Eles podem ser divididos em distúrbios de conduta e distúrbios da personalidade que veremos a seguir.

Os distúrbios de conduta são aqueles relacionados diretamente à relação da criança com o ambiente. Na escola, referem-se aos comportamentos que pertur-bam a relação com os colegas e professor, interferem na dinâmica da aula e no processo individual de ensino-aprendizagem, podendo se manifestar com atitudes de hostilidade e agressividade envolvendo delinquência e transtornos psíquicos.

Distúrbios de conduta = relação da criança com ambiente

Distúrbios de personalidadeOs distúrbios de personalidade são de caráter neurótico e refletem o modo

como a criança se estrutura internamente para responder às relações com o meio social e escolar. Podem expressar uma forma de reagir às tensões do meio escolar por meio de ansiedade exagerada, recusa em aprender, hostilidade, autocrítica exagerada, baixa autoestima, insegurança, timidez etc.

Quando, ao longo de seu desenvolvimento psíquico, a criança sofre alguma forma de trauma emocional, pode apresentar desde uma instabilidade emocional diante das experiências desafiadoras até um comprometimento na sua percepção da realidade.

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Os distúrbios de personalidade decorrem de questões emocionais e podem dificultar as relações da criança com o mundo a ponto de impedir sua adaptação ao contexto sociocultural ao qual pertence.

Muitos pesquisadores apontam como principais causas dos distúrbios de personalidade algumas falhas das interações afetivas da criança nos primeiros anos de vida, período em que ela não possui estrutura psíquica suficiente para elaborar as frustrações e ausências decorrentes das possíveis imposições do meio. No entanto, nessa primeira infância, a criança é extremamente dependente das relações afetivas com ambiente que a cerca. Vejamos a seguir diferentes formas de manifestação dos distúrbios emocionais que podem ocasionar também os dis-túrbios de personalidade:

Processos psicofisiológicos – a criança descarrega no corpo o seu estado emocional. Na escola, podemos citar como exemplo os períodos de ava-liação, momento em que algumas crianças podem desenvolver reações físicas como asma e desejo de ir ao banheiro no período que antecede a realização da prova.

Ansiedade – a criança permanece em um constante estado de alerta quando se sente ameaçada. Normalmente o grau de ansiedade apresenta-do pelas crianças nas situações escolares está diretamente relacionado às expectativas, cobranças e punições da família e da escola, associada ao medo da rejeição e da desaprovação. A ansiedade pode levar a criança a apresentar insônia, aumento da vontade de urinar, diminuição da capaci-dade de concentração, aumento da sensibilidade e conduta assustada.

Isolamento – a criança isola-se do contato social como forma de se pre-servar de uma possível ameaça, que pode ser real ou imaginária. É uma forma de chamar a atenção do grupo e do professor.

De acordo com Silva (1997, p. 65), alguns aspectos servem como sinaliza-dores aos professores para ajudá-lo a identificar na criança dificuldades de ordem emocional. São eles:

a criança necessita de incentivo extraordinário para completar os trabalhos;

pode parecer desatenta, indiferente e aparentemente desleixada;

demonstra reações nervosas, como: roer unhas, chupar o polegar ou ou-tros dedos, gaguejar, ser extremamente excitável, contrair os músculos, torcer os cabelos, limpar o ouvido ou o nariz ou arranhar-se, suspirar profundo constantemente;

é energicamente excluída pela maioria das crianças sempre que há uma oportunidade;

fracassa na escola sem razão aparente;

parece ser mais infeliz do que as outras crianças.

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Fatores comportamentais e as dificuldades escolares

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obtém menos rendimento na escola do que suas capacidades indicam conseguir;

é ciumenta ou excessivamente competitiva.

Normalmente, os distúrbios de conduta chamam mais a atenção dos profes-sores, pois interferem de modo mais explícito na aula que os distúrbios de perso-nalidade. Ambos possuem em comum o fato de representarem uma possível fuga ou defesa contra a ansiedade provocada ou desencadeada pela situação escolar.

Os problemas de comportamento são criados e agravados pela contradição entre os valores e padrões estabelecidos como aceitáveis pela escola em contraste com a educação familiar. Quando o aluno se considera incapaz de, ao mesmo tem-po satisfazer às exigências escolares, às expectativas familiares e suas próprias necessidades, tende a apresentar uma dificuldade de ajustamento. A partir daí, torna-se um problema para a escola por não se submeter ou se ajustar às pressões exercidas por essa instituição. Essa dificuldade de ajustamento pode variar de num nível superável a um nível considerado patológico, que requer um tratamento e acompanhamento fora do espaço escolar e familiar.

Dado o grande número, a diversidade dos distúrbios de comportamento e os limites desse estudo, selecionamos alguns deles, que consideramos mais recor-rentes no contexto escolar.

Fobia escolarA fobia escolar caracteriza-se por um temor exagerado da criança em fre-

quentar a escola, mesmo que não haja motivos que evidenciem e justifiquem tal medo. As crianças com fobia escolar podem apresentar alguns sintomas no mo-mento da chegada à escola. Entre esses sintomas podemos citar a ansiedade, vô-mitos, diarreias, dores de cabeça, perda de apetite, febre etc. Em compensação, não há recusa ao trabalho escolar em casa.

O comportamento fóbico não deve ser confundido com ansiedade e insegu-rança, muito comuns nos primeiros dias de aula, sobretudo de crianças pequenas que ainda se encontram na fase de adaptação à vida escolar. A fobia advém de um medo irracional da criança, ou seja, de um temor que ela dificilmente consegue explicar. Quando o consegue é comum expressar esse medo por meio de uma queixa relacionada a algum professor ou colegas. Os pais, sem compreender os sentimentos de seus filhos, costumam forçá-los a ir à escola, aumentando ainda mais o conflito. É importante que a família se alie à escola no sentido de conhe-cer as causas do problema e, por conseguinte, auxiliar a criança na superação do seu temor. Além disso, para que o aluno se sinta seguro é importante o professor aceitá-lo no seu ritmo de aprendizagem e nas suas características individuais. So-mente assim a escola terá a possibilidade de contribuir significativamente para o desenvolvimento do sentimento de segurança de seus alunos.

A melhor forma de auxiliar a criança com fobia escolar corresponde a me-didas que visam ao bem-estar do aluno, tais como encorajar e valorizar suas ini-

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ciativas, criar situações em que haja interação entre o aluno fóbico com outros que possam facilmente selar um laço de amizade, ser flexível diante das cobranças a serem feitas e envolver a família do educando.

AgressividadeAs teorias que buscam a compreensão da agressividade são bastante diver-

sificadas e, até mesmo, discordantes entre si. Para um sociólogo, ela pode ser um fenômeno sociocultural; já para um psicanalista, esse fenômeno é entendido como uma forma natural de expressão e sobrevivência psicológica do indivíduo diante do mundo que o rodeia. Por ora, basta ressaltarmos que a agressividade é normal-mente compreendida como uma forma de violência explícita manifesta por uma pessoa contra outrem. Sabemos, contudo, que a agressividade manifesta-se para além de agressões físicas, podendo também vir a ser tácita, por meio daquilo que podemos chamar de violência simbólica.

Esse tipo de agressividade é praticamente ignorado pela escola ainda que seja muito comum ao espaço escolar. Um exemplo de violência simbólica pode ser observado a partir de situações em que são negadas as necessidades dos alunos, desconsideram-se ou se rejeitam suas origens e características, ameaçando-os com instrumentos de avaliação de forma coercitiva. Neste estudo nos ocuparemos somente da análise da primeira forma de agressividade abordada, ou seja, aquela expressa de forma espontânea podendo ser facilmente percebida e identificada.

Esse tipo de agressividade é comumente manifesto por meio de crises de raiva, ataques físicos a outras pessoas, tais como bater, atirar coisas, extenuar, be-liscar, morder, puxar o cabelo, ameaçar com objetos cortantes ou provocar feridas. Também pode assumir características destrutivas como dilacerar, destroçar, jogar pela janela objetos próprios ou alheios.

Normalmente origina-se dos sentimentos de impotência, raiva, inveja, ciú-me diante de situações de profunda carência. Sob uma perspectiva psicanalítica, sejam quais forem as condições de educação da criança, por melhores que se-jam, não existe uma que não possua, em seu inconsciente, fantasias de natureza agressiva. Essa “natureza”, segundo a vertente, pode ser facilmente observada em situações lúdicas, nas brincadeiras de faz de conta, quando as crianças parecem extravasar o potencial energético que guardam no âmago de sua vida psíquica.

As reações agressivas são comuns até mesmo no comportamento do bebê, por meio da rigidez e tensão nos movimentos, do choro, de mordidas nas mãos etc. Nos primeiros anos de vida, a agressão é um ímpeto emocional caótico, difuso que resulta em comportamentos como os acima já apontados. Ao longo do desenvolvi-mento da criança, a resposta agressiva à frustração torna-se mais premeditada. A autoagressão passa a ser substituída pela agressão dirigida ao agente frustrador e tem por objetivo eliminar o fator que causou a frustração. Assim, uma criança que antes se atirava ao chão ao lhe tomarem um brinquedo, à medida em que crescer poderá agredir outras pessoas com murros, mordidas e pontapés.

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O modo como o meio responde ao comportamento agressivo da criança logo lhe ensina formas mais elaboradas de manifestar sua agressividade. Tendo em vista que, normalmente, qualquer tipo de violência tende a ser fortemente repudiada no ambiente escolar, a criança passa a expressar sua agressividade es-trategicamente, por meio de ataques indiretos. Alguns passam a realizar ataques verbais, outros fingem que foram agredidos, escondem objetos e acusam o colega como uma forma de vingança. A agressividade explícita passa então a ser camu-flada, visando prejudicar a pessoa que está sendo objeto da agressão.

Estudos revelam que a personalidade agressiva é fortemente influenciada pelo contexto sociocultural e familiar. A agressão pode manifestar modos de con-duta socialmente aprovados em determinado contexto educativo expressando pa-drões de reação adquiridos numa família, comunidade que encoraja tal compor-tamento. Podemos citar como exemplo a criança que vive em um meio familiar o qual costuma utilizar mais a agressão verbal e física do que o diálogo na adminis-tração dos conflitos e que na escola se serve desse mesmo recurso.

Na escola, as formas de agressão tendem a ser desencorajadas e reprimidas por meio de punições, do controle disciplinar e da exclusão. No entanto, a alter-nativa mais indicada para trabalhar a agressividade pela escola é gerar canais substitutos para que a criança extravase sua energia agressiva de forma produtiva. A expressão artística, o movimento e a linguagem valorizam a expressividade do aluno favorecendo sua experiência escolar.

A agressividade pode manifestar uma necessidade de autoafirmação, de demarcar um território, podendo ainda refletir uma reação de rejeição ao modo como a escola se organiza e se estrutura no cumprimento do seu papel.

O modo como a criança reage à frustração, como vimos, depende do mo-mento do desenvolvimento cognitivo e afetivo em que se encontra. Assim, é im-portante que a escola conheça a evolução desse processo na criança para que possa melhor compreender suas reações. Um adolescente, por exemplo, possui motiva-ções específicas que o levam a assumir uma atitude rebelde em relação às normas do meio social, diferentemente de uma criança pequena que agride outra com mordidas, pois não possui a linguagem como forma de expressar sua frustração.

De qualquer forma, as reações agressivas em todas as fases do desenvolvi-mento possuem em comum o fato de que algo está sendo denunciado, ainda que inconscientemente seja uma maior sensibilidade e intolerância à frustração, seja o modo como a escola/meio social promove ou reage a essa agressividade.

MentiraUm primeiro aspecto a considerar, antes de definirmos o uso da mentira

como um problema de comportamento, é identificarmos a distinção entre verda-deiro e falso, a verdade e a mentira na criança é uma conquista progressiva. De acordo com Piaget, a criança não distingue claramente a diferença entre mentira e fantasia antes dos seis anos de idade.

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A mentira é uma conduta que pode manifestar-se de três formas:

Mentira utilitária – corresponde mais diretamente à mentira do adulto, ou seja, serve para tirar vantagem de uma situação ou evitar um desa-grado. Na criança, o modo como o meio reage a essa forma de mentira influenciará a sua evolução. Assim, quando o adulto reage de modo ex-tremamente rigoroso e punitivo em relação à mentira pode influenciar a utilização de mais mentiras para acobertar as anteriores por receio de ou-tras reprovações e punições. Por outro lado, quando ignorada pelo adulto ou desprezada, a mentira pode encontrar força e se tornar um modo pri-vilegiado de comunicação da criança, associando-se a outros comporta-mentos desviantes.

Mentira compensatória – possui um papel de compensação de frustra-ções, expressando o desejo de ser ou parecer diferente do que se acredita ser ou possuir. Podemos identificar esse tipo de mentira na criança que inventa pertencer a uma família rica ou ter cometido feitos heroicos. Esse tipo de devaneio é considerado normal em crianças pequenas, mas quando persistirem em crianças maiores indica um distúrbio de comportamento.

Mitomania – caracteriza-se por uma excessiva fabulação (criação de fábulas, histórias fantasiosas das quais a criança afirma participar). A criança que recorre de maneira excessiva a esse tipo de mentira está normalmente confrontada com carências afetivas e materiais das quais necessita. Pertencer a um mundo de sonhos é uma forma de evitar o so-frimento causado muitas vezes por incertezas, inseguranças em relação ao devir, medo e recusa em aceitar as condições que lhe são oferecidas no contexto socioafetivo.

FurtoO furto é uma conduta delinquente bastante recorrente no contexto escolar

e tende a ser observada em crianças pequenas e adolescentes. Nas crianças peque-nas o furto assume um caráter diferente daquele realizado por crianças maiores, pois ainda não desenvolveram a noção de propriedade e limite de si e do outro. A criança pequena, levada pelo egocentrismo1, julga que tudo lhe pertence, tendo dificuldade em perceber o impacto de sua atitude egocêntrica sob o ponto de vista moral.

Apenas por volta dos seis anos a criança tem consciência do significado moral de se apropriar de algo que não possui. Assim, é importante que, antes de reprimir o furto de uma criança de maneira enérgica, o professor identifique se ela já desenvolveu o conceito moral de seu ato. Dependendo da fase do desenvol-vimento em que a criança se encontra, as motivações para o furto podem variar. Mas o ato de furtar decorre de influências ambientais e de necessidades de caráter material e psicológico. Ajuriaguerra e Marcelli (1991) apontam algumas caracte-rísticas relativas à situação de furto:

1 Termo utilizado por Piaget para referir-se a dificulda-

de que as crianças pequenas têm em se colocar em outros pontos de vista que não o seu próprio.

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Características relativas à situação de furto o local do furto é inicialmente doméstico, para depois ocorrer em

outros ambientes;

os objetos furtados podem ser insignificantes, mas podem possuir um valor significativo para a criança, gradativamente, os objetos furtados tornam-se se mais utilitários e de maior valor;

às vezes, o objeto furtado é diretamente utilizado ou consumido, às vezes, é escondido ou simplesmente abandonado em local onde pos-sa ser facilmente encontrado;

o furto pode ser acompanhado ou não do sentimento de culpa.

De um lado podemos afirmar que o furto é uma manifestação fortemente influenciada pelas condições sociais, econômicas e culturais. A criança que vive num contexto familiar frequentemente desorganizado, cujas referências corres-pondem a modelos inadequados de comportamento – tais como prostituição, vio-lência, alcoolismo e roubo – estão bastante suscetíveis à delinquência, embora, essa não seja uma regra geral.

Por outro lado, o furto pode também corresponder a necessidades de ordem psicológica. Portanto, mesmo sem a necessidade material do objeto furtado, essa atitude corresponde a uma necessidade afetiva da criança que concretizou o furto. Situações de abandono familiar, separação dos pais, excesso de rigor ou indife-rença normalmente são fatos observados no histórico da criança que furta sem a necessidade material do objeto.

A situação de furto requer do professor um conhecimento prévio da história do aluno responsável. Além disso, deve-se ter o cuidado de observar as motiva-ções da criança que furtou, o que foi feito com o objeto furtado, enfim, alguns aspectos que envolvam o contexto do furto de um modo geral.

Deve-se tomar o cuidado de não supervalorizar atitudes dessa natureza como conduta desviante. O fato de uma criança ter furtado não significa que se tornará um delinquente e que continuará furtando. O diálogo, buscando desenvolver a compreensão das consequências dos seus atos, é mais eficaz do que a punição.

Por outro lado, o furto não deve ser ignorado pelo professor. É comum que professores ignorem os pequenos furtos da criança para não se indispor junto à família. Contudo, a tolerância e complacência podem fazer com que a criança se sinta desculpada e até autorizada a cometer outros furtos.

TimidezLevando-se em consideração que existem diferenças de temperamento en-

tre as pessoas e que nascemos com uma série de características mais ou menos

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pronunciadas, que poderão manifestar-se de modo mais ou menos intensivo na nossa personalidade, em função da nossa experiência com o meio externo, temos, na escola crianças que se apresentam mais inibidas ou mais extrovertidas.

A timidez excessiva da criança deve ser encarada com seriedade pela es-cola, uma vez que pode interferir nas suas relações interpessoais e no seu apren-dizado. Pode ser causada por uma baixa autoestima decorrente do modo como a criança aprendeu a ver a si mesma nas relações com as pessoas mais próximas (pais, irmãos). A autoconfiança da criança pode ser abalada também devido à falta de oportunidade de desenvolver autonomia e isso normalmente ocorre quando a família é superprotetora, suprimindo da criança oportunidades de desenvolver uma autoimagem positiva.

Cabe aos professores e à escola proporcionar à criança essas oportunidades, elogiando seus pequenos êxitos e, à medida que vai criando autoconfiança, reque-rendo dela uma participação maior na vida escolar.

FugaA fuga é um distúrbio de comportamento caracterizado pelo abandono sú-

bito de uma situação e/ou local. Normalmente, a criança que foge caminha sem rumo durante horas, por vezes levando dias para retornar. Quando foge, a criança normalmente não tem um rumo certo, esconde-se em lugares próximos ou vaga indecisa e ociosa, por vezes se fazendo apanhar por vizinhos ou parentes.

Nos adolescentes, com frequência a fuga tem uma relação com a necessida-de de contrapor-se à regra social sendo motivada por um grupo da mesma faixa etária. No caso de crianças menores, a fuga ocorre geralmente como forma de distanciar-se do local temido ou ainda como forma de exprimir um sofrimento ou uma demanda que os adultos se recusam a ouvir.

Como no furto, é preciso que se considere claramente a intencionalidade da criança, pois crianças pequenas tendem a se perder mais facilmente em locais movimentados e abertos e nem por isso podem ser consideradas fujonas.

A fuga da escola é um comportamento bastante recorrente entre crianças que apresentam dificuldades escolares e estão prestes ao fracasso. Na maioria dos casos, são acompanhadas de um comportamento ansioso e podem chegar a desenvolver uma fobia escolar.

Muitas vezes a família ignora as fugas escolares da criança, pois elas si-mulam ir para a escola, não chegam a entrar, mas retornam para casa no horário habitual.

O professor nem sempre terá acesso às reais motivações da fuga pela crian-ça, mas poderá ajudá-la, mantendo uma postura acolhedora e verdadeira para com ela. Certamente, essa criança necessita menos de atitudes de reprovação e punição e mais de compreensão daqueles que a rodeiam.

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A escola diante dos problemas comportamentais

A partir da leitura dessas páginas é possível concluir que os fatores que levam aos distúrbios de comportamento são complexos, não devendo a escola prender-se à busca de um diagnóstico, mas refletir sobre a ação pedagógica mais apropriada para a diminuição dos impactos que esses distúrbios possam exercer sobre o processo de ensino e aprendizagem.

É importante que os professores tomem consciência da realidade que os cer-ca, conheçam os princípios básicos do desenvolvimento e aprendizagem de modo a identificar os processos pelos quais as crianças, ao longo de sua evolução cogni-tiva, neurológica e afetiva se utilizam para relacionar-se com as experiências.

O reconhecimento de que a escola pode tanto auxiliar quanto agravar e até originar os distúrbios de comportamento é o primeiro passo para que se criem estratégias mais educativas e menos punitivas para essas manifestações. A escola não pode perder de vista que toda ação educacional opera com a finalidade de contribuir para a mudança de comportamento do aluno, visando ao seu cresci-mento e ao fortalecimento da sua personalidade. A reação do professor, seja ela positiva, negativa ou indiferente, certamente tem efeitos sobre o comportamento da criança. Isso vale também para a relação entre família e escola que, quando re-legada à indiferença ou rejeição, interferem negativamente sobre as possibilidades de trabalho efetivo junto à criança.

A história de Eliane(FREIRE, Madalena. Aspectos Pedagógicos do Construtivismo Pós-Piagetiano – II.)

Eliane era uma criança de cinco anos que não parecia ser gente. Ela chegava à escola maltrapilha – e não era por falta de roupa ou por ser favelada – toda suja, cabelo desgrenhado se arrastava pelo chão, não sentava à mesa para trabalhar. Vivia no chão. E na sua parte mais suja, perto do lixo que havia na classe. Seu olhar não tinha fundo. Era um olhar solto. Vagueante. Procurava o contato com Eliane pelo olhar, e ele era solto, não tinha fundo, embora sua base fosse o chão. O chão era a sua geografia íntima, perto do lixo.

Isto

ckph

oto.

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Fiz tudo. “Eliane, vambora daqui, olha aqui um banco, senta aqui, blá, blá, blá”. No máximo do apogeu da minha conquista, ela sentou um segundo no banco e voltou imediatamente para o chão, perto do lixo. E eu observando. Observando. Registrando e perguntando: “Que diabo será? O que acontece? Por quê?” Tinha umas hipóteses, mas não era por ali, que negócio tão forte era esse? O que é isso? Nada. Nada mesmo. Decidi descer para o chão. Era a única maneira de dizer: “Eliane, estou aqui, no chão, neste espaço com você”. Não pense que parei a classe todinha para cuidar só de Eliane. Não. Tinha que fazer isso e ao mesmo tempo, com pensamento articulado de tempo, em que eu podia descer para o chão e tempo em que não podia. Sentada no chão, perto do lixo, igual. Comecei a organizar o espaço do chão com Eliane. Organizar no sentido de não haver nenhum elemento estranho – no sentido da limpeza, do não lixo. Ou começava a partir do que ela conhecia, ou não poderia construir nada de novo com ela. Comecei a limpar o chão.

E comecei a planejar atividades – desenho, construção, escrita, construção da pipa, a cons-trução e brinquedos, ali no chão. Marcava um traço, delimitava um espaço, “nossa mesa é aqui”, e pronto.

Ali ela iniciou, levemente a realizar uma atividade. Pegava um palito, desenhava uma coisa, conversava, comentava. Imediatamente desfazia. Ela foi se fazendo cada vez mais presente, trocá-vamos palitinhos, fazíamos ponta neles, variávamos, fazíamos outro até que chegou o papel. Papel posto, lápis introduzido, caneta... junto com o papel uma madeira, não mais o piso. E com o papel começou o segundo grande movimento. O desenho começou a existir de leve, mas um segundo movimento iniciou-se. Pegava um papel, amarrotava e atirava no lixo. Esse movimento de lançar, várias e várias vezes, o papel no lixo foi sendo observado. Fui percebendo que esse movimento era de um ódio mortal. Ao mesmo tempo tinha alguma coisa de amor nele. Eu não sabia, mas eu só via que aquilo tinha uma história. Eu ia tentar decifrá-la.

O lixo e esse gesto passaram a ser os signos de Eliane. Esse arremessar com ódio misturado com amor. Desenvolvi várias situações: “Você consegue lançar com mais forma, com menos for-ça? Em câmera lenta?” Nada tinha ressonância, só aquele arremessar violento.

Planejei reapresentar, trazer a situação do conflito para ser pensada, socializada, para poder deflagrar a construção do conhecimento. Nesse sentido, o educador é um artista, porque lida com a leitura do inusitado e com essa representação cotidianamente.

Decidi, sem saber, confesso, que iria representar para Eliane aquele seu gesto de ódio e amor no lançar objetos ao lixo. Como? Aonde? Em quê? Que hora? De que maneira? O que é que eu invento? Com todas essas questões, fiquei de olho aberto, procurando uma atividade que pudesse atuar.

Ela tinha um jogo de casinha, onde era a mãe. Ninava, ninava e, depois, como se estivesse na lua, repetia aquele mesmo gesto. Onde estivesse. Eu pensei: é ali que eu vou ter que buscar para pegar. Propus uma atividade de construção com massa, barro, e ela, no chão, ainda com aquela madeira e fez, nesse dia, um boneco.

Quando ela fez o boneco – e eu por perto – senti que estava na hora de entrar em cena. Che-guei perto, porque tinha absoluta certeza de que, rapidinho, aquele boneco iria ser esmagado. Aproximei-me, e quando ela foi pegando para fazer isso, mais do que depressa avancei em cima dela, carreguei-a e fiz o mesmo movimento: o de jogá-la no lixo.

E o medo? E a dúvida? E minha agressividade? Meu Deus, o que é que eu estou fazendo? Que ato será esse de amor e de ódio, o que é isso? Eu não sabia.

Quando repeti o mesmo movimento, o mesmo gesto, perguntei: “Você quer, Eliane, você quer que eu a jogue no lixo?” – ela aterrisou o olhar. Pela primeira vez vi o fundo do seu olho e ela disse: “Não, eu não quero que você me jogue no lixo”.

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Sentamos no chão. Eu em pandareco, desfeita, sem ter o rumo, mas tinha claro uma conquis-ta: vi no fundo do olho. Ela pegou em alguma coisa de sua história. E a coisa que ela me disse foi: “Você sabia que, quando eu nasci, minha mãe jogou eu na lata do lixo? Você sabia que quem me pegou foi minha avó?”

Se eu já estava em pandareco, naquele momento já não conseguia me levantar. Em silêncio, as duas, como se as tivesse vendo num videoclipe de nascimento. Dei um tempo. Falei para ela: “Que bom, Eliane, você ter dito isso hoje. Eliane, mãe perde a cabeça. A mãe ama e odeia, Eliane, mas mãe é mãe...” E ela começou a contar da avó, começou a contar da mãe. Antes, essa mãe nunca tinha sido nomeada. Na ficha de matrícula, a mãe era a avó. Não existia mãe.

E continuei: “Mas você já saiu do lixo, você não está mais no lixo, você pode tomar banho, se limpar, se vestir, se pentear. Você está viva. Veja quanto você já trabalhou aqui mesmo, no chão... Tem muito trabalho, Eliane, para você continuar fazendo e vivendo...”

Por obra e graça do Espírito Santo tinha um sabonete na minha bolsa. Peguei e disse: “Isso aqui é para você tomar um banho!”

O banho do recém-nascido. “E venha para a escola!”.Quem me ouve aqui pensa que eu estava muito segura.Saí de lá, acabou o dia e me tranquei no diabo de um carro velho que eu tinha e chorei.Fui chorando caminho afora e não parava de chorar, e chorei a noite toda. Meu Deus! Foi só

naquele momento que percebi que fui parteira da Eliane. Quem tem a confiança de que ela voltará amanhã? E se ela não voltar? No outro dia chegou, abriu a porta. Parecia uma princesa.

Cabelo penteado. Cara limpa. Ninguém via a cor da Eliane antes. Cara limpa, mostrando a pele.

Cheiro. E para mim, a imagem era única. Tudo o que estava ao redor desaparecera, ofuscara-se.Eliane vindo, nascida, nova, para outra vida.Eliane chegou e me disse: “Onde é o meu lugar na mesa?”“A partir desse dia começou o seu trabalho na mesa e começou a trazer a mãe. Para o lanche,

para o café, para ver o álbum, para ver sua pasta. Assumiu o amor e ódio na relação”.Chega, pelo amor de Deus, que meu coração está em frangalhos.

1. Quais os aspectos a serem considerados pelo professor para identificar se uma criança apresenta um distúrbio de comportamento ou se, simplesmente, requer uma atenção especial em seu de-senvolvimento?

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2. Quais cuidados devemos ter antes de interpretar um comportamento como sendo anormal?

3. Após a leitura do texto “O caso de Mariana”, responda (individualmente ou em grupo) às questões.

O caso de MarianaMariana é uma menina tímida de nove anos que está matriculada no 3.º ano do ciclo funda-

mental I. Senta-se na última carteira, no canto da sala de aula e nunca conversa com ninguém. Apre-senta dificuldade de acompanhar o conteúdo ensinado, pois se distrai facilmente e parece ter medo da professora, mesmo sem nunca ter sido repreendida.

Após terminar a lição costuma distrair-se roendo com a boca um pequeno pedaço de borracha. No dia da última prova, Mariana urinou na roupa. Sua professora perguntou por que ela não pediu para ir ao banheiro, mas ela baixou timidamente a cabeça e não quis responder. Após esse incidente, algumas crianças da sala chamaram-na de “mijona”. Mariana não compareceu mais à escola. Foi vista por um pai de aluno escondida numa praça pró-xima à escola, durante o horário de aula.

Sua tia foi chamada para conversar com a professora e alegou que não sabia das faltas de Mariana, pois ela arrumava-se e ia à escola todos os dias, retornando normalmente para casa no horário.

Inm

agin

e.

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a) De acordo com os estudos deste módulo, que possíveis distúrbios de comportamento são apresentados por Mariana?

b) De que modo a professora poderia proceder para auxiliar Mariana?

4. A partir do texto de Madalena Freire, reproduzido neste capítulo, reflita sobre a relação profes-sor-aluno e suas implicações no processo de aprendizagem, destacando os aspectos que você e seu grupo consideram relevantes para a experiência de Eliane de superar suas dificuldades emocionais com o auxílio de sua professora.

Mentes Perigosas.

O filme retrata a realidade da escola em um subúrbio de baixa renda, onde um grupo de adoles-centes problemáticos, para quem o fracasso é uma rotina, bate de frente com uma professora deter-minada a conquistar a confiança e a mudar a vida desses jovens. Muito interessante para refletirmos sobre os problemas comportamentais enfrentados pelos professores e o papel da escola.

ALMEIDA, Ana Rita Silva. A Emoção na Sala de Aula. Campinas: Papirus, 1999. Cap. 2.

Essa obra discute a importância de uma prática educativa que considere o papel da emoção na sala de aula e sugere uma reflexão acerca da relação entre emoção e inteligência e sua influência sobre a docência e o processo de aprendizado.

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1. O professor deve levar em consideração que os problemas de comportamento resultam de fa-tores internos e externos ao aluno. Assim, é importante que o comportamento considerado problemático seja objeto de uma análise crítica que busque entender qual a influência da escola sobre essa conduta, se a relação professor aluno não está sendo geradora do conflito e se a ex-pectativa da escola com relação ao aluno influencia o modo que como ela o vê.

É fundamental também que os professores conheçam o processo de desenvolvimento emocio-nal de seus alunos para que possam melhor avaliar as formas de comportamento próprias de cada estágio do desenvolvimento humano. O modo como as crianças reagem ao meio depende do amadurecimento de suas estruturas afetivas e cognitivas. O conhecimento do contexto social e familiar da criança é também um fator importante para que a escola se adapte melhor às suas necessidades, valorizando e respeitando suas crenças, valores e interesses.

2. Além de compreender e reconhecer as características próprias do desenvolvimento da criança, é importante considerarmos que os conceitos de normalidade e anormalidade são relativos, uma vez que não há padrões bem definidos de conduta. Assim, comparar os alunos não é o suficiente para identificarmos um comportamento como sendo fora da normalidade. É preciso, antes de tudo, reunir um conjunto de elementos que auxiliem a compreensão do comportamento desse aluno a partir de seu contexto escolar, familiar e emocional.

3.a) Mariana apresenta uma manifestação de insegurança e ansiedade. A escola não soube lidar

com suas dificuldades o que resultou em fuga.b) A professora deveria desenvolver uma atitude favorável de empatia em relação às dificuldades

de sua aluna. Deveria também ter valorizado seus pequenos progressos, criado situações em que outras crianças pudessem interagir e colaborar com Mariana. A aproximação afetiva da professora é um aspecto fundamental para gerar laço de confiança entre ela e seus alunos.

4. O caso de Eliane retrata uma situação que teria um desfecho diferente caso a professora não demonstrasse o mesmo interesse que demonstrou em incluí-la.

Eliane tinha problemas emocionais, mas não conseguia expressá-los de outra forma se não resistindo à própria aula. Expressou junto à professora os mesmos conflitos que experienciava com o abandono e rejeição da mãe. A capacidade de se colocar no lugar do outro, manter uma postura reflexiva e o real interesse pelo aprendizado do aluno são características fundamentais a qualquer professor que reconheça o papel dos aspectos emocionais e sua influência na escola.

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ReferênciasAJURIAGUERRA, Julian; MARCELLI, Daniel. Manual de Psicopatologia Infantil. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.

ALMEIDA, Ana Rita Silva. A Emoção na Sala de Aula. Campinas: Papirus, 1999.

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