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7/29/2019 Valor94-Crise, canalhice e economia poltica
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Crise, canalhice e economia poltica
Fbio Wanderley Reis
Em evento recente relatado peloFinancial Times, Martin Wolf dedicou-
se, como vm fazendo muitos de seus colegas, a pregar humildade aos
economistas, repetindo a indagao da prpria rainha Elisabeth II sobre a falha
dos profissionais da rea em antecipar a crise que se acercava (no obstante
dar o devido crdito a alguns que sim advertiram para o perigo ou mesmo a
fatalidade de algo catastrfico frente). Os comentrios de Wolf suscitam
antes de mais nada a questo da competncia dos economistas,
particularmente dos que trabalham como especialistas nos problemasfinanceiros mais diretamente relevantes para a crise, embora sua avaliao da
limitada capacidade de prev-la destaque justamente a fragmentao das reas
de trabalho e a falta de uma viso apropriadamente integrada. Seja como for, o
problema envolvido o de uma boa cincia econmica, capaz de pesquisar e
apreender com acuidade fenmenos que se manifestam em regularidades
objetivas que se oferecem como tal aos instrumentos cientficos dos
economistas profissionais.
Mas h um outro aspecto, ilustrado com fora singular por algo que a
passagem que se desenrola do tsunami da crise acaba de revelar: a gigantesca
fraude montada por Bernard Madoff (o canalha do ano, segundo The
Economist), ningum menos que o ex-presidente de uma instituio da
importncia da bolsa de tecnologia Nasdaq. Se h aqui uma questo de
pesquisa e apurao de fatos, ela assume sobretudo, ao menos de imediato, a
face da investigao policial ou detetivesca, onde se trata de desvendar e
expor algo que os agentes envolvidos tratam deliberadamente de ocultar. E
interessante que o escndalo da fraude de Madoff surja simultaneamente com
as revelaes de corrupo poltica envolvendo Rod Blagojevich, o
governador de Illinois, no quem-d-mais pelo cargo deixado vago no Senado
estadunidense pelo presidente eleito Barack Obama.
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Naturalmente, olhadas as coisas de modo um pouco mais atento,
tambm fraude e corrupo so questes relevantes e crucialmente
relevantes para uma cincia da economia e da poltica. Elas remetem a
indagaes de pelo menos dois tipos. Em primeiro lugar, at onde contar, nospostulados sobre os quais se erigir o trabalho de pesquisa emprica e de
eventual diagnstico de situaes concretas, quer com a operao de normas e
valores solidrios, quer, realisticamente, com o egosmo e a busca do
interesse prprio, ou at o valor como tal da autonomia e a necessidade de
traduzir-se ele mesmo em normas adequadas. Em segundo lugar, se se supe
que o objetivo maior seja alcanar uma cultura em que se realize o
equilbrio a sugerido, no qual normas democrticas e pluralistas temperem
com princpios solidrios a busca autnoma do interesse prprio, em quemedida apostar ou no desenvolvimento e no amadurecimento espontneos
ou naturais do processo cultural ou, diversamente, no papel de artificiais
instrumentos institucional-legais (no Estado, na fiscalizao, na polcia) que
venham a condicionar as expectativas dos agentes e pression-los diretamente
a determinadas formas de comportamento.
A nfase unilateral na idia de uma cultura de solidariedade e
convergncia acabou produzindo no plano da poltica, perversamente, certa
concepo cnica da democracia como credulidade ou ingenuidade coisa de
trouxas ou otrios, o que, segundo alguns, explicaria que, na escala planetria,
a democracia viesse a ter melhores condies de florescer medida que nos
deslocamos para o norte e nos afastamos de gente esperta como, por
exemplo, ns latino-americanos. Sem falar do norte como o espao de um
capitalismo racional e regrado, em contraposio ao nosso capitalismo
selvagem e aquisitivo.
Claro, a viso especialmente vvida de agora de fraudadores e corruptos
a operar no centro democrtico do capitalismo internacional ajuda a pr de
lado essa geografia simplista da racionalidade econmica e da democracia.
Mas merece destaque algo que vai em direo diferente: que os avanos mais
promissores no terreno relevante das cincias sociais em geral (naturalmente,
com contribuio decisiva do norte) levem reviso de postulados
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conduzida de maneira tal que o realismo vem a comportar no s a nfase
na idia de interesse, tomada cruamente como envolvendo o nimo de trapaa,
mas tambm a ligao das velhas abstraes da cincia econmica com a
ateno para a sociedade e a poltica, e naturalmente sua cultura e suas
instituies, bem como com o recurso a modelos do comportamento humanode maior complexidade, em que o nimo egosta e trapaceiro somente um
trao.
De todo modo, no chega a ser de todo surpreendente que uma cientista
poltica estadunidense, Susanne Lohmann, escrevendo em 2005 sobre poltica
monetria para um volume destinado a explorar o estado da arte justamente
na fronteira entre economia e poltica (B. Weingast e D. Wittman, The Oxford
Handbook of Political Economy, 2006), tenha podido, de um lado, apontarfatos como a contaminao at da apropriao de recursos feita em nome da
segurana nacional por ocasio do 11 de setembro pela poltica clientelista
atenta aos interesses especiais e, de outro lado, chamar a ateno, sem
embargo de elogios ao Fed, para a precariedade dos instrumentos
institucionais disponveis para lidar, entre outras ocorrncias possveis, com as
fatais crises financeiras internacionais vindouras, ou com contingncias
imprevistas extremas na escala, digamos, da Grande Depresso.
Valor Econmico, 22/12/2008
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